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jaxy jatere

o saci guarani

u r a
r a t a
t e e n
li d í g
in
Geni Núñez
Guarani
jaxy jatere
o saci guarani

terceira edição
edição
produção y edição de texto
Geni Núñez Guarani

revisão de texto
Kerexu Yxapyry
Neusa Poty Quadro
Daniel Kuaray
Julie Dorrico
Fauzi Zió
Helen Maria
Laura Carvalho

ilustração de capa
Wanessa Ribeiro

ilustrações de corpo
Joyce Ara'i Firmiano

design gráfico
Fauzi Zió

segunda edição
abril de 2022
pesquisa
história oral
Vicenta Núñez

trabalho de conclusão de curso


Daniel Kuaray
Mo'ka aguy régua - Tekoa
Mbiguaçu: as memórias das
plantas medicinais. Curso de
Licenciatura Intercultural
Indígena do Sul da Mata Atlântica
(UFSC), 2020.
apresentação
Essa menininha da foto chama Jaxuca e
é uma grande amiga minha. Em tempos
de corona vírus, a saudade viaja nas
palavras. Foi pensando nela e em outras
crianças que tanto amo, como no meu
afilhado Kuaray, seu irmão Xunu e sua
irmã Jera, que me inspirei a escrever esta
história, que ouvi de minha mãe.

Esse projeto é uma forma de somar na


construção de redes de apoio ao povo
guarani na pandemia. Agradecemos por
você ter semeado essa ideia conosco!
Haevete.
Agradeço a Nhanderu pela vida e ao
Jaxy, a quem peço licença. Grande
mestre das medicinas, sei que a palavra
é sagrada e também é planta sua - para
usá-la peço sua permissão e benção.
O Canto de Jaxy
Geni Núñez

O pássaro voar e não achar árvore


para pousar
A borboleta passear e não ter uma flor
para descansar
As gotas de chuva procurarem a terra
para penetrar
e só encontrarem cimento
A formiga não ter sua folha
para carregar
O tatu não ter a terra
para cavar
Os macaquinhos não terem galhos
para saltar
Nossa fé não remove montanhas
nos leva até elas
sumário
saci guarani......................................7

exercício..........................................16

pósfacio...........................................17
saci guarani
7

Hoje vou te contar uma história que


minha mãe me contou e a mãe dela
aprendeu com a vó dela e a vó dela
com a outra vovó, há muito tempo. É
a história do Jaxy Jatere... Você já
ouviu falar dele? Não?! E do Saci
Pererê, você já ouviu? Ah, sabia que
você conhecia! Jaxy Jatere é o Saci
guarani! Ele já ganhou vários
nominhos: Djatchy, Jaxy e muitos
outros.
Em um mesmo povo indígena pode
haver muitos jeitos diferentes de
contar a mesma história, mas o mais
importante sempre permanece. Isso
porque ouvir e contar histórias é o que
constrói a memória viva de quem
somos.
Mas isso tudo fica para outra hora,
agora vou mesmo é te contar segredos
do Jaxy, então preste bastante atenção
que ele é muito esperto, igual você!
Posso começar?
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Pertinho de uma fogueira, em uma


noite bem fria, minha mãe me disse:
“hoje, vou te contar a história do Jaxy
Jaterê. Ela começa assim:

– Era uma vez, um ser pequenininho


que morava numa floresta linda, cheia
de bichos, flores, com árvores e seus
frutos. Ele tem a pele da cor da terra
vermelha, dois bracinhos e duas
perninhas, os cabelos lisos e bem
pretinhos, como a noite.
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– E por falar em noite... Sabe quem


era o pai dele? Jaxy, o Lua. Você deve
estar pensando: mas, a Lua não é
menina? Para nós, indígenas Guarani,
Lua é o irmão do Sol (que se chama
Kuaray) e é um ser muitíssimo
poderoso e sagrado.

Como ele é filho do Lua, gosta muito


de brincar à noite e tem um assobio
bem alto. Se você ouvir um assobio
quando estiver tudo escuro na noite,
saiba que pode ser o Jaxy passeando!
O assobio dele conta notícias e dá
avisos de doenças, então, tenha
bastante atenção para escutar!

Muitas pessoas conhecem esse nosso


encantado como Saci Pererê, que vive
até hoje, na floresta... O nome Pererê
parece Pere...reca! Assim como a
perereca, o Jaxy Jaterê ama pular e
vive saltando para lá e para cá.
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O Jaxy, mesmo sendo pequenininho,


é muito sábio! Sabe tudo sobre as
plantas e é muito amigo delas. Ele
conhece as ervas e os chás que curam
doenças no corpo e no coração.

Quando alguém entra na mata para


fazer maldade contra as árvores, ou
quando uma pessoa não respeita as
plantinhas, sabe o que ele faz? Ele
engana essa pessoa, fazendo com que
ela comece a andar tonta, tonta... Até
bater com a testa na árvore! Sim! E ele
também faz a pessoa se perder na
volta para casa, faz esquecer a comida
no fogo e some com as coisas dela!

O Jaxy também vai à casa dos


caçadores e coloca um monte de sal
no café e um monte de açúcar no
feijão. Aí, quando eles vão comer,
ficam: “Que nojo! Que ruim esse café!
Que estranho esse feijão!”
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Enquanto fica invisível dentro de seu


redemoinho, vendo tudo e morrendo
de gargalhar, igual ao vento que faz
zumbido, ele ri e diz:

- É isso o que dá não respeitar a


natureza! Agora vão tomar café com
sal!

Minha mãe também me contou que,


uma vez, quando ela era do seu
tamanho, soube que cinco caçadores
foram tentar queimar a mata. O Jaxy
ficou muito bravo com eles e disse:
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“Ah, é? Pois, vocês vão ver


o que vai acontecer!”
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Lembra que ele assobia? Isso é


porque, sendo um Saci, o Jaxy Jaterê
pode se transformar em um
passarinho. Então, quando os
caçadores tentam fazer mal à floresta,
eles escutam um assobio e ficam
perdidos para sempre.
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Muitos caçadores já tentaram


capturar o Jaxy Jaterê, mas até hoje
ninguém conseguiu, porque ele é
muito poderoso. Sabe como ele se
protege? Ele está sempre fumando o
Petyngua, seu cachimbo sagrado, que
solta a tataxina, que é a fumaça que
espanta as impurezas, deixando o
corpinho dele bem forte e em paz.

A tataxina é um segredo do Saci e de


todos os Guarani para se conectar com
Nhanderu (o nosso grande pai, nosso
deus). A fumaça vai subindo no ar e
cria uma ponte invisível entre o nosso
corpo e o nosso Deus.

Jaxy sempre fuma o cachimbo,


porque ele é muito amigo das plantas,
das curas e das medicinas da floresta,
por isso ele gosta muito de receber
fumo de presente.
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Quanta história tem o nosso amigo,


Jaxy! Eu prestava atenção em cada
palavrinha que a minha mãe dizia,
para não perder nada e sentia alegria
em saber que há muitos seres
encantados, como o Saci, cuidando
das matas e de nós. Sim, de nós!
Porque se a maior parte do nosso
corpo é feita de água, nós também
somos um pouquinho de rio, se só
existimos se respirarmos, somos
também um pouquinho do vento. As
plantas, os rios, as matas tudo que
existe é parte da nossa família.

E você, também quer ajudar o Jaxy


Jaterê a cuidar da floresta? Para isso é
importante ter muito respeito por
todos os seres da natureza e amar cada
plantinha, porque é delas que vêm
todos os remédios do mundo. Quando
a gente cuida da floresta, a floresta
cuida da gente, pois nós também
somos a floresta.
exercício
Identificar na imagem os
elementos da cultura guarani:
1. milho (avaxi)
2. mate (kaa)
3. cachimbo sagrado (petyngua)
4. Jaxy (lua)
5. grafismo das estações
6. fumaça do cachimbo (tataxina)

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posfácio
O reconto do Saci Pererê pela
autora  Geni  Núnez é uma forma de
reaver as narrativas tradicionais
tomadas secularmente como
narrativas folclóricas e populares.
O Saci Pererê por exemplo embora
seja descrito como tendo traços
africanos e diretamente vinculado à
cultura afro-brasileira, já era descrito
por Couto de Magalhães como um
“[...]indiozinho manco de um pé, com
barrete vermelho e uma ferida em
cada joelho” (apud Câmara Cascudo,
2006, p. 124). A mais famosa descrição
do Saci, porém, o “[...] pinta como
negrinho, unípede, com uma carapuça
vermelha que o faz invisível e todo-
poderoso” (Câmara Cascudo, 2006, p.
124).

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A narrativa sobreviveu no
imaginário da nação brasileira, mas
sem vinculação a um grupo
especificamente, fato que a torna
“popular” ou passível de ser chamada
de “lenda”.
Mas as gentes da grande nação
guarani – a autora,  Geni  Núñez, e
Olívio Jekupé, escritor do mesmo
povo, afirmam contemporaneamente
que o Saci Pererê, ou melhor o Jaxy
Jatere, também com a grafia Djatchy
Djatere, é um encantado da tradição
guarani. Em outras palavras, há uma
reivindicação autoral e coletiva dos
seres encantados à tradição do povo,
outrora diluídos e lançados no
anonimato pela crítica brasileira.

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Aqui, nesta retomada da narrativa,
Jaxy tem a pele da cor vermelha da
terra, dois bracinhos e duas pernas,
cabelos lisos e pretinhos como a noite.
Ele tem pai, o Djtchy, o Lua, no
masculino mesmo. Na tradição
guarani Lua não é feminino, é
masculino e irmão do sol. Aqui o Jaxy
representa a visão de mundo indígena:
o compromisso de proteger e cuidar
da floresta. Se nas narrativas
folclorizadas ele atormenta os homens
que entram na mata com interesses
gananciosos, aqui esta tormenta
significa proteção à Mãe-Terra.
Os homens que se sentem por ele
ameaçados, os madeireiros e
garimpeiros, devem sentir na pele o
grande perigo que são aos filhos da
terra e à toda humanidade.

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Afinal, a visão de mundo indígena
quer proteger a floresta que é nossa
casa, e os exploradores dos recursos da
natureza querem destruí-la. A visão
moderna pôs os encantados como
traiçoeiros, maldosos, assassinos. As
narrativas indígenas apresentam outra
perspectiva, da relação orgânica do
humano com a natureza, contrária ao
consumismo desenfreado, contrária a
tudo que destrói sem pensar no
amanhã. Quem senão os encantados,
aqui Jaxy, para nos proteger?

Julie Dorrico

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