Ao longo do tempo, os subúrbios[1] tiveram vários inimigos, mas talvez nenhum
deles foi tão capaz de impor-lhes sua versão do que o Partido Comunista da União Soviética. Em sua tentativa de refazer uma Rússia de vilarejos antigos e cidades provinciais, os Soviéticos favoreciam as grandes cidades — quanto maior, melhor — e políticas que eram no mínimo remanescentes da filosofia de “empacotar e empilhar,” políticas tão populares entre urbanistas e construtores hoje em dia. Algumas dessas políticas tomaram forma numa rápida urbanização das áreas rurais. Sob a ordem de Joseph Stalin na União Soviética nos anos de 1929 a 1953, dezenas de “cidades socialistas” foram fundadas perto de novas e expansivas siderúrgicas. Essas siderúrgicas foram construídas para acelerar a industrialização, a fim de produzir vastas quantidades de armamento. Tais políticas, conta a historiadora Anne Applebaum, representaram “as mais abrangentes tentativas de impulsionar a criação de uma verdadeira civilização totalitária” dos ideais comunistas soviéticos, trazendo o campesinato para aumentar a classe trabalhadora da Rússia. Construídos a partir do zero, esses complexos de fábrica, afirma Applebaum, “foram projetados para provar, definitivamente, que quando desimpedido por relações econômicas preexistentes, o planejamento central poderia produzir um crescimento econômico mais rápido que o capitalismo”. Como às vezes é afirmado por urbanistas hoje em dia, as novas cidades socialistas não se tratavam apenas sobre crescimento econômico; elas eram amplamente usadas como meios para desenvolver um novo modelo de sociedade, um que poderia tornar possível a disseminação do Homo sovieticus (o homem Soviético). Assim como afirma um historiador alemão, a cidade socialista era um lugar “livre de cargas históricas, onde um novo homem vinha a existência; a cidade e a fábrica eram os laboratórios de uma futura sociedade, cultura e estilo de vida”. Elementos de uma cultura extremamente stalinista eram evidenciados nessas cidades; o culto a indústria pesada, o movimento operário russo[2], atividades de grupos jovens e a estética do realismo socialista. Essa abordagem não abria brecha para o que é chamado pelos britânicos de “paisagem intermediária” entre o campo e a cidade. Ao longo da Rússia e grande parte da Europa Oriental, conjuntos habitacionais eram escolhidos ao invés de subúrbios arborizados. Os soviéticos não tinham nenhum interesse em nenhum tipo de subúrbio pois para eles, a marca de uma cidade é que “pessoas vivem uma vida urbana. E nos limites da cidade ou fora da cidade, eles vivem uma vida rural”. Uma vida rural era exatamente aquilo que os soviéticos queriam que o país se afastasse, portanto os urbanistas soviéticos alojaram os moradores próximos de terrenos industriais para que estes contribuíssem para o país através de trabalho patrocinado pelo Estado. Com essa pretensão, os urbanistas soviéticos seguiram alguns passos lógicos para promover densidade populacional. Eles construíram enfermarias e pré-escolas assim como teatros e quadras de esporte com uma distância que dava para ir a pé das casas dos trabalhadores. Áreas de alimentação comunais também foram instaladas. Além disso, a criação de amplas avenidas foram cruciais para as marchas e para os trabalhadores terem um caminho bem evidente ao sair e entrar das fábricas. Os objetivos dos urbanistas para a “cidade socialista” não era apenas transformar o planejamento urbano, mas o comportamento humano; pois implementar esses espaços criariam o “homem urbano”. Como é comum das abordagens utópicas para as cidades, problemas surgem. Rápido desenvolvimento, a velocidade de construções, uso de expedientes noturnos, longos dias de trabalho e a inexperiência de trabalhadores e administradores contribuíram para frequentes falhas tecnológicas. Oposto a propaganda feita, existia uma imensa lacuna entre o ideal de trabalhadores felizes prosperando em cidades bem administradas e a realidade. Se os arquitetos de hoje em dia as vezes ficam obcecados perante a qualidade de produção e de design, a campanha soviética para expandir um urbanismo denso tinha pouco apreço pela estética. Menos de um ano após a morte de Stalin, em Dezembro de 1954, Nikita Khrushchev preparou uma campanha para promover a “industrialização da arquitetura”. Ele falou muito sobre construções pré-fabricadas, concreto armado e apartamentos padronizados. Ele não se importava com aparências, focando apenas na construção de moradias pois era o que as pessoas precisavam. Blocos de torre pré-fabricados chamados de Plattenbau em alemão e panelaky em tcheco e eslovaco, foram construídos por toda a União Soviética e em seus estados satélite. Originalmente, esses apartamentos eram para alojar famílias que trabalhavam para o Estado. Em 1957, um grupo de acadêmicos de arquitetura da Universidade de Moscou publicaram um livro chamado Novye Elementy Rasseleniia ou “Novos Elementos de Habitação” em tradução livre. Esse time de arquitetos e planejadores urbanos – composto Alexei Gutnov, A. Baburov, G. Djumenton, S. Kharitonova, I. Lezava, S. Sadovskij — ficou conhecido como o “Grupo NER”. Em 1968, eles foram convidados para a Milan Triennale[3] por Giancarlo de Carlo[4] para apresentar seus projetos para uma cidade comunista ideal. Em cooperação com um grupo de jovens urbanistas, arquitetos, e sociólogos, eles criaram uma edição italiana do livro sob o título de Idee per la Citta Comunista. Alexei Gutnov e seu time decidiram criar uma “agenda espacial concreta para o Marxismo”. No centro da Cidade Comunista estava a “Nova Unidade de Assentamento” (NUS, na sigla original) descrita como “um projeto para uma cidade verdadeiramente socialista”. Gutnov estabeleceu quatro princípios fundamentais ordenando seu projeto. Primeiro, eles queriam mobilidade igual para todos os residentes, com cada setor estando a igual distância do centro da comunidade e da área rural ao seu redor. Segundo, distâncias de uma área de parque ou para o centro foram planejadas em uma escala de pedestres, garantindo a capacidade de todos poderem ir a pé, dentro do possível, a qualquer lugar. Terceiro, o transporte público iria operar em círculos fora da área de pedestres, mas permaneceria ligado centralmente ao NUS, para que os moradores pudessem ir de casa para o trabalho e vice-versa facilmente. E por último, cada setor deveria estar cercado por áreas abertas em pelo menos dois lados, criando um cinturão verde. Gutnov reconhecia o atrativo dos subúrbios — “…condições ideais para descanso e privacidade são oferecidos por casas individuais situadas no meio da natureza…” — mas rejeitava o modelo habitual presente nos Estados Unidos e em outros países capitalistas. Subúrbios, ele argumentava, não eram praticáveis numa sociedade que prioriza igualdade; afirmando que “a tentativa de fazer uma vila disponível para o consumidor médio significa construir um aglomerado de pequenas casas, cada uma em um pequeno pedaço de terra… A construção em massa de casas individuais, porém, destrói a característica principal desse tipo de moradia.” A preocupação principal destes urbanistas era garantir a igualdade social. Isso tem sido visto em suas preferências por transporte público ao invés de veículos próprios privados, apartamentos lotados e aglomerados em vez de casas particulares com poucos vizinhos, e maximizando áreas comuns. Tais críticas à expansão suburbana têm certa ressonância nos escritos dos urbanistas que defendem o “crescimento inteligente” hoje. Ambos veem benefícios em moradias com elevada densidade de pessoas. Em uníssono, eles argumentam que é mais equitativo para que todos, não importa a que classe social pertençam, possam viver no mesmo tipo de edifícios. Alguns novos urbanistas também simpatizam com a ideia de comunidades de renda mista. Além do mais, ambos vêem sua comunidade ideal utilizando incrementos de uso misto, assegurando às pessoas fácil acesso a serviços públicos como creches, restaurantes e parques, criando menos necessidade de espaços privados. Similarmente, os novos urbanistas também afirmam que seus planejamentos urbanos promoveriam um melhor senso de comunidade. Claro, é fácil ir longe demais com essas analogias. Até mesmo os mais estridentes novos urbanistas e defensores do crescimento inteligente não simpatizam em nada como o monopólio de poder que foi concedido aos líderes comunistas. E também, nem todas as ideias dos novos urbanistas, e mesmo dos criadores da Cidade Comunista Ideal, são desprovidas de mérito. As ideias de caminhabilidade, proximidade a serviços e lazer, são adaptáveis até mesmo em planos urbanísticos privados. Mas os perigos de se colocar a ideologia antes do que as pessoas preferem são evidentes, seja na Rússia do século XX ou na América de hoje.
[*] Alicia Kurimska. “Looking Back: The Ideal Communist City.” New Geography, 20 de Janeiro de 2015.
Tradução: Isabella Pires
[1] N.T.:O texto fala sobre subúrbios, principalmente relacionados a visão de
mundo socialista, e na cultura brasileira é comum a classificação de subúrbios em periferias ou áreas com grande aglomerado de pessoas ao redor do meio urbano. Entretanto, o conceito de subúrbio nesse texto se refere ao entendido pelos países desenvolvidos, no qual se define por uma localização residencial na qual desfrute de um espaço confortável, calmo e perto da natureza, relativamente próximos do centro urbano.