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SERIE DIDATICA
MOVIMENTOS SOCIAIS
UM ENSAIO DE INTERPRETAÇÃO SOCIOLÓGICA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
Bruno Rodolfo SC'hlcmprr Jun10r - Hl•Jlor 3ª EDIÇÃO REVISTA
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da F.dlfnra da 1 ·vsc·
EDITORA DA UFSC
FLORIANÓPOLIS
HlR!'.l
@ llse Schercr-Warren, 1987
Editora da UFSC
Campus Universnáno-C.P. 476
Trindade - Fone (0482) 33.9408
88.000-Florianópolis - SC
S U M Ã R I O
mo um conjunto de relações sociais comandadas por uma dialéti ou grupos são igualmente oprimidos ou livres, no mesmo grau.
ca de opressão e de libertação. No jogo das forças sociais hã os privilegiados e os desprivi
legiados. Estou aqui preocupada com a busca da l1uertação pe
Na Sociedade, tanto no plano individual quanto no
los grupos desprivilegiados, chamados também de grupos subal
plano grupal, as relações sociais são �ediadas por relações
ternos, subordinados, dominados, minorias e de tantas outra�
de poder. O fenômeno da opressão e do reagir ã opressão ê uma
formas.
constante no comportamento humano.
A contra-opressão pode se expressar de várias for·
Aqui me interessam particularmente as formas de o
mas: lutas mais violentas ou menos violentas, re1vindicaçoes
pressão que se expressam ao nivel grupal, e muito mais do que
pressões, apatia ou mesmo alienação. Temos, portanto, forma•
1 sto, a busca de libertação dos grupos considerados subordina
ativas e formas passivas de contra-opressão. Contudo, a bu�c,
dos socialmente. Podemos falar em diversas formas de opres-
da libertaçio exige um agir ativo. Quando os grypos se org1n
são: econômica, politica, cultural, ideolõg1ca, psicológica,
zam na busca de libertação, ou seja, para su�erar alguma for
etc. Na maioria das vezes, porém não sempre, na relação in-
ma de opressão e para atuar na producao de uma sociedade mod
tergrupal, particularmente entre as classes sociais, hã uma
ficada, podemos falar na existência de um movimento social.
acumulação de várias formas de opressão. No entanto, nenhum
grupo é totalmente oprimido ou completamente liberto. A dialé Pretendo desenvolver este estudo valendo-me d�s co
tica opressão-libertação (ou autonomia) significa que a prõ tribuições da teoria sociológica para a explicaçao da prod
pria mediação do poder nas relações sociais faz com que os ção da sociedade por ela mesma, ou seja, a açao dos mov1men
individuos ou grupos em suas inter-relações vivam contradito tos sociais tendo em vista a r.onquista de 1 iberdades soc1a1s
riamente os dois aspectos opostos deste fenômeno. o dominante Remonta, assim, este estudo, a contribuiçiJo·dc Kar
em sua relação de opressão vive a contra-opressão do domina- Marx.por ter sido este um pensador que se dedicou <'x1ust1v.1mcnte
a esta questão e também por suas teoriils terem permeado
maioria dos estudos posteriores sobre este tcmd.
A seguir buscarei a contribuição de outros marxis
tas clãssicos (Lenin, Lukãcs e Gramsci), que se empenharam na
busca das formas de agir político e de organização das clas
ses sociais para a superação da opressão de classe.
timos na unidade entre teoria e prãtica, unidade que implica sem a carência, a transcendência e o projeto". (4) Serã atra
também em certa distinçào e relativa autonomia". (2) ves de seu projeto que o homem se define a si mesmo, se pro
duz e "supera perpetuamente a condição que lhe ê dada, revela
Para Kosik "a prãxis na sua essência e universalida
e determina sua situação, transcendendo-a para objetivar-se ,
de ê a revelaçao do segredo do homem como ser ontocriati
pelo trabalho, pela ação ou pelo gesto"_(S) O projeto ideoló
vo, como ser que c.ria a realidade (humano-social) e que, por
gico "tem como objetivo profundo modificar a situação de base
tanto, compreende a realidade (humana e não humana, a realida
de na sua totalidade) ... A realidade humano-social e criada
(9) Para uma discussão mais detalhada sobre este ponto de vi! (10) WANOERLEY, L.E. Movimentos sociais populares: aspectos!
ta consultar meu trabalho "Concepção marxista de 1deolo - conõmicos, sociais e políticos. ln: Encontros com a Ci
gia: considerações sobre questões de teoria e método•, vilização Brasileira, Rio, Civilizaçao Brasileira,nQ 25,
in Boletim de Ciências Sociais, Florianópolis. UFSC, nQ jul. 1980. p. 113-4.
20, jan/fev. e mar. 1981.
quanto modelo, mas sim extrair os pontos relevantes para este
vimentos sociais tem apresentado uma variedade de situações: projeto de estuao.
inter-relação com outras instituições externas, tais como Pª!
Espera-se, desta maneira, levantar contribuições ú
tidos, sindicatos, igreja, universidade, etc., absorvendo em
teis para uma reflexão sobre os caminhos que os grupos social
diferentes graus a sua influência, ou incorporando ou não no
mente opri�idos possam trilhar na busca de sua libertação.
movimento os seus agentes; bem como uma liderança mais ou me
nos estabelecida no interior do próprio movimento.
- praxis que se realiza em conexão com a atividade teórica; (1) YAZQUEZ. A.S. Filosofia da praxis. Trad. de Luiz Fernando
- praxis que se realiza através da atividade produtiva; Cardoso. R10, Paz e Terra, 2 ª ed., 1977. p. 129.
..' 1
s1gn1ficado da atividade "revolucioniria", "prático-crftica • se produz, transforma a si mesmo e a natureza.
(2
(tese 1). ) Acrescenta, ainda que "os fi1õsofos se 1 imitaram Ji nos Manuscritos Econõmico-Filosõficos (escritos em
a interpretar o mundo diferentemente, cabe transformã-10• (t! Paris, em 1844) o trabalho ê tomado como categoria básica da
se 11).(3)
práxis social. Afirma aqui, porem, que no capitalismo o mundo
Porêm, este transformar-se, para ser revolucionário da mercadoria transforma o caráter do trabalho. A expropria
exige o conhecimento, a interpretação cientifica, o que perm! ção do produto do trabalho do operário cria o trabalho alie
tiria a Marx fazer a critica do "Socialismo utópico" anterior nante, e somente através da superação desta forma de expro
e propor o "Socialismo cientifico", como expressão do movimen priação e, em última anãlise, da eliminação da propriedade pr!
to proletário concreto, ou seja, como projeto de libertação vada, o trabalho poderá ser humanizado novamente. Esta super!
de toda a opressão de classe. ção "ê a verdadeira solução do antagonismo entre o homem e a
"Mas para que o conteúdo da prãxis social revolucio natureza, entre o homem e o homem ... ê a emancipação total de
nãria se enriqueça, e, com isso, o conceito do , os e qua 1 ,'d ad es h umanas... " . (S) P ort anto,
todos os sent'd o
proletariado
como s�u suJe1to, serã necessário que Marx cheguei descober trabalho alienado cria tambêm um modo alie�ado dos homens se
ta de uma práxis original e ainda mais radical... Essa práxis relacionarem entre si. Nos escritos posteriores ficarã clara
original ê exatamente a produção material, o trabalho humano a preocupação de Marx sobre as condições sociais que permitem
4
.( l, que será examinada a sequir. esta superação, ou seja, de como a consciência, como forma de
superação da alienação humana, se concretizará através da pr!
b - Práxis que se realiza atravês da atividade produtiva: xis política, conforme examinarei no item seguinte.
27
trocando entre si suas atividades. Para produzirem, constroem porque o produto de sua atividade não é
determinados vínculos e relações mútuas e somente dentro dos também o objetivo de sua atividade".(?)
2fl
zem a história, por outro lado, esta sô se realiza soo deter
rica de uma relação entre coisas... t o
o que ocorre com o produto da mão humana,
minadas condtções objetivas:
no mundo das mercadorias. Chamo a isto de
9
fetichismo ... •. < ) "Uma formação social nunca perece antes que
estejam desenvolvidas todas as forças pr�
Somente a luta consciente das classes soc1ais domi- dutivas para as quais ela é suficienteme�
te desenvolvida, e novas relações de pro
nadas poderã ocasionar a superação deste estado de reifica-
dução mais adiantadas jamais tomarão o l�
ção. Ainda neste mesmo contexto do cap1·ta1 , Marx acrescenta: gar, antes que suas condições materiais
de existência tenham sido geradas no seio
(11)
mesmo da velha sociedade•.
"A estrutura do processo vital da socieda
de,isto é, do pr.ocesso de produção mate
e
rial, só pode desprender-se do seu véu ne Ainda que a prãx1s produtiva e a prãxis politica
buloso e mistico, no dia em que for obra teoria da revo
tamóêm a prâx1s teõrica (enquanto elemento de
de homens livremente associados, submeti
de uma prãxis
da a seu controle consciente e planejado. lução) sejam consideradas como três dimensões
realizam enquanto
Para isso, precisa a sociedade de uma ba- social revolucionãria única, elas tambêm se
9e material ou de uma série de condições minados. Exa
prãxis parcta1s em contextos historicamente deter
materiais de existência, que, por sua vez,
ã prãtica
só podem ser o resultado natural de um minarei, portanto, a seguir, a ênfase dada por Marx
longo e penoso processo de desenvolvimen polittca propriamente dita.
(lO)
to".
38 )9
RDA
(1891 - 1937) são três importan tes in térpretes da teoria de 4.1. LENIN: A QUESTÃO DA VANGUA
Marx, que se preocupa ra m fu ndamen talmente com a prãxis social.
co-revolucionãrio ,
Não pretendo, neste ensaio, fazer um apanh ado da contribuição Lenin, pensador teõrico e políti
exões entre a teoria e a PT!
inestimãvel destes autores, em todas sua s implicações, para preocupou-se sobretudo com a s con
de suas reflexões, surge a
a prãxis social revoluéionãria , o que em si sõ con sistiria nu tica política efetiva. No centro
como mediador entre a teoria
ma obra considerãvel. Trata -s e de privilegiar na obra destes importância atribuída ao partido
ca das ma ssas. Em toda a sua
autores algumas questões que conside ro atuais e que v enh am a revolucionãria e a prãtica políti
õe ao partido o papel de va n-
enriquecer as reflexões sobre a dinâmica dos movimentos so- obra de discussões políticas imp
1 . - . (1)
nar10.
cia1s, segundo a linha proposta neste estudo. guarda para o movimento revo uc1o
na rquista dentro do
Assim sendo, em Lenin, intere ssam suas reflexões Em 1904, opondo-se ã tendência a
ortância de um a organiza
de carãter político-ideolõgico sobre a prãxis da classe oper� partido, ch ama a atenção para a imp
a e efe tiva men te revolu
ria, em sua luta pelo poder político e hegemonia social, to- ção, que ga ranta a unid ade ideolõgic
xplorada s:
mando-se como ponto central a questão da vanguarda e de su a cionãria do movimento das ma ssa s e
importância na formaçio de uma consciência revolucionãria .
41
40
"O prolet.Jn.:ido, n,1 su.:i lut.:i relo poder,
consciência política autêntica do proletariado. A consciência
njo tem outra nrmA senão a organização.D�
v1d1do n�l.:i concorr�nc1a an5rqu1ca qu0 socialista não surge espontaneamente do seio do movimento o
reina no mundo bur<:1uê:;, esmaCJado pelos tr� perãrio sindical. Ela depende de um conhecimento da totalida
balhos forçudos .:io serviço do capital,
de soeia 1, conhecimento este que não aparece espontaneamente
con�tantcmente atirado ao abismo da misé
r1.:i mais completa, do embrutecimento e da na massa, pois esta em seu cotidiano apreende o fato imedia
dencnerescência, o rroletário só pode toE to, aparente. O conhecimento revolucionãrio gerado de fora e
no1r-ow, e tornar-se-á inevi tavelrnente,uma partido ,
trazido para a massa proletãria pela vanguarda do
força invencível quando a sua unidade i
J�ológ1ca, baseada nos princípios do mar responsâvel pelo desencadear da consciência política socialis
:n:.;ino, � c1mentada pela unidade material ta do proletãrio.
dJ orqan1zação qu� reune milhões de traba
ltiudores -ium exén.:ito da classe operá- Lenin expressa-se d3 seguinte forma sobre este co
"
r 1.1 • ( 2 l
nhecimento:
1.e111n , ri,.eO\.upddO com os resultados genuinamente r!:: "A consciência da classe operária não pode
volunonã, 10c; dos m0v1mentos so<.. ,a,s, examinou em profundida ser urna consciência política verdadeira ,
se os operários não estiverem habituados
de o rute11L �l polít1co destes movimentos. Contrapunha (em Que
1
42 43
de todas as classes da sociedade contem nãria no que diz respeito ao jogo de forças sociais atuantes
porâneas, conhecimento não apenas teórico na opressão do proletário. O conhecimento do agir político do
••• ou melhor: não só teórico, como fund� conjunto das forças sociais, implica, portanto, no conhecime�
mentado na experiência da vida polltica
•.. Para tornar-se um social-democrata, o to da totalidade das relações inter-classes, bem como da pos!
operário deve ter uma idéia clara da nat� ção relativa do proletãrio (o seu particular) nesta totalida
reza econômica, da fisionomia polltica e de. Lenin cr� que o proletariado, nas relações restritas de
social do grande proprietário de terras e
do pope, do dignatário e do camponês, do seu cotidiano com o patrão, serã incapaz de apreender a tota
estudante e do vagabundo, conhecer seus lidade das relações de classe numa conjuntura determinada, r!
pontos fortes e fracos, saber enxergar nas zão pela qual o movimento prõ-socialismo requer uma vanguar
fórmulas correntes e sofismas de toda es
da de revolucionários profissionais.
pécie com que cada classe e cada camada
social encobre seus apetites egoístas e
Porém, a vitõria de uma práxis revolucionária somen
sua 'natureza' verdadeira; saber distin
guir esses ou aqueles interesses que re
te poderã ser obtida atravês de uma dialética entre teoria e
fletem as instituições e as leis, e como prática, entre o trabalho da vanguarda e a participação das
( 3)
as refletem". massas. Do ponto de vista do trabalho da vanguarda afirma que:
·1·1
45
necessidade absoluta - da vanguarda do uma atitude de apoio direto à vanguarda,
proletariado, a sua parte consciente, o ou pelo menos uma atitude de neutralidade
Partido Comunista, marchar em zigue-za simpatizante, que a torne completamente
gue, realizar ocordos e compromissos com incapazes de apoiar o adversário, seria
os diversos grupos de proletários e com mais do que insensatez, seria um crime .. .
os diversos partidos operários e de pequ� Não basta só a propaganda e a agitação .. .
nos exploradores. O essencial é saber a é preciso a própria experiência pollticé
plicar esta tática da maneira a elevar e dessas massas. Esta é a lei fundamenta)
não a rebaixar o nlvel de consciência� -
de todas as grandes revoluçoes... ( 6)
ral do proletariado, o seu esplrito revo
lucionário e a sua capacidade de lutar e
Lenin ê criticado, porêm, pelo viês de autoritaris·
vencer". (4)
mo na organização, que decorre deste posicionamento de super
Portanto, a complexidade de situações do prõprio valorização da vanguarda. A estes ataques Lenin responde QUE
particular das massas exploradas requer tambem um discernime� as democracias burguesas têm iludido o povo com slogans de li
to político sobre a totalidade dessas situações, requer a ha herdade e igualdade:
acrescenta que:
"Estes 'civilizados' franceses, in·
gleses e americanos, chamam liberdade meE
"Não podemos vencer só com a vanguA!_ mo a liberdade de reuniões. Na constitui·
da. Lançar a vanguarda sozinha na batalha ção deve estar escrito: 'Liberdade de ret
decisiva, quanto toda a classe, quanto t� nião para todos os cidadão� ... E vocês,
tas as grandes m,assas ainda não tomaram Bolchevistas, violaram a liberdade de ret
(4) LENIN, V.!. A doença infantil do comunismo. O radicalismo (6) Ibidem, p. 120.
de esquerda. Lisboa, Ed. Avante, 1975. (Biblioteca do Mar (7) LEN1N, V.I. Como iludir o povo (com slogans de liberdade
xismo-Leninismo/2), p. 99.
e igualdade). Tra_d. de Maria João Delgado. Coimbra, Cente
(5) Ibidem, p. 102. lha , 1974, p. 32.
46 47
nião' ... esqueceram que a vossa liberdade classes:
está escrita na Constituição que legali
za a propriedade privada". (8) "Uma república democrática com igual_
dade é uma mentira, uma fraude, porque na
"Quando só houver no mundo trabalha realidade a igualdade não existe ne� pod�
dores e as pessoas se esquecerem de pen existir, em virtude da propriedade priva
sar em como era �ossivel ser um membro da da dos meios de produção, do dinheiro e
(lO)
sociedade e não um trabalhador ... então s� do capital".
remos pela liberdade de reunião para to
dos, mas hoje a liberdade de reunião sig "A igualdade é o nosso objetivo mas
- " (11)
nifica liberdade de reunião do capitalis - sob a forma de aboliçao de c l asses .
-
mo, dos contra-revolucionarios n . (9)
Enfim, se por um lado Lenin defende a neressidade
Par Lenin. este quadro de políticos revolucionãrios da organização e da vanguarda para dar direção ao mo\1mento
pro & iss;onais ser·a uma condição necessãria nesta fase i ni - da transformação social (concebendo esta transformação como
cial de uma revolução radical, justificando-se portanto uma um processo dialitico entre Teoria e Prática de massa Revolu
rrã)is �o nível de quadro do partido que fosse excludente e cionãrias), por outro lado, concebe como o verdadeiro produto
autoritã�ia. A plena liberdade de participação seria alcança da revolução O homem comum que se transforma com sua part1ci
da q�•rto esti�esse superada a sociedade de classe, pressupo! pação no processo revolucionãrio, dando origem a um novo ho
to teórico que caresse ainda de comprovação. Pode-se acrescen me m - o Socialista, o Comunista. Em suma, a revolução políti
tar, alêm disso, que esta postura revolucionária na prãtica ca sõ será vitoriosa se for acompanhada por uma revolu ção cul
h1stõrica tem levado a uma consolidação de formas de autorita tu ra l :
rismo hurocrãtico.
"Sociedade Comunista significa que
Quanto a iguõldade, também esta. segundo projeto
tudo é comum: a terra, as fábricas, o tra
marxista-leninista, s0mente seria possível numa sociedade sem
48 49
balho". (li} tura antiortodoxia pelo que considerava o economicismo da li
Internacional.
"O trabalho comum não se cria de um
A oflra poHtica de Lukâcs, especialmente "Histõria
dia para o outro. Isso é impossível. Não
cai do céu. Há que conquistá-lo através e consciência de classe", coletânea de ensaios publicada em
de grandes esforços e sofrimentos, há que 1923, encaminha uma nova perspectiva de análise entre acadê
criá-lo. E criar-se no decorrer da luta.
micos que pretendem seguir os ensinamentos de Marx. Lukãcs ha
Não se trata aqui de um livro velho em
que ninguém acreditaria. Trata-se da pró via realizado uma re-leitura de Hegel e do Jovem Marx, recup!
l3
pria experiência ae vida". C l rando a dimensão hegeliana do pensamento deste ultimo.
50 51
se ligava ã dialêtica da natureza, segundo Engels. Em contra Partindo de Marx, Lukãcs examina o fenômeno da re,
posição ao determinismo econômico que tendia a estar presente f icação, quando sob o capita lismo as relações entre oessoas
n�ste último enfoque, Lukãcs vai rer.uperar a importância do tomam o carãter de uma coisa, produzindo a alienação humana
histor1cismo no pensamento de Marx. Retoma o postulado de e a "falsa consciência"_(lS)
Marx de que acima de tudo é necessirio considerar que os "ho- Mas para o autor é também a análise do "fetichismo
mens f�zem a histôria", porém esta pode ser feita como uma da mercadoria", feita por Marx, que cont�m a possibilidade de
"falsa consciência" através de relações reificadas, fetichi "conhecimento" atraves do materialismo hist6rico. Isto por-
cas A experiência no capitalismo, acompanhada da história de
que
luta de classe, e que contém a gênese da "consciência de elas
se verdadeira". "o operário sõ pode tomar consciincia do
seu ser social se tomar consciência de s1
Corsidero que, para o entendimento dos movimentos próprio como mercadoria ... a sua conscli�
sociais muito mais importante do que as respostas que Lukãcs te eia é a consciincia de si da mercadoria
ou, por outras palavras, o conhecimento de
nha dado ãs suas indagações, ê o encaminhamento de novas que!
si, a revelação de si da sociedade capl
tões em relação ao problema da consciência de classe e sobre talista fundada na produção e na troca
.. (16)
a participação de classe propriamente dita num projeto de li mercantis
,_
r. ')
r, 3
dâ porque e com o capitalismo que o carãter social do traba- poderia ser complementada por uma anãlise que tentasse expli-
lho se torna cada vez mais evidente, transformando cada vez car os vãrtos passos presentes num processo de formação da
mais o proletariado em verdadeira "classe social" (fruto da consciência social, dando conta tambêm das particularidades
constituição do grupo pela experiência e pelo conhecimento). h1stõricas.
Neste sentido e que surge em Lukãcs a ideia do proletariado
Se bem que, e1n "A consciência de classe",(lS)Lukãcs
como sujeito-objeto idêntico da história.
menciona a existência de diversos niveis de consciência possI
Lukãcs e sujeito a critica por estes resultados de vel. falta apenas buscar a compreensão dos mecanismos de pas
se:is estudos, como aquela feita por R. McDonough: sagem de um nivel ao outro, seja, do entendimento da dinâmica
dos movimentos sociais e ideológicos concretos, conforme, por
"Lukács ou simplesmente eleva o pro
exemplo. havia sido realizado por Lenin.
letariado à consecução de uma verdadeira
consciência de classe (a culminância de Lukâcs chama a atenção para o fato de que esta gra-
sua missão história) ou então condena-o
duação na consciência de classe corresponde ã possibilidade
a permanecer nos limites da falsa cons-
ciência, prisioneiro eterno da estrutura objetiva de o proletariado perceber mais facilmente a sua si
reificada do pensamento burguês predomi tuação no plano das relações econômicas, tendo por projeto o
(l?)
nante".
atendimento a Minteresses imediatos", do que de perceber a
sua situação no plano politico e ideológico, através de um
Pode-se ainda ajuntar que esta noção de "verdadeira
projeto que vise o "objetivo final" de superação da dominação
consciência" e "falsa consciência" :icaba desempenhando a fun
na busca da liberdade.
<ão de conceito limite ou tipo-ideal para a análise (quiçã a
influência weberiana no pensamento do autor). Portanto, esta
"Quando a critica não ultrapassa a
preocupação de Lukãcs em chegar á gênese destes casos limites simples negação de uma parte, quando, pe
lo menos, ela não tende para a totalida
de, então, não pode ultrapassar o que ne
ga, como por exemplo, no-lo mostra o cará
54
ter pequeno-burguês da maior parte dos
gico central que sempre ocupara na obra de Marx".(ZO) Esta to
sindicalistas. Esta simples crltica, esta
critica feita do ponto de vista do capit� talidade signiftca, em Lukãcs, que a verdadeira consciência
lismo, manifesta-se da forma mais notória de classe só se realiza com a passagem da auto-avaliação do
na separação dos diferentes sectores da
proletãrio como agente económico, para a percepção de sua po
luta. O simples facto de se estabelecer
tal separação indica já que a consciência sição no jogo de forças políticas e na construção de uma con
do proletariado se encontra ainda provis� cepção de mundo, i.é., com a passagem do "reino da necessida
riamente sujeita à reificação. Se bem que
de" ao "reino da liberdade". Por isso, afirma que o proleta -
lhe seja evidentemente mais fácil perce
ber o caráter desumano da sua situação de riado, ao mesmo tempo que luta contra o seu inimtgo exterior,
classe num plano econômico do que no pla a burguesia, terã que lutar "contra si próprio, contra os e
no polltico, e mais no plano polltico do
feitos devastadores e degradantes do sistema capitalista so
que no plano cultural, todas estas compaE
timentações demonstram justamente a força bre a sua consciência de classe". (Zl)
ainda não ultrapassada das formas capita
Dois anos apõs ter escrito seu artigo sobre Ma con!
listas de vida sobre o próprio proletari�
do " (19) ciência de classe", Lukãcs escreve as "notas metodológicas so
bre a questão da organização", quando passa a reconhecer a im
Assim como Lenin, também Lukãcs (ambos baseando-se portância do partido, como mediador entre a Teoria e a Práti
em Marx) dã ã categoria "totalidade" uma importãncia funda ca, ou seja, entre o conhecimento (que no artigo anterior sii
mental, tanto na construção do conhecimento, quanto na forma nificava, para Lukãcs, a consciência de classe verdadeira, ou
ção da consciência social. Numa autoavaliação de 1967, Lukãcs o máximo de consciência possível) e a ação revolucionãria pr�
afirma que "um dos grandes méritos de História e consciência priamente dita. Porém, esta dialética apenas se realiza quan
de classe foi com certeza o de ter dado ã categoria da total� do hã um projeto de transformação (o "objetivo final").
dade, que a pretensão "cientifica" do opc,rtunismo social-dem�
crata fizera cair no completo esquecimento, o lugar metodolõ-
56 S7
Este projeto, que Lukics denomina de busca do "rei so unitário, mas dtalético, da evolução
de sua consciência... tum processo longo
no da liberdade" (Sociedade Comunista), para sua realizaçio
e mal o iniciamos, mas tal nao nos deve
requer uma práxis que Ji contenha a dialética entre liberda constituir impedimento para que nos esfor
de e solidariedade (subordinação consciente ã vontade do con cemos por reconhecer, com toda a clareza
que hoje é possível, o princípio, que ne-
junto); entre espontaneidade (movimento das massas) e regula
le se manifesta, a aproximação do reino
mentação consciente (disciplina atraves do partido); entre au da liberdade enquanto exigência para o o
tonomia (expressio mais ou menos espontânea da consciência de perário com consciência de classe. E, pr�
classe) e coordenação (forma desta consciência obtida através cisamente porque a formação do partido c�
munista terá que ser obra conscientemente
da direção do partido). levada a cabo pelos operários com cons
ciência de classe, todo e qualquer passo
"O caráter de processo, o caráter em direção ao conhecimento correto é si
dialético da consciência de classe conver multaneamente um passo em dir�ção à reali
_ (22)
te-se, pois, na teoria do partido, no ma zaçao deste reino".
nejar consciente da dialética. Esta dial�
tica ininterrupta entre teoria, partido e Lukãcs tenta situar-se assim a meio caminho da teo
classe, esta orientação da teoria para as
ria do espontaneismo das massas de R. Luxemburgo e dos prin
necessidades imediatas da classe não sig
nifica no entanto a dissolução do partido cípios de burocratização e autoritarismo do Partido. "Procura
na massa do proletariado ... conciliar a visão elitista que Lenin tinha do papel do Parti
A participação ativa de todos os do Comunista, com sua fê residual em Rosa luxemburgo e no Sin
membros da vida cotidiana do partido, a ne 23
dicalismo". ( )
cessidade de se comprometer com o conjun
to da sua personalidade em todas as ações Em suma, a busca do "reino da liberdade", seja, a
do partido é o único meio de forçar a di
construção de Jma sociedade isenta de relações reificantes de
reção a fazer com que as suas resoluções
sejam realmente comp,reendidas pelos mem
bros, convencendo-os do seu acerto, uma
vez que doutra forma não poderiam executá
las corretamente...
(22) Ibidem, p. 335-47.
A separação organizacional nltida
(23) LICHTHEIM, G. As idéias de Lukács, Trad. de Jamir Mar-
entre a vanguarda consciente e as largas
tins. Sao Paulo, Ed. Cultrix, 1970 (Coleçao Mestres da
massas não passa de um momento no preces-
Modernidade), p. 117.
')8
natureza classista, enquanto projeto, necessita, para sua ef! os ensinamentos políticos desta obra, pois a partir de 1927,
tivação, de uma práxis que seja a expressão de uma consciên quando é colocado na prisão pelo fascismo, não lhe é permit�
cia de classe organizada e de uma organização consciente. do consultar os escritos de Lenin. Assim mesmo, Gramsci util�
za e aprofunda o pensamento de Lenin quando escreve os Cader
4.3. GRAMSCI: A QUESTÃO DA DIREÇÃO CULTURAL 25
nos do Cárcere. ( ) Além disso, Gramsci avança em relação a
Lenin, por suas reflexões concernentes ã cultura popular e ã
Gramsci, pensador e politico revolucionãrio marxis ideologia orgânica na dialética intelectual-massa, concebidas
ta italiano, que se valeu sobretudo dos ensinamentos de Lenin como momentos fundamentais na estratégia politica revolucion�
para pensar e decidir politicamente sobre a situação concreta ria. Serã esta a contribuição principal que buscarei no pens�
nacional, sofreu a influência tambêm dos filósofos italianos mento de Gramsci.
neo-hegelianos Benedetto Croce e Giovanni Gentile, em relação
Gramsci, assim como se observou a respeito de Lu-
aos q ?is realizou uma revisão critica, herdando deles também
kâcs, vai travar uma luta contra o positivismo da II Interna-
uma visão humanística e de valorização da cultura.
61
cional, expressando o seu pensamento através de um carãter an consciências teóricas (ou urna consciência
contraditória): uma, implícita na sua
tieconomicista e enfatizando o carãter historicista do mate -
ação, e que realmente o une a todos os
rialismo dialético, fixando-se desta maneira na anãlise polí seus colaboradores na transformação prát�
tica e cultural da sociedade: daí decorre a sua importante CO_!: ca da realidade; e outra, superficialmen
te. explícita ou verbal, que ele herdou do
tribuição para o estudo dos movimentos sociais.
passado e acolheu sem crítica. Todavia,e�
De início, para Gramsci, todos os homens são "filõ ta concepção 'verbal' não é inconseqüen
te: ela liga a um grupo social determina
sofos", isto i, possuem uma filosofia espontãnea, uma concep
do, influi sobre a conduta moral, sobre a
ção de mundo, que se expressa em sua linguagem, no senso co direção da vontade, de uma maneira mais
mum, na religião popular e no folclore. Mas a filosofia en ou menos intensa, que pode inclusive, a
tingir um ponto no qual a contraditoried!
quanto concepção crítica do mundo, enquanto forma de conheci
de da consciência não permite nenhuma a
mento, realiza a crítica da filosofia espontânea, transforman ção, nenhuma escolha e �reduza um estado
do o senso comum no "bom senso". Assim, a filosofia critica, de passividade moral e política. A com
preen�ão crítica de si mesmo é obtida,
ser.do conhecimento e posição política, simultaneamente trans
portanto, através de uma luta de "hegemo
forma-se na verdadeira "filosofia da prãxis", em projeto para nia", de direções contrastantes, primei
o futuro. Todo o pensamento gramsciano dirige-se para o ente_!: ro no campo da ética, depois no da polít�
ca, atingindo, finalmente, uma elaboração
dimento desta dialética entre filosofia espontânea (cultura _ . _ , ( 26)
superior da propria concepçao do real'.
popular) e filosofia critica ("da prãxis"), para o entendimen
to da organicidade entre a massa (o povo) e os intelectuais Para que as classes subalternas emerjam de uma si
(os dirigentes político�) no seio das classes subalternas. tuação de meras reprodutoras do social, e aspirem a atuar em
Gramsci acrescenta, ainda: movimentos que visem não somente a superação de uma situação
,-,., 63
econômica de explorados, mas, acima de tudo, a hegenomia po tamente para "forjar um bloco intelectual-moral, que torne p�
lítica e cultural. ê que toda a revolução ê tambêm um proces liticamente possível um progresso intelectual da massa e não
(
so de construção de uma cultura nova, de uma reforma intelec apenas de pequenos grupos intelectuais". JO)
tual e moral, e exige para esse ato de autoconsciência criti Se, por um lado, uma parte da massa, ainda que su
ca uma organização e dirigentes - os seus intelectuais orgân! balterna, e dirigente, por outro lado, uma camada mais ou me-
cos. nos autônoma e independente - não necessariamente saída do
Gramsci denomina de "catarsis" a passagem do movi - seio das classes subaltern3s, mas identificando-se ideologic!
mer.to puramente econômico (ou egoísta-passional) ao movimento mente com elas, além de não estar comprometida com as mesmas
ético-político, isto ê, a elaboração superior da estrutura em ao nível de suas necessidades - econômicas e imediatas - será
superestrutura na consciência dos homens. Isto significa tam capaz de conceber mais claramente os caminhos do "reino da ne
bêm a passagem do "objetivo ao subjetivo" e da "necessidade ã cessidade" para o "reino da liberdade", tornando-se assim seus
(27) intelectuais orgânicos.
liberdade"_ Neste ponto recorre a Marx, lembrando que "ne
nhuma sociedade se coloca tarefa para cuja solução jã não e O movimento cultural que pretender substituir o se�
xistem, ou estejam em vias de aparecimento, as condições ne so comum e �s velhas concepções do mundo (inclusive as conce2
(28). E
cessãrias e suficientes ... ainda, existindo as condi ções conformistas, de acordo com os interesses da classe do
ções, "a solução dos objetivos torna-se 'dever', a 'vontade' minante), reouer dos intelectuais uma didãtica:
29)
torna-se livre".< Porêm, isto não ocorre mecanicamente. co
1) "Não se cansar jamais de repetir os próprios argumentos (v!
mo algo natural ou metassocial, requer o atuar consciente dos
riando literalmente a sua forma: a repetição e o meio didáti
homens, requer uma "filosofia da prãxis".
co mais eficaz para agir sobre a mentalidade popular".
Por sua vez, a "filosofia da prãxis" exige a unida
2) "Trabalhar incessantemente para 'elevar intelectualmente
de orgânica entre o homem ativo da massa e o intelectual. ju!
camadas populares cada vez mais vastas, isto e, para dar per
sonalidade ao amorfo elemento da massa, o que significa traba
64 65
que intelectual consiste em acreditar que se
lhar na criação de elites de intelectuais de novo tipo,
possa� sem compreender e, principal
surjam diretamente da massa e que permaneçam em contato com mente, sem sentir e estar apaixonado ...
3l)
ela para tornarem-se os seus sustentãculos"_( sem sentir as paixões elementares do po
vo, compreendendo-as e, assim, explican
O processo de tomada de consciência e conquista da do-as e justificando-as em determinada si
hegemonia (para Gramsci a classe revolucionãria deve antes de tuação histórica, bem como relacionando
tudo tomar a direção cultural e moral da sociedade; antes de as dialeticamente às leis da história, a
uma concepção do mundo superior, científ!
ser classe domina�te deve ser classe dirigente e hegemônica ) ca e coerentemente elaborada, que é o ·�
ê constituido pela dialitica intelectual-massa: "o proletari! ber'; não se faz política-história sem a�
do aumenta a consciência de si na medida em que aumenta e en ta paixão, isto é, sem esta conexão sent!
mental entre intelectuais e povo-nação...
riquece sua camada de intelectuais orgânicos ... , mas inversa Se a relação entre intelectuais e povo-
mente, o proletãrio não pode aumentar sua camada de intelec - nação, entre dirigentes e dirigidos, en
tuais orgânicos sem que tenha progredido ao nível da consciên tre governantes e governados, se estabele
ce graças a uma adesão orgânica, na qual
:ia". (32) o sentimento-paixão torna-se compreensão
e,desta forma, saber (não de uma maneira
A dialética intelectual-massa apresenta-se como uma
mecânica, mas vivencialmente), só então a
exigência tambêm para a prôpria "filosofia da prãxis'', enqua� relação é de representação, ocorrendo a
to projeto de revolução cultural das classes subalternas, is troca de elementos individu�is entre go
vernantes e governados, entre dirigentes
to porque:
e dirigidos, isto é, realiza-se a vida do
conjunto, a única que é força social;cri�
"O elemento popular 'sente', mas nem se o 'bloco histõrico' 331
11 !
sempre compreende ou sabe; o elemento in
telectual 'sabe', mas nem sempre compree�
de e, muito menos, 'sente' ... O erro do
66 67
O campo social onde se realiza esta dialética inte tivas, isto i, intelectual",t35}
lectual-massa, e onde se desenvolve o procPsso revolucionãrio, Como Lukâcs, Gramsci tambêm defende a necessidade
será basic.amente uma rede de instituições sociais representa de uma síntese da "espontaneidade das massas" com a "direção
tivas das classes subalternas: o Conselho de Fábrica (forma consciente" {disciplina). Desta maneira supera a teoria do
ção histõrica, nascida pela consciência de si prõpria de uma espontaneismo de Rosa Luxemburgo e Sorel e o sectarismo de
parte dos produtores e destinada a dominar o aparelho de pro Bordiga.
dução), o Sindicato (Associação Voluntãria, que coordena as
Gramsci difere de Lenin, porêm, quando ã função que
forças produtivas e imprime ao aparelho industrial a forma co
atribui ã direção do partido. Enquanto Lenin defende a neces
munista) e o Partido (Associação Voluntária, modelo vivo e di
sidade de uma direção política do partido, recaindo numa prã
nâmico de uma nova conviência social que une a disciplina a
tica de ditadura do proletariado, como momento histõrico na
liberdade). (34)
passagem ao comunismo, Gramsci dâ prioridade ã direção cultu
Como para Lenin, o partido tambem tem por tarefa e ral e ideologia do partido, com a função de obter o consenso
levar a consciência de classe ao nível da totalidade, tem o das massas na conquista da direção moral e cultural da socie
papel de mediador entre a massa e as vãrias instituições in dade.
termediárias, i o agente de transformação do "reino da neces
sidade" em "reino da liberdade", i considerado, em suma, um "Um grupo social pode, e inclusive
intelectual coletivo: "Todos os membros de um partido políti deve, garantir a direção desde antes da
conquista do poder (e essa é uma das pri�
co (devem) ser considerados como intelectuais ... (nele) impo!
cipais condições para essa conquista)
ta a função, que e dirigente e organizativa, ou seja, educa- posteriormente, quando ele estiver no e
xercício do poder, mesmo detendo-o firme
mente, esse grupo, para ser dominante,não
deverá por isso renunciar à sua função di
68
(36)
Gramsci distingue, assim, duas espêcies de ideolo
rigente".
gias:
( através de sua ideologia que um grupo exerce, co� a - Ideologias arbitrãrias, racionalistas, inorgânicas, por
tando com a função de intelectual coletivo de seu partido, a que voltadas para a conciliação de interesses opostos e
hegemonia sobre as outras classes sociais. Para Gramsci, ide� contraditõrios;
logias são concepções de vida, e por isso mesmo são essencial
b - Ideologias historicamente orgânicas, porque são necessi
mente atos políticos. Sua noção de ideologia se aproxima da
rias a uma determinada estrutura; elas organizam as mas
noção de Lukics de "visão de mundo" ou "consciência de clas
sas humanas, formam o terreno sobre o qual os homens se mo
se w . As ideologias não são julgadas por critérios de verdade
vimentam,adquirem consciência de sua posição, lutam,etc.(38).
ou falsidade, mas por sua eficiência em termos políticvs.
Para Gramsci, a "filosofia da prâxis", ê uma ideolo
"Para a filosofia da prãxis, as ide� gia historicamente orgânica, porque ela é a prõpria teoria
logias não são de modo algum arbitrãrias; das contradições da sociedade. E uma ideologia que engloba em
elas são fatos históricos reais, que de
si a crítica das demais ideologias, especialmente daquela da
vem ser combatidas e denunciadas em sua
natureza de instrumentos de domínio, não dominação de classe (superestrutura em prol de grupos domina�
por razões de moralidade, etc., mas prec! tes para obter o consentimento e exercer a hegemonia sobre as
sarnente por razões de luta pol{tica: para
classes subalternas). A "filosofia da prâxis", ao contrãrio
tornar os governados intelectualmente in-
dependentes do� governantes, para des- daquelas ideologias, ê
truir uma hegemonia e criar uma outra, c�
mo momento necessário da inversão da prá
( "a expressão destas classes subalternas,
xis". )?)
que querem educar a si mesmas na arte de
governo e que tem interesse em conhecer
todas as verdades - inclusive as desagra
dáveis - e em evitar os enganos (impossí-
(36) GRAMSCI, A. 11 Risorgimento. Torino, Einandi, 1950,p.70. veis( das classes superiores e, ainda
Apud MACCIOCCHI, Maria-Antonietta. A favor de Gramsci.
ª
Trad. de Angelina Peralva. Rio, Paz e Terra, 2 � ed.
1977, p. 130.
(37) GRAMSCI, A. Concepção dialética da história, op. c1t.
(38} Ibidem, esp. pp. 63 e 270
pp. 269-70.
70 71
39 car melhor a linha possível de desenvolvimento para o futuro.
mais, de si mesmas". t l
O projeto de libertação deverã ser, em Gltima anãlise, um pr�
Portanto, a "filosofia da prãxis", como projeto de jeto de transformação cultural, calcado no respeito ã cultura
ideologia orgânica a favor da libertação das classes subalter popular anterior, mas visando a superação de suas contradi
nas, tem como tarefa a crítica da totalidade das relações so ções de classe. Assim sendo, o progresso e a mudança expres
ciais, iniciando pelo autocrltica da prõpria classe. t neste sam uma dialêtica de conservação e inovação, onde a inovação
sentido que a noção de ideologia orgânica se aproxima da no conserva o passado ao superâ-lo. Toda força inovadora é •con
ção de consciência de classe segundo Lukâcs. servação-inovação", contêm em si todo o passado digno de de
(4l) de
senvolver-se e perpetuar-se. Entretanto, o processo
Todavia, se a "filosofia da prâxis" i uma ideologia
conservação-inovação ê dialêtico, e se realiza como "raciona
crítica das contradições de classe, i ao mesmo tempo uma ex
lidade e irracionalidade", com "arbítrio e necessidade", com
pressao mais ou menos completa destas contradições, ainda que
(42)
"todas as debilidades e as forças da vida". A questão que
sob uma forma consciente. Desta maneira, liga-se ã "necessid!_
se coloca ê de como identificar neste "passado", na "tradi-
de", e não ainda i "liberdade", a qual apenas existe como pr�
çâo", as reais forças para o futuro. Gramsci indaga:
jeto histórico, como utopia. "Isto não significa que a utopia
não possa ter um valor filosófico; ela tem um valor político,
"Mas como identificar a 'verdadeira'
e toda polí�ica i implicitamente uma filosofia, ainda que des tradição, o 'verdadeiro' passado, etc. ?
(4
conexa e apenas esboçada". 0) Em outras palavras, identificar a histó
ria real, efetiva, não a veleidade de fa
Por isso que, para Gramsci, a realização do projeto zer uma �ova história, que busca no pass!
socialista, ou seja, a passagem da "necessidade" (reino das do a sua justificação tendenciosa, 'supr�
estrutural'? ... Aquele grupo que, compre
contradições de classe) para a "liberdade" (superação destas
endendo e justificando todos estes 'pass!
contradições), requer uma prâxis que se debruce sobre as suas dos', souber identificar a linha de desen
próprias contradições passadas, para compreender e identifi- volvimento real - littha contraditória,mas
73
posslvel de superação na contradição - c�
meterá 'menos erro', identificará mais e
lementos 'positivos' sobre os quais apoi-
-
ar-se para criar uma nova historia". (43)
74
o impacto do pensamento de Marx, bem como das teo
Apôs, Touratne, Guattari e Castoriadis situam-se en
rias e prãticas de orientação marxista do início deste sêculo,
tre aqueles que pretendem superar o marxismo ortodoxo e atua
foi dos mais relevantes na formação do pensamento teórico co�
ltzar esquemas de análise dos movimentos sociais em termos da
· ·
temporâneo acerca dos movimentos soc1a1s. A maioria dos teõri
sociedade contemporânea.
cos contemporâneos dos movimentos sociais tem dialogado com
Para Touraine, ê atravês de seus movimentos so-
Marx e com a "pritica marxista revolucionãria", seja para lhe
ciais, enquanto forma de ação coletiva organizada
, que a so
dar continuidade, seja para superá-la ou ainda para se opor ã
ciedade se autoproduz.
mesma.
A especificidade do pensamento de Guattari reside
Considerando que o próprio Marx, bem como uma sele
no fato de privilegiar as revoluções moleculares, isto ê, os
ção de teóricos marxistas clãssicos (Lenin, Lukãcs e Gramsci)
movtmentos que ocorrem em todos os níveis da vida social.
foram objeto deste estudo, resta b uscar na teoria sociolõgi-
ca contemporânea o que de novo fo,. acrescentado ao estudo dos Castoriadis óusca a compreensão dos mecanismos so-
· · cia1s que levam a sociedade a se auto-instituir, ou seja,
movimentos sociais, sob a 0-t,·ca que proponho no CapituJo II. a
compreensão dos movimentos desalienantes e de conquista de au
Assim sendo, as seguintes contribuições me parecem
tonomias.
relevantes:
Para finalizar, buscarei no pensamento de Gutierrez
A de Laclau, que situada dentro de uma linha de in-
sua proposta acerca da prixis de libertação que se associa a
terpretação marxista, tenta aprofundar tema do pensamento
uma reflexão teolõgica libertadora.
gramsciano, ao anal,·sar O movimento da dialética entre povo e
classe, em sua oposição ao bloco de poder.
5. 1. LACLAU: POVO X BLOCO DE PODER
Sigo com a contribuição que Dahrendorf trouxe ã a-
bordagem funcionalista da soci�dade, ao conceber a importân
cia dos grupos de conflito e dos conflitos de grupos na cons- Ernesto Laclau, argentino, tornou-se professor uni
76
77
(com suas implicações culturais) para o entendimento da prã- política e sobretudo ideológica na constiuicão de movimentos
ainda que criticamente, a categoria althusseriana de "ideolo Se uma extensa camada da população, aquela excluída
. ( 1)
gia". do Poder, 1 . e-. , o "povo" ou"setores oopulares", se opõe
Tentando recuperar a importância das dimensões polf conjuntamente ao bloco de poder dominante, pode-se falar de
tica e ideológica na práxis transformadora do social, Laclau classes em luta, não porém de luta de cl�sses. Permanece, to
condena o reducionismo da Segunda e Terceira Internacionais , davia, fiel ao esquema marxista básico, ajuntando que "se nem
por tentarem conceber as superestruturas política e ideolõgi toda contradição pode ser reduzida a uma contradição de elas
ca como um reflexo das relações de produção, numa perspectiva se, toda contradição ê sobredeterminada pela luta de clas-
)
ses" · {Z e orno esta "sobredeterminação" não significa "reducio
tipicamente economicista. Por outro lado, condena também o
que denomina de reducionismo superestruturalista de Lukãcs e nismo", mas "articulação", onde um dos elementos é básico (as
Korsch, nos escritos em que estes tomam a "consciência de elas relações de produção), atribui prioridade aos discursos ideo
se" como o momento fundamental na constituição da classe como lógicos de classe, os quais podem ser associados a discursos
Portanto, serã a capacidade de uma classe de articu O populismo, enquanto discurso politico-ideoló91co
lar, ao seu discurso de classe, as interpelações e contradi das classes dominadas, serã para Laclau a práxis por excelên
cia para o confronto com o bloco de poder, e a possibilidade
ç}es não class1stas de outros grupos ou classes, que lhe ga
objetiva de realização de um projeto socialista. Se bem que o
rantirã a heqemonia.
�utor tambêm concebe um populismo das classes dominantes, co-
"Uma classe é hegemónica não tanto mo por exemplo o nazismo, onde as interpelações ideológicas
na medida em que é capaz de impor uma con não classistas se valerão do racismo para a unificação de
cepção uniforme do mundo ao resto da so
ciedade, mas na medida em que consiga ar
ticular diferentes visões de mundo de for
ma tal que seu antagonismo potencial seja
an fj l
seu discurso politico-ideolôqico. nos níveis ideológico e político, de interpelações de contra
Para o caso das classes dominadas, especificamente dições classistas com outras não classistas (mas nem por isso
a classe operária, a sua luta pela hegemonia consiste em arti menos relevantes) na consecução unitãria de um movimento em
cular a ideologia popular-democrática (do conjunto do "povo" prol da superação de uma situação de dominação social.
oprimido) ã ideologia soci�lista (projeto de transformação).
"No Socialismo, por conseguinte , Dahrendorf iniciou sua carreira escrevendo um estu
coincidem a forma mais elevada de 'popu do sobre Karl Marx (seu trabalho para licenciatura, em 1952).
lismo' e a solução do último e mais radi
Preocupou-se, a seguir, com os temas da liberdade e da igual
cal dos conflitos classistas. A dialéti
ca entre o povo e as classes encontra, aí, dade social, efetuando uma revisão critica das teorias marxis
o momento final de sua unidade: não há s� tas e não marxistas sobre as classes sociais. Como resultado,
c1al1smo sem populismo, mas as formas mais
elevadas de populismo só podem ser socia
tenta formular uma teoria sistemática que estabelece um elo
listas ... Somente quando conseguir desen entr� a dialética de Marx e a teoria do sistema de Talcott
volver sua capacidade articulatória e guE' Parsons. O result�do foi sua "teoria do conflito".
n !"nc-1a l ismr- se torr,ara• hegemonico
- . " ( 7)
82 d 1
Dahrendorf estuda os grupos de conflito no interior d) os interesses do grupo dominante sao valores que
do que denomina de "associações imperativamente coordena - constituem a ideologia da legitimidade de seu comando, enqua�
das". { S} Em sintese, os seguintes pressupostos podem ser ex to os interesses do grupo subjugado constituem uma ameaça a
traídos de seu modelo de anãlise: esta ideologia e as relações sociais que ela reveste; {
ll)
a) a distribuição da autoridade nas associações e a e) os interesses podem ser latentes { correntes sub-
última "causa" da formação de grupo de conflito; e jacentes de seus comportamentos ) ou manifestos (rea 1 idades
b) sendo d1cotõmica. ela e, em qualquer associação, conscientes nas mentes dos ocupantes de posições de dominação
c) um de dominação, caracterizado por um interesse gentes do conflito de grupos, tem uma estrutura, uma forma de
na manutenção da estrutura socia l que l he confere autoridade; organização um programa ou objetivo e uma equipe de mem-
84 as
A dicotomização dos grupos de conflito serve a fins teresse nao pode ser formados ... Para que
um grupo de interesse organizado surja de
analíticos gerais. Porém, pode-se indicar uma limitação deste
um quase-grupo, há que haver certas pes
aspecto metodológico em Oahrendorf, para a apreensão concre soas que se ocupam de sua organização,que
ta da complexidade de relações sociais de poder, a que gru a implementam na prática e que a5su�am a
liderança. Todo partido tem seus fundado
pos, e particularmente indivíduos, encontram-se submetidos.
res ... Os organizadores são um dos elemen
Outra ressalva que se pode fazer ã metodologia de tos fermentadores e não o ponto de parti-
- (14)
da ou causa da organizaçao".
Oahrendorf prende-se ao fato de privilegiar a anãlise dos in
teresses manifestos e dos conflitos decorrentes. Parece que a " Um documento constitutivo não é
Sociologia tem se debatido no sentido de contribuir para a e! um processo automático... (são valores
que) consistem do que temos chamado de
plicitação do social justamente através da busca dos mecanis
'interesses �anifestos' ... os interesses
mos sociais não manifestos, não apõrentes para o �enso comum manifestos são programa� formulados (ou
(latentes). pelo menos formuláveis) e articulados
Tem de haver uma pessoa ou circulo de pe�
Oito isto, parece-me que a grande contribuição de soas que se dediquem à tarefa de articul�
Dahrendorf encontra-se no fato de (assim como Aron, Gluckman, ção e codificação, ou, alternativamente ,
deve existir urna 'ideologia', um sistema
Gert, Mills e outros) trazer para o neofuncionalismo elemen
de idéias, que num caso dado seja capaz
tos para a compreensão do papel dos conflitos e das lutas so de servir de programa ou documento consti
(15)
ciais na construção e reconstrução da sociedade. tutivo do grupo".
86 87
16 "Dentre estas encontramos as condi-
fluxos sociais oara a mudança.
ções de comunicação entre os 'membros' de
Ouanto ãs condições políticas de organização, Oah quase-gruoos enfatizada oor Marx no caso
l
dos camponeses franceses. ( S) Se um agre
rendorf ajunta que:
gado dentro de uma associação pode ser
descrito como uma coMunhão de interesses
"O Estado totalitário é provavelmente
latentes, dispõe também das possibilida -
a ilustração mais clara de uma situação
des técnicas e políticas de organização,
social em que essas condições não são pr�
mas está tão espalhado tonolóqica ou eco
enchidas e na qual, consequentemente, gr�
logicamente que uma ligação regular en
pos de interesse, pelos menos de oposi
tre os membros do agregado não existe ou
ção, não podem surgir, a despeito da pre
só pode ser estabelecida com grande difi
sença de quase-grupos e de interesses la
culdade, então a formação de um grupo de
tentes, Onde nao se oermite a multiplici
interesse organizado será extremamente
dade de partidos conflitantes se reprime 9
improvável em termos empíricos". <1 >
seu surgimento rela ausência de liberdade
de coalisão e por força policial, os gru
pos de conflito não se podem organizar?re! Neste argumento encontra-se o pressuposto de Oahren
mo se todas as condições para sua organi dorf sobre a necessidade de existência de condições propi-
(l?)
zação estiverem presentes".
cias oara que os interesses latentes se transformem em inte -
Segundo este ponto de vista, o modelo de Oahrendorf resses manifestos (o que para o autor corresponde ã nocão de
destina-se ao exame dos movimentos sociais, principalmente consciência de classe em Marx), para a constituição de um qr�
nas sociedades democrãticas, excluindo-se como objeto de anã oo de conflito.
lise os movimentos clandestinos ou semiclandestinos. Portanto, Oahrendorf orienta-se primordialmente pa-
Sobre as condições sociais de orqanização assim se ra o estudo de movimentos sociais especificos, aqueles que
manifesta: ocorrem nas sociedades industriais, democrãticas ou com aber-
88 89
tura política suficiente para permitir a organização de 9ru
oos de conflito antanônicos (daqueles que têm a posse de auto 2 l)
sao a trama da sociedade"{ , isto e, "são as forças cen
ridade e daqueles que se encontram excluidos do exercicio da trais que lutam umas contra as outras para dirigir a produ-
autoridade). ção da sociedade por ela mesma, a ação de classe pela direção
pa da historicidade 11{22 )
Concluindo, parece-me particularmente relevante
ltados a que Oa h-
ra O estudo dos movimentos sociais, os resu Assim como Oahrendorf, Touraine também considera
, da coerção e
rendorf cheqou quanto ã ubiqôidade do conflito insuficiente e inadequado iniciar o estudo da sociedade pela
da organização so-
da autoridade (poder) em todos os niveis "ordem social"; em primeiro lugar vem o trabalho que a socie
de sociedades glo
cial, quer se trate de qrupos restritos ou dade realiza sobre si mesma, guiada pelo que denomina de sua
91
o pelo "Dizer que não há classe sem cons
"Um campo cultural dilacerad
ciência de classe I não significa �ue as
apropriam da his
conflito daqueles que se atitudes operárias reduzem-se à sua cons
que se sub�etem
toricidade contra aqueles ciência de classe. Pois um grupo de oper�
uma reapropr!
à sua dominação e lutam por rios não se define apenas por sua situa
icidade, da pro
ação coletiva desta histor <23) ção de classe, por seu lugar num sistema
mesma" -
du-:ão da sociedade por ela de nrodu�ão; ele tem também uma situação
nacional, ool!tica, reliqiosa, etc., ele
as ses s ociais a par
tir d a
Neste sentido, trata as cl encontra-se em situação econômica favorá
igente
: aquela de uma cl ass e dir vel ou desfavorável e sua posição de elas
roç ao de uma duela dialética se nem sempre é a mais 1 m�ortante oara um
contra uma
historicida de) e que luta
(que se identifica com a
(25>
dado qruoo"
a em no
se opõe ã ordem es tabelecid
classe contestatõri a (qwe
e aquela
e e pel a sua libertação); Touraine vai mais alêm ainda. A consciênci a de elas
me de uma nova historicidad
histori-
e transforma a direção da - �orêm, uma "his -
se tem uma história. Uma histõria que na-o e,
de uma classe dominante (qu
de s11a de-
nismo de sua reprodução e -
tória natural". t, sim, a historia dos orõprios movimentos
cidade em ordem e em mec a
expropr�
oõe ã clas se dominada (e na produção do social. Se no sêculo XIX a consciência e as
fesa como tal) aue se contra
t anto, as
i al que se es tabelece). Por lutas s ociais expressavam as contr adições de uma sociedade di
ada em função da ordem soc
campo
s se sit uam tan to num campo cultural quanto num lacerada oelos conflitos no campo das relações de produção,on
cla sse
polit�
produção. São t anto atores de o socialismo se apresentava como o orojeto para a supera-
�e tonflito de relações de .
- . s (24). Neste ponto T oura1ne se
aoP nte s eco nom 1co �ão da ooress ão, "hoje ê no campo da cultura que se formam as
ros. qutlnto
i e tam - ( 6
principais contestacões" 2 ) , ond e os novos projetos são
social assumida por Gramsc de
aproxima da concepção do
mente no
ôn non tn de vis ta ass umido por Laclau, orincipal "uma soeiedade que se responsabiliza por si mesma" ( 27). Acres
bém
define
de de relações sociais que
que conrPrne ã multiolicida
�ia dos qrupos sociais:
a consr1éncia e a ideolo
94 95
Naturalmente, Touraine estã voltado em particular nuanto aos movimentos regionais, de defesa de cri
para a anãlise das sociedades pós-industriais, sociedades pr� ses regionais !)assam gradativamente a se constituir em movi
qramadas. Porem, como no mundo moderno as fronteiras i 'terna mentos pelo desenvolvimento reqional autônomo ou oela libert!
cionais entre as sociedades pós-industriais e as em processo ção nacional, colocando, !)ois, em questão as formas de domina
de industrialização tornam-se cada vez mais tênues com a pe- ção econômica e politica.
netração da economia, da tecnoloqia e dos valores culturcis
Enfim o movimento antinuclear, que também denomina
daquelas nestas, sente-se o fluxo dessas novas formas de misé
de ecologia politica, é o que possui o maior poder revolucio
ria e O nascer desses novos movimentos sociais também nos pai
nãrio, pois contém em si a denúncia da crise dos valores in
ses em via de desenvolvimento.
dustriais e a duvida acerca dos efeitos benéficos da ciência
oã-se, assim, a formação de novos movimentos so- e da tecnologia. Inicia pelo receio quanto as conseqOências
ciais, na busca de novas formas de viver. Dentre estes, Tou - nefastas da e�erqia nuc,ear e passa ã luta contra o ooder nu
raine considera particularmente importantes, pelo seu poten clear e as novas formas de dominação tecnológica.
cial de transformação do devir, aqueles que se manifestam em Portanto, em todos eles "opera-se a mesma passagem
três domínios principais: o movimento das mulheres, os movi - duma ação de defesa ã contestação de um poder, da afirmação
mentas reqionais, e o movimento antinuclear. de uma identidade ã denúncia duma relação de dominação"(]Z)_
nuanto ao primeiro, se exoressa inicialmente como
Outra particularidade dos novos movimentos sociais,
0 "feminismo", sob a forma de lutas reivindicatórias em prol aoontada por Touraine, refere-se as suas formas de organiza
da liberdade e da igualdade (como pelo direito ao voto, pela .ção, menos centralizarloras do que no movimento socialista, i�
iqualdade de salãrios etc). Num sequndo momento, surge o •mo vocando sempre a participação democrática e livre da� bases,
vimento das mulheres", que não procura apenas defender os di
não na dependê11cia de um partido d!? vanquarda, mas na procu
reitos das mulheres "mas sublevá-las.contra o sistema de domi ra da autogestão da coletividade. T�mbem não possuem como pr�
nacao que produziu a mulher como ser dependente e o homem
jeto a utopia de uma sociedade futura onde "reine a liberdade
. - ,. ( 31 )
como aqente de dom1nacao . e a igualdade". Procuram conquistas imediatas neste terreno ,
9ó 97
pois, conforme afirma Touraine, "ê a9ora que ê preciso acabar comandam a produção da organização so-
. d o tar de (33) cial.
com o poder nuclear, amanha- sera_ demas1a
0
o se�uinte trecho de Tour ine sintetiza suas ideias Sobretudo, no modelo socialista, o
movimento operário estava subordinado à
acerca da prãxis, do projeto e do nivel de consciência dos no
ação política, ela nrónria submetida a
vos movimentos sociais, bem como da fo rma ºela qual se distin uma teoria da sociedade, enquanto os no
nuem do movimento socialista do passado: vos movimentos pretendem ser indeoenden -
tes das forças po1Iticas e criar nor si
mesmos o seu próorio sentido, em lugar de
"Recordamos a análise do movimento
por isso se submeter a intelectuais e a
socialista. Este assenta em três princí
anarelhos. Hoje como ontem, os homens fa
pios: é a reoresentação política do movi
zem a sua história, Mas agora sabem que
mento operário, invoca a intervenção do
a fazem. Sabem, também, que a sua ação
Estado contra a propriedade privada dos
não levará à nassagem, progressiva ou bru
Meios de nroduçio; julga ir no sentido da
tal, do reino da necessidade para o da l!
história e preparar os amanhãs da felici
herdade. Jamais existirá naraíso reencon
dade. Hoje, pelo contrário, os movimentos 134 l
trado ou fim da história" .
sociais oue anarecem em diferentes dom! -
nios já não são forMas de defesa dos tra
balhadores contra os senhores da indús Em suma, ressalta-se no pensamento de Touraine sua
tria, mas de defesa do núblico contra os busca de entendimento das formas do a9ir social para que o
anarPlhos de qestão �ue tem o poder de mo
homem faça a sua própria história, oara aue a socied�de se
delar a orocura dos seus interesses; já
não invocam a intervenção do Estado, pelo produza por ela mesma. Formas estas que nao sao metassociais
contrário reivindicam a autonomia e a au mas que, por sua vez, expressam inualmente um temno históri
togestào das unidades sociais de base; f!
co. Esta ação da sociedade sobre ela mesma se dá através da
nalmente já não falam em nroaresso e em
futuro radiosc, mas nretendem organizar a ação dos movimentos sociais (ou seja, duma conduta coletiva
oartir de hoje uma vida diferente, agindo organizada dum ator de classe lutando contr� o seu adversário
sobre as escolhas sociais e políticas que
de classe, pela direção social da historicidade num� coletivi
5.4. GUATTARI: A RFVOLUCÃO MOLECULAR alternativas para se entender o · d",v,·du o em suas relações so
,n
ciais e para se buscarem as o o ssibilidades de f o rmaçã o de n o
------- --
(35) TOURAINE, A. La vo1x et le regard, op.
cit. , o. 35. Para
o autor, mais imoortante do
que situar as classes a par
, ê redefini
tir de seu luqar nas relações de producão (38) DHEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Caoitalism o et Schi
sua ação de elas
las a nart1r dos movimentos sociais, de z�phrénie - L'Anti-Oedipe. Paris. fd. Minuit, 1972. Edi
se. ca o Brasileira: Cao,talismo e Esquizofrenia - o Anti-(ôi
(36) TOllRAINE, A. O oós-s o cial1smn. op. cit., p. 68. po. Rio de JanPiro, íd. tmao o, 1976.
(37) Ibidem. o. 222
101
100
zação que e feita de uma teoria. Não se pode, portanto, dei fundamentais.
39
xar de lado a atualização do marxismo e do freudismo"( )_ P! A primeira é de que a sociedade capitalista, com
ra O autor, o movimento comunista, o movimento psicanalítico seus valores burgueses, oprime os desejos dos indivíduos, e
e a Universidade não sõ têm reproduzido ortodoxamente o mar- somente através de movimentos de base, que ultrapassem os va-
xismo e O freudismo, como também têm neutralizado o que de P� rios níveis do cotidiano individual, estes desejos poderão
tencial revolucionãrio hã nestas correntes, tornando-se atê ser li6erados.
os guardiões da ordem estabelecida.
A sequnda é que tanto o desejo quanto a repressão
E a partir de uma estratégia que inclui a luta de são expresões de uma sociedade real e, portanto, são elemen -
classes de um lado, e a liberação dos desejos de outro, e que tos carregados de historicidade; não são, pois, cateqorias Q!
contêm os germes de uma nova revolução social, que Guattari rats que podem ser transponiveis de uma situação para outra .
constrói um modelo teórico-prático como uma continuidade-de�
A terceira ê que as situações históricas do fascis
continuidade em relação a Marx e a Freud: "Pedaços de marxis
mo e do capitalismo deram ori9em a mecanismos de repressão e
mo podem e devem contribuir para uma teoria e uma prãtica que
de controle tão generalizados e tão potentes, capazes de neu
vai na direção do desejo; pedaços de um freudismo podem e de-
tralizar os efeitos de todos os movimentos sociais tradicio -
. elas-
vem contribuir para uma pra-t 1ca re1a t,· va a- luta de nais .
40
ses"( )_ Por traz desta postura situam-se algumas questões
A quarta questão se refere a um novo tioo de revolu
ção social que se torna necessãrio e finalmente possível, uma
revoluçao que rão se volte unicamente aos aoarelhos ooliti-
(39) GUATTARI, Felix. Revolução molecular: pulsações políti cos, mas que questione todas as en9renaoens duma sociedade ,
cas do desejo . Trad. de Suely Bel;nha Rolnik. São Paulo,
. mesMo as mais moleculares: �revolução MOlE:cular.
Ed. Brasiliense, 1981, p. 76. Tra ta-se de tradução realj_
zada a partir de 1! edição de "La Revolution Molêculaire� As reflexões de Guattari são oermeadas, pois, per
da Editions Recherches, Paris, 1977. A 2! edição da mes
um ouestionamento sobre as imnlicações do fascismo e do capi-
ma obra, pela u G E, Col. 10/18, 1980, ê ao mesmo tempo
condensada (por excluir cap1tulos sobre as questões se talismo na sociedade e sobre as inoperâncias dos movimentos
miõticas) e aumentada (por incluir outros sobre aspectos tradicionais para combatê-las.
da revoluçao molecular). Portanto, esta 2! ed., segundo
0 original francês, foi também objeto de revisão �ara es O fascismo permanece na sociedade atual. A micropo-
te ensaio.
(�O) Ibidem. o. 77. , 'l l
\p_'
4l
lítica que deu origem a Hitler continua com vida no cotidiano jo de viver e mudar o mundo"( ).
e no seio de instituições, tais como a família, a escola, os
sindicatos, os oartidos, etc. O maquinismo fascista totalitã O fascismo e o capitalismo associam-se em suas for
rio cerceia as reais manifestações de desejo dos indivíduos , mas de controle social, porém a mãquina totalitãria caoitalis
em todos os níveis. E na ausência do desejo, a eneroia se au ta, além de caotar a eneroia do desejo dos trabalhadores, vai
toconsome sob a forma de inibição e de anaustia. A enerqia mais além ainda em seu esforço para dividi-los e para podar
biolÕoica - a libido - é anestesiada e a liberacão do desejo todas as ameaç�s de movimento de massa, estendendo sua pró-
n�o se darã espontaneamente. Requer uma microoolitica do dese pria visão de mundo oara todas as classes sociais e penetran
io, um movimento, uma luta social (mas que seia individual ao do nas su6jetividades individuais. "Aos meios tradicionais de
mesmo tempo) para a sua realização. Guattari denomina este coerção direta, o poder canitalista não nãra de acrescentar
1r1 1 (;"
(os países do bloco soviético, a China) e 44
traria estas Gltimas umd energia inimaginivel"( )_
por�ue tende a fazer com que nenhuma ati
vidade humana, nenhum setor da produção f! De fato, Guattari acredita que a luta pelo libera -
que fora de seu controle."
ção dos desejos em seus vários níveis, e a cadeia de relações
" ... para se assegurar do controle
social e mental de todo este mundo do co que se estabelecer entre estes vãrios níveis em luta, incluin
tidiano e do desejo, o capitalismo mobili do-se ai aquelas que ocorrem ao nivel da luta de classes, e
za meios gigantescos C 43)
11
...(43)
---- - -- - -
Ibidem, p 210 e
GUATTARI, Fê lix. La révolut1on moléculaire. Paris, Union (44) GUATTARI. F. Revolução molecular: pulsações políticas do
Gcnerale O'Edit1ons. Cal. 10/18, 1980. desejo, op. cit., p. 44.
(45) 1 b i d em , p . 221 .
1011
107
ções, das atitudes repressivas dos mili Em termos estratégicos, Guattari visualiza a revolu
tantes com respeito as suas mulheres,seus
ção através da multiplicação ao "infinito" destes grupos de
filhos etc.; seu desconhecimento do pro -
blema do cansaço, da neuras�, do de1Irio,
luta:
se não passarem ao centro das preocupa
ções políticas, ao menos forem considera "Em cada fábrica, cada rua, casa e�
das como sendo tão importantes quanto cola. Enfim, o reino das comissões de ba·
qualquer tarefa da organização; tão impo� se! ... Num grupo de base, pode-se esperar
tante quanto a necessidade de se afron recuperar um minimo de identidade coleti
tar com o poder burguês, com o patrão, va... t preciso antes de mais nada acabar
com a polícia ... A luta deve ser levada com o respeito pela vida privada: i o co
em nossas próprias fileiras, contra nossa �eço e o fim da alienação social. Um gru
própria polícia interior. Não se trata a� po analítico, uma unidade de subversão de
solutamente de um� secundário, como sejante não tem mais vida privada: ele es
alguns maoistas consideravam, de uma luta tá ao mesmo tempo voltado para dentro e
complementar de objetivos marginais. En para fora, para sua contingência, sua f1
�uanto se mantiver a dicotomia entre a lu nitude e para seus objetivos de luta"(4B)
ta no front das classes e no iront do de-
seja, todas as recuperações continuarão
. 11 ( 46) Por outro lado, abandona-se a ideia de um projeto
passiveis
que contenha uma utopia de uma sociedade livre para um futu
Novas formas de or9anizaçao serão, pois, necessã- ro remoto, segundo os moldes do socialismo tradicional. Pen
rias, onde haJa um maior respeito� autonomia e ã singular1d� sa-se muito mais numa prãxis transformadora que se inicie ag�
de de cada um dos seus componentes; onde os métodos não sejam .ra e em todos os níveis, em que o projeto seja o da liberação
programáticos, mas diagramáticos, isto é, que nao invalidem crescente no front do desejo e no front das classes. Uma
as real idades continqentes e as s1ng1Jlaridades da ordem do de transformação que seja social e que seja individual ,que trans
sejo (
47}
. forme os homens, mulheres e crianças desde agora, superando e
confrontando a cada passo a mâquina burguesa, e construindo
os indícios de uma sociedade alternativa. O próprio Guattari
108 1 [)q
assim, conclui: com o peculiar marxismo adotaoo pela URSS e satélites, o le
vantamento histórico e a crítica em profundidade (muito disc�
"Os aspectos 'visíveis' da grande
5 )
crise atual são indissociáveis de seus as tida) destas sociedades como puramente militares ... "( 0 _
pectos inconscientes. A revolução social
Em suas obras mais polêmicas, a "A instituição ima
do futuro será também molecular ou nao se
5l)
fará. Ela será permanente, ela engajará ginária da sociedade" e "Diante da guerra"( , expressa seu
lutas as mais cotidianas, ela implicará rompimento com o marxismo vrtodoso e sua crítica radical ao
uma análise constante de formação de dese
que concebe como a "perversão totalitária soviética··. Tem a
jos que concorrem a sujeição aos poderes
participantes do sistema atual, ou será convicção de que todo o pensamento herdado (no caso, refere
necessariamente recuperada pelo Estado e se ao pensamento de Marx e ã uti I ização deste pensamento sob
1491.
as burocracias"
forma de ortodoxia) ligava-se e mantêm-se ligado ao mundo
que o produzira e que havia contribuído para a sua formação.
5.5. CASTORJADJS: A AUTO-INSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE Todo o pensamento reflete, portanto, em maior ou menor grau ,
as próprias tendências da instituição da sociedade. Duvida,
pois, da utilidade deste marxismo para o entendimento da so
Cornelius Castoriadis, filósofo grego naturalizado
ciedade contemporânea, criticando, principalmente, os campo -
francês, tem se destacado pela importância e abrangência mul
nentes positivistas deste pensamento. A utilização, sob forma
tidisciplinar de seus escritos, nas ãreas filosófica, políti
de dogma, das leis positivistas do mõrxismo, aniquilou todo
ca, económica, psicanalítica e lingüística. "A história part!
o potencial realmente revolucionâr10 dos movimentos políti-
cular de Castoriadis registra a militância comunista, flertes
cos tradicionais. Aliãs, para CastoriaJis, toda a política
com o anarquismo, a edição - junto com Claude Lefort - da po
lêmica revista 'Socialismo ou Barbárie' (em 1946 - e a sua
direçao até 1966, ocasião de sua d1ssoluçio), o rompimento
(50) CASTORIADIS, C. Depoimento. ln: Folhetim (Folha de São
Paulo), de 5/9/82. p. 6.
(51) CASTORJADJS, r.. A inst1tu1çio imaginária da sociedade
('19) t;IJATT/\RI, F. 1,1 révolution moléculaire, op. cit. p. 378. Trad. de Guy Reynaud e rev. téc. de L.R. Salina Fortes.
Rio, Paz e Terra, 1982; Diante da guerra. Trad. de Car
los Nelson Coutinho. Sio Paulo. Frl Rr��iliPn�P 1982.
1 l
111
tradicionalmente instituída estã condenada: vir a existir como resultado de uma história pensada e feita
como tal pelos homens em geral, isto e, que se faça explicit�
"A política tradicional está morta.
mente como auto-instituição: o que denomina de "revolução so
Não como realidade, pois sobrevivem os
Estados, os partidos, etc., embora com o cialista".
apoio restrito entre as populações nacio
E, ainda mais, a ideia de que este "projeto socia
nais. Está morta porque dela não podemos
esperar mais nada. Transformou-se, há mu! lista" não serão fruto de uma técnica ou de um Saber Absolu
to tempo, em um simples gerente dos sis- to (isto é, de uma teoria acabada e definitiva que supõe a
temas estabelecidos, e um gerente inca-
inevitabilidade histórica do socialismo, conforme propagada
paz. Ela está morta para quem ainda se
inspira nos grandes movimentos libertá pela tradição comunista); trata-se, porem, de uma possibilida
rios da humanidade e visa uma transforma- de e de um modo de criação social-histórico: a prãxis.
-
çao radical da sociedade" (52) .
"Chamamos de práxis este fazer no
� na crença sobre as possibilidades desses movimen qual o outro ou os outros são visados co
tos de libertação que Castoriadis se detém em seus estudos. mo seres autônomos e considerados como o
agente essencial do desenvolvimento de
suas anãlises se orientam tendo por base o seguinte conjunto
sua própria autonomia...
de ideias (selecionadas como relevantes, .segundo a ótica de
A práxis é, por certo, uma ativida
meu trabalho). de consciente, sô podendo existir na luci
dez; mas ela é diferente da aplica ção de
Inicialmente, a ideia central de que a rea 1 i zação
um saber preliminar ... Ela se apoia sobrr.·
de um projeto de transformação radical da sociedade contempo- um saber, mas este é sempre fragmentário
rãnea compreende a conquista de dUtonomias, tanto no plano e provisório. � fragmentário, porque não
pode haver teoria exaustiva do homem e da
individual quanto no coletivo. história; ele é provisório, porque a pró
Adicionalmente, a ideia de que a sociedade autônoma pria práxis faz surgir constantemente um
novo saber, porque ela faz o mundo f�lar
do futuro, livre de heteronomia do presente, somente poderã uma lin�ualem ao mesmo tcffipo s1n9ular e
53
universal" ).
de seu engajamento neste novo fazer. Neste sentido, o mundo social; ou ainda, a capacidade de alterar a sociedade consti
histõrico ê o mundo do fazer humano, onde "os homens tentam tuída, com suas heteronomias e formas de alienação, institui�
4
pensar o que fazem e saber o que pensam"(S ). do uma nova sociedade que respeite a vontade democrãtica.
O projeto é um elemento da prãxis, é uma intenção E n�cessãrio remarcar que, para Castoriadis, o
de transformação do real, qur contém uma representação do sen "imaginário" está na raiz de todo o social-histõrico, seja no
tido desta transformação (o ideolõgico e 0 imagi11ãrio). Um social instituído, com suas heteronomias e formas alienantes,
projeto serã revolucionãrio quando se propõe a reorganizar e seja na auto-instituição social. O imaginário é o conjunto
reorientar a sociedade através da ação autônoma dos homens. de siqnificações do social, significações estas ora irracio
Assim sendo, o projeto de revolução socialista pressupõe a nais ora racionais. O autor define o imaginário como:
autonomia enquanto meio e enquanto fim da criação social-his
"Uma criaçio incessante e essencial
tórica: "visa a transformação da sociedade pela ação autônoma
mente indeterninada (social-histórica e
dos homens e a instauração de uma sociedade organizada para a psíquica) de figuras/formas/imagens, a
autonomia de todos"(SS). partir das quais somente é possível fa
(SG).
lar-se de 'alguma coisa'
Para Castoriadis, a autonomia ê diferente da liber
(Uma criação imaginária) age
dade abstrata encontrada, segundo este, atê mesmo no pensame� na prática e no fazer da sociedade consi
lo marxista. A autonomia, no plano individual, é a possibili- derada como sentido organizador do compoE
dadc do domínio relativo do consciente sobre o inconsciente tamente humano e das relaç6es sociais i�
derendentemente de sua existência 'par1 a
consciência' desta sociedade" ).
(S?
Cont. ·
Op. Cl t . , pp. 9 4 - 5.
56} Ibidem, p, 13.
(:ili} lh1de111, f L 14. (
(�7) Ibidem, p. 171.
(S!i) !t,1dcm, p. llb.
11,l 1 1 t,
o imaginârio é, portanto, parte constituinte da or efetivamente o social de uma certa forma. O autor nota que,
ganização (ao nível do pensar e do fazer) de toda e qualquer mesmo se observarmos as transformações socia,s nos últimos
sociedade. Distingue-se, todavia, da ideologia. cento e cinqüenta anos, veremos que os problemas destas foram
colocados não por ideólogos ou reformadores, mas sim por ime�
"Sõ hi ideologia quando há tentati
sos movimentos coletivos. Isto não quer dizer que a ideologia
va de justificação 'racional' ou 'raciona
lizante' dos objetivos de um grupo ou de não tenha, para Castoriadis, nenhuma função na transformação
uma classe (quer se trate de conservar o social. O que ocorre ê que, nos movimentos sociais concretos,
estado das coisas existentes ou de modifi ela vem articulada ao imaginârio, num só discurso e numa mes
cá-lo) ... Há ideologia quando a justific�
tiva do estado de coisas existentes (0u ma ação. Considerando também que o encaminhamento de um proj!
dos objetivos de um grupo, classe, etc.) to revolucionãrio requer uma elucidação do real, que inclua
desenvolve-se como 'argumentação', a uma contestação sobre um passado que não satisfaz e uma pro
qual, por isso mesmo, aceita submeter-se,
pelo menos, exteriormente, a um controle jeção para um futuro modificado, a respectiva práxis de auto
'racional', a uma crítica, a um confronto criação da sociedade dar-se-ã através da articulação de um
com os fatos... discurso político ou teórico com o movimento dos homens.
Caso contrário, torna-se simplesme�
te um corpo de crenç.as que como todos os
"A autotransformação da sociedade
corpos de crença na história - apresenta
diz respeito ao fazer social - e, portan
se�pre também argumentos 'reais' e 'ra
to, também político no sentido profundo
cionais' (ex.: a magia)... (onde) há um
do termo - dos homens na sociedade e a na
esquema imaginário nuclear de organização
, 158) da mais. O fazer pensailte e o pensar poli_
do mundo (social e 'divino l ...
tico - o pensar da sociedade como se fa-
zendo - é um componente essencial dis-
59 l
o imaqinário ê, entretanto, o elemento nodal de to- so ., ( .
to o representar e fazer histórico, pois é ele que organiza
Quanto ao problema da organização destes movimentos
116 11 7
sociais autônomos em suas práxis e em seus projetos. Casto-
ciedade contemporânea romper com os esquemas de opressao e
alienação humana decorrente do capitalismo, e construir uma
riadis crê na necessidade da união de forças dos diferentes
nova sociedade mais livre (no sentido de que os homens façam
movimentos para fazer frente ao poder constituído.
a sua própria histôria, segundo as suas possibilidades, sua
"Quanto às políticas 'alternativas' consciência e seus desejos}. Porém, Castoriadis, mais do que
sempre escrevi sobre a sua importância Touraine e Guattari, chama a atenção para a necessidade de ar
o movimento dos jovens, das mulheres -
ticulação das várias forças parciais, a fim de se criar uma
pois ressaltavam aspectos problemáticos
da ordem existente que o movimento operá correlação de forças maiores para contrapor â dominação insti
rio tradicional, deixava de lado. Mas per tu1da. Isto também porque uma nova sociedade autônoma impli
siste um grande problema: continuo pensa�
ca num novo modo de viver, num novo modo de i�stituir-se, o
do que uma atuação política deve levar em
conta a globalidade da organização so que sõ pode ocorrer a partir da destruição das formas heterô
cial. Estes movimentos alternativos não o nomas e alienantes do viver na sociedade instituída sob o ca
fazem. Seus militantes e simpatizantes a
pitalismo contemporâneo.
creditam que se agissem dessa maneira, re
cairiam na política tradicional. e um er
ro. Não se deve pensar, é claro, na cons a instauração de uma história
tituição de partidos no esquema tradicio onde a sociedade não somente sabe, mas se
nal, mas na união de todos esses movimen faz como auto-instituinte explicitamente,
tos para uma transformação do poder nesta implica uma destruição radical da insti -
sociedade, pois esta é a questão central. tuição conhecida da sociedade até seus
Reinvestir a coletividade com este poder recônditos mais insuspeitados, que só po
que hoje está separado e repousa no apar� dr ser como posição/criação não somente
(60) de novas instituições, mas de um novo mo
lho de Estado ou nos partidos"
do do instituir- ;e e de uma nova relação
soc1�l da sociedade e dos hom��s com a
Castoriadis, assim como Touraine e também Guattari. . . .. , < 61 l
1nst1tu1cao'
atribui ao fortalecimento da sociedade civil, através da cria
ção de movimentos sociais autônomos, a possibilidade da so-
119
118
Concluindo, Castoriadis acredita na existência de clusão neste ensaio.
um projeto coletivo par� a conquista de autonomias. Isto por- Alguns autores atribuem os antecetendes de uma teo
que, em última análise, o objetivo de autonomia e o destino logia da libertação ao trabalho de alguns sacerdotes latino
do homem. Observando a história e os movimentos sociais, no americanos que, a partir do século XVI, têm se dedicado ã el�
tou que a autonomia constitui a história muito mais do que boração de principios teológicos ou pa�torais de reconhec1men
foi constituída por ela. Atualmente, cada vez mais os movimen to aos direitos humanos dos indios (63 ).
tos sociais concretos caminham na busca de autonomias e no de Considerando-se a Igreja Católica co�o um todo, se
sejo de fazerem a sua própria história. Em suma: "a história
rã no século XIX que os problemas sociais passam a ocupar um
fez nascer um projeto, esse projeto nós o fazemos nosso pois lugar na teoria e prática religiosa, com a :riaçao da "Ooutri
nele reconhecemos nossas mais profundas aspirações e pensamos na Social da Igreja".
62
Que sua realização ê possive1·( )
No século XX, os países anglo-saxões elaboraram uma
Teologia da Secularizaçiio e os países latinos passam a pensar na
direção de uma Teologia das Realidades Terrestres.As decepçoes
5. 6. GUT!(RREZ: A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
com o fracasso do modelo desenvolvimentista na América Latina
favorecem o surgimento,na década de 6 0,na Conferência do Con
Gu�tavo Gutiêrrez, filósofo e teóloqo peruano, com
selho Episcopal Latino-Americano - CELAM - em Medellin(1968 ),
formação também em psicologia, é considerado um dos mais im
da idéia de uma teologia da libertaça,:, que contribuísse para
portantes pensadores, propagadores e militantes da "teologia
a construção de uma sociedade al ernativa.Oesde o ,nicio se
da 1ibertacâo" destaca o nome de Gutierrez como teólogo da l1bertaçao.
Antes de passar ã d1�cussao acerca da contribuição A tevlogia da libertacao é roncebida, il partir des
de GutiêrrP.z para a realidade dos movimentos sociais, um pa te momento, como um "novo modo de filler teoloqia", segundo o
rêntese será feito para ec;clilrec1mento sobre a origem da "teo
loqia da libertacao" e sobre ac; ri11oes especificas de sua in-
120 12 1
Qual a práxis é O elemento chave. "Práxis é considerada como logia da li bertação é essenci almente:
0 -------- -- visando i transformaçio da Soci edade
conjunto de priticas a- Opção i deo lôgica a favor dos pobres e oprim i dos.
. - · "(64) . Ela se orienta, em Gltima anã
ou à produção da Historia O que, todav i a, também e verdade i ro para as outras
correntes
lise, para a formação de mov i mentos sociais com vistas ã 1i- de pensamento examinadas atê aqui . O que se
acrescenta ã teo
bertação das formas de opressão impostas ptlo cap i talismo. A logi a da l i bertação é a extensão de sua i deol
ogia a uma dime�
procura de alternativas políticas para fazer frente aos meca são metassoci al: a crença na escatologi a
segundo o ponto de
nismos de opressão e exploração social, sob o cap i ta, i smo, foi vista da religião.
d tónica do pensamento daqueles que têm tratado dos movimen-
b- Reflexão sociolôgica e aplicação de conhecimen-
tos sociais, desde Marx até os autores contemporâneos exami n�
tos oriundos das Ciências Socia i s para auto
conhec i mento dos
dos neste ensa i o. Porém, com a teologia da libertação, encon-
oprimidos e respectivo encam i nhamento de
uma práxis libertado
tramos uma proposta, sob certos pontos de vista, d'oversa do
ra. Não contém, pois, um projeto de construç
ão de novos conhe
conJunto das propostas examinadas até aqui.
cimentos desde o ponto de vista sociológi co,
isto é, não se
EnQuanto que aquelas propostas procuravam avançar autodef i ne como Ciência.
em termos da elahoracão teórica ou da elucidação acerca dos
c- Em suma, criação de uma práxi s i novadora que pa�
mecanismos de opressao e da decorrente consti tui ção dos mov i
te diretamente da cultura popular latino-americana: a religi�
mento� soc i ais para a 1 i·bertaça-0 a da teologia vale-se daqu�
· sidade popular. Neste aspecto, parece-me Que é onde reside a
tes conhecimentos para , ...·fletir e enCJminhar uma prática pos-
pr i nci pal contribuição da teologia da l i bertação para o campo
'; Í V e 1 e determin<l d a: a das Camadas Populares com religiosida-
dos movimentos sociais. Se o modelo marxista clássico, que a
de. O Conhec,menro proveniente das Ciénc1as Soc i ais parti ci pa,
tribui ã força do proletariado a �issão de libertação social
neste caso. rorno mediador entre a reflexão teológi ca e a prã-
global, tem sido i ndicado como insuficiente para a apreensão
tira efetiva ( a,; lutas sociais para a libertdção terrena e•
das novas forças sociais de contestação, sob o capitalismo
conseqüentemente. oós-terren,1). Do meu ponto de vista, a teo-
contemporâneo (conforme reflexão dos teóricos contemporâneos
até aqu1 examinados - os qua1s se debruçam principalmente so
bre as realidades dos pdÍses desenvolvidos}, parece-me que is
l. !
do, os modelos teõricos contemporâneos voltados, na sua maio Tendo colocaao esta problemática no seu devido con
ria, para os movimentos sociais que se organizam nas socieda- texto, inicio minha apreciação sobre a teologia da liberta -
des pós-industriais, são insuficientes para compreender as ção, na perspectiva de um de seus mais importantes porta-vo
possíveis forças sociais latentes nas condições de subdesen zes: Gutierrez. Porêm, ê necessário enfatizar que os escritos
volvimento, e em particular no ainda significante mundo rural deste autor são apenas a expressão e capacidade de síntese do
subdesenvolvido. Aquelas reflexões dão conta de alguns dos n� trabalho conjunto de religiosos e leigos a favor de uma teo
vos movimentos sociais que estão surgindo nos centros capita- logia em perspectiva latino-americana. Síntese esta que se e
listas mais desenvolvidos dos países latino-americanos, mas fetua igualmente em duas ocasiões históricas fundamentais, ex
nem sempre dão conta das especificidades do submundo, majori pressa em dois documentos impulsores da caminhada de luta da
tãrio em termos populacionais, que coexiste nestas sociedades. Igreja: O Documento de Medellín (1968) e o Documento de Pue
Neste submundo da miséria o que predomina, ainda, são as for- bla (1979).
111as de opressão econômica e legal, onde o povo não tem alcan Gutiêrrez, partindo desses documentos e de outros
çado as condições mínimas de sobrevivência humanamente digna, pronunciamentos e textos saídos de diferentes setores da Jgr!
e os direitos de cidadania e de justiça social. E para esta ja latino-americana, que se identificam com esta perspectiva
realidade que a teologia da libertação se tem voltado, muito libertadora da Igreja, indica o seguinte conjunto de idêias
mais através da prática do que da teoria. orientadoras de uma práxis de transformação da r&alidade lati
São essas as razões que me fazem crer que este novo no-americana:
encaminhamento das lutas sociais sob a perspectiva da teolo - - reconhecimento da soli���!edade da Igreja com a
gia da libertação deveria ser acompanhado mais de perto pela realidade particular da Amêrica-Latina;
sociologia latino-americana.Neste terreno muito hã ainda por
- o ataque as injustiças ao que foi denominado de
fazer.(6S)
violença institucionalizada;
(65) Com esta preocupaçao é que elaborei um projeto de pesqu� ao povo tornar-se dono de seu próprio destino;
sa sobre os "Movimentos <iociais Camponeses em Santa Cat� - adoção do rumo ao socialismo, para a promoçao da
rina: a atuaçao das CEBs (Comunidades Eclesiais de Ba
propriedade social dos meins de produção e o advento de um ho
se)". Pro1eto este aprovado pelo CNPq e em realização na
UFSC. mem novo, mais solidário e, finalmente,
1--1 1;!',
- deflagração de um processo de libertação através
_ . " (66) tos e pela busca de uma verdadeira justi
da participaçao ativa dos opr1m1 dos 7)
ça '., ( 6 .
(66) cr. depoimentos de,;cr1tos por Gustavo Gutiérrez, em "Te� (67) GUTIERREL, G. Teologia da Liberta çao. Trad. de Jorge Soa
loqia da L1herr ,1ç,10'" (po 97-112) e em "A força histôr� res. Petrópolis, Vozes, 2i ed., 1976, pp. 105-6.
cil dos pnbrrs'" (no. 43-56). ambos publicados pela Ed.
(68) GUTIERREZ, G. A força h1stórira dos pobres. Trad. de Al
vo,e,;, de ret1·cipnl1<;, r111 Jg76 e 19Hl/respectivamente.
varo Cunha. Petrópolis, Vozes, 1981. p. 91.
(69) GUT1tRREZ. r.. Teologia da Libertc1ç;io, ou. ril .. µ. 27
l .'1, 1? 7
novo tipo de "intelectual orgânico". Conforme a expressio de
seus interesses e suas lutas"(?l)
Gramsci, isto ê, organicamente ligado ao projeto popular de
libertação. "Alguém comprometido pessoal e vitalmente com fa Pode-se sugerir dois tipos de implicações no par m�
tos histõricos, datados e situados, através dos quais paises, vimento social-movimento religioso, decorrentes da penetração
classes sociais e homens lutam por se libertar da dominaçio e desta perspectiva teolõgica no seio das massas populares.
opressão a que são submetidos por outros países, classes e ho
Uma, por penetrar no seio das massas, por meio de
O
mens"(? ). um de seus traços culturais mais fortes - o da religiosidade
Ao lado deste novo método, constitui a coluna verte fortalecendo o desencadear de uma prâxis de autotransfor
bral da "Teologia da Libertação" a perspectiva do pobre, ou maçao, segundo um projeto de libertação das opressões sociais.
seja, a sua opção pelos pobres: classes exploradas, raças mar Outra, trazendo uma nova mensagem da igreja contra
ginalizadas, culturas desprezadas. Esta opção não significa
a expropriação e a opressão e um novo modo de participação r!
um novo tipo de paternalismo, mas sim uma inserção num proce� ligiosa contra a hierarquia e com a promoção das bases possi
so de auto-identificação com os pobres, significa também tor bilitando modificações na própria concepção tradicional de re
nar-se parceiro político do oprimido na luta libertadora. Ou ligiosidade destas massas e nas suas concepções de mundo em
conforme diz Gutierrez: geral.
"Optar pelo pobre significa optar Esta nova concepção religiosa inclui uma visão dia
por uma classe contra outra, tomar cons lética entre criação e salvação, implicando numa promessa es
ciência do fato do confronto entre clas catológica que seja uma utopia para o futuro, mas também uma
ses sociais e tomar o partido dos despos
suídos. Optar pelo pobre significa ingre� atualidade histórica.
sar no mundo da classe social explorada ,
de seus valores, de suas categorias cultu "Trabalhar, transformar este mundo
rais. Significa fazer-se solidário com é fazer-se homem, e criar a comunidade hu
mana já é também salvar. De igual modo
lutar contra uma situação de miséria e es
l .':-1 1 2 'l
poliação, e construir uma sociedade justa dar-nos as bases de uma sociedade mais
é inserir-se no movimento salvador, a ca- justa. Por isso é que a elaboração do pr�
-
minho de sua plena realizaçao" (72) jeto histórico Je uma nova sociedade to-
ma, cada vez mais, na América Latina, o
A Teologia da Libertação. segundo Gutierrez. deve rumo do S ocialiamo... "(74)
questionar de forma radical a ordem social latino-americana • "Este fato implica não apenas melh�
res condições de vida.radical mudanças de
pois as injustiças sociais ai são muito profundas para se pr� estruturas, revolução social, mas muito
por medidas atenuantes: "Por isso e que se fala de revolução mais: a criação contínua e sempre inacaba
social e não de reformas, d� libertação e não de desenvolvi - da de nova maneira de ser do ho�em, uma
- ( 75)
permanente revoluçao cultural" .
mento, de socialismo e não de modernização do sistema em vi
gor" ( 3)_ Sugere, porém, que o socialismo seja fruto de
7
um Todavia, para que se efetue a passagem da crítica
projeto latino-americano. nascido enquanto respo�ta ãs lutas de uma ordem opressora para a realização de um projeto histó
dos movimentos sociais, e que não se sigam esquemas feitos e rico libertador, necessita-se de uma práxis transformadora do
modelos que já provaram ser deficientes. Sugere, também como real. Neste sentido, Gutierrez cita Paulo Freire, af irrr,ando
fundamental, que este projeto, além das transformações quanto que entre a denúncia e o anúncio estão tempo da construção,
ã apropriação dos frutos do trabalho humano e da gestão polí da práxis histõrica (76l . /
tica, incorpore um processo de transformação do próprio homem
em direção a uma crescente fraternidade humana. "No entanto, a construção de uma so
ciedade diferente e de um homem novo nao
será autêntica se não for assumida pelo
"SÕ a superação de uma sociedade d! próprio povo �primido ... e a partir dele
vidida em classes, sõ um poder político a que se opera o questionamento radical da
serviço das grandes maiorias populares,só atual ordem social e a abolição da cultu-
a eliminação da apropriação privada da ri
queza criada pelo trabalho humano, pode
1 3O 131
ra opressora. Somente assim se poderá rea latina, durante este período. Indica seus avanços e seus re-
lizar uma verdadeira revolução social e
cuos, principalmente devido ã crescente repressão, na medida
cultural" (?7).
que sua força aumentava.
7l) Jb1dc>m. 11. 265 e 1n: A fo,-�,.. histórica dos pobres, op.
1 1 r •• p. 71 .
e; r' T 1 [ R R [ / . c; . A forca h i st Ó,· 1 c a dos pobres , op . cit. , P . 7 4 . (79) Ibidem, p. 117.
1 L? 133
VI - NA BUSCA DE CAMINHOS PARA A LIBERTAÇÃO
Procurei, com este estudo, a contribuição de pensa ria, em ultima análise, da relação dialética entre Teoria Re
dores sociais na busca de caminhos que possam conduzir os mo volucionária (oriunda do trabalho de reflexão e da experiên
vimentos sociais em suas lutas contra a opressão e em prol da cia de luta da van9uarda do Partido) e Prática Revolucionária
libertação. (com a participação das massas oprimidas). Porem, entende que
No meu entender, as principais contribuições para o a transformação radical da sociedade deva ser acompanhada por
estudo dos movimentos sociais, de autores clássicos e contem uma revolução cultural. Esta perspectiva será aprofundada por
c1a: seja para lhe dar continuidade, seja para questioná-lo e Em Lukács, será a "consciência" o alvo principal de
tentar superá-lo. suas reflexões acerca da problemática dos movimentos sociais.
O fundamental no pensamento de Marx foi ter dado ã Concebe a ação transformadora do social como uma síntese en
categoria "totalidade" um lugar central . Ao examinar o tre consciência de classe organizada e organização consciente.
agir
humano, concebe este agir como um conjunto que conecta diale Para Gramsci. um projeto tra�sformador, que efetue
ticamente várias práxis: teõrica, produtiva ou econômica e po a passagem de um momento histórico de necessidade a um de li
litico-ideolõgica. A articulação entre as várias práxis, e a berdade, requer uma práxis de transformação ético-cultural
idéia de uma práxis teórica a serviço de uma práxis politica que conte com a ligação orgânica entre intelectual e massa.
transformadora do social. criou o esp?ço necessário para se Quanto âs tendências teóricas contemporâneas �ohrc
colocar a ciência engaJada aos movimentos sociais.
os movimentos sociais, hã um avanço em relaçao ao mclrxismr,
Seus sequidnre� imediatos (Lenin, lukãcs e Gramsci) clássico, no que diz respeito ã exten c,10 do estudo ao ,or 1u11-
tentaram dar-lhe cont1nu1dade, aprofundando o questionamento to dos grupos sociais, fugindo da dicotomia hurguesiõ-nrolct !
sobre ns a�pecros politico, cultural e ideológico do real, na riado . Estes estudos aprofundam t;irnhé111 o conhec 1111Pnto d,1s p,,,·
dinâmica dos movimentos sociais. ticularidades históricas contemporânea,.
Lenin trouxe para mais perto a prática teórica a Laclau presta atençao. em part1rular, ao rx�mc d�\
�P rvico da prática ooliti<.� A pr�xis revolucionária resulta- ar ti eu lações de e ont radiço P <, e 1 as e, is t as r o m r o n I r ,) cl 1 1 ,, r: e. n , 1-
1 Ju 1 l7
Dahrendort traz para a Sociologia Funcionalista a ticulação das práxis dos vários movimentos sociais que lutam
idéia da ubiqôidade do conflito, da coerção e da autoridade
nesta direção.
em todos os níveis da organização social. Os grupos de confli
Gutiêrrez defende uma nova forma de luta social que
to e, mais exatamente, o conflito destes grupos são responsá
vem se organizando na América Latina, em especial. Um movimen
veis pela dinâmica social.
to que parta da vivência e da cultura popular (particularmen
Com Touraine, a categoria "movimento social" passa
te, da religiosidade do povo) � que construa a sua práxis com
ao coração d;, vida em soei edade. A soei e da de se produz por e 1 a
o auxílio de três fontes de reflexão: a própria vivência da
mesma, e o homem faz a sua própria história através de seus
opressão, o conhecimento critico oriundo das Ciências Sociais
movimentos sociais. Estes movimentos podem ser responsáveis
e a mediação do discurso evangelizador da Igreja, segundo um
por transformações maiores, mas também estão presentes no co-
novo mêtodo denominado "Teologia da Libertação". Segundo este,
tidiano, sendo responsáveis pelos fluxos permanentes do so- 0 caminho para a liberdade é o caminho da instituição do so-
eial
cialismo autogestionãrio, que compreenda uma revolução cultu
Guattari vai mais além neste sentido, percebendo a ra 1 permanente.
necec.sidade de uma revolução permanente e molecular, isto é
Estas teorias, por um lado, expressam uma opção ideo
em todos os níveis da vida social - tendo como ponto de part�
lógica e um tipo de engajamento do próprio pensador social
da o interior do indivíduo - e de forma a �rticular a libera
mas, por outro lado, enquanto leituras do real, expressam a
cao dos desejos com a luta de classe. Est� condiçãn ê necessã
própria dinâmica dos movimentos sociais e as transformações
r1a para a revolucão social do futuro e será fortalecida pelo
.pelas quais estão passando no decorrer do tempo.
nexo que se vier a criar entre os vários movimentos de base.
Considerando-se os componentes dos movimentos so-
Para rasroriadis, o movimento do social caminha na
ciais que orientaram este trabalho - projeto, práxis, ideolo
husca de auton0m1as rrec.rentes, no plano individual e no pla
gia e organização - podem-se destacar algumas transformações
no coletivo. t atravê<. da conqu1sta de autonomias que se ge
relevantes como conclusão deste estudo.
r,im ,n pnss1b1l1dadPs dp auto-instituição da sociedade, isto
A predominância de projetos, sob a forma de utopia
ê. de a11troc1"1acan do <.0r1al Um projeto socialista ê um pro-
no sentido de uma sociedade livre e 1qualitária (passaqem do
1PIO con1r1 ar, for111,1<. clt• hPtt>ron,1,n1a e alienação social, em
reino da necessidade para o reino da liberdade). num futuro
p,ol rl,1 ,1uron11011.1. r quP n-1ra s 11 1 ., ,,al1zação necessita da ar-
remoto, dá lugar cada vez mais a proJetos que incluem um pro-
1 !H
139
cesso de igualdades e liberdades crescentes a partir do aqui
e ag� e de forma permanente. O Socialismo deixa de ser de
sejado como projeto, para ser desejado como práxis.
; -lO
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