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INSTITUTO DE ARTES
Campinas, 2016
Marcelo Rocha dos Passos
Campinas, 2016
BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO
MEMBROS:
DATA: 05.07.2016
Dedico este trabalho à memória do trompetista
Márcio Montarroyos e a todos que
compartilham do mesmo amor e dedicação
pela música.
Agradecimentos
Aos grandes amigos e músicos Raphael Ferreira e Rodrigo Vicente pelos valiosos
conselhos musicais e acadêmicos.
Este trabalho teve por finalidade elaborar uma biografia e investigar a performance
do trompetista Márcio Montarroyos no disco Stone Alliance gravado em 1977. Para tanto,
foram transcritos quatro solos improvisados e posteriormente analisados de acordo com
material bibliográfico proveniente dos estudos do jazz, no intuito de demonstrar a existência
de elementos que explicitem de forma mais apropriada a relação de Montarroyos com a
improvisação de cunho jazzístico. A escolha do disco Stone Alliance se justifica pela utilização
de recursos tecnológicos na manipulação em tempo real do timbre do trompete, prática que
abriu caminho para a exploração de novas sonoridades e possibilidades expressivas no
instrumento no cenário nacional e, em especial, na música popular brasileira.
The main purpose of this research was to elaborate a biography and investigate the
performance of the Brazilian trumpet player Márcio Montarroyos on his album Stone Alliance
recorded in 1977. In order to achieve this goal, four improvised solos were transcribed and
analyzed. The research looked for elements that could elucidate more properly the relation
between Márcio Montarroyos improvised solos and the improvisation in jazz. The album was
selected due to the manipulation of trumpet timbres in real time through technological devices.
The use of technological devices brought new sonorities and increased the possibilities of
musical expressions for the trumpet on the Brazilian popular music scene.
Keywords: Montarroyos, Márcio; trumpet; improvisation; instrumental music; jazz; latin jazz.
Sumário
Introdução ..............................................................................................................................11
Considerações finais...............................................................................................................90
Referência bibliográfica.........................................................................................................95
Apêndice................................................................................................................................101
Anexos...................................................................................................................................113
11
Introdução
O presente trabalho traz como resultado um relato histórico dos trompetistas que
tiveram suas performances gravadas em fonogramas anteriores ao disco Stone Alliance, uma
biografia concisa de Márcio Montarroyos e alguns apontamentos sobre o processo de gravação
do disco supracitado, a utilização dos efeitos de delay, wah-wah e a captação sonora através do
sistema Barcus Berry, os elementos técnicos e interpretativos adotados por Montarroyos, além
das transcrições e análises dos solos.
Capítulo
1
As indicações entre aspas referem-se sempre ao nome artístico e/ou apelido de cada um dos músicos pesquisados.
2
Imagem de Luís de Sousa. Disponível em: http://cifrantiga2.blogspot.com.br/2010/09/luis-de-souza.html.
Acesso em: 20/03/2015.
3
Saxofonista, compositor e regente. Foi fundador e organizador de várias Bandas na cidade do Rio de Janeiro,
dentre elas a Banda do Corpo de Bombeiros (CAZES, 1998).
4
Gravadora estrangeira que inaugurou a fase gravação elétrica no Brasil. Sua instalação no território nacional se
deu em 1913, numa associação com Frederico Figner, pioneiro da indústria fonográfica no país. (VICENTE, 2002).
5
Biografia sobre Joaquim Luís de Souza. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/luis-de-
sousa/dados-artisticos. Acessado em: 12/06/14.
15
6
Biografia sobre Joaquim Luís de Souza. Disponível em: http://www.mis.rj.gov.br/blog/a-valsa-celia-escrita-
por-luiz-de-souza/. Acessado em: 25/07/2014.
16
7
Imagem retirada do acervo de fotografias da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro. Disponível em:
http://www.banda.cbmerj.rj.gov.br/index.php/galeria-dos-ex-maestros/165-albertino-ignacio-pimentel.
Acesso em: 20/03/2015.
8
Biografia sobre Albertino Inácio Pimentel. Disponível em:
http://www.dicionariompb.com.br/carramona/dados-artisticos. Acesso em: 12/06/2014.
9
78 rotações por minuto.
10
Algumas gravações de “Carramona” foram digitalizadas e disponibilizadas na internet em blogs como:
http://cifrantiga2.blogspot.com.br/2007/11/carramona.html. Acesso em: 20/03/2015.
11
Biografia sobre Casemiro Rocha. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/casimiro-rocha.
Acessado em: 26/08/2014.
17
1907 e 1912, o próprio compositor gravou sua obra de maior popularidade, a música Rato-Rato
(MOTA, 2011). A composição foi inspirada na campanha de combate à peste bubônica,
promovida por Oswaldo Cruz (1972-1917). Para retratar essa campanha, Casimiro explorou
uma técnica denominada “frulato”, típica em instrumentos de sopro, que produz um efeito
cômico no trompete, resultante da tremulação da língua durante a emissão do som
(CASCAPERA, 1992).
Paulino Sacramento nasceu em 1880 na cidade de Niterói - RJ. Iniciou seus estudos
musicais na Banda do Asilo de “Meninos Desvalidos de Vila Izabel”. Posteriormente, aos 16
anos, juntamente com outros músicos, participou de um concurso para a escolha do maestro da
Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, perdendo a vaga para Anacleto de Medeiros12.
12
Biografia sobre Paulino Sacramento. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/paulino-
sacramento/biografia. Acessado em: 12/06/2014.
13
Imagem de Paulino Sacramento. Disponível em: http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/2014/07/paulino-
sacramento.html. Acesso em: 20/03/15.
18
14
Nos levantamentos realizados não foi possível encontrar registros sobre o período de atuação de Paulino
Sacramento como regente da Orquestra do Teatro Rio Branco.
19
diversos cinemas e teatros cariocas, participou também das primeiras formações do grupo “Os
oito batutas”, liderado pelo músico Pixinguinha (1897-1973).
15
Imagem de Bonfiglio de Oliveira. Disponível em:
http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/search?q=bonfiglio+de+oliveira. Acesso em: 20/03/15.
16
Biografia sobre Bonfiglio de Oliveira. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/bonfiglio-de-
oliveira/discografia. Acessado em: 11/05/14.
17
Idem.
20
18
Biografia sobre Napoleão Tavares. Disponível em:
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/AAGS8T7NNX/disserta_ao_pedro_m
ota.pdf?sequence=1. Acessado em: 15/06/14.
19
Imagem de Napoleão Tavares. Disponível em: http://jornalggn.com.br/blog/laura-macedo/o-competente-
maestro-gao-por-laura-macedo. Acesso em: 21/03/2015.
21
20
Biografia sobre Sebastião Cirino. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/sebastiao-cirino/dados-
artisticos. Acessado em: 02/09/14.
21
Idem.
22
Idem.
23
Imagem de Sebastião Cirino. Disponível em: http://blogln.ning.com/profiles/blogs/sebastiao-cirino-de-
minas-para. Acesso em: 21/03/15.
24
Idem.
22
25
Biografia sobre Sebastião Cirino. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/sebastiao-cirino/dados-
artisticos. Acessado em: 02/09/14.
26
Idem.
23
Autodidata, sua iniciação musical deu-se aos oito anos, tocando “cavaquinho”. Aos
treze anos empenhou-se em estudar teoria e solfejo, e oito meses depois apresentou sua primeira
composição, com a qual, tempos depois, foi premiado como primeiro colocado em um concurso
no colégio em que estudava29.
27
OLIVEIRA, C. V. As garotas gostam de dançar com Pedroca e seu Piston. Rio de Janeiro: Sinter, 1958. Lp.
28
Biografia sobre Carmelino Veríssimo de Oliveira. Disponível em:
http://www.dicionariompb.com.br/pedroca. Acesso: em 27/05/2014.
29
Ibidem.
30
Imagem de Carmelino Veríssimo de Oliveira “Pedroca”. Disponível em:
http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/2014/02/o-piston-de-pedroca.html. Acesso em: 21/03/15.
24
31
Biografia sobre Carmelino Veríssimo de Oliveira. Disponível em:
http://www.dicionariompb.com.br/pedroca. Acesso em: 27/05/2014.
25
Porfírio Costa nasceu em 1913, na cidade de Campina Grande - PB. Começou seus
estudos musicais aos treze anos de idade com o maestro Severino Lima. Em 1931, transferiu-
se para a cidade do Recife - PE. Nesse mesmo ano foi registrada sua primeira composição, o
choro “Diplomacia” (MOTA, 2011).
32
Imagem de Porfírio Alves da Costa. Disponível em:
http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/2014/10/porfirio-costa.html. Acesso em: 21/03/15.
33
NASCIMENTO, J. (2002). Eu choro assim. Maianga Discos (CD digital estéreo).
26
Geraldo Medeiros nasceu em 1917, na cidade de Areia - PB. Iniciou seus estudos
com seu avô, João Clementino dos Santos (s/d), o “Joca”, maestro de banda em inúmeras
cidades do interior da Paraíba. Em 1933, mudou-se para João Pessoa, onde teve um
envolvimento direto com a música. O serviço militar obrigatório trouxe uma influência
importante para a definição da carreira. Ao apresentar-se no quartel, foi designado a integrar a
Banda da Polícia (COURAÚCCI, 2009).
34
Imagem de Geraldo Medeiros. Disponível em: COURAUCCI (2009).
35
Biografia sobre Geraldo Medeiros dos Santos. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/geraldo-
medeiros/biografia. Acessado em: 16/09/14.
27
Formiga nasceu em 1932, na cidade de Nova Friburgo - RJ36. Aos quatorze anos de
idade iniciou seus estudos musicais na “Banda de Música Campesina”, sob a regência do
maestro Joaquim Naegele (1899-1985). Em 1947, deu sequência aos seus estudos no
Conservatório do Distrito Federal, na cidade do Rio de Janeiro, onde estudou com o professor
Arthur Pades Y Terry (s/d), graduando-se em harmonia, trompete e contraponto (PINTO, 1959).
36
Biografia sobre José Luís Pinto “Formiga”. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/formiga-4.
Acesso em: 31/07/2014.
37
Imagem de José Luis “Formiga”. Disponível em: http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/2014/03/o-
trompetista-formiga.html. Acesso em: 21/03/2015.
38
Idem.
28
Além da sua produção autoral, Formiga teve uma colaboração ativa no mercado
fonográfico brasileiro. Participou de diversas gravações de discos dos mais variados artistas
nacionais, somando aproximadamente cento e sessenta e quatro músicas concentradas em
sessenta e sete fonogramas.
Parte dos nomes relacionados neste capítulo podem ser desconhecidos por grande
parte dos trompetistas brasileiros e possivelmente também não eram de conhecimento de
Márcio Montarroyos, com exceção dos trompetistas de gerações mais próximas a ele. Diante
disso, reconhece-se que boa parte desses trompetistas não exerceram influência sobre a
musicalidade de Montarroyos. Entretanto, deve-se salientar que esses músicos tiveram uma
importância considerável em suas épocas. Esses trompetistas destacaram-se por suas
habilidades musicais, pela participação ativa no mercado fonográfico e em diversas situações
musicais, sendo que alguns transitavam também pela música de concerto. Vale ressaltar que
essas características também foram recorrentes em Márcio Montarroyos, e serão tratadas no
próximo capítulo.
39
Biografia sobre José Luis Pinto “Formiga”. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/formiga-4.
Acessado em 31/07/2014.
29
Capítulo
A tradição musical na família vem desde minha avó, que foi aluna de Arthur Napoleão.
Depois foi minha mãe, que foi aluna de Henrique Oswaldo, depois foi a vez da mãe
dele, que foi aluna de Góes. Esses professores deram aula na Universidade, ou melhor,
no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro.
40
CAVALCANTE, N. Entrevista concedida ao autor em 07/11/2014.
41
Ibidem.
30
Destaca Bittencourt (1971) que por volta dos treze anos, o pai de Montarroyos o presenteou
com um trompete americano da marca “King”, incentivando-o a praticar o instrumento. Sua prima Beth Lucas
(pianista) relata que o interesse pelo trompete se deu ao ingressar no Colégio Militar do Rio de Janeiro, local
onde lhe foi apresentado o instrumento, como afirma a pianista:43
O Márcio estudou uma época no Colégio Militar, você imagina o caos que não era, né
[risos]? Volta e meia, meu tio, que era militar, tinha que comparecer ao Colégio porque
o Márcio não tinha ido às aulas, mas tinha presença e não sabiam o porquê disso. Daí
eles descobriram que o Márcio fugia das aulas para tocar na banda. E foi assim que
ele começou a tocar trompete, nisso o meu tio deu um trompete para ele de presente.
Seus primeiros anos de estudo ao trompete foram voltados para a música de concerto,
possibilitando o aperfeiçoamento técnico do instrumento. O saxofonista Léo Gandelman afirma que a
sonoridade de Montarroyos era sua principal característica, destacando-o em relação aos demais
trompetistas de sua época:44
O Márcio teve uma formação na escola clássica muito importante. Tanto é que você
pode ver pelo toque dele, pela articulação, pela afinação, pela sonoridade, que ele tem
toda uma história de trompete clássico. O Márcio estudou concertos de música
clássica no trompete, ele desenvolveu toda uma escola clássica e mais tarde foi estudar
Jazz. O que marca o Márcio, mais do que qualquer outra coisa é o touché dele. Ele
tinha uma forma muito elegante de produzir o som no trompete. O acabamento do
42
Imagem do acervo pessoal de fotografias de Neida Cavalcante Montarroyos (mãe do trompetista).
43
LUCAS, M. E. Entrevista concedida ao autor em 07/11/2014.
44
GANDELMAN, L. Entrevista concedida ao autor em 11/05/2014.
31
Minha filha tocou com ele várias vezes! Eles tocaram aqui o concerto em primeira
audição de Lovelock, ninguém conhecia. Ela tocou com ele se apresentando numa
novela da TV Globo [O Bravo] tocando esse concerto de Lovelock. Isso foi gravado
na Casa de Rui Barbosa.
45
Imagem do acervo pessoal de fotografias de Neida Cavalcante Montarroyos (mãe do trompetista).
46
Concerto para trompete composto por William Lovelock (1899-1986).
47
Ibidem.
32
Gandelman (2014) afirma que além dos estudos técnicos de trompete e da música de concerto,
a sonoridade adquirida por Montarroyos também se deu por diversas influências musicais, dentre elas, as de
alguns trompetistas brasileiros que, assim como Montarroyos, tiveram formação musical erudita49:
Aqui no Brasil, eu posso dizer que ele como músico de estante ou de naipe, teve uma
influência muito grande de toda uma geração que pertenceu às Big Bands brasileiras,
como o Hamilton Cruz e Maurílio Santos. Ele gostava do Maurílio, eu me lembro!
Quem mais que eu posso dizer? O “Formiga”... Eram trompetistas que fizeram
também a escola clássica, que tinha aquele som de lead play, de primeiro trompete.
Ele gostava desse pessoal, mas eu acho que a maior influência dele foi do Miles Davis,
entendeu? O Márcio adorava o Miles... e o Freddie Hubbard!
48
Imagem do acervo pessoal de fotografias de Neida Cavalcante Montarroyos (mãe do trompetista).
49
Ibidem.
33
Você tem que ter vocabulário para tocar música, para tocar jazz, você tem que ser
muito rico em vocabulário musical naquele estilo. Agora, como é que faz para ter
vocabulário? Aí, é um estudo de vida, você vem e sofre influência de outros músicos,
de outros solistas, de música erudita, de samba... Aí você consegue um estilo. Um
estilo é o que todo mundo tem que procurar... É o estilo.
A Berklee era uma escola pioneira nesse tipo de ensino. Eu precisava, para ter certeza
do que eu estou te falando, porque na New Englad School of music e outras escolas
grandes de música nos EUA, já existiam algumas coisas nesse gênero do ensino da
música, digamos assim, improvisada. Mas a Berklee ficou famosa mundialmente
como sendo “a escola de jazz” porque foi realmente o primeiro centro que
50
MONTARROYOS, M. entrevista para TV Senado. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=4u3wb7ygGnU. Acessado em 14/08/2014.
51
Para o jazzista brasileiro Pixinguinha é o caminho. O Globo, 19 de abril de 1973.
52
Ibidem.
34
sistematizou em método o ensino de jazz, isso foi sem dúvidas. A New Englad School
of music em Boston, tem um departamento de música popular que se chama Third
Stream Departament, pouco mais aberta que Jazz em termos de abrangência, mas a
Berklee foi uma escola que se fixou no idioma Jazz, e na análise do que é que acontece
na música do Jazz harmonicamente e a questão do improviso analisada
profundamente. Então, acredito que o motivo que ele foi pra Berklee, foi em busca
desse tipo de conhecimento específico que não tinha no Brasil na época, não tinha
bibliografia, não tinha nada, que você era obrigado a cruzar mares para ter, que levou
o Márcio a estudar fora do país.
Montarroyos referia-se ao seu período de vivência nos EUA dizendo que levaria
dez anos no Brasil para aprender o que lhe foi oferecido em um ano de Boston. Paralelo à busca
pelo conhecimento musical naquele período, o trompetista justificava a saída de tantos
instrumentistas brasileiros do país devido à falta de mercado, à falta de oportunidade, à falta de
investimentos na formação de público para a música instrumental, à falta de orquestras e grupos
de experimentação musical53:
Após um ano morando nos EUA, mesmo com propostas de trabalhos para ingressar
em grupos como “Blood Sweat & Tears”54, Montarroyos retornou ao Brasil ciente da sua
responsabilidade em divulgar a música instrumental brasileira e lutar por melhores condições
de trabalhos. Segundo o trompetista55:
Eu poderia ter ficado lá, tive convites bons para trabalhar com muita gente, como o
“Blood Sweat & Tears”, por exemplo. Mas isso não faz sentido. Do que adianta eu
ficar lá? Meu trabalho é aqui, tenho uma responsabilidade aqui. Cada músico que fica
e trabalha aqui, está ajudando a divulgar a música instrumental brasileira, a melhorar
as condições de trabalho. Se eu não ficar aqui, não der concertos, quem vai divulgar
o trompete entre a garotada, quem vai mostrar como é? Eu tenho uma responsabilidade
perante essa meninada, o público todo, os meus alunos. Tenho só três alunos de
trompete, aí você vê como o instrumento é desconhecido no Brasil.
53
BITTENCOURT, S. Instrumento, métodos caros e revistas especializadas. O Globo, 28 de dez. 1971. Matutina,
Cultura, p. 5.
54
Banda norte-americana de rock and roll formada em 1967 na cidade de Nova Iorque, EUA.
55
Para ele, o melhor de tudo é o Pomoja. E música brasileira. O Globo, 12 de novembro de 1977. Cultura, p. 35.
35
Olha, eu tenho quase oitenta anos e muita água já passou embaixo da minha ponte
[risos]! No meu tempo de jovem arranjador não se falava em estudar numa escola,
quase não existiam escolas de música no Brasil. Mas eu me formei no Conservatório.
Estudar nos Estados Unidos era uma coisa que nem se falava. Tempos depois, o
pessoal aqui do Brasil descobriu a Berklee, começaram a ir lá para estudar. Eu comecei
a perceber que quando eles retornavam ao Brasil, tantos os instrumentistas quanto os
arranjadores, voltavam cheios de teorias e cheios de planos, mas ainda estavam na
fase embrionária da coisa. Eles pensavam como americanos e tentavam executar como
americanos, mas não conseguiam encaixar toda essa cultura para a nossa música, para
música popular. Então, ficavam todos escrevendo e tocando iguais uns aos outros, mas
depois eles encontraram seus próprios caminhos! Aí entra a história do Márcio, ele foi
para lá, estudou e voltou, mas não como um trompetista de jazz, mas como um
trompetista brasileiro, assim como o Edu Lobo, que também estudou fora e voltou
como arranjador brasileiro. Essas foram as duas únicas pessoas que foram lá estudar,
assimilaram, mas não copiaram.
O Márcio influenciou muita gente. Inclusive a mim. Não só pela forma de tocar
trompete, mas porque ele foi um pioneiro abrindo caminhos nessa praia da música
instrumental brasileira. Eu, quando conheci o Marcio e adentrei ao trabalho dele como
compositor e tal, e vi o que ele estava fazendo e como ele estava fazendo, eu acreditei
que era possível fazer. Sabe, o Márcio foi o cara que me mostrou que era possível
fazer um trabalho de música instrumental no Brasil.
56
MORAES, F. Entrevista concedida ao autor em 05/05/2014.
57
Ibidem.
36
Para o trompetista Walmir Gil, na década de 1970, a televisão brasileira foi umas
das principais vias de divulgação do trabalho de Márcio Montarroyos. Por conta das gravações
de trilhas sonoras para novelas e aparições em programas de televisão, Montarroyos atingiu o
status de “trompetista artista” e, consequentemente, conseguiu influenciar uma geração de
músicos no país59:
Na década de 1970, tinha uma novela na TV Globo [Carinhoso] que a gente assistia
todo dia só para ouvir o trompete do Montarroyos. Ele tocava a música “Carinhoso”
na abertura da novela. Isso foi um arranjo do Chiquinho de Moraes que o Márcio
tocava lindamente! Só que eu não sabia que ele tocava aquilo ali no FlugelHorn! Para
mim era trompete. Tempos depois, toquei muito aquele solo em conjuntos de baile.
Eu tocava aquele solo com introdução, as frases e tudo, sempre procurava imitá-lo.
Agora, ao meu ver, o pioneirismo do Márcio não se deve só ao fato dos equipamentos
eletrônicos. Ele realmente foi um trompetista artista, entende? Ele aparecia na
televisão em rede nacional. Todos os dias, por causa da novela “Carinhoso”, ele era
ouvido. Ele influenciou muitos outros músicos, assim como influenciou a mim
também.
Imagem 15: Walmir Gil, Márcio Montarroyos e Lea Freire em São Paulo 60.
58
Imagem do acervo pessoal de fotografias de Neida Cavalcante Montarroyos (mãe do trompetista).
59
GIL, W. A. Entrevista concedida em 25/08/2015.
60
Imagem do acervo pessoal de fotografias de Wlamir Gil.
37
A carreira profissional de Montarroyos se iniciou alguns anos antes da sua ida aos
EUA, trabalhando em diversos conjuntos de baile, tocando repertórios nacionais e
internacionais como, por exemplo, músicas de Stevie Wonder, O. C. Smith, Beatles, Tijuana
Brass, Kool & The Gang, James Brown, Blood Sweat & Tears, entre outros.62 Dentre os grupos
que Márcio trabalhou, o primeiro foi a Banda “Fórmula 7” e, posteriormente, o conjunto “A
Turma da Pilantragem”, ambos na segunda metade da década de 1960 e início de 1970.63
Contratado como músico da casa na boate “Number One” em 1970, acompanhou importantes
nomes do cenário jazzístico internacional, tais como Carlos Santana, Ella Fitzgerald e Sarah
Vaughan.64
O trabalho de maior projeção no início de sua carreira foi a gravação da trilha sonora
para a novela “Carinhoso”, exibida no início da década de 1970 pela TV Globo. Segundo
Montarroyos, a exibição diária de sua interpretação sobre a música “Carinhoso” na abertura da
novela, juntamente com suas participações em programas de televisão, como por exemplo, o
programa “Globo Gente”, transmitido pela TV Globo na década de 1970, inseriu o trompete em
uma posição de destaque na música popular brasileira e também popularizou seu nome65.
61
Ibidem.
62
Informações retiradas de um release de autoria desconhecida encontrado em acervo pessoal da mãe de
Montarroyos, Neida Cavalcante Montarroyos.
63
Biografia sobre a Banda “Turma da Pilantragem”. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/a-
turma-da-pilantragem/dados-artisticos. Acessado em 14/01/15.
64
De Pixinguinha a Hermeto Pascoal, na Sala Funarte. O Globo, 04 de julho de 1979. Matutina, Cultura, p. 37.
65
“Para o jazzista brasileiro Pixinguinha é o caminho”. O Globo, Matutina, Geral. Rio de Janeiro, 19 de abril de
1973. p. 3.
38
Não nego que foi bom para mim, porque foi, em termos de popularidade, dinheiro e
tal. Mas eu, hoje, não faria mais aquilo de jeito nenhum. Não estou mais afim de
nostalgia, dessas coisas. Tá certo tem que ter lugar para o choro, mas não entendo ficar
tocando como se ainda estivéssemos em 1932. É bom ter os músicos da antiga
trabalhando e tudo, tem que ter lugar para choro, para tudo, mas tem que ter lugar para
a música de vanguarda também, para a música instrumental brasileira. Eu não conto
aqueles outros discos. Um era a trilha da novela “Carinhoso”, o outro se chama
“Sessão Nostalgia”. Sabe, não posso considerar como meus discos que eu nem
aguento colocar na vitrola (MONTARROYOS, 1977 apud BAHIANA, 1977).
66
O som que vem da televisão. O Globo, 16 de dez. 1973. Matutina, Tele Semana, p. 2.
39
67
Músico profissional que é contratado para se apresentar ou gravar com grupos aos quais não é integrante.
68
Pesquisa discográfica sobre Márcio Montarroyos, acesso em 27/01/2015. Disponível em:
http://www.discosdobrasil.com.br/discosdobrasil/consulta/detalhe.php?Id_Musico=MA000229.
69
Pesquisa discográfica sobre Márcio Montarroyos, acesso em 25/08/2015. Disponível em:
http://www.discosdobrasil.com.br/discosdobrasil/consulta/detalhe.php?Id_Musico=MA000229.
40
Livre”70, contrato este iniciado em 1974 (BAHIANA, 1977). O motivo para tal exceção,
obviamente, além da sua competência musical como performer e band leader, se deu em função
de seu bom relacionamento com os artistas com quem trabalhava e, principalmente, com o então
chefe da direção de programação e produção da TV Globo, Bonifácio de Oliveira Sobrinho
“Boni”, admirador da música instrumental brasileira e do jazz (BAHIANA, 1977).
O Márcio realmente teve uma presença marcante no mercado fonográfico e com cachê
diferenciado, eu sabia disso. Os produtores pagavam sem pestanejar. Eu pedi o Márcio
muitas vezes, porque felizmente, as gravações que eu fazia eram de alto nível e a verba
não era como as destinadas às produções normais. Eu me lembro de até ter adiado
gravação por causa da agenda do Márcio. Ele se destacava por causa da qualidade do
trabalho dele. Agora vou levantar uma questão: Se o Márcio tivesse nascido mais tarde
e tivesse produzido o mesmo acervo que ele teve, ele se destacaria como se destacou?
Eu penso que não, porque até aquela época ainda se dava valor a solistas. Hoje não
mais, infelizmente.
Além do Márcio ter sido um músico altamente competente, como eu já te disse, ele
era um artista. Bem, na verdade eles tiveram uma época de ouro nesse mercado
fonográfico, entendeu? Dizem que a época em que ele e alguns músicos do Rio mais
trabalharam foi na época do Lincoln Olivetti. Mas o Márcio trabalhava um pouco mais
por ser um solista diferenciado. Ele estava sempre fazendo alguma coisa na TV Globo,
fazendo alguma participação em shows ou no disco de algum cantor, sempre alguma
coisa assim. Ele viveu a época de ouro da Som Livre, junto com o “Bidinho”,
“Paulinho trompete”, Léo Gandelman, Oberdan Magalhães, Zé Carlos “bigorna” e o
“Serginho trombone”. Esse era o grupo que tinha lá no Rio. Eles trabalharam muito
por anos, bem remunerados e acima da média dos demais músicos. Ele também tinha
o grupo dele, que sempre estava viajando em turnê. Ele era bem relacionado fora do
país, andou trabalhando com vários músicos, sempre bem articulado e gerenciando
seu próprio trabalho. Eu vejo por esse lado, entendeu?
70
Gravadora musical brasileira fundada em 1969 com a finalidade de desenvolver e comercializar trilhas sonoras
de novelas produzidas pela Rede Globo de televisão.
71
Ibidem.
72
Ibidem.
41
Montarroyos é um velho amigo, foi ele quem montou minha primeira banda depois
que saí dos Secos e Molhados. Ele quem fez a seleção dos músicos e tocou comigo.
Tocamos juntos várias vezes. Ele é um grande amigo e fiz essa homenagem com maior
prazer.
Para João Donato, “o prazer de tocar para o Márcio Montarroyos é imenso! Ele tem
sido meu colega de gravações e de vários trabalhos. É um prazer enorme tocar para o Márcio!”.
De acordo com Fafá de Belém, “o Márcio é uma pessoa muito querida e generosa. O resto nem
precisa ser falado porque está tudo aí, ele é o cara! Juntar um naipe de gente como o que está
aqui hoje é só para alguém muito especial, agregar todas essas pessoas”.
73
Imagem do acervo pessoal de Alcebíades Espínola “Bidinho”. Da esquerda para direita: “Bidinho”, “Serginho
Trombone” e Márcio Montarroyos. Ao fundo: Oberdan Magalhães e Léo Gandelman.
42
Como eu já havia dito a você, o Márcio me influenciou muito, eu aprendi muita coisa
com ele, inclusive administrar os meus trabalhos. Nisso eu acho que ele era um cara
bem ousado para época. Isso é um ponto que eu acho que o diferenciava de outros
trompetistas da época, a capacidade dele administrar sua carreira. Ele era um cara
muito inteligente, bem criado, teve a oportunidade de estudar fora do país e de
conviver com outras pessoas. A meu ver, ele não foi uma pessoa que trabalhou muito
em determinados setores da música, como o pessoal que trabalhou anos fazendo baile
e tocando em gafieiras, justamente porque ele soube administrar isso. Pra mim, esse
foi o grande diferencial dele em relação aos demais músicos da geração dele.
74
Ibidem.
75
Biografia sobre Márcio Montarroyos. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/marcio-
montarroyos. Acessado em 27/01/2015.
43
O grupo Stone Alliance foi formado no ano de 1964 na cidade de Boston - EUA.
Nessa época, o contrabaixista Gene Perla foi convidado a integrar o grupo “Los Muchachos”,
do qual o baterista Don Alias era integrante. Posteriormente, na cidade de Nova Iorque - EUA,
Perla e Alias começaram a trabalhar com a cantora Nina Simone (1933-2003) e com baterista
Elvin Jones (1927-2004). No mesmo período, conheceram o saxofonista Steve Grossman
(1951), com quem formaram o trio Stone Alliance76.
Todos aqui são bateristas. Ontem saímos com duas moças que mostraram suas
habilidades com garfo e um prato enquanto esperávamos a comida. Nos Estados
Unidos alguns cubanos e porto-riquenhos tocam na rua, mesmo assim nos seus
bairros, áreas específicas da cidade. Aqui, todo mundo batuca em qualquer lugar, canta
em qualquer lugar, eu vejo os mesmos sentimentos no pessoal que faz a percussão
afro/cubana/porto-riquenha lá e no samba das escolas de samba daqui, ou mesmo nos
ritmos do candomblé.
76
Biografia sobre o trio Stone Alliance. Disponível em: http://www.stonealliance.com/History.shtml. Acessado
em 04/08/2014.
77
O Stone Alliance no MAM: Os sons da América do Norte encontram os da América do Sul. O Globo, 08 de
janeiro de 1977. Matutina, Cultura, p. 34.
78
Idem.
44
Segundo Gene Perla, “nos Estados Unidos nós ouvimos falar de samba, mas quando
estivemos num ensaio de uma escola de samba vimos que é outra coisa, os ritmos são mais
fortes e mais envolventes” 79.
O Stone Alliance permaneceu no Brasil durante três meses, tendo em seu roteiro de
apresentações as seguintes cidades: Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife e
São Paulo, seguindo para países, como Argentina, Chile, Venezuela, Colômbia e alguns países
da América Central, retornando ao Rio de Janeiro em 1978 para o lançamento do Lp Stone
Alliance, no teatro “Clara Nunes”80.
2.3.1 Os músicos
79
Idem.
80
Biografia sobre o trio Stone Alliance. Disponível em: http://www.stonealliance.com/History.shtml. Acesso
em: 04/08/2014.
81
Biografia Sobre Gene Perla. Disponível em: www.stonealliance.com. Acesso em: 02/02/2015.
45
82
Idem.
83
Imagem de Gene Perla. Disponível em http://www.raypirre.com/portfolio/gene-perla/. Acesso em
06/06/2015.
84
Biografia sobre Don Alias. Disponível em www.stonealliance.com. Acesso em: 02/02/2015.
46
85
Imagem de Don Alias. Disponível em www.stonealliance.com. Acesso em: 02/02/2015.
86
Biografia sobre Steve Grossman. Disponível em www.stonealliance.com. Acesso em: 02/02/2015.
47
Seu primeiro trabalho profissional foi aos dezesseis anos, tocando ao lado de Wilbur
Ware (1923-1979), Elvin Jones (1927-2004) e Billy Green (s/d). Ao longo de sua carreira,
Grossman trabalhou com muitos músicos, dentre eles Woody Shaw (1944-1989), Kenny
Dorham (1924-1972), Charles Tolliver (1942), Kenny Barron (1943), Gary Bartz (1940), Philly
Jo Jones (1923-1985), Miles Davis (1926-1991), Jimmy Garrison (1934-1976), David Williams
(1971), Hank Jones (1918-2010), Tommy Flanagan (1930-2001), Frank Foster (1928-2011),
Joe Farrell (1937-1986), Junior de Cook (1934-1992) e Dave Liebman (1946). No final da
década de 1970, Steve Grossman começou a arregimentar seus próprios grupos, participando
de diversos festivais pelo mundo.
87
Imagem de Steve Grossman. Disponível em:
http://www.nytimes.com/2009/11/23/arts/music/23gross.html?_r=0. Acesso em 06/06/2015.
48
O ritmo tem um papel importante nesse disco, por isso chamei tantos percussionistas para
participarem” (MONTARROYOS, 1971 apud BAHIANA, 1977).
Erasto de Holanda Vasconcelos é natural de Sítio Novo, Olinda - PE. Iniciou seus
estudos musicais com seu pai (s/i). Não exerceu a carreira de imediato, trabalhou como
vendedor em uma relojoaria em Olinda. Com uma carta de recomendação de seu chefe,
transferiu-se para a cidade do Rio de Janeiro no início da década de 1960. Trabalhou no Teatro
Opinião89 ao lado de João do Vale (1934-1996), Nara Leão (1942-1989), Zé Keti (1921-1999),
dentre outros. Erasto trabalhou com importantes nomes da música popular brasileira e
internacional, como Ney Matogrosso, Gilberto Gil (1942), Caetano Veloso (1942), Stan Getz
(1927-1991), dentre outros.
88
Biografia sobre Erasto de Holanda Vasconcelos. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=qQNe0GViI2U. Acesso em 17/05/2015.
89
Teatro de protesto e resistência, núcleo de difusão e estudos da dramaturgia nacional e popular. Disponível em:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo399366/grupo-opiniao. Acesso em 17/05/2015.
49
Após dez anos morando na cidade de Nova Iorque - EUA, por conta de problemas
de saúde, retornou ao Brasil, onde vive até os dias de hoje, trabalhando como músico e
compositor. No disco Stone Alliance (1977), Vasconcelos atuou como percussionista nas faixas
“Rua da boa hora”, “Risa” e em “The greeting”.
90
Imagem de Erasto Holanda Vasconcelos. Acessado em 03/12/2015. Disponível em:
http://vejario.abril.com.br/blog/solta-o-som/solta-o-som/erasto-irmao-de-nana.
91
Biografia extraída de SILVA (2009).
50
Em 1970, convidado por Airto Moreira e Flora Purim, Hermeto Pascoal viajou para
os EUA, no intuito de escrever arranjos e composições para dois discos da dupla: Natural
Feelings e Seeds on the ground. Nesta oportunidade, surgiram diversos convites, e Hermeto
Pascoal iniciou sua discografia solo. Como compositor, arranjador e instrumentista, gravou
dezesseis discos autorais: “Hermeto Pascoal: Brazilian Adventure” (Coblestone/1971),
“Hermeto” (Buddah/1972), “A Música Livre de Hermeto Pascoal” (CBS/1973), “Hermeto
Pascoal” (RCA/1975), “Slaves Mass” (CBS/1977), “Zabumbê-bum-á” (WEA/1978), “Hermeto
Pascoal ao vivo em Montreaux” (WEA/1979), “Cérebro Magnético” (WEA/1980), “Hermeto
Pascoal & Grupo” (Som da Gente/1982), “Lagoa da Canoa Município de Arapiraca” (Som da
Gente/1984), “Brasil Universo” (Som da Gente/1986), “Só não toca quem não quer” (Som
Livre/1987), “Por Diferentes Caminhos” (Som da Gente/1989), “Festa dos Deuses”
(Polygram/1992), “Eu e Eles” (Rádio MEC/1999), “Mundo Verde Esperança” (Rádio
MEC/2003) e “Chimarrão com Rapadura” (Independente/2006).
Atualmente, Hermeto Pascoal se divide entre apresentações com seu grupo e shows
e projetos com Big Bands e orquestras por todo o mundo.
92
Imagem de Hermeto Pascoal. Acesso em 03/12/2015. Disponível em:
http://www.uiadiario.com.br/evento/hermeto-pascoal-e-grupo/.
51
93
MONTARROYOS, M. Márcio Montarroyos Stone Alliance. Rio de Janeiro: Som Livre, 1977. Lp.
52
O disco terminou de ser mixado lá na fazenda do Gene Perla e do Jan Hammer, que
tinha um estúdio fabuloso no meio do mato. Era um lugar chamado Peterson, uma
cidadezinha ao norte de Manhattan. Ficamos lá, acho que um mês inteiro na casa deles
mixando esse disco e ficou realmente um trabalho muito interessante.
O Marcio teve uma fase de sucesso intenso com os discos Carinhoso e o Sessão
Nostalgia. Ambos foram produzidos pela TV Globo e foram a entrada dele no
mercado de trabalho. Esse foi o disco de sucesso dele! Quando ele estourou com
“Carinhoso” na abertura da novela o nome dele se popularizou. Mas a questão não é
nem a Globo, mas o momento comercial do Márcio, digamos assim. Agora tiveram
outros momentos. Teve o momento que ele pegou pesado com o lance de música
eletrônica. Nesse festival de 1978 que você citou, ali, inclusive teve algum momento
que o Márcio foi vaiado, eu me lembro que teve essa história. Pois é, eu não sei
exatamente, é arriscado falar porque eu não me lembro direito, mas teve alguma coisa
dessas dele aparecer com o trompete ligado em pedaleira de efeito e não ser muito
bem recebido pela plateia. Uma coisa assim do cara ser ousado dentro da época dele,
né? Mas vamos dizer que o Márcio foi questionado justamente por ser um pioneiro
nessa onda de utilização dos pedais eletrônicos.
Gil (2015) relata ter assistido ao respectivo show de Montarroyos pela televisão e,
que em um dado momento as transmissões do áudio do palco foram interrompidas, suscitando
vaias, como afirma o trompetista:
94
MONTARROYOS, M. Márcio Montarroyos Stone Alliance. Rio de Janeiro: Som Livre, 1977. Lp.
95
MENEZES, C. Entrevista concedida ao autor em 12/11/2014.
96
Ibidem.
53
Eu soube dessa história, eu não estava presente. Mas eu me lembro de ter assistido
isso na televisão. Quem transmitia esses shows era a TV Cultura. Eu me recordo de
estar assistindo ao show e o som do palco parar de repente. Anos depois, eu fui gravar
um trabalho em Miami, quem produziu esse trabalho lá foi um cara chamado César
Castanho. Fiquei bastante amigo dele e certo dia, ainda nos Estados Unidos, nós
estávamos conversando sobre esse festival e ele me disse que tinha feito a produção
desse evento e me contou que foi ele quem puxou a tomada do Márcio naquele dia.
Justamente porque tanto o Hermeto quanto o Márcio não obedeceram ao tempo de
show estipulado pela produção do festival.
Gil (2015) também destaca que a década de 1970 foi marcada pela ditadura, pela
repressão e pela censura. Os festivais de música eram sinônimos de liberdade, as pessoas se
sentiam no Woodstock, onde se consumiam bebidas e drogas e, evidentemente, a vaia era uma
situação comum nesses ambientes, relata o trompetista97.
Quando Márcio me convidou para escrever a contracapa de seu novo disco fiquei
muito contente por várias razões. Em primeiro lugar, nós somos amigos há muitos
anos e eu o considero um dos trompetistas mais importantes no atual cenário musical
brasileiro. Depois, esse disco é uma colaboração muito importante entre músicos
brasileiros e americanos. Eles trabalharam para conseguir o que eu considero um dos
discos de cross-over music mais importantes produzidos atualmente.
97
Ibidem.
98
MONTARROYOS, M. Márcio Montarroyos Stone Alliance. Rio de Janeiro: Som Livre, 1977. Lp.
54
99
DAVIS, M. Bitches Brew. Nova Iorque: Columbia Records, 1969. CD.
100
Caixa Echoplex: Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Echoplex. Acesso em 24/05/2015.
55
O tipo de captação utilizado por Miles Davis em suas performances ao vivo durante
a década de 1970 se dava através de um furo adaptado na “garganta” do bocal, denominado
como sistema Barcus Berry.
101
Imagem de Miles Davis utilizando um pedal de Wah-wah. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=vdGUKhI5I1k. Acesso em: 05/10/2015.
56
102
Ibidem.
103
BRECKER, R. Em entrevista ao autor via e-mail em: 09/09/2015.
104
Utilização do sistema Barcus Berry em performance ao vivo. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=r2pGTqbEYqU. Acesso em 09/10/2015.
57
Através das entrevistas realizadas durante esta pesquisa, verificou-se que alguns
trompetistas brasileiros chegaram a utilizar o sistema Barcus Berry e pedais de efeitos sonoros
em suas performances ao vivo, como Maurílio Santos, Walmir Gil e Chico Oliveira.
Eu cheguei ao Rio em 1989, bem depois desse período que você está estudando. Ele
já estava bem adiantado, já havia usado muita coisa. Ele tinha um rack, que era o
105
Ibidem.
106
OLIVEIRA, F. Em entrevista concedida para o autor em 14/09/2015.
59
Imagem 31: Microfone da marca Shure (sem identificação de modelo) utilizado por Márcio Montarroyos e Chico
Oliveira.
Vale ressaltar que não foram encontrados registros sobre os equipamentos utilizados
por Márcio Montarroyos durante o processo de gravação do disco Stone Alliance. De acordo
com o contrabaixista Gene Perla, o grupo Stone Alliance não registou os equipamentos
específicos utilizados durante as seções de gravação. Contudo, Perla declara que é possível
fazer uma inferência auditiva108:
Eu não tenho nenhuma documentação sobre o que o Márcio usou para as gravações,
mas meu ouvido me diz que ele tinha pelo menos um divisor de oitavas, um wah-wah
e algum tipo de dispositivo de delay ou looping. Além disso, eu não tenho nenhuma
lembrança do que poderíamos ter processado as faixas no estúdio, mas com certeza
ele tinha esses três equipamentos mencionados.
107
Márcio Montarroyos em performance ao vivo no São Paulo International Jazz Festival 1978. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=hgxNQbE8b20. Acesso em 09/10/2015.
108
PERLA, G. Em entrevista concedida via e-mail ao autor em 06 de fevereiro de 2015.
60
Com relação aos três efeitos apontados por Gene Perla, apenas dois deles foram
percebidos no respectivo disco, sendo eles o efeito de delay e o wah-wah.
O efeito de delay tem como função criar uma ou mais repetições do som original
captado, produzindo um atraso semelhante ao eco. O som processado, ou seja, a saída do delay,
é enviado novamente para a entrada do dispositivo com um certo atraso, como demonstrado a
seguir:
109
Sérgio Dias é guitarrista, compositor e cantor. O músico conhecido nacionalmente por seu trabalho junto ao
grupo “Os Mutantes”.
110
DIAS, S. Em entrevista concedida ao autor via e-mail em 09/10/2015.
111
Digital Delay. Disponível em: http://www.ebay.com/itm/MXR-113-M-113-Digital-Delay-System-Vintage-
Rack-for-Repair-/170722038727. Acesso em: 09/10/2015.
112
Pedal de wah-wah. Disponível em: http://www.bestguitareffects.com/dunlop-original-cry-baby-wah-
pedal-review-best-wah/. Acesso em: 09/10/2015.
61
113
Funcionamento do dispositivo de delay. Disponível em: http://maquinasdemusica.com/sem-
categoria/08/como-usar-o-efeito-delay/. Acesso em: 26/03/2016.
114
O efeito de wah-wah. Disponível em: http://www.marcelonaudi.com.br/guitar/licks-mainmenu-145/269-
dicas/833-filtros-wah-wah-auto-wah-talkbox. Acesso em: 28/03/2016.
115
Sobre o wah-wah. Disponível em: http://maquinasdemusica.com/pedals/02/wah-wah-pedal-history/.
Acesso em: 26/03/2016.
62
Capítulo
Moraes (2014) relata que Márcio Montarroyos conduzia seus solos e suas
interpretações de forma a melhor usufruir de seus equipamentos:
63
O Márcio soube tirar partido desses equipamentos. É claro que ele simplesmente não
tocava usando esses efeitos. Você vê nitidamente em diversos solos dele que existem
frases construídas em função do efeito que ele adotou naquele momento, entendeu?
Ele não colocava o delay no trompete, ele usava o delay para tocar trompete. Essa era
a diferença.
De acordo com uma declaração do próprio Montarroyos, para que haja um melhor
aproveitamento por parte do solista em relação aos referidos dispositivos sonoros em uma
situação de gravação, é necessário que o músico execute seu solo tendo como retorno o som já
processado com os efeitos:
Se você quer que eu use efeito de delay, a gente tem que gravar já com ele. Assim eu
posso já tocar na onda dele. E esse negócio de delay quando eu uso, eu não dou bola
pra sincar116 o BPM não. Eu até prefiro as quiálteras fora do tempo 117.
Diante das informações atribuídas por Léo Gandelman, Chiquinho de Moraes e pelo
próprio Márcio Montarroyos, buscou-se identificar elementos que evidenciem a forma como o
trompetista manipulava os efeitos de delay e de wah-wah utilizados em seus solos no disco
Stone Alliance.
O uso do efeito de delay nos solos de Montarroyos foi observado nas seguintes
situações:
116
Relativo a sincronizar.
117
Utilização do efeito de delay por Márcio Montarroyos. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=G_AfDgRYjdQ. Acesso em 28/03/2016.
64
Em “Hey bicho, vamos nessa”, uma forma de manipulação do efeito de delay foi o
de finalizar as frases com figuras rítmicas de curta duração, precedidas por figuras de duração
mais longa, visando o efeito de eco, como representados na figura a seguir:
Figura 10: O uso de efeito de delay. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos do 58 ao 61.
Figura 11: O uso de efeito de delay. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 56.
Figura 12: O uso de efeito de delay. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos do 68 ao 70.
Em três dos quatros solos analisados, observou-se também o uso do efeito de wah-
wah. Tal recurso se mostrou evidente nos compassos 17 e 18 no solo de “Hey bicho, vamos
nessa”, como demonstrado na figura 13:
Figura 13: O uso do pedal de wah-wah. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos 17e 18.
118
De acordo com o Dicionário Grove da Música, inflexão em música é definida como desvio de altura. Os desvios
de alturas são utilizados com fins expressivos, como forma de ornamentação.
66
Tenuto, o Scoop, o Bend, o Gliss/rip, o Short fall, o Pitch closed sound e o Ghost note119, como
demosntrado na figura 14:
Figura 14: Tipos de articulações e inflexões recorrentes nos solos improvisados de Márcio Montarroyos.
Figura 16: Exemplo de Heavy accent. Música Hey bicho, vamos nessa
(Steve Grossman) - “Stone Alliance”, 1977. Compasso 37.
119
Por ser de uso comum entre os músicos, os nomes de cada articulação e inflexão não serão traduzidos, visto
que seus respectivos significados são apresentados de forma subsequente no texto.
67
O Scoop é a execução de notas que são iniciadas com a afinação mais baixa em
relação ao seu centro, porém, terminada em sua afinação central. O sinal correspondente ao
scoop é similar ao de uma vírgula, localizado antes e um pouco abaixo da nota.
Bend é a alteração de afinação de uma nota tanto para cima quanto para baixo de
sua posição central, retornando novamente ao seu centro. O bend é indicado por um sinal similar
a um pequeno arco acima da nota.
Figura 20: Exemplo de Glissando ou rip. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 64.
Ghost note são notas com alturas indefinidas. Sua representação se dá por um
símbolo similar à letra “x” e ao simbolo correspondente ao pitch closed sound, substituindo-se
a cabeça da nota pelo referido sinal “x”120.
120
Os referidos sinais gráficos aqui utilizados correspondem aos disponíveis no software Sibelius 7.
69
Figura 24: Exemplo de ligaduras em frases mais longas. Música On the foot peg
(Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance”, 1977. Compassos 13 e 14.
O verbete improvisação no The New Grove Dictionary of Jazz foi dividido em duas
categorias distintas, a saber, “improvisação estereotipada” e “improvisação motívica”. Segundo
o dicionário, “improvisação estereotipada é a construção de um novo material a partir de um
conjunto diversificado de ideias fragmentadas (quer seja em resposta a um tema ou
independentemente deste)”. Já a improvisação motívica é a construção de um novo material
através do desenvolvimento de uma única ideia fragmentada (quer seja em resposta a um tema
ou independentemente deste)” (KERNFELD, 2002). Diante das informações relacionadas,
acreditou-se que a categoria à qual melhor se enquadra os solos de Montarroyos foi a
improvisação estereotipada.
1. A apreciação fonográfica;
2. A transcrição;
3. A análise de solos improvisados.
Das oito faixas existentes no disso Stone Alliance, apenas quatro delas apresentam
solos improvisados de Márcio Montarroyos, sendo elas “Hey bicho, vamos nessa”, “On the
foot peg”, “Risa” e “Libra Rising”. A estratégia de observação adotada dividiu-se em duas
121
Como recursos de apoio para as transcrições dos solos com andamentos mais rápidos, foi utilizado o software
Transcribe, que possibilitou a redução do andamento musical sem que houvesse alterações nas alturas das notas.
Para as edições dos áudios, como por exemplo, o corte de trechos específicos e sua disposição nos anexos deste
trabalho, foi utilizado o software Audacity.
122
Sugestões atribuídas por Ligon (2001), que visam resultados qualitativos e não apenas quantitativos.
71
etapas, tendo como primeiro passo a transcrição das harmonias de cada um desses solos e a
realização das respectivas análises. Posteriormente, realizou-se a transcrição e a análise do
material melódico, visando identificar os procedimentos de improvisação adotados.
De acordo com o pianista, compositor e educador Ron Miller, no livro Modal Jazz
Composition & Harmony (1996), o conteúdo harmônico no jazz moderno está organizado em
quatro principais grupos: tonal, modal, cromático e não modal. Dentre eles, destacamos o grupo
modal, no qual o autor atribui as seguintes características:
72
No livro Jazz: Theory and Practice de Lawn e Hellmer (1996), os autores apontam
quatro características distintas de estruturas modais, dividindo-as em:
Ebm7
Fm7 // // // // // //
Emaj7(#11)
Gbmaj7(#11) // // // // // //
Ebm7
Fm7 // // // // // //
123
As cifras em cor vermelha foram transpostas para instrumentos em C.
73
Em “On the foot peg”, de acordo com as informações contidas na partitura extraída
do songbook do grupo Stone Alliance124 e através da escuta, a seção destinada ao improviso de
trompete se sucedeu sobre o acorde de ré com sétima (D7):
C7
D7 // //
Figura 25: transcrição da linha de contrabaixo na música “On the foot peg”.
Dmaj7 C#maj7
Emaj7 D#maj7
124
Songbook do grupo Stone Alliance. Disponível em: http://www.pmrecords.com/StoneSongbook.shtml.
Acessado em: 05/02/2016.
74
vinte e oito compassos, divididos em quatro compassos para cada acorde, como demonstrado
no exemplo a seguir:
C7(#11)
D7(#11) // // // // // //
Fm7
Gm7 // // // // // //
Db7
Eb7 // // // // // //
C7
D7 // // // // // //
Fm7
Gm7 // // // // // //
Db7
Eb7 // // // // // //
C7
D7 // // // // // //
125
“Simples” talvez em quantidade de acordes, mas o fato de um acorde não “conversar” com o outro torna a
harmonia modal complexa em termos qualitativos, pois a ausência de tonalidade dá autonomia e independência a
cada acorde, podendo dificultar a construção de linhas melódicas dotadas de unidade.
75
deixando de focar nas notas dos acordes que definem uma harmonia em particular
(BOOTHROYD, 2010).
De acordo com Miller (1996), as escalas ou modos são determinados pela divisão
assimétrica de uma oitava em sete alturas distintas. As escalas geradas a partir dessa divisão
estabelecem o que o autor denomina “harmonic pallet”, um compêndio de notas características
responsáveis por definir a qualidade do modo ou da escala.
O modo jônio, por exemplo, possui em sua estrutura os intervalos de segunda maior,
terça maior, quarta justa, quinta justa, sexta maior e sétima maior, todos em relação a sua
fundamental126.
Esse modo está relacionado aos acordes maiores que não possuem alterações no
quinto e nono grau (b5, #5 e #9), possuindo as seguintes configurações:
126
Em função do escopo deste trabalho, nos concentramos apenas em relacionar as escalas e modos adotados por
Montarroyos em seus respectivos solos.
127
Os exemplos referentes aos modos e escalas foram escritos em som real.
76
Figura 28: Aplicação do fá# jônio sobre o acorde de F#maj7. Música Libra Rising
(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 12.
Figura 29: Aplicação do mi jônio sobre o acorde de Emaj7. Música Libra Rising
(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1997. Compasso 24.
Esse modo está relacionado aos acordes menores que não possuem alterações no
quinto e nono grau (b5, o #5 e o #9), possuindo as seguintes configurações:
128
Os símbolos M7 e M7(9) referem-se a acordes maiores com sétima maior.
77
Figura 32: Aplicação do modo dórico por Márcio Montarroyos. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 15.
O modo lídio é estruturado sobre os intervalos de segunda maior, terça maior, quarta
aumentada, quinta justa, sexta maior e sétima maior, todos em relação à fundamental do modo,
A aplicação do modo lídio foi observada na música “Hey bicho, vamos nessa!”,
entre os compassos de 5 a 7, sobre o acorde de sol bemol maior com sétima maior e décima
primeira aumentada (Gbmaj7#11), e na música “Libra Rising” no compasso 24, sobre o acorde
de mi maior com sétima maior (Emaj7), como demonstrado a seguir:
78
Figura 35: Aplicação do modo de sol bemol lídio. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compassos 5 ao 7.
Assim como o modo dórico e o modo frígio, o modo eólio pode ser tocado sobre
um acorde menor com sétima, mas geralmente é aplicado sobre acordes menores com sétima
menor e com a décima terceira menor:
A aplicação do modo eólio foi observada nos solos das músicas “Hey bicho, vamos
nessa”, no compasso 28, sobre o acorde de fá menor com sétima, e na música “On the foot
peg”, no compasso 10, sobre o acorde de ré com sétima:
79
Figura 39: Aplicação do modo eólio. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 28.
Uma mesma escala pentatônica maior pode ser utilizada sobre diferentes tipos de
acordes. Por exemplo, a escala pentatônica maior de dó, apresentada na figura 40, pode ser
aplicada sobre os acordes Cmaj7, C7, D7sus, Dm7, Fmaj7, G7sus, Gm7 ou Am7
(SABATELLA, 2000 apud BRANDIT, 2005).
Em dois dos quatros solos analisados, Montarroyos fez uso da escala pentatônica
maior sobre acordes maiores com sétima maior, porém, ambas as escalas foram executadas um
tom acima da fundamental dos acordes em questão. Este tipo de aplicação possibilita o uso de
diferentes “coloridos sonoros”, ou seja, permite a exploração das tensões disponíveis do acorde
80
vigente, sendo elas a nona, a terça, a décima primeira aumentada e a décima terceira, todas em
relação à fundamental do acorde, notas características do modo lídio (LIGON, 2001), como
demonstrado nas figuras 41 e 42:
Figura 42: Escala pentatônica maior de fá# sobre o acorde de Emaj7. Música Libra Rising
(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977.Compassos de 8 a 10.
Figura 44: Aplicação da escala pentatônica menor de fá. Música Hey bicho, vamos nessa!
(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compassos 20 e 21.
Figura 46: Aplicação da escala de ré blues menor. Música On the foot peg
(Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance” 1977. Compassos 1, 2 e 3.
82
3.2.2.1 Repetição
próximo acontecimento musical (Lawn e Hellmer, 1996). Foram listados a seguir alguns
exemplos de repetição recorrentes nos solos de Márcio Montarroyos:
3.2.2.2 Sequência
dessa ferramenta, foram relacionadas algumas sequências extraídas dos solos de Márcio
Montarroyos:
Figura 53: Exemplo de sequência sobre o acorde de Fm7. Música Hey bicho, vamos nessa
(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos do 47 ao 49.
Figura 54: Exemplo de sequência. Música Risa (Dom Alias) – “Stone Alliance” 1977.
Compassos do 33 ao 35.
... alternativamente, é comum que o improvisador foque na parte rítmica de uma frase,
destinando toda uma seção de desenvolvimento para seu tratamento, como um
ostinato rítmico; enquanto isso é possível criar variações, produzindo formas
imitativas.
85
Jerry Bergonzi, em sua publicação “Developing a jazz language”129 fez uso desse
recurso de ornamentação melódica também sobre a sétima, a nona, a décima primeira e a décima
terceira de um dado acorde, sendo estas as tensões disponíveis, como demonstrado a seguir:
129
Bergonzi (1994).
87
(COCKER, 1991). Esse autor afirma que todo fragmento melódico inclui notas de passagem,
que podem ser notas derivadas de um cromatismo. Em determinados casos, o cromatismo
decorre de um problema métrico que resulta em adicionar uma ou mais notas à frase para que
ela se encaixe no número de tempos do compasso. Em outros casos, o improvisador pode
simplesmente usar a escala cromática, ou parte dela (SILVA, 2009).
Figura 64: Exemplos de aproximações sobre o primeiro grau de D7. Música On the foot peg (Márcio
Montarroyos) – “Stone Alliance”, 1977. Compasso 6.
Figura 65: Exempols de aproximação cromática e diatônica sobre notas não estruturais em Fm7. Música Hey
bicho, vamos nessa (Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 8.
Figura 66: Exempols de aproximação cromática e diatônica sobre notas não estruturais em D7.
Música On the foot peg (Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance”, 1977. Compasso 8.
89
130
Vide Steinel (1995).
90
Considerações finais
É sabido que boa parte desses trompetistas não exerceram influências musicais
sobre Montarroyos, mas o que se observou como característica comum entre eles foi o destaque
por suas habilidades musicais, a participação ativa no mercado fonográfico e em diversas
situações profissionais, e também, o fato de terem transitado pela música de concerto.
O efeito de wah-wah, por sua vez, foi utilizado em três dos quatro solos analisados,
mas o aproveitamento mais eficiente e evidente desse efeito foi observado nas situações em que
Montarroyos realizou ostinatos em semicolcheias sobre uma mesma nota executada por meio
de dedilhado alternativo entre as notas.
No solo da música “Hey bicho, vamos nessa”, por exemplo, a estrutura harmônica
foi organizada em um ciclo de doze compassos, divididos em três períodos de quatro compassos
92
para cada acorde, sendo os quatro primeiros compassos em Fm7, os próximos quatro em
Gbmaj7(#11) e os quatro últimos em Fm7, novamente.
Além dos modos e das escalas relacionados anteriormente, através das análises
foram identificadas diversas informações ou fragmentos musicais, aqui destacadas como
“motivo”, recorrentes nos solos de Montarroyos. Dentre os vários tipos de dispositivos para o
desenvolvimento de um motivo, foram observados os recursos de repetição, de sequência, de
deslocamento métrico e os recursos de ornamentações melódicas.
Diante das considerações aqui apresentadas, espera-se que o presente estudo possa
contribuir para a compreensão dos processos criativos implicados na improvisação de Márcio
94
Montarroyos e seja considerado ponto de partida para futuras pesquisas envolvendo o trompete
e a música popular instrumental brasileira.
95
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97
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Entrevistas:
Discos citados:
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101
Apêndice
Recorreu-se ao termo “célula melódica”, adotado por Steinel (1995), para definir
os fragmentos melódicos extraídos dos solos de Márcio Montarroyos. Segundo esse autor,
células melódicas são pequenos agrupamentos de notas contidos em uma melodia ou solo
improvisado, sendo classificados basicamente em cinco unidades básicas, sendo elas células de
acorde, células escalares, células de ornamentação cromática e células de pentatônica, como
destacado a seguir:
Dentre as células melódicas propostas por Steinel (1995), foram destacadas abaixo
três configurações celulares distintas recorrentes nos solos de Márcio Montarroyos, dividindo-
se entre células escalares, células de ornamentação diatônica/cromática e célula de pentatônica.
Como demonstrado no exemplo 2:
Para cada uma das células destacadas acima, foram criadas algumas variações
melódicas agrupadas de quatro em quatro notas, podendo ser empregadas sobre todos os graus
de um determinado modo ou escala. Ressalta-se que os exemplos a serem destacados referem-
se aos modos jônio, dórico, lídio, eólio e as escalas pentatônicas, assunto discutido no capítulo
3 desta dissertação. Visando maior absorção das sugestões aqui apresentadas, destaca-se que os
exemplos relacionados a seguir encontram-se registrados também em arquivos de áudio nos
anexos desta dissertação.
1.2.1 Células melódicas com três notas aplicadas em sequência sobre os modos jônio,
dórico, lídio e eólio:
Faixa 1.
Faixa 2.
Faixa 3.
Faixa 4.
Faixa 5.
104
1.3.1 Células melódicas com quatro notas aplicadas em sequência sobre os modos jônio,
dórico, lídio e eólio:
Faixa 6.
Faixa 7.
Faixa 8.
105
Faixa 9.
Faixa 10.
Faixa 11.
Faixa 12.
Faixa 13.
Faix 14.
Faixa 15.
107
Faixa 16 .
Faixa 17.
Faixa 18.
Faixa 19 .
108
Faixa 20.
Faixa 21.
Faixa 22.
Faixa 23.
Faixa 24.
Faixa 25.
Faixa 26.
Faixa 27.
Faixa 28.
110
Faixa 29.
Faixa 30.
Faixa 31.
Faixa 32.
Faixa 33.
111
Cromático
Tons inteiros
Terças menores
Terças maiores
Quartas justas
112
Quartas aumentadas
Quintas justas
113
Anexo 1 transcrições
114
115
116
117
118
119
120
121
122
Anexo 2 – Entrevistas
Marcelo: Léo, quando e como foi o seu primeiro contato com o Montarroyos?
Léo Gandelman: Bom, eu, como parte da minha formação musical, eu estudei na Berklee.
E quando eu voltei da Berklee eu cheguei aqui no Rio já com a ideia de correr atrás de
trabalho, né? Eu não me formei lá, eu fiz lá quatro semestres, voltei e comecei a procurar
os músicos que estavam na ativa naquela época, né? E comecei a fazer substituição para
vários deles que trabalhavam na época na orquestra da Globo e em outras orquestras, mas
era uma época, eu tô falando de 79, era uma época que tinha várias Orquestras em
atividade aqui no Rio. Então, além de eu fazer substituições na orquestra da Globo e
substituições na orquestra do Maestro Cipó, pra orquestra do Marko Rupe, pra orquestra
do Maestro Carioca, enfim, na verdade eu fazia substituição para o Aurino Ferreira, pro
Macaé, pro Zé Bodega, pro Jaime Araújo, quem quisesse, porque eu tocava sax alto, tenor
e barítono, então eu estava sempre disponível. Uma das minhas idas na Som Livre, para
fazer substituição na Globo, eu encontrei o Márcio. Eu era fã do Márcio, é.... No tempo
em que eu estudei na Berklee eu transcrevi o solo dele do Vamos nessa, bicho, do disco
do Stone Alliance, e.... pô, eu estava louco para conhecer ele para poder entregar esse
trabalho, para mostrar esse trabalho à ele, porque o Marcio é.... Desde essa época já era
uma referência pra gente que estava começando, pra gente que queria alguma coisa. O
Márcio, ele me mostrou que era possível, né? Ele me fez acreditar que era possível viver
de música instrumental no Brasil, ele tinha um trabalho de excelência, né? Um trabalho
que realmente eu fiquei fã desde o início, né? Então, quando eu encontrei ele na escada,
ali na Som Livre, eu falei: “pô, Márcio eu sou Léo, toco soprano, alto, tenor, barítono e
tô à sua disposição, ó, tá aqui meu telefone, se quiser me liga, eu estou afim de tocar
contigo!” Tempos depois, eu vim realmente a tocar com ele, ele me falou: “Quando eu te
conheci, eu achei que você era maluco, cara! Como é que você chegou pra mim se
apresentando e dizendo que queria tocar comigo? Achei aquilo... Ou você devia ser
maluco ou tocar muito. Porque do jeito que você chegou eu não acreditei” [risos]. O
Márcio era uma figura muito engraçada, e.... não só engraçada, mas uma figura muito
típica, né? É.... prefiro até nem adjetivar muito não, mas enfim, foi essa reação dele e a
gente acabou tocando juntos tempos depois a convite do Lincoln Olivetti, que é.... Antes
de tocar com o Márcio formei um naipe junto com o Bidinho trompete, o Serginho
trombone e o Zé Carlos. A gente tinha um conjunto que chamava Avenida Brasil, isso
também em 79, né? E aí, a gente começou a fazer algumas gravações também na Odeon
e quando o Lincoln ouviu o nosso som, ele acrescentou no nosso naipe o Oberdan
Magalhães, que ficou no sax alto, Zé Carlos no tenor e eu no barítono, e acrescentou
também o Márcio Montarroyos que ficou no trompete junto com o Bidinho.
M: Você saberia me dizer com precisão o período em que ele estudou na Berklee?
L: Com precisão, não. Também, era tal negócio, era bom falar com o irmão dele ou com
a viúva.
M: Como chama a viúva?
L: Cristina Cordeiro. Você poderia entrevistar também pra sua tese, ela é gente boa,
poderá ajudar mais nesse sentido do que eu.
M: Pode ser que ele tenha ido logo depois da turma do Vitor Assis Brasil, né?
L: É, eu acho que foi por ali, cara.
M: Você saberia me dizer o que levou o Márcio a estudar fora do país, Léo?
L: Olha, esse é um papo assim em especial que eu vou falar a minha interpretação dos
fatos. Antigamente, os músicos no Brasil.... Já conversei isso com o Nivaldo Ornelas e
com outros músicos, a formação do músico popular, digamos assim, improvisador, era
uma coisa muito pessoal. Não tinha uma metodologia, uma escola... Não era só aqui no
Brasil, na verdade isso acontecia no mundo inteiro. Até meados da década de 60, a
questão toda do aprendizado do improviso era uma coisa muito intuitiva. As pessoas
procuravam caminhos próprios para aprender essa questão da ciência do improviso. Não
existia uma organização, uma metodologia de ensino e de aprendizado dessa questão do
improviso. Eu acho que quem organizou inicialmente, um dos pioneiros nessa questão de
organização do improviso, do ensino do improviso, foi o Mr. Lee Berk, que é o criador
da Berklee. Ele é quem veio com esse papo, com a história do chord scale, a questão da
análise harmônica e da escala relativa àquele acorde, né? E quando ele instituiu isso como
ensino, enfim, quando ele metodizou o ensino do improviso, ele criou a escola Berklee e,
nessa altura do campeonato, existe um momento de mudanças, né? A geração do Vitor e
do Márcio, foi a primeira geração que saiu do Brasil em busca desse tipo de
conhecimento, entendeu? E o Márcio e o Vitor quando voltaram, eles já tinham um
preparo diferente dos restantes dos músicos populares, digamos assim, né? Ou dos
músicos improvisadores, entendeu? Eles adquiriram esse conhecimento de chord scale,
né? Da escala certa do acorde e de análise harmônica que era ensinado na Berklee. Então,
acredito que o motivo que ele foi pra Berklee, foi em busca desse tipo de conhecimento
específico que não tinha no Brasil na época, não tinha bibliografia, não tinha nada,
entendeu? A Berklee era uma escola pioneira nesse tipo de ensino, né? Eu precisava, para
ter certeza do que eu estou te falando, com exatidão, porque na New Englad School of
Music e outras escolas grandes de música nos EUA, já existia alguma coisa nesse gênero
do ensino de música, digamos assim, improvisada. Mas a Berklee ficou famosa
mundialmente como sendo “a escola de jazz”, entendeu? Porque foi realmente o primeiro
centro que trabalhou a metodização do ensino de jazz, isso é sem dúvida. Porque mesmo
assim, a England School of music em Boston, ela tem um departamento de música popular
que chama Third Stream Departament, você já ouviu falar disso?
M: Sim.
L: O Third stream é como se fosse um World Stream Departament, entendeu? É uma
coisa um pouco mais aberta que Jazz em termos de abrangência, né? Agora a Berklee foi
uma escola que se fixou no idioma Jazz, e na análise do que é que acontece na música do
Jazz harmonicamente e a questão do improviso analisada profundamente. Então, com
toda certeza, o Márcio, que era um aficionado do Jazz, ele teve a oportunidade de estudar
125
nessa escola e foi em busca desse tipo de conhecimento, que você era obrigado a cruzar
mares pra ter. Eu fui mais tarde pra Berklee, eu fui pra lá em 77, nessa altura, o Márcio
já tinha voltado pra cá há muito tempo e era um caminho a ser trilhado. Era na verdade a
única opção, digamos assim, prática de você entrar numa escola de Jazz, porque a Berklee
além de ser uma escola de Jazz, existiam uns cursos profissionalizantes, que não eram
cursos tão exigentes a papéis formais pra você poder entrar numa escola, ele não te exigia
diploma disso e nem daquilo, eram cursos profissionalizantes de ensino do improviso.
Mas quando eu fui lá, por exemplo, nessa época obviamente não tinha internet, um monte
de livros que eu trouxe para estudar aqui de paterns, de livros sobre improvisos, eram
coisas que você tinha que buscar lá fora. Aqui você não tinha acesso nenhum a esse tipo
de informação. Até então, aqui no Brasil existia um mito, né? Como lá fora também, mas
lá fora a coisa foi desvendada antes, porque a coisa aqui no Brasil sempre demorou um
pouquinho para chegar, principalmente numa época que não se tinha comunicação, a
questão do improviso era tratada como uma coisa mitológica, entendeu? O cara era
talentoso, ou o cara era inspirado... Entendeu?
M: Como o Márcio era visto na Berklee?
L: Olha, eu não sei se o Márcio foi uma figura marcante na escola, eu não sei exatamente
o tempo que ele ficou lá, a duração que ele fez na escola, eu não sei... O Vitor, por
exemplo, me parece que lá se desenvolveu mais que o Márcio. O Marcio eu não sei ele
se formou lá, se ele ficou dois, três ou quatro semestres. Eu não sei exatamente quanto
tempo ele ficou. Eu sei que ele teve uma passagem pela escola e, uma passagem que foi
marcante na forma dele ver música, dele improvisar, o Márcio sabia direitinho esses
preceitos aí de harmonia e escalas, ele não era um músico, digamos, só intuitivo, ele era
um músico estudado, tanto na escola clássica quanto na de Jazz. O Márcio teve uma
formação na escola clássica muito importante, tanto é que você vê pelo toque dele, pela
articulação, pela afinação, pela sonoridade, que ele tem toda uma história de trompete
clássico, né? O Márcio estudou concertos de música clássica no trompete, ele
desenvolveu toda uma escola clássica e mais tarde foi estudar Jazz, que é mais ou menos
a minha história também e da onde a gente se identificava, entendeu?
M: Quais foram as influências musicais nacionais e internacionais do Márcio que você
saberia me dizer?
L: Bom, aqui no Brasil eu posso dizer que ele como músico de estante ou de naipe, ele
teve uma influência muito grande de toda uma geração que pertenceu às Big Bands
brasileiras, como o Hamilton, Maurílio, ele gostava do Maurílio, eu me lembro... Quem
mais que eu posso dizer...? o Formiga. Eram trompetistas que fizeram também a escola
clássica, que tinha aquele som de lead play, de primeiro trompete. Ele gostava desse
pessoal, mas eu acho que a maior influência dele foi do Miles Davis, entendeu? O Marcio
adorava o Miles... E o Freddie Hubbard, talvez...
M: E outros instrumentistas?
L: O Márcio gostava de muita coisa, gostava do Jeff Lorber, pianista, é, gostava de Jazz,
cara... É difícil pra mim nomear alguma coisa exclusiva, ele era um amante do Jazz, não
só amante, mas um conhecedor, ele era um cara que falava com propriedade do assunto.
Não que ele tenha sido um estudante, mas ele foi um apaixonado do Jazz.
M: Qual a proporção da influência de Miles Davis exercida sobre o Márcio?
126
L: O Miles era um artista em constante transformação, né? O Miles foi o primeiro cara a
eletrificar publicamente, notoriamente o trompete, e o Márcio era fã desse negócio, ele
virou pesquisador dessa questão do trompete eletrônico, ele adorava sons, pedal, os
efeitos, sabe? O Márcio dedicou boa parte do trabalho dele a essa pesquisa. Isso foi logo
no início da década de setenta, se eu não me engano, aqueles primeiros festivais de Jazz
que tiveram no Brasil, se eu não me engano isso tem até no youtube, ele já estava usando.
Ele foi um dos pioneiros nessa questão de eletrificar o trompete, mas isso aí, com toda
certeza ele veio na cola do Miles. Ele era fã, e assim que surgiu a hipótese ele abraçou e
ele se destacou dos jazzistas, digamos assim, tradicionais porque ele era um inovador, o
Márcio gostava de novidade, de inovação. Ele não gostava de tocar coisas antigas, não
gostava de tocar chorinho, ele não gostava de tocar coisas, digamos assim, tradicionais.
Ele gostava de inovar, de criar, de romper barreiras. Ele sempre teve uma atitude
desafiadora.
M: Essa eletrificação do trompete, ao que tudo indica se deu no ano de 1969 por conta do
Miles no disco Bitches Brew, mas na década de 1970, logo na sequência surgiu o grupo
Brecker Brothers. O Márcio teve algum tipo de ligação com o Randy Brecker?
L: Teve, ele era amigão do Randy, ele se amarrava no Randy. Ele, assim como o Randy,
eles eram seguidores do Miles, né? O Randy é um cara mais ou menos da idade dele, eles
se falavam, digamos que era o Marcio aqui e o Randy lá, né? [risos]
M: Léo, você saberia me dizer alguma marca ou modelo desses equipamentos que o
Marcio possuiu?
L: O Márcio teve tudo, harmonizer, space echo... o Márcio adorava basicamente echos,
reverbs e harmonizers, era o que ele gostava. Ele nunca usou esse negócio de envelope,
quem usou mais envelope, essas coisas, foi o Randy Breker. O Márcio era delay, ele
adorava delay. Delay com reverb e harmonizer. Essa era a praia dele.
M: Outros trompetistas no Rio chegaram a trabalhar com equipamentos desse tipo, Léo?
L: Rapaz, olha, que marcasse presença, não. Hoje o Paulinho Trompete tá usando.
Paulinho Trompete lançou essa onda aí de seguir esse lance do Márcio [risos]. Mas me
parece que o Paulinho não pesquisa esse lance com a mesma intensidade que o Márcio.
Paulinho comprou um pedal aí que já vem com tudo pronto, não posso dizer que ele é um
usuário. O Marcio não, ele pesquisava a fundo os modelos dos produtos, a sonoridade de
um, a sonoridade de outro efeito, e a possibilidade de outro. O Márcio era realmente um
pesquisador nesse assunto. Mais tarde, o Márcio comprou um P.A, equipamento de luz e
fumaça, né? E ele operava tudo sozinho, no pé dele. Ele fazia luz, fazia aquela fumaça
especial, criava todo clima, né? Às vezes eu brincava com ele: “pô, Márcio, cadê você?
Você desapareceu!” [risos]. Ele tinha um tapete que ele colocava ali e dizia: “esse aqui é
meu palco!” O Márcio era ligado na cena como um todo, né? Ele tinha essa coisa também,
como posso dizer... como o Miles, né? Ele era um artista completo, não era um músico
que tocava o trompete dó, ré, mi, fá, sol... Não era isso, ele tinha toda uma coisa voltada
pro som, do aspecto cênico, da qualidade, do tipo, do processamento, disso e daquilo, ele
criava também luz. Ele gostava de todo um ambiente cênico pro trompete dele.
M: Quando se usa esses equipamentos, o referencial sonoro pode sofrer alterações, isso
teria influenciado na maneira de tocar do Márcio?
127
L: Ele tirava partido dos efeitos, é claro que ele não simplesmente tocava usando o efeito.
Ele tirava partido e se ele se influenciava é claro, né? Tem milhões de frases que ele faz
nos discos dele e tal, que você vê nitidamente que ele faz utilizando os recursos que ele
estava usando, entendeu? Ele não colocava o delay no trompete, ele usava o delay para
tocar trompete, você tá entendendo a diferença?
M: Sim.
L: Ele realmente se utilizava dos efeitos para poder criar a música dele. Então, com toda
a certeza, isso tinha uma ação sobre a música dele.
M: Sempre na busca de explorar novas possibilidades sonoras e musicais...
L: É.
M: Entendi.
L: Você entendeu legal? Isso aí é importante você entender. O Márcio criava os sons dos
efeitos e, ele trabalhava com os efeitos, explorando aquilo. Então, isso ia acontecendo
durante a música, durante o improviso dele. Ele adorava o delay, ele não ficava tocando
e o delay acontecendo. Ele usava o delay. A frase boa é essa: ele não tocava com os
efeitos, ele usava os efeitos.
M: Além dessa perspectiva de pesquisa sonora, existiu outro cunho de influência para a
utilização desses equipamentos? Como, por exemplo, interesse comercial, demanda de
trabalho e etc.
L: Não, não, de forma alguma. Isso aí era uma coisa de pesquisa dele como artista, como
intérprete do trabalho dele. Ele jamais utilizou isso aí como recurso comercial ou para se
destacar ou aparecer, de forma alguma. Isso era uma pesquisa artística dele.
M: O que tornava o Márcio tão diferente dos trompetistas contemporâneos a ele?
L: O que marca o Márcio, mais do que qualquer outra coisa é o touché dele. O Márcio
tinha uma forma muito elegante de produzir o som no trompete. O acabamento do som
dele é inigualável. A nível internacional. O timbre, a afinação, a articulação, todos os
elementos básicos. Ele tinha uma forma extremamente musical de produzir os
fundamentos do instrumento como ninguém. No mundo clássico, no mundo popular, com
ou sem efeito, o acabamento sonoro dele é inigualável.
M: O Márcio influenciou muita gente?
L: Pô, o Márcio influenciou muita gente, cara. Inclusive a mim. Não só pela forma de
tocar trompete, mas porque ele foi um pioneiro abrindo caminhos nessa praia da música
instrumental brasileira. Eu quando conheci o Márcio e adentrei no trabalho dele como
compositor e tal, e vi o que ele estava fazendo e como ele estava fazendo, eu acreditei que
era possível fazer. Sabe, o Márcio foi o cara que me mostrou que era possível fazer um
trabalho de música instrumental no Brasil. Eu posso dizer que teve o Márcio, o Cesar
Camargo Mariano e o Azimuth, foram os três que me levaram a acreditar que eu deveria
fazer o meu trabalho também. Até mesmo o Egberto Gismonti, mas o Egberto era uma
coisa mais pontual no sentido que o Egberto era um virtuose que sempre viveu em função
de um extremo talento e virtuose e tal. No caso do Márcio não, ele não colocava o trabalho
dele com uma coisa inacessível, o Márcio tocava bonito e fazia um trabalho um trabalho
128
acessível, um trabalho popular. É claro que ele passou por muitas fases, mas eu acho que
ele foi um pioneiro no sentido de abrir caminhos pra música instrumental de hoje.
M: Quais foram essas fases passadas pelo Marcio?
L: O Márcio teve uma fase de sucesso intenso com o Carinhoso e aqueles discos de
Orquestras que foram a entrada dele no mercado de trabalho. Você tem o disco dele com
Orquestras?
M: Sessão Nostalgia?
L: É aquele produzido pela Globo, se eu não me engano. Eu posso ver isso aqui agora,
espera aí... Eu não sei se o título é Sessão Nostalgia, isso realmente eu não sei. Eu acho
que é Márcio Montarroyos e Orquestra. Esse foi o disco de sucesso dele, quando ele
estourou com Carinhoso na abertura da novela o nome dele se popularizou aí. Mas a
questão não é nem a Globo, mas o momento comercial do Márcio, digamos assim. Agora
tem outros momentos. Teve o momento que ele pegou pesado com o lance de música
eletrônica, que é aquele festival que você citou. Ali, inclusive, teve algum momento que
o Márcio foi vaiado, eu me lembro que teve essa história. Você sabe dessa história?
M: Não.
L: Pois é, eu não sei exatamente, é arriscado falar porque eu não me lembro direito, mas
teve alguma coisa dessas dele aparecer com o trompete todo eletrificado e não ser muito
bem recebido pela plateia. Uma coisa assim do cara ser ousado dentro da época dele, né?
Mas vamos dizer que o Márcio foi questionado justamente por ser um pioneiro nessa onda
de utilização dos pedais eletrônicos, né? Quando eu conheci o Márcio já foi depois dessa
fase comercial, já consagrado com o Carinhoso e etc., o Márcio desenvolveu um trabalho
com um grupo que ele tinha, um quarteto, que às vezes ele usava duas guitarras, baixo e
batera, que foi realmente um trabalho de consagração. O Márcio era um cara
extremamente bem organizado, ele estava com as coisas muito bem definidas na cabeça
dele e ele fez nessa época aquele disco Magic Moment. Ele teve uma fase de uma boa
produção bem objetiva que foi o Magic Moment, tem o Terra Mater também, tem o
Carioca, enfim, foi uma fase bem produtiva do Márcio com todos esses lançamentos. Nos
últimos anos, o Márcio já tinha uma cabeça muito diferente, ele deixou de ser um cara tão
organizado assim, produtivo, detalhista, né? Ele se soltou muito, ficou um cara sem
objetivo na produção dele. Ele estava interessado em tocar, ele gostava de performance
ao vivo, sabe? Ele parou de se interessar pelo sucesso, parou de perseguir um lugar ao
sol, digamos assim. Ele se entregou realmente ao que ele gostava de fazer que era
performance, de ligar os efeitos no trompete, as luzes, a fumaça e ficar ali dentro daquele
clima que ele criou e ponto. Ele perdeu, digamos assim, o compromisso com o sucesso.
Não é perdeu, ele não quis mais o compromisso do sucesso. Eu notei nitidamente isso no
Márcio, ele parou de buscar o sucesso, esse compromisso era uma coisa cansativa pra ele,
entendeu? Ele estava afim era de ficar tocando o trompete dele. Ele criava esse ambiente
especial pra ele, entrava ali dentro daquele círculo que ele traçava e começou a viver
dentro disso. Tanto é, que no final da vida dele, quando eu vi que ele estava já com os
dias contados, como terapia, eu comecei a trabalhar as coisas que tinha no computador
dele, que eram mais de dez anos de tentativas de discos, ele estava sempre fazendo disco
e nunca acabava, entendeu? Foram mais de dez anos isso. Então, eu comecei a levantar
junto com ele as coisas que estavam no computador. Tinha muita coisa que o trompete já
estava gravado, mas que faltava isso ou faltava aquilo... Eu comecei a anotar música por
música, o que é que ele tinha e o que é que ele gostaria de fazer. Conversando sobre isso,
129
o tempo foi passando até que ele morreu. Quando ele morreu eu clonei o computador
dele, trouxe pra casa e comecei a refazer o caminho todo que ele tinha feito, incluindo
Reason, você conhece o Reason?
M: Sim.
L: Ele tinha feito muita coisa com programação MID, o Márcio quando descobriu o MID,
achou que tinha descoberto a pólvora [risos]. Ele ficava feliz pra caramba com as novas
possibilidades tecnológicas, porque justamente ele foi um cara muito ligado na questão
da tecnologia da música, né? Então, ele começou a ficar cada vez mais em casa
pesquisando essa nova forma de fazer música. Inclusive, pra mim isso é muito engraçado
porque quando ele descobriu isso aí tudo eu já estava no capitulo dez e ele vinha falar pra
mim todo entusiasmado do capitulo um. Mas enfim, a gente sentou e começamos a
desenhar o disco ideal que ele queria fazer e, eu prometi pra ele que esse disco ia ser
acabado. E foi o disco que eu fiz depois que ele morreu, que, aí eu peguei todas as nossas
conversas, estavam ali tudo escrito, cara, estava tudo já mapeado, quem ia fazer isso ou
aquilo, quem nós íamos chamar, já estava tudo pré-produzido. Eu fiz uma pré produção
com ele, entendeu? E aí, voltei à estaca zero, eu tive que remontar os sons do MID que
ele estava procurando. Porque aí que tá, o Márcio já estava trabalhando de uma forma
completamente desorganizada, então, ele não chegava aos finais dos projetos dele. Ele
estava mais interessado na pesquisa do que nos resultados, é isso. O Márcio sempre falava
ironicamente desse negócio com compromisso com o sucesso, numa coisa que ele
ironizava, sabe? Ele não estava nem um pouco interessado no sucesso social, no sucesso
comercial, ele ironizava dizendo: “A corrida pelo sucesso!”.
M: Se o Márcio tivesse tido pouco trabalho ou não tivesse uma condição financeira
favorável para se viver de música ele pensaria diferente?
L: Olha, esse será aí não existe. Não existe esse tipo de questionamento porque o cara já
morreu, entendeu? Talvez se ele tivesse vivido mais ele tivesse produzido de outra forma.
Porque a verdade é que ele era um cara também em constante mudança. O Márcio não foi
um cara acomodado, você não pode dizer que ele foi um profissional de música que pegou
um cargo na orquestra sinfônica e ficou lá recebendo salário, não era nada disso. O Márcio
era um pesquisador livre, entendeu? E ele nunca assumiu compromissos de família, filhos
e tal, coisas que fizessem ele ter obrigações financeiras, sabe?
M: Léo, muito obrigado pela atenção e colaboração para esse trabalho, possivelmente no
decorrer do mesmo, eu possa lhe procurar novamente. Mais uma vez, muito obrigado!
L: Eu só queria dizer mais uma coisa, o Márcio pra mim, ele foi também um mestre, né?
Porque o mestre não é aquele que te ensina, é com quem você aprende. Eu aprendi muito
com o Márcio, foi o que eu te falei, ele foi o cara que me fez acreditar que era possível
criar um caminho meu dentro da música instrumental brasileira, foi uma inspiração no
sentido de organizar. O Márcio tinha uma capacidade também de montar bandas, grupos
espetaculares, ele era um grande capitão de equipe, entendeu? Era um grande
comandante, ele conseguia passar toda a intenção musical dele pra banda, ele tinha um
poder muito carismático sobre os músicos, entendeu? Então, o trabalho dele era um
trabalho assim muito bem feito até um determinado ponto, um trabalho que influenciou a
mim e a maioria dos músicos que estão em atividade hoje, ele influenciou todo mundo.
Influenciou justamente com a organização, com a liberdade, com as mudanças, ele foi o
cara que abriu as portas, sabe? Ele abriu caminhos largos pra música instrumental de hoje,
eu acho que ele é um pioneiro.
130
M: O Márcio?
C: É, o Márcio.
M: No regimento onde o pai trabalhava?
C: É.
M: O Márcio teve formação militar?
C: Eu acho que não. O Márcio desde pequeno ele já era... Quer dizer, isso eu não sei
direito não. Eu acho que ele estudou no Colégio Militar mas não seguiu carreira de militar
não. Ele já era músico mesmo. Com quatorze anos ele fez o seu primeiro show
profissional.
M: Como trompetista?
C: Como trompetista. Ele começou como pianista por causa da tradição da família que
era piano, mas aí ele logo se interessou pelo trompete.
M: Existe uma gravação de um programa de televisão sobre o Free Jazz, no qual o Léo
Gandelman faz uma apresentação onde ele diz que o Márcio era filho, neto e bisneto de
músicos. Você tem alguma história sobre essa genealogia musical?
C: Não, eu sei que a avó, como eu te disse, todas as mulheres da família dele sempre
foram musicistas. Tem uma prima dele que também toca piano, é professora de piano.
M: Mora aqui no Rio?
C: Mora, ela também mora no Grajaú. Mora com a mãe dela, a Dona Nail.
M: O Márcio chegou a comentar alguma coisa desse primeiro show profissional dele?
Por exemplo, onde foi, com quem foi e etc.
C: Não. Ele só dizia que com quatorze anos estava fazendo o primeiro concerto dele.
M: Ele começou com o piano e passou para o trompete, mas como se sucedeu isso?
C: Menino, isso a Dona Nail vai saber te dizer melhor!”
M: Mas ele chegou a comentar com você se ele estudou com alguém ou alguma escola
aqui no Rio?
C: Ele estudou na Berklee, né? Eu só sei a partir daí. Mas aqui no Brasil a Dona Nail vai
saber te dizer com mais propriedade.
M: O que incentivou o Márcio a ir estudar fora do país?
C: Foi assim, ele foi fazer uma apresentação e o “Boni” quando ouviu ele tocando, ele
pirou [risos], e aí, o “Boni” ofereceu essa bolsa pra ele, ajudou ele, parece que deu a
passagem e tudo. O “Boni” disse que quando viu aquele cara tocando ele ficou tão louco
que o chamou e disse que o ajudaria. Aí ele abriu todas as portas pra ele estudar em
Berklee, então ele foi e acho que ele estudou dois anos lá. O “Boni” até diz no blog dele
que quando o Márcio chegou de volta, foi fazer um show ele deu um espetáculo maior
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ainda exibindo todas aquelas lindas notas como se fosse gratidão, agradecendo tudo o que
ele tinha feito, porque foi uma grande oportunidade pra ele.
M: Você sabe em que época ele foi?
C: Não sei te dizer exatamente, mas isso não será difícil de descobrir. Eu acho até que eu
tenho algum release que eu posso te dar, com detalhes mais preciso sobre isso.
M: O Márcio teve apoio da família na escolha da profissão?
C: A família dava todo apoio. Porque elas eram musicistas, né? Uma vez, quando ele era
criancinha, ele estava no carro com a mãe e tocou uma música no rádio e ele começou a
cantar, nisso a mãe já ligou aquele “ouvidão” e já pensou: “Nossa! É afinadíssimo”! Pra
ela isso foi um presente, né? Tanto que ela adora, o Márcio foi um filho muito querido,
porque além de músico, ele era uma pessoa muito especial. Ele sempre foi uma pessoa
fora do comum mesmo.
M: O pai também o apoiava pela escolha da profissão?
C: Eu acho que sim. E não o conheci, mas parece que o pai era bem gente boa, porque ele
amava o pai. Mas o pai faleceu muito cedo, ele faleceu montado num cavalo. A família
tem uma tradição da cavalaria e o pai tinha essa relação com cavalo. Isso faz muitos anos,
mas me lembro de que isso foi um choque pro Márcio, porque ele tinha uma relação com
o pai muito interessante. A família toda, a mãe, a tia, a família da tia são um pessoal muito
bacana e todo mundo tinha o Márcio assim como um ídolo, porque ele era um músico
fantástico.
M: Ao longo do período de convivência de vocês, como era a rotina dele de estudos?
C: Olha, o Márcio tocava todos os dias, todos os dias! O estudo dele era uma música, pra
mim pelo menos [risos]. O Márcio fazia questão de ser o melhor. Ele era considerado o
terceiro melhor do mundo, mas pra mim ele era o primeiro, porque eu andei vendo o
primeiro e o segundo e.... [risos]. Aí eu disse, não dá! Porque um tinha aquele trompete
muito agudo e o jeito, o estilo do Márcio era muito próprio, ele fazia uma música que
qualquer um podia entender. Apesar da complexidade de que ele tocava, ele fazia pra ser
ouvido, entendeu? Qualquer um se emocionava com ele, qualquer pessoa totalmente
leiga. Tudo porque ele sabia comunicar. E isso era uma coisa incrível que eu acho. Eu
acho porque tinha um sentimento, a música dele tem sentimento, é uma coisa quase
falada, é uma coisa que você entende, sabe? Eu achava isso impressionante, como ele era
um incrível comunicador musical e como pessoa também. O Márcio não tinha um show
para músico, ele tinha um show para as pessoas.”
M: Como era a dinâmica dele de ensaio, você chegou a acompanhar alguma coisa?
C: Eu assisti muitos ensaios e ele era severo com os músicos, era uma coisa incrível como
ela era General mesmo, as pessoas tinham medo dele, mas era... O André Neiva é um cara
que se você quiser conversar com ele, ele vai saber te dizer várias interessantes histórias,
né? Um dia ele me disse isso: “Cris, um dia nós estávamos ensaiando e a música estava
assim tão elevada, estava uma coisa absurda o quanto nós estávamos conseguindo uma
sintonia do conjunto, né? De repente, todo mundo de olho fechado e viajando, quando o
Márcio gritou: Para tudo. Não é possível, vocês estão acabando com a minha música.
Vamos fazer outra vez!” E o André me disse: “Cris, a gente foi pra um lugar muito mais
incrível! Eu não imaginei que pudesse ter esse lugar, eu imaginei que estava perfeito, mas
133
o Márcio não gostou [risos]”. Mas depois disse que ele fez algumas considerações, mas
ele não poupava palavras, mas tudo isso para sugar o máximo do músico. O Márcio tinha
uma frase que ele sempre dizia: “É muito bom ver uma pessoa fazer o que ela sabe de
melhor! Eu sempre sugo do músico o máximo que eu posso tirar”. Ele dizia: “Quando ele
acha que tá no máximo, eu consigo mais ainda!” O Márcio era um cara absurdamente
exigente mesmo com as pessoas, mas isso tudo porque ele também era exigente com ele
também. Ele tinha que ser o melhor.
M: Cristina, com relação à prática diária do Márcio, ao que você pôde observar, existia
uma sequência lógica, como por exemplo, aquecimento, estudos de escalas, músicas e
etc?
C: O Márcio era muito técnico, né? Ele tinha esse sentimento, mas tinha uma precisão.
Eu acho que tinha muita lógica sim, uma lógica matemática sim no que ele fazia, era uma
coisa muito brilhante.
M: Ele tinha muitos materiais, métodos?
C: Tinha, ele tinha muita coisa. Ele tinha um guarda-roupa lotado de coisas e logo quando
ele morreu, eu dei algumas coisas para um trompetista que era muito amigo do Márcio.
Algumas coisas eu guardei e outras eu dei para esse meu amigo de Brasília para ele
digitalizar e colocar nesse livro.
M: Como o Márcio compunha?
C: Ele compunha ao piano. Ele sabia tocar piano. Ele tinha um teclado, tinha um
tecladinho de brinquedo que ele chamava de “perereca”, tinha o piano e o trompete.
Então, na performance dele, além dele ter um pianista, ele levava o piano dele. Agora ele
sempre estava compondo uma coisa ou outra. Depois que nós nos casamos, ele fez esse
disco, fez esse outro disco que o Léo Gandelman produziu e devem ter ficado algumas
coisas pelo caminho.”
M: Ele comentava sobre fonte de inspiração?
C: Ele gostava muito do mar de Angra, então, Angra, barco, essas coisas eram a grande
inspiração dele. Ele dizia: “Quando eu morrer, podem me jogar no mar de Angra”. Então
ele ia pra lá e levava o trompete. O trompete ele carregava pra cima e para baixo [risos].
M: O Márcio teve uma participação muito ativa na indústria fonográfica, gravando com
diversos cantores. Dentre todos eles, teve algum cantor muito próximo dele?
C: Eu sei que todos os cantores queriam tocar com ele, né? Queriam que tivesse uma
“canja” do Márcio. Primeiro porque quando ele chegava aos estúdios para gravar,
enquanto ele fazia assim, o pessoal já estava gravando e muitas das vezes já era aquilo,
não precisava mais nada. E o Márcio, ele só ouvia um pedacinho da música, só o trecho
que ele iria gravar e já era. Por isso que ele gravava com todo mundo. Gravou com muita
gente.
M: Qual teria sido a maior influência do Márcio, uma pessoa que ele admirasse muito
musicalmente?
C: Isso eu não vou saber lhe dizer direito, mas quando eu cheguei de Brasília pra cá, eu
tinha meus ídolos e logo quando eu cheguei ao Rio eu disse pra ele que eu gostaria de
conhecer fulano, beltrano e tal... E ele me disse assim: “Você tem certeza que você quer
134
conhecer?” Não queria conhecer os seus ídolos. Porque ele disse que o ídolo dele ele
conheceu nos Estados Unidos, foi lá, fez a maior confusão para ir ao show, depois foi ao
camarim falar com o tal do ídolo, que eu não me lembro quem é, e me disse que fez um
convite, convidando-o para vir ao Brasil e tal, mas o homem foi tão estúpido que o Márcio
deixou de ser fã dele. A partir daí, o Márcio lançou um provérbio assim: primeiro a pessoa
tem que ser gente fina e depois tocar pra caralho [risos].
M: Cristina, conseguimos avançar bastante aqui, porém, existem umas coisas bem
específicas que eu terei de conversar com alguns músicos com quem o Márcio trabalhou,
mas de qualquer forma, muito obrigado por disponibilizar o seu tempo e me receber em
sua casa. Seria possível tirar algumas fotografias dos instrumentos do Márcio, caso vocês
ainda os tenha guardado?
C: Sim, claro! Aliás, o Márcio cuidava desses instrumentos, vivia limpando e lavando!
Você já ouviu falar no Klein? Foi um grande músico! Ele tinha uma admiração
pelo meu sobrinho. Ele dizia assim: “Você vai da música erudita ao jazz”. O jazz é muito
difícil, é muito difícil!
O Márcio tocou muito também com o Nelson Freire, considerado o maior
pianista mundial. O Márcio dizia assim: “O Nelsinho, Titia... O Nelsinho tem a piscina
dele e aqui o piano, ele vai à piscina e vem pro piano, vai à piscina e vem pro piano”. Eles
são fanáticos pelo trabalho que realizam. É o que o meu sobrinho era. O Marcinho era
muito admirado e respeitado! E como ele respeitava o bom músico! Nas apresentações
em que eu estive presente, ele sempre fazia uma alusão a nós, né?
Beth: O Marcinho foi fazer escola de música, né? Minha tia era professora lá na Escola
Nacional de Música. Naquela época só existia um professor de trompete, o professor
Rubens Brandão. Mas o Rubens não aguentou com o Márcio [risos]. A preocupação da
minha tia era de que o Márcio tivesse um diploma, sabe como é que é, né? A gente fica
preocupada, ainda mais nesse país... O professor Rubens disse que não tinha nada a
ensinar ao Márcio! E realmente, o Márcio estava anos luz na frente do Rubens. Isso foi
depois que ele voltou da Berklee, porque minha tia cismou que ele tinha que ter um
diploma de qualquer jeito. Ela enchia o saco dele, mas ninguém podia com o Márcio, né?
Ele estudou um pouco na Escola Nacional, mas não chegou a completar, não.
O Márcio estudou uma época no Colégio Militar, você imagina o caos que não
era né [risos]? O meu tio era militar, então, volta e meia ele era chamado no Colégio
porque o Márcio fugia das aulas para tocar na Banda. E foi assim que ele começou a tocar
trompete. Aí meu tio deu um trompete pra ele. O Sargento colocava presença pra ele...
Na escola não entendiam, porque que ele tinha presença se não tinha comparecido às
aulas, por isso, o meu tio era chamado na escola [risos]. Aí, desistiram de Colégio Militar
pro Márcio! Não era o perfil dele, não adianta.
Marcelo: Dona Nail, como se iniciou a trajetória musical na família?
N: Desde minha avó, que foi aluna de Arthur Napoleão. Depois foi minha mãe, que foi
aluna de Henrique Oswaldo, depois foi a mãe dele que foi aluna de Góes, todos
professores da Universidade. Mas naquele tempo não era Universidade, era Instituto
Nacional de Música e depois Escola de Música. Aqui em casa era assim, aniversariou, as
pessoas tocam, cantam e recitam. Um toca violino, outro toca violão, outro toca piano,
outro toca acordeom, aqui festa era assim, não era só comer e bater papo, não, tinha que
ter o sarau. Pra você ter uma ideia, eu tive aqui em casa tocando sabe quem? Pixinguinha.
Comendo feijoada! Mamãe tocava e tinha um ouvido maravilhoso, ouvia todas as notas!
Ela tocou no cinema mudo, vendo o Carlitos e tocando [risos]! Ela sempre incentivou
música, pra você ter uma ideia, no colégio poderia tirar cinco, mas na escola de música
tinha que se tirar dez. Música pra ela era o principal e o resto era complemento de
educação.
B: Eu acho que a grande responsável pela música foi a minha avó, minha bisavó tocava
também, mas minha avó era uma pessoa que incentivava, achava lindo e ela ficava
pegando no nosso pé pra gente tocar. Ela foi a grande responsável por nós termos feito
música. Só eu e o Márcio seguimos carreira, todos os outros irmãos dele tocaram e
gostavam muito de música, mas não seguiram. Pra você ter uma ideia, toda festa aqui em
casa a minha avó ficava ali e dizia para gente ir tocar, ficava nos chamando! Agora, de
onde vem eu não sei, porque eu já conheci minha bisavó tocando [risos]!
M: Dona Nail, o pai do Márcio o apoiava?
136
N: Sim, existia uma aceitação total! Mas quando ele era menino, não, ele queira que o
Márcio fizesse colégio militar, mas ele fugia como eu acabei de contar [risos]. Ele chegou
a ser reprovado. Os outros dois irmãos terminaram o colégio militar, mas ele não.
M: O Márcio manteve o estudo do piano?
N: Não, ele não estudou piano, ele tocava, estudou um pouco, mas não se interessou. Ele
tocava um pouco de tudo, o que você desse a ele, ele tocava. Pra você ter uma ideia, um
dia fizemos uma viagem até Manaus, toda a família. Lá ele viu um berimbau e disse que
conseguia tocar o instrumento. Quando chegamos aqui no Rio, meu marido deu um
berimbau a ele e disse que iria trabalhar, disse também que daria cinquenta cruzados ao
Márcio se ele tocar o berimbau quando meu marido retornasse. Quando o Márcio voltou
do trabalho ele pediu à minha mãe para tocar alguma coisa no piano que ele iria
acompanha-la no berimbau. Não é que ele tocou e ganhou os cinquenta cruzados! Na
viagem ele tocava toda noite, mamãe tocava piano, meu filho tocava bateria, Márcio no
trompete, ele ganhou do comandante uma estrela com o símbolo da marinha.
M: Quantos anos o Márcio morou na casa da senhora?
N: Ele sempre morou aqui conosco, ele saiu daqui para fazer Berklee, nos EUA, quando
voltou ele se casou e foi morar com a Cristina.
M: Foi uma bolsa que ele teve para estudar fora do país ou teve um custeamento de vocês?
N: Os pais o ajudavam, não tenha dúvida. Eu nunca precisei ajudar, porque minha irmã
era professora da UFRJ e meu cunhado era Coronel, então, eles tinham condições de
ajudar o filho.
M: Dona Nail, caminhamos bastante em nossa conversa, daqui pra frente são questões
muito específicas do instrumento que eu encontrarei através das análises dos solos do
Márcio. Agradeço muito a sua atenção em nos receber em sua casa. Muito obrigado!
N: Obrigada você, meu filho! Que você possa realizar um bom trabalho!
Marcelo: Christina, qual a era a sua ocupação no momento em que você conheceu o
Márcio?
Christina: Bom, nós nos conhecemos muito jovens, fomos muito amigos e até ele ir aos
EUA e eu ir também, lá nos nós nos juntamos, nunca fomos casados legalmente, aliás,
ele nunca foi casado legalmente com ninguém [risos]. Ainda éramos estudantes quando
nós nos conhecemos, ele estudava no Colégio Militar, então, eu ainda não tinha formação
nenhuma. Depois eu fui fazer outras coisas e tal... Quando eu viajei para os EUA, eu
larguei o trabalho, larguei o que eu tinha, para viver esse sonho de morar fora com ele e
tal. Ele ia estudar na Berklee e, coisas que a gente faz quando é jovem [risos], eu larguei
um excelente emprego, mas foi muito útil, porque hoje eu ganho a vida muito pelo que
eu aprendi lá e pelo nível que meu inglês chegou, porque eu aprendi morando lá. Isso já
tem bastante tempo, hoje em dia eu sou tradutora tem quase vinte anos. Ele também nessa
época tinha uma relação com a Célia Maira Vaz, que é guitarrista e violonista, que
137
também é minha amiga hoje em dia, e estudaram juntos na Berklee. Essa época é muito
rica, porque o Vitor Assis Brasil estava lá, o Claudio Roditi estava lá, o Vitor tinha uma
orquestra muito legal, um bandão de jazz, enfim, isso foi em 1972, foi uma época muito
rica. Eu não tenho muito certeza, você terá de verificar isso, mas quando a gente ouviu a
primeira vez pedais de wah-wah, essas coisas todas, eu acho que foi com o Miles Davis
que tocou lá. Boston tinha muitos músicos, o Weather Report se apresentou lá.. Espere!
me deixa achar aqui meu e-mail... Então, muita coisa moderna apareceu lá. Então, eu não
me lembro direito se foi a primeira vez que a gente ouviu aquela coisa ao vivo com o
Miles Davis ou não. Isso você vai ter que ver se em 1972 ele já usava essas coisas ou não.
Aí voltamos pro Brasil e eu comecei a trabalhar com o Márcio, porque como ele começou
a tocar na noite, fazer gravações, essas coisas todas, não dava pra ele ter uma vida muito
comum de escritório e de trabalho. Então daí, eu ter produzido shows e produzido as
músicas, produzido os discos, sempre mais ou menos aparecendo, mais ou menos não. E
o Stone Alliance, esteve aqui, como eu te mandei por e-mail, eles foram convidados, eu
não me lembro se foi pelo consulado, não me lembro nem quem levou a gente lá, acho
que foi o Salomão, mas não tenho muita certeza, que era um agente que trabalhava numa
gravadora, acho que na CBS, não tenho muita certeza. E a gente foi assistir num lugar,
acho que em Copacabana, não era nem no Teatro... E aí, eles se apaixonaram, o Gene
Perla meio que já conhecia alguma coisa e resolveram fazer esse disco. Como na época o
Márcio tinha tocado com o Hermeto, ou ainda tocava, então chamou o Hermeto, e outra
rapaziada. Então, eles ficaram encantados uns com os outros e combinaram essa gravação,
foi tudo uma coisa muito rápida e muito criativa. Eram pessoas muito criativas. Eles
ficaram aqui um tempão, eu esqueci quanto tempo, eles foram ficando... Depois, esse
disco terminou de ser mixado lá na fazenda do Gene Perla e do Jan Hammer, que tinha
um estúdio fabuloso no meio do mato, era um lugar chamado Peterson, uma micro
cidadezinha ao norte de Manhattan. Ficamos lá, acho que um mês inteiro na casa deles
mixando esse negócio e ficou realmente um disco muito interessante. Eles precisavam de
uma foto pra capa e eu tirei a foto lá mesmo. Pra minha surpresa, puseram crédito pra
mim [risos]! Foi um disco autoral deles todos, porque eram todos muito novos. O Perla e
o Don Alias são mais velhos, o Steve Grossman tinha a idade da gente, mais ou menos.
Depois ele acabou indo pra Argentina, casou-se com uma moça lá que eu acho que
chamava Graziela ou coisa assim, mas era uma época muito de Rock and roll e drogas e
tudo mais e então Steve Grossman meio que se perdeu um pouco, foi o que pegou mais
pesado deles todos. E assim foi feito o disco, quer dizer, todo mundo topou o convite, foi
um disco feito... Eu nem me lembro quem estava bancando isso porque... Bom, realmente
eu não me lembro. Eu sei que todo mundo topou, todo mundo tocou e ficou um trabalho
excelente, muito adiantado pra época.
M: Christina, o Márcio falava inglês já?
C: Sim, falava.
M: Houve uma bolsa pro Márcio ir estudar nos EUA?
C: Houve uma bolsa na época, é comum, era uma bolsa de estudos, na época... Bom, eu
não me lembro dos detalhes todos, mas ele vendeu o fusca que ele tinha e já trabalhava
bem aqui, já se trabalhava bastante, teve também um pouco da ajuda do pai, no caso dos
pais, e depois do meu pai também um pouco, mas basicamente, ele trabalhava um pouco,
fez alguns shows, fez alguns conjuntos, algumas poucas apresentações que dava para
fazer e vivemos, quer dizer, era uma vida possível naquele tempo. Não se tinha carro, era
bicicleta!
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amigo até hoje. Então, foi isso, não tinha aqui no Brasil nada que pudesse suprir essa
necessidade. Isso foi em 1972, não tinha outra opção, ou era Berklee ou era Berklee
[risos].
M: Como era o relacionamento do Márcio com os colegas estrangeiros?
C: Muito bom! O Márcio sempre teve muita facilidade de comunicação, um senso de
humor extraordinário, então, tinha de tudo um pouco. Tinha uns brasileiros, estavam lá o
Zeca Assumpção, tinha o Claudio Caribé, a Celinha, o Vitor, que nós víamos quase todos
os dias, o Claudio Roditi, que já era amigo dele. Então era assim, um bando de gente
jovem, sem grana e ouvindo música o tempo todo, ouvindo os melhores! Então, acho que
foi isso, o chamado de estar onde o jazz acontecia e, depois, era lá ou lá!
M: Você saberia me dizer as principais influências musicais do Márcio?
C: Com certeza Freddie Hubbard, Charlie Parker, esses caras todos da antiga. Ele
respeitava muito o Louis Armstrong. Eram esses caras todos. Ele decorava esses solos,
ele tirava esses solos todos. Além da vantagem de que ele toca piano muito bem e violão,
aliás, ele tocava qualquer coisa.
M: Desses ídolos todos, ele chegou a conhecer alguém pessoalmente?
C: Sim, conheceu! Conheceu Freddie Hubbard um pouco, encontramos o Dizzy,
conhecemos o Art Blakey, conhecemos o Roy Eldridge, fomos a casa dele, inclusive ele
estava sem poder tocar por conta de um infarto, ah, um monte... Eu não me lembro. Agora
os mais novos ficaram muito amigos. Ele era muito amigo do Randy Brecker, que ainda
é meu amigo. O Randy manteve a amizade até o fim da vida do Márcio. Eu estive com o
Randy na última vez que fui à Nova Iorque, isso já tem dois anos. Conhecemos muita
gente por causa de um amigo do Márcio que tocava trombone, ele sempre gravava com
esse pessoal todo e sempre convidava o Márcio para assistir.
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Anexo 3 - Cd