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Veranilda Lusia da Silva acende a lâmpada que lhe permite ler e fazer crochê à
noite
Primeiro foi o verbo, depois a luz e, então, a água - nessa ordem. O engenheiro
agrônomo gaúcho Fábio Rosa nunca imaginou que ficaria conhecido
internacionalmente pela abrangência dos projetos de eletrificação rural em
comunidades que em pleno século XXI ainda vivem sem acesso à energia
elétrica. Tudo começou em 1982, porque sem energia não havia como bombear
água do subsolo para irrigar as lavouras de arroz no pequeno e então recém-
fundado município gaúcho de Palmares. Hoje, calcula-se que a implantação de
suas propostas já tenha iluminado a casa de mais de 1 milhão de brasileiros.
Levar energia a áreas isoladas não era o objetivo final. Revelou-se o meio mais
eficiente para cativar as populações, possibilitar aumento da renda e gerar
desenvolvimento. O laboratório, no início da década de 1980, foi a Secretaria
de Agricultura de Palmares do Sul, no extremo norte da Lagoa dos Patos.
Recém-formado, Rosa tinha 22 anos, um carro velho à disposição e a confiança
do primeiro prefeito da cidade, Ney Azevedo. Tinha, sobretudo, a convicção que
o acompanha até hoje, uma de suas mais marcantes características.
vezes mais que a média mundial. A única maneira barata de tirar água do
subsolo era com eletricidade, e 70% da população local (cerca de 9 mil
pessoas) não tinha acesso a ela.
os dias, para comprar querosene para o lampião, velas e pilhas para o rádio.
"Eu percebi que eles tinham uma conta de luz subterrânea. "Fez o cálculo e
descobriu que cada família gastava cerca de 13 dólares por mês com energia
não renovável e poluidora. Neste ano, criou a organização não-governamental
Ideaas, sigla do Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas e da
Auto-Sustentabilidade. "Um ano e meio depois, a Ashoka lançou um concurso
para empreendedores sociais que consistia em criar planos de negócios para
sua instituição ser sustentável. "Se o Fundo Ideaas comprasse as placas,
poderia alugar os sistemas de energia solar por um preço que as famílias
tinham condições de pagar, pois já gastavam com o que ele chama de "conta
subterrânea". "Provei que num prazo de cinco anos poderia resgatar o
investimento inicial se tivesse sede capitalista, mas poderia guardar metade
para as trocas de baterias, necessárias entre o terceiro e o quinto ano, e a
outra metade manteria a estrutura administrativa e faria uma pequena sobra
para ampliar o número de pessoas servidas. Cinco ou dez anos para cobrir o
custo de um investimento em energia é muito pouco. Nossas grandes
barragens são financiadas em trinta, até cinqüenta anos. E estou falando em
energia renovável, então esse negócio não é uma loucura. "Desse modo surgiu
o projeto Luz Agora!, que segue um modelo de negócio possível numa empresa
social, mas inviável numa empresa convencional. Assim, a STA e o Ideaas se
separaram no ano passado, seguindo rumos diferentes.
"É claro que não posso viver só desse trabalho", diz Renck, que também ajuda
o pai na fábrica de esquadrias da família. "O Fábio Rosa me ganhou no dia em
que fui acompanhá-lo para aprender a fazer a instalação dos sistemas de
energia solar. Andamos por uma trilha no mato até chegar a uma clareira com
um casebre de chão de terra batida, onde viviam uma anciã e uma menina.
Quando a lâmpada acendeu, a mulher jogou-se de joelhos aos meus pés,
agradecendo, e disse que achava que ia morrer sem conhecer luz elétrica.
Depois disso, não largo mais esse trabalho", lembra Renck.
A Metade Sul está sendo palco de grandes plantios de eucalipto por indústrias
papeleiras para fabricação de celulose. Os investimentos têm gerado polêmica.
O Ideaas também desenvolve um modelo de manejo florestal. No município de
Para Fábio Rosa, as espécies exóticas têm um papel a cumprir. "Até porque não
temos alternativa, hoje somos prisioneiros disso, precisamos desse processo,
mas temos de criar uma situação mais inteligente e, além disso, boa para todo
mundo: para a natureza e para a gente. E para prender o homem no campo.
Numa propriedade de 5 hectares, se 1 hectare for reservado para produção de
madeira nativa, em vinte anos o produtor passa a receber por mês 1, 7 mil
dólares. Eles plantam cana, alguns têm gado. O conceito do projeto é criar um
fluxo de caixa estável para o produtor rural. "
Apoio A esta altura, Fábio Rosa atraiu outros apoiadores, entre eles a
Fundação Schwab, da Suíça, ligada ao Fórum Econômico Mundial, do qual Rosa
já participou quatro vezes. Lá, ele foi colocado em contato com uma fundação
familiar holandesa que, em 2004, doou anonimamente 103 mil euros por meio
da Schwab, aproveitando um mecanismo legal que autoriza abater esse tipo de
doação do Imposto de Renda. "O que essa fundação holandesa está fazendo é
um investimento na utopia. Ela é quase uma ação entre amigos. É pouquinha
gente. Hoje é mais fácil, para mim, conseguir dinheiro no exterior do que no
fundo do Luz para Todos, que foi um troço que eu inspirei. Então, fico fazendo
projetos e mandando para todos os lugares. "
Elétrica, que aceita a figura do gerador independente. " Esse negócio muda de
língua, de país, mas é sempre igual:o modelo construído está todo voltado para
as concessões e não admite os pequenos agentes de energia - os Ideaas da
vida. Fizemos um estudo profundo do marco regulatório da geração
centralizada no Brasil, das questões de acesso à energia e concluímos que é
preciso introduzir outras figuras, independentes e sustentáveis, não no sentido
de hostilizar as concessionárias, mas para a sociedade ter outras ferramentas. "
Ele sabe que o processo provavelmente levará anos. Não importa, nunca viu
nada nessa área mudar de um dia para o outro. Apenas acha que as
concessionárias podem colaborar para o desenvolvimento dessa cultura de
gestão descentralizada. "Há cem anos, não sabiam falar disso, só sabiam trocar
lampião a gás, e se modificaram. É uma teoria de contaminação do mundo
oficial. O modelo atual é bom para as cidades, mas não é universal. Temos de
reconhecer que essas populações rurais são desinteressantes para esse tipo de
companhia: consomem pouco, dão trabalho e expõem a concessionária aos
rigores da regulamentação - ninguém vai querer levar uma multa da Aneel por
não fazer uma religação no prazo estipulado, por exemplo, por causa de uma
conta de luz de 10 reais por mês. "
Filosofia Mas não será mais essa dificuldade que irá desanimar Rosa.
Enquanto espera que os processos se resolvam, ele filosofa:"A única coisa que
podemos fazer é inspirar os outros a entender quem precisa muito da ajuda de
outras pessoas. Fazer é fazer bemfeitinho, ver o que funciona, ver as falhas a
aperfeiçoar continuamente. Criar coisas novas e difundir. "No futuro, a idéia é
formar um centro internacional de geração descentralizada. " Se somos
referência no mundo, então é mais fácil as pessoas virem ver o que está
acontecendo aqui do que eu viver viajando para Índia, África. . . A filantropia
não vai ter dinheiro para financiar tudo, vai ter de chamar o capital privado, vai
ter de virar negócio", conclui.