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Universo Fashion: moda, uma linguagem cultural –

Inserções históricas, sociais e culturais em figurinos cênicos

Ana Paula Rodrigues Santos e Mírian de Paula Oliveira

Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), Goiânia, GO, Brasil

Resumo

A abordagem presente neste trabalho contextualiza a caracterização de


personagens da cultura brasileira – Mazzaropi, Lampião e Maria Bonita – que
possuem como características principais os figurinos utilizados por eles, e
protagonizados nos filmes de suas referências. Nessas representações sócio-
culturais é possível analisar através dos figurinos uma comunicação intensa
carregada de mensagens e que podem ser interpretadas a partir do
conhecimento do contexto em que são inseridos. Através do estudo de figurino
em cenas dos filmes Didi o cangaceiro trapalhão e O Jéca e a Égua Milagrosa,
foi analisada a adequação histórica, social e cultural dos personagens em seus
respectivos figurinos cênicos. Ao se analisar estas peças de roupas é possível
construir uma reflexão a cerca destes personagens da Cultura Popular
Brasileira, usando a moda como um meio de transfiguração e comunicação ao
público.

Palavras-chave: Cultura; moda; comunicação; figurino.

1. Introdução

À partir da era industrial as referências culturais passaram a ser


mundializadas, a absorção de novas culturas se tornou mais constante nas
diversas sociedades. O mundo com suas pluralidades regionais começou a se
alimentar das várias culturas que se espalhavam. Com a era tecnológica a
diversidade cultural se popularizou, tornando-se mais acessível, assim a cultura
de massa se especializa para suprir essa nova necessidade por “inovações
culturais”. Se intensificaram a indústria fonográfica e cinematográfica, a
teledramaturgia, o radialismo, podendo enquadrar também a moda como
produto da cultura de massa, porém nesse estágio torna-se mais efêmera.

Várias estudiosos abordam casos sobre os meios de comunicação de


massa, o cinema, a moda, a música, a telenovela e outros, como uma indústria
que apresenta grandes manifestações que envolvem a diversidade cultural.
Esses meios vem se apliando e qualificando numa velocidade surpreendente.
O cinema, a televisão, a música, o computador, o rádio, se tornaram elementos
básicos da vida da sociedade brasileira. A telenovela, o jornal, os sereados, os
pop stars, os hits, as produções cinematográficas e também seus subprodutos,
entram em nosso cotidiano de uma forma natural e são consumidos de maneira
generalizada.
Neste contexto foi elaborada uma análise de imagens de fimes, no
sentido de como há a adequação e caracterização de personagens para
produções cinematográficas, que possuem como símbolos personagens da
cultura brasileira, em específico o personagem de Mazzaropi, Lampião e Maria
Bonita, identificando nestes exemplos sua sociedade, sua época, enquadrados
em seus meios sócio-culturais.

2. Cultura Brasileira

"Não há país sem história.


A nossa é miscigenada"

O termo cultura pode ser definido como o conjunto de crenças,


linguagens, hábitos, pensamentos, arte, música e toda a forma de
representação própria de um povo. A construção da identidade cultural
brasileira é repleta de miscigenações, a chegada de várias culturas desde a
colonização do Brasil é o que dá resultado a nossa identidade nacional, repleta
de variações. Em pouco mais de 500 anos de história a cultura se tornou
diversificada, inicialmente era regionalizada, e por décadas assim permaneceu,
porém com a expansão das informações através dos meios de comunicação
certas culturas foram se abrangindo, outras foram se perdendo, porém toda
essa transformação foi excencial para o que resulta hoje a cultura nacional.
Atualmente há uma busca pela preservação da cultura de raíz, para isso vem
sendo elaborados estudos históricos, porém a cultura de massa vem tomando
um grande espaço, tornando-se globalizada, assim, pode ser entendida como
uma ramificação da cultura nacional.

A pluralidade de culturas resultantes das misturas de vários povos, que


para cá vieram, resultaram em um conceito generalizado de cultura brasileira,
apesar das várias formas de representações culturais presentes nas diversas
regiões do país, o Brasil possui sim uma identidade cultural própria, expressiva
e representativa.

3. Moda, instrumento de identificação

A moda trata-se de um produto da cultura material de massa que é


capaz de ter vários significados. A cobertura corporal surge como um
instumento de organização de uma determinada sociedade. Serve de alicerce
para muitas tradições regionais, dá suporte as informações a respeito a qual
grupo o indivíduo pertence, tornando-se assim símbolo de costumes, que vem
da essência da cultura humana, as normas transmitidas nas gerações de
convivência. (COELHO, 1981)

Como meio identificador de características sócio-culturais a moda, em


suas várias formas de interpretação, vem para firmar o conceito a que se
deseja fixar a partir do figurino nos filmes já citados, os quais propõem uma
identidade cultural. Através da personagem de Mazzaropi a mídia
cinematográfica oferece ao público informações relacionadas a sociedade da
época, abordando características sociais, econômicas, políticas e culturais, de
forma a atingir a grande massa. E essa proposta obteve grande sucesso.
Através de seu personagem caricato, Mazzaropi abordava temáticas que
criticavam a sociedade, em filmes que eram sucesso de bilheteria. (MUSEU
MAZZAROPI)

Mesmo com décadas do fim de produção de filmes deste personagem,


este permanece presente ao público, com estórias que podem ser inseridas ao
nosso cotidiano. O acesso a esses filmes é fácil, devido a diversidade de
locadoras que os oferecem, até mesmo as pequenas locadoras possuem filmes
deste personagem, demonstrando seu sucesso.

Através dos figurinos das personagens de Lampião e Maria Bonita,


presentes em várias obras cinematográficas, analisamos como são adequadas
as informações sociais e culturais das primeiras décadas do século XX em
filmes que representam este período, preservando esses elementos que
identificam o movimento do cangaço, este movimento de banditismo que é
analisado através da características sociais de uma época em que o Nordeste
sofria grandes enfermidades, contribuindo pelo descaso dos governandes, não
diferente da atualidade, surgiam assim movimentos contrários a política
vigente. As vestimentas desses integrantes do banditismo eram elaborados de
forma a priorizar a proteção corporal contra as dificuldades da jornada pela
caatinga, não deixando de serem peças bem ornamentadas, eram
diferenciadas e identificadoras desses personagens históricos. (DÓRIA, 1982)

4. Uma produção cinematográfica como ferramenta de construção de


identidade visual

A produção artística popular restrita a cultura, está relacionada em uma


realidade subjetiva de um povo, é uma cultura homogênea e bem definida, no
caso de Mazzaropi é representada a característica cultural de um homem
simples do campo, um verdadeiro matuto, que traz uma linguagem simples,
humorística, para uma realidade de um símbolo da população. Sua produção
cênica sempre trouxe essa expressividade de campo, de humildade, de luta, de
pobreza, mais destacando a felicidade, a irreverência, que foram usados como
elementos de identidade deste personagem.

Traduzindo essas informações na elaboração do figurino cênico, foram


utilizadas vestimentas com estampas de xadrez e listras, roupas folgadas,
calça, no dizer popular: “pegando marreco”, com amarrações na cintura,
chapéu e botina. É esta simplicidade que marca sucesso na história do cinema
nacional, este homem “jeca do campo”, com produções que foram elaboradas
neste mesmo seguimento, tudo com alegria e com os mesmos elementos
conceituais. Quando se fala de Mazzaropi logo se lembra de sua “moda”, seu
estilo, seu jeito irreverente de ser e agir, que conseguiu marcar história, e ser
lembrado até nossos dias. Esse modelo de personagem segue presente em
todos 32 filmes de Mazzaropi, modificando apenas o enredo temático de cada
um deles.

Nos filmes que apresentam o cangaço como temática, e em específico


seus personagens históricos, Lampião e Maria Bonita, a adapitação do figurino
desses personagens é bem literal, há sempre uma pesquisa histórica e muitas
vezes há a busca a acervos pessoais e de museus. São analisadas as formas,
os tecidos, os aviamentos, os acessórios, as cores, e outros aspectos
relevantes que compõem essas vestimentas, tudo isso para elaborar um
figurino adequado a esse fato histórico. A pesquisa histórica acaba apoiando a
análise de composição dessas roupas, dando significado a cada elemento
presente. (Carneiro, 2003)

Figura 2 . Imagem extraída do filme


Figura 1. Imagem extraída do filme
Didi o cangaceiro trapalhão (1983)
O Jéca e a Égua Milagrosa (1980)

5. Resultados

Nos filmes de Mazzaropi o figurino representa a imagem de um


personagem caricato, símbólico caipira, com suas vestimentas que seguem
seu respectivo estilo de desafortunado. No caso dos filmes que representam
personagens símbolos do cangaço, Lampião e Maria Bonita, estão presentes
características de um movimento histórico-cultural, que ocorreu no nordeste,
apresentando em seu figurino características presentes nas vestimentas de um
bando que se protegia em fulga, atravessando a caatinga, e suas vestimentas
tinham a função de proteção contra o sertão, essas vestimentas eram
elaboradas com ornamentos, porém preservando o aspecto funcinal da roupa.

As vestimentas dos cangaceiros serviam como proteção corporal contra


as difíceis jornadas de fulga, porém também eram ostentadoras de poder,
através de seus ornamentos. O chapéu em meia lua, símbolo do cangaço, era
utilizado por vários adebtos deste movimento de banditismo, eram enfeitados
com esferas de metais, com cortes variados. Muito de seus ornamentos e
acessórios eram em ouro e prata, objetos adquiridos em assaltos pelas cidades
por onde passavam. Suas vestimentas eram feitas em tecidos naturais
encorpados, para proteção do corpo. Usavam lenços no pescoço, muitas vezes
de tecidos nobres, como a seda, presos por vários anéis, demonstrando seu
poder. Usava-se bornais e porta-balas em couro. Essa composição de
vestimenta era utilizada tanto por Lampião como por Maria Bonita. Eles
protegiam os pés com sandálias também em couro. Lampião usava óculos de
lentes arredondadas. Maria Bonita usava sempre o cabelo preso por presílhas,
brincos e pulseiras em ouro. Colocavam anéis em praticamente todos os dedos
das mãos.

Mazzaropi é um personagem que traz vários conceitos simples de um


homem do campo, seu personagem fez muito sucesso devido sua
simplicidade, alegria e humor que ele representava, apresentando um homem
de origem humilde, pobre, que levava a vida na maior espontaneidade, seu
jeitão matuto, com seu figurino de caipira consagrou seu personagem como o
Jéca do Brasil. As vestimentas do personagem eram características,
representando sua vida de homem do campo, o xadrez, as listras nas camisas,
a calça folgada com amarração na cintura e “pegando marreco”, a botina e o
chapéu apresentavam o conceito de matuto que se queria passar com o
personagem, de homem que vivia na fazenda, com esforço diário, suor e
trabalho, com humildade, porém seu enredo era bem humorístico, com
confusões que ele aprontava com seu jeitão jeca, que sempre transmitia
alegria.

Através da análise destes figurinos, foram elaboradas duas coleções,


uma com o tema “O rei Lampião e sua rainha Maria Bonita”, e a outra com o
nome de “Mazza”, cada coleção focada em seus respectivos personagens.
Estas coleções buscam valorizar as características particulares de cada
personagem, transmitindo seus conceitos e priorizando o tema central, “Cultura
Brasileira”, para que as coleções valorizem a cultura popular nacional.

6. Considerações Finais

Com a análise de figurino cênico dos personagens citados e seus


respectivos filmes, foi observado a necessidade constante de estudos
históricos, sociais e culturais presentes nestes exemplos dinâmicos que são
representadas nas culturas de massa, aqui em específico o cinema, como meio
fornecedor de conceitos socio-culturais.

O cinema com suas técnicas, e principalmente através do seu figurino,


consegue levar as mais diversas características regionais, ou conceitos
globalizados, apresentando de maneira sucinta a diversidade de nossa
sociedade, preservando a identidade da cultura brasileira.

7. Referências bibliográficas

Araujo, I. (1995). Cinema. O mundo em movimento. São Paulo: Scipione.

Barsalini, G. (2002). Mazzaropi. O jeca do Brasil. São Paulo: Atomo.

Bosi, A. (2002). Cultura Brasileira. Temas e situações. 4.ed. São Paulo: Ática.

Carneiro, M. (2003). Marília Carneiro: No camarim das oito. Rio de Janeiro:


Senac.

Coelho, T. (1981). O que é indústria cultural. São Paulo: Brasiliense.

Dias, M. T. (2000). Os donos da voz. Indústria fonográfica brasileira e


mundialização da cultura. São Paulo: FAPESP.

Dória, C. A. (1982). O cangaço. São Paulo: Brasiliense.

Marcondes, M. P. ; Toledo, F. (2004). Cultura brasileira. O jeito de ser e de


viver de um povo. São Paulo: Nankin Editorial.

Memória Globo. (2008). Entre tramas, rendas e fuxicos. São Paulo: Globo.

Muniz, R. (2004). Vestindo os nús. o figurino em cena. Rio de Janeiro: Senac


Rio.

Souza, J. I. M. (2004). Imagens do passado. São Paulo e Rio de Janeiro nos


primórdios do cinema. São Paulo: Senac.

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