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ILSE SCHERER-WARREN

SERIE DIDATICA

MOVIMENTOS SOCIAIS
UM ENSAIO DE INTERPRETAÇÃO SOCIOLÓGICA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
Bruno Rodolfo SC'hlcmprr Jun10r - Hl•Jlor 3ª EDIÇÃO REVISTA
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EDITORA DA UFSC
FLORIANÓPOLIS
HlR!'.l
@ llse Schercr-Warren, 1987
Editora da UFSC
Campus Universnáno-C.P. 476
Trindade - Fone (0482) 33.9408
88.000-Florianópolis - SC
S U M Ã R I O

I - INTRODUÇÃO ..•.•••.•• ...•....•......, ·, ·., ·. ·.,,. · • · 7

II - COMPONENTES DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ..••.••.....•.•• 11

FICHA CATALOGRÁFICA III - A PRÃXIS EM MARX ................... · .... ·...... · · 23


(Catalogação na fonte pelo Depar1amento de
Bibhotcconom1a e Documentação da UFSC)
IV - AS ABORDAGENS MARXISTAS ....•...•...•...•....•.• ·,. 37

S326 Scherer-Warren, llse 4.1. Lenin: A questão da vanguarda ................ 41


Movimentos sociais: um ensaio de interpretação
4.2. Lukãcs: A questão da consciência de classe ... 50
sociológica/ llse Scherer-Warren. -Flonanópolis:
Ed. da UFSC, 1989 -3� edição
4.3. Gramsc i: A questão da direção cultura 1 ....... 60
150 p. - (Séne Didática)

1. Formações sociais. 2. Grupos. l Tnulo.


V - TENDÊNCIAS CONTEHPORÃNEAS .......................... 75
..... 77
5. 1. Laclau: Povo X bloco de poder ............
CDU 301.18 (042.3)
coo 302.3
...
5.2. Dahrendorf: Os grupos de conflito .......... 83

5.3. Touraine: Os movimentos sociais ............... 90


Índice para o catálogo sistemático (CDU)
5.4. Guattari: A revolução molecular ............... 100
1. Formações sor.1ais 301. 18 .. 110
2. Grupos 301. 18 5.5. Castoriadis: A auto-instituição da sociedade
5.6. Gutiêrrez: A teologia da libertação . . .. . . . . . . . . 120

VI - NA BUSCA DE CAMINHOS PARA A LIBERTAÇÃO .........•.. 135

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .......................... · 141

Reservados todos os dre�os de publ1caçc'lo total ou parcial, pela EDITORA DA UFSC

Impresso no Brasil / Printed m Brazll


do como uma forma de opressão. A libertação é uma busca, uma
Procuro com este estudo chegar a uma maior compre­
utopia que dá sentido ao viver, mas que de forma absoluta é,
ensão a respeito do agir de grupos sociais em suas buscas da
sociologicamente, um absurdo.
lfbertação social. O caminho a ser perseguido tem a ver com
aeu prõprio entendimento sobre o social. Concebo O Soei, 1 co­ Porém, com isto não quero dizer que os individuos

mo um conjunto de relações sociais comandadas por uma dialéti ou grupos são igualmente oprimidos ou livres, no mesmo grau.
ca de opressão e de libertação. No jogo das forças sociais hã os privilegiados e os desprivi­
legiados. Estou aqui preocupada com a busca da l1uertação pe­
Na Sociedade, tanto no plano individual quanto no
los grupos desprivilegiados, chamados também de grupos subal­
plano grupal, as relações sociais são �ediadas por relações
ternos, subordinados, dominados, minorias e de tantas outra�
de poder. O fenômeno da opressão e do reagir ã opressão ê uma
formas.
constante no comportamento humano.
A contra-opressão pode se expressar de várias for·
Aqui me interessam particularmente as formas de o­
mas: lutas mais violentas ou menos violentas, re1vindicaçoes
pressão que se expressam ao nivel grupal, e muito mais do que
pressões, apatia ou mesmo alienação. Temos, portanto, forma•
1 sto, a busca de libertação dos grupos considerados subordina
ativas e formas passivas de contra-opressão. Contudo, a bu�c,
dos socialmente. Podemos falar em diversas formas de opres-
da libertaçio exige um agir ativo. Quando os grypos se org1n
são: econômica, politica, cultural, ideolõg1ca, psicológica,
zam na busca de libertação, ou seja, para su�erar alguma for
etc. Na maioria das vezes, porém não sempre, na relação in-
ma de opressão e para atuar na producao de uma sociedade mod
tergrupal, particularmente entre as classes sociais, hã uma
ficada, podemos falar na existência de um movimento social.
acumulação de várias formas de opressão. No entanto, nenhum
grupo é totalmente oprimido ou completamente liberto. A dialé Pretendo desenvolver este estudo valendo-me d�s co
tica opressão-libertação (ou autonomia) significa que a prõ­ tribuições da teoria sociológica para a explicaçao da prod

pria mediação do poder nas relações sociais faz com que os ção da sociedade por ela mesma, ou seja, a açao dos mov1men
individuos ou grupos em suas inter-relações vivam contradito­ tos sociais tendo em vista a r.onquista de 1 iberdades soc1a1s
riamente os dois aspectos opostos deste fenômeno. o dominante Remonta, assim, este estudo, a contribuiçiJo·dc Kar
em sua relação de opressão vive a contra-opressão do domina- Marx.por ter sido este um pensador que se dedicou <'x1ust1v.1mcnte
a esta questão e também por suas teoriils terem permeado
maioria dos estudos posteriores sobre este tcmd.
A seguir buscarei a contribuição de outros marxis­
tas clãssicos (Lenin, Lukãcs e Gramsci), que se empenharam na
busca das formas de agir político e de organização das clas­
ses sociais para a superação da opressão de classe.

Apõs, tratarei das tendências teõricas contemporâ­


neas no estudo dos movimentos sociais. Tendências estas que
absorveram a contribuição marxista, mas que tentaram ora atua
lizã-la, ora superã-la, valendo-se para tanto das novas con­
tribuições das ciências sociais, inclusive da psicanãlise.

Para concluir, tentarei sintetizar sobre os cami­


nhos que conduzem os grupos socialmente oprimidos na busca de
sua libertação.

11 - COMPONENTES DOS MOVIMENTOS SOCIAIS


Na Sociologia Acadêmica o termo "movimentos sociais" eia de uma vanguarda para o movimento; o desenvolvimento de
surgiu com Lorenz Von Stein, por volta de 1840, quando este uma consciência de classe e de uma ideologia autônoma; uma
defende a necessidade de uma ciência da sociedade que se dedi proposta ou um programa de transformação social.
casse ao estudo dos movimentos sociais, tais como do movimen­
A partir da dêcada de 1950, a assim considerada So-
to proletãrio francês e do comunismo e socialismo emergentes.
ciologia Acadêmica passa a incorporar cada vez mais as contr!
Jã neste sêculo, principalmente a partir de 1940, buições do marxismo para a anãlise dos movimentos sociais.Com
houve um crescente interesse da Sociologia Acadêmica pelo te­ esta incorporação, a caracterização sistemática ou tipológica
ma movimentos sociais, podendo-se citar, entre outros, os tra dos movimentos sociais dâ lugar a uma anãlise da dinâmica pr�
balhos de Mac-Iver, R. Heberle, G. Rocher e particularmente A. priamente dita dos movimentos, ou seja, da busca da contri-
Touraine que passa a defender a supremacia de uma Sociologia buição dos movimentos sociais na produção transformadora do
dos Movimentos Sociais social.
Naquela Sociologia, alguns critérios têm sido utíli Neste estudo, proponho-me, portanto, a apreender na
zados repetitivamente na caracterização dos movimentos so­ teoria sociológica as contribuições para um entendimento dos
ciais: referem-se a um grupo mais ou menos organizado, sob movimentos sociais a partir da natureza de sua ação para trans
uma liderança determinada ou não; possuindo um programa, ob­ formação, da natureza de sua dinâmica (ou seja, de sua pra-
jetivos ou plano comum; baseando-se numa mesma doutrina, pri� Xi S) ; oe sua proposta de transformação (seu projeto); dos
clpios valorativos ou ideologia; visando um fim específico ou pr1 nclpios que orientam esta proposta (sua ideologia); e dos
uma mudança social. condutores do movimento (sua direção ou organização).
Na Sociologia Marxista, não acadêmica, do século Resta clarificar estas noções, consideradas aqui co
passado e inicio deste sêculo, ainda que sob uma perspectiva mo fundamentais para a compreensão da dinâmica dos movimentos
de anãlise distinta, a preocupação sobre o movimento das elas sociais.
ses sociais recai em critérios análogos: a necessidade de or-
ganização e da comunidade de interesse de classe; a exigên-
a - PRÁXIS

O termo vem do grego, que na Antiguidade designava


pela prãxis". (3)
como prãxis "uma ação que tem seu fim em si mesma e que não
O marco de separação entre a mera reprodução do so­
cria ou produz um objeto alheio ao agente ou a sua ativida-
cial e a produção criativa de um novo social nem sempre e fâ­
de".(l) Neste sentido, prãxis se opõe ã noção de ação aliena�
cil de se determinar. Assim denominarei de prãxis toda ação
te, como em Marx, quando se refere ã alienação decorrente da
para transformação do social, desde que esta ação contenha um
atividade produtiva que separa o trabalhador do produto final
certo grau de consciência crítica. Assim o conceito de práxis
de seu trabalho.
apenas terã sentido quando visto como uma dimensão dos concei
Vãrios sentidos têm sido atribuídos ao termo prãxis,
tos de projeto, consciência e ideologia.
sendo mes�o usado pelo senso comum como "prãtico", "utilitã-
rio", "rotineiro".

Em sentido sociológico, partindo de Marx, Vazquez b - PROJETO


define prãxis "como atividade material humana, transformadora
do mundo e do próprio homem. Essa atividade real, objetiva,ê,
ao mesmo tempo, ideal, subjetiva e consciente. Por isso insis Para Sartre ''a prãxis ê em si mesma inconcebível

timos na unidade entre teoria e prãtica, unidade que implica sem a carência, a transcendência e o projeto". (4) Serã atra­

também em certa distinçào e relativa autonomia". (2) ves de seu projeto que o homem se define a si mesmo, se pro­
duz e "supera perpetuamente a condição que lhe ê dada, revela
Para Kosik "a prãxis na sua essência e universalida
e determina sua situação, transcendendo-a para objetivar-se ,
de ê a revelaçao do segredo do homem como ser ontocriati­
pelo trabalho, pela ação ou pelo gesto"_(S) O projeto ideoló­
vo, como ser que c.ria a realidade (humano-social) e que, por­
gico "tem como objetivo profundo modificar a situação de base
tanto, compreende a realidade (humana e não humana, a realida
de na sua totalidade) ... A realidade humano-social e criada

(3) KOSIK, K. Dialética do concreto, Rio, Paz e Terra, 1976,


2� ed., p. 202. Trad. por Cêlia Neves e Alderico Toríbio.
(1) VAZQUEZ. A.S. Filosofia da prãxis. Rio, Paz e Terra,1977,
(4 ) SARTRE, J.P. Questao de método. Traduzido por Bento Prado
2 - e d 1çao, p. 4 . Trad. por Luiz Fernando Cardoso.
ª º
-
Júnior. São Paulo. D.E.L .. 1976, 2� ed., p 138.
(2) Ibidem, p. 406.
(5) Ibidem, p. 119-22.
por uma tomada de consciência de suas contradições 11 .(6) Porém, alguns enfatizam a ideologia como um conjun­
to de valores estabilizadores do sistema social a favor da
Quando falo em projeto estarei, portanto, procura�
dominação de uma classe, atuando, portanto, como uma forma de
do o que o grupo, ou movimento social, quer modificar na rea-
mascaramento da realidade e como uma falsa consciência das
lidade social. O projeto pode ser uma utopia de transforma- 7
classes dominadas. ( ) outros tratam a ideologia como uma for­
ção, seja o desejo e intento de superação da situação presen­
ma de consciência das reais condições de vida dos explorados
te ou pode se referir ã busca da realização de objetivos mais
socialmente, como uma forma de contestação das condições de
imediatistas do grupo, presentes em seu cotidiano.
dominação de classe, e mesmo como uma orientação política
Em suma, se a noção de prãxis se refere a natureza transformadora, i.e. como um instrumento de luta. (8)
da ação do movimento, dos meios para determinado fim, pela no
Na histõria concreta das classes sociais, estes dois
ção de projeto entendemos a determinação de um "fim" para o
aspectos da ideologia (estabilizador e transformador do siste
movimento, ou seja, as metas, os objetivos, as utopias na pr�
ma) podem se apresentar contraditoriamente atuantes no coti­
dução transformadora do social.
diano e nos projetos ideolõgicos de um mesmo grupo social.Por
conseguinte, o conceito de ideologia aqui serã entendido nes­
c - IDEOLOGIA te sentido abrangente, como uma possível unidade de contrá­
rios. Suponho, assim, que as classes subalternas vivem a con-
tradição ideolõgica entre sua submissão ã ideologia dominan-
( um conceito que tem sido tratado como particular­
te e ãs formas de consciência que correspondem ã sua situa-
mente importante por Marx e pelos teóricos marxistas. Mas mes
ção social e aos seus interesses específicos de elas-
mo assim não hã um acordo completo sobre seu significado. Nor
malmente, a ideologia ê tratada como um sistema de idéias
crenças, mitos, representações, etc., pertinentes � uma socie
dade de classe.
(7) Conforme se pode concluir sobre as colocações, entre ou­
tros, de Althusser, em Ideologia e aparelhos ideológicos
do Estado, Lisboa, Ed. Presença, s/d.
(8) Nesta perspectiva pode ser citado esp. G. Lukãcs, em His­
tõria e consciência de classe. Trad. por Telma Costa. Po!
(6} Ibidem, p. 93.
to, Publ. Escorpião, 1974.
se. (9) Neste sentido, a submissão ã ideologia dominante, por de de lideranças intelectuais, políticas ou outras para o mo­
parte das classes subalternas, pode significar, em ulti•a ins vimento, considerando-as como possíveis formas de autoritari�
tância, sua falsa consciência social ou alienação. Por outro mo ou elitismo. Neste caso, procura-se uma participação, tan­
lado, quando as classes subalternas, em suas representações to quanto possivel equivalente, de todos os membros do grupo,
sociais, expressam suas reais condições de existência, desen­ em todos os niveis de decisão e no estabelecimento dos prin­
volvendo, portanto, uma ideologia de classe autônoma, estamos cípios norteadores do movimento.
na presença da formação de uma consciência soctal. Por "vanguardismo" é entendida a defesa da necessi­
Em se tratanto de movimentos sociais, denoainarei dade de uma elite intelectual, política ou outra que orienta
de ideologia os principias valorativos, as manifestações cul­ e dé uma direção ao movimento em seu desenvolvimento, tendo
turais e as representações de carãcter classista que orien• também um papel importante na conscientização dos membros do
tam a práxis do grupo e a elaboração de seu projeto. grupo participante.

Determinados riscos podem ocorrer quando estas ten


dências são levadas ao extremo: "um deles o de reduzir tudo
d - DIREÇÃO E ORGANIZAÇÃO
ao espontaneismo, supervalorizando ações espontâneas, sem uma
institucionalização adequada, o que muitas vezes leva ao ir-
As posturas quanto ã necessidade ou não de uma di­ racionalismo. Em contraposição a este, há o da direção que
reção para os movimentos sociais situam-se entre dois marcos: pretenda o puro cientificismo, supervalorizando a teoria sem
o do "basismo" e do "vanguardismo". uma prática adequada, o que leva ao vanguardismo e ao intelec
Por "basismo" i entendida a postura no interior de tualismo". (lO)
um movimento social que procura reduzir ao minimo a necessida Entre esses dois marcos extremos, a prática dos mo-

(9) Para uma discussão mais detalhada sobre este ponto de vi! (10) WANOERLEY, L.E. Movimentos sociais populares: aspectos!
ta consultar meu trabalho "Concepção marxista de 1deolo - conõmicos, sociais e políticos. ln: Encontros com a Ci­
gia: considerações sobre questões de teoria e método•, vilização Brasileira, Rio, Civilizaçao Brasileira,nQ 25,
in Boletim de Ciências Sociais, Florianópolis. UFSC, nQ jul. 1980. p. 113-4.
20, jan/fev. e mar. 1981.
quanto modelo, mas sim extrair os pontos relevantes para este
vimentos sociais tem apresentado uma variedade de situações: projeto de estuao.
inter-relação com outras instituições externas, tais como Pª!
Espera-se, desta maneira, levantar contribuições ú­
tidos, sindicatos, igreja, universidade, etc., absorvendo em
teis para uma reflexão sobre os caminhos que os grupos social
diferentes graus a sua influência, ou incorporando ou não no
mente opri�idos possam trilhar na busca de sua libertação.
movimento os seus agentes; bem como uma liderança mais ou me­
nos estabelecida no interior do próprio movimento.

O que acima de tudo aqui importa são as conseqLJên­


cias dos diferentes tipos de relacionamento entre direção e
base, caracterizando as formas de organização e suas repercu�
sões na prãxis social efetiva dos movimentos sociais.

Portanto, forma de organização, ideologia e projeto


dos movimentos sociais formam, com efeito, um conjunto sinti­
tico na configuração da prãxis social, ou seja, do movimento
propriamente dito.

Definirei, assim, Movimentos Sociais como uma ação


grupal para transformação (a prâxis) voltada para a realiza-
ção dos mesmos objetivos (o projeto), sob a orientação mais
ou menos consciente de princípios valorativos comuns (a ideo­
logia) e sob uma organização diretiva mais ou menos definida
(a organizaçã'o e sua direç�o).

Buscarei, desta maneira, na teoria sociológica, os


estudos que de uma forma ou outra possam vir a contribuir pa­
ra o entendimento dos movimentos sociais, sob esta õtica de
anãlise.

Assim sendo, nos autores selecionados não cabe exa­


minar a totalidade de suas contribuições ou suas teorias en-
? 1
III - A PRÃXIS E" �ARX
A contribuição de Marx para a análise dos movimen- - práxis que se realiza por meio da atividade politica.
tos sociais de 1ibertaçao das classes socialmente oprimidas
foi uma das mais ricas jâ realizadas. A abrangência de seus a) Prãxis que se realiza em conexão com a atividade teórica:
estudos nesse sentido torna dific1l a tarefa de selecionar
suas contribuições mais significantes. Segundo Marx, a teoria como tal é inoperante, tendo
Considerando as categorias sociológicas para o estu sua razão de ser enquanto t.eoria critica e quando sua eficã -
do dos movimentos sociais que aqui privilegio (prãxis, proje­ eia se comprova na prática. A passagem de uma teoria critica
to, ideologia e organização e direção do movimento), todas es a uma praxis revolucionária pode se dar através do movimento
tão presentes nas reflexões de Harx: a práxis como elemento de libertação da classe social oprimida - no caso, o proleta­
fundamental de transformação da sociedade e da natureza: o riado. Porém, "nem a teoria por si mesma pode emancipã-lo,�em
projeto como utopia de superação das condições sociais que o­ sua existência social por si só garante sua libertação. E pr!
primem materialmente e, em conseqüência, espiritualmente umas ciso que o proletariado adquira consciência de sua �ituação,
classes em relação a outras; a ideologia tanto como elemento de suas necessidades radicais e da necessidade e condições de sua
de legitimação da dominação de classe, quanto como elemento libertação".(]) A teoria critica atua, assim, como um elemen­
propulsor da libertação social; e finalmente a necessidade to de formação desta consciência.
das classes se organizarem, enquanto grupos de interesses, na E por isso que em sua critica ao materialismo ante­
busca de sua autonomia. Estas categorias formam uma totalida- rior, inclusive o de Feuerbach, ataca a separação que se rea­
de sintética num processo revolucionário. Contudo, a praxis liza entre teoria e prática, propondo em contrapartida a sua
aparece em Harx como a categoria de base nas suas reflexões. unidade indissolúvel: "A falha capital de todo o materiõlismo
Assim sendo, esta discussão terã como centro a noção de pra­ atê agora ê captar o objeto, a efetividade, a sensibilidade
xis, pois a considero como a contribuiçao mais importante de apenas sob a forma de objeto ou de intuição, e não como ati­
Harx para a análise atual dos movimentos sociais. vidade humana sensivel, práxis ... Não compreende por isso o
Pelo menos três atividades principais são enfocddas
por Marx, em sua busca da praxis transformadora do social:

- praxis que se realiza em conexão com a atividade teórica; (1) YAZQUEZ. A.S. Filosofia da praxis. Trad. de Luiz Fernando
- praxis que se realiza através da atividade produtiva; Cardoso. R10, Paz e Terra, 2 ª ed., 1977. p. 129.

..' 1
s1gn1ficado da atividade "revolucioniria", "prático-crftica • se produz, transforma a si mesmo e a natureza.
(2
(tese 1). ) Acrescenta, ainda que "os fi1õsofos se 1 imitaram Ji nos Manuscritos Econõmico-Filosõficos (escritos em
a interpretar o mundo diferentemente, cabe transformã-10• (t! Paris, em 1844) o trabalho ê tomado como categoria básica da
se 11).(3)
práxis social. Afirma aqui, porem, que no capitalismo o mundo
Porêm, este transformar-se, para ser revolucionário da mercadoria transforma o caráter do trabalho. A expropria­
exige o conhecimento, a interpretação cientifica, o que perm! ção do produto do trabalho do operário cria o trabalho alie­
tiria a Marx fazer a critica do "Socialismo utópico" anterior nante, e somente através da superação desta forma de expro­
e propor o "Socialismo cientifico", como expressão do movimen priação e, em última anãlise, da eliminação da propriedade pr!
to proletário concreto, ou seja, como projeto de libertação vada, o trabalho poderá ser humanizado novamente. Esta super!
de toda a opressão de classe. ção "ê a verdadeira solução do antagonismo entre o homem e a

"Mas para que o conteúdo da prãxis social revolucio natureza, entre o homem e o homem ... ê a emancipação total de

nãria se enriqueça, e, com isso, o conceito do , os e qua 1 ,'d ad es h umanas... " . (S) P ort anto,
todos os sent'd o
proletariado
como s�u suJe1to, serã necessário que Marx cheguei descober­ trabalho alienado cria tambêm um modo alie�ado dos homens se

ta de uma práxis original e ainda mais radical... Essa práxis relacionarem entre si. Nos escritos posteriores ficarã clara

original ê exatamente a produção material, o trabalho humano a preocupação de Marx sobre as condições sociais que permitem
4
.( l, que será examinada a sequir. esta superação, ou seja, de como a consciência, como forma de
superação da alienação humana, se concretizará através da pr!

b - Práxis que se realiza atravês da atividade produtiva: xis política, conforme examinarei no item seguinte.

Numa Conferência, em 1847, sobre o trabalho assala­


Para Marx, a práxis produtiva serã a práxis básica riado e o capital, acrescenta que "na produção, os homens não
do mundo social. r através do trabalho produtivo que o homem agem apenas sobre a natureza, mas também uns sobre os outros.
Eles somente produzem colaborando de uma determinada forma e

(2) MARX, Y. Ad. Feuerbach. ln: Os pensadores. Sao Paulo, A-


bril Cultural, l97t'. p. 51.
(5) MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. ln: Os pensa­
(3) lbtdem, p, �J. dores, Op. C1t., p. R e 11.
( •1 ) V A / () U E 7 • Op. C 1 t. , r, . l 3l .

27
trocando entre si suas atividades. Para produzirem, constroem porque o produto de sua atividade não é
determinados vínculos e relações mútuas e somente dentro dos também o objetivo de sua atividade".(?)

limites desses vinculas e relações sociais ê que se opera sua


Encontra-se ai a um passo da noção de fetichismo da
açio sobre a natureza, isto ê, se realiza a produçio".(6)
mercadoria, explorada posteriormente, no capital. (8) Marx mos
Portanto, se nos Manuscritos, ainda que de forma tra como no capitalismo as relações entre as pessoas aoarecem
especulativa, os fundamentos para a libertação humana depen­ como relações entre coisa (reificação). Hã fetichismo da mer­
dem das formas pelas quais os homens se relacionam entre si cadoria porque o produto do trabalho humano, que deveria ser
em suas prâticas produtivas; na Conferência de 1847, alem da o resultado de uma verdadeira práxis social, toma a forma de
importância das relações sociais inerentes a toda a atividade uma mercadoria:
produtiva, são enfatizados os caracteres de troca e mercado -
ria da força de trabalho no capitalismo: "A mercadoria é misteriosa simplesmente por
encobrir as características sociais do
"A força de trabalho é, assim, uma mercado próprio trabalho dos homens, apresenta�
ria que seu possuidor, o assalariado, ven do-as como caracteristicas materiais e
de ao capital... Mas a força de trabalho propriedades sociais inerentes aos proàu­
em ação, o trabalho mesmo, é a atividade tos do trabalho; por ocultar, portanto, a
vital peculiar ao operário, seu modo pec� relação social entre os trabalhos indivi­
liar de manifestar a vida. E é esta ativi duais dos produtores e o trabalho total,
dade vital que ele vende a um terceiro p� ao refleti-la como relação social exis��n
ra assegurar-se os meios de subsistência te, à margem deles, entre os produtos do
necessários. Sua atividade vital nao lhe seu próprio trabalho ... ". Assim, " ... uma
é, pois, senão um meio de poder existir. relação social definida, estabelecida en­
Trabalha para viver. Para ele próprio, o tre os homens, assume a forma fantasmaqó-
trabalho não faz parte de sua vida; é an­
tes um sacrifício de sua vida. € uma mer­
cadoria que adjudicou a um terceiro. Eis
(7) Ibidem, p. 63.

(8) MARX, K. O Capital (Crítica da Economia Política) . .,.rad.


por Reginaldo Sant'Anna. Rio, Civilização Brasileira. s/
(6} MARX, i". Trabalho assalariado e capital. ln: Textos 3. Sao d. Livro 1, Vol. 1. O fetichismo da mercadoria: seu �Pqre
Paulo, Ed. Sociais, 1977. J). 69 do, p. 79-93.

2fl
zem a história, por outro lado, esta sô se realiza soo deter­
rica de uma relação entre coisas... t o
o que ocorre com o produto da mão humana,
minadas condtções objetivas:
no mundo das mercadorias. Chamo a isto de
9
fetichismo ... •. < ) "Uma formação social nunca perece antes que
estejam desenvolvidas todas as forças pr�
Somente a luta consciente das classes soc1ais domi- dutivas para as quais ela é suficienteme�
te desenvolvida, e novas relações de pro­
nadas poderã ocasionar a superação deste estado de reifica-
dução mais adiantadas jamais tomarão o l�
ção. Ainda neste mesmo contexto do cap1·ta1 , Marx acrescenta: gar, antes que suas condições materiais
de existência tenham sido geradas no seio
(11)
mesmo da velha sociedade•.
"A estrutura do processo vital da socieda­
de,isto é, do pr.ocesso de produção mate­
e
rial, só pode desprender-se do seu véu ne Ainda que a prãx1s produtiva e a prãxis politica
buloso e mistico, no dia em que for obra teoria da revo
tamóêm a prâx1s teõrica (enquanto elemento de
de homens livremente associados, submeti­
de uma prãxis
da a seu controle consciente e planejado. lução) sejam consideradas como três dimensões
realizam enquanto
Para isso, precisa a sociedade de uma ba- social revolucionãria única, elas tambêm se
9e material ou de uma série de condições minados. Exa
prãxis parcta1s em contextos historicamente deter
materiais de existência, que, por sua vez,
ã prãtica
só podem ser o resultado natural de um minarei, portanto, a seguir, a ênfase dada por Marx
longo e penoso processo de desenvolvimen­ polittca propriamente dita.
(lO)
to".

c - Prãxis que se realiza por meio da atividade politica:


Encontra-se ai colocada a necessidade da prãxis po-
litica na real 1zaçao
· - da praxis
- produtiva liberta. Porem, e
Como a preocupação principal de Marx, no desenvolv�
colocada também a ênfase nos condicionantes estruturais da
mento de seus estudos, foi de ordem politico-ideolõg i co, pod!
transformação social. Fii:a conf'1gura do, portanto, o pressupo�
mos dizer que a prãxis politica consistia na mediação necessã
to fundamental de Marx: se por um lado são os homens que fa-

(11} MARX, K. Pref�cio para a Critica da Econom i a Politica.


(9) Ibidem, p. 81.
ln: Os Pensadores, op. cit., p. 130.
{10) Ibidem, p. 88-9.
3 1
30
capitalismo. (l2) Por outro lado, as noções de consciência e
ria para a realização de seu projeto ideológico, o socialismo
de prãxis política presentes de forma igualmente especulativa
e o comunismo finalmente.
nos escritos iniciais, são tratadas na anãlise de situações
A preocupação do Marx mais jovem com a alienação históricas concretas, posteriormente.
das classes dominadas, expressando a mutilação humana provoc�
A partir de 1845, Marx passa a participar intensa -
da pelas condições de exploração do trabalho no capitalismo
mente das atividades politico-revolucionãrias, tanto em Paris
acrescida da possível falta de consciência do trabalhador a
como em Bruxelas. Adere ã Liga dos Comunistas e defende a uni
respeito destas condições, darã lugar cada vez mais ã busca
dade entre a teoria e a prãtica, combatendo a filosofia espe­
marxista das possibilidades de formação de uma verdadeira
culativa alemã e o que considera a profecia e utopia socialis
consciência das classes oprimidas e, portanto, da abertura de
ta alemã, bélgica e francesa. (l3)
caminho para uma prãxis social revolucionária. A noção de a­
A partir de 1849, jã em Londres, explora mais inten
lienação, expressão do peso da estrutura sobre o homem, vai
sivamente a prãxis política de movimentos históricos concre­
dando lugar assim ã busca de uma consciência de classe e da
tos, especialmente as lutas sociais na França. (l4)
práxis social, expressando a possibilidade da açao humana
consciente de interferir nos rumos da transformação social.
Isto no meu entender, porêm, não significa, como alguns intér
pretes de Marx pretendem, que a noção de aiienação ê parte
(ll) MARX, K. o Capital, op.cit., especialmente Cap. XII e
do pensamento do jovem �arx, e que a noção de consciência e XIII.
prãxis diz respeito ao pensamento de Marx maduro. Entendo que
( 1 3) Neste sentidõ, escreve entre 1845 e 46, em colaboração
estas noções estão presentes em todo o curso de seu pensamen­ &om Engels, A Ideologia Alemã, para a qual não encontra
e<Ntor, vindo a ser publicada apenas em 1932. Em 18�5 P�
to. Apenas que até os Manuscritos explora a alienação enquan­
blita tambim a� Teses sobre Feuerbach. Em 1847, publica
to conceito e de forma especulativa. Já no Capital, entretan­ a Misiria da Filosofia, em resposta à Filosofia da Misé­
to, não utiliza o termo alienação, mas não abandona esta no­ ria de Proudhon e em 1848, ê publicado em Londres o Man�
festo Comunista, escrito em colaboração com Engels.
ção, expressa na anãlise do fetichismo conforme jã mencio­
(
nei) e na anãlise da divisão do trabalho, onde indica o pro­ ( 1 4 ) Em 1850, publica as Lutas de Classe na França e, em 1852,
o Dezoito de Brumãrio de Luiz Bonaparte. Na década de
cesso de mutilação do trabalhador devido ã crescente divisao 1857 a 67 se dedica as obras de Critica da Economia Poli­
da mão-de-obra aliada ao crescente emprego de tecnologia no tica. Em 1871 escr�ve sobre a Guerra Civil na França e
em 1875 escreve � Crítica do Proqrama de Gotha.
32 33
Do conjunto dos escritos de Marx, pode-se chegar ãs �odo capitalista de produção:
seguintes considerações sobre a práxis:
alienação do homem produtor
O modo de produção da sociedade (contexto do desen­
identidade de interesses de classe
volvimento da práxis produtiva) ê que determina o conjunto
!
das relações sociais. No capitalismo, a supremacia da posse consciência de classe e ideologia autônoma
material e do valor de troca das coisas leva ã coisificação
organização de classe
das próprias relações sociais, criando o homem massificado e
alienado. Porem, o próprio processo de massificação cria, a­ luta revolucionária
través da proximidade e aproximação física que estabelece en­ !
transformação histórica
tre os individuos, a possibilidade de uma identidade de inte­
resses entre estes. A manifestação de interesses comuns, e a Concluindo, pode-se afirmar que Marx, desde o ponto
realização dos que vivem sob as mesmas condições de explora - de vista da Sociologia, foi um dos mais importantes criadores
ção social, cria a possibilidade de formação dP uma consciên­ de um projeto de transformação radical da estrutura social,
cia de classe. Porém, apenas quando as classes conscientes g� projeto este de superação das condições de opressão de classe.
ram um movimento social e uma organização de classe, desenvol Para a realização deste projeto, alem do amadurecimento de
vendo, portanto, uma ideologia própria de classé (movimento condições estruturais propicias, exige-se também uma prãx,s
este em que a práxis cientifica poderá contribuir para a uni­ revolucionária das classes explor�das. A efetivação desta pr�
dade entre teoria e prática), ê que �e pode falar da existên­ xis, porem, requer a formação da consc,éncia de classe e de
cia de uma práxis política de classe. Para Marx, ainda, ape­ uma ideologia autônoma de forma organizada, para a qual suge­
nas a luta revolucionária das classes organizadas ê que perm� re o partido de classe.
tirá a superação das condições de exploração do capitalismo e Lenin,
�erão os seguidores de Marx, especialmente
a passagem a uma nova sociedade sem dominação de classe. e
Lukãcs e Gramsci que trarão novas contribuições teóricas
Em síntese, o movimento de libertação da sociedade práticas para o entendimento da práxis revolucionária, princ�
de classes (definindo-se classe a partir do grupo de indiví­ paimente no que concerne ã consciência, ã ideologia e ã orga­
duos que ocupam a mesma posição nas relações de produção), p� n1zaçao.
de incluir os seguintes momentos do desenvolvimento das rela­
ções sociais, no seio de uma formação social onde predomina o
JS
34
IV - AS ABORDAGENS MARXISTAS
"Toda a luta ... está ligada ao fato do Par sia, ma s, ao mesmo tempo, urna luta do pro
tido se dedicar co nscientemente à tarefa letariado contra si próprio, co ntra os e­
de ajuda r o pro letariado a desempenhar o feitos devastadores e degradantes do sis­
seu papel de educador, organizador e dir i tema capitalista sobre a sua consciência.
gente, papel sem o qual é impossivel a de o pro letariado só co nseguirá a verdadei­
sag regação do capitalism o. As massas tra­ ra vitória quanto tiver e.m si mesmo supe­
balhadoras, as massas de camponeses e o� rado esses efeitos ... o proletariado não
rár ios, devem vencer os velhos costumes deve recuar perante nenhuma autocrltica ,
d os intelectuais e reeducarem-se para porque só a ve rdade pode trazer-lhe a vi­
construir o comunismo: sem isso nã o se � tória, e a autocritica deve, portanto, ser
de afrontar a causa da edificação. Toda a o seu eleme nto vital".
no s sa experiência prova que esta obra é
LUKÃCS - 1920
dema siada séria, e, por isso, devemos es­
tar pro nto s a reconhecer o papel prepond� (A co nsciência de classe. In:
História e Consciência de elas
rante do pa r tido , e nã o podemos esquecê­ se. Porto , Escorpião, 1974, p:

l o ao discutir a atividade e o trabalho 85-6.


de organização".
"Todo o g rup o social tem urna_ tradição, um
"LENIN - 1920 passado, e o co nsidera corno o único e to­
tal passado . Aquele grupo que, cornpreen -
(Boletim da Conferência de toda
a_Rússia d os Or gã os de Instru - dendo e justificando todos estes passados,
çao Po lítica, l a 8 de novemb ro souber identificar a linha de desenvolvi­
de 1920 - Moscou. In: Sobre a
revo lução cultural. (Pontos de mento real - linha contraditória, ma s po�
Vistas nQ 18). Lisboa, Iniciati slvel de superação na contradição - co me­
vas Editoriais, 1975.
terá menos erros, identificando mais ele­
mentos positivos, sobre os quais apoiar­
"O pr o letariaóo só se realiza sup rimindo­ se para criar urna nova histó ria".
se, levando até ao fim a sua luta de elas

se e instau rando assim a soci.edade sem GRAMSCI - 1929 a 35


clas ses. A luta por esta sociedade, de (Sobre Benedett o Croce e o ma­
que também a ditadura d o proletariado é teriali smo histórico. In: Co n­
só urna fa se simples, não é somente urna lu cepção dialética da história.
Rio, Civilização Bra sileira
ta co ntra o inimigo exterJ or, a burgue- 2a. ed., 1978, p. 254.

Lenin (1870-1924), Lukãcs (1885-1969) e Gramsci

38 )9
RDA
(1891 - 1937) são três importan tes in térpretes da teoria de 4.1. LENIN: A QUESTÃO DA VANGUA
Marx, que se preocupa ra m fu ndamen talmente com a prãxis social.
co-revolucionãrio ,
Não pretendo, neste ensaio, fazer um apanh ado da contribuição Lenin, pensador teõrico e políti
exões entre a teoria e a PT!
inestimãvel destes autores, em todas sua s implicações, para preocupou-se sobretudo com a s con
de suas reflexões, surge a
a prãxis social revoluéionãria , o que em si sõ con sistiria nu tica política efetiva. No centro
como mediador entre a teoria
ma obra considerãvel. Trata -s e de privilegiar na obra destes importância atribuída ao partido
ca das ma ssas. Em toda a sua
autores algumas questões que conside ro atuais e que v enh am a revolucionãria e a prãtica políti
õe ao partido o papel de va n-
enriquecer as reflexões sobre a dinâmica dos movimentos so- obra de discussões políticas imp
1 . - . (1)
nar10.
cia1s, segundo a linha proposta neste estudo. guarda para o movimento revo uc1o
na rquista dentro do
Assim sendo, em Lenin, intere ssam suas reflexões Em 1904, opondo-se ã tendência a
ortância de um a organiza ­
de carãter político-ideolõgico sobre a prãxis da classe oper� partido, ch ama a atenção para a imp
a e efe tiva men te revolu
ria, em sua luta pelo poder político e hegemonia social, to- ção, que ga ranta a unid ade ideolõgic
xplorada s:
mando-se como ponto central a questão da vanguarda e de su a cionãria do movimento das ma ssa s e
importância na formaçio de uma consciência revolucionãria .

Lukãcs, preocupando-se com a formação de uma cons-


ciência revolucionãria, debruça-se sobre Lenin para en tender
como por ex emplo, em Que
(1) Isto tanto no Lenin ma is jovem, A­
a d1�lêt1ca entre o partido evolução da consciência. Colo te, Dois P a ssos
F a z er ?, rle 1902. em Um P asso em Frer.
e a

e 1904 e em Dua s Tãti-


ca, entretanto, como cen tral a questão da consciência de clai trãs (A crise no nosso pa rtido), d de
o Democrática ,
se na d1alêtica da transformação social. cas da Social-Democracia na Revoluçã exem-
, como P
1905, bem como no Revolucionário M aduro povo
Como ilu�ir o
Gramsci, tambêm pa rtindo de Lenin, va i se dedicar ã plo, em T e ses de Abril, de 1917, em
e), de 1919, em P
anilise da prãxis política , tomando por � ase O estudo concre­ (com os slogans de liberdade e igu aldad
dica lismo de �squerda
Doença Infantil do Comunismo: o ra
to da cultura, dos valores sociais e da s instituições so­ ursos e escritos.
de 1920, e em muitos outros disc
na
ít1ca transfor'lla·
ciedade capitalista. A �tão da direção cultural na liber­ V aliosos ensiname ntos par a uma prãxis pol
raçao da opressac
tação das classes subalternas denota singularidade do pensa dor a do social, tendo em vista a supe
a
escritos.
de classe, podem ser extra1do� destes
mento do .a utor.

41
40
"O prolet.Jn.:ido, n,1 su.:i lut.:i relo poder,
consciência política autêntica do proletariado. A consciência
njo tem outra nrmA senão a organização.D�
v1d1do n�l.:i concorr�nc1a an5rqu1ca qu0 socialista não surge espontaneamente do seio do movimento o­
reina no mundo bur<:1uê:;, esmaCJado pelos tr� perãrio sindical. Ela depende de um conhecimento da totalida­
balhos forçudos .:io serviço do capital,
de soeia 1, conhecimento este que não aparece espontaneamente
con�tantcmente atirado ao abismo da misé­
r1.:i mais completa, do embrutecimento e da na massa, pois esta em seu cotidiano apreende o fato imedia­
dencnerescência, o rroletário só pode toE to, aparente. O conhecimento revolucionãrio gerado de fora e
no1r-ow, e tornar-se-á inevi tavelrnente,uma partido ,
trazido para a massa proletãria pela vanguarda do
força invencível quando a sua unidade i­
J�ológ1ca, baseada nos princípios do mar­ responsâvel pelo desencadear da consciência política socialis
:n:.;ino, � c1mentada pela unidade material ta do proletãrio.
dJ orqan1zação qu� reune milhões de traba
ltiudores -ium exén.:ito da classe operá- Lenin expressa-se d3 seguinte forma sobre este co­
"
r 1.1 • ( 2 l
nhecimento:

1.e111n , ri,.eO\.upddO com os resultados genuinamente r!:: "A consciência da classe operária não pode
volunonã, 10c; dos m0v1mentos so<.. ,a,s, examinou em profundida­ ser urna consciência política verdadeira ,
se os operários não estiverem habituados
de o rute11L �l polít1co destes movimentos. Contrapunha (em Que
1

1) a reagir contra todo abuso, toda mani­


Faze.- �, os movimentos com orientação economicista, impregna- festação de arbitrariedade, de opressão e
dos pela 1deolog1a-polit1ca burguesa e fruto da organização de violência, quaisquer que sejam as elas
ses atingidas; a reagir justamente do po�
espontãne� das masc;�s (por exemplo, os tumultos primitivos na
to de vista social-democrata... 2) a a­
R ü s < H , c o ,n d e <.t ru 1 cao d e m d q u 1 nas . o e o r r i dos en tre 1 8 7O e 1 8 9 O proveitar os fatos e os acontecimentos P2
e as g r evPs rte ooerãr10� s1stemit1cac;, com reivindicações de líticos concretos e de grande atualidade,
par.:i observar cada� das outras classes
melhorias eccn5m1cas, dpÕ� lRYO), i orqan12ação social-demo -
sociais em !_octas as manifestações de sua
critic�, co�o mecanismo necessário ao desenvolvimento de uma vida inLelectual, moral e política; 3) se
nào aprenderem a aplicar praticamente a
anál1se e o critério �aterialista a todas
JS formJs da atividade e da vida de todas
as classes, categorias e grupos de popul�
(2) L[NfN, V. 1. Um Passo em frente, 1n1s Passos atris. (A cri çao... nnis nar.:i conhecer a si pr0pria,de
se no nosso pdrt1do). Lisooa, f� Avante. 1977, ( B i b I i o- fato, � clüsse operária deve ter um conh�
teca do Marx1smo-Len1n1smo/9). r. 233. c1riC'nto prl"'ciso das rcl.:içôes recíprocas

42 43
de todas as classes da sociedade contem­ nãria no que diz respeito ao jogo de forças sociais atuantes
porâneas, conhecimento não apenas teórico na opressão do proletário. O conhecimento do agir político do
••• ou melhor: não só teórico, como fund� conjunto das forças sociais, implica, portanto, no conhecime�
mentado na experiência da vida polltica
•.. Para tornar-se um social-democrata, o to da totalidade das relações inter-classes, bem como da pos!
operário deve ter uma idéia clara da nat� ção relativa do proletãrio (o seu particular) nesta totalida­
reza econômica, da fisionomia polltica e de. Lenin cr� que o proletariado, nas relações restritas de
social do grande proprietário de terras e
do pope, do dignatário e do camponês, do seu cotidiano com o patrão, serã incapaz de apreender a tota­
estudante e do vagabundo, conhecer seus lidade das relações de classe numa conjuntura determinada, r!
pontos fortes e fracos, saber enxergar nas zão pela qual o movimento prõ-socialismo requer uma vanguar­
fórmulas correntes e sofismas de toda es­
da de revolucionários profissionais.
pécie com que cada classe e cada camada
social encobre seus apetites egoístas e
Porém, a vitõria de uma práxis revolucionária somen
sua 'natureza' verdadeira; saber distin­
guir esses ou aqueles interesses que re­
te poderã ser obtida atravês de uma dialética entre teoria e
fletem as instituições e as leis, e como prática, entre o trabalho da vanguarda e a participação das
( 3)
as refletem". massas. Do ponto de vista do trabalho da vanguarda afirma que:

Ao mesmo tempo em que Lenin reconhece a necessidade


"O capitalismo não serta ca!'.)italismo
do Partido, enq�anto mentor do proletário, reconhece também a se o !'.)roletãrio 'puro' não estivesse ro­
i�portânc1a do enqaJamento do proletário nas diversas formas deado por um grande número, extremamente
de práticas sociais de cunho politico para a formação de sua matizado, de tipos sociais que marcam a
transição do proletariado ao semi··prolet�
consc1enL1a de clds,e: Práx is e, iss1m, o result�do da dia­ riado (aquele que só tira metade dos seus
létita entre Teor1d e Vr�t1ca Revoluc1onár1a. meios de existência da venda de sua força
de trabalho); do semi-proletariado ao pe­
Cndma a atençao, também, em Que Fazer '· para a ne­
queno camponês (e ao artesão da cidade ou
cessidade do conhecimento e da consc1éncia crítica revolucio- do campo, ao pequeno explorador em geral);
do pequeno camponês ao camponês médio,
etc., e se o próprio proletário não com -
portasse divisões em camadas mais ou me­
nos desenvolvidas,territoriais, profissi�
(3) LENIN, V.l. Oue Fazer ' C,,>o Pdulo, Hur 1tPc, 1978, p.SS-6. nais, por vezes religiosas etc. Daqui de­
corre imperiosamente a necessidade - uma

·1·1
45
necessidade absoluta - da vanguarda do uma atitude de apoio direto à vanguarda,
proletariado, a sua parte consciente, o ou pelo menos uma atitude de neutralidade
Partido Comunista, marchar em zigue-za­ simpatizante, que a torne completamente
gue, realizar ocordos e compromissos com incapazes de apoiar o adversário, seria
os diversos grupos de proletários e com mais do que insensatez, seria um crime .. .
os diversos partidos operários e de pequ� Não basta só a propaganda e a agitação .. .
nos exploradores. O essencial é saber a­ é preciso a própria experiência pollticé
plicar esta tática da maneira a elevar e dessas massas. Esta é a lei fundamenta)
não a rebaixar o nlvel de consciência� -
de todas as grandes revoluçoes... ( 6)
ral do proletariado, o seu esplrito revo­
lucionário e a sua capacidade de lutar e
Lenin ê criticado, porêm, pelo viês de autoritaris·
vencer". (4)
mo na organização, que decorre deste posicionamento de super­
Portanto, a complexidade de situações do prõprio valorização da vanguarda. A estes ataques Lenin responde QUE

particular das massas exploradas requer tambem um discernime� as democracias burguesas têm iludido o povo com slogans de li
to político sobre a totalidade dessas situações, requer a ha­ herdade e igualdade:

bilidade de "manobrar, entrar em acordos e compromissos. para


"A Liberdade é uma fraude se se opÕE
evitar um combate que se apresente desvantajoso... •. (S)
à emancipa�ão do trabalho da opressão d<
Do ponto de vista da participação das massas. Lenin capital". ( )

acrescenta que:
"Estes 'civilizados' franceses, in·
gleses e americanos, chamam liberdade meE
"Não podemos vencer só com a vanguA!_ mo a liberdade de reuniões. Na constitui·
da. Lançar a vanguarda sozinha na batalha ção deve estar escrito: 'Liberdade de ret
decisiva, quanto toda a classe, quanto t� nião para todos os cidadão� ... E vocês,
tas as grandes m,assas ainda não tomaram Bolchevistas, violaram a liberdade de ret

(4) LENIN, V.!. A doença infantil do comunismo. O radicalismo (6) Ibidem, p. 120.
de esquerda. Lisboa, Ed. Avante, 1975. (Biblioteca do Mar (7) LEN1N, V.I. Como iludir o povo (com slogans de liberdade
xismo-Leninismo/2), p. 99.
e igualdade). Tra_d. de Maria João Delgado. Coimbra, Cente
(5) Ibidem, p. 102. lha , 1974, p. 32.

46 47
nião' ... esqueceram que a vossa liberdade classes:
está escrita na Constituição que legali­
za a propriedade privada". (8) "Uma república democrática com igual_
dade é uma mentira, uma fraude, porque na
"Quando só houver no mundo trabalha­ realidade a igualdade não existe ne� pod�
dores e as pessoas se esquecerem de pen­ existir, em virtude da propriedade priva­
sar em como era �ossivel ser um membro da da dos meios de produção, do dinheiro e
(lO)
sociedade e não um trabalhador ... então s� do capital".
remos pela liberdade de reunião para to­
dos, mas hoje a liberdade de reunião sig­ "A igualdade é o nosso objetivo mas
- " (11)
nifica liberdade de reunião do capitalis - sob a forma de aboliçao de c l asses .
-
mo, dos contra-revolucionarios n . (9)
Enfim, se por um lado Lenin defende a neressidade
Par Lenin. este quadro de políticos revolucionãrios da organização e da vanguarda para dar direção ao mo\1mento
pro & iss;onais ser·a uma condição necessãria nesta fase i ni - da transformação social (concebendo esta transformação como
cial de uma revolução radical, justificando-se portanto uma um processo dialitico entre Teoria e Prática de massa Revolu­
rrã)is �o nível de quadro do partido que fosse excludente e cionãrias), por outro lado, concebe como o verdadeiro produto
autoritã�ia. A plena liberdade de participação seria alcança­ da revolução O homem comum que se transforma com sua part1ci­
da q�•rto esti�esse superada a sociedade de classe, pressupo! pação no processo revolucionãrio, dando origem a um novo ho­
to teórico que caresse ainda de comprovação. Pode-se acrescen me m - o Socialista, o Comunista. Em suma, a revolução políti­
tar, alêm disso, que esta postura revolucionária na prãtica ca sõ será vitoriosa se for acompanhada por uma revolu ção cul
h1stõrica tem levado a uma consolidação de formas de autorita tu ra l :
rismo hurocrãtico.
"Sociedade Comunista significa que
Quanto a iguõldade, também esta. segundo projeto
tudo é comum: a terra, as fábricas, o tra
marxista-leninista, s0mente seria possível numa sociedade sem

( 8) 1 b i dem , o . 3 5 . (10) Ibidem, p. 41.


( 9) ! ln d ell' , p. 3 8. (11} Ibidem, p. 43.

48 49
balho". (li} tura antiortodoxia pelo que considerava o economicismo da li
Internacional.
"O trabalho comum não se cria de um
A oflra poHtica de Lukâcs, especialmente "Histõria
dia para o outro. Isso é impossível. Não
cai do céu. Há que conquistá-lo através e consciência de classe", coletânea de ensaios publicada em
de grandes esforços e sofrimentos, há que 1923, encaminha uma nova perspectiva de análise entre acadê­
criá-lo. E criar-se no decorrer da luta.
micos que pretendem seguir os ensinamentos de Marx. Lukãcs ha
Não se trata aqui de um livro velho em
que ninguém acreditaria. Trata-se da pró­ via realizado uma re-leitura de Hegel e do Jovem Marx, recup!
l3
pria experiência ae vida". C l rando a dimensão hegeliana do pensamento deste ultimo.

Devido a este enfoque, por um lado, Lukãcs vai ser


Em síntese, o projeto de superação do capitalismo
acusado, no 59 Congresso da Internacional Comunista (19 24),de
na busca de uma sociedade liberta da opressão de classe, na
idealismo, subjetivismo, ecletismo e ambigOidade; por outro
concepção leninista, exige uma prãxis resultante da dialética
lado, a influência de Hegel no pensamento de Marx passou a
entre Teoria Revolucionâria (oriunda do trabalho de reflexão
ser estudada pelo marxismo. Seu pensamento vai influenciar tam
e da experiência de luta da vanguarda) e Prática Revolucioná
bem os novos Filõsofos Criticos da Escola de Frankfurt, tais
ria (com a participação das massas oprimidas ) , sendo que a
como Adorno, Benjamin, Habermas, Horkheimer e Marcuse, e na
prâxis política sõ se consolidarã se for ao mesmo tempo prã-
França influencia sobretudo Lucfen Goldmann.
xis cultural.
Portanto, sendo o pensamento de Lukãcs altamente p�
4. 2 . LUKÃCS - A QUESTÃO OA CONSCIÊNCIA OE CLASSE lêmico, abriu novos caminhos para a criação de uma perspecti­
l4)
va de análise marxista disttnt� daquela da ortodoxia ( que
Lukãcs, pensador e político marxista húngaro, foi
muito discutido e contestado nos meios marxistas por sua pos-

(14) t necessário aqui fazer uma ressalva para o fato de que


o prõprio Lukãcs em "Histõria e consciência de classe",
considerava-se como marxista ortodoxo, tendo, porem, a
(1 2 ) LENIN, V.I. Tarefas da juventude comunista. ln: Sobre a
sua prÕpria concepção sobre o significado deste titulo:
Revolução Cultural (Pontos de Vista nQ 18 ) . Lisboa, Ini­
"O Marxismo ortodoxo não significa, pois, uma adesão sem
ciativas Editoriais, 1975, p. 39.
critica aos resu l tados da pesquisa de Marx, não signifi-
(13 ) Ibidem, p. 40.

50 51
se ligava ã dialêtica da natureza, segundo Engels. Em contra­ Partindo de Marx, Lukãcs examina o fenômeno da re,­
posição ao determinismo econômico que tendia a estar presente f icação, quando sob o capita lismo as relações entre oessoas
n�ste último enfoque, Lukãcs vai rer.uperar a importância do tomam o carãter de uma coisa, produzindo a alienação humana
histor1cismo no pensamento de Marx. Retoma o postulado de e a "falsa consciência"_(lS)

Marx de que acima de tudo é necessirio considerar que os "ho- Mas para o autor é também a análise do "fetichismo
mens f�zem a histôria", porém esta pode ser feita como uma da mercadoria", feita por Marx, que cont�m a possibilidade de
"falsa consciência" através de relações reificadas, fetichi­ "conhecimento" atraves do materialismo hist6rico. Isto por-
cas A experiência no capitalismo, acompanhada da história de
que
luta de classe, e que contém a gênese da "consciência de elas
se verdadeira". "o operário sõ pode tomar consciincia do
seu ser social se tomar consciência de s1
Corsidero que, para o entendimento dos movimentos próprio como mercadoria ... a sua conscli�
sociais muito mais importante do que as respostas que Lukãcs te­ eia é a consciincia de si da mercadoria
ou, por outras palavras, o conhecimento de
nha dado ãs suas indagações, ê o encaminhamento de novas que!
si, a revelação de si da sociedade capl­
tões em relação ao problema da consciência de classe e sobre talista fundada na produção e na troca
.. (16)
a participação de classe propriamente dita num projeto de li mercantis

bertaçáo social. Serão estes os principais pontos que preten­


do aqui explorar. Encontram-se ai, portanto, as condições para o pro­
letariado. através de sua autoconsc,ência, chegar também ã
revelação da própria estrutura da sociedade capitalista. A rc
velação de si mesmo (do proletãrio enquanto elemento chave

Cont. ca uma fê da troca e da exploração capitalista) traz a revelação da pr�


numa ou noutra tese, nem a exegese �e um livro
'Sagrado'. A ortodoxia em matéria de marxismo refere-s€, pria essência da totalidade capitalista. Isto tambem assim se
pRlo contrario, e exclusivamente, ao método. Implica a
convicçao científica de que, com o marxismo dialético.se
encontrou o método de investigaçao justo, de que este mê
todo só Pode ser desenvolvido e aperfeiçoado, aprofunda­ - --- --------
do no sentido dos seus fundadores". Cf. LUKACS, Georg. 115j LUYACS, op. c1t., ver e�pecialmente p. 97-138.
Histõri a e r.onsciência de classe. Trad. de Teima Costa. (16} Ibidem, o. 188.
Porto, Publicaçocs [scorpiao, 1974, p. 15.

,_
r. ')
r, 3
dâ porque e com o capitalismo que o carãter social do traba- poderia ser complementada por uma anãlise que tentasse expli-
lho se torna cada vez mais evidente, transformando cada vez car os vãrtos passos presentes num processo de formação da
mais o proletariado em verdadeira "classe social" (fruto da consciência social, dando conta tambêm das particularidades
constituição do grupo pela experiência e pelo conhecimento). h1stõricas.
Neste sentido e que surge em Lukãcs a ideia do proletariado
Se bem que, e1n "A consciência de classe",(lS)Lukãcs
como sujeito-objeto idêntico da história.
menciona a existência de diversos niveis de consciência possI
Lukãcs e sujeito a critica por estes resultados de vel. falta apenas buscar a compreensão dos mecanismos de pas­
se:is estudos, como aquela feita por R. McDonough: sagem de um nivel ao outro, seja, do entendimento da dinâmica
dos movimentos sociais e ideológicos concretos, conforme, por
"Lukács ou simplesmente eleva o pro­
exemplo. havia sido realizado por Lenin.
letariado à consecução de uma verdadeira
consciência de classe (a culminância de Lukâcs chama a atenção para o fato de que esta gra-
sua missão história) ou então condena-o
duação na consciência de classe corresponde ã possibilidade
a permanecer nos limites da falsa cons-
ciência, prisioneiro eterno da estrutura objetiva de o proletariado perceber mais facilmente a sua si­
reificada do pensamento burguês predomi­ tuação no plano das relações econômicas, tendo por projeto o
(l?)
nante".
atendimento a Minteresses imediatos", do que de perceber a
sua situação no plano politico e ideológico, através de um
Pode-se ainda ajuntar que esta noção de "verdadeira
projeto que vise o "objetivo final" de superação da dominação
consciência" e "falsa consciência" :icaba desempenhando a fun­
na busca da liberdade.
<ão de conceito limite ou tipo-ideal para a análise (quiçã a
influência weberiana no pensamento do autor). Portanto, esta
"Quando a critica não ultrapassa a
preocupação de Lukãcs em chegar á gênese destes casos limites simples negação de uma parte, quando, pe­
lo menos, ela não tende para a totalida­
de, então, não pode ultrapassar o que ne­
ga, como por exemplo, no-lo mostra o cará

(17) McDONOUGH, R. "A Ideologia como falsa consc1enc1a: Lu-


kãcs". ln: CENTRE FOR CONTEMPORARY CIJLTURAL STUD!ES da
Universidade de Birmighan (orq. ). Da ideologia: Trad. de
Rita Lima, Rio, Zahar, 19fl0, p. !>5. (18) LUKÃCS, op. cit., esp. p. 91-6.

54
ter pequeno-burguês da maior parte dos
gico central que sempre ocupara na obra de Marx".(ZO) Esta to
sindicalistas. Esta simples crltica, esta
critica feita do ponto de vista do capit� talidade signiftca, em Lukãcs, que a verdadeira consciência
lismo, manifesta-se da forma mais notória de classe só se realiza com a passagem da auto-avaliação do
na separação dos diferentes sectores da
proletãrio como agente económico, para a percepção de sua po­
luta. O simples facto de se estabelecer
tal separação indica já que a consciência sição no jogo de forças políticas e na construção de uma con­
do proletariado se encontra ainda provis� cepção de mundo, i.é., com a passagem do "reino da necessida­
riamente sujeita à reificação. Se bem que
de" ao "reino da liberdade". Por isso, afirma que o proleta -
lhe seja evidentemente mais fácil perce­
ber o caráter desumano da sua situação de riado, ao mesmo tempo que luta contra o seu inimtgo exterior,
classe num plano econômico do que no pla­ a burguesia, terã que lutar "contra si próprio, contra os e­
no polltico, e mais no plano polltico do
feitos devastadores e degradantes do sistema capitalista so­
que no plano cultural, todas estas compaE
timentações demonstram justamente a força bre a sua consciência de classe". (Zl)
ainda não ultrapassada das formas capita­
Dois anos apõs ter escrito seu artigo sobre Ma con!
listas de vida sobre o próprio proletari�
do " (19) ciência de classe", Lukãcs escreve as "notas metodológicas so
bre a questão da organização", quando passa a reconhecer a im
Assim como Lenin, também Lukãcs (ambos baseando-se portância do partido, como mediador entre a Teoria e a Práti­
em Marx) dã ã categoria "totalidade" uma importãncia funda­ ca, ou seja, entre o conhecimento (que no artigo anterior sii
mental, tanto na construção do conhecimento, quanto na forma­ nificava, para Lukãcs, a consciência de classe verdadeira, ou
ção da consciência social. Numa autoavaliação de 1967, Lukãcs o máximo de consciência possível) e a ação revolucionãria pr�
afirma que "um dos grandes méritos de História e consciência priamente dita. Porém, esta dialética apenas se realiza quan­
de classe foi com certeza o de ter dado ã categoria da total� do hã um projeto de transformação (o "objetivo final").
dade, que a pretensão "cientifica" do opc,rtunismo social-dem�
crata fizera cair no completo esquecimento, o lugar metodolõ-

(20) LUKÃCS, G. Posfãcio de 1967. ln: História e consciência


de classe, op. cit., p. 360.
(21) LUKÃCS, G. História e consciência de classe, op. cit. p.
(19) Ibidem, p. 92. 96.

56 S7
Este projeto, que Lukics denomina de busca do "rei­ so unitário, mas dtalético, da evolução
de sua consciência... tum processo longo
no da liberdade" (Sociedade Comunista), para sua realizaçio
e mal o iniciamos, mas tal nao nos deve
requer uma práxis que Ji contenha a dialética entre liberda­ constituir impedimento para que nos esfor
de e solidariedade (subordinação consciente ã vontade do con­ cemos por reconhecer, com toda a clareza
que hoje é possível, o princípio, que ne-
junto); entre espontaneidade (movimento das massas) e regula­
le se manifesta, a aproximação do reino
mentação consciente (disciplina atraves do partido); entre au da liberdade enquanto exigência para o o­
tonomia (expressio mais ou menos espontânea da consciência de perário com consciência de classe. E, pr�
classe) e coordenação (forma desta consciência obtida através cisamente porque a formação do partido c�
munista terá que ser obra conscientemente
da direção do partido). levada a cabo pelos operários com cons­
ciência de classe, todo e qualquer passo
"O caráter de processo, o caráter em direção ao conhecimento correto é si­
dialético da consciência de classe conver multaneamente um passo em dir�ção à reali
_ (22)
te-se, pois, na teoria do partido, no ma­ zaçao deste reino".
nejar consciente da dialética. Esta dial�
tica ininterrupta entre teoria, partido e Lukãcs tenta situar-se assim a meio caminho da teo­
classe, esta orientação da teoria para as
ria do espontaneismo das massas de R. Luxemburgo e dos prin­
necessidades imediatas da classe não sig­
nifica no entanto a dissolução do partido cípios de burocratização e autoritarismo do Partido. "Procura
na massa do proletariado ... conciliar a visão elitista que Lenin tinha do papel do Parti­
A participação ativa de todos os do Comunista, com sua fê residual em Rosa luxemburgo e no Sin
membros da vida cotidiana do partido, a ne 23
dicalismo". ( )
cessidade de se comprometer com o conjun­
to da sua personalidade em todas as ações Em suma, a busca do "reino da liberdade", seja, a
do partido é o único meio de forçar a di­
construção de Jma sociedade isenta de relações reificantes de
reção a fazer com que as suas resoluções
sejam realmente comp,reendidas pelos mem­
bros, convencendo-os do seu acerto, uma
vez que doutra forma não poderiam executá
las corretamente...
(22) Ibidem, p. 335-47.
A separação organizacional nltida
(23) LICHTHEIM, G. As idéias de Lukács, Trad. de Jamir Mar-
entre a vanguarda consciente e as largas
tins. Sao Paulo, Ed. Cultrix, 1970 (Coleçao Mestres da
massas não passa de um momento no preces-
Modernidade), p. 117.

')8
natureza classista, enquanto projeto, necessita, para sua ef! os ensinamentos políticos desta obra, pois a partir de 1927,
tivação, de uma práxis que seja a expressão de uma consciên­ quando é colocado na prisão pelo fascismo, não lhe é permit�
cia de classe organizada e de uma organização consciente. do consultar os escritos de Lenin. Assim mesmo, Gramsci util�
za e aprofunda o pensamento de Lenin quando escreve os Cader­
4.3. GRAMSCI: A QUESTÃO DA DIREÇÃO CULTURAL 25
nos do Cárcere. ( ) Além disso, Gramsci avança em relação a
Lenin, por suas reflexões concernentes ã cultura popular e ã
Gramsci, pensador e politico revolucionãrio marxis­ ideologia orgânica na dialética intelectual-massa, concebidas
ta italiano, que se valeu sobretudo dos ensinamentos de Lenin como momentos fundamentais na estratégia politica revolucion�
para pensar e decidir politicamente sobre a situação concreta ria. Serã esta a contribuição principal que buscarei no pens�
nacional, sofreu a influência tambêm dos filósofos italianos mento de Gramsci.
neo-hegelianos Benedetto Croce e Giovanni Gentile, em relação
Gramsci, assim como se observou a respeito de Lu-
aos q ?is realizou uma revisão critica, herdando deles também
kâcs, vai travar uma luta contra o positivismo da II Interna-
uma visão humanística e de valorização da cultura.

Assim, a cultura e a preparação ideológica organiz!


da serão consideradas eixos fundamentais para uma práxis de
transformação da estrutura social. "O Socialismo i também a (25 ) Estes cadernos compreendem o conjunto de textos mais im­
criação de uma nova cultura, sem o que não poderá realizar pl! portantes que Gramsci deixou como herança para as Ciên­
cias Sociais. Estes textos vieram a ser publicados a pa�
namente as suas potencialidades: e essa é uma idéia que Grams tir da década de 1940, nas seguintes obras:
ci jamais abandonará·.'24 ) "Il materialismo storico e la filosofia de Benedetto Cro­
Gramsc1 entra em contato com a obra de Lenin ce", 1948.
em
"Gli intellettuali e l'organizzazione della cultura",1949.
1917, a qual passa a influenciar decisivamente as �uas ideias
"ll Risorgimento",1949.
políticas. Durante a década seguinte assimila definitivamente
"Note sul Machiavelli, Sul la politica e Sullo Stato Moder
no", 1949.
"Letteratura e vita nazionale", 1950.
" Passado e Presente'' , 1 95 1 .
(24 ) COUT!N, C.N. Gramsci. Porto Alegre, L & PM, 1981,(Fon-
tes do Pensamento Político, v. 2), p. 25. Em 1965, foi publicada uma ed1çio completa das "Lettere
dal Carcere".

61
cional, expressando o seu pensamento através de um carãter an consciências teóricas (ou urna consciência
contraditória): uma, implícita na sua
tieconomicista e enfatizando o carãter historicista do mate -
ação, e que realmente o une a todos os
rialismo dialético, fixando-se desta maneira na anãlise polí­ seus colaboradores na transformação prát�
tica e cultural da sociedade: daí decorre a sua importante CO_!: ca da realidade; e outra, superficialmen­
te. explícita ou verbal, que ele herdou do
tribuição para o estudo dos movimentos sociais.
passado e acolheu sem crítica. Todavia,e�
De início, para Gramsci, todos os homens são "filõ­ ta concepção 'verbal' não é inconseqüen­
te: ela liga a um grupo social determina­
sofos", isto i, possuem uma filosofia espontãnea, uma concep­
do, influi sobre a conduta moral, sobre a
ção de mundo, que se expressa em sua linguagem, no senso co­ direção da vontade, de uma maneira mais
mum, na religião popular e no folclore. Mas a filosofia en­ ou menos intensa, que pode inclusive, a­
tingir um ponto no qual a contraditoried!
quanto concepção crítica do mundo, enquanto forma de conheci­
de da consciência não permite nenhuma a­
mento, realiza a crítica da filosofia espontânea, transforman ção, nenhuma escolha e �reduza um estado
do o senso comum no "bom senso". Assim, a filosofia critica, de passividade moral e política. A com­
preen�ão crítica de si mesmo é obtida,
ser.do conhecimento e posição política, simultaneamente trans­
portanto, através de uma luta de "hegemo­
forma-se na verdadeira "filosofia da prãxis", em projeto para nia", de direções contrastantes, primei­
o futuro. Todo o pensamento gramsciano dirige-se para o ente_!: ro no campo da ética, depois no da polít�
ca, atingindo, finalmente, uma elaboração
dimento desta dialética entre filosofia espontânea (cultura _ . _ , ( 26)
superior da propria concepçao do real'.
popular) e filosofia critica ("da prãxis"), para o entendimen
to da organicidade entre a massa (o povo) e os intelectuais Para que as classes subalternas emerjam de uma si­
(os dirigentes político�) no seio das classes subalternas. tuação de meras reprodutoras do social, e aspirem a atuar em
Gramsci acrescenta, ainda: movimentos que visem não somente a superação de uma situação

"O homem ativo da massa atua pratic!


mente, mas não tem uma clara consciência
teórica desta sua ação, que não obstante,
é um conhecimento do mundo da medida em (26) GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. Trad. por
que o transforma. Pode ocorrer, inclusive, Carlos Nelson Coutinho do original italiano: "11 materia
que a sua consci6ncia teórica esteja his­ lisrrro storico e la filosofia de Benedetto Croce". Rio ,
toricamente u� contradiç�o com o seu a�1r. Civilização Brasileira, 2� ed., 1978, pp. 20-1.
É qunsc r,ossÍvl'I drztr q11c clC' tPm duas

,-,., 63
econômica de explorados, mas, acima de tudo, a hegenomia po­ tamente para "forjar um bloco intelectual-moral, que torne p�

lítica e cultural. ê que toda a revolução ê tambêm um proces­ liticamente possível um progresso intelectual da massa e não
(
so de construção de uma cultura nova, de uma reforma intelec­ apenas de pequenos grupos intelectuais". JO)

tual e moral, e exige para esse ato de autoconsciência criti­ Se, por um lado, uma parte da massa, ainda que su­
ca uma organização e dirigentes - os seus intelectuais orgân! balterna, e dirigente, por outro lado, uma camada mais ou me-
cos. nos autônoma e independente - não necessariamente saída do

Gramsci denomina de "catarsis" a passagem do movi - seio das classes subaltern3s, mas identificando-se ideologic!

mer.to puramente econômico (ou egoísta-passional) ao movimento mente com elas, além de não estar comprometida com as mesmas

ético-político, isto ê, a elaboração superior da estrutura em ao nível de suas necessidades - econômicas e imediatas - será

superestrutura na consciência dos homens. Isto significa tam­ capaz de conceber mais claramente os caminhos do "reino da ne

bêm a passagem do "objetivo ao subjetivo" e da "necessidade ã cessidade" para o "reino da liberdade", tornando-se assim seus
(27) intelectuais orgânicos.
liberdade"_ Neste ponto recorre a Marx, lembrando que "ne
nhuma sociedade se coloca tarefa para cuja solução jã não e­ O movimento cultural que pretender substituir o se�
xistem, ou estejam em vias de aparecimento, as condições ne­ so comum e �s velhas concepções do mundo (inclusive as conce2
(28). E
cessãrias e suficientes ... ainda, existindo as condi­ ções conformistas, de acordo com os interesses da classe do­
ções, "a solução dos objetivos torna-se 'dever', a 'vontade' minante), reouer dos intelectuais uma didãtica:
29)
torna-se livre".< Porêm, isto não ocorre mecanicamente. co
1) "Não se cansar jamais de repetir os próprios argumentos (v!
mo algo natural ou metassocial, requer o atuar consciente dos
riando literalmente a sua forma: a repetição e o meio didáti­
homens, requer uma "filosofia da prãxis".
co mais eficaz para agir sobre a mentalidade popular".
Por sua vez, a "filosofia da prãxis" exige a unida­
2) "Trabalhar incessantemente para 'elevar intelectualmente
de orgânica entre o homem ativo da massa e o intelectual. ju!
camadas populares cada vez mais vastas, isto e, para dar per­
sonalidade ao amorfo elemento da massa, o que significa traba

(27} Ibidem, p. 53.


(28) Ibid.
(29) Ibidem, p. 120. (30) Ibidem, p. 20.

64 65
que intelectual consiste em acreditar que se
lhar na criação de elites de intelectuais de novo tipo,
possa� sem compreender e, principal­
surjam diretamente da massa e que permaneçam em contato com mente, sem sentir e estar apaixonado ...
3l)
ela para tornarem-se os seus sustentãculos"_( sem sentir as paixões elementares do po­
vo, compreendendo-as e, assim, explican­
O processo de tomada de consciência e conquista da do-as e justificando-as em determinada si
hegemonia (para Gramsci a classe revolucionãria deve antes de tuação histórica, bem como relacionando­
tudo tomar a direção cultural e moral da sociedade; antes de as dialeticamente às leis da história, a
uma concepção do mundo superior, científ!
ser classe domina�te deve ser classe dirigente e hegemônica ) ca e coerentemente elaborada, que é o ·�
ê constituido pela dialitica intelectual-massa: "o proletari! ber'; não se faz política-história sem a�
do aumenta a consciência de si na medida em que aumenta e en­ ta paixão, isto é, sem esta conexão sent!
mental entre intelectuais e povo-nação...
riquece sua camada de intelectuais orgânicos ... , mas inversa­ Se a relação entre intelectuais e povo-
mente, o proletãrio não pode aumentar sua camada de intelec - nação, entre dirigentes e dirigidos, en­
tuais orgânicos sem que tenha progredido ao nível da consciên tre governantes e governados, se estabele
ce graças a uma adesão orgânica, na qual
:ia". (32) o sentimento-paixão torna-se compreensão
e,desta forma, saber (não de uma maneira
A dialética intelectual-massa apresenta-se como uma
mecânica, mas vivencialmente), só então a
exigência tambêm para a prôpria "filosofia da prãxis'', enqua� relação é de representação, ocorrendo a
to projeto de revolução cultural das classes subalternas, is­ troca de elementos individu�is entre go­
vernantes e governados, entre dirigentes
to porque:
e dirigidos, isto é, realiza-se a vida do
conjunto, a única que é força social;cri�
"O elemento popular 'sente', mas nem se o 'bloco histõrico' 331
11 !
sempre compreende ou sabe; o elemento in­
telectual 'sabe', mas nem sempre compree�
de e, muito menos, 'sente' ... O erro do

(33) GRAMSCI, op. cit., pp. 138-9.


Gramsci integra ao marxismo o conceito soreliano de "blo
co histõrico", concE:bendo-o como a estrutura global, is­
(31) Ibid.em, p. 27. to é, o conjunto de relações dialeticas e orgânicas que
se estabelecem entre a estrutura econômica e a superes
(32) PIOTTE, Jean Marc. La penseé politique de Gramsci.Paris,
Anthropos, 1973, p. 215. trutura (pol1tica e ideológica).

66 67
O campo social onde se realiza esta dialética inte­ tivas, isto i, intelectual",t35}
lectual-massa, e onde se desenvolve o procPsso revolucionãrio, Como Lukâcs, Gramsci tambêm defende a necessidade
será basic.amente uma rede de instituições sociais representa­ de uma síntese da "espontaneidade das massas" com a "direção
tivas das classes subalternas: o Conselho de Fábrica (forma­ consciente" {disciplina). Desta maneira supera a teoria do
ção histõrica, nascida pela consciência de si prõpria de uma espontaneismo de Rosa Luxemburgo e Sorel e o sectarismo de
parte dos produtores e destinada a dominar o aparelho de pro­ Bordiga.
dução), o Sindicato (Associação Voluntãria, que coordena as
Gramsci difere de Lenin, porêm, quando ã função que
forças produtivas e imprime ao aparelho industrial a forma co
atribui ã direção do partido. Enquanto Lenin defende a neces­
munista) e o Partido (Associação Voluntária, modelo vivo e di
sidade de uma direção política do partido, recaindo numa prã­
nâmico de uma nova conviência social que une a disciplina a
tica de ditadura do proletariado, como momento histõrico na
liberdade). (34)
passagem ao comunismo, Gramsci dâ prioridade ã direção cultu­
Como para Lenin, o partido tambem tem por tarefa e­ ral e ideologia do partido, com a função de obter o consenso
levar a consciência de classe ao nível da totalidade, tem o das massas na conquista da direção moral e cultural da socie­
papel de mediador entre a massa e as vãrias instituições in­ dade.
termediárias, i o agente de transformação do "reino da neces­
sidade" em "reino da liberdade", i considerado, em suma, um "Um grupo social pode, e inclusive
intelectual coletivo: "Todos os membros de um partido políti­ deve, garantir a direção desde antes da
conquista do poder (e essa é uma das pri�
co (devem) ser considerados como intelectuais ... (nele) impo!
cipais condições para essa conquista)
ta a função, que e dirigente e organizativa, ou seja, educa- posteriormente, quando ele estiver no e­
xercício do poder, mesmo detendo-o firme­
mente, esse grupo, para ser dominante,não
deverá por isso renunciar à sua função di

(34) Segundo Gramsci, em L'Ordine Nuovo, 1919, ln: Concepção


do part1do proletãrio. Trad. de Maria Natália Dantas. Lis
boa, Iniciativas Editoriais, 1975. (Pontos de Vista/17). (35) GRAMSCI, A. Os Intelectuais e a organização da cultura.
p. 22. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. Rio, Civilização Brasi­
leira, 1968, p. 15.

68
(36)
Gramsci distingue, assim, duas espêcies de ideolo­
rigente".
gias:

( através de sua ideologia que um grupo exerce, co� a - Ideologias arbitrãrias, racionalistas, inorgânicas, por­
tando com a função de intelectual coletivo de seu partido, a que voltadas para a conciliação de interesses opostos e
hegemonia sobre as outras classes sociais. Para Gramsci, ide� contraditõrios;
logias são concepções de vida, e por isso mesmo são essencial
b - Ideologias historicamente orgânicas, porque são necessi­
mente atos políticos. Sua noção de ideologia se aproxima da
rias a uma determinada estrutura; elas organizam as mas­
noção de Lukics de "visão de mundo" ou "consciência de clas­
sas humanas, formam o terreno sobre o qual os homens se mo
se w . As ideologias não são julgadas por critérios de verdade
vimentam,adquirem consciência de sua posição, lutam,etc.(38).
ou falsidade, mas por sua eficiência em termos políticvs.
Para Gramsci, a "filosofia da prâxis", ê uma ideolo
"Para a filosofia da prãxis, as ide� gia historicamente orgânica, porque ela é a prõpria teoria
logias não são de modo algum arbitrãrias; das contradições da sociedade. E uma ideologia que engloba em
elas são fatos históricos reais, que de­
si a crítica das demais ideologias, especialmente daquela da
vem ser combatidas e denunciadas em sua
natureza de instrumentos de domínio, não dominação de classe (superestrutura em prol de grupos domina�
por razões de moralidade, etc., mas prec! tes para obter o consentimento e exercer a hegemonia sobre as
sarnente por razões de luta pol{tica: para
classes subalternas). A "filosofia da prâxis", ao contrãrio
tornar os governados intelectualmente in-
dependentes do� governantes, para des- daquelas ideologias, ê
truir uma hegemonia e criar uma outra, c�
mo momento necessário da inversão da prá­
( "a expressão destas classes subalternas,
xis". )?)
que querem educar a si mesmas na arte de
governo e que tem interesse em conhecer
todas as verdades - inclusive as desagra­
dáveis - e em evitar os enganos (impossí-
(36) GRAMSCI, A. 11 Risorgimento. Torino, Einandi, 1950,p.70. veis( das classes superiores e, ainda
Apud MACCIOCCHI, Maria-Antonietta. A favor de Gramsci.
ª
Trad. de Angelina Peralva. Rio, Paz e Terra, 2 � ed.
1977, p. 130.
(37) GRAMSCI, A. Concepção dialética da história, op. c1t.
(38} Ibidem, esp. pp. 63 e 270
pp. 269-70.

70 71
39 car melhor a linha possível de desenvolvimento para o futuro.
mais, de si mesmas". t l
O projeto de libertação deverã ser, em Gltima anãlise, um pr�
Portanto, a "filosofia da prãxis", como projeto de jeto de transformação cultural, calcado no respeito ã cultura
ideologia orgânica a favor da libertação das classes subalter popular anterior, mas visando a superação de suas contradi­
nas, tem como tarefa a crítica da totalidade das relações so­ ções de classe. Assim sendo, o progresso e a mudança expres­
ciais, iniciando pelo autocrltica da prõpria classe. t neste sam uma dialêtica de conservação e inovação, onde a inovação

sentido que a noção de ideologia orgânica se aproxima da no­ conserva o passado ao superâ-lo. Toda força inovadora é •con­

ção de consciência de classe segundo Lukâcs. servação-inovação", contêm em si todo o passado digno de de­
(4l) de
senvolver-se e perpetuar-se. Entretanto, o processo
Todavia, se a "filosofia da prâxis" i uma ideologia
conservação-inovação ê dialêtico, e se realiza como "raciona­
crítica das contradições de classe, i ao mesmo tempo uma ex­
lidade e irracionalidade", com "arbítrio e necessidade", com
pressao mais ou menos completa destas contradições, ainda que
(42)
"todas as debilidades e as forças da vida". A questão que
sob uma forma consciente. Desta maneira, liga-se ã "necessid!_
se coloca ê de como identificar neste "passado", na "tradi-
de", e não ainda i "liberdade", a qual apenas existe como pr�
çâo", as reais forças para o futuro. Gramsci indaga:
jeto histórico, como utopia. "Isto não significa que a utopia
não possa ter um valor filosófico; ela tem um valor político,
"Mas como identificar a 'verdadeira'
e toda polí�ica i implicitamente uma filosofia, ainda que des tradição, o 'verdadeiro' passado, etc. ?
(4
conexa e apenas esboçada". 0) Em outras palavras, identificar a histó­
ria real, efetiva, não a veleidade de fa­
Por isso que, para Gramsci, a realização do projeto zer uma �ova história, que busca no pass!
socialista, ou seja, a passagem da "necessidade" (reino das do a sua justificação tendenciosa, 'supr�
estrutural'? ... Aquele grupo que, compre­
contradições de classe) para a "liberdade" (superação destas
endendo e justificando todos estes 'pass!
contradições), requer uma prâxis que se debruce sobre as suas dos', souber identificar a linha de desen
próprias contradições passadas, para compreender e identifi- volvimento real - littha contraditória,mas

( 3 9 ) Ibidem , p . 2 7 O. (41 ) J b idem, p. 2 51 .

(4 O) l bidem , p. 11 5. (4 2) Ibidem, p. 2 52.

73
posslvel de superação na contradição - c�
meterá 'menos erro', identificará mais e­
lementos 'positivos' sobre os quais apoi-
-
ar-se para criar uma nova historia". (43)

Para esse processo de autoconhecimento, orientador


da ação politica, e que surge a necessid3de de uma dialética
entre intelectual orgânico e classes populares.

Em s1ntese, para Gramsci, um projeto de transforma­


ção do "reino da necessidade" (expressão de um momento histõ­
rico egoista-passional) para o "reino da liberdade" {expres­
são de um momento histõrico-etico-politico), requer uma prã­
xis de transformação êtico-cultural, ou seja, de uma "filoso­
fia da prãxis" que conta com uma relação dialética {o nexo or
gânico) entre o par intelectual-massa.
V - TENDfNCIAS CONTEMPORÃNEAS

(43) Ibidem, pp. 253-4.

74
o impacto do pensamento de Marx, bem como das teo­
Apôs, Touratne, Guattari e Castoriadis situam-se en
rias e prãticas de orientação marxista do início deste sêculo,
tre aqueles que pretendem superar o marxismo ortodoxo e atua­
foi dos mais relevantes na formação do pensamento teórico co�
ltzar esquemas de análise dos movimentos sociais em termos da
· ·
temporâneo acerca dos movimentos soc1a1s. A maioria dos teõri
sociedade contemporânea.
cos contemporâneos dos movimentos sociais tem dialogado com
Para Touraine, ê atravês de seus movimentos so-
Marx e com a "pritica marxista revolucionãria", seja para lhe
ciais, enquanto forma de ação coletiva organizada
, que a so­
dar continuidade, seja para superá-la ou ainda para se opor ã
ciedade se autoproduz.
mesma.
A especificidade do pensamento de Guattari reside
Considerando que o próprio Marx, bem como uma sele­
no fato de privilegiar as revoluções moleculares, isto ê, os
ção de teóricos marxistas clãssicos (Lenin, Lukãcs e Gramsci)
movtmentos que ocorrem em todos os níveis da vida social.
foram objeto deste estudo, resta b uscar na teoria sociolõgi-
ca contemporânea o que de novo fo,. acrescentado ao estudo dos Castoriadis óusca a compreensão dos mecanismos so-
· · cia1s que levam a sociedade a se auto-instituir, ou seja,
movimentos sociais, sob a 0-t,·ca que proponho no CapituJo II. a
compreensão dos movimentos desalienantes e de conquista de au
Assim sendo, as seguintes contribuições me parecem
tonomias.
relevantes:
Para finalizar, buscarei no pensamento de Gutierrez
A de Laclau, que situada dentro de uma linha de in-
sua proposta acerca da prixis de libertação que se associa a
terpretação marxista, tenta aprofundar tema do pensamento
uma reflexão teolõgica libertadora.
gramsciano, ao anal,·sar O movimento da dialética entre povo e
classe, em sua oposição ao bloco de poder.
5. 1. LACLAU: POVO X BLOCO DE PODER
Sigo com a contribuição que Dahrendorf trouxe ã a-
bordagem funcionalista da soci�dade, ao conceber a importân­
cia dos grupos de conflito e dos conflitos de grupos na cons- Ernesto Laclau, argentino, tornou-se professor uni­

trução do social. versitãrio na Inglaterra . Destacam-se duas influências impor­


tantes sobre seu pensamento, no que diz respeito a sua contri
buição para a teoria dos movimentos sociais. Uma, a de Gram�-
ci, no momento em que Laclau privilegia a categoria "povo"

76
77
(com suas implicações culturais) para o entendimento da prã- política e sobretudo ideológica na constiuicão de movimentos

xis política. Outra, a de Althusser, quando Laclau utiliza, de transformação social.

ainda que criticamente, a categoria althusseriana de "ideolo­ Se uma extensa camada da população, aquela excluída
. ( 1)
gia". do Poder, 1 . e-. , o "povo" ou"setores oopulares", se opõe
Tentando recuperar a importância das dimensões polf conjuntamente ao bloco de poder dominante, pode-se falar de
tica e ideológica na práxis transformadora do social, Laclau classes em luta, não porém de luta de cl�sses. Permanece, to­

condena o reducionismo da Segunda e Terceira Internacionais , davia, fiel ao esquema marxista básico, ajuntando que "se nem

por tentarem conceber as superestruturas política e ideolõgi­ toda contradição pode ser reduzida a uma contradição de elas

ca como um reflexo das relações de produção, numa perspectiva se, toda contradição ê sobredeterminada pela luta de clas-
)
ses" · {Z e orno esta "sobredeterminação" não significa "reducio
tipicamente economicista. Por outro lado, condena também o
que denomina de reducionismo superestruturalista de Lukãcs e nismo", mas "articulação", onde um dos elementos é básico (as

Korsch, nos escritos em que estes tomam a "consciência de elas relações de produção), atribui prioridade aos discursos ideo­

se" como o momento fundamental na constituição da classe como lógicos de classe, os quais podem ser associados a discursos

tal ideolÕgicos não classistas, na luta do POVO contra o bloco de


poder.
Para Laclau, portanto, as classes exisLem aos ní-
veis político e ideolõgico sob a forma de articulação, e não
"Esta prioridade revela-se no fato
de redução, se bem que as relações de produção conservam o P! de as ideologias popular-democráticas ja-
pel central na sua determinação. Decorre daí, também, que nem
toda contradição ê uma contradição de classe. Concebe, assim,
a existência de uma contradição dominar,te, ao nível do modo
(l)"Povo ê uma determinação objetiva do sistema que difere da
de produção, constituindo o campo especifico da luta de clas­
determinação de classe: o povo e um Gos polos da contrad1
se; e uma contradição dominante ao nível de uma formação so­ ção dominante em uma formação social. isto e, uma contra�
cial concreta, constituindo o campo específico da luta popu­ dição cuja inteligibilidade depende do conjunto das rela­
ções políticas e ideolôgicas, de dom1nação e não apenas
lar-democrãtica. Portanto, o que Laclau tenta recuperar no
das relações de produção". Cf. LACLAU, E. Política e ideo
marxismo, em contraposição ãs ortodoxias de cunho economicis­ 1091a na Teoria Marxista. Trad. de João Maria e Lúcia
tas do marxismo das li e Ili Internacionais são as dimensões Klein. Rio, Paz e Terra, 1979. Cap. 3: Fascismo e Ideolo­
gia, p. 114.
( 2) 1 b i d.
mais se apresentarem separadas dos disCuf neutralizado". (4)
sos ideológicos de classe, mas, ao contr!
rio, sempre articuladas a eles. A lutã de
classes a n!vel ideológico consiste, em Deste ponto de vista decorre a conclusão de Laclau
grande parte, no esforço em articular as de que as classes e os grupos observãveis empiricamente nem
interpelações popular-democráticas aos
sempre coincidem necessariamente, onde os indivíduos concre­
discursos ideológicos das classes antagô­
nicas. A interpelação popular-democrática
tos são os suportes e os pontos de intersecção de um acumulo
não só não tem um conteúdo de classe pre­ de contradições classistas e não classistas. (S)
ciso, como ainda constitui o campo, por
QuanJo um discurso politico, de uma parte, se pro-
excelência, da luta ideológica de classes.
Toda classe luta a n!vel ideológico simul põe e realiza a articulação entre os elementos ideológicos
tanearnente como classe e como povo, ou me classistas (interpelações de classe) e não classistas - do
lhor, tenta dar consistência ao seu dis­
curso ideológico, apresentando seus obje­
povo (interpelações popular-democrãticas), e de outra parte,
tivos de classe como a consumação dos ob- se contrapõe ã ideologia do grupo dominante, ter-se-ã o que
( 3)
jetivos populares". Laclau denomina de populismo.

Portanto, serã a capacidade de uma classe de articu O populismo, enquanto discurso politico-ideoló91co

lar, ao seu discurso de classe, as interpelações e contradi­ das classes dominadas, serã para Laclau a práxis por excelên­
cia para o confronto com o bloco de poder, e a possibilidade
ç}es não class1stas de outros grupos ou classes, que lhe ga­
objetiva de realização de um projeto socialista. Se bem que o
rantirã a heqemonia.
�utor tambêm concebe um populismo das classes dominantes, co-
"Uma classe é hegemónica não tanto mo por exemplo o nazismo, onde as interpelações ideológicas
na medida em que é capaz de impor uma con não classistas se valerão do racismo para a unificação de
cepção uniforme do mundo ao resto da so­
ciedade, mas na medida em que consiga ar­
ticular diferentes visões de mundo de for
ma tal que seu antagonismo potencial seja

(4) LACLAU, op. cit., Cap. 4: Para uma teoria do populismo,


p. 168.
( 5) Este ponto de vista sera explorado mais intensivamente por
Tou raine, Guattari e Cd,ror1a d1s, que serio obJeto do es­
( 3) 1 b i d.
tudo que seque.

an fj l
seu discurso politico-ideolôqico. nos níveis ideológico e político, de interpelações de contra­
Para o caso das classes dominadas, especificamente dições classistas com outras não classistas (mas nem por isso
a classe operária, a sua luta pela hegemonia consiste em arti menos relevantes) na consecução unitãria de um movimento em
cular a ideologia popular-democrática (do conjunto do "povo" prol da superação de uma situação de dominação social.
oprimido) ã ideologia soci�lista (projeto de transformação).

5.2. OAHRENDORF: OS GRUPOS DE CONFLITO


"Neste sentido, um 'populismo socia­
lista' não é a forma mais atrasada de i­
deologia operária, mas sua forma mais a­ Ralf Oahrendorf, sociólogo alemão, trabalhou, alê�
vançada: e momento em que a classe operá­
de em seu país de origem, também na Inglaterra e nos Estados
rid consegue condensar em sua ideologia o
conjunto da ideologia democrática em uma Unidos, onde tem exercido importante influência nas correntes
161
formação social determinada". neofuncionalistas da Sociologia.

"No Socialismo, por conseguinte , Dahrendorf iniciou sua carreira escrevendo um estu­
coincidem a forma mais elevada de 'popu­ do sobre Karl Marx (seu trabalho para licenciatura, em 1952).
lismo' e a solução do último e mais radi­
Preocupou-se, a seguir, com os temas da liberdade e da igual­
cal dos conflitos classistas. A dialéti­
ca entre o povo e as classes encontra, aí, dade social, efetuando uma revisão critica das teorias marxis
o momento final de sua unidade: não há s� tas e não marxistas sobre as classes sociais. Como resultado,
c1al1smo sem populismo, mas as formas mais
elevadas de populismo só podem ser socia­
tenta formular uma teoria sistemática que estabelece um elo
listas ... Somente quando conseguir desen­ entr� a dialética de Marx e a teoria do sistema de Talcott
volver sua capacidade articulatória e guE' Parsons. O result�do foi sua "teoria do conflito".
n !"nc-1a l ismr- se torr,ara• hegemonico
- . " ( 7)

Dentro desta perspectiva, Oahrendorf supoe a uni­


A contribuiçdo de Laclau, sob meu ponto de vista,r! versalidade da mudança social e do conflito; t-iem como do prin
s•de no fato de ter explorado a i�portânc,a das articulações, c1pio da autoriddde e da coerção social. Se toda sociedade su
põe certo consenso e inteqração, supõe também a coerção de al
guns membros em relação a outros e, portanto, a formação de
grupos de conflito que se ronfront.im. A mud.inça social resul­
(6} L/l(LAU, op. Clt.• n ]HO
ta destes confrontos e de �uas resoluçôe�.
(7) Ibidem, o. 2lli.'.

82 d 1
Dahrendorf estuda os grupos de conflito no interior d) os interesses do grupo dominante sao valores que
do que denomina de "associações imperativamente coordena - constituem a ideologia da legitimidade de seu comando, enqua�
das". { S} Em sintese, os seguintes pressupostos podem ser ex­ to os interesses do grupo subjugado constituem uma ameaça a
traídos de seu modelo de anãlise: esta ideologia e as relações sociais que ela reveste; {
ll)

a) a distribuição da autoridade nas associações e a e) os interesses podem ser latentes { correntes sub-
última "causa" da formação de grupo de conflito; e jacentes de seus comportamentos ) ou manifestos (rea 1 idades

b) sendo d1cotõmica. ela e, em qualquer associação, conscientes nas mentes dos ocupantes de posições de dominação

a causa da formação de dois, e somente dois, grupos de confli ou sujeição�(l2)


9)
to { , a saber; f) os grupos de interesse. considerados como os a­

c) um de dominação, caracterizado por um interesse gentes do conflito de grupos, tem uma estrutura, uma forma de

na manutenção da estrutura socia l que l he confere autoridade; organização um programa ou objetivo e uma equipe de mem-

outro de sujeição, com interesse em mudar a condição social b ros . ( 13 )


. . ( 1 O)
que pr1va de autor1dade seus membros ; O emprego que Dahrendorf faz do conceito de "asso-
ciaçio imperativamente coordenada" consegue abarcar grupos das
mais diversas amplitudes: minigrupos (organizações sociais ll
mitadas) e macrogrupos (sociedades globais). Por outro lado •
(8) Cf.Max Weber, "imperative control" é a probabilidade este conceito implica na ideia de relação de dominação e de
que um comando, com um conteúdv espec1fic0, serã obedeci
do por um dado qrupo de pessoas". In: The Theory of So- �ujeição no interior de cada organização. Portanto, a sujei­
c1al and Economic Organization. Org. e Trad. por A. M. çã o é uma decorrência da distribuição desigual de autoridade,
Henderson e T. Parsons. N. Iorque, Londres, The Free
e a luta dos grupos de conflitos se realiza na busca de uma
Press, 1947, p. 152. Por outro lado, a noção de associa­
ção (verband), em Weber, se destina tanto a grupos res­ alteração nas relações de forças sociais.
tr1tos (p.ex.: O Sindicato), como a Sociedades Globais
(p.ex.: O Estado).
( 9) DAHRENDORF, Ra 1 f. As cla«-,es e seus conf 1 itos na Socieda
de Industrial. Brasil ia, ! l llniversidade de Brasília, ( 11 ) Ibidem, p. 161
s/d, p. 1 58.
( 1 2} Ibidem, p. 162-3.
( 1 O) Ibidem, p. 160.
{ 13) Ibidem. p. 164.

84 as
A dicotomização dos grupos de conflito serve a fins teresse nao pode ser formados ... Para que
um grupo de interesse organizado surja de
analíticos gerais. Porém, pode-se indicar uma limitação deste
um quase-grupo, há que haver certas pes­
aspecto metodológico em Oahrendorf, para a apreensão concre­ soas que se ocupam de sua organização,que
ta da complexidade de relações sociais de poder, a que gru­ a implementam na prática e que a5su�am a
liderança. Todo partido tem seus fundado­
pos, e particularmente indivíduos, encontram-se submetidos.
res ... Os organizadores são um dos elemen
Outra ressalva que se pode fazer ã metodologia de tos fermentadores e não o ponto de parti-
- (14)
da ou causa da organizaçao".
Oahrendorf prende-se ao fato de privilegiar a anãlise dos in­
teresses manifestos e dos conflitos decorrentes. Parece que a " Um documento constitutivo não é
Sociologia tem se debatido no sentido de contribuir para a e! um processo automático... (são valores
que) consistem do que temos chamado de
plicitação do social justamente através da busca dos mecanis­
'interesses �anifestos' ... os interesses
mos sociais não manifestos, não apõrentes para o �enso comum manifestos são programa� formulados (ou
(latentes). pelo menos formuláveis) e articulados
Tem de haver uma pessoa ou circulo de pe�
Oito isto, parece-me que a grande contribuição de soas que se dediquem à tarefa de articul�
Dahrendorf encontra-se no fato de (assim como Aron, Gluckman, ção e codificação, ou, alternativamente ,
deve existir urna 'ideologia', um sistema
Gert, Mills e outros) trazer para o neofuncionalismo elemen­
de idéias, que num caso dado seja capaz
tos para a compreensão do papel dos conflitos e das lutas so­ de servir de programa ou documento consti
(15)
ciais na construção e reconstrução da sociedade. tutivo do grupo".

Dahrendorf reconhece, neste sentido, a necessidade


o modelo de Oahrendorf presta-se, assim, a anãlise
de os grupos sociais se organizarem em torno de seus interes
de movimentos sociais constituídos, formalizados, excluindo-
ses objetivos para o encaminhamento d� suas lutas especifi -
se aqueles informais, ou correntes ideológicas (verdadeiros
cas. Segundo ele, a organização dos grupos de c�nflito press�
movimentos sociais em termos de dervir social), que expressam
põe um conjunto de condições técnicas, políticas e sociais.S�
bre as condições técnicas de organização afirma que:

"sem um documento constitutivo, cer­


(14) Ibidem, p. 168.
ta� normas, uma equipe de pessoas, e cer­
tos requisitos materiais, os grupos de in (15) Ibidem, p. 169.

86 87
16 "Dentre estas encontramos as condi-
fluxos sociais oara a mudança.
ções de comunicação entre os 'membros' de
Ouanto ãs condições políticas de organização, Oah­ quase-gruoos enfatizada oor Marx no caso
l
dos camponeses franceses. ( S) Se um agre­
rendorf ajunta que:
gado dentro de uma associação pode ser
descrito como uma coMunhão de interesses
"O Estado totalitário é provavelmente
latentes, dispõe também das possibilida -
a ilustração mais clara de uma situação
des técnicas e políticas de organização,
social em que essas condições não são pr�
mas está tão espalhado tonolóqica ou eco­
enchidas e na qual, consequentemente, gr�
logicamente que uma ligação regular en­
pos de interesse, pelos menos de oposi­
tre os membros do agregado não existe ou
ção, não podem surgir, a despeito da pre­
só pode ser estabelecida com grande difi­
sença de quase-grupos e de interesses la­
culdade, então a formação de um grupo de
tentes, Onde nao se oermite a multiplici­
interesse organizado será extremamente
dade de partidos conflitantes se reprime 9
improvável em termos empíricos". <1 >
seu surgimento rela ausência de liberdade
de coalisão e por força policial, os gru­
pos de conflito não se podem organizar?re! Neste argumento encontra-se o pressuposto de Oahren
mo se todas as condições para sua organi­ dorf sobre a necessidade de existência de condições propi-
(l?)
zação estiverem presentes".
cias oara que os interesses latentes se transformem em inte -
Segundo este ponto de vista, o modelo de Oahrendorf resses manifestos (o que para o autor corresponde ã nocão de
destina-se ao exame dos movimentos sociais, principalmente consciência de classe em Marx), para a constituição de um qr�
nas sociedades democrãticas, excluindo-se como objeto de anã­ oo de conflito.
lise os movimentos clandestinos ou semiclandestinos. Portanto, Oahrendorf orienta-se primordialmente pa-
Sobre as condições sociais de orqanização assim se ra o estudo de movimentos sociais especificos, aqueles que
manifesta: ocorrem nas sociedades industriais, democrãticas ou com aber-

(18) Cf. a citação clissica de Marx, descrita no "O 18 Brumi­


(16) Aspectos estes exolorados oarticularmente por Guattari
rio de Luis Bonaparte", que cf. a ediçio da Ed. lscriha,
e Castoriadis, os quais serao tratados a seguir.
São Paulo, 1968, encontra-se na p. 133,
(17) OAHRENOORF, op. cit., p. 169.
(19) OAHRENOn?F, on. cit., p. 169.

88 89
tura política suficiente para permitir a organização de 9ru­
oos de conflito antanônicos (daqueles que têm a posse de auto 2 l)
sao a trama da sociedade"{ , isto e, "são as forças cen­
ridade e daqueles que se encontram excluidos do exercicio da trais que lutam umas contra as outras para dirigir a produ-
autoridade). ção da sociedade por ela mesma, a ação de classe pela direção
pa­ da historicidade 11{22 )
Concluindo, parece-me particularmente relevante
ltados a que Oa h-
ra O estudo dos movimentos sociais, os resu Assim como Oahrendorf, Touraine também considera
, da coerção e
rendorf cheqou quanto ã ubiqôidade do conflito insuficiente e inadequado iniciar o estudo da sociedade pela
da organização so-
da autoridade (poder) em todos os niveis "ordem social"; em primeiro lugar vem o trabalho que a socie­
de sociedades glo­
cial, quer se trate de qrupos restritos ou dade realiza sobre si mesma, guiada pelo que denomina de sua

bais. "historicidade" {conjunto de orientações culturais produzidas


pelos homens, tais como um modo de conhecimento, um tipo de
investimento ou de acumulação e um modelo cultural propriame_!:
5.3. TOURAlNE .:___ os MOVIM�NTOS SOCIAIS
te dito). Porem, diferenteme11te de Dahrendorf, que concebe os
destacado fluxos sociais a partir da luta dos grupos de conflitos ao ni
Alain Touraine, sociólogo francês. tem se
dos movimentos sociais. vel institucional, pelo revezamento da autoridade legitima ,
como um dos estudiosos contemporâneos
Sociaux, em Paris, centrando a anãlise na questão do poder, para Touraine o nú-
Chefia O Centro d'Ítudes des Mouvements
na ãrea dos movimen - cleo da anãlise do social não e nem o poder como tal, nem a
e coordena uma equipe de oesquisadores
classe (definida a partir das relações de produção). mas os
tos sociais.
movimentos sociais, isto é, a ação de classe, a luta de clas­
em ú 1 tima
Para Touraine, os movimentos sociais sao,
se pelo controle social da historicidade, pelo controle dos
· . Isto porque "os
· 1 091a movimentos
análise. o objeto da Soc10 . • { 20) mecanismos de autoprodução do social. Concebe, assim, a Socie
ortamentos coletivos
sociais são os mais importantes comp dade como:
ç�o da vida social...
pois "são maneiras permanentes no cora

{21) TOURAINE, Alain. La voix et le regard. Paris, Editions


(20) TOllRAINE, Alain. Em defec;a rla <;ocinlooia. Tracl. de Luiz du Seuil, 1978. p. 45-6
Fernélnclo Oia<. Ou<1rte. Rio, Zahar, 197ó. o. 69.
(22) Ibidem, p. 46.

91
o pelo "Dizer que não há classe sem cons­
"Um campo cultural dilacerad
ciência de classe I não significa �ue as
apropriam da his
conflito daqueles que se atitudes operárias reduzem-se à sua cons­
que se sub�etem
toricidade contra aqueles ciência de classe. Pois um grupo de oper�
uma reapropr!
à sua dominação e lutam por rios não se define apenas por sua situa­
icidade, da pro
ação coletiva desta histor <23) ção de classe, por seu lugar num sistema
mesma" -
du-:ão da sociedade por ela de nrodu�ão; ele tem também uma situação
nacional, ool!tica, reliqiosa, etc., ele
as ses s ociais a par
tir d a
Neste sentido, trata as cl encontra-se em situação econômica favorá­
igente
: aquela de uma cl ass e dir vel ou desfavorável e sua posição de elas
roç ao de uma duela dialética se nem sempre é a mais 1 m�ortante oara um
contra uma
historicida de) e que luta
(que se identifica com a
(25>
dado qruoo"
a em no­
se opõe ã ordem es tabelecid
classe contestatõri a (qwe
e aquela
e e pel a sua libertação); Touraine vai mais alêm ainda. A consciênci a de elas
me de uma nova historicidad
histori-
e transforma a direção da - �orêm, uma "his -
se tem uma história. Uma histõria que na-o e,
de uma classe dominante (qu
de s11a de-
nismo de sua reprodução e -
tória natural". t, sim, a historia dos orõprios movimentos
cidade em ordem e em mec a
expropr�
oõe ã clas se dominada (e na produção do social. Se no sêculo XIX a consciência e as
fesa como tal) aue se contra
t anto, as
i al que se es tabelece). Por lutas s ociais expressavam as contr adições de uma sociedade di
ada em função da ordem soc
campo
s se sit uam tan to num campo cultural quanto num lacerada oelos conflitos no campo das relações de produção,on
cla sse
polit�
produção. São t anto atores de o socialismo se apresentava como o orojeto para a supera-
�e tonflito de relações de .
- . s (24). Neste ponto T oura1ne se
aoP nte s eco nom 1co �ão da ooress ão, "hoje ê no campo da cultura que se formam as
ros. qutlnto
i e tam - ( 6
principais contestacões" 2 ) , ond e os novos projetos são
social assumida por Gramsc de
aproxima da concepção do
mente no
ôn non tn de vis ta ass umido por Laclau, orincipal "uma soeiedade que se responsabiliza por si mesma" ( 27). Acres
bém
define
de de relações sociais que
que conrPrne ã multiolicida
�ia dos qrupos sociais:
a consr1éncia e a ideolo

(25) TOURAINE, A. La voix et le reoard, op. cit. p. 9'5.

(Z6) TOURAINE, A. O Pós-Socialismo. p orto, Editorial Afronta-


mento, 1981. n. 16.
123) lnidem, �- 86.
Tou·
et le regard", de
(í'-1 1 Ver.• esr>PCit1lmente. em "La vn1r {27) Tbidem, p. 49.
r11nl', 1<; np. Pf-G3.
') 1
92
centa, ainda:
o movimento para a libertação das classes oprimidas por suas
a escolha entre uma sociedade relações de produção na fãbrica foi o socialismo, hoje novas
de classes e urna sociedade sem classes de
formas de opressão que ultrapassam as relações de produção d1
saparece e em seu lugar aparece a verda -
deira escolha: entre a sociedade civil retas entre operãrios e patrões se fazem sentir, dando ori­
que é urna sociedade de relacões e de lu- gem a novas formas de lutas, o que Touraine denomina de põs­
tas de classes, e o Estado-�artido que
socialismo.
com o seu poder esmaga as relações so-
ci ai s " (28)
"A força do Socialismo é a de ser
Não há lutas sociais sem liber­ construído sobre a miséria dos homens;
dade, não há liberdade sem lutas... (e) tal será também a do movimento que se há
se a autogestão P. a ideoloqia dos novos de seguir e transformar a ação do movimen
movimentos sociais oooulares, é porque to socialista.
ela deslqna uma vontade de defesa coleti-
- C 29) Como cterinir a infelicidade de hoje?
va contra a dominaçao dos aparelhos" .
Pelo vazio no interior e o tumulto no ex­
terior. Pelo vazio daquele que não tem
Para Touraine, os movimentos sociais são agentes hi� identidade pessoal ou coletiva, que não é
tõriccs que expressam, em cada momento, as formas históricas mais do que um alvo para as empresas co­
dt opressan. de miséria. de injustiç a. de desiqualdade, etc., merciais, políticas ou administrativas ...
O trabalho torna-se frequentemente mais
mas expre��am t�mbêm muito mais do que i�to. oois expressam
indifcrenle e impessoal que penoso, mais
o devir, atravé� de sua critica, de suas form�s de contesta - vazio do que esgotante, e sentimos que
cão. de �ua� 1,,tas na bu�ca de novas alternativas, oara o co­ hoje em dia nao é nas nossas atividades
profissionais mas nas mais privadas, nos
mando dP uma nova hi�toricidade. nossos ócios, no cuidado que temos com a
Portanto, se no �éculo XIX e no inicio deste século saúde, que mais eficazmente fazemos andar
a m5c1uina... J5 a nova face de infelicida
de suscita a inquielação, a resistência e
o esforço de libertação"(JO).

(?R\ 101drm. n. 1A2


{79) JoidPm . nr, 178-<J
(30) Ibidem. p. 119.

94 95
Naturalmente, Touraine estã voltado em particular nuanto aos movimentos regionais, de defesa de cri­
para a anãlise das sociedades pós-industriais, sociedades pr� ses regionais !)assam gradativamente a se constituir em movi­
qramadas. Porem, como no mundo moderno as fronteiras i 'terna­ mentos pelo desenvolvimento reqional autônomo ou oela libert!
cionais entre as sociedades pós-industriais e as em processo ção nacional, colocando, !)ois, em questão as formas de domina
de industrialização tornam-se cada vez mais tênues com a pe- ção econômica e politica.
netração da economia, da tecnoloqia e dos valores culturcis
Enfim o movimento antinuclear, que também denomina
daquelas nestas, sente-se o fluxo dessas novas formas de misé
de ecologia politica, é o que possui o maior poder revolucio­
ria e O nascer desses novos movimentos sociais também nos pai
nãrio, pois contém em si a denúncia da crise dos valores in­
ses em via de desenvolvimento.
dustriais e a duvida acerca dos efeitos benéficos da ciência
oã-se, assim, a formação de novos movimentos so- e da tecnologia. Inicia pelo receio quanto as conseqOências
ciais, na busca de novas formas de viver. Dentre estes, Tou - nefastas da e�erqia nuc,ear e passa ã luta contra o ooder nu­
raine considera particularmente importantes, pelo seu poten­ clear e as novas formas de dominação tecnológica.
cial de transformação do devir, aqueles que se manifestam em Portanto, em todos eles "opera-se a mesma passagem
três domínios principais: o movimento das mulheres, os movi - duma ação de defesa ã contestação de um poder, da afirmação
mentas reqionais, e o movimento antinuclear. de uma identidade ã denúncia duma relação de dominação"(]Z)_
nuanto ao primeiro, se exoressa inicialmente como
Outra particularidade dos novos movimentos sociais,
0 "feminismo", sob a forma de lutas reivindicatórias em prol aoontada por Touraine, refere-se as suas formas de organiza­
da liberdade e da igualdade (como pelo direito ao voto, pela .ção, menos centralizarloras do que no movimento socialista, i�
iqualdade de salãrios etc). Num sequndo momento, surge o •mo­ vocando sempre a participação democrática e livre da� bases,
vimento das mulheres", que não procura apenas defender os di­
não na dependê11cia de um partido d!? vanquarda, mas na procu­
reitos das mulheres "mas sublevá-las.contra o sistema de domi ra da autogestão da coletividade. T�mbem não possuem como pr�
nacao que produziu a mulher como ser dependente e o homem
jeto a utopia de uma sociedade futura onde "reine a liberdade
. - ,. ( 31 )
como aqente de dom1nacao . e a igualdade". Procuram conquistas imediatas neste terreno ,

/'li) 11>1c'lrm. n. 12í1 (32) Ibidem, p. 32.

9ó 97
pois, conforme afirma Touraine, "ê a9ora que ê preciso acabar comandam a produção da organização so-
. d o tar de (33) cial.
com o poder nuclear, amanha- sera_ demas1a
0

o se�uinte trecho de Tour ine sintetiza suas ideias Sobretudo, no modelo socialista, o
movimento operário estava subordinado à
acerca da prãxis, do projeto e do nivel de consciência dos no
ação política, ela nrónria submetida a
vos movimentos sociais, bem como da fo rma ºela qual se distin uma teoria da sociedade, enquanto os no­
nuem do movimento socialista do passado: vos movimentos pretendem ser indeoenden -
tes das forças po1Iticas e criar nor si
mesmos o seu próorio sentido, em lugar de
"Recordamos a análise do movimento
por isso se submeter a intelectuais e a
socialista. Este assenta em três princí­
anarelhos. Hoje como ontem, os homens fa­
pios: é a reoresentação política do movi­
zem a sua história, Mas agora sabem que
mento operário, invoca a intervenção do
a fazem. Sabem, também, que a sua ação
Estado contra a propriedade privada dos
não levará à nassagem, progressiva ou bru
Meios de nroduçio; julga ir no sentido da
tal, do reino da necessidade para o da l!
história e preparar os amanhãs da felici­
herdade. Jamais existirá naraíso reencon­
dade. Hoje, pelo contrário, os movimentos 134 l
trado ou fim da história" .
sociais oue anarecem em diferentes dom! -
nios já não são forMas de defesa dos tra­
balhadores contra os senhores da indús­ Em suma, ressalta-se no pensamento de Touraine sua
tria, mas de defesa do núblico contra os busca de entendimento das formas do a9ir social para que o
anarPlhos de qestão �ue tem o poder de mo
homem faça a sua própria história, oara aue a socied�de se
delar a orocura dos seus interesses; já
não invocam a intervenção do Estado, pelo produza por ela mesma. Formas estas que nao sao metassociais
contrário reivindicam a autonomia e a au­ mas que, por sua vez, expressam inualmente um temno históri­
togestào das unidades sociais de base; f!
co. Esta ação da sociedade sobre ela mesma se dá através da
nalmente já não falam em nroaresso e em
futuro radiosc, mas nretendem organizar a ação dos movimentos sociais (ou seja, duma conduta coletiva
oartir de hoje uma vida diferente, agindo organizada dum ator de classe lutando contr� o seu adversário
sobre as escolhas sociais e políticas que
de classe, pela direção social da historicidade num� coletivi

(33) Ibidem. o. 138. (34) Ibidem, OP. 211-2.


Enquant o psiquiatra, r o mpe c o m a psicanãlise tradi­
dade c o ncreta)(35). T o uraine tenta, assim, recuoerar e atuali
cional e em co-aut o ria c o m filós o f o Gilles Deleuze
o escreve
zar que considera a mais preci o sa herança d o marxismo: "a
a o bra p o lêmica "O Anti-(dip o "<38>.
o

vontade de asso ciar a análise politica ao trabalh o de liberta


Guattari realiza uma revisã o critica a o pensament o
çã o d s o primidos"(3G)_
o
de Freud, c o nsiderando- o com o reaci o nário n o que diz respei
ada "es
Suqere. também, ul'la nova l)OS tura oara a cham to a o s resultados de suas análises s o bre as relações entre o
a inspir!
querda", no sentido de reenc o ntrar mais intimamente individu o e a família, e s o bre o mito da necessária castra-
ar com os que sã o o ­
ção de todos os Movimentos Sociais: "lut ção do desej o e da submissã o a o triângul o edipian o . Realiza ,
esoerança a o s que
orimidos, libertar os oue estão preso s, dar também, uma revisã o critica a o pensament o de Marx, atribuind o
têm e terã o ne-
sup o rtam a submissã o . Os m o vimentos sociais a sua pretensa aoreensão da "totalidade", uma insuficiência
mas dem o s pri o rida­
cessidade de ap o ios e aliados politicos; analítica n o que c o ncerne a questões relativas a o desej o . se­
37)
de ao despertar das forças sociais"( ra a partir de uma tentativa de superaçã o dessas "insuficiên-
cias de análise", que Guattar,· pr o duzira- um conjunt o de idéias

5.4. GUATTARI: A RFVOLUCÃO MOLECULAR alternativas para se entender o · d",v,·du o em suas relações so
,n
ciais e para se buscarem as o o ssibilidades de f o rmaçã o de n o ­

trabalhand o vos m o vimentos que realmente �ermitam a transf o rmação s o cial.


O oensad o r francês Felix Guattari vem
nalitico , an­ Guattari não acredita n o s potenciais revoluci o nã-
num domínio multidisciolinar: fil o sófico, osica
·
ri o s d os movimentos s o ciais tradici o nais . Ist o , ac1ma de tu-
trooolÕnico. soci olõoico e oolitico.
d o , devid o ã mã utilizaç; o que este� têm feit o dos ensinamen­
t o s de �arx e de Freud. Para Guattari, "o que c o nta ê a utili

------- --
(35) TOURAINE, A. La vo1x et le regard, op.
cit. , o. 35. Para
o autor, mais imoortante do
que situar as classes a par­
, ê redefini­
tir de seu luqar nas relações de producão (38) DHEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Caoitalism o et Schi­
sua ação de elas
las a nart1r dos movimentos sociais, de z�phrénie - L'Anti-Oedipe. Paris. fd. Minuit, 1972. Edi­
se. ca o Brasileira: Cao,talismo e Esquizofrenia - o Anti-(ôi
(36) TOllRAINE, A. O oós-s o cial1smn. op. cit., p. 68. po. Rio de JanPiro, íd. tmao o, 1976.
(37) Ibidem. o. 222
101
100
zação que e feita de uma teoria. Não se pode, portanto, dei­ fundamentais.
39
xar de lado a atualização do marxismo e do freudismo"( )_ P! A primeira é de que a sociedade capitalista, com
ra O autor, o movimento comunista, o movimento psicanalítico seus valores burgueses, oprime os desejos dos indivíduos, e
e a Universidade não sõ têm reproduzido ortodoxamente o mar- somente através de movimentos de base, que ultrapassem os va-
xismo e O freudismo, como também têm neutralizado o que de P� rios níveis do cotidiano individual, estes desejos poderão
tencial revolucionãrio hã nestas correntes, tornando-se atê ser li6erados.
os guardiões da ordem estabelecida.
A sequnda é que tanto o desejo quanto a repressão
E a partir de uma estratégia que inclui a luta de são expresões de uma sociedade real e, portanto, são elemen -
classes de um lado, e a liberação dos desejos de outro, e que tos carregados de historicidade; não são, pois, cateqorias Q!
contêm os germes de uma nova revolução social, que Guattari rats que podem ser transponiveis de uma situação para outra .
constrói um modelo teórico-prático como uma continuidade-de�
A terceira ê que as situações históricas do fascis­
continuidade em relação a Marx e a Freud: "Pedaços de marxis­
mo e do capitalismo deram ori9em a mecanismos de repressão e
mo podem e devem contribuir para uma teoria e uma prãtica que
de controle tão generalizados e tão potentes, capazes de neu
vai na direção do desejo; pedaços de um freudismo podem e de-
tralizar os efeitos de todos os movimentos sociais tradicio -
. elas-
vem contribuir para uma pra-t 1ca re1a t,· va a- luta de nais .
40
ses"( )_ Por traz desta postura situam-se algumas questões
A quarta questão se refere a um novo tioo de revolu
ção social que se torna necessãrio e finalmente possível, uma
revoluçao que rão se volte unicamente aos aoarelhos ooliti-
(39) GUATTARI, Felix. Revolução molecular: pulsações políti­ cos, mas que questione todas as en9renaoens duma sociedade ,
cas do desejo . Trad. de Suely Bel;nha Rolnik. São Paulo,
. mesMo as mais moleculares: �revolução MOlE:cular.
Ed. Brasiliense, 1981, p. 76. Tra ta-se de tradução realj_
zada a partir de 1! edição de "La Revolution Molêculaire� As reflexões de Guattari são oermeadas, pois, per
da Editions Recherches, Paris, 1977. A 2! edição da mes­
um ouestionamento sobre as imnlicações do fascismo e do capi-
ma obra, pela u G E, Col. 10/18, 1980, ê ao mesmo tempo
condensada (por excluir cap1tulos sobre as questões se­ talismo na sociedade e sobre as inoperâncias dos movimentos
miõticas) e aumentada (por incluir outros sobre aspectos tradicionais para combatê-las.
da revoluçao molecular). Portanto, esta 2! ed., segundo
0 original francês, foi também objeto de revisão �ara es O fascismo permanece na sociedade atual. A micropo-
te ensaio.
(�O) Ibidem. o. 77. , 'l l
\p_'
4l
lítica que deu origem a Hitler continua com vida no cotidiano jo de viver e mudar o mundo"( ).
e no seio de instituições, tais como a família, a escola, os
sindicatos, os oartidos, etc. O maquinismo fascista totalitã­ O fascismo e o capitalismo associam-se em suas for­

rio cerceia as reais manifestações de desejo dos indivíduos , mas de controle social, porém a mãquina totalitãria caoitalis

em todos os níveis. E na ausência do desejo, a eneroia se au­ ta, além de caotar a eneroia do desejo dos trabalhadores, vai

toconsome sob a forma de inibição e de anaustia. A enerqia mais além ainda em seu esforço para dividi-los e para podar

biolÕoica - a libido - é anestesiada e a liberacão do desejo todas as ameaç�s de movimento de massa, estendendo sua pró-

n�o se darã espontaneamente. Requer uma microoolitica do dese pria visão de mundo oara todas as classes sociais e penetran­

io, um movimento, uma luta social (mas que seia individual ao do nas su6jetividades individuais. "Aos meios tradicionais de

mesmo tempo) para a sua realização. Guattari denomina este coerção direta, o poder canitalista não nãra de acrescentar

orocesso de "molecularizacão do fascismo": dispositivos de controle que requerem, se não a cumolicidade


de cada individuo, oelo menos seu consentimento passivo... o
42
"0 or toda a oarte, a máquina totali­ caoitalismo se aoodera dos seres humanos oor dentro"( l
tária exnerimenta estruturas oue melhor
se adaptem à situacão: isto é, mais ade -
n capitalismo contemoorâneo aoresenta mesmo um du­
quadas nara captar o desejo e colocá-lo olo movimento: de exoansão sobre si mesmo e de extensão qeo-
a servico da economia do lucro ... O fas - orâfica. ÍiUdttari denominou este orocesso qeral de desterrito
cisMo, assiM como o desejo, está espalha­
do nor toda parte, em oeças descartáveis,
rialização:
no conjunto do campo social; ele toma for
rna, num luqar ou noutro, em função das "O canltalismo contomnoráneo é mun­
relacões de força. Pode-se dizer dele, ao dial e integrado norque notencialmente co
mesmo temno que é sunerootente e de uma lonizou o conjunto do nlnnet�, porque a­
!raqueza irrisória. tualMente vive em simbiose com países que
r.M última análise, tudo depende do historicamente r.areciam ter escnoado dele
talento dos grunos humanos em se tornarem
�uieitns rla história, isto e, em agin­
ctas, em todos os niveis, as forças mate­
riais e �oriais que se abrem para um dese
(41) GUATTARJ. F. Pevnluriin mnlerul�r: r1,1c,;irrec; noliticas do
dPSPin, nn. cit., nn. lRR-9
14?) Ibidem, u. ?OS.

1r1 1 (;"
(os países do bloco soviético, a China) e 44
traria estas Gltimas umd energia inimaginivel"( )_
por�ue tende a fazer com que nenhuma ati­
vidade humana, nenhum setor da produção f! De fato, Guattari acredita que a luta pelo libera -
que fora de seu controle."
ção dos desejos em seus vários níveis, e a cadeia de relações
" ... para se assegurar do controle
social e mental de todo este mundo do co­ que se estabelecer entre estes vãrios níveis em luta, incluin
tidiano e do desejo, o capitalismo mobili do-se ai aquelas que ocorrem ao nivel da luta de classes, e
za meios gigantescos C 43)
11

que configurarão uma nova revolução social. A revolução soei!


lista falhou porque nio associou a luta de classe no sentido
A mãquina capitalista não se circunscreve mais aos
amplo a estas transformações moleculares. Uma revolução so-
lugares da produção. Neste ponto, Guattari atribui, como Tou­
cialista não pode ser uma simples troca de poder e controle
raine, uma importância fundamental ao questionamento �cerca
dos meios de produção. O que se faz necessãrio é articular as
da penetração desta mãquina em tod�s os outros tipos de espa-
revoluções moleculares ãs lutas de intere�se político e so­
ços sociais e 1·nst,·tucionais, tais como nos agenciamentos tê�
cial, caso contrãrio "as lutas pelos espaços de liberdade não
nico-cientificos, equipamentos coletivos, meios de comunica -
• conseguirão nunca engatar transformações sociais e econômicas
çao, etc. p enetra, portanto, o cotidiano individual e coleti-
liberadoras em grande escala"(45)_ Portanto, para Guattari,
vo, fora também do ambiente produtivo. Por isso Guattari, co-
não se trata de abolir os movimentos tradicionais, mas trans­
mo Touraine, coloca-se a favor dos novos movimentos sociais
formá-los e reconstrui-los a partir de suas bases. Trata-se da
de base, que dão conta destas novas sitl \çÕes. Ambos indicam
criação de uma nova prãxis de transforaações em todos os ni­
a insuf1c1ência Operaclonal dos movimentos operãrios tradicio
veis:
nais. Mas " i sto njo 5 ,qnifica absolutamente que se dev� fazer
passar as lutas do deseJO ã frente da luta de classe em gran­
"A verdadeira fratura só se efetua­
de e�cala. Pelo contrario, cada ponto de junção entre e las rá a partir do momento em que questões
tais como as do burocratismo das organiz�

...(43)
---- - -- - -
Ibidem, p 210 e
GUATTARI, Fê lix. La révolut1on moléculaire. Paris, Union (44) GUATTARI. F. Revolução molecular: pulsações políticas do
Gcnerale O'Edit1ons. Cal. 10/18, 1980. desejo, op. cit., p. 44.
(45) 1 b i d em , p . 221 .

1011
107
ções, das atitudes repressivas dos mili­ Em termos estratégicos, Guattari visualiza a revolu
tantes com respeito as suas mulheres,seus
ção através da multiplicação ao "infinito" destes grupos de
filhos etc.; seu desconhecimento do pro -
blema do cansaço, da neuras�, do de1Irio,
luta:
se não passarem ao centro das preocupa­
ções políticas, ao menos forem considera­ "Em cada fábrica, cada rua, casa e�
das como sendo tão importantes quanto cola. Enfim, o reino das comissões de ba·­
qualquer tarefa da organização; tão impo� se! ... Num grupo de base, pode-se esperar
tante quanto a necessidade de se afron­ recuperar um minimo de identidade coleti
tar com o poder burguês, com o patrão, va... t preciso antes de mais nada acabar
com a polícia ... A luta deve ser levada com o respeito pela vida privada: i o co­
em nossas próprias fileiras, contra nossa �eço e o fim da alienação social. Um gru­
própria polícia interior. Não se trata a� po analítico, uma unidade de subversão de
solutamente de um� secundário, como sejante não tem mais vida privada: ele es
alguns maoistas consideravam, de uma luta tá ao mesmo tempo voltado para dentro e
complementar de objetivos marginais. En­ para fora, para sua contingência, sua f1
�uanto se mantiver a dicotomia entre a lu nitude e para seus objetivos de luta"(4B)
ta no front das classes e no iront do de-
seja, todas as recuperações continuarão
. 11 ( 46) Por outro lado, abandona-se a ideia de um projeto
passiveis
que contenha uma utopia de uma sociedade livre para um futu

Novas formas de or9anizaçao serão, pois, necessã- ro remoto, segundo os moldes do socialismo tradicional. Pen­

rias, onde haJa um maior respeito� autonomia e ã singular1d� sa-se muito mais numa prãxis transformadora que se inicie ag�

de de cada um dos seus componentes; onde os métodos não sejam .ra e em todos os níveis, em que o projeto seja o da liberação

programáticos, mas diagramáticos, isto é, que nao invalidem crescente no front do desejo e no front das classes. Uma
as real idades continqentes e as s1ng1Jlaridades da ordem do de transformação que seja social e que seja individual ,que trans

sejo (
47}
. forme os homens, mulheres e crianças desde agora, superando e
confrontando a cada passo a mâquina burguesa, e construindo
os indícios de uma sociedade alternativa. O próprio Guattari

('l�) Jt,1dem, p. i!4.


(47) Ibidem, pp. 222-3.
(48) Ibidem., p. 17.

108 1 [)q
assim, conclui: com o peculiar marxismo adotaoo pela URSS e satélites, o le­
vantamento histórico e a crítica em profundidade (muito disc�
"Os aspectos 'visíveis' da grande
5 )
crise atual são indissociáveis de seus as tida) destas sociedades como puramente militares ... "( 0 _
pectos inconscientes. A revolução social
Em suas obras mais polêmicas, a "A instituição ima­
do futuro será também molecular ou nao se
5l)
fará. Ela será permanente, ela engajará ginária da sociedade" e "Diante da guerra"( , expressa seu
lutas as mais cotidianas, ela implicará rompimento com o marxismo vrtodoso e sua crítica radical ao
uma análise constante de formação de dese
que concebe como a "perversão totalitária soviética··. Tem a
jos que concorrem a sujeição aos poderes
participantes do sistema atual, ou será convicção de que todo o pensamento herdado (no caso, refere­
necessariamente recuperada pelo Estado e se ao pensamento de Marx e ã uti I ização deste pensamento sob
1491.
as burocracias"
forma de ortodoxia) ligava-se e mantêm-se ligado ao mundo
que o produzira e que havia contribuído para a sua formação.

5.5. CASTORJADJS: A AUTO-INSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE Todo o pensamento reflete, portanto, em maior ou menor grau ,
as próprias tendências da instituição da sociedade. Duvida,
pois, da utilidade deste marxismo para o entendimento da so­
Cornelius Castoriadis, filósofo grego naturalizado
ciedade contemporânea, criticando, principalmente, os campo -
francês, tem se destacado pela importância e abrangência mul­
nentes positivistas deste pensamento. A utilização, sob forma
tidisciplinar de seus escritos, nas ãreas filosófica, políti­
de dogma, das leis positivistas do mõrxismo, aniquilou todo
ca, económica, psicanalítica e lingüística. "A história part!
o potencial realmente revolucionâr10 dos movimentos políti-
cular de Castoriadis registra a militância comunista, flertes
cos tradicionais. Aliãs, para CastoriaJis, toda a política
com o anarquismo, a edição - junto com Claude Lefort - da po­
lêmica revista 'Socialismo ou Barbárie' (em 1946 - e a sua
direçao até 1966, ocasião de sua d1ssoluçio), o rompimento
(50) CASTORIADIS, C. Depoimento. ln: Folhetim (Folha de São
Paulo), de 5/9/82. p. 6.
(51) CASTORJADJS, r.. A inst1tu1çio imaginária da sociedade
('19) t;IJATT/\RI, F. 1,1 révolution moléculaire, op. cit. p. 378. Trad. de Guy Reynaud e rev. téc. de L.R. Salina Fortes.
Rio, Paz e Terra, 1982; Diante da guerra. Trad. de Car­
los Nelson Coutinho. Sio Paulo. Frl Rr��iliPn�P 1982.

1 l
111
tradicionalmente instituída estã condenada: vir a existir como resultado de uma história pensada e feita
como tal pelos homens em geral, isto e, que se faça explicit�
"A política tradicional está morta.
mente como auto-instituição: o que denomina de "revolução so­
Não como realidade, pois sobrevivem os
Estados, os partidos, etc., embora com o cialista".
apoio restrito entre as populações nacio­
E, ainda mais, a ideia de que este "projeto socia­
nais. Está morta porque dela não podemos
esperar mais nada. Transformou-se, há mu! lista" não serão fruto de uma técnica ou de um Saber Absolu­
to tempo, em um simples gerente dos sis- to (isto é, de uma teoria acabada e definitiva que supõe a
temas estabelecidos, e um gerente inca-
inevitabilidade histórica do socialismo, conforme propagada
paz. Ela está morta para quem ainda se
inspira nos grandes movimentos libertá­ pela tradição comunista); trata-se, porem, de uma possibilida
rios da humanidade e visa uma transforma- de e de um modo de criação social-histórico: a prãxis.
-
çao radical da sociedade" (52) .
"Chamamos de práxis este fazer no
� na crença sobre as possibilidades desses movimen­ qual o outro ou os outros são visados co­
tos de libertação que Castoriadis se detém em seus estudos. mo seres autônomos e considerados como o
agente essencial do desenvolvimento de
suas anãlises se orientam tendo por base o seguinte conjunto
sua própria autonomia...
de ideias (selecionadas como relevantes, .segundo a ótica de
A práxis é, por certo, uma ativida
meu trabalho). de consciente, sô podendo existir na luci
dez; mas ela é diferente da aplica ção de
Inicialmente, a ideia central de que a rea 1 i zação
um saber preliminar ... Ela se apoia sobrr.·
de um projeto de transformação radical da sociedade contempo- um saber, mas este é sempre fragmentário
rãnea compreende a conquista de dUtonomias, tanto no plano e provisório. � fragmentário, porque não
pode haver teoria exaustiva do homem e da
individual quanto no coletivo. história; ele é provisório, porque a pró­
Adicionalmente, a ideia de que a sociedade autônoma pria práxis faz surgir constantemente um
novo saber, porque ela faz o mundo f�lar
do futuro, livre de heteronomia do presente, somente poderã uma lin�ualem ao mesmo tcffipo s1n9ular e
53
universal" ).

(�2) CASTORIAOIS, C. Depoimento, op. cit., p. 6.


(53) CASTORIADIS, C. A 1nst,..,;,.;,., im;iginãr1,1 óil <.or,edildt',
l12 1 11
A práxis implica, pois, num condicionamento reci- (do Ego sobre o !d, segundo Freud); no plano coletivo, ê a
proco entre o saber e o fazer: elucidação e transformação do possibilidade da auto-instituição da sociedade; a capacidade
real progridem articuladamente. O sujeito da prãxis é, tam- de uma coletividade assumir, em contraposição ao discurso do
bem, transformado constantemente a partir de sua experiência, outro, o seu próprio discurso e um modo prõprio de fazer o

de seu engajamento neste novo fazer. Neste sentido, o mundo social; ou ainda, a capacidade de alterar a sociedade consti­
histõrico ê o mundo do fazer humano, onde "os homens tentam tuída, com suas heteronomias e formas de alienação, institui�
4
pensar o que fazem e saber o que pensam"(S ). do uma nova sociedade que respeite a vontade democrãtica.

O projeto é um elemento da prãxis, é uma intenção E n�cessãrio remarcar que, para Castoriadis, o
de transformação do real, qur contém uma representação do sen "imaginário" está na raiz de todo o social-histõrico, seja no
tido desta transformação (o ideolõgico e 0 imagi11ãrio). Um social instituído, com suas heteronomias e formas alienantes,
projeto serã revolucionãrio quando se propõe a reorganizar e seja na auto-instituição social. O imaginário é o conjunto
reorientar a sociedade através da ação autônoma dos homens. de siqnificações do social, significações estas ora irracio­
Assim sendo, o projeto de revolução socialista pressupõe a nais ora racionais. O autor define o imaginário como:
autonomia enquanto meio e enquanto fim da criação social-his­
"Uma criaçio incessante e essencial
tórica: "visa a transformação da sociedade pela ação autônoma
mente indeterninada (social-histórica e
dos homens e a instauração de uma sociedade organizada para a psíquica) de figuras/formas/imagens, a
autonomia de todos"(SS). partir das quais somente é possível fa­
(SG).
lar-se de 'alguma coisa'
Para Castoriadis, a autonomia ê diferente da liber­
(Uma criação imaginária) age
dade abstrata encontrada, segundo este, atê mesmo no pensame� na prática e no fazer da sociedade consi­
lo marxista. A autonomia, no plano individual, é a possibili- derada como sentido organizador do compoE
dadc do domínio relativo do consciente sobre o inconsciente tamente humano e das relaç6es sociais i�­
derendentemente de sua existência 'par1 a
consciência' desta sociedade" ).
(S?

Cont. ·
Op. Cl t . , pp. 9 4 - 5.
56} Ibidem, p, 13.
(:ili} lh1de111, f L 14. (
(�7) Ibidem, p. 171.
(S!i) !t,1dcm, p. llb.

11,l 1 1 t,
o imaginârio é, portanto, parte constituinte da or­ efetivamente o social de uma certa forma. O autor nota que,
ganização (ao nível do pensar e do fazer) de toda e qualquer mesmo se observarmos as transformações socia,s nos últimos
sociedade. Distingue-se, todavia, da ideologia. cento e cinqüenta anos, veremos que os problemas destas foram
colocados não por ideólogos ou reformadores, mas sim por ime�
"Sõ hi ideologia quando há tentati­
sos movimentos coletivos. Isto não quer dizer que a ideologia
va de justificação 'racional' ou 'raciona
lizante' dos objetivos de um grupo ou de não tenha, para Castoriadis, nenhuma função na transformação
uma classe (quer se trate de conservar o social. O que ocorre ê que, nos movimentos sociais concretos,
estado das coisas existentes ou de modifi ela vem articulada ao imaginârio, num só discurso e numa mes­
cá-lo) ... Há ideologia quando a justific�
tiva do estado de coisas existentes (0u ma ação. Considerando também que o encaminhamento de um proj!
dos objetivos de um grupo, classe, etc.) to revolucionãrio requer uma elucidação do real, que inclua
desenvolve-se como 'argumentação', a uma contestação sobre um passado que não satisfaz e uma pro­
qual, por isso mesmo, aceita submeter-se,
pelo menos, exteriormente, a um controle jeção para um futuro modificado, a respectiva práxis de auto­
'racional', a uma crítica, a um confronto criação da sociedade dar-se-ã através da articulação de um
com os fatos... discurso político ou teórico com o movimento dos homens.
Caso contrário, torna-se simplesme�
te um corpo de crenç.as que como todos os
"A autotransformação da sociedade
corpos de crença na história - apresenta
diz respeito ao fazer social - e, portan­
se�pre também argumentos 'reais' e 'ra­
to, também político no sentido profundo
cionais' (ex.: a magia)... (onde) há um
do termo - dos homens na sociedade e a na
esquema imaginário nuclear de organização
, 158) da mais. O fazer pensailte e o pensar poli_
do mundo (social e 'divino l ...
tico - o pensar da sociedade como se fa-
zendo - é um componente essencial dis-
59 l
o imaqinário ê, entretanto, o elemento nodal de to- so ., ( .
to o representar e fazer histórico, pois é ele que organiza
Quanto ao problema da organização destes movimentos

(S8) CASTORIAOIS, C. Diante da Guerra. Trad. de Carlos Nelson


Coutinho. São Paulo, ld. Bra,;1liense, 1982. (Vol. I: As (59) CASTORIAOIS, C. A instituição imaginária da soeidade,
realidades), p. 22. op ., cit., p. 418

116 11 7
sociais autônomos em suas práxis e em seus projetos. Casto-
ciedade contemporânea romper com os esquemas de opressao e
alienação humana decorrente do capitalismo, e construir uma
riadis crê na necessidade da união de forças dos diferentes
nova sociedade mais livre (no sentido de que os homens façam
movimentos para fazer frente ao poder constituído.
a sua própria histôria, segundo as suas possibilidades, sua
"Quanto às políticas 'alternativas' consciência e seus desejos}. Porém, Castoriadis, mais do que
sempre escrevi sobre a sua importância Touraine e Guattari, chama a atenção para a necessidade de ar
o movimento dos jovens, das mulheres -
ticulação das várias forças parciais, a fim de se criar uma
pois ressaltavam aspectos problemáticos
da ordem existente que o movimento operá­ correlação de forças maiores para contrapor â dominação insti
rio tradicional, deixava de lado. Mas per tu1da. Isto também porque uma nova sociedade autônoma impli­
siste um grande problema: continuo pensa�
ca num novo modo de viver, num novo modo de i�stituir-se, o
do que uma atuação política deve levar em
conta a globalidade da organização so­ que sõ pode ocorrer a partir da destruição das formas heterô­
cial. Estes movimentos alternativos não o nomas e alienantes do viver na sociedade instituída sob o ca­
fazem. Seus militantes e simpatizantes a­
pitalismo contemporâneo.
creditam que se agissem dessa maneira, re
cairiam na política tradicional. e um er­
ro. Não se deve pensar, é claro, na cons­ a instauração de uma história
tituição de partidos no esquema tradicio­ onde a sociedade não somente sabe, mas se
nal, mas na união de todos esses movimen faz como auto-instituinte explicitamente,
tos para uma transformação do poder nesta implica uma destruição radical da insti -
sociedade, pois esta é a questão central. tuição conhecida da sociedade até seus
Reinvestir a coletividade com este poder recônditos mais insuspeitados, que só po­
que hoje está separado e repousa no apar� dr ser como posição/criação não somente
(60) de novas instituições, mas de um novo mo­
lho de Estado ou nos partidos"
do do instituir- ;e e de uma nova relação
soc1�l da sociedade e dos hom��s com a
Castoriadis, assim como Touraine e também Guattari. . . .. , < 61 l
1nst1tu1cao'
atribui ao fortalecimento da sociedade civil, através da cria
ção de movimentos sociais autônomos, a possibilidade da so-

(61} CASTORIADIS, C. A in,;tituicao imaqin�r1a da 'iOClPdade.


np. cit .. p. illH.
(6fl} CASTORIADJS, C. Depoimento, op. cit .• p. 6.

119
118
Concluindo, Castoriadis acredita na existência de clusão neste ensaio.
um projeto coletivo par� a conquista de autonomias. Isto por- Alguns autores atribuem os antecetendes de uma teo
que, em última análise, o objetivo de autonomia e o destino logia da libertação ao trabalho de alguns sacerdotes latino­
do homem. Observando a história e os movimentos sociais, no­ americanos que, a partir do século XVI, têm se dedicado ã el�
tou que a autonomia constitui a história muito mais do que boração de principios teológicos ou pa�torais de reconhec1men
foi constituída por ela. Atualmente, cada vez mais os movimen to aos direitos humanos dos indios (63 ).
tos sociais concretos caminham na busca de autonomias e no de Considerando-se a Igreja Católica co�o um todo, se­
sejo de fazerem a sua própria história. Em suma: "a história
rã no século XIX que os problemas sociais passam a ocupar um
fez nascer um projeto, esse projeto nós o fazemos nosso pois lugar na teoria e prática religiosa, com a :riaçao da "Ooutri
nele reconhecemos nossas mais profundas aspirações e pensamos na Social da Igreja".
62
Que sua realização ê possive1·( )
No século XX, os países anglo-saxões elaboraram uma
Teologia da Secularizaçiio e os países latinos passam a pensar na
direção de uma Teologia das Realidades Terrestres.As decepçoes
5. 6. GUT!(RREZ: A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
com o fracasso do modelo desenvolvimentista na América Latina
favorecem o surgimento,na década de 6 0,na Conferência do Con­
Gu�tavo Gutiêrrez, filósofo e teóloqo peruano, com
selho Episcopal Latino-Americano - CELAM - em Medellin(1968 ),
formação também em psicologia, é considerado um dos mais im­
da idéia de uma teologia da libertaça,:, que contribuísse para
portantes pensadores, propagadores e militantes da "teologia
a construção de uma sociedade al ernativa.Oesde o ,nicio se
da 1ibertacâo" destaca o nome de Gutierrez como teólogo da l1bertaçao.
Antes de passar ã d1�cussao acerca da contribuição A tevlogia da libertacao é roncebida, il partir des­
de GutiêrrP.z para a realidade dos movimentos sociais, um pa­ te momento, como um "novo modo de filler teoloqia", segundo o
rêntese será feito para ec;clilrec1mento sobre a origem da "teo
loqia da libertacao" e sobre ac; ri11oes especificas de sua in-

( 63 ) Ver segundo Galilea, Teologiil dil Lihertarao: Ens�io de


Síntese. Trad. de Luiz Antonio Miriloda, Silo Paulo, r cJ
(62) lb1dem, p. ll2.
Pa u 1 1 na s • 2 ª e.d i c a o , 1 ') 7 H .

120 12 1
Qual a práxis é O elemento chave. "Práxis é considerada como logia da li bertação é essenci almente:
0 -------- -- visando i transformaçio da Soci edade
conjunto de priticas a- Opção i deo lôgica a favor dos pobres e oprim i dos.
. - · "(64) . Ela se orienta, em Gltima anã
ou à produção da Historia O que, todav i a, também e verdade i ro para as outras
correntes
lise, para a formação de mov i mentos sociais com vistas ã 1i- de pensamento examinadas atê aqui . O que se
acrescenta ã teo­
bertação das formas de opressão impostas ptlo cap i talismo. A logi a da l i bertação é a extensão de sua i deol
ogia a uma dime�
procura de alternativas políticas para fazer frente aos meca­ são metassoci al: a crença na escatologi a
segundo o ponto de
nismos de opressão e exploração social, sob o cap i ta, i smo, foi vista da religião.
d tónica do pensamento daqueles que têm tratado dos movimen-
b- Reflexão sociolôgica e aplicação de conhecimen-
tos sociais, desde Marx até os autores contemporâneos exami n�
tos oriundos das Ciências Socia i s para auto
conhec i mento dos
dos neste ensa i o. Porém, com a teologia da libertação, encon-
oprimidos e respectivo encam i nhamento de
uma práxis libertado
tramos uma proposta, sob certos pontos de vista, d'oversa do
ra. Não contém, pois, um projeto de construç
ão de novos conhe
conJunto das propostas examinadas até aqui.
cimentos desde o ponto de vista sociológi co,
isto é, não se
EnQuanto que aquelas propostas procuravam avançar autodef i ne como Ciência.
em termos da elahoracão teórica ou da elucidação acerca dos
c- Em suma, criação de uma práxi s i novadora que pa�
mecanismos de opressao e da decorrente consti tui ção dos mov i
te diretamente da cultura popular latino-americana: a religi�
mento� soc i ais para a 1 i·bertaça-0 a da teologia vale-se daqu�
· sidade popular. Neste aspecto, parece-me Que é onde reside a
tes conhecimentos para , ...·fletir e enCJminhar uma prática pos-
pr i nci pal contribuição da teologia da l i bertação para o campo
'; Í V e 1 e determin<l d a: a das Camadas Populares com religiosida-
dos movimentos sociais. Se o modelo marxista clássico, que a­
de. O Conhec,menro proveniente das Ciénc1as Soc i ais parti ci pa,
tribui ã força do proletariado a �issão de libertação social
neste caso. rorno mediador entre a reflexão teológi ca e a prã-
global, tem sido i ndicado como insuficiente para a apreensão
tira efetiva ( a,; lutas sociais para a libertdção terrena e•
das novas forças sociais de contestação, sob o capitalismo
conseqüentemente. oós-terren,1). Do meu ponto de vista, a teo-
contemporâneo (conforme reflexão dos teóricos contemporâneos
até aqu1 examinados - os qua1s se debruçam principalmente so­
bre as realidades dos pdÍses desenvolvidos}, parece-me que is

I' 0 1 0 ri 1 .1 e Pr ,1 t 1 r a : r eo 1 og i a do Po 1 í ti co to também é verdadeiro qudndo se pensa nas especificidades de


(611) fltlrí. Clnclnv1S
e su<1s mert1.ic(\t><,. l'ptro;,olis, Vozes. 197�. formaçao ,ultur.il dns países do terceiro mundo. Por outro la-

l. !
do, os modelos teõricos contemporâneos voltados, na sua maio­ Tendo colocaao esta problemática no seu devido con­
ria, para os movimentos sociais que se organizam nas socieda- texto, inicio minha apreciação sobre a teologia da liberta -
des pós-industriais, são insuficientes para compreender as ção, na perspectiva de um de seus mais importantes porta-vo­
possíveis forças sociais latentes nas condições de subdesen­ zes: Gutierrez. Porêm, ê necessário enfatizar que os escritos
volvimento, e em particular no ainda significante mundo rural deste autor são apenas a expressão e capacidade de síntese do
subdesenvolvido. Aquelas reflexões dão conta de alguns dos n� trabalho conjunto de religiosos e leigos a favor de uma teo­
vos movimentos sociais que estão surgindo nos centros capita- logia em perspectiva latino-americana. Síntese esta que se e­
listas mais desenvolvidos dos países latino-americanos, mas fetua igualmente em duas ocasiões históricas fundamentais, ex
nem sempre dão conta das especificidades do submundo, majori­ pressa em dois documentos impulsores da caminhada de luta da
tãrio em termos populacionais, que coexiste nestas sociedades. Igreja: O Documento de Medellín (1968) e o Documento de Pue­
Neste submundo da miséria o que predomina, ainda, são as for- bla (1979).
111as de opressão econômica e legal, onde o povo não tem alcan­ Gutiêrrez, partindo desses documentos e de outros
çado as condições mínimas de sobrevivência humanamente digna, pronunciamentos e textos saídos de diferentes setores da Jgr!
e os direitos de cidadania e de justiça social. E para esta ja latino-americana, que se identificam com esta perspectiva
realidade que a teologia da libertação se tem voltado, muito libertadora da Igreja, indica o seguinte conjunto de idêias
mais através da prática do que da teoria. orientadoras de uma práxis de transformação da r&alidade lati
São essas as razões que me fazem crer que este novo no-americana:
encaminhamento das lutas sociais sob a perspectiva da teolo - - reconhecimento da soli���!edade da Igreja com a
gia da libertação deveria ser acompanhado mais de perto pela realidade particular da Amêrica-Latina;
sociologia latino-americana.Neste terreno muito hã ainda por
- o ataque as injustiças ao que foi denominado de
fazer.(6S)
violença institucionalizada;

- prática de uma educação libertadora, que permita

(65) Com esta preocupaçao é que elaborei um projeto de pesqu� ao povo tornar-se dono de seu próprio destino;
sa sobre os "Movimentos <iociais Camponeses em Santa Cat� - adoção do rumo ao socialismo, para a promoçao da
rina: a atuaçao das CEBs (Comunidades Eclesiais de Ba­
propriedade social dos meins de produção e o advento de um ho
se)". Pro1eto este aprovado pelo CNPq e em realização na
UFSC. mem novo, mais solidário e, finalmente,

1--1 1;!',
- deflagração de um processo de libertação através
_ . " (66) tos e pela busca de uma verdadeira justi­
da participaçao ativa dos opr1m1 dos 7)
ça '., ( 6 .

"A partir da verificaçio da aspira­


ção, geralmente frustrada, das classes�
Na base deste novo posicionamento da Igreja estã,
pulares a participarem das decisões que� pois, o estímulo ã formação de um novo tipo de movimento so­
fetam a sociedade global, chega-se a com­ cial para a libertação da opressão social. Particularmente no
preender que aos pobres é que toca o pa­
voe o fato do discurso político e ideológico do movimento ser
pel de protagonista em sua própria liber­
tação: 'primeiro aos povos pobres e aos construído com o auxílio de três fontes: reflexão sobre a vi­
pobres do povo é que compete realizar sua vência própria de opressão, utilização do conhecimento críti­
própria promoção'. Repelindo todo o tipo
co oriundo das Ciências Sociais e mediação do discurso evang�
de paternalismo, afirma-se que a transfoE
mação social não é mera revolução para o lizador da Igreja.
povo, mas o próprio povo - mormente os se
Trata-se, também, de um "novo modo de fazer teolo­
tores camponeses e operários, explorados
e injustamente marginalizados - é que de­ gia". "Nesse contexto, a teologia passa a ser uma reflexão cri
ve ser agente de sua própria libertação. tica a partir das �rãxis histórica e sobre ela, em confronto
Essa participação exige tomada de cons­ )
com a palavra do senhor vivida e aceita na fé11(68 _ E mais
ciência, por parte dos oprimidos, da si­
tuação de injustiça ... Em Medell!n foi ainda, trata-se de uma "teologia que nao se limita a pensar o
aprovado precisamente, como linha pasto­ mundo, mas procura situar-se ·orno um momento do processo atra
rul, alentar e fuvorecer todos os esfor­
vés do qual o mundo é transfor�ado"(691.
ços do povo por criar e desenvolver suas
próprias organiza� ões de base, pela rei­ Para pôr em prática esta proposta, Gutié�rez meneio
vindicação e consolidação de seus direi-
na a necessidade do teólogo (religioso ou leigo) tornar-se um

(66) cr. depoimentos de,;cr1tos por Gustavo Gutiérrez, em "Te� (67) GUTIERREL, G. Teologia da Liberta çao. Trad. de Jorge Soa
loqia da L1herr ,1ç,10'" (po 97-112) e em "A força histôr� res. Petrópolis, Vozes, 2i ed., 1976, pp. 105-6.
cil dos pnbrrs'" (no. 43-56). ambos publicados pela Ed.
(68) GUTIERREZ, G. A força h1stórira dos pobres. Trad. de Al­
vo,e,;, de ret1·cipnl1<;, r111 Jg76 e 19Hl/respectivamente.
varo Cunha. Petrópolis, Vozes, 1981. p. 91.
(69) GUT1tRREZ. r.. Teologia da Libertc1ç;io, ou. ril .. µ. 27

l .'1, 1? 7
novo tipo de "intelectual orgânico". Conforme a expressio de
seus interesses e suas lutas"(?l)
Gramsci, isto ê, organicamente ligado ao projeto popular de
libertação. "Alguém comprometido pessoal e vitalmente com fa­ Pode-se sugerir dois tipos de implicações no par m�
tos histõricos, datados e situados, através dos quais paises, vimento social-movimento religioso, decorrentes da penetração
classes sociais e homens lutam por se libertar da dominaçio e desta perspectiva teolõgica no seio das massas populares.
opressão a que são submetidos por outros países, classes e ho
Uma, por penetrar no seio das massas, por meio de
O
mens"(? ). um de seus traços culturais mais fortes - o da religiosidade
Ao lado deste novo método, constitui a coluna verte fortalecendo o desencadear de uma prâxis de autotransfor­
bral da "Teologia da Libertação" a perspectiva do pobre, ou maçao, segundo um projeto de libertação das opressões sociais.
seja, a sua opção pelos pobres: classes exploradas, raças mar Outra, trazendo uma nova mensagem da igreja contra
ginalizadas, culturas desprezadas. Esta opção não significa
a expropriação e a opressão e um novo modo de participação r!
um novo tipo de paternalismo, mas sim uma inserção num proce� ligiosa contra a hierarquia e com a promoção das bases possi­
so de auto-identificação com os pobres, significa também tor­ bilitando modificações na própria concepção tradicional de re
nar-se parceiro político do oprimido na luta libertadora. Ou ligiosidade destas massas e nas suas concepções de mundo em
conforme diz Gutierrez: geral.

"Optar pelo pobre significa optar Esta nova concepção religiosa inclui uma visão dia­
por uma classe contra outra, tomar cons­ lética entre criação e salvação, implicando numa promessa es­
ciência do fato do confronto entre clas­ catológica que seja uma utopia para o futuro, mas também uma
ses sociais e tomar o partido dos despos­
suídos. Optar pelo pobre significa ingre� atualidade histórica.
sar no mundo da classe social explorada ,
de seus valores, de suas categorias cultu "Trabalhar, transformar este mundo
rais. Significa fazer-se solidário com é fazer-se homem, e criar a comunidade hu
mana já é também salvar. De igual modo
lutar contra uma situação de miséria e es

(70) GIJTIERRr7, G. li forca histô,..1t� dos pobres, op. cit. p.


311. (71) GUT!ERRE7, G. A força histó,..ira dos pobr"es, op. cit. p.
70.

l .':-1 1 2 'l
poliação, e construir uma sociedade justa dar-nos as bases de uma sociedade mais
é inserir-se no movimento salvador, a ca- justa. Por isso é que a elaboração do pr�
-
minho de sua plena realizaçao" (72) jeto histórico Je uma nova sociedade to-
ma, cada vez mais, na América Latina, o
A Teologia da Libertação. segundo Gutierrez. deve rumo do S ocialiamo... "(74)

questionar de forma radical a ordem social latino-americana • "Este fato implica não apenas melh�
res condições de vida.radical mudanças de
pois as injustiças sociais ai são muito profundas para se pr� estruturas, revolução social, mas muito
por medidas atenuantes: "Por isso e que se fala de revolução mais: a criação contínua e sempre inacaba
social e não de reformas, d� libertação e não de desenvolvi - da de nova maneira de ser do ho�em, uma
- ( 75)
permanente revoluçao cultural" .
mento, de socialismo e não de modernização do sistema em vi­
gor" ( 3)_ Sugere, porém, que o socialismo seja fruto de
7
um Todavia, para que se efetue a passagem da crítica
projeto latino-americano. nascido enquanto respo�ta ãs lutas de uma ordem opressora para a realização de um projeto histó­
dos movimentos sociais, e que não se sigam esquemas feitos e rico libertador, necessita-se de uma práxis transformadora do
modelos que já provaram ser deficientes. Sugere, também como real. Neste sentido, Gutierrez cita Paulo Freire, af irrr,ando
fundamental, que este projeto, além das transformações quanto que entre a denúncia e o anúncio estão tempo da construção,
ã apropriação dos frutos do trabalho humano e da gestão polí­ da práxis histõrica (76l . /
tica, incorpore um processo de transformação do próprio homem
em direção a uma crescente fraternidade humana. "No entanto, a construção de uma so
ciedade diferente e de um homem novo nao
será autêntica se não for assumida pelo
"SÕ a superação de uma sociedade d! próprio povo �primido ... e a partir dele
vidida em classes, sõ um poder político a que se opera o questionamento radical da
serviço das grandes maiorias populares,só atual ordem social e a abolição da cultu-
a eliminação da apropriação privada da ri
queza criada pelo trabalho humano, pode

(74) GUTIERREZ, G. Teoloq1a da Libertação, op. cit., p. 263.


(72) GIIT!(RREZ, G Tenlog1a da Libertação, op cit.p. 136. (75) Ibidem, p. 40.
(73) GIITl(RREZ. G. A forca histórica dos pobres, op. cit. p. (76) 1 b idem, p. 2 O l .
70.

1 3O 131
ra opressora. Somente assim se poderá rea latina, durante este período. Indica seus avanços e seus re-
lizar uma verdadeira revolução social e
cuos, principalmente devido ã crescente repressão, na medida
cultural" (?7).
que sua força aumentava.

O povo, pois, deverã assumir o seu prôprio destino.


"Os setores populares sofreram for­
o autor nega, porém, um sentido meramente·voluntarista para a tes golpes, mas também aprenderam grandes
açao humana. Concebe a relação entre estrutura social, de um liç6es. O movimento popular está conscien
lado, e consciência e ideologia, de outro, como sendo dialéti te de seus recuos, da ambiguidade de cer­
tos caminhos seguidos bem como de seus
ca: "Aquele que pensa que uma mudança 'pessoal' assegura tran! projetos sociais pouco precisos, o que é
formações sociais não é menos 'mecanicista' do que aquele que próprio de todo processo histórico. Mas
pensa que uma transformação estrutural suscitarã automatica - demonstra igualmente firmeza, esperança
silêncio oportuno e realismo político. As
mente homens diferentes. Todo mecanicismo é irreal e ingê­ classes exploradas demonstram um poten-
nuo"{7B)_ Quando a consciência social se torna força social e cial de resistência que confunde o domina
dor e inclusive surpreende os próprios�
sP expressa em lutas populares, conquistas via a transforma -
pos revolucionários, hoje duramente repri
ç�o social podem ser conseguidas. O povo organizado ê, pois, midos, que conduziram alguns processos do;
79
•1'llil condiçao previa para transformações maiores. Para a teolo últimos anos na América Latina" c >.
n1d 1� 11bertação estas organizações assumem a forma de comu­
e Concluindo, gostaria de observar que velhos proble­
n:dndPS eclesiais de base, isto é, voltadas para a Igreja,
mas latino-americanos são enfrentados através de novas formas
.0,11 p,1r"tit1p,1cão nao formalmente hierarquizada entre leigos e
·de luta. Formas estas que buscam nas Ciências Sociais um pa
r('lil']lOSO<;.

pel de mediadora para os três níveis: Formação de consciência


Em 1978, uma década apôs o Documento de Medellín,
- Prãxis e Projeto. Cabe, portanto, às Ciências Sociais acom
r; u t 1 ê 1· r C' z faz um balanço dos movimentos populares na América
panhar de perto este processo de lutas sociais, para melhor
coutribuir nesta mediação.

7l) Jb1dc>m. 11. 265 e 1n: A fo,-�,.. histórica dos pobres, op.
1 1 r •• p. 71 .
e; r' T 1 [ R R [ / . c; . A forca h i st Ó,· 1 c a dos pobres , op . cit. , P . 7 4 . (79) Ibidem, p. 117.

1 L? 133
VI - NA BUSCA DE CAMINHOS PARA A LIBERTAÇÃO
Procurei, com este estudo, a contribuição de pensa­ ria, em ultima análise, da relação dialética entre Teoria Re­
dores sociais na busca de caminhos que possam conduzir os mo­ volucionária (oriunda do trabalho de reflexão e da experiên­
vimentos sociais em suas lutas contra a opressão e em prol da cia de luta da van9uarda do Partido) e Prática Revolucionária
libertação. (com a participação das massas oprimidas). Porem, entende que

No meu entender, as principais contribuições para o a transformação radical da sociedade deva ser acompanhada por

estudo dos movimentos sociais, de autores clássicos e contem­ uma revolução cultural. Esta perspectiva será aprofundada por

porâneos, tiveram o pensamento de Marx como ponto de referên­ Gramsci.

c1a: seja para lhe dar continuidade, seja para questioná-lo e Em Lukács, será a "consciência" o alvo principal de
tentar superá-lo. suas reflexões acerca da problemática dos movimentos sociais.

O fundamental no pensamento de Marx foi ter dado ã Concebe a ação transformadora do social como uma síntese en­

categoria "totalidade" um lugar central . Ao examinar o tre consciência de classe organizada e organização consciente.
agir
humano, concebe este agir como um conjunto que conecta diale­ Para Gramsci. um projeto tra�sformador, que efetue
ticamente várias práxis: teõrica, produtiva ou econômica e po a passagem de um momento histórico de necessidade a um de li­
litico-ideolõgica. A articulação entre as várias práxis, e a berdade, requer uma práxis de transformação ético-cultural
idéia de uma práxis teórica a serviço de uma práxis politica que conte com a ligação orgânica entre intelectual e massa.
transformadora do social. criou o esp?ço necessário para se Quanto âs tendências teóricas contemporâneas �ohrc
colocar a ciência engaJada aos movimentos sociais.
os movimentos sociais, hã um avanço em relaçao ao mclrxismr,
Seus sequidnre� imediatos (Lenin, lukãcs e Gramsci) clássico, no que diz respeito ã exten c,10 do estudo ao ,or 1u11-
tentaram dar-lhe cont1nu1dade, aprofundando o questionamento to dos grupos sociais, fugindo da dicotomia hurguesiõ-nrolct !

sobre ns a�pecros politico, cultural e ideológico do real, na riado . Estes estudos aprofundam t;irnhé111 o conhec 1111Pnto d,1s p,,,·
dinâmica dos movimentos sociais. ticularidades históricas contemporânea,.

Lenin trouxe para mais perto a prática teórica a Laclau presta atençao. em part1rular, ao rx�mc d�\
�P rvico da prática ooliti<.� A pr�xis revolucionária resulta- ar ti eu lações de e ont radiço P <, e 1 as e, is t as r o m r o n I r ,) cl 1 1 ,, r: e. n , 1-

classistas, ao nível dos di<,<.ur<,nc, nolí1i1.n-1d<"olrirj110',, 11••-


cessãrios para a un1 dadr· do movi111rn1n que 1cJn11•111 11111 ; , u "tr
de transformaçiÍO da es1rutur,, opress1v,1.

1 Ju 1 l7
Dahrendort traz para a Sociologia Funcionalista a ticulação das práxis dos vários movimentos sociais que lutam
idéia da ubiqôidade do conflito, da coerção e da autoridade
nesta direção.
em todos os níveis da organização social. Os grupos de confli
Gutiêrrez defende uma nova forma de luta social que
to e, mais exatamente, o conflito destes grupos são responsá­
vem se organizando na América Latina, em especial. Um movimen
veis pela dinâmica social.
to que parta da vivência e da cultura popular (particularmen­
Com Touraine, a categoria "movimento social" passa
te, da religiosidade do povo) � que construa a sua práxis com
ao coração d;, vida em soei edade. A soei e da de se produz por e 1 a
o auxílio de três fontes de reflexão: a própria vivência da
mesma, e o homem faz a sua própria história através de seus
opressão, o conhecimento critico oriundo das Ciências Sociais
movimentos sociais. Estes movimentos podem ser responsáveis
e a mediação do discurso evangelizador da Igreja, segundo um
por transformações maiores, mas também estão presentes no co-
novo mêtodo denominado "Teologia da Libertação". Segundo este,
tidiano, sendo responsáveis pelos fluxos permanentes do so- 0 caminho para a liberdade é o caminho da instituição do so-
eial
cialismo autogestionãrio, que compreenda uma revolução cultu­
Guattari vai mais além neste sentido, percebendo a ra 1 permanente.
necec.sidade de uma revolução permanente e molecular, isto é
Estas teorias, por um lado, expressam uma opção ideo
em todos os níveis da vida social - tendo como ponto de part�
lógica e um tipo de engajamento do próprio pensador social
da o interior do indivíduo - e de forma a �rticular a libera­
mas, por outro lado, enquanto leituras do real, expressam a
cao dos desejos com a luta de classe. Est� condiçãn ê necessã
própria dinâmica dos movimentos sociais e as transformações
r1a para a revolucão social do futuro e será fortalecida pelo
.pelas quais estão passando no decorrer do tempo.
nexo que se vier a criar entre os vários movimentos de base.
Considerando-se os componentes dos movimentos so-
Para rasroriadis, o movimento do social caminha na
ciais que orientaram este trabalho - projeto, práxis, ideolo­
husca de auton0m1as rrec.rentes, no plano individual e no pla­
gia e organização - podem-se destacar algumas transformações
no coletivo. t atravê<. da conqu1sta de autonomias que se ge­
relevantes como conclusão deste estudo.
r,im ,n pnss1b1l1dadPs dp auto-instituição da sociedade, isto
A predominância de projetos, sob a forma de utopia
ê. de a11troc1"1acan do <.0r1al Um projeto socialista ê um pro-
no sentido de uma sociedade livre e 1qualitária (passaqem do
1PIO con1r1 ar, for111,1<. clt• hPtt>ron,1,n1a e alienação social, em
reino da necessidade para o reino da liberdade). num futuro
p,ol rl,1 ,1uron11011.1. r quP n-1ra s 11 1 ., ,,al1zação necessita da ar-
remoto, dá lugar cada vez mais a proJetos que incluem um pro-

1 !H
139
cesso de igualdades e liberdades crescentes a partir do aqui
e ag� e de forma permanente. O Socialismo deixa de ser de
sejado como projeto, para ser desejado como práxis.

A práxis que era centrada quase que exclusivamente


na luta de classes, estende-se a toda sorte de grupos sociais
minoritários e oprimidos. Alêm de ser vivida no p 1 ano social,
passa também a ser vivida no plano individual e no cotidiano.
A autonomia, a democracia e a autogestão passam a ser requis.!_

tos desta práxis, aspectos estes que caracterizam, pois, as


novas formas ideológicas.

A ideologia, anteriormente centrada no binómio elas


se dominante-classe domin�da, incorpora uma visão de mundo
mais heterogênea, onde a auto-anãlise e autrocrítica passam
ao centro da formação da consciência e da procura de alterna­ BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
tivas ideológicas.

A organização, que se fazia sob uma acentuada espe­


ranç� no trabalho de uma vanguarda ou liderança intelectual
hoje se volta para a autodeterminação das ba�es; estas, em
sua particioaçáo, procuram apenas se valer dos conheci�entos
criticas trazidos ao seio do movimento pelos intelectuais, lf
deres políticos, ou aqentP.�. como mPdiaçao par� a auto-avalia
çáo de sua práxic-,.

Enfim, os caminhos dos mov1menloc-, sociais incorpo­


ram muitas enrruzilhadas e altern�tivas, mas existe um desejo
basicamente �nico: o d� buc-,c.a de liberó�des sociais e indivi­
duai.-,.

; -lO
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