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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

Marcelo Rocha dos Passos

Márcio Montarroyos e a construção de seus solos


improvisados no disco Stone Alliance

Campinas, 2016
Marcelo Rocha dos Passos

Márcio Montarroyos e a construção de seus solos


improvisados no disco Stone Alliance

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da


Universidade Estadual de Campinas como parte
dos requisitos exigidos para a obtenção do título de
Mestre em Música, na área de concentração:
Música, Teoria, Criação e Prática
Orientador: Prof. Dr. Paulo Adriano Ronqui.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE


ÀVERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO
DEFENDIDA PELO ALUNO MARCELO
ROCHA DOS PASSOS, E ORIENTADA
PELO PROF. DR. PAULO ADRIANO
RONQUI

Campinas, 2016
BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

MARCELO ROCHA DOS PASSOS

ORIENTADOR(A): PROF. DR. PAULO ADRIANO RONQUI

MEMBROS:

1. PROF. DR. PAULO ADRIANO RONQUI


2. PROF(A). DR(A). JOSÉ ALEXANDRE LEMOS LOPES CARVALHO
3. PROF(A). DR(A). MAICO VIEGAS LOPES

Programa de Pós-graduação em Música na área de concentração Música:


Teoria, Criação e Prática do Instituto de Artes da Universidade Estadual de
Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca


examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

DATA: 05.07.2016
Dedico este trabalho à memória do trompetista
Márcio Montarroyos e a todos que
compartilham do mesmo amor e dedicação
pela música.
Agradecimentos

Ao Professor Paulo Ronqui pela confiança, compromisso e pontuais orientações ao


longo desse processo. Aos Professores “Zé” Alexandre de Carvalho e “Budi” Garcia por
apontamentos essenciais e direcionamento deste trabalho.

Aos grandes amigos e músicos Raphael Ferreira e Rodrigo Vicente pelos valiosos
conselhos musicais e acadêmicos.

Aos familiares e amigos de Márcio Montarroyos: Dona Nail Cavalcanti, Beth


Lucas, Cristina Cordeiro, Christina Menezes e Léo Gandelman, por toda atenção dada e por
me receberem com muito carinho.

Aos grandes amigos e trompetistas Walmir Gil, “Bidinho”, Chico Oliveira e


Klesley Brandão, por compartilharem suas experiências e conhecimentos. E, em especial, ao
“Gê” Ribeiro, por todos esses anos de estudos de trompete, conselhos, amizade e por ter me
apresentado o disco Stone Alliance em 1997. Ao amigo e trombonista Felipe Brito, pelas
pontuais traduções de textos, por compartilhar suas ideias, por me fazer acreditar e almejar
novas conquistas, sempre. Ao amigo e trombonista Gláucio Santana, por ter me ajudado
diversas vezes ao longo deste trabalho. Ao Professor e amigo Jaime Barbosa, por sempre
compartilhar seus conhecimentos musicais.

Aos entrevistados: Chiquinho de Moraes, Sérgio Dias, Gene Perla e Randy


Brecker, por compartilharem suas valiosas informações.

Aos amigos e músicos Thiago “Thito” Camargo e o Murilo “Gil” que me


auxiliaram na gravação dos exercícios contidos no Apêndice desta dissertação. Aos amigos e
músicos Fábio Augustines, Vinicius Corilow, Ramon Del Pino, Adriel Job e Thiago Camargo
pela participação no meu recital de defesa.

À Carla Fiori, por me acompanhar de perto ao longo desses nove anos.

À minha família, pelo respeito, admiração, amor e carinho.

À Sibila Carvalho e família, pela confiança, amor e carinho.


Resumo

Este trabalho teve por finalidade elaborar uma biografia e investigar a performance
do trompetista Márcio Montarroyos no disco Stone Alliance gravado em 1977. Para tanto,
foram transcritos quatro solos improvisados e posteriormente analisados de acordo com
material bibliográfico proveniente dos estudos do jazz, no intuito de demonstrar a existência
de elementos que explicitem de forma mais apropriada a relação de Montarroyos com a
improvisação de cunho jazzístico. A escolha do disco Stone Alliance se justifica pela utilização
de recursos tecnológicos na manipulação em tempo real do timbre do trompete, prática que
abriu caminho para a exploração de novas sonoridades e possibilidades expressivas no
instrumento no cenário nacional e, em especial, na música popular brasileira.

Palavras-chave: Montarroyos, Márcio; trompete; improvisação; música instrumental; jazz;


jazz latino.
Abstract

The main purpose of this research was to elaborate a biography and investigate the
performance of the Brazilian trumpet player Márcio Montarroyos on his album Stone Alliance
recorded in 1977. In order to achieve this goal, four improvised solos were transcribed and
analyzed. The research looked for elements that could elucidate more properly the relation
between Márcio Montarroyos improvised solos and the improvisation in jazz. The album was
selected due to the manipulation of trumpet timbres in real time through technological devices.
The use of technological devices brought new sonorities and increased the possibilities of
musical expressions for the trumpet on the Brazilian popular music scene.

Keywords: Montarroyos, Márcio; trumpet; improvisation; instrumental music; jazz; latin jazz.
Sumário

Introdução ..............................................................................................................................11

1 Trompetistas brasileiros: suas obras e respectivas performances registradas em


fonogramas .............................................................................................................................13

1.1 Joaquim Luiz de Souza...............................................................................................14


1.2 Albertino Inácio Pimentel...........................................................................................15
1.3 Casemiro Gonçalves da Rocha...................................................................................16
1.4 Paulino Sacramento....................................................................................................17
1.5 Bonfiglio de Oliveira..................................................................................................18
1.6 Napoleão Tavares.......................................................................................................20
1.7 Sebastião Cirino.........................................................................................................21
1.8 Carmelindo Verissimo de Oliveira.............................................................................23
1.9 Porfírio Alves da Costa...............................................................................................25
1.10 Geraldo Medeiros dos Santos............................................................................26
1.11 José Luis Pinto..................................................................................................27

2 Márcio Montarroyos e o disco Stone Alliance.................................................................29

2.1 Formação Musical......................................................................................................29


2.2 Carreira profissional...................................................................................................37
2.3 O grupo Stone Alliance...............................................................................................43
2.3.1 Os músicos......................................................................................................44
2.3.1.1 Gene Perla...............................................................................................44
2.3.1.2 Don Alias.................................................................................................45
2.3.1.3 Steve Grossman.......................................................................................46
2.3.2 Músicos Convidados ......................................................................................47
2.3.2.1 Erasto Vasconcelos..................................................................................48
2.3.2.2 Hermeto Pascoal......................................................................................49
2.4 O disco Stone Alliance................................................................................................51
2.4.1 Processadores sonoros: utilização de equipamentos acoplados ao
trompete..........................................................................................................54
2.4.2 A eletrificação do trompete no disco Stone Alliance por Márcio
Montarroyos...................................................................................................58

3 A performance, os recursos técnico/interpretativos e a construção dos solos


improvisados de Márcio Montarroyos no disco Stone
Alliance..............................................................................................................................62

3.1 Sobre a performance...................................................................................................62


3.1.1 Delay e wah-wah: influência direta ou indireta durante a
performance....................................................................................................62
3.1.2 Recursos interpretativos: articulações e inflexões no disco Stone
Alliance...........................................................................................................65
3.2 Os solos improvisados de Montarroyos no disco Stone Alliance: uma breve
contextualização acerca do termo improvisação..........................................................69
3.2.1 Ferramentas analíticas.....................................................................................70
3.2.1.1 Estrutura harmônica.................................................................................71
3.2.1.2 Relação escala/acorde..............................................................................74
3.2.2 Desenvolvimento melódico.............................................................................82
3.2.2.1 Repetição..................................................................................................82
3.2.2.2 Sequência.................................................................................................83
3.2.2.3 Deslocamento métrico..............................................................................85
3.2.2.4 Ornamentação melódica: Notas de passagens (aproximações cromáticas,
diatônicas e interpolação) ........................................................................86

Considerações finais...............................................................................................................90

Referência bibliográfica.........................................................................................................95

Apêndice................................................................................................................................101

Anexos...................................................................................................................................113
11

Introdução

O objetivo central deste trabalho foi estudar a performance do trompetista Márcio


Montarroyos através da transcrição e análise de seus solos improvisados no disco Stone Alliance
(1977), investigando a construção desses solos, identificando e organizando os materiais de
improvisação recorrentes para melhor compreendê-lo.

Márcio Montarroyos nasceu em uma família da classe média carioca em que a


música instrumental se manteve como tradição ao longo de cinco gerações. Estudou em um
Colégio Militar durante alguns anos e, posteriormente, no início da década de 1970, ganhou
uma bolsa de estudos em uma renomada instituição musical norte-americana. Sua carreira
profissional foi de intensa atividade, dividindo-se entre gravações com os mais variados artistas,
produção de jingles, trilhas sonoras para novelas, shows e festivais de cunho nacional e
internacional. Dentre as variadas fases às quais Montarroyos se inseriu ao longo de sua carreira,
o disco Stone Allinance representou um período marcado por experimentações desprendidas de
questões de ordem identitária e/ou cultural por parte do trompetista.

A gravação do disco Stone Alliance reuniu músicos brasileiros e norte-americanos


com referências e experiências musicais diversificadas. A representatividade deste disco para o
trompete na música popular instrumental brasileira foi evidenciada pelo uso de equipamentos
eletrônicos acoplados ao trompete, inaugurando um novo contexto musical para o instrumento
naquele período.

Este trabalho é constituído de três capítulos. O primeiro capítulo, de ordem


biográfica, foi realizado para justificar a importância do disco supracitado para a pesquisa sobre
o trompete na música popular brasileira. Para isto, foi realizada uma investigação acerca dos
fonogramas gravados por trompetistas na cidade do Rio de Janeiro até a data da gravação do
disco Stone Alliance, que compreendeu um levantamento histórico em acervos digitais, livros,
encartes de discos e trabalhos acadêmicos. Realizado esse processo investigativo, teve-se uma
ideia cronológica parcial sobre os trompetistas brasileiros contemporâneos e anteriores a
Márcio Montarroyos que atuavam no cenário da música popular brasileira e tiveram suas
performances registradas em fonogramas.

O segundo capítulo reúne informações biográficas sobre o trompetista Márcio


Montarroyos, dispostas em diversas fontes de mídia impressa, digital e na internet. Tal
12

levantamento, juntamente com as entrevistas concedidas pelos familiares e amigos de


Montarroyos, foram fundamentais para o entendimento de como se deu sua formação musical
e sua carreira profissional. Este capítulo também contempla súmulas biográficas dos músicos
que integram o trio homônimo ao disco e também dos músicos convidados, além de tratar
sucintamente do uso de pedais e processadores sonoros acoplados por Montarroyos ao seu
instrumento.

O terceiro capítulo, de ordem analítica, discute a performance de Márcio


Montarroyos por meio de seus solos improvisados. Para isso, o capítulo foi dividido em dois
seguimentos. Primeiramente, primeiramente foi investigada a maneira como o trompetista
manipulava os efeitos de delay e wah-wah e as influências exercidas por esses dispositivos
sonoros em seus solos improvisados. Em seguida, foram realizadas as transcrições e as
respectivas análises desses solos. Também foram observados elementos técnicos e
interpretativos inerentes ao trompete, tais como articulações e inflexões, as análises do material
harmônico de cada um dos quatros solos escolhidos, as relações escala/acorde adotadas e o
desenvolvimento melódico desses solos.

Como referencial teórico e metodológico, recorreu-se substancialmente às


publicações de Alves (1997), Baptista (2010), Bergonzi (1994), Berliner (1994), Cocker (1991),
Hickman (2006), Lawn e Hellmer (1993), Levine (1995), Liebman (2001), Ligon (2001), Lopes
(2012), Martins (2013), Miller (1996), Russel (1953), Sabatella (2000) e Silva (2009).

O presente trabalho traz como resultado um relato histórico dos trompetistas que
tiveram suas performances gravadas em fonogramas anteriores ao disco Stone Alliance, uma
biografia concisa de Márcio Montarroyos e alguns apontamentos sobre o processo de gravação
do disco supracitado, a utilização dos efeitos de delay, wah-wah e a captação sonora através do
sistema Barcus Berry, os elementos técnicos e interpretativos adotados por Montarroyos, além
das transcrições e análises dos solos.

O trabalho conta ainda com um Apêndice em que se encontram algumas


configurações de estudos voltadas para a prática de improvisação em contextos modais,
elaboradas a partir de elementos musicais recorrentes nos solos de Márcio Montarroyos e que
tem como objetivo auxiliar no desenvolvimento de ideias musicais para improvisação.
13

Capítulo

1 Trompetistas brasileiros - obras populares e performances registradas em


fonogramas

O procedimento adotado para a elaboração do presente capítulo foi norteado pelo


questionamento sobre a relevância do disco Stone Alliance e quais foram os “produtos” trazidos
por esse disco para o trompete no âmbito da música popular instrumental no Brasil no ano de
1977.

Desta forma, fez-se um levantamento histórico em acervos digitais, livros, encartes


de discos e trabalhos acadêmicos, que consistiu em investigar o que se produziu na cidade do
Rio de Janeiro no cenário da música popular brasileira até a data da gravação do disco Stone
Alliance por parte de trompetistas contemporâneos e anteriores a Márcio Montarroyos. Como
produto desta investigação, tem-se uma ideia cronológica parcial sobre os trompetistas
encontrados e sobre suas respectivas produções e performances musicais registradas em
fonograma.

Ao que se pôde levantar, foram relacionados onze trompetistas, a saber: Joaquim


Luís de Souza (1862-1922); Albertino Inácio Pimentel (1874-1929); Casemiro Gonçalves da
Rocha (1880-1912); Paulino Sacramento (1880-1926); Bonfiglio de Oliveira (1891-1940);
Napoleão Tavares (1892-1965); Sebastião Cirino (1902-1968); Carmelino Veríssimo de
Oliveira (1913-?); Porfírio Alves da Costa (1913); Geraldo Medeiros dos Santos (1917-1978)
e José Luís Pinto (1932) (PASSOS e RONQUI, 2015).

Como critério metodológico, foram elaboradas súmulas biográficas abordando


questões referentes à contextualização histórica de cada um desses trompetistas.
14

1.1 Joaquim Luís de Souza - “Luís de Souza” 1

Luís de Souza nasceu em Fortaleza - CE, em 1865, e atuou no cenário musical


nacional como compositor e trompetista. Deu início aos estudos de trompete em sua cidade
natal sob a orientação de José Soares Barbosa (s/d), mestre da Banda da Fortaleza de São João,
situada na cidade de Fortaleza. Foi integrante da Banda do Corpo de Bombeiros, da Banda do
23° Batalhão da Infantaria, ambas na capital do Estado do Ceará, além da Banda do Arsenal de
Guerra na cidade do Rio de Janeiro. (MOTA, 2011).

Imagem 1: Joaquim Luís de Souza “Luís de Sousa” 2.

Em meados de 1904, costumava frequentar a “Casa Cavaquinho de Ouro”, na Rua


do Ouvidor, centro do Rio de Janeiro e reduto de importantes “chorões” da época, dentre eles,
o maestro Anacleto de Medeiros3 (1866/1907). Foi integrante do “Rancho Ameno Resedá” e
diretor do Grupo “Luís de Souza”, com o qual gravou vários discos pela Odeon 4 no início do
século XX. Foi considerado um dos maiores trompetistas de sua geração5.

1
As indicações entre aspas referem-se sempre ao nome artístico e/ou apelido de cada um dos músicos pesquisados.
2
Imagem de Luís de Sousa. Disponível em: http://cifrantiga2.blogspot.com.br/2010/09/luis-de-souza.html.
Acesso em: 20/03/2015.
3
Saxofonista, compositor e regente. Foi fundador e organizador de várias Bandas na cidade do Rio de Janeiro,
dentre elas a Banda do Corpo de Bombeiros (CAZES, 1998).
4
Gravadora estrangeira que inaugurou a fase gravação elétrica no Brasil. Sua instalação no território nacional se
deu em 1913, numa associação com Frederico Figner, pioneiro da indústria fonográfica no país. (VICENTE, 2002).
5
Biografia sobre Joaquim Luís de Souza. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/luis-de-
sousa/dados-artisticos. Acessado em: 12/06/14.
15

Em suas composições encontram-se chorinhos, valsas, xotes, modinhas e polcas.


Dentre suas obras destacam-se as composições “Carroca”, “Georgina”, “Mimo e Missa de
amor”, “Ilusão”, “2 de setembro” e “Clélia”, essa última, gravada pela Banda da Casa Edison,
Banda da Casa Faulhaber e pelo cantor Mário Pinheiro, com letra de Catulo da Paixão Cearense
e renomeada como “Ao desfraldar da vela”. Na década de 1940, “Clélia” recebeu arranjos para
orquestras escritos por Radamés Gnattali e Alexandre Gnattali, fazendo parte da programação
da Rádio Nacional.

São poucos os registros encontrados sobre o trompetista Luís de Souza. Sua


importância se dá ao fato de ter sido um dos primeiros trompetistas brasileiros, se não o primeiro
a ter suas obras musicais gravadas em fonogramas. Entretanto, foram encontradas apenas
digitalizações de duas versões da música “Clélia”, sendo uma delas interpretada pelo cantor
Gilberto Alves (1915-1992) e outra gravada pelo bandolinista “Jacob do Bandolin” (1918-
1969).6

1.2 Albertino Inácio Pimentel - “Carramona”

Carramona, como era conhecido o trompetista Albertino Inácio Pimentel, nasceu


na cidade do Rio de Janeiro – RJ, em 1874. Iniciou seus estudos musicais no “Asilo dos
Meninos Desvalidos de Vila Izabel”, instituição destinada à educação de crianças
desamparadas, pobres e/ou abandonadas (CAZES, 1998). Albertino Pimentel foi um músico de
prestígio em seu tempo, destacando-se ao trompete desde sua adolescência. Atuou como
instrumentista, compositor, professor e regente, tendo tocado em diversas bandas, dentre elas a
Banda do Corpo de Bombeiros na cidade do Rio de Janeiro, sob a regência de Anacleto de
Medeiros (MOTA, 2011).

Carramona foi integrante da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro e da


Banda da Casa Edison, ambas regidas por Anacleto de Medeiros. Após a morte deste regente,
em 1907, Carramona assumiu o posto de maestro, permanecendo até a data de seu falecimento
em 1929 (PINTO, 1978).

6
Biografia sobre Joaquim Luís de Souza. Disponível em: http://www.mis.rj.gov.br/blog/a-valsa-celia-escrita-
por-luiz-de-souza/. Acessado em: 25/07/2014.
16

Imagem 2: Albertino Inácio Pimentel7.

Sua produção musical compreende um total de setenta composições, divididas em:


chorinhos, polcas, dobrados e lundus8, registrados em fonogramas de 78 rpm9, sendo destacadas
as músicas:10 “Carolina”; “Fantasia do Luar”; “Memórias de Anacleto”; “Faiscando”;
“Pernóstico”; “Carnavalesca”; “Albertina”; “Saudade de Luísa” e “Ameno Resedá”, executadas
pela Banda do Corpo de Bombeiros e pela Banda da Casa Edison.

1.3 Casemiro Gonçalves da Rocha - “Casemiro Rocha”

Casemiro Rocha nasceu na cidade do Rio de Janeiro - RJ em 1880. Atou como


trompetista na Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, sob a regência do maestro
Anacleto de Medeiros. Além de instrumentista, Casemiro trabalhou como compositor e diretor
musical do “Rancho das Camélias” e “Flor de Abacate”11.

Suas obras correspondem a chorinhos e polcas, as quais destacam-se: “Adelina”;


“Desprezo de uma noiva”; “Juppe coulotte”; “O melro”, “Rato-rato”; “Tropeiro alegre” e
“Tudo virou”, registrados em fonogramas de 78 rpm. Não se tem uma data precisa, mas entre

7
Imagem retirada do acervo de fotografias da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro. Disponível em:
http://www.banda.cbmerj.rj.gov.br/index.php/galeria-dos-ex-maestros/165-albertino-ignacio-pimentel.
Acesso em: 20/03/2015.
8
Biografia sobre Albertino Inácio Pimentel. Disponível em:
http://www.dicionariompb.com.br/carramona/dados-artisticos. Acesso em: 12/06/2014.
9
78 rotações por minuto.
10
Algumas gravações de “Carramona” foram digitalizadas e disponibilizadas na internet em blogs como:
http://cifrantiga2.blogspot.com.br/2007/11/carramona.html. Acesso em: 20/03/2015.
11
Biografia sobre Casemiro Rocha. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/casimiro-rocha.
Acessado em: 26/08/2014.
17

1907 e 1912, o próprio compositor gravou sua obra de maior popularidade, a música Rato-Rato
(MOTA, 2011). A composição foi inspirada na campanha de combate à peste bubônica,
promovida por Oswaldo Cruz (1972-1917). Para retratar essa campanha, Casimiro explorou
uma técnica denominada “frulato”, típica em instrumentos de sopro, que produz um efeito
cômico no trompete, resultante da tremulação da língua durante a emissão do som
(CASCAPERA, 1992).

Figura 1: Uso do frulato

1.4 Paulino Sacramento

Paulino Sacramento nasceu em 1880 na cidade de Niterói - RJ. Iniciou seus estudos
musicais na Banda do Asilo de “Meninos Desvalidos de Vila Izabel”. Posteriormente, aos 16
anos, juntamente com outros músicos, participou de um concurso para a escolha do maestro da
Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, perdendo a vaga para Anacleto de Medeiros12.

Imagem 3: Paulino Sacramento13.

12
Biografia sobre Paulino Sacramento. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/paulino-
sacramento/biografia. Acessado em: 12/06/2014.
13
Imagem de Paulino Sacramento. Disponível em: http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/2014/07/paulino-
sacramento.html. Acesso em: 20/03/15.
18

Além de trompetista e compositor, Paulino dirigiu a Orquestra do Teatro Rio


Branco14, tendo sido o primeiro maestro a reger o músico Pixinguinha, então com 14 anos de
idade (CAZES, 1998).

Sacramento dedicou-se ao teatro de revista, produzindo partituras para revistas,


operetas e burletas, a primeira delas nomeada “O Rio civiliza-se”. Suas composições de maior
destaque foram os tangos “Pierrot”, “O Vatapá”, e “Bebé”, a última, gravada pela Banda da
Casa Edison. O único registro fonográfico encontrado de Paulino Sacramento foi o tango
“Bebé”. Foi encontrada também uma edição da partitura de “Bebé” escrita para piano.

Figura 2: Trecho da partitura para piano do tango carnavalesco “Bebé”.

São poucas as informações acerca de vida e obra do trompetista Paulino


Sacramento. Sobre sua obra musical, foi possível encontrar oito de suas composições editadas
para piano, que estão disponíveis para consulta na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

1.5 Bonfiglio de Oliveira

Bonfiglio de Oliveira nasceu em 1891, na cidade de Guaratinguetá - SP. Sua


iniciação musical foi ao contrabaixo, ensinado por seu pai, Feliciano Oliveira (MOTA, 2011).
Em 1918 transferiu-se para a cidade do Rio de Janeiro - RJ, atuando como compositor e
instrumentista. Foi integrante da Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro, Orquestra da
Companhia Arruda, Companhia Jardel Jércolis, Orquestra do Cinema Ouvidor. Integrou

14
Nos levantamentos realizados não foi possível encontrar registros sobre o período de atuação de Paulino
Sacramento como regente da Orquestra do Teatro Rio Branco.
19

diversos cinemas e teatros cariocas, participou também das primeiras formações do grupo “Os
oito batutas”, liderado pelo músico Pixinguinha (1897-1973).

Imagem 4: Bonfiglio de Oliveira15

Como integrante do grupo “Os oito batutas”, obteve reconhecimento nacional e


internacional, tido pelos críticos europeus em 193316, como um dos maiores trompetistas do
mundo de sua geração. Além disso, homenageado pelo então Presidente Washington Luís,
recebeu um trompete de prata com uma placa em ouro dizendo: “Ao maior pistonista do Brasil,
Bonfiglio de Oliveira - homenagem do Governo de Washington Luís”17.

A produção musical de Bonfiglio é constituída por chorinhos, valsas e maxixes,


registrados em discos de 78 rpm. A catalogação da obra de Oliveira corresponde a um total de
vinte e quatro composições, destacando-se a valsa intitulada “Glória” e o choro “Flamengo”
(MOTA, 2011).

Além de ter atuado no cenário da música popular brasileira como trompetista,


Oliveira trabalhou como contrabaixista acústico, transitando também pela música de concerto.
Estudou no Conservatório Musical do Rio de Janeiro e tocou na Orquestra Sinfônica do Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, regida pelo então maestro Francisco Braga (MOTA, 2011).

15
Imagem de Bonfiglio de Oliveira. Disponível em:
http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/search?q=bonfiglio+de+oliveira. Acesso em: 20/03/15.
16
Biografia sobre Bonfiglio de Oliveira. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/bonfiglio-de-
oliveira/discografia. Acessado em: 11/05/14.
17
Idem.
20

1.6 Napoleão Tavares

Napoleão Tavares foi trompetista, compositor, regente e arranjador. Nasceu em


1892, na cidade de Ubá - MG, e transferiu-se em 1910 para a cidade do Rio de Janeiro - RJ18.

Tavares teve uma participação ativa no mercado fonográfico da época em função


de seu domínio técnico ao trompete, favorecendo sua participação em diversas orquestras. Foi
integrante da Orquestra de Cícero Meneses em apresentações no Cine Avenida. Em 1918
formou a Orquestra Apolo Jazz e, nos anos de 1920 formou a Orquestra Colbáz (grupo de
estúdio da Gravadora Colúmbia). Por volta de 1930, formou sua própria Orquestra, apelidada
de “Napoleão Tavares e seus soldados musicais”. Sua Orquestra alcançou grande sucesso nas
décadas de 1930 e 1940, atuando por vários anos na “Rádio Clube do Brasil” (MOTA, 2011).

Imagem 5: Napoleão Tavares19.

A obra musical de Napoleão Tavares compreende um total de seis composições,


algumas em parcerias com João Castilho, Jaime Redondo e Arsênio Palácios. Seus registros em
fonogramas correspondem a cinco discos de 78 rpm, gravados pela RCA Victor, Columbia e
Favorite Record entre os anos de 1912 e 1941.

18
Biografia sobre Napoleão Tavares. Disponível em:
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/AAGS8T7NNX/disserta_ao_pedro_m
ota.pdf?sequence=1. Acessado em: 15/06/14.
19
Imagem de Napoleão Tavares. Disponível em: http://jornalggn.com.br/blog/laura-macedo/o-competente-
maestro-gao-por-laura-macedo. Acesso em: 21/03/2015.
21

1.7 Sebastião Cirino

Sebastião Cirino nasceu em 1902 na cidade de Juiz de Fora - MG, transferindo-se


em 1913 para a cidade do Rio de Janeiro - RJ, onde foi morador de rua, trabalhando como
engraxate e vendedor de jornais para sobreviver20.

Cirino teve uma vida conturbada, envolvendo-se frequentemente em arruaças e


tento sido preso por diversas vezes. Chegou, inclusive, a tentar se atirar dos Arcos da Lapa em
desespero por falta de emprego. Ainda, sem atingir a maioridade, foi detido e encaminhado para
a colônia penal “Dois Rios”, da Ilha Grande, no Estado do Rio de Janeiro. Nesse período,
começou a estudar trompete e a integrar a banda dos presidiários21.

Tempos depois entrou para o Exército, servindo no 56º Batalhão de Caçadores na


Praia Vermelha, na cidade do Rio de Janeiro, dando baixa como músico de 3ª classe em 1920
para empregar-se como trompetista no Cine Guanabara, em Botafogo22.

Imagem 6: Sebastião Cirino23

Cirino atuou como trompetista e violonista, além de maestro e compositor. Foi


integrante do grupo “Os Oito Cotubas”, do conjunto “Brazilian Jazz”, do conjunto “Carlito’s
Jazz Band” e na Jazz Band “Os Oito Batutas”24.

20
Biografia sobre Sebastião Cirino. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/sebastiao-cirino/dados-
artisticos. Acessado em: 02/09/14.
21
Idem.
22
Idem.
23
Imagem de Sebastião Cirino. Disponível em: http://blogln.ning.com/profiles/blogs/sebastiao-cirino-de-
minas-para. Acesso em: 21/03/15.
24
Idem.
22

Em excursão com o conjunto “Carlito’s Jazz Band”, Sebastião Cirino se apresentou


em alguns países europeus, dentre eles Portugal e França. Nesse período, o trompetista
desligou-se do conjunto e decidiu ficar em Paris, permanecendo por quatorze anos no país,
estudando violino e realizando recitais com números franceses e brasileiros, além de ministrar
aulas de violão para a princesa Maria Thereza d’Orleans e Bragança (VIANNA, 2007). Recebeu
do governo francês a Cruz de Honra de Cavalheiro de Educação Cívica por exibições gratuitas
em espetáculos beneficentes, além de ser admitido como membro da sociedade arrecadadora
de direitos autorais Generale Internacionale de L'Édition Phonographique et
Cinematographique de Paris25.

Sua obra musical compreende um total de doze composições, variando em choros,


sambas, maxixes e músicas para espetáculos. Boa parte de sua obra foi composta em parceria
com outros músicos. Sebastião Cirino teve algumas músicas premiadas em concursos
carnavalescos, como a composição “Cristo nasceu na Bahia” (1925), sua obra de maior
sucesso26. Foram encontradas duas gravações de épocas distintas dessa composição. A primeira
gravada pelo cantor Arthur Castro, acompanhado pela Banda da Casa Edison e a segunda
gravada pela Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro e coro.

Figura 3: Trecho da partitura para piano do samba “Cristo Nasceu na Bahia”

25
Biografia sobre Sebastião Cirino. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/sebastiao-cirino/dados-
artisticos. Acessado em: 02/09/14.
26
Idem.
23

1.8 Carmelino Veríssimo de Oliveira - “Pedroca”

Pedroca nasceu na cidade do Rio de Janeiro - RJ, em 1913. Porém, há divergências


nas fontes pesquisadas com relação ao dia e mês de seu nascimento. No verso de seu disco “As
garotas gostam de dançar com Pedroca e seu Piston”, consta o dia trinta e um de janeiro, dia de
São Pedro Nolasco, motivo pelo qual foi apelidado de “Pedroca”27. Entretanto, na segunda fonte
pesquisada, a data de seu nascimento consta como dia cinco de abril28.

Autodidata, sua iniciação musical deu-se aos oito anos, tocando “cavaquinho”. Aos
treze anos empenhou-se em estudar teoria e solfejo, e oito meses depois apresentou sua primeira
composição, com a qual, tempos depois, foi premiado como primeiro colocado em um concurso
no colégio em que estudava29.

Imagem 7: Carmelino Veríssimo de Oliveira “Pedroca”30.

As obras musicais de Pedroca compreendem um total de trinta e três músicas que


variam entre choros, boleros, mambos, baiões e beguins. Suas primeiras gravações iniciaram-
se no ano de 1950 e se estenderam até o ano de 1959 somando um total de vinte e três
fonogramas, sendo dezoito de 78 rpm e cinco Lps: “Pedroca e seu quinteto”, lançado pela
gravadora Sinter em 1956; “Pedroca e seu Piston”, lançado pela gravadora Sinter em 1956; “As
garotas gostam de dançar com Pedroca e seu Piston”, lançado pela gravadora Sinter em 1958;

27
OLIVEIRA, C. V. As garotas gostam de dançar com Pedroca e seu Piston. Rio de Janeiro: Sinter, 1958. Lp.
28
Biografia sobre Carmelino Veríssimo de Oliveira. Disponível em:
http://www.dicionariompb.com.br/pedroca. Acesso: em 27/05/2014.
29
Ibidem.
30
Imagem de Carmelino Veríssimo de Oliveira “Pedroca”. Disponível em:
http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/2014/02/o-piston-de-pedroca.html. Acesso em: 21/03/15.
24

“Pedroca em ritmos diversos”, lançado pela gravadora Todamérica em 1958 e “Atendendo a


pedidos”, lançado pela gravadora Sinter em 195931.

Figura 4: Lps gravados por “Pedroca”.

Figura 5: Lps gravados por “Pedroca”.

“Pedroca” foi um trompetista de destaque nacional em sua época, deixou diversos


registros fonográficos de suas composições e interpretações de outros compositores.

31
Biografia sobre Carmelino Veríssimo de Oliveira. Disponível em:
http://www.dicionariompb.com.br/pedroca. Acesso em: 27/05/2014.
25

1.9 Porfírio Alves da Costa - “Porfírio Costa”

Porfírio Costa nasceu em 1913, na cidade de Campina Grande - PB. Começou seus
estudos musicais aos treze anos de idade com o maestro Severino Lima. Em 1931, transferiu-
se para a cidade do Recife - PE. Nesse mesmo ano foi registrada sua primeira composição, o
choro “Diplomacia” (MOTA, 2011).

Porfírio Costa foi integrante da Orquestra da Rádio Clube de Pernambuco,


Orquestra do Maestro “Fon-fon”, Orquestra Tabajara, Orquestra Carioca e Orquestra do
Maestro Osmar Milani, trabalhando também ao lado de outros talentosos músicos, como K-
Ximbinho (1917-1980), Zé Bodega (1923-2003), Geraldo Medeiros (1917-1978), dentre outros
(MOTA, 2011).

Imagem 8: Porfírio Costa32

Suas composições compreendem um total de cinco músicas, a saber, “Açude


velho”, primeira composição, gravada em 1946; “Primeirão”, gravada em 1946, “Peguei a reta”,
gravada em 1948; “Passou”, gravada em 1950; e “Diplomacia” (s/d), tendo sido as três
primeiras gravadas pela Orquestra Tabajara. Em 2002, o trompetista Joatan Nascimento gravou
algumas composições de Porfírio Costa, como: “Emplaquei os 60”, “Passou”, “Bizoquinha” e
“Peguei a reta” no disco “Eu choro assim”, 200233.

32
Imagem de Porfírio Alves da Costa. Disponível em:
http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/2014/10/porfirio-costa.html. Acesso em: 21/03/15.
33
NASCIMENTO, J. (2002). Eu choro assim. Maianga Discos (CD digital estéreo).
26

1.10 Geraldo Medeiros dos Santos - “Geraldo Medeiros”

Geraldo Medeiros nasceu em 1917, na cidade de Areia - PB. Iniciou seus estudos
com seu avô, João Clementino dos Santos (s/d), o “Joca”, maestro de banda em inúmeras
cidades do interior da Paraíba. Em 1933, mudou-se para João Pessoa, onde teve um
envolvimento direto com a música. O serviço militar obrigatório trouxe uma influência
importante para a definição da carreira. Ao apresentar-se no quartel, foi designado a integrar a
Banda da Polícia (COURAÚCCI, 2009).

Imagem 9: Geraldo Medeiros34.

Medeiros atuou como pianista em um breve período, trabalhando em diversas


emissoras de rádio e televisão como, por exemplo, a “Jazz Tabajara”, na Rádio Tabajara, cidade
de João Pessoa - PB35. Ao assumir a regência da “Jazz Tabajara”, Severino Araújo (1917-2012)
transferiu-o para primeiro trompete de sua Orquestra, assumindo a cadeira por quarenta anos
(COURAÚCCI, 2009).

Além de pianista e trompetista, Geraldo Medeiros atuava como compositor, tendo


boa parte de sua obra gravada pela Orquestra Tabajara. Suas composições variam entre frevos,
choros e cocos, somando um total de aproximadamente dezesseis músicas. Em 1946, na cidade
do Rio de Janeiro - RJ, em parceria com Benedito Lacerda, Arlindo Marques, Ary Barroso e

34
Imagem de Geraldo Medeiros. Disponível em: COURAUCCI (2009).
35
Biografia sobre Geraldo Medeiros dos Santos. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/geraldo-
medeiros/biografia. Acessado em: 16/09/14.
27

Marino Pinto, ajudou a fundar a Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de


Música (SBACEM), tornando-se membro vitalício da sociedade (COURAÚCCI, 2009).

1.11 José Luís Pinto - “Formiga”

Formiga nasceu em 1932, na cidade de Nova Friburgo - RJ36. Aos quatorze anos de
idade iniciou seus estudos musicais na “Banda de Música Campesina”, sob a regência do
maestro Joaquim Naegele (1899-1985). Em 1947, deu sequência aos seus estudos no
Conservatório do Distrito Federal, na cidade do Rio de Janeiro, onde estudou com o professor
Arthur Pades Y Terry (s/d), graduando-se em harmonia, trompete e contraponto (PINTO, 1959).

Imagem 10: José Luis “Formiga”37.

Foi integrante de diversas Orquestras, entre elas a “Napoleão Tavares e seus


soldados musicais”, Orquestra do maestro “Cipó”, Orquestras de Gentil Guedes, Orquestra
Marajoara do maestro Peruzzi na Rádio Mayrink Veiga e Orquestra de Ary Barroso.38

A produção fonográfica de Formiga compreende os Lps: Piston em Alta Fidelidade


(1958); Tudo é Bossa (1960); Trompete Espetacular (1962); Caminhos e melodias (1963);
Formiga in Love (1964); Big Parada: Formiga e sua Orquestra (1970) e Purcell - Concerto para

36
Biografia sobre José Luís Pinto “Formiga”. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/formiga-4.
Acesso em: 31/07/2014.
37
Imagem de José Luis “Formiga”. Disponível em: http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/2014/03/o-
trompetista-formiga.html. Acesso em: 21/03/2015.
38
Idem.
28

trompete em Ré e orquestra (1977)39, contendo interpretações de Formiga sobre diversos


compositores, além de algumas composições próprias.

Figura 5: Capas dos Lps gravados por “Formiga”

Além da sua produção autoral, Formiga teve uma colaboração ativa no mercado
fonográfico brasileiro. Participou de diversas gravações de discos dos mais variados artistas
nacionais, somando aproximadamente cento e sessenta e quatro músicas concentradas em
sessenta e sete fonogramas.

Parte dos nomes relacionados neste capítulo podem ser desconhecidos por grande
parte dos trompetistas brasileiros e possivelmente também não eram de conhecimento de
Márcio Montarroyos, com exceção dos trompetistas de gerações mais próximas a ele. Diante
disso, reconhece-se que boa parte desses trompetistas não exerceram influência sobre a
musicalidade de Montarroyos. Entretanto, deve-se salientar que esses músicos tiveram uma
importância considerável em suas épocas. Esses trompetistas destacaram-se por suas
habilidades musicais, pela participação ativa no mercado fonográfico e em diversas situações
musicais, sendo que alguns transitavam também pela música de concerto. Vale ressaltar que
essas características também foram recorrentes em Márcio Montarroyos, e serão tratadas no
próximo capítulo.

39
Biografia sobre José Luis Pinto “Formiga”. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/formiga-4.
Acessado em 31/07/2014.
29

Capítulo

2 Márcio Montarroyos e o disco Stone Alliance

2.1 Formação musical

Márcio Cavalcante Montarroyos, filho do General do Exército Brasileiro, João


Augusto Montarroyos Filho e da pianista Neida Cavalcante Montarroyos, nasceu na cidade do
Rio de Janeiro - RJ, em 08 de setembro de 1948. Márcio Montarroyos pertenceu à quarta
geração de músicos da família, tradição iniciada por sua bisavó, herdada pela avó e,
posteriormente, pela mãe e pela tia do trompetista, como afirma a pianista Nail Cavalcante:40

A tradição musical na família vem desde minha avó, que foi aluna de Arthur Napoleão.
Depois foi minha mãe, que foi aluna de Henrique Oswaldo, depois foi a vez da mãe
dele, que foi aluna de Góes. Esses professores deram aula na Universidade, ou melhor,
no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro.

Montarroyos cresceu em um ambiente familiar onde a música clássica era


considerada prioridade e a escola formal era considera um complemento para a formação do
indivíduo41. Seu primeiro contato direto com a música se deu aos quatro anos de idade por
influência de sua mãe, então professora de piano na Escola de Música Nacional da Universidade
do Brasil, conforme afirmou o trompetista em entrevista concedida para a revista Werill: “Nasci
em uma família onde a música esteve muito presente. Aos quatro anos, já comecei a aprender piano,
influenciado por minha mãe, que tocava o instrumento” (LOURENÇO; GONÇALVES;
PAULINO, 2000).

40
CAVALCANTE, N. Entrevista concedida ao autor em 07/11/2014.
41
Ibidem.
30

Imagem 11: Márcio Montarroyos ao piano.42

Destaca Bittencourt (1971) que por volta dos treze anos, o pai de Montarroyos o presenteou
com um trompete americano da marca “King”, incentivando-o a praticar o instrumento. Sua prima Beth Lucas
(pianista) relata que o interesse pelo trompete se deu ao ingressar no Colégio Militar do Rio de Janeiro, local
onde lhe foi apresentado o instrumento, como afirma a pianista:43

O Márcio estudou uma época no Colégio Militar, você imagina o caos que não era, né
[risos]? Volta e meia, meu tio, que era militar, tinha que comparecer ao Colégio porque
o Márcio não tinha ido às aulas, mas tinha presença e não sabiam o porquê disso. Daí
eles descobriram que o Márcio fugia das aulas para tocar na banda. E foi assim que
ele começou a tocar trompete, nisso o meu tio deu um trompete para ele de presente.

Seus primeiros anos de estudo ao trompete foram voltados para a música de concerto,
possibilitando o aperfeiçoamento técnico do instrumento. O saxofonista Léo Gandelman afirma que a
sonoridade de Montarroyos era sua principal característica, destacando-o em relação aos demais
trompetistas de sua época:44

O Márcio teve uma formação na escola clássica muito importante. Tanto é que você
pode ver pelo toque dele, pela articulação, pela afinação, pela sonoridade, que ele tem
toda uma história de trompete clássico. O Márcio estudou concertos de música
clássica no trompete, ele desenvolveu toda uma escola clássica e mais tarde foi estudar
Jazz. O que marca o Márcio, mais do que qualquer outra coisa é o touché dele. Ele
tinha uma forma muito elegante de produzir o som no trompete. O acabamento do

42
Imagem do acervo pessoal de fotografias de Neida Cavalcante Montarroyos (mãe do trompetista).
43
LUCAS, M. E. Entrevista concedida ao autor em 07/11/2014.
44
GANDELMAN, L. Entrevista concedida ao autor em 11/05/2014.
31

som dele é inigualável, de nível internacional. O timbre, a afinação, a articulação,


todos os elementos básicos. Ele tinha uma forma extremamente musical de produzir
os fundamentos do instrumento como ninguém. No mundo clássico, no mundo
popular, com ou sem efeito, o acabamento sonoro dele é inigualável.

Imagem 12: Márcio Montarroyos ao trompete em “C”45.

Montarroyos chegou a realizar concertos para trompete e piano profissionalmente.


Em certa ocasião, foi convidado a executar o concerto Lovelock (1968)46 para uma cena de
novela exibida pela TV Globo em 1975, gravada na Casa de Rui Barbosa, na cidade do Rio de
Janeiro - RJ, como afirma Nail Cavalcante47:

Minha filha tocou com ele várias vezes! Eles tocaram aqui o concerto em primeira
audição de Lovelock, ninguém conhecia. Ela tocou com ele se apresentando numa
novela da TV Globo [O Bravo] tocando esse concerto de Lovelock. Isso foi gravado
na Casa de Rui Barbosa.

45
Imagem do acervo pessoal de fotografias de Neida Cavalcante Montarroyos (mãe do trompetista).
46
Concerto para trompete composto por William Lovelock (1899-1986).
47
Ibidem.
32

Imagem 13: Márcio Montarroyos e sua prima Maria Elizabeth Lucas48.

Gandelman (2014) afirma que além dos estudos técnicos de trompete e da música de concerto,
a sonoridade adquirida por Montarroyos também se deu por diversas influências musicais, dentre elas, as de
alguns trompetistas brasileiros que, assim como Montarroyos, tiveram formação musical erudita49:

Aqui no Brasil, eu posso dizer que ele como músico de estante ou de naipe, teve uma
influência muito grande de toda uma geração que pertenceu às Big Bands brasileiras,
como o Hamilton Cruz e Maurílio Santos. Ele gostava do Maurílio, eu me lembro!
Quem mais que eu posso dizer? O “Formiga”... Eram trompetistas que fizeram
também a escola clássica, que tinha aquele som de lead play, de primeiro trompete.
Ele gostava desse pessoal, mas eu acho que a maior influência dele foi do Miles Davis,
entendeu? O Márcio adorava o Miles... e o Freddie Hubbard!

Os primeiros contatos de Márcio Montarroyos com o jazz se deram na adolescência


por meio da escuta de discos norte-americanos, tendo sido influenciado por diversos músicos,
dentre eles os trompetistas Dizzy Gilespie, Lee Morgan, Freddie Hubbard e principalmente por
Miles Davis. A escuta fonográfica foi incorporada por Montarroyos como ferramenta de estudo
e exploração da linguagem jazzística, visto que, segundo o trompetista, não existia no Brasil
uma escola de trompete ou de instrumento de sopro algum voltada para música popular ou, no
caso, para o jazz (MONTARROYOS, 1971 apud BITTENCOURT, 1971).

48
Imagem do acervo pessoal de fotografias de Neida Cavalcante Montarroyos (mãe do trompetista).
49
Ibidem.
33

Sobre seu aprendizado na música popular brasileira e no jazz, afirmava


Montarroyos50:

Você tem que ter vocabulário para tocar música, para tocar jazz, você tem que ser
muito rico em vocabulário musical naquele estilo. Agora, como é que faz para ter
vocabulário? Aí, é um estudo de vida, você vem e sofre influência de outros músicos,
de outros solistas, de música erudita, de samba... Aí você consegue um estilo. Um
estilo é o que todo mundo tem que procurar... É o estilo.

Montarroyos, aproveitando a oportunidade intermediada por uma bolsa de estudos,


mudou-se em 1972 para Boston, nos EUA, estudando durante um ano na instituição Berklee
School of Music. Esse período foi fundamental para o aprimoramento técnico do instrumento,
para a percepção auditiva e estudo da linguagem de improvisação jazzística, como afirmou
Montarroyos51:

Eu tocava todo o tempo que podia. Lá eu tive um estudo intenso de técnica do


trompete, harmonia, ear training e aulas práticas de solista principal em pequenos e
grandes grupos. Improvisava ao meu gosto, com total liberdade. Não se ensina Jazz e
nem samba a ninguém, apenas se ajuda a desenvolver.

Márcio Montarroyos pertenceu a uma das primeiras gerações de músicos brasileiros


que estudaram jazz nos EUA. Entre esses músicos estavam também o pianista Nelson Ayres, os
saxofonistas Vitor Assis Brasil, Roberto Sion e o trompetista Claudio Roditi, dentre outros. A
Berklee School of Music possuía uma representatividade importante para os músicos que
quisessem aprender e desenvolver a linguagem jazzística, visto que foi a primeira instituição a
sistematizar o ensino da improvisação nesse estilo, como afirma Gandelman52:

A Berklee era uma escola pioneira nesse tipo de ensino. Eu precisava, para ter certeza
do que eu estou te falando, porque na New Englad School of music e outras escolas
grandes de música nos EUA, já existiam algumas coisas nesse gênero do ensino da
música, digamos assim, improvisada. Mas a Berklee ficou famosa mundialmente
como sendo “a escola de jazz” porque foi realmente o primeiro centro que

50
MONTARROYOS, M. entrevista para TV Senado. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=4u3wb7ygGnU. Acessado em 14/08/2014.
51
Para o jazzista brasileiro Pixinguinha é o caminho. O Globo, 19 de abril de 1973.
52
Ibidem.
34

sistematizou em método o ensino de jazz, isso foi sem dúvidas. A New Englad School
of music em Boston, tem um departamento de música popular que se chama Third
Stream Departament, pouco mais aberta que Jazz em termos de abrangência, mas a
Berklee foi uma escola que se fixou no idioma Jazz, e na análise do que é que acontece
na música do Jazz harmonicamente e a questão do improviso analisada
profundamente. Então, acredito que o motivo que ele foi pra Berklee, foi em busca
desse tipo de conhecimento específico que não tinha no Brasil na época, não tinha
bibliografia, não tinha nada, que você era obrigado a cruzar mares para ter, que levou
o Márcio a estudar fora do país.

Montarroyos referia-se ao seu período de vivência nos EUA dizendo que levaria
dez anos no Brasil para aprender o que lhe foi oferecido em um ano de Boston. Paralelo à busca
pelo conhecimento musical naquele período, o trompetista justificava a saída de tantos
instrumentistas brasileiros do país devido à falta de mercado, à falta de oportunidade, à falta de
investimentos na formação de público para a música instrumental, à falta de orquestras e grupos
de experimentação musical53:

No Brasil, quando se tem sorte, um instrumentista ganha a vida conseguindo pequenos


bicos. Não há orquestras, grupos experimentais ou alguém que esteja disposto a ouvi-
lo. Por isso a tendência é deixar o país. Nossos melhores músicos estão ganhando a
vida no estrangeiro. Isso é uma necessidade não apenas econômica, mas também
profissional.

Após um ano morando nos EUA, mesmo com propostas de trabalhos para ingressar
em grupos como “Blood Sweat & Tears”54, Montarroyos retornou ao Brasil ciente da sua
responsabilidade em divulgar a música instrumental brasileira e lutar por melhores condições
de trabalhos. Segundo o trompetista55:

Eu poderia ter ficado lá, tive convites bons para trabalhar com muita gente, como o
“Blood Sweat & Tears”, por exemplo. Mas isso não faz sentido. Do que adianta eu
ficar lá? Meu trabalho é aqui, tenho uma responsabilidade aqui. Cada músico que fica
e trabalha aqui, está ajudando a divulgar a música instrumental brasileira, a melhorar
as condições de trabalho. Se eu não ficar aqui, não der concertos, quem vai divulgar
o trompete entre a garotada, quem vai mostrar como é? Eu tenho uma responsabilidade
perante essa meninada, o público todo, os meus alunos. Tenho só três alunos de
trompete, aí você vê como o instrumento é desconhecido no Brasil.

53
BITTENCOURT, S. Instrumento, métodos caros e revistas especializadas. O Globo, 28 de dez. 1971. Matutina,
Cultura, p. 5.
54
Banda norte-americana de rock and roll formada em 1967 na cidade de Nova Iorque, EUA.
55
Para ele, o melhor de tudo é o Pomoja. E música brasileira. O Globo, 12 de novembro de 1977. Cultura, p. 35.
35

Naturalmente, após seu período de estudos e vivência na Berklee, Montarroyos


colocou em prática sua bagagem adquirida nos EUA. Segundo Chiquinho de Moraes 56, Márcio
Montarroyos foi um dos músicos que melhor se utilizou desses conhecimentos por ter
sintetizado e adaptado essas informações para a música popular brasileira. Afirma o maestro:

Olha, eu tenho quase oitenta anos e muita água já passou embaixo da minha ponte
[risos]! No meu tempo de jovem arranjador não se falava em estudar numa escola,
quase não existiam escolas de música no Brasil. Mas eu me formei no Conservatório.
Estudar nos Estados Unidos era uma coisa que nem se falava. Tempos depois, o
pessoal aqui do Brasil descobriu a Berklee, começaram a ir lá para estudar. Eu comecei
a perceber que quando eles retornavam ao Brasil, tantos os instrumentistas quanto os
arranjadores, voltavam cheios de teorias e cheios de planos, mas ainda estavam na
fase embrionária da coisa. Eles pensavam como americanos e tentavam executar como
americanos, mas não conseguiam encaixar toda essa cultura para a nossa música, para
música popular. Então, ficavam todos escrevendo e tocando iguais uns aos outros, mas
depois eles encontraram seus próprios caminhos! Aí entra a história do Márcio, ele foi
para lá, estudou e voltou, mas não como um trompetista de jazz, mas como um
trompetista brasileiro, assim como o Edu Lobo, que também estudou fora e voltou
como arranjador brasileiro. Essas foram as duas únicas pessoas que foram lá estudar,
assimilaram, mas não copiaram.

Em contrapartida, Márcio Montarroyos influenciou diversos músicos de diferentes


gerações ao longo de sua carreira, dentre eles, destacam-se o saxofonista Leo Gandelman e o
trompetista Walmir Gil. Segundo Gandelman (2014), Montarroyos foi uma das principais
pessoas que o incentivou a investir na carreira de músico, em especial, na música instrumental,
como afirma o próprio saxofonista57:

O Márcio influenciou muita gente. Inclusive a mim. Não só pela forma de tocar
trompete, mas porque ele foi um pioneiro abrindo caminhos nessa praia da música
instrumental brasileira. Eu, quando conheci o Marcio e adentrei ao trabalho dele como
compositor e tal, e vi o que ele estava fazendo e como ele estava fazendo, eu acreditei
que era possível fazer. Sabe, o Márcio foi o cara que me mostrou que era possível
fazer um trabalho de música instrumental no Brasil.

56
MORAES, F. Entrevista concedida ao autor em 05/05/2014.
57
Ibidem.
36

Imagem 14: Léo Gandelman e Márcio Montarroyos58.

Para o trompetista Walmir Gil, na década de 1970, a televisão brasileira foi umas
das principais vias de divulgação do trabalho de Márcio Montarroyos. Por conta das gravações
de trilhas sonoras para novelas e aparições em programas de televisão, Montarroyos atingiu o
status de “trompetista artista” e, consequentemente, conseguiu influenciar uma geração de
músicos no país59:

Na década de 1970, tinha uma novela na TV Globo [Carinhoso] que a gente assistia
todo dia só para ouvir o trompete do Montarroyos. Ele tocava a música “Carinhoso”
na abertura da novela. Isso foi um arranjo do Chiquinho de Moraes que o Márcio
tocava lindamente! Só que eu não sabia que ele tocava aquilo ali no FlugelHorn! Para
mim era trompete. Tempos depois, toquei muito aquele solo em conjuntos de baile.
Eu tocava aquele solo com introdução, as frases e tudo, sempre procurava imitá-lo.
Agora, ao meu ver, o pioneirismo do Márcio não se deve só ao fato dos equipamentos
eletrônicos. Ele realmente foi um trompetista artista, entende? Ele aparecia na
televisão em rede nacional. Todos os dias, por causa da novela “Carinhoso”, ele era
ouvido. Ele influenciou muitos outros músicos, assim como influenciou a mim
também.

Imagem 15: Walmir Gil, Márcio Montarroyos e Lea Freire em São Paulo 60.

58
Imagem do acervo pessoal de fotografias de Neida Cavalcante Montarroyos (mãe do trompetista).
59
GIL, W. A. Entrevista concedida em 25/08/2015.
60
Imagem do acervo pessoal de fotografias de Wlamir Gil.
37

Chiquinho de Moraes destaca que no ambiente da música popular, copiar alguém


era o modus operandi do músico brasileiro. Em outras palavras, a influência musical exercida
por determinado músico sempre foi algo muito recorrente na música popular, sobretudo no jazz,
tornando-se parte do aprendizado do músico brasileiro61.

2.2. Carreira profissional

A carreira profissional de Montarroyos se iniciou alguns anos antes da sua ida aos
EUA, trabalhando em diversos conjuntos de baile, tocando repertórios nacionais e
internacionais como, por exemplo, músicas de Stevie Wonder, O. C. Smith, Beatles, Tijuana
Brass, Kool & The Gang, James Brown, Blood Sweat & Tears, entre outros.62 Dentre os grupos
que Márcio trabalhou, o primeiro foi a Banda “Fórmula 7” e, posteriormente, o conjunto “A
Turma da Pilantragem”, ambos na segunda metade da década de 1960 e início de 1970.63
Contratado como músico da casa na boate “Number One” em 1970, acompanhou importantes
nomes do cenário jazzístico internacional, tais como Carlos Santana, Ella Fitzgerald e Sarah
Vaughan.64

O trabalho de maior projeção no início de sua carreira foi a gravação da trilha sonora
para a novela “Carinhoso”, exibida no início da década de 1970 pela TV Globo. Segundo
Montarroyos, a exibição diária de sua interpretação sobre a música “Carinhoso” na abertura da
novela, juntamente com suas participações em programas de televisão, como por exemplo, o
programa “Globo Gente”, transmitido pela TV Globo na década de 1970, inseriu o trompete em
uma posição de destaque na música popular brasileira e também popularizou seu nome65.

61
Ibidem.
62
Informações retiradas de um release de autoria desconhecida encontrado em acervo pessoal da mãe de
Montarroyos, Neida Cavalcante Montarroyos.
63
Biografia sobre a Banda “Turma da Pilantragem”. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/a-
turma-da-pilantragem/dados-artisticos. Acessado em 14/01/15.
64
De Pixinguinha a Hermeto Pascoal, na Sala Funarte. O Globo, 04 de julho de 1979. Matutina, Cultura, p. 37.
65
“Para o jazzista brasileiro Pixinguinha é o caminho”. O Globo, Matutina, Geral. Rio de Janeiro, 19 de abril de
1973. p. 3.
38

Figura 6: Lp “Carinhoso” – capa e contra capa.

Além do Lp “Carinhoso”, seguindo a mesma proposta, Montarroyos e seu grupo


lançaram um segundo disco, chamado “Sessão Nostalgia”. Segundo o jornal “O Globo” de
197366, o Lp apresenta músicas que marcaram época no cinema, sendo elas: “Storm Weather”,
“As Time Goes By”, “Tenderly”, “Stardust”, “I’ve Got Under My Skin”, dentre outras. Tempos
depois, ao contrário do que se sucedeu no início de sua carreira, com as gravações dos Lps
supracitados, Montarroyos investiu em outras possibilidades musicais, como afirmou o
trompetista em uma entrevista concedida para o jornal “O Globo” de novembro de 1977:

Não nego que foi bom para mim, porque foi, em termos de popularidade, dinheiro e
tal. Mas eu, hoje, não faria mais aquilo de jeito nenhum. Não estou mais afim de
nostalgia, dessas coisas. Tá certo tem que ter lugar para o choro, mas não entendo ficar
tocando como se ainda estivéssemos em 1932. É bom ter os músicos da antiga
trabalhando e tudo, tem que ter lugar para choro, para tudo, mas tem que ter lugar para
a música de vanguarda também, para a música instrumental brasileira. Eu não conto
aqueles outros discos. Um era a trilha da novela “Carinhoso”, o outro se chama
“Sessão Nostalgia”. Sabe, não posso considerar como meus discos que eu nem
aguento colocar na vitrola (MONTARROYOS, 1977 apud BAHIANA, 1977).

66
O som que vem da televisão. O Globo, 16 de dez. 1973. Matutina, Tele Semana, p. 2.
39

Figura 7: Lp “Sessão Nostalgia” – capa e contra capa.

Márcio Montarroyos atribui a existência desses dois discos à falta de experiência


no início de sua carreira e à vontade de trabalhar em um estúdio profissional, como afirmou o
trompetista: “Eu era muito inexperiente, com muita vontade de gravar, sem uma concepção
musical forte, definida, então me deixava levar pelos produtores e o resultado foi esse”
(MONTARROYOS, 1977 apud BAHIANA, 1977).

Entretanto, Montarroyos manteve uma participação ativa na indústria fonográfica


brasileira por aproximadamente quarenta anos, realizando gravações de jingles, trabalhos como
sideman67 ou solista convidado, tendo sido um músico bastante admirado e requisitado por
diversos artistas. Dentre as suas participações em gravações, destacam-se nomes como: Tom
Jobim, Edu Lobo, Chico Buarque, João Bosco, Milton Nascimento, Djavan, Gal Costa, Maysa,
Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Fafá de Belém, João Donato, Dori Caymi, Ivan Lins, Sarah
Vaughan, entre outros68. Segundo informações do site “Discos do Brasil”, suas participações
contabilizam o total de trezentos e setenta e seis músicas, concentradas em cento e sessenta e
quatro discos69. Evidentemente, esses números podem sofrer alterações, visto que o site se
apresenta em constante atualização.

A partir do levantamento bibliográfico realizado, pôde-se concluir que Montarroyos


era considerado uma exceção na indústria fonográfica brasileira da época, por ser um dos
poucos instrumentistas no país a ser contratado como artista principal da gravadora “Som

67
Músico profissional que é contratado para se apresentar ou gravar com grupos aos quais não é integrante.
68
Pesquisa discográfica sobre Márcio Montarroyos, acesso em 27/01/2015. Disponível em:
http://www.discosdobrasil.com.br/discosdobrasil/consulta/detalhe.php?Id_Musico=MA000229.
69
Pesquisa discográfica sobre Márcio Montarroyos, acesso em 25/08/2015. Disponível em:
http://www.discosdobrasil.com.br/discosdobrasil/consulta/detalhe.php?Id_Musico=MA000229.
40

Livre”70, contrato este iniciado em 1974 (BAHIANA, 1977). O motivo para tal exceção,
obviamente, além da sua competência musical como performer e band leader, se deu em função
de seu bom relacionamento com os artistas com quem trabalhava e, principalmente, com o então
chefe da direção de programação e produção da TV Globo, Bonifácio de Oliveira Sobrinho
“Boni”, admirador da música instrumental brasileira e do jazz (BAHIANA, 1977).

Já para Chiquinho de Moraes, a tamanha produtividade e inserção de Márcio


Montarroyos no mercado fonográfico brasileiro se deu em função da qualidade musical do
trompetista, como afirma o maestro71:

O Márcio realmente teve uma presença marcante no mercado fonográfico e com cachê
diferenciado, eu sabia disso. Os produtores pagavam sem pestanejar. Eu pedi o Márcio
muitas vezes, porque felizmente, as gravações que eu fazia eram de alto nível e a verba
não era como as destinadas às produções normais. Eu me lembro de até ter adiado
gravação por causa da agenda do Márcio. Ele se destacava por causa da qualidade do
trabalho dele. Agora vou levantar uma questão: Se o Márcio tivesse nascido mais tarde
e tivesse produzido o mesmo acervo que ele teve, ele se destacaria como se destacou?
Eu penso que não, porque até aquela época ainda se dava valor a solistas. Hoje não
mais, infelizmente.

Sobre esse assunto, destaca Walmir Gil72:

Além do Márcio ter sido um músico altamente competente, como eu já te disse, ele
era um artista. Bem, na verdade eles tiveram uma época de ouro nesse mercado
fonográfico, entendeu? Dizem que a época em que ele e alguns músicos do Rio mais
trabalharam foi na época do Lincoln Olivetti. Mas o Márcio trabalhava um pouco mais
por ser um solista diferenciado. Ele estava sempre fazendo alguma coisa na TV Globo,
fazendo alguma participação em shows ou no disco de algum cantor, sempre alguma
coisa assim. Ele viveu a época de ouro da Som Livre, junto com o “Bidinho”,
“Paulinho trompete”, Léo Gandelman, Oberdan Magalhães, Zé Carlos “bigorna” e o
“Serginho trombone”. Esse era o grupo que tinha lá no Rio. Eles trabalharam muito
por anos, bem remunerados e acima da média dos demais músicos. Ele também tinha
o grupo dele, que sempre estava viajando em turnê. Ele era bem relacionado fora do
país, andou trabalhando com vários músicos, sempre bem articulado e gerenciando
seu próprio trabalho. Eu vejo por esse lado, entendeu?

70
Gravadora musical brasileira fundada em 1969 com a finalidade de desenvolver e comercializar trilhas sonoras
de novelas produzidas pela Rede Globo de televisão.
71
Ibidem.
72
Ibidem.
41

Imagem 16: Naipe de metais da gravadora Som Livre73.

O respeito e a admiração pelo trompetista Márcio Montarroyos podem ser


observados nos depoimentos de alguns amigos com os quais trabalhou. Dentre esses músicos
destacam-se os cantores Ney Matogrosso (1941), João Donato (1934), Fafá de Belém (1956) e
Marcos Valle (1943).

Em uma festa realizada em 2007, alguns desses músicos fizeram declarações em


apoio a Montarroyos em função de um tratamento médico ao qual o trompetista se submetia.

Segundo Ney Matogrosso:

Montarroyos é um velho amigo, foi ele quem montou minha primeira banda depois
que saí dos Secos e Molhados. Ele quem fez a seleção dos músicos e tocou comigo.
Tocamos juntos várias vezes. Ele é um grande amigo e fiz essa homenagem com maior
prazer.

Para João Donato, “o prazer de tocar para o Márcio Montarroyos é imenso! Ele tem
sido meu colega de gravações e de vários trabalhos. É um prazer enorme tocar para o Márcio!”.
De acordo com Fafá de Belém, “o Márcio é uma pessoa muito querida e generosa. O resto nem
precisa ser falado porque está tudo aí, ele é o cara! Juntar um naipe de gente como o que está
aqui hoje é só para alguém muito especial, agregar todas essas pessoas”.

Sobre Montarroyos, afirmou Marcos Valle:

73
Imagem do acervo pessoal de Alcebíades Espínola “Bidinho”. Da esquerda para direita: “Bidinho”, “Serginho
Trombone” e Márcio Montarroyos. Ao fundo: Oberdan Magalhães e Léo Gandelman.
42

É um dos maiores músicos brasileiros, merece todas as homenagens! Ele já gravou


diversas músicas minhas, ele já participou de vários shows meus. A minha
participação aqui hoje é, logicamente, com muita alegria. Eu estou apenas retribuindo
o que ele merece.

Ao longo de sua carreira, paralelo ao mercado fonográfico, Montarroyos manteve


sua produção artística realizando shows de música instrumental, participações em festivais
nacionais e internacionais como o New Orleans Jazz Festival, nos EUA, o Free Jazz e o Rock
in Rio, os dois últimos no Brasil (LOURENÇO; GONÇALVES; PAULINO, 2000). Walmir Gil
(2015) afirma que além das habilidades musicais, Montarroyos soube gerenciar bem sua
carreira musical, não se limitando apenas a determinados setores da música popular brasileira,
diferenciando-se por isso dos demais trompetistas de sua época74:

Como eu já havia dito a você, o Márcio me influenciou muito, eu aprendi muita coisa
com ele, inclusive administrar os meus trabalhos. Nisso eu acho que ele era um cara
bem ousado para época. Isso é um ponto que eu acho que o diferenciava de outros
trompetistas da época, a capacidade dele administrar sua carreira. Ele era um cara
muito inteligente, bem criado, teve a oportunidade de estudar fora do país e de
conviver com outras pessoas. A meu ver, ele não foi uma pessoa que trabalhou muito
em determinados setores da música, como o pessoal que trabalhou anos fazendo baile
e tocando em gafieiras, justamente porque ele soube administrar isso. Pra mim, esse
foi o grande diferencial dele em relação aos demais músicos da geração dele.

Márcio Montarroyos gravou também quatorze discos autorais, lançados por


gravadoras nacionais e internacionais, dentre elas a Som Livre (citada anteriormente), PM
Records, CBS, Black Sun, Capuri Records e EMI Music, com obras autorais e interpretações
de obras de outros compositores75. O primeiro disco a inaugurar essa fase de lançamentos no
exterior foi o Lp Stone Alliance (1977), que será discutido nas próximas páginas.

74
Ibidem.
75
Biografia sobre Márcio Montarroyos. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/marcio-
montarroyos. Acessado em 27/01/2015.
43

2.3 O grupo Stone Alliance

O grupo Stone Alliance foi formado no ano de 1964 na cidade de Boston - EUA.
Nessa época, o contrabaixista Gene Perla foi convidado a integrar o grupo “Los Muchachos”,
do qual o baterista Don Alias era integrante. Posteriormente, na cidade de Nova Iorque - EUA,
Perla e Alias começaram a trabalhar com a cantora Nina Simone (1933-2003) e com baterista
Elvin Jones (1927-2004). No mesmo período, conheceram o saxofonista Steve Grossman
(1951), com quem formaram o trio Stone Alliance76.

Ao longo da existência do Stone Alliance, diversos músicos realizaram trabalhos


com o trio. Dentre esses músicos destacam-se os pianistas Mark Gray (1952), Kenny Kirkland
(1955-1998) e Kenny Werner (1951), os saxofonistas Jerry Bergonzi (1947) e Bob Mintzer
(1953) e o guitarrista Mitch Stein (s/d). As influências musicais do Stone Alliance eram
diversas, por consequência, o estilo do grupo definia-se na fusão de gêneros como o jazz, a
música afro-cubana, o rock e o pop77.

O Stone Alliance realizou diversas excursões pelos EUA, Europa e Américas


Central e do Sul, sendo as duas últimas em 1977 e 1978. Durante a turnê brasileira, os músicos
do grupo mostraram-se impressionados com a musicalidade dos brasileiros, como afirmou Don
Alias78:

Todos aqui são bateristas. Ontem saímos com duas moças que mostraram suas
habilidades com garfo e um prato enquanto esperávamos a comida. Nos Estados
Unidos alguns cubanos e porto-riquenhos tocam na rua, mesmo assim nos seus
bairros, áreas específicas da cidade. Aqui, todo mundo batuca em qualquer lugar, canta
em qualquer lugar, eu vejo os mesmos sentimentos no pessoal que faz a percussão
afro/cubana/porto-riquenha lá e no samba das escolas de samba daqui, ou mesmo nos
ritmos do candomblé.

76
Biografia sobre o trio Stone Alliance. Disponível em: http://www.stonealliance.com/History.shtml. Acessado
em 04/08/2014.
77
O Stone Alliance no MAM: Os sons da América do Norte encontram os da América do Sul. O Globo, 08 de
janeiro de 1977. Matutina, Cultura, p. 34.
78
Idem.
44

Segundo Gene Perla, “nos Estados Unidos nós ouvimos falar de samba, mas quando
estivemos num ensaio de uma escola de samba vimos que é outra coisa, os ritmos são mais
fortes e mais envolventes” 79.

O Stone Alliance permaneceu no Brasil durante três meses, tendo em seu roteiro de
apresentações as seguintes cidades: Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife e
São Paulo, seguindo para países, como Argentina, Chile, Venezuela, Colômbia e alguns países
da América Central, retornando ao Rio de Janeiro em 1978 para o lançamento do Lp Stone
Alliance, no teatro “Clara Nunes”80.

2.3.1 Os músicos

A formação, a experiência profissional e a vivência musical de cada músico que


integra um determinado grupo, podem dizer muito sobre sua produção, o que envolve escolhas
estéticas e concepções musicais. Por esse motivo, súmulas biográficas de cada um dos membros
que compuseram o grupo em 1977 serão apresentadas nas próximas páginas.

2.3.1.1 Gene Perla81

Instrumentista (pianista e contrabaixista) e compositor, Gene Perla nasceu em 1940


em Nova Jersey - EUA. Seus primeiros contatos musicais se deram aos cinco anos, estudando
piano erudito. Posteriormente, na adolescência, começou a estudar trombone e a cantar em
corais. Teve como primeira influência jazzística o pianista Nat “King” Cole (1919-1945).
Chegou a frequentar o curso de Engenharia de Negócios na Universidade de Toledo,
abandonando-o tempos depois para ingressar na Berklee School of Music na cidade de Boston
- EUA. Inspirado pelas gravações do contrabaixista Charlie Haden (1937-2014) começou a se
dedicar ao contrabaixo.

79
Idem.
80
Biografia sobre o trio Stone Alliance. Disponível em: http://www.stonealliance.com/History.shtml. Acesso
em: 04/08/2014.
81
Biografia Sobre Gene Perla. Disponível em: www.stonealliance.com. Acesso em: 02/02/2015.
45

Em 1966, mudou-se novamente para a região de Nova Iorque começando a atuar


profissionalmente. Dentre os músicos que Perla acompanhou, destacam-se Willie Bobo (1934-
1983), Elvin Jones (1927-2004), Thad Jones (1923-1986), Mel Lewis (1929-1990) e Sarah
Vaughan (1924-1990). Nesse período, fundou o selo PM Records e, juntamente com o pianista
e compositor tcheco Jan Hammer (1948), fundaram o Red Gate Recording Studio82.

Imagem 17: Gene Perla (contrabaixista)83.

2.3.1.2 Don Alias84

Instrumentista (percussionista/baterista), filho de imigrantes caribenhos, Charles


Donald Alias nasceu em 1939 na cidade de Nova Iorque - EUA. Cresceu no Harlem, nos redutos
de cubanos e porto-riquenhos, influenciando-se pelas músicas que eram ouvidas no bairro.
Durante sua adolescência, Alias começou a tocar congas acompanhando a cantora Eartha Kitt
(1927-2008), participando da edição de 1957 do Newport Jazz Festival. Tempos depois,
interrompe temporariamente suas atividades musicais para ingressar no curso de bioquímica no
Carnegie Institute, em Boston - EUA. Nesse período, Alias costumava entrar clandestinamente
em clubes de jazz em companhia de estudantes da Berklee School of Music, dentre eles o
percussionista Bill Fitch (1941-?) e o contrabaixista Gene Perla.

82
Idem.
83
Imagem de Gene Perla. Disponível em http://www.raypirre.com/portfolio/gene-perla/. Acesso em
06/06/2015.
84
Biografia sobre Don Alias. Disponível em www.stonealliance.com. Acesso em: 02/02/2015.
46

Imagem 18: Don Alias (baterista)85.

Retomando as atividades musicais, Alias foi convidado a integrar a banda da


cantora Nina Simone como percussionista, acompanhando-a durante aproximadamente três
anos. Após esse período, o trompetista Miles Davis contratou Alias também como
percussionista para as gravações do Lp Betches Brew (1969). Dentre os músicos com quem
Alias trabalhou, destacam-se o saxofonista David Samborn (1945), a banda Weather Report
(1970-?), a cantora Joni Mitchel (1943), com o pianista Herbie Hancock (1940), com a banda
Brecker Brothers (1970-2007), com o contrabaixista Jaco Pastorius (1951-1987), com o
guitarrista Pat Metheny (1954), dentre outros.

2.3.1.3 Steve Grossman86

Steve Grossman nasceu em 1951 no Brooklyn, na cidade de Nova Iorque - EUA.


Iniciou seus estudos musicais ao saxofone alto durante o primário, mais tarde, por volta dos
quinze anos de idade, começou a estudar saxofone soprano e, aos dezesseis, inseriu o saxofone
tenor em suas rotinas de estudo. O interesse pelo jazz veio na adolescência, influenciado pelo
Bebop, em especial pela música de Charlie Parker (1920-1955), em menor proporção, por
músicos como Jackie McLean (1931-2006), Cannonball Adderly (1928-1975) e Sonny Stitt
(1924-1982).

85
Imagem de Don Alias. Disponível em www.stonealliance.com. Acesso em: 02/02/2015.
86
Biografia sobre Steve Grossman. Disponível em www.stonealliance.com. Acesso em: 02/02/2015.
47

Imagem 19: Steve Grossman87.

Seu primeiro trabalho profissional foi aos dezesseis anos, tocando ao lado de Wilbur
Ware (1923-1979), Elvin Jones (1927-2004) e Billy Green (s/d). Ao longo de sua carreira,
Grossman trabalhou com muitos músicos, dentre eles Woody Shaw (1944-1989), Kenny
Dorham (1924-1972), Charles Tolliver (1942), Kenny Barron (1943), Gary Bartz (1940), Philly
Jo Jones (1923-1985), Miles Davis (1926-1991), Jimmy Garrison (1934-1976), David Williams
(1971), Hank Jones (1918-2010), Tommy Flanagan (1930-2001), Frank Foster (1928-2011),
Joe Farrell (1937-1986), Junior de Cook (1934-1992) e Dave Liebman (1946). No final da
década de 1970, Steve Grossman começou a arregimentar seus próprios grupos, participando
de diversos festivais pelo mundo.

2.3.2 Músicos convidados

Além de Márcio Montarroyos, outros músicos brasileiros participaram da


gravação do disco Stone Alliance. Dentre eles, Hermeto Pascoal e os percussionistas Erasto de
Holanda Vasconcelos, Dom Bira e David Sion.

Uma particularidade do Lp Stone Alliance foi a quantidade de percussão utilizada


durante a gravação do disco. Márcio Montarroyos justifica a existência de tantos percussionistas
ao fato da sessão rítmica ter assumido um papel importante nas músicas desse disco, como
afirmou o trompetista: “Sabe como é, o melhor mesmo é quando entram os músicos brasileiros!

87
Imagem de Steve Grossman. Disponível em:
http://www.nytimes.com/2009/11/23/arts/music/23gross.html?_r=0. Acesso em 06/06/2015.
48

O ritmo tem um papel importante nesse disco, por isso chamei tantos percussionistas para
participarem” (MONTARROYOS, 1971 apud BAHIANA, 1977).

Apesar da importância atribuída por Márcio Montarroyos à quantidade de


percussionistas existente no disco Stone Alliance, não foi possível encontrar informações sobre
os percussionistas Dom Bira e David Sion.

2.3.2.1 Erasto Vasconcelos88

Erasto de Holanda Vasconcelos é natural de Sítio Novo, Olinda - PE. Iniciou seus
estudos musicais com seu pai (s/i). Não exerceu a carreira de imediato, trabalhou como
vendedor em uma relojoaria em Olinda. Com uma carta de recomendação de seu chefe,
transferiu-se para a cidade do Rio de Janeiro no início da década de 1960. Trabalhou no Teatro
Opinião89 ao lado de João do Vale (1934-1996), Nara Leão (1942-1989), Zé Keti (1921-1999),
dentre outros. Erasto trabalhou com importantes nomes da música popular brasileira e
internacional, como Ney Matogrosso, Gilberto Gil (1942), Caetano Veloso (1942), Stan Getz
(1927-1991), dentre outros.

No início da década de 1970, Vasconcelos mudou-se para os EUA ingressou em um


curso de Sociologia da Música, onde teve contato com as disciplinas de história da arte, história
da dança, história do cinema e história da música. Neste período, ainda nos EUA, Erasto
Vasconcelos montou uma escola de música, ensinando ritmos brasileiros e instrumentos de
percussão. Indicado por um professor da Columbia University, Vasconcelos foi convidado a
ministrar aulas de ritmos brasileiros para uma classe de aproximadamente vinte estudantes
naquela universidade.

88
Biografia sobre Erasto de Holanda Vasconcelos. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=qQNe0GViI2U. Acesso em 17/05/2015.
89
Teatro de protesto e resistência, núcleo de difusão e estudos da dramaturgia nacional e popular. Disponível em:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo399366/grupo-opiniao. Acesso em 17/05/2015.
49

Imagem 20: Erasto Holanda Vasconcelos90.

Após dez anos morando na cidade de Nova Iorque - EUA, por conta de problemas
de saúde, retornou ao Brasil, onde vive até os dias de hoje, trabalhando como músico e
compositor. No disco Stone Alliance (1977), Vasconcelos atuou como percussionista nas faixas
“Rua da boa hora”, “Risa” e em “The greeting”.

2.3.2.2 Hermeto Pascoal91

Hermeto Pascoal nasceu no povoado de Olho D’água, perto do distrito de Lagoa da


Canoa, no Estado de Alagoas. Autodidata, iniciou seus estudos musicais aos sete anos, tocando
flautas feitas do caule da mamona e abóbora; aos oito anos iniciou-se na sanfona de oito baixos
e, posteriormente, na de trinta e dois baixos. Saiu de casa aos quatorze anos e transferiu-se para
o Recife - PE, onde trabalhou como percussionista na banda de Jackson do Pandeiro (1919-
1982), quando Jackson iniciava suas incursões como cantor. Em 1958 transferiu-se para o Rio
de Janeiro, acompanhando seu irmão José Neto, que já estava na Rádio Tupi. Em 1961 mudou-
se para São Paulo, onde integrou os grupos Som Quatro, Sambrasa Trio e Quarteto Novo.

90
Imagem de Erasto Holanda Vasconcelos. Acessado em 03/12/2015. Disponível em:
http://vejario.abril.com.br/blog/solta-o-som/solta-o-som/erasto-irmao-de-nana.
91
Biografia extraída de SILVA (2009).
50

Imagem 21: Hermeto Pascoal92.

Em 1970, convidado por Airto Moreira e Flora Purim, Hermeto Pascoal viajou para
os EUA, no intuito de escrever arranjos e composições para dois discos da dupla: Natural
Feelings e Seeds on the ground. Nesta oportunidade, surgiram diversos convites, e Hermeto
Pascoal iniciou sua discografia solo. Como compositor, arranjador e instrumentista, gravou
dezesseis discos autorais: “Hermeto Pascoal: Brazilian Adventure” (Coblestone/1971),
“Hermeto” (Buddah/1972), “A Música Livre de Hermeto Pascoal” (CBS/1973), “Hermeto
Pascoal” (RCA/1975), “Slaves Mass” (CBS/1977), “Zabumbê-bum-á” (WEA/1978), “Hermeto
Pascoal ao vivo em Montreaux” (WEA/1979), “Cérebro Magnético” (WEA/1980), “Hermeto
Pascoal & Grupo” (Som da Gente/1982), “Lagoa da Canoa Município de Arapiraca” (Som da
Gente/1984), “Brasil Universo” (Som da Gente/1986), “Só não toca quem não quer” (Som
Livre/1987), “Por Diferentes Caminhos” (Som da Gente/1989), “Festa dos Deuses”
(Polygram/1992), “Eu e Eles” (Rádio MEC/1999), “Mundo Verde Esperança” (Rádio
MEC/2003) e “Chimarrão com Rapadura” (Independente/2006).

Atualmente, Hermeto Pascoal se divide entre apresentações com seu grupo e shows
e projetos com Big Bands e orquestras por todo o mundo.

92
Imagem de Hermeto Pascoal. Acesso em 03/12/2015. Disponível em:
http://www.uiadiario.com.br/evento/hermeto-pascoal-e-grupo/.
51

2.4 O disco Stone Alliance

Durante a turnê do trio Stone Alliance realizada no Brasil, em 1977, surgiu a


possibilidade da gravação de um Lp entre os músicos americanos e o trompetista brasileiro
Márcio Montarroyos, um acordo entre a gravadora brasileira “Som Livre” e o selo norte
americano “PM Records” (BAHIANA, 1977). Contratado como artista solo da gravadora “Som
Livre” desde 1974, a condição para a realização do Lp foi a de ceder o trompetista gratuitamente
para a “PM Records”, tendo como contrapartida o lançamento do disco pela gravadora
americana nos EUA.

O disco é composto de oito faixas, sendo sete músicas autorais e um arranjo da


música “A Child is Born” (Thad Jones). As músicas “On the foot peg” e “Rua da boa hora” são
composições de Montarroyos; “Risa” e “The Greeting”, composição de Don Alias; “Hey bicho,
vamos nessa” e “Libra rising”, de Steve Grossman; “Menina Ilza”, composição de Hermeto
Pascoal. Além das composições, os músicos se revezaram nas instrumentações. Montarroyos
gravou os trompetes, flugelhorn, mellophone, piano, moog sintetizador, voz e percussão; Steve
Grossman gravou saxofone tenor, saxofone soprano e piano; Gene Perla gravou contrabaixo
elétrico, piano elétrico e Arp string; Don Alias gravou bateria, congas, cabaça, cow bell, guitarra
e voz; Hermeto Pascoal gravou piano e flauta transversal; Dom Bira gravou conga e cow bell;
Erasto de Holanda Vasconcelos e David Sion gravaram percussão93.

Figura 8: Lp “Stone Alliance” – capa e contracapa.

93
MONTARROYOS, M. Márcio Montarroyos Stone Alliance. Rio de Janeiro: Som Livre, 1977. Lp.
52

O processo de gravação do Lp se deu em três etapas. Inicialmente, na cidade do Rio


de Janeiro - RJ no estúdio Level, em janeiro de 1977, depois em São Paulo, no estúdio Vice-
Versa, em março de 1977 e, por fim, foi concluído em Nova Iorque por Gene Perla em agosto
do mesmo ano no Red Gate Studio e Bearsvile94, com o processo de mixagem durando
aproximadamente um mês, como afirma Christina95:

O disco terminou de ser mixado lá na fazenda do Gene Perla e do Jan Hammer, que
tinha um estúdio fabuloso no meio do mato. Era um lugar chamado Peterson, uma
cidadezinha ao norte de Manhattan. Ficamos lá, acho que um mês inteiro na casa deles
mixando esse disco e ficou realmente um trabalho muito interessante.

A gravação do disco Stone Alliance marcou um novo momento na carreira de


Márcio Montarroyos. Segundo Gandelman (2014), o início da década de 1970 foi o período em
que Montarroyos iniciou sua fase de experimentações musicais, e o Lp Stone Alliance marca o
período mais intenso dessas experimentações, como afirma o saxofonista96:

O Marcio teve uma fase de sucesso intenso com os discos Carinhoso e o Sessão
Nostalgia. Ambos foram produzidos pela TV Globo e foram a entrada dele no
mercado de trabalho. Esse foi o disco de sucesso dele! Quando ele estourou com
“Carinhoso” na abertura da novela o nome dele se popularizou. Mas a questão não é
nem a Globo, mas o momento comercial do Márcio, digamos assim. Agora tiveram
outros momentos. Teve o momento que ele pegou pesado com o lance de música
eletrônica. Nesse festival de 1978 que você citou, ali, inclusive teve algum momento
que o Márcio foi vaiado, eu me lembro que teve essa história. Pois é, eu não sei
exatamente, é arriscado falar porque eu não me lembro direito, mas teve alguma coisa
dessas dele aparecer com o trompete ligado em pedaleira de efeito e não ser muito
bem recebido pela plateia. Uma coisa assim do cara ser ousado dentro da época dele,
né? Mas vamos dizer que o Márcio foi questionado justamente por ser um pioneiro
nessa onda de utilização dos pedais eletrônicos.

Gil (2015) relata ter assistido ao respectivo show de Montarroyos pela televisão e,
que em um dado momento as transmissões do áudio do palco foram interrompidas, suscitando
vaias, como afirma o trompetista:

94
MONTARROYOS, M. Márcio Montarroyos Stone Alliance. Rio de Janeiro: Som Livre, 1977. Lp.
95
MENEZES, C. Entrevista concedida ao autor em 12/11/2014.
96
Ibidem.
53

Eu soube dessa história, eu não estava presente. Mas eu me lembro de ter assistido
isso na televisão. Quem transmitia esses shows era a TV Cultura. Eu me recordo de
estar assistindo ao show e o som do palco parar de repente. Anos depois, eu fui gravar
um trabalho em Miami, quem produziu esse trabalho lá foi um cara chamado César
Castanho. Fiquei bastante amigo dele e certo dia, ainda nos Estados Unidos, nós
estávamos conversando sobre esse festival e ele me disse que tinha feito a produção
desse evento e me contou que foi ele quem puxou a tomada do Márcio naquele dia.
Justamente porque tanto o Hermeto quanto o Márcio não obedeceram ao tempo de
show estipulado pela produção do festival.

Gil (2015) também destaca que a década de 1970 foi marcada pela ditadura, pela
repressão e pela censura. Os festivais de música eram sinônimos de liberdade, as pessoas se
sentiam no Woodstock, onde se consumiam bebidas e drogas e, evidentemente, a vaia era uma
situação comum nesses ambientes, relata o trompetista97.

Segundo Claudio Roditi, o Lp Stone Alliance teve uma representatividade


importante para música popular instrumental brasileira da época, como afirmou o trompetista98:

Quando Márcio me convidou para escrever a contracapa de seu novo disco fiquei
muito contente por várias razões. Em primeiro lugar, nós somos amigos há muitos
anos e eu o considero um dos trompetistas mais importantes no atual cenário musical
brasileiro. Depois, esse disco é uma colaboração muito importante entre músicos
brasileiros e americanos. Eles trabalharam para conseguir o que eu considero um dos
discos de cross-over music mais importantes produzidos atualmente.

O Lp Stone Alliance também representou um momento ímpar para a história do


trompete na música popular brasileira, notadamente o processo de eletrificação do instrumento
por meio de pedais e processadores de efeitos sonoros de montagem em rack, que possibilitaram
diferentes tipos de alterações tímbricas em tempo real, informações abordadas no subitem a
seguir.

97
Ibidem.
98
MONTARROYOS, M. Márcio Montarroyos Stone Alliance. Rio de Janeiro: Som Livre, 1977. Lp.
54

2.4.1 Processadores sonoros: a utilização de equipamentos eletrônicos acoplados ao


trompete

Os processadores de efeitos sonoros têm a propriedade de realizar mudanças


tímbricas no som original dos instrumentos musicais e são utilizados tanto em performances ao
vivo quanto em estúdios de gravações. Com o desenvolvimento contínuo da tecnologia, novos
parâmetros de controle e processamento sonoros se desenvolveram, gerando uma diversidade
de efeitos e timbres na atualidade. Historicamente, na década de 1970, os processadores eram
divididos em duas principais vertentes: os pedais e os aparelhos de montagem em rack. Os
efeitos produzidos por esses equipamentos eram agrupados quanto ao tipo de alteração
provocada no sinal original, a saber: efeitos dinâmicos, de reverberação e de modulação.
Evidentemente, em função do escopo dessa pesquisa, deu-se atenção aos efeitos utilizados por
Montarroyos no disco Stone Alliance.

Ao que se pôde investigar, um dos primeiros trompetistas a realizar essas


experiências com processadores de efeitos sonoros acoplados ao seu instrumento foi Miles
Davis. Durante as sessões de gravação do disco Bitches Brew (1969), o som de seu trompete
foi captado por um microfone conectado a uma caixa Echoplex e a um pedal de wah-wah ligado
a um captador acoplado ao seu bocal99, como exemplificado nas imagens a seguir:

Imagem 22: Caixa Echoplex100.

99
DAVIS, M. Bitches Brew. Nova Iorque: Columbia Records, 1969. CD.
100
Caixa Echoplex: Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Echoplex. Acesso em 24/05/2015.
55

Imagem 23: Pedal de Wah-wah utilizado por Miles Davis101.

O tipo de captação utilizado por Miles Davis em suas performances ao vivo durante
a década de 1970 se dava através de um furo adaptado na “garganta” do bocal, denominado
como sistema Barcus Berry.

Imagem 24: Sistema Barcus Berry de captação.

O sistema funcionava como um microfone de contato que capitava as “impurezas”


do som no instrumento. Segundo Gil (2015), o respectivo sistema não era fabricado para
utilização ao trompete, mas era adaptado pelos instrumentistas.

101
Imagem de Miles Davis utilizando um pedal de Wah-wah. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=vdGUKhI5I1k. Acesso em: 05/10/2015.
56

Imagem 25: Bocal com furo adaptado para captador.

Posteriormente, a partir de 1972, Davis aderiu ao uso do sistema de captação Barcus


Berry também em estúdio, como nas gravações dos discos On The Corner (1972) e Get Up With
It (1974)102.

No início da década de 1970, o trompetista Randy Brecker (1945) também adotou


o uso de processadores de efeitos em seu instrumento durante suas performances ao vivo e em
sessões de gravação. Segundo o trompetista, os equipamentos utilizados por ele ao longo de sua
carreira foram: pitch shift, auto wah, volume pedal, delay, equalizer e dpa mic103. Na entrevista
concedida a este autor, Brecker não entrou em detalhes sobre as datas de uso desses
equipamentos e nem o que o motivou a se enveredar pela eletrificação do trompete.

Além dos respectivos equipamentos relacionados por Randy Brecker, em diversos


shows disponibilizados em vídeos na internet, é possível observar o uso do sistema Barcus
Berry ou captação semelhante adotado pelo trompetista, como na imagem a seguir:

Imagem 26: Sistema Barcus Berry104.

102
Ibidem.
103
BRECKER, R. Em entrevista ao autor via e-mail em: 09/09/2015.
104
Utilização do sistema Barcus Berry em performance ao vivo. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=r2pGTqbEYqU. Acesso em 09/10/2015.
57

Atualmente, por conta dos avanços tecnológicos, do surgimento e desenvolvimento


dos diversos tipos de pedais de efeitos, o sistema Barcus Berry deixou de ser utilizado pelos
trompetistas, abrindo espaço para a captação por microfones de lapela ou de pedestal ligados
em dois canais: um para captar o timbre natural do instrumento e outro para processar o som
com os efeitos que o músico achar adequado.

Imagem 27: Microfone de lapela para trompete.

As imagens a seguir correspondem aos equipamentos utilizados atualmente pelo


trompetista Walmir Gil (GIL, 2015) em suas performances ao vivo, sendo eles o Vocal
Performer - modelo VE 20 da marca BOSS, um Space Echo - modelo RE 20 da marca BOSS
em um pedal de Wah-Wah da marca Cry Baby.

Imagem 28: Vocal Performer. Imagem 29: Space Echo.


58

Imagem 30: Pedal de Wah-Wah.

Através das entrevistas realizadas durante esta pesquisa, verificou-se que alguns
trompetistas brasileiros chegaram a utilizar o sistema Barcus Berry e pedais de efeitos sonoros
em suas performances ao vivo, como Maurílio Santos, Walmir Gil e Chico Oliveira.

2.4.2 Eletrificação do trompete no disco Stone Alliance por Márcio Montarroyos

Ao que se pôde levantar, Márcio Montarroyos foi um dos primeiros trompetistas


brasileiros a utilizar esses equipamentos no Brasil, tanto em performances ao vivo quanto em
estúdios de gravação, como afirma Gandelman (2014)105:

Miles Davis foi o primeiro trompetista a eletrificar publicamente, notoriamente o


trompete, e o Márcio, que era fã dele e de tecnologia, virou pesquisador dessa questão
do trompete com pedais de efeitos. O Márcio dedicou boa parte de seu trabalho a essa
pesquisa. Isso foi logo no início da década de setenta. No Brasil, ele foi um dos
pioneiros nessa questão de eletrificar o trompete, mas isso aí, com toda certeza ele foi
na cola de seu ídolo, Miles Davis. Ele era fã do Miles, e assim que surgiu a hipótese
ele abraçou e se destacou dos jazzistas, digamos assim, tradicionais. Dentre os
equipamentos que ele teve, posso dizer que foram o harmonizer, space echo, delay e
reverb. Basicamente, ele adorava echos, reberbs e harmonizers. Era o que ele gostava
e essa era a praia dele.

Além dos diferentes tipos de processadores e pedais de efeitos adotados,


Montarroyos também trabalhou com diferentes tipos de microfones e com o sistema Barcus
Berry, como afirma o trompetista Chico Oliveira106:

Eu cheguei ao Rio em 1989, bem depois desse período que você está estudando. Ele
já estava bem adiantado, já havia usado muita coisa. Ele tinha um rack, que era o

105
Ibidem.
106
OLIVEIRA, F. Em entrevista concedida para o autor em 14/09/2015.
59

equipamento que se usava na época. Ele já estava usando um microfone da Shure de


pedestal, mas não me recordo da numeração. Depois ele passou a usar um Electro
Voice e também DHP 55 da Digitec. Mas antes disso, ele havia usado o Barcus Berry
e um microfone de campana.

Imagem 31: Microfone da marca Shure (sem identificação de modelo) utilizado por Márcio Montarroyos e Chico
Oliveira.

Imagem 32: Sistema Barcus Berry107.

Vale ressaltar que não foram encontrados registros sobre os equipamentos utilizados
por Márcio Montarroyos durante o processo de gravação do disco Stone Alliance. De acordo
com o contrabaixista Gene Perla, o grupo Stone Alliance não registou os equipamentos
específicos utilizados durante as seções de gravação. Contudo, Perla declara que é possível
fazer uma inferência auditiva108:

Eu não tenho nenhuma documentação sobre o que o Márcio usou para as gravações,
mas meu ouvido me diz que ele tinha pelo menos um divisor de oitavas, um wah-wah
e algum tipo de dispositivo de delay ou looping. Além disso, eu não tenho nenhuma
lembrança do que poderíamos ter processado as faixas no estúdio, mas com certeza
ele tinha esses três equipamentos mencionados.

107
Márcio Montarroyos em performance ao vivo no São Paulo International Jazz Festival 1978. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=hgxNQbE8b20. Acesso em 09/10/2015.
108
PERLA, G. Em entrevista concedida via e-mail ao autor em 06 de fevereiro de 2015.
60

Com relação aos três efeitos apontados por Gene Perla, apenas dois deles foram
percebidos no respectivo disco, sendo eles o efeito de delay e o wah-wah.

Segundo Sérgio Dias (1951)109, que participou como guitarrista no show de


lançamento do Lp Stone Alliance em 1978 no Rio de Janeiro, naquele período Montarroyos
utilizava um Digital Delay da marca MXR e um pedal de wah-wah da marca Cry Baby110:

Imagem 33: Delay digital MXR111.

Imagem 34: Pedal de Wah-wah Cry Baby112.

O efeito de delay tem como função criar uma ou mais repetições do som original
captado, produzindo um atraso semelhante ao eco. O som processado, ou seja, a saída do delay,
é enviado novamente para a entrada do dispositivo com um certo atraso, como demonstrado a
seguir:

109
Sérgio Dias é guitarrista, compositor e cantor. O músico conhecido nacionalmente por seu trabalho junto ao
grupo “Os Mutantes”.
110
DIAS, S. Em entrevista concedida ao autor via e-mail em 09/10/2015.
111
Digital Delay. Disponível em: http://www.ebay.com/itm/MXR-113-M-113-Digital-Delay-System-Vintage-
Rack-for-Repair-/170722038727. Acesso em: 09/10/2015.
112
Pedal de wah-wah. Disponível em: http://www.bestguitareffects.com/dunlop-original-cry-baby-wah-
pedal-review-best-wah/. Acesso em: 09/10/2015.
61

Figura 9: Diagrama de funcionamento do delay.

Normalmente, os parâmetros de ajustes em um dispositivo de delay resumem-se ao


time - que ajusta o tempo de retardo entre o som original e as repetições, variando normalmente
de 10 milissegundos a 2 segundos; o feedback - que ajusta o número de repetições; e o level -
que ajusta o volume das notas repetidas113. O wah-wah, por sua vez, é um filtro de frequências
que ao ser acionado realiza um corte entre 500hz e 2khz114, produzindo um som característico
semelhante à junção das vogais “ua”. Este efeito, na maioria das vezes, é acionado por pedais,
que dispõem de potenciômetros reguláveis para produzir o respectivo efeito115.

Além da investigação sobre os referidos processadores sonoros e seus parâmetros


de funcionamento, foram averiguadas suas possíveis influências nos solos de Márcio
Montarroyos e relacionados alguns pontos que caracterizaram a manipulação do trompetista
com o uso desses dispositivos em seus solos improvisados, assunto que será discutido no
Capítulo 3.

113
Funcionamento do dispositivo de delay. Disponível em: http://maquinasdemusica.com/sem-
categoria/08/como-usar-o-efeito-delay/. Acesso em: 26/03/2016.
114
O efeito de wah-wah. Disponível em: http://www.marcelonaudi.com.br/guitar/licks-mainmenu-145/269-
dicas/833-filtros-wah-wah-auto-wah-talkbox. Acesso em: 28/03/2016.
115
Sobre o wah-wah. Disponível em: http://maquinasdemusica.com/pedals/02/wah-wah-pedal-history/.
Acesso em: 26/03/2016.
62

Capítulo

3 A performance, os recursos técnicos e interpretativos e a construção dos solos


improvisados de Márcio Montarroyos no disco Stone Alliance

3.1 Sobre a performance

O estudo sobre a performance de Márcio Montarroyos no Lp Stone Alliance


dividiu-se em dois segmentos. No primeiro momento, investigou-se as influências e a
manipulação dos efeitos de delay e wah-wah por parte do trompetista em seus solos
improvisados apoiando-se no trabalho de Martins (2013). Para as observações sobre os
elementos técnicos e interpretativos, adotando-se como referência os trabalhos de Baptista
(2010), Berliner (1994), Hickman (2006) e Lopes (2012).

No segundo momento, foram análisados os elementos harmônicos e melódicos


tendo como referênciais teóricos as publicações de Alves (1997), Bergonzi (1994), Boothroyd
(2011), Cocker (1991), Kerfeld (1994), Lawn e Hellmer (1996), Levine (1995), Liebman
(2001), Ligon (2001), Miller (1996), Sabatella (2000) e Silva (2009).

3.1.1 Delay e wah-wah: influência direta ou indireta durante a performance

Segundo Martins (2013), qualquer comunicação entre músicos e seus dispositivos


(pedais de efeitos individuais como delays, pitch-shifters, pedalboards, unidades de loop em
tempo real, entre outros) passa a ter valor interativo. Para este autor, ao acionar uma unidade de
delay, o instrumentista passa a executar seus solos de forma a agregar o sinal compartilhado
pelo efeito de eco ou, quando utilizando um pedal de wah-wah, o solista pode executar
estruturas rítmicas visando a incorporação e a valorização do respectivo efeito.

Moraes (2014) relata que Márcio Montarroyos conduzia seus solos e suas
interpretações de forma a melhor usufruir de seus equipamentos:
63

Eu não tenho a menor dúvida a respeito da interação do Márcio com os equipamentos


que ele usava. Isso influenciou tanto na sonoridade quanto em seu fraseado
improvisando ou tocando uma melodia. Digo isso baseado na minha experiência
pessoal. Porque interagimos o tempo todo com o nosso instrumento.

O diferencial de Montarroyos em relação aos demais trompetistas brasileiros


adeptos dos equipamentos eletrônicos estava na maneira como isso era manuseado e agregado
à sua musicalidade, como afirma Gandelman (2014):

O Márcio soube tirar partido desses equipamentos. É claro que ele simplesmente não
tocava usando esses efeitos. Você vê nitidamente em diversos solos dele que existem
frases construídas em função do efeito que ele adotou naquele momento, entendeu?
Ele não colocava o delay no trompete, ele usava o delay para tocar trompete. Essa era
a diferença.

De acordo com uma declaração do próprio Montarroyos, para que haja um melhor
aproveitamento por parte do solista em relação aos referidos dispositivos sonoros em uma
situação de gravação, é necessário que o músico execute seu solo tendo como retorno o som já
processado com os efeitos:

Se você quer que eu use efeito de delay, a gente tem que gravar já com ele. Assim eu
posso já tocar na onda dele. E esse negócio de delay quando eu uso, eu não dou bola
pra sincar116 o BPM não. Eu até prefiro as quiálteras fora do tempo 117.

Diante das informações atribuídas por Léo Gandelman, Chiquinho de Moraes e pelo
próprio Márcio Montarroyos, buscou-se identificar elementos que evidenciem a forma como o
trompetista manipulava os efeitos de delay e de wah-wah utilizados em seus solos no disco
Stone Alliance.

O uso do efeito de delay nos solos de Montarroyos foi observado nas seguintes
situações:

116
Relativo a sincronizar.
117
Utilização do efeito de delay por Márcio Montarroyos. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=G_AfDgRYjdQ. Acesso em 28/03/2016.
64

 No registro agudo do instrumento com alternância entre notas de maior e


menor duração de tempo;

 Em figuras rítmicas que concentram grandes quantidades de nota por tempo;

Em “Hey bicho, vamos nessa”, uma forma de manipulação do efeito de delay foi o
de finalizar as frases com figuras rítmicas de curta duração, precedidas por figuras de duração
mais longa, visando o efeito de eco, como representados na figura a seguir:

Figura 10: O uso de efeito de delay. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos do 58 ao 61.

Em ambas as demonstrações (Figuras 10 e 11), o colchete na cor vermelha destaca a figura


rítmica enfatizada pelas repetições do efeito de delay durante o solo.

Figura 11: O uso de efeito de delay. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 56.

Outra particularidade de interação do uso do delay é encontrada na execução de um


ostinato rítmico que explora diferentes dinâmicas. O ostinato em questão se trata da repetição
da nota dó 4, formando grupos de seis semicolcheias que configuram uma sextina. Esses grupos
de sextinas foram executadas com uma ligadura de frase. O resultado foi alcançado por meio
de um recurso técnico do trompete denominado digitação auxiliar, termos esses que serão
abordados no subitem 3.2.2 desta dissertação.
65

Figura 12: O uso de efeito de delay. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos do 68 ao 70.

Em três dos quatros solos analisados, observou-se também o uso do efeito de wah-
wah. Tal recurso se mostrou evidente nos compassos 17 e 18 no solo de “Hey bicho, vamos
nessa”, como demonstrado na figura 13:

Figura 13: O uso do pedal de wah-wah. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos 17e 18.

3.1.2 Recursos técnico-interpretativos: articulações e inflexões no disco Stone Alliance

Segundo Lopes (2012), para se entender a importância da articulação, é necessário


atribuir uma definição ao termo. No âmbito da linguagem verbal, articular refere-se ao
pronunciamento das palavras, que têm começo, meio e fim. As palavras se relacionam entre si,
formando orações, separadas por vírgulas e por pontos, os quais inserem o silêncio entre essas
orações.

Referente às análises que contemplaram as articulações e as inflexões118 recorrentes


nos solos improvisados de Márcio Montarroyos, também foi utilizado como referencial teórico
a catalogação proposta por Berliner (1994). Dentre os materiais encontrados nos solos de
Montarroyos e que se enquadram nesse referencial, destacamos o Staccato, o Heavy Accent, o

118
De acordo com o Dicionário Grove da Música, inflexão em música é definida como desvio de altura. Os desvios
de alturas são utilizados com fins expressivos, como forma de ornamentação.
66

Tenuto, o Scoop, o Bend, o Gliss/rip, o Short fall, o Pitch closed sound e o Ghost note119, como
demosntrado na figura 14:

Figura 14: Tipos de articulações e inflexões recorrentes nos solos improvisados de Márcio Montarroyos.

Staccato é a execução de sons curtos e separados, indicado com um ponto grafado


abaixo ou acima da cabeça das notas.

Figura 15: Exemplo de Staccato. Música On the foot peg


(Márcio Montarroyos) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 39.

Heavy Accent é a execução de notas articuladas com maior intensidade no início e


um decrescendo no final, mas ainda assim, sustentadas com o valor integral. Sua representação
gráfica se dá por meio de um acento grafado abaixo ou acima da nota.

Figura 16: Exemplo de Heavy accent. Música Hey bicho, vamos nessa
(Steve Grossman) - “Stone Alliance”, 1977. Compasso 37.

Tenuto é a execução de notas articuladas com suavidade e sustentadas com o valor


integral. Sua representação gráfica se dá por um pequeno traço grafado abaixo ou acima da
cabeça de cada nota.

119
Por ser de uso comum entre os músicos, os nomes de cada articulação e inflexão não serão traduzidos, visto
que seus respectivos significados são apresentados de forma subsequente no texto.
67

Figura 17: Exemplo de Tenuto. Música Hey bicho, vamos nessa


(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 47.

O Scoop é a execução de notas que são iniciadas com a afinação mais baixa em
relação ao seu centro, porém, terminada em sua afinação central. O sinal correspondente ao
scoop é similar ao de uma vírgula, localizado antes e um pouco abaixo da nota.

Figura 18: Exemplo de Scoop. Música On the foot peg


(Márcio Montarroyos) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 10.

Bend é a alteração de afinação de uma nota tanto para cima quanto para baixo de
sua posição central, retornando novamente ao seu centro. O bend é indicado por um sinal similar
a um pequeno arco acima da nota.

Figura 19: Exemplo de Bend. Música Libra Rising


(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 43.

Glissando ou Rip é a execução de um “deslizamento” entre duas notas. Geralmente


é realizado por uma leve pressão sobre as válvulas, e por um sopro de intensidade um pouco
maior. Pode ocorrer de forma ascendente, descendente ou conectando duas notas. Sua
representação gráfica se dá por uma linha ondulada, partindo ou chegando no início da nota.
68

Figura 20: Exemplo de Glissando ou rip. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 64.

Short fall é a execução de um glissando descendente com um diminuendo após a


nota. É representado graficamente com uma linha curva logo após a nota e sua duração pode
ser curta ou longa.

Figura 21: O uso do Short fall. Música On the foot peg


(Márcio Montarroyos) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 2.

Pitch closed sound: é a execução de notas com digitações auxiliares. É representa


por um símbolo similar à letra “x”, substituindo a cabeça da nota. Normalmente a digitação é
indicada por extenso na partitura.

Figura 22: Exemplo de Pitch closed sound. Música Libra Rising


(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 1.

Ghost note são notas com alturas indefinidas. Sua representação se dá por um
símbolo similar à letra “x” e ao simbolo correspondente ao pitch closed sound, substituindo-se
a cabeça da nota pelo referido sinal “x”120.

Figura 23: Exemplo de Ghost note. Música Libra Rising


(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 12.

120
Os referidos sinais gráficos aqui utilizados correspondem aos disponíveis no software Sibelius 7.
69

As ligaduras em frases de maior duração de tempo também é uma característica


recorrente nos solos improvisados de Montarroyos. A figura 24 demonstra o emprego da
referida ligadura.

Figura 24: Exemplo de ligaduras em frases mais longas. Música On the foot peg
(Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance”, 1977. Compassos 13 e 14.

3.2 Os solos improvisados de Montarroyos no disco Stone Alliance: uma breve


contextualização acerca do termo improvisação

Em função da variedade de significados relacionados ao termo improvisação, se fez


necessário uma delimitação do assunto. Para esta pesquisa, a improvisação foi compreendida
como um estudo acerca das atividades ligadas à construção rítmico-melódica sobre uma
progressão harmônica ou sequência de acordes pré-estabelecida, onde sua construção deve
acontecer em tempo real (KENNY e GELLRICH, 2002). Um solo bem construído não é
totalmente improvisado, mas constituído de motivos herdados da tradição musical que são
entrelaçados com conexões (frases) de fato improvisadas, variando a cada performance (LAWN
e HELLMER, 1996).

O verbete improvisação no The New Grove Dictionary of Jazz foi dividido em duas
categorias distintas, a saber, “improvisação estereotipada” e “improvisação motívica”. Segundo
o dicionário, “improvisação estereotipada é a construção de um novo material a partir de um
conjunto diversificado de ideias fragmentadas (quer seja em resposta a um tema ou
independentemente deste)”. Já a improvisação motívica é a construção de um novo material
através do desenvolvimento de uma única ideia fragmentada (quer seja em resposta a um tema
ou independentemente deste)” (KERNFELD, 2002). Diante das informações relacionadas,
acreditou-se que a categoria à qual melhor se enquadra os solos de Montarroyos foi a
improvisação estereotipada.

Para melhor compreensão dos elementos musicais recorrentes nos solos


improvisados de Márcio Montarroyos, os próximos subitens tratarão de analisar as estruturas
70

harmônicas e as relações escala e acordes adotadas por Montarroyos durante os seus


improvisos.

3.2.1 Ferramentas analíticas

A ferramenta analítica adotada para realização deste trabalho foi a de observar o


discurso musical recorrente nos solos improvisados do trompetista Márcio Montarroyos por
meio da transcrição121 e análise dos referidos solos. Os áudios foram a fonte primária para a
realização das análises musicais, e a transcrição o passo posterior à escuta atenta desse material
fonográfico.

A transcrição é uma ferramenta de grande utilidade para se aprender a improvisar.


Entretanto, algumas questões devem ser colocadas, por exemplo: Por que transcrever? O que
transcrever? Quanto? Como? O que é feito após a transcrição? Com essas questões em mente,
o estudo de improvisação pode ser dividido em três etapas122:

1. A apreciação fonográfica;
2. A transcrição;
3. A análise de solos improvisados.

Frente ao reduzido número de métodos de análises destinados à música brasileira e


devido ao contexto musical em que o disco Stone Alliance se encontra, adotaram-se referenciais
de abordagens jazzísticas, e em alguns casos recorreu-se aos métodos de música erudita. Lawn,
Hellmer (1996), Levine (1995), Liebman (2001), Ligon (2001) e Sabatella (2000) são alguns
dos autores utilizados como referência.

Das oito faixas existentes no disso Stone Alliance, apenas quatro delas apresentam
solos improvisados de Márcio Montarroyos, sendo elas “Hey bicho, vamos nessa”, “On the
foot peg”, “Risa” e “Libra Rising”. A estratégia de observação adotada dividiu-se em duas

121
Como recursos de apoio para as transcrições dos solos com andamentos mais rápidos, foi utilizado o software
Transcribe, que possibilitou a redução do andamento musical sem que houvesse alterações nas alturas das notas.
Para as edições dos áudios, como por exemplo, o corte de trechos específicos e sua disposição nos anexos deste
trabalho, foi utilizado o software Audacity.
122
Sugestões atribuídas por Ligon (2001), que visam resultados qualitativos e não apenas quantitativos.
71

etapas, tendo como primeiro passo a transcrição das harmonias de cada um desses solos e a
realização das respectivas análises. Posteriormente, realizou-se a transcrição e a análise do
material melódico, visando identificar os procedimentos de improvisação adotados.

3.2.1.1 Estrutura Harmônica

As estruturas harmônicas compreendidas nas quatro faixas analisadas para esta


dissertação são caracterizadas por um ritmo harmônico lento ou inexistente, proporcionado pela
longa duração dos seus respectivos acordes e por não possuírem relação funcional entre si.
Essas características são recorrentes no Modal Jazz norte americano. Para a definição do termo
“modal”, em função do escopo desta pesquisa, concentramo-nos em sua aplicação ao ambiente
de improvisação jazzística, tomando como referência as publicações de Boothroyd (2010),
Coelho (2008), Miller (1996) e Lawn e Hellmer (1996).

Resumidamente, o termo modal foi adotado no ambiente jazzístico, associado a


uma nova forma de expressão musical durante a década de 1950, tendo o trompetista Miles
Davis e o saxofonista John Coltrane como os seus principais representantes. Entretanto,
segundo Boothroyd (2010), foi a partir das ideias sobre tonalidade do pianista, compositor e
teórico de jazz estadunidense George Russel, apresentadas em seu trabalho intitulado Lydian
Chromatic Concept of Tonal Organization (1953), que deram suporte para o pensamento modal.

Coelho (2008) atribui as seguintes definições acerca do jazz modal:

Em contraste com os estilos do jazz que o precederam, o Modal Jazz caracterizou-se


pelo distanciamento da tonalidade e da funcionalidade da harmonia a partir da
redefinição do conteúdo melódico e harmônico. A harmonia no Modal Jazz é
composta geralmente de poucos acordes em que não se privilegia a relação funcional
entre eles, enquanto que a melodia tende a ser composta de notas que caracterizam os
modos.

De acordo com o pianista, compositor e educador Ron Miller, no livro Modal Jazz
Composition & Harmony (1996), o conteúdo harmônico no jazz moderno está organizado em
quatro principais grupos: tonal, modal, cromático e não modal. Dentre eles, destacamos o grupo
modal, no qual o autor atribui as seguintes características:
72

a) Centro tonal não definido.

b) Relações cromáticas entre as fundamentais.

c) Movimento das fundamentais, ritmo harmônico e contorno modal


determinado arbitrariamente pelo compositor.

No livro Jazz: Theory and Practice de Lawn e Hellmer (1996), os autores apontam
quatro características distintas de estruturas modais, dividindo-as em:

a) Músicas baseadas em um único modo.

b) Músicas baseadas em um único modo com transposição do mesmo.

c) Músicas baseadas em diferentes modos.

d) Músicas baseadas em modos, mas com seções de harmonia funcional.

Tomando como base as referências supracitadas, a primeira estrutura harmônica


observada, na música “Hey bicho, vamos nessa”, compreende dois diferentes tipos de acordes,
sendo eles o de fá menor com sétima (Fm7) e o de sol bemol com sétima maior e décima
primeira aumentada (Gbmaj7#11). Os acordes foram organizados em um ciclo de doze
compassos, divididos em três períodos de quatro compassos para cada acorde. Os quatro
primeiros compassos em Fm7, os próximos quatro em Gbmaj7(#11) e os quatro últimos em
Fm7, novamente, como demonstrado no exemplo a seguir123:

Ebm7
Fm7 // // // // // //

Emaj7(#11)
Gbmaj7(#11) // // // // // //

Ebm7
Fm7 // // // // // //

123
As cifras em cor vermelha foram transpostas para instrumentos em C.
73

Em “On the foot peg”, de acordo com as informações contidas na partitura extraída
do songbook do grupo Stone Alliance124 e através da escuta, a seção destinada ao improviso de
trompete se sucedeu sobre o acorde de ré com sétima (D7):

C7
D7 // //

O chorus de trompete foi realizado sem acompanhamento harmônico, apenas com


uma condução de bateria em rock beat e um ostinato de contrabaixo com dois compassos de
duração, como demonstrado na figura a seguir:

Figura 25: transcrição da linha de contrabaixo na música “On the foot peg”.

A estrutura harmônica da música “Libra Rising” foi configurada em três diferentes


tipos de acordes, sendo eles o fá sustenido maior com sétima maior, mi maior com sétima maior
e o ré sustenido maior com sétima maior. Os acordes foram organizados em um ciclo de nove
compassos, distribuídos como no modelo a seguir:

Emaj7 C#maj7 Emaj7 C#maj7


F#maj7 D#maj7 F#maj7 D#maj7

Emaj7 Dmaj7 Dmaj7 C#maj7


F#maj7 Emaj7 // // Emaj7 D#maj7

Dmaj7 C#maj7
Emaj7 D#maj7

A estrutura harmônica da música “Risa” apresenta quatro diferentes tipos de


acordes, sendo eles o mi bemol com sétima (Eb7), o fá menor com sétima (Fm7), o ré com
sétima (D7) e o sol menor com sétima (Gm7). Os acordes foram organizados em um ciclo de

124
Songbook do grupo Stone Alliance. Disponível em: http://www.pmrecords.com/StoneSongbook.shtml.
Acessado em: 05/02/2016.
74

vinte e oito compassos, divididos em quatro compassos para cada acorde, como demonstrado
no exemplo a seguir:

C7(#11)
D7(#11) // // // // // //

Fm7
Gm7 // // // // // //

Db7
Eb7 // // // // // //

C7
D7 // // // // // //

Fm7
Gm7 // // // // // //

Db7
Eb7 // // // // // //

C7
D7 // // // // // //

As estruturas harmônicas aqui relacionadas apresentam como características um


ritmo harmônico lento, algumas apresentam relações cromáticas entre as fundamentais ou
foram baseadas em único modo, todos atributos destacados pelos autores Miller (1996) e Lawn
e Hellmer (1996), citados anteriormente.

3.2.1.2 Relação escala/acorde

O jazz modal abandonou o conceito de improvisação pautado nas progressões II-V


e mudanças harmônicas frequentes, que evidenciam o movimento harmônico, para concentrar-
se em favor de harmonias simples125, com longa duração de tempo, possibilitando ao solista
pensar em modos ao invés de acordes, favorecendo a execução completa de uma dada escala,

125
“Simples” talvez em quantidade de acordes, mas o fato de um acorde não “conversar” com o outro torna a
harmonia modal complexa em termos qualitativos, pois a ausência de tonalidade dá autonomia e independência a
cada acorde, podendo dificultar a construção de linhas melódicas dotadas de unidade.
75

deixando de focar nas notas dos acordes que definem uma harmonia em particular
(BOOTHROYD, 2010).

A estratégia adotada neste estágio da análise visou uma abordagem de forma


horizontal, sugerido por Levine (1995). Segundo esse autor, entre as décadas de 1950 e 1960,
o conceito de improvisação no jazz começou a ser moldado por uma forma de pensamento
horizontal intermediado pelas relações escalas/acordes. Lawn e Hellmer (1996), define a
relação escala/acorde como improvisação escalar, estruturando-a da seguinte maneira:

a. Escalas diatônicas (maiores, menores e modos).


b. Escalas simétricas (diminutas, aumentada e tons inteiros).
c. Escalas híbridas/sintéticas (pentatônicas e blues).

De acordo com Miller (1996), as escalas ou modos são determinados pela divisão
assimétrica de uma oitava em sete alturas distintas. As escalas geradas a partir dessa divisão
estabelecem o que o autor denomina “harmonic pallet”, um compêndio de notas características
responsáveis por definir a qualidade do modo ou da escala.

O modo jônio, por exemplo, possui em sua estrutura os intervalos de segunda maior,
terça maior, quarta justa, quinta justa, sexta maior e sétima maior, todos em relação a sua
fundamental126.

Figura 26: modo jônio127.

Esse modo está relacionado aos acordes maiores que não possuem alterações no
quinto e nono grau (b5, #5 e #9), possuindo as seguintes configurações:

126
Em função do escopo deste trabalho, nos concentramos apenas em relacionar as escalas e modos adotados por
Montarroyos em seus respectivos solos.
127
Os exemplos referentes aos modos e escalas foram escritos em som real.
76

Figura 27: Configurações de acordes onde pode se empregar o modo jônio128.

A aplicação do modo jônio por Montarroyos foi observada em duas situações


diferentes na música “Libra Rising”. No compasso 12, sobre o acorde de fá sustenido maior
com sétima maior (F#maj7) e no compasso 24, sobre o acorde de mi maior com sétima maior
(Emaj7), como demonstrado a seguir:

Figura 28: Aplicação do fá# jônio sobre o acorde de F#maj7. Música Libra Rising
(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 12.

Figura 29: Aplicação do mi jônio sobre o acorde de Emaj7. Música Libra Rising
(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1997. Compasso 24.

O modo dórico possui em sua configuração os intervalos de segunda maior, terça


menor, quarta justa, quinta justa, sexta maior e sétima menor, todos em relação à fundamental
do modo.

Figura 30: modo dórico.

Esse modo está relacionado aos acordes menores que não possuem alterações no
quinto e nono grau (b5, o #5 e o #9), possuindo as seguintes configurações:

128
Os símbolos M7 e M7(9) referem-se a acordes maiores com sétima maior.
77

Figura 31: Configurações de acordes onde pode se empregar o modo dórico.

A aplicação do modo dórico pode ser observada no compasso 15 sobre o acorde de


fá menor com sétima (Fm7), na “Hey bicho, vamos nessa!”, como no exemplo a seguir:

Figura 32: Aplicação do modo dórico por Márcio Montarroyos. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 15.

O modo lídio é estruturado sobre os intervalos de segunda maior, terça maior, quarta
aumentada, quinta justa, sexta maior e sétima maior, todos em relação à fundamental do modo,

Figura 33: modo lídio.

O modo lídio é relacionado a acordes maiores, sobretudo, quando possuírem a


décima primeira aumentada, apresentando as seguintes configurações:

Figura 34: Configurações de acordes onde pode se empregar o modo lídio.

A aplicação do modo lídio foi observada na música “Hey bicho, vamos nessa!”,
entre os compassos de 5 a 7, sobre o acorde de sol bemol maior com sétima maior e décima
primeira aumentada (Gbmaj7#11), e na música “Libra Rising” no compasso 24, sobre o acorde
de mi maior com sétima maior (Emaj7), como demonstrado a seguir:
78

Figura 35: Aplicação do modo de sol bemol lídio. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compassos 5 ao 7.

Figura 36: Aplicação do modo de mi lídio. Música Libra Rising


(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 24.

O modo eólio é estruturado sobre os intervalos de segunda maior, terça menor,


quarta justa, quinta justa, sexta menor e sétima menor, todos em relação à fundamental do modo.

Figura 37: modo eólio.

Assim como o modo dórico e o modo frígio, o modo eólio pode ser tocado sobre
um acorde menor com sétima, mas geralmente é aplicado sobre acordes menores com sétima
menor e com a décima terceira menor:

Figura 38: Configurações de acordes onde pode se empregar o modo eólio.

A aplicação do modo eólio foi observada nos solos das músicas “Hey bicho, vamos
nessa”, no compasso 28, sobre o acorde de fá menor com sétima, e na música “On the foot
peg”, no compasso 10, sobre o acorde de ré com sétima:
79

Figura 39: Aplicação do modo eólio. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 28.

O uso de escalas não-diatônicas foi explorado por Márcio Montarroyos em seus


solos, adotando especificamente as escalas pentatônicas maiores e menores, além da escala de
blues menor.

As escalas pentatônicas são agrupamentos de cinco notas que apresentam diversas


configurações (SABATELLA, 2000 apud BRANDIT, 2005). Além de seu estado fundamental,
a escala pentatônica pode ser executada em quatro inversões, iniciando em cada uma de suas
notas (ALVES,1997). Dentre as variadas configurações da referida escala, este trabalho
concentrou-se apenas nas escalas pentatônicas maiores e menores, ambas utilizadas por
Montarroyos em seus solos improvisados.

Derivada do modo jônio, a escala pentatônica maior possui em sua configuração os


intervalos de segunda maior, terça maior, quinta justa e sexta maior, todos em relação a
fundamental da escala, como demonstrado a seguir:

Figura 40: Escala pentatônica maior de dó.

Uma mesma escala pentatônica maior pode ser utilizada sobre diferentes tipos de
acordes. Por exemplo, a escala pentatônica maior de dó, apresentada na figura 40, pode ser
aplicada sobre os acordes Cmaj7, C7, D7sus, Dm7, Fmaj7, G7sus, Gm7 ou Am7
(SABATELLA, 2000 apud BRANDIT, 2005).

Em dois dos quatros solos analisados, Montarroyos fez uso da escala pentatônica
maior sobre acordes maiores com sétima maior, porém, ambas as escalas foram executadas um
tom acima da fundamental dos acordes em questão. Este tipo de aplicação possibilita o uso de
diferentes “coloridos sonoros”, ou seja, permite a exploração das tensões disponíveis do acorde
80

vigente, sendo elas a nona, a terça, a décima primeira aumentada e a décima terceira, todas em
relação à fundamental do acorde, notas características do modo lídio (LIGON, 2001), como
demonstrado nas figuras 41 e 42:

Figura 41: Escala pentatônica maior de lá bemol sobre o acorde de Gbmaj7(#11).


Música Hey bicho, vamos nessa! (Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 31.

Figura 42: Escala pentatônica maior de fá# sobre o acorde de Emaj7. Música Libra Rising
(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977.Compassos de 8 a 10.

Outra configuração de escala pentatônica recorrente nos solos improvisados de


Márcio Montarroyos foi a escala pentatônica menor. Essa escala é uma derivação da escala
menor natural ou o sexto modo da escala maior (modo eólio). Sua estrutura intervalar, em
relação a sua fundamental, compreende os intervalos de terça menor, quarta justa, quinta justa
e sétima menor, como no exemplo a seguir:

Figura 43: Escala pentatônica menor de dó.

A aplicação da escala pentatônica menor foi observada nos compassos 20 e 21 da


música “Hey bicho, vamos nessa” sobre o acorde de fá menor com sétima (Fm7), como
demonstrado a seguir:
81

Figura 44: Aplicação da escala pentatônica menor de fá. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compassos 20 e 21.

A escala de blues, assim como a escala pentatônica, apresenta mais de uma


configuração e diferentes nomenclaturas, gerando algumas confusões sobre seu entendimento.
De acordo com Ligon (2001), a escala de blues comumente usada é estruturada sobre o
primeiro, o terceiro, o quarto, o quinto e o sétimo grau, apresentando um cromatismo entre o
quarto e o quinto grau, sendo uma derivação da escala pentatônica menor, definida por esse
autor como escala de blues menor.

Figura 45: Escala de blues menor.

Dentre as possibilidades de aplicação da escala de blues menor, foi verificado neste


trabalho o seu uso sobre o acorde de ré maior com sétima menor (D7). Em um primeiro
momento, a utilização da escala de forma integral como demonstrado na figura 46. Uma
fragmentação desse conteúdo é observável nos compassos seguintes do mesmo solo, o qual
Montarroyos se valeu das blue notes fá natural e lá bemol, como demonstrado nas figuras 41 e
42:

Figura 46: Aplicação da escala de ré blues menor. Música On the foot peg
(Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance” 1977. Compassos 1, 2 e 3.
82

Figura 47: Aplicação de blue note. Música On the foot peg


(Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance”, 1977. Compassos 4 e 5.

Além da aplicação dos referidos modos e escalas, os solos improvisados de Márcio


Montarroyos são constituídos de diversas informações ou fragmentos musicais identificados
por sua natureza rítmica e intervalar. Essas informações ou fragmentos são normalmente
conhecidos como “ideias”, “figuras”, “gestos”, “fórmulas”, “motivos”, entre outros
(KERFELD, 2004). Diante disso, as próximas linhas deste trabalho destinaram-se a discutir as
particularidades desses fragmentos musicais.

3.2.2 Desenvolvimento motívico: repetição, sequência, deslocamento métrico e


ornamentação melódica

Diante da variedade de nomenclaturas acerca dos fragmentos musicais recorrentes


em um solo improvisado, adotou-se na presente pesquisa o termo “motivo”. Segundo a
definição atribuída pelo Dicionário Grove de Música (1994), motivo é uma ideia musical curta,
podendo ser melódica, harmônica, rítmica, ou as três simultaneamente. Em determinadas
situações, o contexto rítmico de um dado motivo é tão importante quanto a sua estrutura
intervalar (LIGON, 2001).

Existem vários dispositivos para o desenvolvimento de um motivo. Dentre esses


dispositivos, foram destacados a repetição, a sequência, a ornamentação melódica e o
deslocamento métrico nos solos analisados na presente dissertação.

3.2.2.1 Repetição

Esse elemento trata da repetição exata de um dado motivo. A repetição fornece


continuidade a uma melodia, além de propiciar ao ouvinte uma oportunidade de antecipar o
83

próximo acontecimento musical (Lawn e Hellmer, 1996). Foram listados a seguir alguns
exemplos de repetição recorrentes nos solos de Márcio Montarroyos:

Figura 48: Exemplo de repetição. Música On the foot peg


(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos 1 e 3.

Figura 49: Exemplo de repetição. Música Hey bicho, vamos nessa


(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos 36 e 37.

Figura 50: Exemplo de repetição. Música On the foot peg


(Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 26.

Figura 51: Exemplo de repetição. Música Risa


(Dom Alias) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 22.

3.2.2.2 Sequência

A repetição imediata de um dado motivo, mas com ocorrência de uma ou mais


variações em sua construção, é definida como sequência (COCKER, 1991). Essas variações
podem ser tanto de ordem rítmica como intervalar, ou de ambas as formas. De acordo com Silva
(2009), “a prática de se usar sequências em música, sendo ela escrita ou improvisada, é bastante
difundida e soa natural devido ao fato de que, uma vez apresentado um novo motivo, a tendência
do ouvinte é esperar sua repetição, seja ela exata ou uma variação”. Para exemplificar o uso
84

dessa ferramenta, foram relacionadas algumas sequências extraídas dos solos de Márcio
Montarroyos:

Figura 52: Exemplo de sequência. Música Libra Rising


(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos 14 e 15.

Figura 53: Exemplo de sequência sobre o acorde de Fm7. Música Hey bicho, vamos nessa
(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos do 47 ao 49.

Figura 54: Exemplo de sequência. Música Risa (Dom Alias) – “Stone Alliance” 1977.
Compassos do 33 ao 35.

Figura 55: Exemplo de sequência. Música On the foot peg


(Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 14.

De acordo com Silva (2009):

... alternativamente, é comum que o improvisador foque na parte rítmica de uma frase,
destinando toda uma seção de desenvolvimento para seu tratamento, como um
ostinato rítmico; enquanto isso é possível criar variações, produzindo formas
imitativas.
85

Observa-se a aplicação dessa ideia na figura 56:

Figura 56: Exemplo de sequência. Música On the foot peg


(Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance” 1977. Compassos do 15 ao 18.

3.2.2.3 Deslocamento métrico

No âmbito do ritmo, deslocamento métrico é definido como uma “superposição” de


elementos rítmicos, ou seja, a capacidade de um elemento musical soar sobre o outro
simultaneamente (LIEBMAN, 2001). Esse artifício musical foi observado em dois dos quatros
solos improvisados de Márcio Montarroyos. Ambos os trechos apresentam configurações
rítmicas semelhantes, apresentando o mesmo efeito sonoro como resultado. A seguir, uma
exemplificação rítmica sobre a superposição desses elementos:

Figura 57: Exemplo de deslocamento métrico.

Figura 58: Deslocamento métrico a cada seis semicolcheias.


Música Risa (Dom Alias) – “Stone Alliance” 1977. Compassos 9 e 10.
86

Figura 59: Deslocamento métrico a cada seis semicolcheias.


Música Libra Rising (Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compassos 21 e 22.

3.2.2.4 Ornamentação melódica: Notas de passagens (aproximações cromáticas,


diatônicas e interpolação)

Notas de passagens ou “Passing Tones” é uma técnica de ornamentação melódica


referente às passagens cromáticas, diatônicas e interpoladas entre as notas estruturais de um
dado acorde (fundamental, terça e quinta) ou entre as notas de um dado modo ou escala
denominadas notas alvo ou “target notes” (LIGON, 2001), como demonstrado a seguir:

Figura 60: Exemplo de notas de passagens.

Jerry Bergonzi, em sua publicação “Developing a jazz language”129 fez uso desse
recurso de ornamentação melódica também sobre a sétima, a nona, a décima primeira e a décima
terceira de um dado acorde, sendo estas as tensões disponíveis, como demonstrado a seguir:

Figura 61: Exemplo de aproximações cromáticas e diatônicas em Dm7.

Como afirma Cocker: “Essas passagens ou aproximações são fragmentos melódicos


onde uma nota almejada pelo improvisador é alcançada meio tom acima e meio tom abaixo, um
tom acima e meio tom abaixo, ou ainda a possibilidade de meio tom acima ou um tom abaixo”

129
Bergonzi (1994).
87

(COCKER, 1991). Esse autor afirma que todo fragmento melódico inclui notas de passagem,
que podem ser notas derivadas de um cromatismo. Em determinados casos, o cromatismo
decorre de um problema métrico que resulta em adicionar uma ou mais notas à frase para que
ela se encaixe no número de tempos do compasso. Em outros casos, o improvisador pode
simplesmente usar a escala cromática, ou parte dela (SILVA, 2009).

Ambas as aproximações cromáticas e diatônicas também podem aparecer de forma


interpolada, como representado na figura a seguir. O colchete na cor azul destaca uma
aproximação de ordem diatônica entre as notas ré e dó, o colchete na cor vermelha e pontilhado
na cor vermelha destaca uma aproximação de ordem cromática entre as notas si natural e dó, e
o colchete na cor roxa destaca uma interpolação entre as notas si bemol e dó, como ilustrado na
figura 62:

Figura 62: Exemplo de interpolação baseado em Ligon (2001).

Foram destacadas a seguir algumas aproximações cromáticas, diatônicas e


interpolações utilizadas por Montarroyos:

Figura 63: Exemplos de aproximações sobre o primeiro grau de Fm7.


Música Hey bicho, vamos nessa (Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977.Compasso 15.

Figura 64: Exemplos de aproximações sobre o quinto grau de Fm7.


Música Hey bicho, vamos nessa (Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977.Compasso 34.
88

Figura 64: Exemplos de aproximações sobre o primeiro grau de D7. Música On the foot peg (Márcio
Montarroyos) – “Stone Alliance”, 1977. Compasso 6.

Figura 65: Exemplo de aproximações sobre o primeiro grau de Gm7.


Música Risa (Dom Alias) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 15.

Os recursos de ornamentação melódica utilizados por Montarroyos não se resumem


apenas às notas estruturais dos acordes em seus respectivos solos, mas também às tensões
disponíveis, como por exemplo, nas figuras 65 e 66. No compasso 10 da figura 65, o nono grau
do fá dórico, a nota sol, recebe aproximações de ordem diatônica por parte da fundamental (fá)
e cromática por parte da terça menor do acorde (lá bemol), como demonstra o exemplo a seguir:

Figura 65: Exempols de aproximação cromática e diatônica sobre notas não estruturais em Fm7. Música Hey
bicho, vamos nessa (Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 8.

Durante o compasso 7 da música “On the foot peg”, as aproximações de ordem


cromática e diatônica se sucederam sobre as notas não estruturais do acorde de D7, sendo elas
a nona aumentada (nota mi#/fá), décima primeira aumentada (nota sol#) e a decima terceira
menor (nota sib), como demonstrado na figura 66:

Figura 66: Exempols de aproximação cromática e diatônica sobre notas não estruturais em D7.
Música On the foot peg (Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance”, 1977. Compasso 8.
89

A fim de explorar os elementos e procedimentos extraídos dos solos de Márcio


Montarroyos, no Apêndice desta dissertação encontram-se algumas configurações de estudos
voltadas para a prática de improvisação em contextos modais a partir dos recursos musicais
apresentados e discutidos no presente capítulo. A didática adotada para a elaboração dos estudos
sugeridos reflete o desenvolvimento pessoal e amadurecimento profissional do autor,
alinhando-se a trabalhos de trompetistas de relevância no âmbito acadêmico nacional e
estrangeiro, além de utilizar publicações estrangeiras como referência.

Dos referidos estudos, foram extraídos 5 fragmentos melódicos definidos como


células melódicas130, divididas em três categorias: células escalares, células de ornamentação
diatônica/cromática e células de pentatônica. Foram sugeridas variadas possibilidades de
estudos sobre cada fragmento relacionado, visando a prática em todas a tonalidades e em ciclos
de cromático, tons inteiros, terças menores, terças maiores, quartas justas, quartas aumentadas
e quintas justas, respectivamente.

130
Vide Steinel (1995).
90

Considerações finais

A divisão deste trabalho em seguimentos distintos trouxe-nos uma compreensão


mais ampla do objeto de estudo pesquisado.

O primeiro seguimento, de ordem biográfica, foi uma investigação sobre os


trompetistas brasileiros que atuavam no cenário da música popular do país, sendo eles
contemporâneos ou anteriores a Márcio Montarroyos, e também uma tentativa de organizar, de
forma cronológica e parcial, os nomes relacionados.

É sabido que boa parte desses trompetistas não exerceram influências musicais
sobre Montarroyos, mas o que se observou como característica comum entre eles foi o destaque
por suas habilidades musicais, a participação ativa no mercado fonográfico e em diversas
situações profissionais, e também, o fato de terem transitado pela música de concerto.

O levantamento biográfico sobre Montarroyos junto às entrevistas aqui


apresentadas, foi fundamental para refletirmos sobre a sua atuação profissional. Foi observado
que algumas conjunções de fatores colaboraram para seu êxito artístico como trompetista.
Influência musical por parte da família, talento, dedicação, competência musical e sua busca
por inovações foram pontos chave para que estivesse apto a desempenhar papeis relevantes nos
diversos trabalhos que realizou. Por outro lado, encontrava-se numa cidade que concentrou boa
parte da produção artística do país.

Como resposta à investigação realizada, verificou-se que Márcio Montarroyos


inaugurou no país o uso de pedais, processadores sonoros e o sistema Barcus Berry acoplados
ao seu instrumento. Entretanto, não foi possível saber ao certo quais eram as marcas e os
modelos dos equipamentos que o trompetista utilizou durante a gravação do disco supracitado.

De acordo com a entrevista do guitarrista Sérgio Dias, na data de lançamento do Lp


Stone Alliance, Márcio Montarroyos utilizava um delay digital de montagem em rack da marca
MXR e um pedal de wah-wah da marca Cry baby. Os trompetistas Walmir Gil e Chico Oliveira,
nas entrevistas concedidas ao autor, também relataram a utilização do sistema Barcus Barry de
captação por parte de Montarroyos.

Consequentemente, adotou-se como estratégia de pesquisa investigar e observar a


maneira como Márcio Montarroyos interagiu com os referidos dispositivos durante os seus
91

solos improvisados, independentemente da falta de informações que contemplasse com


exatidão modelos e marcas.

No caso do delay os elementos que evidenciaram a forma de interação durante os


solos do trompetista, foram destacados quanto à utilização do registro agudo do instrumento
com alternância entre notas de maior e menor duração de tempo, finalizando suas frases com
semínima ou semicolcheias, visando valorizar a repetição da última figura de cada frase
executada. Outra particularidade de interação do uso do delay encontrada foi a execução de um
ostinato rítmico sobre uma única nota em que se explorou diferentes dinâmicas.

O efeito de wah-wah, por sua vez, foi utilizado em três dos quatro solos analisados,
mas o aproveitamento mais eficiente e evidente desse efeito foi observado nas situações em que
Montarroyos realizou ostinatos em semicolcheias sobre uma mesma nota executada por meio
de dedilhado alternativo entre as notas.

O segundo segmento, de ordem analítica, compreendeu as transcrições e análises


dos solos selecionados. O processo analítico compreendeu três etapas, sendo a primeira etapa
concentrada nos elementos técnicos/interpretativos, a segunda no material harmônico de cada
solo, e a terceira voltada para a identificação dos elementos melódicos contidos nesses solos.

Como produto das investigações acerca dos elementos de ordem técnica e


interpretativa, foram encontradas as seguintes articulações e inflexões: o Scoop, o Bend, o
Gliss/rip, o Short fall, o Pitch closed sound e o Ghost note, além de variadas acentuações como
o Staccato, o Heavy Accent e o Tenuto.

O fraseado de Márcio Montarroyos apresenta clareza e boa articulação de ideias


melódicas em trechos articulados e ligados. Por outro lado, em trechos maiores e com maior
concentração de notas por tempo, as ideias melódicas foram executadas de forma “enrolada”.
Este fato é bastante recorrente no cenário jazzístico, sendo definido como slurred.

Verificou-se que as estruturas harmônicas dos solos selecionados apresentam um


ritmo harmônico lento ou inexistente, proporcionado pela longa duração dos acordes e por não
possuírem relação funcional entre si, características recorrentes no Modal Jazz.

No solo da música “Hey bicho, vamos nessa”, por exemplo, a estrutura harmônica
foi organizada em um ciclo de doze compassos, divididos em três períodos de quatro compassos
92

para cada acorde, sendo os quatro primeiros compassos em Fm7, os próximos quatro em
Gbmaj7(#11) e os quatro últimos em Fm7, novamente.

Em “On the foot peg”, a sessão destinada ao improviso de trompete se sucedeu de


forma livre (open solo) sobre o acorde de D7. No solo da música “Libra Rising” a estrutura
harmônica foi configurada em três diferentes tipos de acordes (F#maj7, Emaj7 e D#maj7) e
organizados em um ciclo de nove compassos.

A estrutura harmônica da música “Risa” apresenta quatro diferentes tipos de


acordes (Eb7, Fm7, D7 e Gm7) organizados em um ciclo de vinte e oito compassos, divididos
em quatro compassos para cada acorde.

Verificadas as estruturas harmônicas de cada solo, o passo seguinte foi o de


identificar as relações escala/acorde adotadas por Montarroyos. Como produto, foram
identificados o uso de escalas diatônicas, sendo elas os modos jônio, dórico, lídio e eólio, além
das escalas não diatônicas (híbridas/sintéticas), como a escalas pentatônicas maiores e menores
e a escala de blues menor.

Montarroyos manipulou esse material melódico de duas formas, ora valorizando as


tensões disponíveis nos acordes relacionados, ora valorizando as notas estruturais dos referidos
acordes. A valorização das tensões disponíveis foi evidenciada em situações em que o
trompetista se utilizou das escalas pentatônicas maiores sobre acordes maiores com sétima
maior (Xmaj7) tocadas um tom acima. Este tipo de aplicação possibilitou a exploração da nona,
da décima primeira aumentada e da décima terceira.

Além dos modos e das escalas relacionados anteriormente, através das análises
foram identificadas diversas informações ou fragmentos musicais, aqui destacadas como
“motivo”, recorrentes nos solos de Montarroyos. Dentre os vários tipos de dispositivos para o
desenvolvimento de um motivo, foram observados os recursos de repetição, de sequência, de
deslocamento métrico e os recursos de ornamentações melódicas.

A dificuldade em avaliar, classificar ou mesmo adjetivar o disco Stone Alliance, em


especial a construção dos solos improvisados de Márcio Montarroyos nesse disco, se mostrou
presente ao longo deste trabalho, considerando que esse material representa basicamente o
início de um processo de investigação e estudo de improvisação que percorreu
aproximadamente quarenta anos.
93

Tento aqui me esquivar de deslizes classificando ou adjetivando esse material como


“moderno” ou “inovador”. Entretanto, entende-se que a originalidade é um critério fundamental
para se avaliar a contribuição de um artista para a música improvisada.

O disco Stone Alliance, analisado em uma perspectiva “macro”, representa uma


fusão de elementos oriundos da música popular brasileira e de elementos jazzísticos. Essas
“trocas” culturais não eram inéditas em 1977. Embora alguns autores se refiram à década de
1970 como um “processo de efervescência cultural”, ou como uma época de
“internacionalização da cultura”, esse processo já se sucedera anteriormente, com a bossa nova,
por exemplo.

Márcio Montarroyos estudou e conviveu com diversos músicos norte-americanos,


e teve contato direto com a linguagem jazzística que se estudava naquela época (1972), em
especial o jazz rock ou fusion. Os solos aqui apresentados trazem a assimilação de alguns desses
elementos, que foram discutidos anteriormente.

Em uma perspectiva “micro”, os elementos musicais recorrentes nos solos


improvisados de Montarroyos, comparados às produções musicais dos demais trompetistas
brasileiros apontados no primeiro capítulo desta Dissertação, destacam-se enquanto novas
contribuições para o trompete no cenário da música popular brasileira.

Especialistas definem que imitação, assimilação e inovação são os principais


estágios do desenvolvimento artístico do improvisador. No caso de Márcio Montarroyos,
entende-se que os estágios relacionados se mostrarão evidentes somente quando houver uma
avaliação de toda a sua produção artística, o que implicará em um novo trabalho de pesquisa.

Entretanto, a característica mais importante que o disco Stone Alliance apresenta,


avaliada por este trabalho, é a inauguração do processo de eletrificação do trompete no Brasil,
por meio dos dispositivos eletrônicos relacionados anteriormente. Com um “delay” de apenas
oito anos em relação ao trompetista norte-americano Miles Davis, tomando como referência o
disco Bitches Brew (1969). Montarroyos mostrou que os recursos tecnológicos não são meros
aparatos adicionados a posteriori ao instrumento, mas elementos estruturais na construção de
uma sonoridade e de um estilo de improvisação específicos.

Diante das considerações aqui apresentadas, espera-se que o presente estudo possa
contribuir para a compreensão dos processos criativos implicados na improvisação de Márcio
94

Montarroyos e seja considerado ponto de partida para futuras pesquisas envolvendo o trompete
e a música popular instrumental brasileira.
95

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GANDELMAN, L. (Léo Gandelman). Entrevista I (03 de fevereiro de 2014). Entrevistador:


Marcelo Rocha dos Passos. Via Skype, 2014. Arquivo em mp3.
MORAES, F. (Chiquinho de Moraes). Entrevista II (05 de maio de 2014). Entrevistador:
Marcelo Rocha dos Passos. Via Skype, 2014. Arquivo em mp3.
GANDELMAN, L. (Léo Gandelman). Entrevista III (11 de maio de 2014). Entrevistador:
Marcelo Rocha dos Passos. Via Skype, 2014. Arquivo em mp3.
CORDEIRO, C. (Cristina Cordeiro). Entrevista IV (06 de novembro de 2014). Entrevistador:
Marcelo Rocha dos Passos. Rio de Janeiro, 2011. Arquivo em mp3.
CAVALCANTE, N. (Dona Nail); LUCAS, M. E. (Beth) Entrevista V (07 de novembro de
2014). Entrevistador: Marcelo Rocha dos Passos. Rio de Janeiro, 2014. Arquivo em mp3.
MENEZES, C. (Christina). Entrevista VI (12 de novembro de 2014). Entrevistador: Marcelo
Rocha dos Passos. Via Skype, 2014. Arquivo em mp3.
PERLA, G. (Gene PERLA). Entrevista VII (06 de fevereiro de 2015). Entrevistador: Marcelo
Rocha dos Passos. Via Facebook.
GIL, W. (Walmir Gil). Entrevista VIII (25 de agosto de 2015). Entrevistador: Marcelo Rocha
dos Passos. Campinas, 2015. Arquivo em mp3.
98

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MONTARROYOS, M. Seção Nostalgia. Rio de Janeiro: Som Livre, 1973. Lp.
MONTARROYOS, M. Márcio Montarroyos Stone Alliance. Rio de Janeiro: Som Livre,
1977. Lp.

NASCIMENTO, J. (2002). Eu choro assim. Maianga Discos (CD digital estéreo)

OLIVEIRA, C. V. Pedroca e seu Quinteto. Rio de Janeiro: Sinter, 1956. Lp.


OLIVEIRA, C. V. Pedroca e seu Piston. Rio de Janeiro: Sinter, 1956. Lp.
OLIVEIRA, C. V. As garotas gostam de dançar com Pedroca e seu Piston. Rio de Janeiro:
Todamérica, 1958. Lp.
OLIVEIRA, C. V. Atendendo a Pedidos. Rio de Janeiro: Sinter, 1959. Lp.
PINTO, J. L. Piston em alta fidelidade. Rio de Janeiro: Copacabana discos, 1959. Lp.
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http://www.uiadiario.com.br/evento/hermeto-pascoal-e-grupo/

http://www.stonealliance.com/History.shtml
101

Apêndice

1 Estudos para a prática de improvisação a partir de elementos observados nos solos


selecionados

Os estudos aqui apresentados estão voltados para auxiliar no desenvolvimento de


ideias musicais para improvisação e que compreendem variações melódicas sobre os elementos
musicais extraídos dos solos pesquisados, a prática de diferentes tipos de articulações e a
transposição em tonalidades variadas desses estudos.

Recorreu-se ao termo “célula melódica”, adotado por Steinel (1995), para definir
os fragmentos melódicos extraídos dos solos de Márcio Montarroyos. Segundo esse autor,
células melódicas são pequenos agrupamentos de notas contidos em uma melodia ou solo
improvisado, sendo classificados basicamente em cinco unidades básicas, sendo elas células de
acorde, células escalares, células de ornamentação cromática e células de pentatônica, como
destacado a seguir:

Acorde Escalar Escalar Cromática Pentatônica

Exemplo 1: Células melódicas proposto por Steinel (1995).

As células apresentadas no exemplo 1 possuem caráter único e relacionam-se entre


si formando frases ou sentenças musicais. Possuem também diversas variações que podem ser
aplicadas sobre variados contextos harmônicos, sendo necessário ajustes de ordem intervalar
para melhor se adequarem. Dentre as suas possibilidades de aplicação, destacam-se as escalas
maiores e escalas menores (harmônicas e melódicas) e seus respectivos modos; escalas
diminutas e seus respectivos modos; escalas de tons inteiros; escalas cromáticas; escalas
pentatônicas e seus respectivos modos (STEINEL, 1995).

1.1 Células melódicas nos solos de Márcio Montarroyos


102

Dentre as células melódicas propostas por Steinel (1995), foram destacadas abaixo
três configurações celulares distintas recorrentes nos solos de Márcio Montarroyos, dividindo-
se entre células escalares, células de ornamentação diatônica/cromática e célula de pentatônica.
Como demonstrado no exemplo 2:

Exemplo 2: Células melódicas nos solos de Márcio Montarroyos.

Para cada uma das células destacadas acima, foram criadas algumas variações
melódicas agrupadas de quatro em quatro notas, podendo ser empregadas sobre todos os graus
de um determinado modo ou escala. Ressalta-se que os exemplos a serem destacados referem-
se aos modos jônio, dórico, lídio, eólio e as escalas pentatônicas, assunto discutido no capítulo
3 desta dissertação. Visando maior absorção das sugestões aqui apresentadas, destaca-se que os
exemplos relacionados a seguir encontram-se registrados também em arquivos de áudio nos
anexos desta dissertação.

1.2 Células melódicas com três notas:

Exemplo 3: Células melódicas com três notas.


103

1.2.1 Células melódicas com três notas aplicadas em sequência sobre os modos jônio,
dórico, lídio e eólio:

Faixa 1.

Faixa 2.

Faixa 3.

Faixa 4.

Faixa 5.
104

1.3 Células melódicas com quatro notas:

Exemplo 4: Células melódicas com quatro notas.

1.3.1 Células melódicas com quatro notas aplicadas em sequência sobre os modos jônio,
dórico, lídio e eólio:

Faixa 6.

Faixa 7.

Faixa 8.
105

Faixa 9.

1.4 Células de ornamentação cromática e diatônica:

Exemplo 5:Células de ornamentação cromática e diatônica.


106

1.4.1 Células de ornamentação cromática e diatônica aplicadas em sequência sobre as


notas estruturais e as tensões disponíveis dos acordes de Cmaj e Cm7:

Faixa 10.

Faixa 11.

Faixa 12.

Faixa 13.

Faix 14.

Faixa 15.
107

Faixa 16 .

1.4.2 Células de ornamentação cromática e diatônica aplicadas de forma interpolada:

Faixa 17.

Faixa 18.

1.4.3 Células de ornamentações cromáticas e diatônica interpoladas:

Exemplo 6: Células de ornamentações cromáticas e diatônica interpoladas.

1.4.4 Células de ornamentação cromática e ditônica interplolada aplicadas sobre a tétrade


de Cm7:

Faixa 19 .
108

Faixa 20.

Faixa 21.

Faixa 22.

1.5 Células de pentatônica maior:

Exemplo 7: Células de pentatônica maior.


109

1.5.1 Células melódicas de pentatônicas aplicadas em sequência:

Faixa 23.

Faixa 24.

Faixa 25.

Faixa 26.

Faixa 27.

Faixa 28.
110

1.6 Células de pentatônica menor:

Exemplo 7: Células de pentatônica maior.

1.6.1 Células de pentatônica menor:

Faixa 29.

Faixa 30.

Faixa 31.

Faixa 32.

Faixa 33.
111

Além das variações melódicas e dos variados tipos de articulações propostas


anteriormente, destacam-se também diferentes ciclos harmônicos que podem auxiliar na rotina
de estudo sobre improvisação, sendo eles os ciclos cromáticos, os de tons inteiros, os de terças
menores, os de terças maiores, os de quartas justas, os de quartas aumentadas e quintas justas,
respectivamente. Como demonstrado a seguir:

 Cromático

 Tons inteiros

 Terças menores

 Terças maiores

 Quartas justas
112

 Quartas aumentadas

 Quintas justas
113

Anexo 1 transcrições
114
115
116
117
118
119
120
121
122

Anexo 2 – Entrevistas

1. Entrevista concedida pelo saxofonista Léo Gandelman. A entrevista foi


realizada no dia 3 de fevereiro de 2014, via Skype.

Marcelo: Léo, quando e como foi o seu primeiro contato com o Montarroyos?
Léo Gandelman: Bom, eu, como parte da minha formação musical, eu estudei na Berklee.
E quando eu voltei da Berklee eu cheguei aqui no Rio já com a ideia de correr atrás de
trabalho, né? Eu não me formei lá, eu fiz lá quatro semestres, voltei e comecei a procurar
os músicos que estavam na ativa naquela época, né? E comecei a fazer substituição para
vários deles que trabalhavam na época na orquestra da Globo e em outras orquestras, mas
era uma época, eu tô falando de 79, era uma época que tinha várias Orquestras em
atividade aqui no Rio. Então, além de eu fazer substituições na orquestra da Globo e
substituições na orquestra do Maestro Cipó, pra orquestra do Marko Rupe, pra orquestra
do Maestro Carioca, enfim, na verdade eu fazia substituição para o Aurino Ferreira, pro
Macaé, pro Zé Bodega, pro Jaime Araújo, quem quisesse, porque eu tocava sax alto, tenor
e barítono, então eu estava sempre disponível. Uma das minhas idas na Som Livre, para
fazer substituição na Globo, eu encontrei o Márcio. Eu era fã do Márcio, é.... No tempo
em que eu estudei na Berklee eu transcrevi o solo dele do Vamos nessa, bicho, do disco
do Stone Alliance, e.... pô, eu estava louco para conhecer ele para poder entregar esse
trabalho, para mostrar esse trabalho à ele, porque o Marcio é.... Desde essa época já era
uma referência pra gente que estava começando, pra gente que queria alguma coisa. O
Márcio, ele me mostrou que era possível, né? Ele me fez acreditar que era possível viver
de música instrumental no Brasil, ele tinha um trabalho de excelência, né? Um trabalho
que realmente eu fiquei fã desde o início, né? Então, quando eu encontrei ele na escada,
ali na Som Livre, eu falei: “pô, Márcio eu sou Léo, toco soprano, alto, tenor, barítono e
tô à sua disposição, ó, tá aqui meu telefone, se quiser me liga, eu estou afim de tocar
contigo!” Tempos depois, eu vim realmente a tocar com ele, ele me falou: “Quando eu te
conheci, eu achei que você era maluco, cara! Como é que você chegou pra mim se
apresentando e dizendo que queria tocar comigo? Achei aquilo... Ou você devia ser
maluco ou tocar muito. Porque do jeito que você chegou eu não acreditei” [risos]. O
Márcio era uma figura muito engraçada, e.... não só engraçada, mas uma figura muito
típica, né? É.... prefiro até nem adjetivar muito não, mas enfim, foi essa reação dele e a
gente acabou tocando juntos tempos depois a convite do Lincoln Olivetti, que é.... Antes
de tocar com o Márcio formei um naipe junto com o Bidinho trompete, o Serginho
trombone e o Zé Carlos. A gente tinha um conjunto que chamava Avenida Brasil, isso
também em 79, né? E aí, a gente começou a fazer algumas gravações também na Odeon
e quando o Lincoln ouviu o nosso som, ele acrescentou no nosso naipe o Oberdan
Magalhães, que ficou no sax alto, Zé Carlos no tenor e eu no barítono, e acrescentou
também o Márcio Montarroyos que ficou no trompete junto com o Bidinho.

Continuação da entrevista, dia 11 de maio de 2014.


Marcelo: Você conheceu os pais do Márcio?
Léo Gandelman: Eu conheci a mãe dele, Dona Neida.
123

M: Ela foi musicista também?


L: Era, foi Professora da Escola de Música. Pianista clássica, assim como a minha mãe.
M: Além do Márcio e da mãe, Léo, existiam outros músicos na família?
L: Não, eu acho que não. Eu conheci o irmão dele, o João, mas não é músico... Acho que
era ele mesmo.
M: Tem uma apresentação que você faz, acho que para o FreeJazz, você faz uma
introdução, certo?
L: É.
M: A repórter que estava apresentando junto com você diz que ele foi filho, neto e bisneto
de pianistas...
L: Rapaz, essa parte da linha de descendência dele eu não sei. Isso aí seria bom você falar
com o irmão dele, o João.
M: Você tem o contato do João?
L: Outro dia eu falei com ele no facebook... Espera aí, deixa eu ver se eu acho ele aqui.
Ó, te mandei o link aí.
M: Ah, chegou aqui!
L: Igualzinho, né?
M: Sim.
L: Engraçadão, né [risos]?
M: Sim [risos]. O João é mais velho ou mais novo?
L: Mais velho, esse aí é mais velho. Inclusive, dá a sensação que tá com a barba pintadona,
né?
M: O pai do Márcio tinha uma ligação militar, não tinha?
L: Ah, o pai do Márcio era militar, a família toda. O Márcio estudou no Colégio Militar
também.
M: Você saberia me dizer, Léo, onde o Márcio estudou música?
L: Cara ele estudou no conservatório... não, espera aí, eu não sei se ele estudou na escola
de música... Esses detalhes assim, com certeza eu não sei te falar. Será que não tem isso
no Wikipedia?
M: Alguma coisa tem sim.
L: É, seria legal falar isso com o João. Ele poderia elucidar uma série de coisas. Porque
eu era amigo do Márcio e ele me falava essas coisas, mas às vezes entrava por um ouvido
e saia pelo outro. Eu sei que ele tem negócio de Escola de Música... Ele estudou na
Berklee também.
124

M: Você saberia me dizer com precisão o período em que ele estudou na Berklee?
L: Com precisão, não. Também, era tal negócio, era bom falar com o irmão dele ou com
a viúva.
M: Como chama a viúva?
L: Cristina Cordeiro. Você poderia entrevistar também pra sua tese, ela é gente boa,
poderá ajudar mais nesse sentido do que eu.
M: Pode ser que ele tenha ido logo depois da turma do Vitor Assis Brasil, né?
L: É, eu acho que foi por ali, cara.
M: Você saberia me dizer o que levou o Márcio a estudar fora do país, Léo?
L: Olha, esse é um papo assim em especial que eu vou falar a minha interpretação dos
fatos. Antigamente, os músicos no Brasil.... Já conversei isso com o Nivaldo Ornelas e
com outros músicos, a formação do músico popular, digamos assim, improvisador, era
uma coisa muito pessoal. Não tinha uma metodologia, uma escola... Não era só aqui no
Brasil, na verdade isso acontecia no mundo inteiro. Até meados da década de 60, a
questão toda do aprendizado do improviso era uma coisa muito intuitiva. As pessoas
procuravam caminhos próprios para aprender essa questão da ciência do improviso. Não
existia uma organização, uma metodologia de ensino e de aprendizado dessa questão do
improviso. Eu acho que quem organizou inicialmente, um dos pioneiros nessa questão de
organização do improviso, do ensino do improviso, foi o Mr. Lee Berk, que é o criador
da Berklee. Ele é quem veio com esse papo, com a história do chord scale, a questão da
análise harmônica e da escala relativa àquele acorde, né? E quando ele instituiu isso como
ensino, enfim, quando ele metodizou o ensino do improviso, ele criou a escola Berklee e,
nessa altura do campeonato, existe um momento de mudanças, né? A geração do Vitor e
do Márcio, foi a primeira geração que saiu do Brasil em busca desse tipo de
conhecimento, entendeu? E o Márcio e o Vitor quando voltaram, eles já tinham um
preparo diferente dos restantes dos músicos populares, digamos assim, né? Ou dos
músicos improvisadores, entendeu? Eles adquiriram esse conhecimento de chord scale,
né? Da escala certa do acorde e de análise harmônica que era ensinado na Berklee. Então,
acredito que o motivo que ele foi pra Berklee, foi em busca desse tipo de conhecimento
específico que não tinha no Brasil na época, não tinha bibliografia, não tinha nada,
entendeu? A Berklee era uma escola pioneira nesse tipo de ensino, né? Eu precisava, para
ter certeza do que eu estou te falando, com exatidão, porque na New Englad School of
Music e outras escolas grandes de música nos EUA, já existia alguma coisa nesse gênero
do ensino de música, digamos assim, improvisada. Mas a Berklee ficou famosa
mundialmente como sendo “a escola de jazz”, entendeu? Porque foi realmente o primeiro
centro que trabalhou a metodização do ensino de jazz, isso é sem dúvida. Porque mesmo
assim, a England School of music em Boston, ela tem um departamento de música popular
que chama Third Stream Departament, você já ouviu falar disso?
M: Sim.
L: O Third stream é como se fosse um World Stream Departament, entendeu? É uma
coisa um pouco mais aberta que Jazz em termos de abrangência, né? Agora a Berklee foi
uma escola que se fixou no idioma Jazz, e na análise do que é que acontece na música do
Jazz harmonicamente e a questão do improviso analisada profundamente. Então, com
toda certeza, o Márcio, que era um aficionado do Jazz, ele teve a oportunidade de estudar
125

nessa escola e foi em busca desse tipo de conhecimento, que você era obrigado a cruzar
mares pra ter. Eu fui mais tarde pra Berklee, eu fui pra lá em 77, nessa altura, o Márcio
já tinha voltado pra cá há muito tempo e era um caminho a ser trilhado. Era na verdade a
única opção, digamos assim, prática de você entrar numa escola de Jazz, porque a Berklee
além de ser uma escola de Jazz, existiam uns cursos profissionalizantes, que não eram
cursos tão exigentes a papéis formais pra você poder entrar numa escola, ele não te exigia
diploma disso e nem daquilo, eram cursos profissionalizantes de ensino do improviso.
Mas quando eu fui lá, por exemplo, nessa época obviamente não tinha internet, um monte
de livros que eu trouxe para estudar aqui de paterns, de livros sobre improvisos, eram
coisas que você tinha que buscar lá fora. Aqui você não tinha acesso nenhum a esse tipo
de informação. Até então, aqui no Brasil existia um mito, né? Como lá fora também, mas
lá fora a coisa foi desvendada antes, porque a coisa aqui no Brasil sempre demorou um
pouquinho para chegar, principalmente numa época que não se tinha comunicação, a
questão do improviso era tratada como uma coisa mitológica, entendeu? O cara era
talentoso, ou o cara era inspirado... Entendeu?
M: Como o Márcio era visto na Berklee?
L: Olha, eu não sei se o Márcio foi uma figura marcante na escola, eu não sei exatamente
o tempo que ele ficou lá, a duração que ele fez na escola, eu não sei... O Vitor, por
exemplo, me parece que lá se desenvolveu mais que o Márcio. O Marcio eu não sei ele
se formou lá, se ele ficou dois, três ou quatro semestres. Eu não sei exatamente quanto
tempo ele ficou. Eu sei que ele teve uma passagem pela escola e, uma passagem que foi
marcante na forma dele ver música, dele improvisar, o Márcio sabia direitinho esses
preceitos aí de harmonia e escalas, ele não era um músico, digamos, só intuitivo, ele era
um músico estudado, tanto na escola clássica quanto na de Jazz. O Márcio teve uma
formação na escola clássica muito importante, tanto é que você vê pelo toque dele, pela
articulação, pela afinação, pela sonoridade, que ele tem toda uma história de trompete
clássico, né? O Márcio estudou concertos de música clássica no trompete, ele
desenvolveu toda uma escola clássica e mais tarde foi estudar Jazz, que é mais ou menos
a minha história também e da onde a gente se identificava, entendeu?
M: Quais foram as influências musicais nacionais e internacionais do Márcio que você
saberia me dizer?
L: Bom, aqui no Brasil eu posso dizer que ele como músico de estante ou de naipe, ele
teve uma influência muito grande de toda uma geração que pertenceu às Big Bands
brasileiras, como o Hamilton, Maurílio, ele gostava do Maurílio, eu me lembro... Quem
mais que eu posso dizer...? o Formiga. Eram trompetistas que fizeram também a escola
clássica, que tinha aquele som de lead play, de primeiro trompete. Ele gostava desse
pessoal, mas eu acho que a maior influência dele foi do Miles Davis, entendeu? O Marcio
adorava o Miles... E o Freddie Hubbard, talvez...
M: E outros instrumentistas?
L: O Márcio gostava de muita coisa, gostava do Jeff Lorber, pianista, é, gostava de Jazz,
cara... É difícil pra mim nomear alguma coisa exclusiva, ele era um amante do Jazz, não
só amante, mas um conhecedor, ele era um cara que falava com propriedade do assunto.
Não que ele tenha sido um estudante, mas ele foi um apaixonado do Jazz.
M: Qual a proporção da influência de Miles Davis exercida sobre o Márcio?
126

L: O Miles era um artista em constante transformação, né? O Miles foi o primeiro cara a
eletrificar publicamente, notoriamente o trompete, e o Márcio era fã desse negócio, ele
virou pesquisador dessa questão do trompete eletrônico, ele adorava sons, pedal, os
efeitos, sabe? O Márcio dedicou boa parte do trabalho dele a essa pesquisa. Isso foi logo
no início da década de setenta, se eu não me engano, aqueles primeiros festivais de Jazz
que tiveram no Brasil, se eu não me engano isso tem até no youtube, ele já estava usando.
Ele foi um dos pioneiros nessa questão de eletrificar o trompete, mas isso aí, com toda
certeza ele veio na cola do Miles. Ele era fã, e assim que surgiu a hipótese ele abraçou e
ele se destacou dos jazzistas, digamos assim, tradicionais porque ele era um inovador, o
Márcio gostava de novidade, de inovação. Ele não gostava de tocar coisas antigas, não
gostava de tocar chorinho, ele não gostava de tocar coisas, digamos assim, tradicionais.
Ele gostava de inovar, de criar, de romper barreiras. Ele sempre teve uma atitude
desafiadora.
M: Essa eletrificação do trompete, ao que tudo indica se deu no ano de 1969 por conta do
Miles no disco Bitches Brew, mas na década de 1970, logo na sequência surgiu o grupo
Brecker Brothers. O Márcio teve algum tipo de ligação com o Randy Brecker?
L: Teve, ele era amigão do Randy, ele se amarrava no Randy. Ele, assim como o Randy,
eles eram seguidores do Miles, né? O Randy é um cara mais ou menos da idade dele, eles
se falavam, digamos que era o Marcio aqui e o Randy lá, né? [risos]
M: Léo, você saberia me dizer alguma marca ou modelo desses equipamentos que o
Marcio possuiu?
L: O Márcio teve tudo, harmonizer, space echo... o Márcio adorava basicamente echos,
reverbs e harmonizers, era o que ele gostava. Ele nunca usou esse negócio de envelope,
quem usou mais envelope, essas coisas, foi o Randy Breker. O Márcio era delay, ele
adorava delay. Delay com reverb e harmonizer. Essa era a praia dele.
M: Outros trompetistas no Rio chegaram a trabalhar com equipamentos desse tipo, Léo?
L: Rapaz, olha, que marcasse presença, não. Hoje o Paulinho Trompete tá usando.
Paulinho Trompete lançou essa onda aí de seguir esse lance do Márcio [risos]. Mas me
parece que o Paulinho não pesquisa esse lance com a mesma intensidade que o Márcio.
Paulinho comprou um pedal aí que já vem com tudo pronto, não posso dizer que ele é um
usuário. O Marcio não, ele pesquisava a fundo os modelos dos produtos, a sonoridade de
um, a sonoridade de outro efeito, e a possibilidade de outro. O Márcio era realmente um
pesquisador nesse assunto. Mais tarde, o Márcio comprou um P.A, equipamento de luz e
fumaça, né? E ele operava tudo sozinho, no pé dele. Ele fazia luz, fazia aquela fumaça
especial, criava todo clima, né? Às vezes eu brincava com ele: “pô, Márcio, cadê você?
Você desapareceu!” [risos]. Ele tinha um tapete que ele colocava ali e dizia: “esse aqui é
meu palco!” O Márcio era ligado na cena como um todo, né? Ele tinha essa coisa também,
como posso dizer... como o Miles, né? Ele era um artista completo, não era um músico
que tocava o trompete dó, ré, mi, fá, sol... Não era isso, ele tinha toda uma coisa voltada
pro som, do aspecto cênico, da qualidade, do tipo, do processamento, disso e daquilo, ele
criava também luz. Ele gostava de todo um ambiente cênico pro trompete dele.
M: Quando se usa esses equipamentos, o referencial sonoro pode sofrer alterações, isso
teria influenciado na maneira de tocar do Márcio?
127

L: Ele tirava partido dos efeitos, é claro que ele não simplesmente tocava usando o efeito.
Ele tirava partido e se ele se influenciava é claro, né? Tem milhões de frases que ele faz
nos discos dele e tal, que você vê nitidamente que ele faz utilizando os recursos que ele
estava usando, entendeu? Ele não colocava o delay no trompete, ele usava o delay para
tocar trompete, você tá entendendo a diferença?
M: Sim.
L: Ele realmente se utilizava dos efeitos para poder criar a música dele. Então, com toda
a certeza, isso tinha uma ação sobre a música dele.
M: Sempre na busca de explorar novas possibilidades sonoras e musicais...
L: É.
M: Entendi.
L: Você entendeu legal? Isso aí é importante você entender. O Márcio criava os sons dos
efeitos e, ele trabalhava com os efeitos, explorando aquilo. Então, isso ia acontecendo
durante a música, durante o improviso dele. Ele adorava o delay, ele não ficava tocando
e o delay acontecendo. Ele usava o delay. A frase boa é essa: ele não tocava com os
efeitos, ele usava os efeitos.
M: Além dessa perspectiva de pesquisa sonora, existiu outro cunho de influência para a
utilização desses equipamentos? Como, por exemplo, interesse comercial, demanda de
trabalho e etc.
L: Não, não, de forma alguma. Isso aí era uma coisa de pesquisa dele como artista, como
intérprete do trabalho dele. Ele jamais utilizou isso aí como recurso comercial ou para se
destacar ou aparecer, de forma alguma. Isso era uma pesquisa artística dele.
M: O que tornava o Márcio tão diferente dos trompetistas contemporâneos a ele?
L: O que marca o Márcio, mais do que qualquer outra coisa é o touché dele. O Márcio
tinha uma forma muito elegante de produzir o som no trompete. O acabamento do som
dele é inigualável. A nível internacional. O timbre, a afinação, a articulação, todos os
elementos básicos. Ele tinha uma forma extremamente musical de produzir os
fundamentos do instrumento como ninguém. No mundo clássico, no mundo popular, com
ou sem efeito, o acabamento sonoro dele é inigualável.
M: O Márcio influenciou muita gente?
L: Pô, o Márcio influenciou muita gente, cara. Inclusive a mim. Não só pela forma de
tocar trompete, mas porque ele foi um pioneiro abrindo caminhos nessa praia da música
instrumental brasileira. Eu quando conheci o Márcio e adentrei no trabalho dele como
compositor e tal, e vi o que ele estava fazendo e como ele estava fazendo, eu acreditei que
era possível fazer. Sabe, o Márcio foi o cara que me mostrou que era possível fazer um
trabalho de música instrumental no Brasil. Eu posso dizer que teve o Márcio, o Cesar
Camargo Mariano e o Azimuth, foram os três que me levaram a acreditar que eu deveria
fazer o meu trabalho também. Até mesmo o Egberto Gismonti, mas o Egberto era uma
coisa mais pontual no sentido que o Egberto era um virtuose que sempre viveu em função
de um extremo talento e virtuose e tal. No caso do Márcio não, ele não colocava o trabalho
dele com uma coisa inacessível, o Márcio tocava bonito e fazia um trabalho um trabalho
128

acessível, um trabalho popular. É claro que ele passou por muitas fases, mas eu acho que
ele foi um pioneiro no sentido de abrir caminhos pra música instrumental de hoje.
M: Quais foram essas fases passadas pelo Marcio?
L: O Márcio teve uma fase de sucesso intenso com o Carinhoso e aqueles discos de
Orquestras que foram a entrada dele no mercado de trabalho. Você tem o disco dele com
Orquestras?
M: Sessão Nostalgia?
L: É aquele produzido pela Globo, se eu não me engano. Eu posso ver isso aqui agora,
espera aí... Eu não sei se o título é Sessão Nostalgia, isso realmente eu não sei. Eu acho
que é Márcio Montarroyos e Orquestra. Esse foi o disco de sucesso dele, quando ele
estourou com Carinhoso na abertura da novela o nome dele se popularizou aí. Mas a
questão não é nem a Globo, mas o momento comercial do Márcio, digamos assim. Agora
tem outros momentos. Teve o momento que ele pegou pesado com o lance de música
eletrônica, que é aquele festival que você citou. Ali, inclusive, teve algum momento que
o Márcio foi vaiado, eu me lembro que teve essa história. Você sabe dessa história?
M: Não.
L: Pois é, eu não sei exatamente, é arriscado falar porque eu não me lembro direito, mas
teve alguma coisa dessas dele aparecer com o trompete todo eletrificado e não ser muito
bem recebido pela plateia. Uma coisa assim do cara ser ousado dentro da época dele, né?
Mas vamos dizer que o Márcio foi questionado justamente por ser um pioneiro nessa onda
de utilização dos pedais eletrônicos, né? Quando eu conheci o Márcio já foi depois dessa
fase comercial, já consagrado com o Carinhoso e etc., o Márcio desenvolveu um trabalho
com um grupo que ele tinha, um quarteto, que às vezes ele usava duas guitarras, baixo e
batera, que foi realmente um trabalho de consagração. O Márcio era um cara
extremamente bem organizado, ele estava com as coisas muito bem definidas na cabeça
dele e ele fez nessa época aquele disco Magic Moment. Ele teve uma fase de uma boa
produção bem objetiva que foi o Magic Moment, tem o Terra Mater também, tem o
Carioca, enfim, foi uma fase bem produtiva do Márcio com todos esses lançamentos. Nos
últimos anos, o Márcio já tinha uma cabeça muito diferente, ele deixou de ser um cara tão
organizado assim, produtivo, detalhista, né? Ele se soltou muito, ficou um cara sem
objetivo na produção dele. Ele estava interessado em tocar, ele gostava de performance
ao vivo, sabe? Ele parou de se interessar pelo sucesso, parou de perseguir um lugar ao
sol, digamos assim. Ele se entregou realmente ao que ele gostava de fazer que era
performance, de ligar os efeitos no trompete, as luzes, a fumaça e ficar ali dentro daquele
clima que ele criou e ponto. Ele perdeu, digamos assim, o compromisso com o sucesso.
Não é perdeu, ele não quis mais o compromisso do sucesso. Eu notei nitidamente isso no
Márcio, ele parou de buscar o sucesso, esse compromisso era uma coisa cansativa pra ele,
entendeu? Ele estava afim era de ficar tocando o trompete dele. Ele criava esse ambiente
especial pra ele, entrava ali dentro daquele círculo que ele traçava e começou a viver
dentro disso. Tanto é, que no final da vida dele, quando eu vi que ele estava já com os
dias contados, como terapia, eu comecei a trabalhar as coisas que tinha no computador
dele, que eram mais de dez anos de tentativas de discos, ele estava sempre fazendo disco
e nunca acabava, entendeu? Foram mais de dez anos isso. Então, eu comecei a levantar
junto com ele as coisas que estavam no computador. Tinha muita coisa que o trompete já
estava gravado, mas que faltava isso ou faltava aquilo... Eu comecei a anotar música por
música, o que é que ele tinha e o que é que ele gostaria de fazer. Conversando sobre isso,
129

o tempo foi passando até que ele morreu. Quando ele morreu eu clonei o computador
dele, trouxe pra casa e comecei a refazer o caminho todo que ele tinha feito, incluindo
Reason, você conhece o Reason?
M: Sim.
L: Ele tinha feito muita coisa com programação MID, o Márcio quando descobriu o MID,
achou que tinha descoberto a pólvora [risos]. Ele ficava feliz pra caramba com as novas
possibilidades tecnológicas, porque justamente ele foi um cara muito ligado na questão
da tecnologia da música, né? Então, ele começou a ficar cada vez mais em casa
pesquisando essa nova forma de fazer música. Inclusive, pra mim isso é muito engraçado
porque quando ele descobriu isso aí tudo eu já estava no capitulo dez e ele vinha falar pra
mim todo entusiasmado do capitulo um. Mas enfim, a gente sentou e começamos a
desenhar o disco ideal que ele queria fazer e, eu prometi pra ele que esse disco ia ser
acabado. E foi o disco que eu fiz depois que ele morreu, que, aí eu peguei todas as nossas
conversas, estavam ali tudo escrito, cara, estava tudo já mapeado, quem ia fazer isso ou
aquilo, quem nós íamos chamar, já estava tudo pré-produzido. Eu fiz uma pré produção
com ele, entendeu? E aí, voltei à estaca zero, eu tive que remontar os sons do MID que
ele estava procurando. Porque aí que tá, o Márcio já estava trabalhando de uma forma
completamente desorganizada, então, ele não chegava aos finais dos projetos dele. Ele
estava mais interessado na pesquisa do que nos resultados, é isso. O Márcio sempre falava
ironicamente desse negócio com compromisso com o sucesso, numa coisa que ele
ironizava, sabe? Ele não estava nem um pouco interessado no sucesso social, no sucesso
comercial, ele ironizava dizendo: “A corrida pelo sucesso!”.
M: Se o Márcio tivesse tido pouco trabalho ou não tivesse uma condição financeira
favorável para se viver de música ele pensaria diferente?
L: Olha, esse será aí não existe. Não existe esse tipo de questionamento porque o cara já
morreu, entendeu? Talvez se ele tivesse vivido mais ele tivesse produzido de outra forma.
Porque a verdade é que ele era um cara também em constante mudança. O Márcio não foi
um cara acomodado, você não pode dizer que ele foi um profissional de música que pegou
um cargo na orquestra sinfônica e ficou lá recebendo salário, não era nada disso. O Márcio
era um pesquisador livre, entendeu? E ele nunca assumiu compromissos de família, filhos
e tal, coisas que fizessem ele ter obrigações financeiras, sabe?
M: Léo, muito obrigado pela atenção e colaboração para esse trabalho, possivelmente no
decorrer do mesmo, eu possa lhe procurar novamente. Mais uma vez, muito obrigado!
L: Eu só queria dizer mais uma coisa, o Márcio pra mim, ele foi também um mestre, né?
Porque o mestre não é aquele que te ensina, é com quem você aprende. Eu aprendi muito
com o Márcio, foi o que eu te falei, ele foi o cara que me fez acreditar que era possível
criar um caminho meu dentro da música instrumental brasileira, foi uma inspiração no
sentido de organizar. O Márcio tinha uma capacidade também de montar bandas, grupos
espetaculares, ele era um grande capitão de equipe, entendeu? Era um grande
comandante, ele conseguia passar toda a intenção musical dele pra banda, ele tinha um
poder muito carismático sobre os músicos, entendeu? Então, o trabalho dele era um
trabalho assim muito bem feito até um determinado ponto, um trabalho que influenciou a
mim e a maioria dos músicos que estão em atividade hoje, ele influenciou todo mundo.
Influenciou justamente com a organização, com a liberdade, com as mudanças, ele foi o
cara que abriu as portas, sabe? Ele abriu caminhos largos pra música instrumental de hoje,
eu acho que ele é um pioneiro.
130

2. Entrevista concedida por Cristina Cordeiro no dia 6 de novembro de 2014,


em sua residência, localizada em São Conrado, Rio de Janeiro.

Marcelo: Cristina, como foi seu primeiro contato com o Márcio?


Cristina: Eu conheci Márcio no final de 1992, ele foi fazer um show em Brasília. Eu era
cantora, quando ele ia pra lá, ele tocava com os garotos que tocavam comigo, o Marco
Brito, o “Nema” Antunes baixista, o Herivelto... Nós tínhamos essa banda lá, então ele
foi tocar lá, fazer um show e os meninos me apresentaram a ele e ele me disse que iria
dar uma canja com eles lá no outro dia. Eu fiquei perturbada pra caramba [risos], imagina?
O cara é meu ídolo! Eu até queria fugir da canja, mas os meninos diziam: “não, vai ter
que ir... O Comandante...”, porque o chamavam de “Comandante”. Aí, eu terminei indo
e dei a canja, porque também era minha banda, né? E eu me senti super confortável [risos],
aí foi assim, eu conheci ele nessa situação.
M: Ele ia bastante pra lá?
C: Ele ia. Lá tinha ou ainda tem um Pub que é pra música instrumental, que é o Gates,
mas cantores também fazem. As pessoas de Brasília adoravam ele! Mas eu, foi a primeira
vez que tive contato com ele foi dessa vez, que ele foi fazer esse show. Aí terminou que
a gente se conheceu e eu fiquei assessorando ele lá em Brasília e ele me convidou para
vir pro Rio e eu já fiz as malas e vim [risos]!
M: Você chegou a conhecer os pais do Márcio?
C: O pai não. O pai dele morreu faz bastante tempo, mas eu conheci a mãe e a tia, que
foram pessoas importantíssimas na vida dele. Super pianistas, as mulheres tocam pra
caramba [risos]! A mãe, nossa, ela tinha uma pegada de piano impressionante.
M: Voltada pra música popular ou música erudita?
C: Não, música erudita.
M: Ela chegou a tocar ou dar aulas aqui no Rio?
C: Ela dava aula na escola de música. A tia também, sempre deu aula.
M: Ah, foram professoras as duas?
C: Foram.
M: Como se chamava a mãe do Márcio?
C: Era Neida Cavalcante Montarroyos.
M: E a tia?
C: É Nail, não é Montarroyos, mas tem o sobrenome do marido dela. É Lucas.
M: Montarroyos era por parte da família do pai?
C: Do pai. O pai do Márcio era um General do Exército. E ele começou tocando trompete
na Banda do Exército, assim com uns sete anos de idade ele já começava...
131

M: O Márcio?
C: É, o Márcio.
M: No regimento onde o pai trabalhava?
C: É.
M: O Márcio teve formação militar?
C: Eu acho que não. O Márcio desde pequeno ele já era... Quer dizer, isso eu não sei
direito não. Eu acho que ele estudou no Colégio Militar mas não seguiu carreira de militar
não. Ele já era músico mesmo. Com quatorze anos ele fez o seu primeiro show
profissional.
M: Como trompetista?
C: Como trompetista. Ele começou como pianista por causa da tradição da família que
era piano, mas aí ele logo se interessou pelo trompete.
M: Existe uma gravação de um programa de televisão sobre o Free Jazz, no qual o Léo
Gandelman faz uma apresentação onde ele diz que o Márcio era filho, neto e bisneto de
músicos. Você tem alguma história sobre essa genealogia musical?
C: Não, eu sei que a avó, como eu te disse, todas as mulheres da família dele sempre
foram musicistas. Tem uma prima dele que também toca piano, é professora de piano.
M: Mora aqui no Rio?
C: Mora, ela também mora no Grajaú. Mora com a mãe dela, a Dona Nail.
M: O Márcio chegou a comentar alguma coisa desse primeiro show profissional dele?
Por exemplo, onde foi, com quem foi e etc.
C: Não. Ele só dizia que com quatorze anos estava fazendo o primeiro concerto dele.
M: Ele começou com o piano e passou para o trompete, mas como se sucedeu isso?
C: Menino, isso a Dona Nail vai saber te dizer melhor!”
M: Mas ele chegou a comentar com você se ele estudou com alguém ou alguma escola
aqui no Rio?
C: Ele estudou na Berklee, né? Eu só sei a partir daí. Mas aqui no Brasil a Dona Nail vai
saber te dizer com mais propriedade.
M: O que incentivou o Márcio a ir estudar fora do país?
C: Foi assim, ele foi fazer uma apresentação e o “Boni” quando ouviu ele tocando, ele
pirou [risos], e aí, o “Boni” ofereceu essa bolsa pra ele, ajudou ele, parece que deu a
passagem e tudo. O “Boni” disse que quando viu aquele cara tocando ele ficou tão louco
que o chamou e disse que o ajudaria. Aí ele abriu todas as portas pra ele estudar em
Berklee, então ele foi e acho que ele estudou dois anos lá. O “Boni” até diz no blog dele
que quando o Márcio chegou de volta, foi fazer um show ele deu um espetáculo maior
132

ainda exibindo todas aquelas lindas notas como se fosse gratidão, agradecendo tudo o que
ele tinha feito, porque foi uma grande oportunidade pra ele.
M: Você sabe em que época ele foi?
C: Não sei te dizer exatamente, mas isso não será difícil de descobrir. Eu acho até que eu
tenho algum release que eu posso te dar, com detalhes mais preciso sobre isso.
M: O Márcio teve apoio da família na escolha da profissão?
C: A família dava todo apoio. Porque elas eram musicistas, né? Uma vez, quando ele era
criancinha, ele estava no carro com a mãe e tocou uma música no rádio e ele começou a
cantar, nisso a mãe já ligou aquele “ouvidão” e já pensou: “Nossa! É afinadíssimo”! Pra
ela isso foi um presente, né? Tanto que ela adora, o Márcio foi um filho muito querido,
porque além de músico, ele era uma pessoa muito especial. Ele sempre foi uma pessoa
fora do comum mesmo.
M: O pai também o apoiava pela escolha da profissão?
C: Eu acho que sim. E não o conheci, mas parece que o pai era bem gente boa, porque ele
amava o pai. Mas o pai faleceu muito cedo, ele faleceu montado num cavalo. A família
tem uma tradição da cavalaria e o pai tinha essa relação com cavalo. Isso faz muitos anos,
mas me lembro de que isso foi um choque pro Márcio, porque ele tinha uma relação com
o pai muito interessante. A família toda, a mãe, a tia, a família da tia são um pessoal muito
bacana e todo mundo tinha o Márcio assim como um ídolo, porque ele era um músico
fantástico.
M: Ao longo do período de convivência de vocês, como era a rotina dele de estudos?
C: Olha, o Márcio tocava todos os dias, todos os dias! O estudo dele era uma música, pra
mim pelo menos [risos]. O Márcio fazia questão de ser o melhor. Ele era considerado o
terceiro melhor do mundo, mas pra mim ele era o primeiro, porque eu andei vendo o
primeiro e o segundo e.... [risos]. Aí eu disse, não dá! Porque um tinha aquele trompete
muito agudo e o jeito, o estilo do Márcio era muito próprio, ele fazia uma música que
qualquer um podia entender. Apesar da complexidade de que ele tocava, ele fazia pra ser
ouvido, entendeu? Qualquer um se emocionava com ele, qualquer pessoa totalmente
leiga. Tudo porque ele sabia comunicar. E isso era uma coisa incrível que eu acho. Eu
acho porque tinha um sentimento, a música dele tem sentimento, é uma coisa quase
falada, é uma coisa que você entende, sabe? Eu achava isso impressionante, como ele era
um incrível comunicador musical e como pessoa também. O Márcio não tinha um show
para músico, ele tinha um show para as pessoas.”
M: Como era a dinâmica dele de ensaio, você chegou a acompanhar alguma coisa?
C: Eu assisti muitos ensaios e ele era severo com os músicos, era uma coisa incrível como
ela era General mesmo, as pessoas tinham medo dele, mas era... O André Neiva é um cara
que se você quiser conversar com ele, ele vai saber te dizer várias interessantes histórias,
né? Um dia ele me disse isso: “Cris, um dia nós estávamos ensaiando e a música estava
assim tão elevada, estava uma coisa absurda o quanto nós estávamos conseguindo uma
sintonia do conjunto, né? De repente, todo mundo de olho fechado e viajando, quando o
Márcio gritou: Para tudo. Não é possível, vocês estão acabando com a minha música.
Vamos fazer outra vez!” E o André me disse: “Cris, a gente foi pra um lugar muito mais
incrível! Eu não imaginei que pudesse ter esse lugar, eu imaginei que estava perfeito, mas
133

o Márcio não gostou [risos]”. Mas depois disse que ele fez algumas considerações, mas
ele não poupava palavras, mas tudo isso para sugar o máximo do músico. O Márcio tinha
uma frase que ele sempre dizia: “É muito bom ver uma pessoa fazer o que ela sabe de
melhor! Eu sempre sugo do músico o máximo que eu posso tirar”. Ele dizia: “Quando ele
acha que tá no máximo, eu consigo mais ainda!” O Márcio era um cara absurdamente
exigente mesmo com as pessoas, mas isso tudo porque ele também era exigente com ele
também. Ele tinha que ser o melhor.
M: Cristina, com relação à prática diária do Márcio, ao que você pôde observar, existia
uma sequência lógica, como por exemplo, aquecimento, estudos de escalas, músicas e
etc?
C: O Márcio era muito técnico, né? Ele tinha esse sentimento, mas tinha uma precisão.
Eu acho que tinha muita lógica sim, uma lógica matemática sim no que ele fazia, era uma
coisa muito brilhante.
M: Ele tinha muitos materiais, métodos?
C: Tinha, ele tinha muita coisa. Ele tinha um guarda-roupa lotado de coisas e logo quando
ele morreu, eu dei algumas coisas para um trompetista que era muito amigo do Márcio.
Algumas coisas eu guardei e outras eu dei para esse meu amigo de Brasília para ele
digitalizar e colocar nesse livro.
M: Como o Márcio compunha?
C: Ele compunha ao piano. Ele sabia tocar piano. Ele tinha um teclado, tinha um
tecladinho de brinquedo que ele chamava de “perereca”, tinha o piano e o trompete.
Então, na performance dele, além dele ter um pianista, ele levava o piano dele. Agora ele
sempre estava compondo uma coisa ou outra. Depois que nós nos casamos, ele fez esse
disco, fez esse outro disco que o Léo Gandelman produziu e devem ter ficado algumas
coisas pelo caminho.”
M: Ele comentava sobre fonte de inspiração?
C: Ele gostava muito do mar de Angra, então, Angra, barco, essas coisas eram a grande
inspiração dele. Ele dizia: “Quando eu morrer, podem me jogar no mar de Angra”. Então
ele ia pra lá e levava o trompete. O trompete ele carregava pra cima e para baixo [risos].
M: O Márcio teve uma participação muito ativa na indústria fonográfica, gravando com
diversos cantores. Dentre todos eles, teve algum cantor muito próximo dele?
C: Eu sei que todos os cantores queriam tocar com ele, né? Queriam que tivesse uma
“canja” do Márcio. Primeiro porque quando ele chegava aos estúdios para gravar,
enquanto ele fazia assim, o pessoal já estava gravando e muitas das vezes já era aquilo,
não precisava mais nada. E o Márcio, ele só ouvia um pedacinho da música, só o trecho
que ele iria gravar e já era. Por isso que ele gravava com todo mundo. Gravou com muita
gente.
M: Qual teria sido a maior influência do Márcio, uma pessoa que ele admirasse muito
musicalmente?
C: Isso eu não vou saber lhe dizer direito, mas quando eu cheguei de Brasília pra cá, eu
tinha meus ídolos e logo quando eu cheguei ao Rio eu disse pra ele que eu gostaria de
conhecer fulano, beltrano e tal... E ele me disse assim: “Você tem certeza que você quer
134

conhecer?” Não queria conhecer os seus ídolos. Porque ele disse que o ídolo dele ele
conheceu nos Estados Unidos, foi lá, fez a maior confusão para ir ao show, depois foi ao
camarim falar com o tal do ídolo, que eu não me lembro quem é, e me disse que fez um
convite, convidando-o para vir ao Brasil e tal, mas o homem foi tão estúpido que o Márcio
deixou de ser fã dele. A partir daí, o Márcio lançou um provérbio assim: primeiro a pessoa
tem que ser gente fina e depois tocar pra caralho [risos].
M: Cristina, conseguimos avançar bastante aqui, porém, existem umas coisas bem
específicas que eu terei de conversar com alguns músicos com quem o Márcio trabalhou,
mas de qualquer forma, muito obrigado por disponibilizar o seu tempo e me receber em
sua casa. Seria possível tirar algumas fotografias dos instrumentos do Márcio, caso vocês
ainda os tenha guardado?
C: Sim, claro! Aliás, o Márcio cuidava desses instrumentos, vivia limpando e lavando!

3. Entrevista concedida por Nail Cavalcante “Dona Nail”, em 7 de novembro


de 2014, na cidade do Rio de Janeiro. A entrevista conta a participação de
sua filha, Maria Elizabeth Lucas “Beth”.

Após apresentar os objetivos do trabalho a Dona Nail, ela começou a falar...


Dona Nail: Minha filha tocou com ele várias vezes, tocaram aqui o concerto em primeira
audição de “Lovelock”, ninguém conhecia. Ela tocou com ele se apresentando numa
novela da TV Globo (O Bravo) tocando esse concerto de Lovelock. Isso foi gravado na
Casa de Rui Barbosa. Minha filha decorou o concerto para se apresentar, o preparou em
três dias. Eu havia perguntado a ela se ela o tinha decorado para fazer a filmagem e ela
me respondeu dizendo que não era pra eu me preocupar porque eles só seriam filmados e
mais nada. Mas eu disse a ela para ver se realmente ela havia decorado. Sabe o que
aconteceu? Roubaram a partitura, porque não havia aqui a partitura, foi uma amiga que
me trouxe de lá, e o Marcinho tinha a dele, porque ele veio dos EUA e trouxe e, uma
amiga trouxe pra ela estudar, mas sumiu. Aí, o Márcio disse: “por isso que eu não gosto
de tocar com quem não é profissional. É por isso, você me perde a partitura”. Roubaram
a partitura. Ela havia deixado em cima do piano de calda e foi conversar com os artistas.
Na hora da gravação, o Márcio disse a ela: “se você errar eu não repito. Eu não repito
cena”. Aí, menino, eu tive uma dor de estomago terrível, mas ela tocou tudo de memória.
Ela não sabia se sabia se conseguiria, mas tocou. Depois que acabou que ele havia dado
um esculacho nela ele me disse: “Titia, ela é formidável!”
Ele foi um inovador. Isso, você sabe que o inovador nasce com uma visão muito
acima do que o homem normal, como no caso de Villa-Lobos, eu fui aluna de Villa-
Lobos! E ele foi muito mal aceito, as obras dele não faziam parte do currículo da Escola
Nacional de Música. Quando eu prestei concurso, não poderia se tocar Villa-Lobos,
porque ele era considerado músico popular. Atualmente ele é reconhecido mundialmente,
mais no exterior que aqui no Brasil. Ele nunca saiu daqui à custa do governo brasileiro,
nunca. Ele saiu daqui a convite do estrangeiro. Eu tive o prazer de conviver com ele e
tenho grandes recordações! Mas por isso, eu vejo que o meu sobrinho realmente era um
criador. Você precisava vê-lo tocar comigo no piano e dizer assim: “Titia, você toca com
a mão esquerda...” Então, você conhece “Congadas Mignone”? É uma peça de um
compositor brasileiro. Então, eu tocava com a mão esquerda e ele tocava o solo. Aí, ele
me disse: “Sabe que ninguém faz isso Titia?” Eu disse a ele: “Meu filho, essa mão está
tocando, mas a outra também está! Ela não toca no instrumento, mas está tocando aqui!”
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Você já ouviu falar no Klein? Foi um grande músico! Ele tinha uma admiração
pelo meu sobrinho. Ele dizia assim: “Você vai da música erudita ao jazz”. O jazz é muito
difícil, é muito difícil!
O Márcio tocou muito também com o Nelson Freire, considerado o maior
pianista mundial. O Márcio dizia assim: “O Nelsinho, Titia... O Nelsinho tem a piscina
dele e aqui o piano, ele vai à piscina e vem pro piano, vai à piscina e vem pro piano”. Eles
são fanáticos pelo trabalho que realizam. É o que o meu sobrinho era. O Marcinho era
muito admirado e respeitado! E como ele respeitava o bom músico! Nas apresentações
em que eu estive presente, ele sempre fazia uma alusão a nós, né?
Beth: O Marcinho foi fazer escola de música, né? Minha tia era professora lá na Escola
Nacional de Música. Naquela época só existia um professor de trompete, o professor
Rubens Brandão. Mas o Rubens não aguentou com o Márcio [risos]. A preocupação da
minha tia era de que o Márcio tivesse um diploma, sabe como é que é, né? A gente fica
preocupada, ainda mais nesse país... O professor Rubens disse que não tinha nada a
ensinar ao Márcio! E realmente, o Márcio estava anos luz na frente do Rubens. Isso foi
depois que ele voltou da Berklee, porque minha tia cismou que ele tinha que ter um
diploma de qualquer jeito. Ela enchia o saco dele, mas ninguém podia com o Márcio, né?
Ele estudou um pouco na Escola Nacional, mas não chegou a completar, não.
O Márcio estudou uma época no Colégio Militar, você imagina o caos que não
era né [risos]? O meu tio era militar, então, volta e meia ele era chamado no Colégio
porque o Márcio fugia das aulas para tocar na Banda. E foi assim que ele começou a tocar
trompete. Aí meu tio deu um trompete pra ele. O Sargento colocava presença pra ele...
Na escola não entendiam, porque que ele tinha presença se não tinha comparecido às
aulas, por isso, o meu tio era chamado na escola [risos]. Aí, desistiram de Colégio Militar
pro Márcio! Não era o perfil dele, não adianta.
Marcelo: Dona Nail, como se iniciou a trajetória musical na família?
N: Desde minha avó, que foi aluna de Arthur Napoleão. Depois foi minha mãe, que foi
aluna de Henrique Oswaldo, depois foi a mãe dele que foi aluna de Góes, todos
professores da Universidade. Mas naquele tempo não era Universidade, era Instituto
Nacional de Música e depois Escola de Música. Aqui em casa era assim, aniversariou, as
pessoas tocam, cantam e recitam. Um toca violino, outro toca violão, outro toca piano,
outro toca acordeom, aqui festa era assim, não era só comer e bater papo, não, tinha que
ter o sarau. Pra você ter uma ideia, eu tive aqui em casa tocando sabe quem? Pixinguinha.
Comendo feijoada! Mamãe tocava e tinha um ouvido maravilhoso, ouvia todas as notas!
Ela tocou no cinema mudo, vendo o Carlitos e tocando [risos]! Ela sempre incentivou
música, pra você ter uma ideia, no colégio poderia tirar cinco, mas na escola de música
tinha que se tirar dez. Música pra ela era o principal e o resto era complemento de
educação.
B: Eu acho que a grande responsável pela música foi a minha avó, minha bisavó tocava
também, mas minha avó era uma pessoa que incentivava, achava lindo e ela ficava
pegando no nosso pé pra gente tocar. Ela foi a grande responsável por nós termos feito
música. Só eu e o Márcio seguimos carreira, todos os outros irmãos dele tocaram e
gostavam muito de música, mas não seguiram. Pra você ter uma ideia, toda festa aqui em
casa a minha avó ficava ali e dizia para gente ir tocar, ficava nos chamando! Agora, de
onde vem eu não sei, porque eu já conheci minha bisavó tocando [risos]!
M: Dona Nail, o pai do Márcio o apoiava?
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N: Sim, existia uma aceitação total! Mas quando ele era menino, não, ele queira que o
Márcio fizesse colégio militar, mas ele fugia como eu acabei de contar [risos]. Ele chegou
a ser reprovado. Os outros dois irmãos terminaram o colégio militar, mas ele não.
M: O Márcio manteve o estudo do piano?
N: Não, ele não estudou piano, ele tocava, estudou um pouco, mas não se interessou. Ele
tocava um pouco de tudo, o que você desse a ele, ele tocava. Pra você ter uma ideia, um
dia fizemos uma viagem até Manaus, toda a família. Lá ele viu um berimbau e disse que
conseguia tocar o instrumento. Quando chegamos aqui no Rio, meu marido deu um
berimbau a ele e disse que iria trabalhar, disse também que daria cinquenta cruzados ao
Márcio se ele tocar o berimbau quando meu marido retornasse. Quando o Márcio voltou
do trabalho ele pediu à minha mãe para tocar alguma coisa no piano que ele iria
acompanha-la no berimbau. Não é que ele tocou e ganhou os cinquenta cruzados! Na
viagem ele tocava toda noite, mamãe tocava piano, meu filho tocava bateria, Márcio no
trompete, ele ganhou do comandante uma estrela com o símbolo da marinha.
M: Quantos anos o Márcio morou na casa da senhora?
N: Ele sempre morou aqui conosco, ele saiu daqui para fazer Berklee, nos EUA, quando
voltou ele se casou e foi morar com a Cristina.
M: Foi uma bolsa que ele teve para estudar fora do país ou teve um custeamento de vocês?
N: Os pais o ajudavam, não tenha dúvida. Eu nunca precisei ajudar, porque minha irmã
era professora da UFRJ e meu cunhado era Coronel, então, eles tinham condições de
ajudar o filho.
M: Dona Nail, caminhamos bastante em nossa conversa, daqui pra frente são questões
muito específicas do instrumento que eu encontrarei através das análises dos solos do
Márcio. Agradeço muito a sua atenção em nos receber em sua casa. Muito obrigado!
N: Obrigada você, meu filho! Que você possa realizar um bom trabalho!

4. Entrevista concedida por Christina Menezes em 12 de novembro de 2014, via


skype.

Marcelo: Christina, qual a era a sua ocupação no momento em que você conheceu o
Márcio?
Christina: Bom, nós nos conhecemos muito jovens, fomos muito amigos e até ele ir aos
EUA e eu ir também, lá nos nós nos juntamos, nunca fomos casados legalmente, aliás,
ele nunca foi casado legalmente com ninguém [risos]. Ainda éramos estudantes quando
nós nos conhecemos, ele estudava no Colégio Militar, então, eu ainda não tinha formação
nenhuma. Depois eu fui fazer outras coisas e tal... Quando eu viajei para os EUA, eu
larguei o trabalho, larguei o que eu tinha, para viver esse sonho de morar fora com ele e
tal. Ele ia estudar na Berklee e, coisas que a gente faz quando é jovem [risos], eu larguei
um excelente emprego, mas foi muito útil, porque hoje eu ganho a vida muito pelo que
eu aprendi lá e pelo nível que meu inglês chegou, porque eu aprendi morando lá. Isso já
tem bastante tempo, hoje em dia eu sou tradutora tem quase vinte anos. Ele também nessa
época tinha uma relação com a Célia Maira Vaz, que é guitarrista e violonista, que
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também é minha amiga hoje em dia, e estudaram juntos na Berklee. Essa época é muito
rica, porque o Vitor Assis Brasil estava lá, o Claudio Roditi estava lá, o Vitor tinha uma
orquestra muito legal, um bandão de jazz, enfim, isso foi em 1972, foi uma época muito
rica. Eu não tenho muito certeza, você terá de verificar isso, mas quando a gente ouviu a
primeira vez pedais de wah-wah, essas coisas todas, eu acho que foi com o Miles Davis
que tocou lá. Boston tinha muitos músicos, o Weather Report se apresentou lá.. Espere!
me deixa achar aqui meu e-mail... Então, muita coisa moderna apareceu lá. Então, eu não
me lembro direito se foi a primeira vez que a gente ouviu aquela coisa ao vivo com o
Miles Davis ou não. Isso você vai ter que ver se em 1972 ele já usava essas coisas ou não.
Aí voltamos pro Brasil e eu comecei a trabalhar com o Márcio, porque como ele começou
a tocar na noite, fazer gravações, essas coisas todas, não dava pra ele ter uma vida muito
comum de escritório e de trabalho. Então daí, eu ter produzido shows e produzido as
músicas, produzido os discos, sempre mais ou menos aparecendo, mais ou menos não. E
o Stone Alliance, esteve aqui, como eu te mandei por e-mail, eles foram convidados, eu
não me lembro se foi pelo consulado, não me lembro nem quem levou a gente lá, acho
que foi o Salomão, mas não tenho muita certeza, que era um agente que trabalhava numa
gravadora, acho que na CBS, não tenho muita certeza. E a gente foi assistir num lugar,
acho que em Copacabana, não era nem no Teatro... E aí, eles se apaixonaram, o Gene
Perla meio que já conhecia alguma coisa e resolveram fazer esse disco. Como na época o
Márcio tinha tocado com o Hermeto, ou ainda tocava, então chamou o Hermeto, e outra
rapaziada. Então, eles ficaram encantados uns com os outros e combinaram essa gravação,
foi tudo uma coisa muito rápida e muito criativa. Eram pessoas muito criativas. Eles
ficaram aqui um tempão, eu esqueci quanto tempo, eles foram ficando... Depois, esse
disco terminou de ser mixado lá na fazenda do Gene Perla e do Jan Hammer, que tinha
um estúdio fabuloso no meio do mato, era um lugar chamado Peterson, uma micro
cidadezinha ao norte de Manhattan. Ficamos lá, acho que um mês inteiro na casa deles
mixando esse negócio e ficou realmente um disco muito interessante. Eles precisavam de
uma foto pra capa e eu tirei a foto lá mesmo. Pra minha surpresa, puseram crédito pra
mim [risos]! Foi um disco autoral deles todos, porque eram todos muito novos. O Perla e
o Don Alias são mais velhos, o Steve Grossman tinha a idade da gente, mais ou menos.
Depois ele acabou indo pra Argentina, casou-se com uma moça lá que eu acho que
chamava Graziela ou coisa assim, mas era uma época muito de Rock and roll e drogas e
tudo mais e então Steve Grossman meio que se perdeu um pouco, foi o que pegou mais
pesado deles todos. E assim foi feito o disco, quer dizer, todo mundo topou o convite, foi
um disco feito... Eu nem me lembro quem estava bancando isso porque... Bom, realmente
eu não me lembro. Eu sei que todo mundo topou, todo mundo tocou e ficou um trabalho
excelente, muito adiantado pra época.
M: Christina, o Márcio falava inglês já?
C: Sim, falava.
M: Houve uma bolsa pro Márcio ir estudar nos EUA?
C: Houve uma bolsa na época, é comum, era uma bolsa de estudos, na época... Bom, eu
não me lembro dos detalhes todos, mas ele vendeu o fusca que ele tinha e já trabalhava
bem aqui, já se trabalhava bastante, teve também um pouco da ajuda do pai, no caso dos
pais, e depois do meu pai também um pouco, mas basicamente, ele trabalhava um pouco,
fez alguns shows, fez alguns conjuntos, algumas poucas apresentações que dava para
fazer e vivemos, quer dizer, era uma vida possível naquele tempo. Não se tinha carro, era
bicicleta!
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M: Christina, há uma matéria do jornal “O Globo” em que o Márcio se refere ao Boni


como sendo uma pessoa que gosta muito de música instrumental e ajudava diversos
músicos. Como era essa relação entre o Márcio e o Boni?
C: Ajudou sim e eu vou te dizer como. Nós tivemos um problema no lançamento do disco.
Os Stones Alliance quiseram vir ao Rio fazer o lançamento. Até eu achei no Youtube um
pedacinho de uma das músicas que aparece o Sérgio Dias de guitarra, que participou do
show no Teatro Clara Nunes. Então, nós fizemos o lançamento, é.... Nos programamos
para lançar o disco. Era um sete de setembro, uma data meio esquisita, porque no Rio de
Janeiro todo mundo saia, mas, é... O conjunto viria. Só que o Don Alias, que estava
namorando na época a Joni Mitchell, resolveu vir mais cedo para passear no Brasil. E os
outros vieram. Resultado, nós não tínhamos uma permissão de trabalho para poder fazer
o show, eles não esperaram a carta convite pra nós conseguirmos a documentação pra
eles conseguirem fazer o show. Então, de repente nós ficamos com um prejuízo, uma
conta imensa para pagar, porque eles tinham que sair do Brasil pra voltarem de novo, pra
esperarem a carta, tínhamos que pagar um despachante, temos que lembrar que isso era
ditadura e era tudo muito mais difícil, o teatro estava fechado já, quer dizer, já tínhamos
um monte de propagandas, divulgação, enfim, aí, o Boni ajudou bastante porque ele
colocou à disposição toda a infraestrutura, advogados e despachantes da Globo. Isso
realmente existiu e se não fosse isso, nós realmente não conseguiríamos. Pedimos
dinheiro emprestado para todo mundo, irmão, pai, mãe, qualquer um. E Sérgio Dias cedeu
todo equipamento que ele tinha, na época eram equipamentos fantásticos e também tocou.
Os músicos brasileiros toparam. Aí sim, os Stone Alliance resolveram que queriam ser
pagos e não era pouco dinheiro. Antes, o combinado era tocar pela bilheteria. De repente,
nós precisávamos de muito dinheiro e não se tinha muito dinheiro nessa época. Então,
tivemos ajuda de irmão, pai, amigo, de Sérgio Dias, dos outros músicos, do técnico de
som, todo mundo se juntou e o Boni, realmente nesse ponto foi fantástico porque ele
colocou toda aquela estrutura, mas ainda sim, nós tivemos que pagar alguma coisa, mas
foi ridículo o que a gente pagou, porque ele era muito poderoso na época e bancou uma
grande parte. Não só bancou uma grande parte da coisa, como deu o caminho que a gente
nem tinha ideia qual era. Nós não sabíamos lidar com essas coisas, não tínhamos agente,
não tínhamos empresário, o empresário era eu, então, não adiantava grande coisa. Aí, com
tudo organizado, eu acho que eles foram até o Uruguai ou Argentina, não sei, foi a viagem
mais barata que se conseguiu, e voltaram dentro da lei, tocaram, fizeram um fim de
semana de show, eu não me lembro quantos dias, mas foi um sucesso estrondoso de
público, deu pra pagarmos nossas dívidas, não deu para fazer dinheiro, mas também não
deu prejuízo. Tivemos também a ajuda luxuosa do Sérgio Dias, dos Mutantes, que não
cobrou pela aparelhagem. Essa coisa foi muito linda, ele era muito amigo do Márcio,
enfim, houve uma ação entre amigos.
M: Christina, qual foi o motivo que levou o Márcio a estudar fora do país?
C: Só existia a Berklee na época para se estudar arranjo, jazz, etc. Não existia Unirio,
Unicamp, nada disso. Estudo de música no Rio era só a Escola Nacional de Música, onde
se estudava só erudito, onde ele estudou também, mas ele conhecia bem aquilo, não tinha
nenhuma possibilidade de música popular e de jazz, era o que ele gostava. E a Berklee
era o lugar pra se estar, a “Meca”, além do que era um sonho de consumo passar um
tempo nos EUA, principalmente, para ouvir as pessoas, né? Lá foi que se conseguiu ouvir,
imagina! Miles Davis mais de uma vez, Weather Report em sua primeira formação e
todos os outros que passaram por lá. Ele tinha um amigo nessa época que era sobrinho do
Roy Eldridge, que nasceu no mesmo dia, mês e ano, estudaram juntos na Berklee, é meu
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amigo até hoje. Então, foi isso, não tinha aqui no Brasil nada que pudesse suprir essa
necessidade. Isso foi em 1972, não tinha outra opção, ou era Berklee ou era Berklee
[risos].
M: Como era o relacionamento do Márcio com os colegas estrangeiros?
C: Muito bom! O Márcio sempre teve muita facilidade de comunicação, um senso de
humor extraordinário, então, tinha de tudo um pouco. Tinha uns brasileiros, estavam lá o
Zeca Assumpção, tinha o Claudio Caribé, a Celinha, o Vitor, que nós víamos quase todos
os dias, o Claudio Roditi, que já era amigo dele. Então era assim, um bando de gente
jovem, sem grana e ouvindo música o tempo todo, ouvindo os melhores! Então, acho que
foi isso, o chamado de estar onde o jazz acontecia e, depois, era lá ou lá!
M: Você saberia me dizer as principais influências musicais do Márcio?
C: Com certeza Freddie Hubbard, Charlie Parker, esses caras todos da antiga. Ele
respeitava muito o Louis Armstrong. Eram esses caras todos. Ele decorava esses solos,
ele tirava esses solos todos. Além da vantagem de que ele toca piano muito bem e violão,
aliás, ele tocava qualquer coisa.
M: Desses ídolos todos, ele chegou a conhecer alguém pessoalmente?
C: Sim, conheceu! Conheceu Freddie Hubbard um pouco, encontramos o Dizzy,
conhecemos o Art Blakey, conhecemos o Roy Eldridge, fomos a casa dele, inclusive ele
estava sem poder tocar por conta de um infarto, ah, um monte... Eu não me lembro. Agora
os mais novos ficaram muito amigos. Ele era muito amigo do Randy Brecker, que ainda
é meu amigo. O Randy manteve a amizade até o fim da vida do Márcio. Eu estive com o
Randy na última vez que fui à Nova Iorque, isso já tem dois anos. Conhecemos muita
gente por causa de um amigo do Márcio que tocava trombone, ele sempre gravava com
esse pessoal todo e sempre convidava o Márcio para assistir.
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Anexo 3 - Cd

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