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Ensino de História
Indígena
ANPUH - Brasil
Representante da ANPUH/Brasil no
Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ)
Ismênia de Lima Martins – UFF (Titular)
Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira – UERJ (Suplente)
Revisão: Armando Olivetti
Diagramação: Flavio Peralta (Estúdio O.L.M.)
Ensino de História
Indígena
Revista História Hoje vol. 1 no 2, issn 1806-3993 • Biênio: Agosto de 2011 a Julho de 2013
Editora Responsável
Patrícia Melo Sampaio – UFAM
Conselho Editorial da RHHJ
Andréa Ferreira Delgado – UFSC
Ângela Maria de Castro Gomes – UFF
Circe Maria Fernandes Bittencourt – USP
Dilton Cândido Santos Maynard – UFSE
Eduardo França Paiva – UFMG
Flávia Eloisa Caimi – UFPF
José Miguel Arias Neto – UEL
Josenildo de Jesus Pereira – UFMA
Keila Grinberg – UNIRIO
Luiz Carlos Villalta – UFMG
Marcelo de Souza Magalhães – UniRio
Mauro Cézar Coelho – UFPA
Mônica Lima e Souza – UFRJ
Nilton Mullet Pereira – UFRGS
Susane Rodrigues de Oliveira – UnB
Conselho consultivo da RHHJ
Ana Livia Bomfim Vieira – ANPUH-MA
Antonio Jacó Brand – ANPUH-MS
Carla Mary da Silva Oliveira – ANPUH-PB
Chrislene Carvalho dos Santos – ANPUH-CE
Claudira do Socorro Cirino Cardoso – ANPUH-RS
Cristiano Pereira Alencar Arrais – ANPUH-GO
Franciane Gama Lacerda – ANPUH-PA
James Roberto Silva – ANPUH-AM
Janete Ruiz de Macedo – ANPUH-BA
José Antonio Vasconcelos – ANPUH-SP
Laurindo Mékie Pereira – ANPUH-MG
Marcelo Balaban – ANPUH-DF
Marcos Silva – ANPUH-SE
Osvaldo Batista Acioly Maciel – ANPUH-AL
Sandra Paschoal Leite de Camargo Guedes – ANPUH-SC
Yonissa Marmitt Wadi – ANPUH-PR
Secretária da RHHJ
Paula Dantas – UFAM
Endereço na Web: http://rhhj.anpuh.org/ojs/index.php/RHHJ/index
Email: rhhjsecretaria@anpuh.org e rhhjeditor@anpuh.org
A Revista História Hoje publica artigos relacionados à temática de História e Ensino com a
finalidade de promover a divulgação de reflexões, projetos e experiências nesta área e também criar
um espaço institucional de debate relativo aos campos de trabalho dos profissionais de História.
Sumário
Apresentação 7
Patrícia Melo Sampaio – Editora
Entrevista
Entrevista: Gersem José dos Santos Luciano – Gersem Baniwa 127
Maria Aparecida Bergamaschi
Artigos
Livro didático de História: representações do ‘índio’ e contribuições para a alteridade 151
Maria de Fátima Barbosa da Silva
E-storia
E-storia 249
Dilton C. S. Maynard e Marcos Silva
Resenhas
Os índios na história política do Império: avanços, resistências e tropeços 269
Vania Maria Losada Moreira
Apresentação
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Apresentação
Amazonas, reúne grande parte dos elementos que têm pautado o debate sobre
o tema da escola indígena nas últimas décadas no Brasil. Além disso, as orga-
nizadoras também selecionaram para a seção História Hoje na Sala de Aula
o relato de Antonia Terra de Calazans Fernandes e suas experiências no “En-
sino de história e a questão indígena”.
Na seção Artigos, intensifica-se o debate sobre as dimensões da Lei
11.645/2008, como veremos nos artigos de Maria de Fátima Barbosa da Silva,
“Livro didático de História: representações do ‘índio’ e contribuições para a
alteridade”, e de Edson Silva, “O ensino de História Indígena: possibilidades,
exigências e desafios com base na Lei 11.645/2008”. Vale chamar a atenção
para os textos de Antonio Carlos de Souza Lima, “A Educação Superior de
Indígenas no Brasil contemporâneo: reflexões sobre as ações do Projeto Trilhas
de Conhecimentos” e de Jane Felipe Beltrão, “Histórias ‘em suspenso’, os Tem-
bé ‘de Santa Maria’: estratégias de enfrentamento do etnocídio ‘cordial’”. Mar-
ca a novidade de suas abordagens o fato de que estamos diante de uma pers-
pectiva diferenciada, considerando que são trabalhos produzidos no campo da
Antropologia e, deste modo, permitem-nos abordar as questões que norteiam
este número com um novo olhar.
Por fim, as Resenhas de Vania Maria Losada Moreira, “Os índios na his-
tória política do Império: avanços, resistências e tropeços”, e de Antonio Sim-
plicio de Almeida Neto, “Indígenas na História do Brasil: identidade e cultura”,
fecham o número apresentando-nos as possibilidades de leitura e os avanços
de trabalhos recentes sobre a História Indígena no Brasil.
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Apresentação
Circe Maria Fernandes Bittencourt*
Maria Aparecida Bergamaschi**
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Apresentação • Dossiê
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Circe Maria Fernandes
Apresentação • Dossiê Bittencourt*Maria Aparecida Bergamaschi
sobre o trabalho, graças à memória oral de povos cuja história se perpetua pelas
narrativas de uma tradição oral.
Nessa dimensão dos estudos históricos, o artigo “Os índios na História do
Brasil no século XIX: da invisibilidade ao protagonismo”, da historiadora Ma-
ria Regina Celestino de Almeida, apresenta uma reflexão que nos permite com-
preender e pensar sobre o lugar dos índios na história do Brasil, considerando
sua invisibilidade enquanto sujeitos históricos no século XIX e o protagonismo
crescente revelado pela historiografia atual. A autora analisa como os discursos
e imagens sobre os índios, que contribuíam para lhes retirar o papel de sujeitos
históricos no decorrer dos séculos XIX e XX, vão sendo lentamente desmon-
tados em nossos dias, passando da invisibilidade para o protagonismo con-
quistado e restituído por movimentos políticos e intelectuais, nos quais eles
próprios têm tido intensa participação, principalmente a partir da década de
1990.
No enfrentamento de revisão da história da catequese colonial em que
predomina com exclusividade a ação dos missionários mesmo que analisada
sob uma vertente em que se critica o processo de destruição cultural por eles
promovido, apresenta-se o artigo de Fernando Torres-Londoño “Outra redu-
ção: a dinâmica interétnica na Limpia Concepción de Jeberos, nas missões je-
suíticas do Marañon no século XVII”. Nesse artigo o historiador Torres-Lon-
doño, com base nas cartas jesuíticas, percorre a atuação do povo indígena
Jebero em uma missão jesuítica na Amazônia do século XVII e suas formas de
enfrentamento com os missionários. O autor indaga como os diversos povos
indígenas que interagiram com os missionários entendiam as missões, e até
que ponto compartilhavam da visão dos brancos. Nessa perspectiva há uma
análise com inversão de olhares e de consideração de expectativas, deslocando
a ênfase da ação dos missionários para a dos índios. E, ao realizar esse deslo-
camento – do olhar dos índios em relação aos missionários – torna possível
um entendimento mais complexo das missões religiosas como lugares de re-
definição das relações interétnicas e se percebe a dinâmica de negociações
constantes entre jesuítas e lideranças indígenas que atinge também as ações
dos colonizadores em suas guerras de conquista e ocupação territorial.
O tema educacional apresenta-se como relevante para estudos sobre a
história dos povos indígenas, concebendo o significado do processo de esco-
larização como fundamental na história da integração de grupos de ‘selvagens’
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Apresentação • Dossiê
1
BRASIL. Lei 11.645, de 10 mar. 2008. Grifo nosso.
2
OIT. Convenção no 169 sobre povos indígenas e tribais em países independentes e Resolução
referente à ação da OIT sobre povos indígenas e tribais. 2.ed. Brasília, 2005. p.47-48.
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Os índios na História do Brasil no século XIX:
da invisibilidade ao protagonismo1
Indians in the 19th century History of Brazil:
from invisibility to protagonism
Maria Regina Celestino de Almeida*
Resumo Abstract
Com o objetivo de refletir sobre o lugar Aiming to reflect on the place of Indians
dos índios na história, considerando sua in history, considering their invisibility
invisibilidade enquanto sujeitos históri- as historical agents in the nineteenth
cos no século XIX e o protagonismo cres- century and their growing protagonism
cente revelado pela historiografia atual, o revealed by current historiography, this
artigo analisa de forma conjunta questões
article jointly analyzes matters related to
relativas à política indigenista do Impé-
the Empire indigenous policy, the in-
rio, à cultura política indígena, ao nacio-
digenous political culture, the national-
nalismo e à etnicidade, enfocando a pro-
blemática das controvérsias e imprecisões ism and ethnicity, focusing on the issues
sobre as classificações étnicas e os confli- of controversy and inaccuracy on ethnic
tos de terra nas antigas aldeias coloniais. classifications and land conflicts in the
Palavras-chave: política indigenista do erstwhile colonial indigenous villages.
Império; cultura política indígena; etni- Keywords: Empire indigenous policy;
cidade. indigenous political culture; ethnicity.
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à aliança com os portugueses, bem como a ação política coletiva em busca dos
direitos que lhes tinham sido dados.17 Apesar das misturas, afirmavam, como
informam os documentos, a identidade indígena que naquele mundo contur-
bado lhes garantia a vida comunitária e a terra coletiva. Mantinham o senti-
mento de comunhão étnica, desenvolvido na experiência comum do processo
de territorialização nas aldeias coloniais, no sentido dado por Pacheco de Oli-
veira (1999). Assim, podiam identificar-se ou serem identificados como índios
ou como mestiços, conforme circunstâncias e interesses. Mestiços ou índios,
os aldeados chegaram ao final do século XVIII e ao XIX agindo com base em
uma cultura política que, originária de um processo de mestiçagem, funda-
mentava-se na identidade indígena construída nas aldeias coloniais.
Isso pode ser verificado em estudos recentes sobre o Rio de Janeiro, o
Espírito Santo e várias províncias do Nordeste. A razão principal que os unia
em torno do objetivo de manter as antigas aldeias decorria, a meu ver, do fato
de elas ainda constituírem, nesse período, espaço de proteção. Ali, ainda ti-
nham garantidos, além da terra e de seus rendimentos, a vida em comunidade.
Numa ordem social rigidamente hierárquica e escravocrata, tais direitos de-
viam ser muito atraentes. Apesar de transformados, misturados e vivendo em
aldeias pobres e decadentes como afirmam muitos relatos, os índios aldeados
mantiveram-se como tais durante pelo menos mais um século após as reformas
de Pombal. Lutavam (eventualmente com apoio de algumas autoridades civis
e eclesiásticas), juridicamente, para manter suas aldeias contra a forte pressão
que se fazia no sentido de extingui-las.
Observa-se, então, que controvérsias e contradições sobre classificações
étnicas dos índios nas categorias de índios ou misturados (mestiços), já pre-
sentes na documentação e em disputas por terras nas aldeias do Rio de Janeiro
desde o século XVIII, iriam se tornar muito mais frequentes. Essas controvér-
sias envolviam direitos, pois o fato de ser índio permitia manter as terras co-
letivas e o patrimônio das aldeias, ao passo que ser mestiço significava perdê-
-los. Os argumentos dos atores para garantir ou negar direitos aos índios
faziam-se, cada vez mais, em torno das classificações étnicas. Para justificar a
extinção das aldeias, construía-se o discurso da mistura e do desaparecimento
dos índios. Estes últimos, por sua vez, respondiam reivindicando direitos com
base na identidade indígena construída no processo da colonização. Para os
índios, a igualdade significava o fim de um status jurídico-político específico,
graças ao qual distinguiam-se dos demais segmentos sociais e que, apesar dos
limites, dava-lhes proteção e alguns direitos especiais, sobretudo à terra cole-
tiva. Por essa razão, disputas por classificações étnicas podem ser entendidas
como disputas políticas e sociais, como destacou Guillaume Boccara (2000).
Na segunda metade do século XIX, a intensa correspondência oficial entre
autoridades do governo central, das províncias e dos municípios é reveladora
da preocupação do Estado em obter o máximo de informações possíveis sobre
os aldeamentos e os índios com o nítido objetivo de dar cumprimento à polí-
tica assimilacionista, a ser implementada conforme as situações específicas de
cada região. Não é de estranhar, portanto, que o conteúdo desses documentos
insistisse tanto na decadência, miserabilidade e diminuição dos índios e suas
aldeias.
Em 1850, carta circular aos Presidentes de Província ordenava-lhes o en-
vio de informações
sobre os aldeamentos dos índios, declarando as alterações que tenham tido tanto
a respeito da população como dos ramos da agricultura, indústria e comércio a
que se dedicam com designação das causas que concorrem para a decadência dos
mesmos aldeamentos, os meios para as remover, bem como os que parecerem
próprios para chamar os selvagens a vida social...18
destino que se deve dar às terras dos índios, visto não os haverem aldeados, e não
ter a elas aplicação o Regulamento n. 426 de 24 de junho de 1845, que … deve
continuar as providências adotadas para incorporação aos próprios nacionais de
todas aquelas terras que não estiverem ocupadas, as quais se devem considerar
devolutas… (idem)
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coletivas.
No Rio de Janeiro, dando cumprimento às ordens do governo central, o
presidente da Província estabeleceu significativa correspondência com as au-
toridades municipais, sobretudo juízes de órfãos, para saber se “existem povo-
ações de índios, qual o estado de seu aldeamento, nação e patrimônio...”.19
Pediam-se também informações sobre as terras das aldeias e suas medições,
bem como sobre os possíveis serviços que os índios porventura prestassem aos
moradores e/ou autoridades. Os documentos não deixam dúvidas sobre o in-
teresse das autoridades em extinguir as aldeias. Para isso era preciso constatar
seu desaparecimento ou estado de decadência, o que se revela em muitos re-
latos com referência a antigas aldeias abandonadas muitos anos antes por ín-
dios que, de acordo com os informes, viviam dispersos, vagando pelos sertões.
Contrariando esses documentos, os índios reivindicavam direitos.
A aldeia de São Lourenço, a primeira estabelecida no Rio de Janeiro, foi
extinta em 1866. Desde 1861, a Câmara Municipal de Niterói solicitava à Pre-
sidência da Província a incorporação dos terrenos da sesmaria da aldeia, ale-
gando serem estes os melhores terrenos do município e que pouco rendiam,
sob a administração de pessoas desinteressadas. Alegavam a importância des-
ses rendimentos para cobrir despesas da cidade, cujos recursos eram escassos,
e que os “indígenas com o andar dos tempos, têm desaparecido, e mesmo os
muito poucos que existem, não são puros”.20 Em outubro de 1865 foi dada
autorização para que o Presidente da Província extinguisse a aldeia, sob a ale-
gação de “que os poucos índios ali existentes com esta denominação se acham
nas circunstâncias de entrarem no gozo dos direitos comuns a todos os brasi-
leiros...”.21 No ano seguinte, documento, provavelmente da Câmara Municipal
negava a pretensão de “intitulados índios, que solicitam a continuação de men-
salidades outrora arbitradas” afirmando não ser possível atendê-los “pois o
Aviso de 31 de outubro havia extinguido o mencionado aldeamento”, tendo
feito desaparecer a “entidade Índios e proveu ao bem estar dos que com essa
denominação ainda ali existiam”.22
O Aviso declarou, portanto, o desaparecimento não só da aldeia, mas
também dos índios, que apesar de terem sua presença ali reconhecida, ao rei-
vindicarem direitos um ano depois, eram declarados inexistentes pelas auto-
ridades locais. Outros exemplos poderiam ser citados confirmando que o dis-
curso das autoridades construía-se conforme seus interesses em ter acesso às
Considerações finais
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Maria Regina Celestino de Almeida
NOTAS
1
O conteúdo deste artigo encontra-se, em parte, publicado em textos anteriores, sobretudo
em: ALMEIDA, M. Regina Celestino de. Etnicidade e Nacionalismo no Século XIX. In:
_______. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2010. p.135-167.
2
CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Política indigenista no século XIX. In: _______.
(Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992a. p.133-154.
3
Sobre essas questões, ver, entre outros: THOMPSON, E. P. Miséria da teoria. Rio de Ja-
neiro: Zahar, 1981. 231p.; MINTZ, Sidney. Cultura: uma visão antropológica. Tempo, Ni-
terói (RJ): Eduff, v.14, n.28, p.223-237, 2010; BARTH, Fredrik. Os grupos étnicos e suas
fronteiras. In: LASK, T. (Ed.). O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de
Janeiro: Contra Capa, 2000. p.25-67; HILL, Jonathan. (Org.). History, power and identity:
ethnogenesis in the Americas, 1492-1992. Iowa City: University of Iowa Press, 1996. 277p.;
BOCCARA, Guillaume. Mundos nuevos en las fronteras del Nuevo Mundo: relectura de
los procesos coloniales de etnogénesis, etnificacón y mestizaje en tiempos de globalización.
Mundo Nuevo Nuevos Mundos, Revista Eletrônica, Paris, 2000. Disponível em: www.ehess.
fr/cerma.Revuedebates.htm.
4
PACHECO DE OLIVEIRA, João (Org.). A viagem da volta: etnicidade, política e reelabo-
ração cultural no Nordeste indígena. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1999. 350p.; PACHECO
DE OLIVEIRA, João (Org.). A presença indígena no Nordeste: processos de territorialização,
modos de reconhecimento e regimes de memória. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2011. 714p.
5
Ao garantir aos índios, pela primeira vez, o direito à diferença, assegurando-lhes educa-
ção, saúde e, sobretudo, terra coletiva, a Constituição de 1988 sancionou uma situação de
fato, pois os próprios índios afirmavam suas identidades distintas e reivindicavam direitos.
Ao mesmo tempo, incentivou a proliferação de movimentos de etnogênese, através dos
quais vários povos considerados misturados passaram a afirmar suas identidades indíge-
nas, sobretudo na região Nordeste. Sobre isso ver: OLIVEIRA, 1999; MONTEIRO, John
M. O desafio da História Indígena no Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da; GRUPIONI, Luís
D. Benzi (Org.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1° e 2°
graus. Brasília: MEC/Mari/Unesco, p.221-228, 1995; MONTEIRO, John M. Tupis, tapuias
e historiadores: estudos de História Indígena e do Indigenismo. Tese (Livre Docência) –
IFCH, Unicamp. Campinas (SP), 2001; BOCCARA, 2000.
6
CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. 1992a; CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Legisla-
ção indigenista no século XIX: uma Compilação (1808-1889). São Paulo: Edusp, 1992b.
363p.; SAMPAIO, Patrícia. Política Indigenista no Brasil Imperial. In: GRINBERG, Keila;
SALLES, Ricardo. O Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. v.1, p.177-
206; SPOSITO, Fernanda. Nem cidadãos, nem brasileiros: indígenas na formação do Estado
nacional brasileiro e conflitos na província de São Paulo (1822-1845). São Paulo: Alameda,
2012. 291p.; PACHECO DE OLIVEIRA, João (Org.) A fabricação social da mistura. In:
_______., 2011, p.295-510; SILVA, Edson. ‘Confundidos com a massa da População’: o es-
bulho das terras indígenas no Nordeste no século XIX. Revista do Arquivo Público de Per-
nambuco, Recife, n.46, v.42, p.17-29, 1996; ALMEIDA, M. Regina Celestino de. Política
indigenista e etnicidade: estratégias indígenas no processo de extinção das aldeias do Rio de
Janeiro – século XIX. Anuario del IEHS, Tandil: Instituto de Estudios Históricos-Sociales,
p.219-233, 2007; MOREIRA, Vânia Losada. Nem selvagens nem cidadãos: os índios da Vila
de Nova Almeida e a usurpação de suas terras durante o século XIX. Dimensões, Vitória:
Dezembro de 2012 37
Maria Regina Celestino de Almeida
Universidade Federal do Espírito Santo, n.14, p.151-167, 2002; MATTOS, Izabel Missagia
de. Civilização e revolta: os botocudos e a catequese na Província de Minas. Bauru (SP):
Edusc, 2004. 491p.; MOTA, Lúcio Tadeu. As Guerras dos Índios Kaingang: a história épica
dos índios Kaingang no Paraná, 1769-1924. Maringá (PR): Ed. UEM, 1994; TREECE, Da-
vid. Exilados, aliados, rebeldes: o movimento indianista, a política indigenista e o Estado-
-nação imperial. São Paulo: Edusp, 2008. 351p.; KODAMA, Kaori. Os índios no Império do
Brasil: a etnografia do IHGB entre as décadas de 1840 e 1860. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz;
São Paulo: Edusp, 2009. 332p.; TURIM, Rodrigo. A ‘Obscura História Indígena’: o discurso
etnográfico no IHGB (1840-1870). In: GUIMARÃES, Manoel Luiz S. (Org.). Estudos sobre
a escrita da História. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006. p.86-113; GUIMARÃES, Manoel L. Sal-
gado. Nação e civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o
projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: Ed. Revista dos Tribu-
nais, n.1, p.5-27, 1988; CARVALHO, Marcus J. M. de. A Mata Atlântica: sertões de Per-
nambuco e Alagoas, séculos XVII-XIX. Clio, Revista de Pesquisa Histórica, Recife: UFPE,
v.25, n.2, p.249-266, 2007; KARASCH, Mary. Catequese e cativeiro: política indigenista em
Goiás, 1780-1889. In: CARNEIRO DA CUNHA, 1992a, p.397-412; AMOROSO, Marta Ro-
sa. Catequese e evasão: etnografia do Aldeamento Indígena São Pedro de Alcântara – Para-
ná (1855-1895). Tese (Doutorado) – Departamento de Antropologia, USP. São Paulo, 1998.
282p. Para uma visão abrangente da produção historiográfica sobre os índios nas últimas
décadas, ver o excelente site de John Manuel Monteiro: www.ifch.unicamp.br/ihb/.
7
LANGFUR, Hal. Uncertain refuge frontier formation and the origin of the Botocudo War
in late Colonial Brazil. Hispanic American Historical Review, v.82, n.2, p.215-256, 2002.
8
ALMEIDA, M. Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas
aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003. 301p.
9
ALMEIDA, M. Regina Celestino de. Quando é preciso ser índio: identidade étnica como
força política nas aldeias do Rio de Janeiro. In: REIS, Daniel A. et al. (Org.). Tradições e
modernidades. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2010. p.47-60.
10
ALMEIDA, 2007; CARNEIRO DA CUNHA, 1992a; MOREIRA, 2002; SILVA, 1996;
SILVA, Isabelle Braz Peixoto. O Relatório Provincial de 1863 e a expropriação das terras
indígenas. In: PACHECO DE OLIVEIRA, 2011, p.327-345; DANTAS, Mariana. Estraté-
gias indígenas: dinâmica social e relações interétnicas no aldeamento de Ipanema no final
do século XIX. In: PACHECO DE OLIVEIRA, 2011, p.413-445.
11
BOCCARA, 2000; DE JONG, Ingrid; RODRIGUES, Lorena. Introducción. Dossier Mes-
tizaje, Etnogénesis y Frontera. Memoria Americana, Buenos Aires: Universidad de Buenos
Aires, n.13, p.9-19, 2005; CADENA, Marisol. Are Mestizos Hybrids? The Conceptual Po-
litics of. Andean Identities. Journal of Latin American Studies, Cambridge: Cambridge
University Press, n.37, p.259-284, 2005; ALMEIDA, M. R. Celestino de. Índios e mestiços
no Rio de Janeiro: significados plurais e cambiantes. Memoria Americana, Buenos Aires:
Universidad de Buenos Aires, v.16, p.19-40, 2008; MATTOS, Hebe. Escravidão e cidadania
no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
12
MOREIRA NETO, Carlos de Araujo. Índios da Amazônia: de maioria a minoria (1750-
1850). Petrópolis (RJ): Vozes, 1988. 348p.; QUIJADA, Mónica. El paradigma de la homo-
geneidad. In: QUIJADA, Mónica; BERNAND, Carmen; SCHNEIDER, Arnd. Homogenei-
dad y nación con un estudio de caso: Argentina, Siglos XIX y XX. Madrid: CSIC, 2000.
p.7-57; GUIMARÃES, 1988.
13
QUIJADA, Mónica, 2000; MALLON, Florencia. Peasant and nation: the making of
postcolonial México and Peru. California: University of California Press, 1995.
14
Sobre teorias raciais e discriminatórias, ver: SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das
raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia
das Letras, 2001. 287p.; sobre as propostas de Varnhagen e Bonifácio, ver: TURIM, 2006;
GUIMARÃES, 1998; BOEHRER, G. C. A. (Ed.). Apontamento para a civilização dos índios
bárbaros do Reino do Brasil por José Bonifácio de Andrada e Silva. Lisboa: Agência Geral do
Ultramar, 1966. 93p.; DOLHNIKOFF, Miriam (Org.). José Bonifácio de Andrada e Silva:
Projetos para o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 371p.; CARNEIRO DA
CUNHA, 1992a.
15
Decreto n° 426, de 24 jul. 1845. Regulamento acerca das Missões de catechese e civiliza-
ção dos Índios. Apud BEOZZO, José Oscar. Leis e Regimentos das Missões: política indige-
nista no Brasil. São Paulo: Loyola, 1983. p.169.
16
COHEN, Abner. Organizações invisíveis: alguns estudos de caso. In: _______. O homem
bidimensional: a antropologia do poder e o simbolismo em sociedades complexas. Rio de
Janeiro: Zahar, 1978. p.115-147; OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Identidade étnica, iden-
tificação e manipulação. In: _______. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo: Pionei-
ra, 1976. p.131.
17
ALMEIDA, 2003; WEBER, M. Relações comunitárias étnicas. In: _______. Economia e
sociedade. Brasília: Ed. UnB, 1994. p.267-277.
18
Circular aos Presidentes de Província. Ms. AN. Série Agricultura, JA7-4, fl.38.
19
Ms. AN APERJ.PP col.115, dossiê 312, Pasta 1, n.3.
20
Ms. APERJ P.P. Col.32,dossiê 118. Pasta 1.
21
Ms. AN Série Agricultura, IA7 –1, fl 70v.
22
Ms. AN série Agricultura, IA7-1, fl.78v.
23
OLIVEIRA, Maria Rosalina. Relação de Documentos sobre a Igreja de São Lourenço dos
Índios, 2000, inédito; Depoimento de Maria do Carmo Pinto Rodrigues e Gilda Pinto Ro-
drigues a Yohana Freitas, Marília dos Santos e Tarso Vicente, dez. 2003. Pesquisa realizada
como exercício didático do curso de História Oral. MATOS, Hebe. Projeto: Cidade de
Memórias – São Lourenço dos Índios e a cidade de Niterói. Niterói (RJ), Laboratório de
História Oral e Imagem/LABHOI/UFF.
Dezembro de 2012 39
Outra redução: a dinâmica interétnica na
Limpia Concepción de Jeberos, nas missões
jesuíticas do Marañon no século XVII1
Another reduction: the inter-ethnic dynamics
in Limpia Concepción de Jeberos, in the 17th
century Marañon Jesuit Missions
Fernando Torres-Londoño*
Resumo Abstract
Na trilha de apontar o protagonismo In the path of pointing out the protago-
dos povos indígenas nos processos de nism of indigenous peoples in the pro-
conquista e colonização, o artigo propõe cesses of conquest and colonization, this
examinar o caso de uma missão jesuítica article proposes to examine the case of a
na Amazônia do século XVII pelos pos- Jesuit Mission in the 17th century Ama-
síveis significados atribuídos a ela pelos zon through the possible meanings as-
Jebero, povo indígena que de fato a signed to it by the Jebero people who, in
constituiu. Assim, a composição pluri effect, built it. Thus, the multi-ethnic
étnica da missão é examinada pela dinâ- composition of the Mission is examined
mica de relações definidas com base na through the relationships dynamics
condição de parente, inimigo ou estran- based on one’s role as relative, enemy or
geiro. foreigner.
Palavras-chave: indígenas; Missões; Keywords: Indians; Jesuit missions;
Mayna; Amazônia. Maynas; Amazon.
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Después de estos lances han quedado los jeberos tan asentados y se han doctrina-
do y domesticado tan bien, como digo arriba y son los más fieles para los padres
y españoles, sirviéndoles con fidelidad en las armadas y descubrimientos que se
hacen para pacificar nuevas naciones y reducirlas al santo evangelio y están por
particular merced reservados de mita y tributo, dedicados solamente a las cosas
de guerra y servicio de los padres en lo tocante a descubrimientos y reducciones.
Entran en este privilegio los Cocamas de Huallaga y los Paranapuras. Con que no
sólo se ha les ha seguido provecho para sus almas y su salvación, sino para las de
otras naciones a que ayudan y concurren con fidelidad y sujeción. Y son como
frontera que tiene la ciudad para su resguardo y de los Padres, para que otras
gentes no se atrevan a intentar alzamientos y barbaridades por ven que tienen los
españoles gente fiel de quien valerse cuando lo intenten. (Figueroa, 1986, p.188)
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abandono das práticas anteriores, das quais há vários exemplos em outras partes
do texto. Esse novo começo se expressa na fidelidade dos Jebero para com os
espanhóis e os padres. Porém, o texto de Figueroa é claro e revelador no que se
refere à dinâmica de relações interétnicas que estava na base da ‘restauração da
redução’: os Jebero, Cocamas e Paranapuras rebeldes voltam ‘perdoados’ para
defender a missão dos inimigos dos espanhóis. Isto constitui uma nova reali-
dade, definida por reconhecimentos e ‘acordos’ dos dois lados.
Como em outros momentos, Figueroa silencia a respeito dos caciques e
intérpretes que teriam participado no acerto das relações que passaram a de-
finir o novo funcionamento da redução da Limpia Concepción de Jeberos. As-
sim, para a análise textual só temos o registro de Figueroa, no qual os Jebero,
junto aos Cocamilla e os Paranapuras, voltam como reais aliados que impõem
condições. Essas condições passavam por não serem submetidos a obrigações
de tributos e de trabalho impostas pelos espanhóis sobre os índios, chamadas
de ‘mitas’. Os Jebero retornam para se dedicarem às ‘coisas da guerra’. Eles
voltam à redução para serem a ‘armada de missão’, como já escrevemos anos
atrás.11 Ou seja, eles voltavam para seguir sendo Jebero, inimigos temidos por
todos. Mais ainda, foi a eles que corresponderam os ‘descubrimientos y reduc-
ciones’, quer dizer, o crescimento da missão passou a depender das entradas e
expedições dos Jebero.
Porém, são outros interesses, diferentes daqueles dos missionários, os que
guiam essa expansão. Tendo endossado sua condição de inimigos de muitos e
aberto a possibilidade de convívios não violentos no interior da missão, os
Jebero se colocam no topo da hierarquia da composição multiétnica da redu-
ção, definindo quem é parente, estrangeiro ou inimigo. Assim, não é a simples
aliança ou o aproveitamento de oportunidades (como pensávamos em 2007)
que teria levado os Jebero de volta à missão, mas a afirmação de sua identidade
e a redefinição a seu favor das relações interétnicas. Voltando para a redução,
porém na condição de ser ‘seu resguardo’, os Jebero tiveram reconhecido seu
ethos guerreiro e asseguraram o respeito dos estrangeiros com os quais se alia-
ram, passando a ver reconhecida a sua forma de ser independente, como tam-
bém sua identidade construída sob violência.
hoy lo es de doctrina cristiana y sirve de ejemplar y ayuda para que otros se reduz-
can y hagan cristianos, y habiendo vivido tan a su voluntad y fieras costumbres,
al presente están con suma sujeción, que aun para sus paseos en tiempo de tortu-
gas y frutas, pescas y otras cosas necesarias a su sustento, piden licencia al padre,
quien les señala los días que han de tardar, porque no falten mucho de sus casas.
También la piden para sus bebidas, que son de ordinario los domingos y no pa-
san de la hora en que les tocan las Ave-Marías. (Figueroa, 1986, p.190)
A ‘suma sujeição’ da presença dos Jebero na redução tem aqui duas con-
trapartidas surgidas, evidentemente, no âmbito dos acordos que sustentam a
Limpia Concepción de Jeberos. A primeira é a garantia da mobilidade, que re-
conhece a liberdade de ir e vir para as atividades econômicas e de sobrevivên-
cia. Pelo entendimento entre os missionários e os Jebero, as antigas ausências
para responder aos ciclos de pesca no verão (vitais para o equilíbrio alimentar
da missão) deixam de ser desobediências e fugas como na crise que conduziu
à rebelião e passam a ser acordos, que no âmbito público da redução se expres-
sam nos protocolos de ‘pedir’ licença ao padre e de fixar os dias que passam
fora da missão.
A segunda é a permanência da festa indígena, a ser realizada aos domin-
gos, o mesmo dia da missa, mas na parte da tarde. Como aparece em diversos
textos, ela mantém seus elementos estruturantes: o consumo de bebida com as
desinibições e comportamentos que ela suscita e que vão do ridículo à violência
das brigas; a música e os cantos para chamar os espíritos protetores ou evocar
as guerras; as danças que umas vezes unem e outras separam os indivíduos,
expressando a unidade e a diferença; finalmente, sua função de atualização da
memória dos grupos. Mantidas assim através da integração no calendário da
missão, as festas indígenas são fundamentais na dinâmica de relações interét-
nicas e de convivência entre parentes, estrangeiros e inimigos e passam a ca-
racterizar a vida na Limpia Concepción de Jeberos.
Constituindo a redução mediante esses acordos, os Jebero se dedicaram
ao que era sua função fundamental nos primeiros anos, e é disso que Figueroa
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Mediante estos indios se ha procurado solicitar otras naciones a que acuden con
fidelidad. Así lo hicieron con los cutinanas que es uno de sus anexos. Trataron de
irles a hablar, dándose por parientes de ellos, en orden a traerlos a esta reducción
de jeberos, con licencia que tenían de la justicia y del padre, porque conviene que
semejantes acciones no las hagan sin esas licencias y registros.
foi lenta. Os Jebero, como muitos povos amazônicos de ethos guerreiro, enten-
diam que perante o inimigo não eram muitas as opções: o ataque mortal, a
proteção da distância e da desconfiança e a permanência imperativa da vin-
gança. Já para os jesuítas todas as nações, por ‘bárbaras’ que fossem, deveriam
ser trazidas para a fé católica, quer pelo convencimento, quer pela força. Nas
missões do Marañon, as nações ou povos que resistiam e reagiam com violên-
cia, representando perigo para as reduções, eram nomeadas com a palavra
quéchua auca que, na tradução em espanhol, é inimigo. Assim, os que ficavam
fora da missão, negando-se a reduzir e aldear e ameaçando a redução, eram
aucas. Mas, se com diversas estratégias ou situações esses aucas eram reduzidos
e introduzidos na redução, eles poderiam tornar-se, para os missionários, ‘ín-
dios amigos’ (formulação comum nas crônicas) e parte da missão. Para os
Jebero e outros povos guerreiros que depois vieram para as missões como os
Cocama, isso significou mudar o entendimento de que o destino do inimigo
era a morte, passando a ser a sujeição, captura, controle e assimilação na pro-
ximidade e na vida coletiva da missão.
Substituir a morte pela sujeição implicou também a invenção de uma
estratégia perante o inimigo, a qual admitia vários estágios e momentos, cada
um com fins próprios. Assim se podia fazer guerra (aplicada como castigo
pelos espanhóis e praticada como vingança pelos índios); recorrer à intimida-
ção pelo medo dos matadores indígenas que devoravam seus inimigos e ao
terror dos espanhóis que enforcavam e cortavam narizes; organizar assaltos-
-surpresa às aldeias inimigas (normalmente à noite, seguindo as táticas de
guerrilha indígena) destinados a capturar crianças e adolescentes que, cristia-
nizados, se tornariam intérpretes e mediadores num futuro próximo, em ‘apro-
ximações de boa vontade’; e realizar esses contatos pacíficos alimentados a
ferramentas e presentes em momentos de fragilidade numérica ou anímica do
inimigo, depois de sucessivas derrotas ou epidemias.
Concluindo
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matadores’. Sua participação deve ter sido menor quando se faziam necessárias
negociações e acordos, ficando estes a cargo de parentes dos inimigos que já
viviam na missão, os quais, por sua vez, os Jebero tinham ajudado a capturar
em expedições e operações anteriores.
Incorporando os aucas à missão (onde já conviviam parentes próximos e
distantes, antigos e recém-chegados), os Jebero devem ter comandado um se-
guro e lento processo de inclusão de estrangeiros mediante o estabelecimento
‘próximo’ de reduções e anexos em condições de relações assimétricas e de
diversos graus de inferioridade. Lentamente os antigos aucas, agora subordi-
nados às etnias principais das missões, deixavam de ser inimigos para se tor-
narem ‘índios amigos’ e, finalmente, com casamentos interétnicos, podiam
chegar a ser parentes. Isso se realizou mediante múltiplos processos de assimi-
lação tanto de origem indígena como jesuítica, ou elaborados na própria dinâ-
mica interétnica da redução pautada pelos Jebero.
NOTAS
1
A pesquisa que originou este texto faz parte do Projeto de Produtividade em Pesquisa/
CNPq “Jesuitas y pueblos indígenas en la Amazonia española y portuguesa (1680-1750):
representaciones y conflictos”. Essa pesquisa se realiza dentro do grupo Povos Indígenas e
História nas Américas, na PUCSP.
2
Essa visão pode ser encontrada em obras de autores de referência no estudo das missões
jesuíticas, como a de REY F., Jose del S. J. (Org.). Misiones jesuíticas en la orinoquia. San
Cristobal: Universidad Católica del Tachira, 1992.
3
De forma pioneira essa outra perspectiva da missão jesuítica foi proposta por MELIA,
Bartolomeu. El Guaraní conquistado y reducido: ensayos de Etnohistoria. 4.ed. Asunción:
Centro de Estudios Antropológicos Universidad Católica, 1997. p.178.
4
Para esse tipo de abordagem das missões ver WILDE, Guillermo. Religión y poder em las
missiones de guaranis. Buenos Aires: Ed. SB, 2009.
5
Para uma visão geral das missões de Maynas, ver: NEGRO, Sandra. Maynas, una misión
entre la ilusión y el desencanto. In: MARZAL, Manuel; NEGRO, Sandra. Un reino en la
frontera. Lima/Quito: PUCP, Ed. Abya-Yala, 1999. p.270. Para uma abordagem etnológica
do início da missão de Maynas ver TAYLOR, Anne Christine. História Pós-colombiana da
Alta Amazônia. In: Manuela CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (Org.). História dos ín-
dios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p.218-219.
6
FIGUEROA, Francisco. Informe de las misiones de el Marañon, Gran Pará o río de las
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Categorias de entendimento do passado
entre os Kadiwéu: narrativas, memórias
e ensino de história indígena
The categories of understanding the past among Kadiwéu:
narratives, memories and indigenous history teaching
Giovani José da Silva*
Resumo Abstract
A existência da Lei 11.645/2008, que The existence of the 11645/2008 Law,
prevê a inserção do ensino de história e which made mandatory the insertion
culturas indígenas na Educação Básica, of indigenous history and cultures
por si só pode não ser a solução para teaching in the Basic Education, cannot
acabar com a invisibilidade das popula- itself be the solution to end the invisi-
ções indígenas dentro e fora das escolas bility of indigenous peoples inside and
brasileiras, mas representa um passo outside of Brazilian schools, although it
importante em direção ao reconheci- represents an important step towards
mento de uma sociedade historicamen- recognition of a society historically
te formada por diversas culturas e et- formed by various cultures and ethnici-
nias. O artigo discute, com base nas ties. This article discusses, based on the
categorias de entendimento do passado categories of understanding the past
entre índios Kadiwéu de Mato Grosso among Kadiwéu Indians from Mato
do Sul, a articulação entre o ensino de Grosso do Sul, the relationship be-
história e culturas indígenas e a elabora- tween the teaching of indigenous his-
ção de memórias e narrativas. Ao se co- tory and cultures and the development
nhecer como determinado grupo indí- of memories and narratives. Being
gena reconstrói o próprio passado e que aware of how each indigenous group
categorias são utilizadas para narrar/re- rebuilds its own past and which catego-
memorar tempos pretéritos, percebem- ries are used to narrate/recall past
-se outras formas de apreensão, com- times, other forms of apprehension,
preensão e representação da história, o understanding and representation of
que enriquece sobremaneira o ensino da history are realized, which greatly en-
disciplina. riches the teaching of this subject.
Palavras-chave: Ensino de História; ín- Keywords: History teaching; Kadiwéu
dios Kadiwéu; passado. Indians; past.
*Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campus de Nova Andradina. Caixa Postal
128. 79750-000 Nova Andradina – MS – Brasil. giovanijsilva@hotmail.com
Ainda hoje, quando são lidos alguns livros didáticos de História tem-se a
impressão de que as populações indígenas pertencem exclusivamente ao pas-
sado do Brasil. Os verbos relacionados aos índios invariavelmente estão no
pretérito: ‘caçavam’, ‘pescavam’, ‘dormiam em redes’ etc., e a eles são dedicadas
apenas algumas poucas páginas, geralmente na chamada ‘pré-história’ e/ou no
‘cenário do descobrimento’. A partir da chegada dos portugueses ao continente
americano, os indígenas desaparecem e os alunos não fazem a mínima ideia
do que teria ocorrido nos séculos seguintes aos diferentes grupos (bem como
aos seus descendentes) que habitavam as terras que viriam a se tornar o terri-
tório brasileiro. Nesse sentido, a existência da Lei 11.645/2008, que prevê a
inserção do ensino de história e culturas indígenas na Educação Básica, por si
só pode não ser a solução para acabar com a invisibilidade das populações
indígenas dentro e fora das escolas, mas representa um passo enorme em di-
reção ao reconhecimento de uma sociedade historicamente formada por
diversas culturas e etnias, dentre elas as indígenas.
Afinal, o Brasil é um país de rica diversidade pluricultural e multiétnica,
embora muitos ainda tenham dificuldade em reconhecer tal situação, quando
não a desconhecem quase que completamente ou a escamoteiam de propósito.
A sociedade brasileira tem, em sua composição demográfica, diferentes matri-
zes étnicas e uma riqueza etnocultural que constituem um patrimônio a ser
preservado e respeitado. Sobre a origem dos indígenas, há dúvidas que aos
poucos vão sendo esclarecidas, especialmente pela Arqueologia, a Antropolo-
gia Física e a História Indígena. A respeito das sociedades nativas da atuali-
dade, sabe-se que pertencem a diferentes famílias e troncos linguísticos e for-
mam um contingente populacional de menos de 1 milhão de indivíduos
autodeclarados, de acordo com o último censo realizado no país pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010.1
Hoje, mais de 180 línguas indígenas são faladas por aproximadamente
240 sociedades diferentes2 que vivem nos mais distintos pontos do país. Seus
territórios, em conjunto, recobrem uma área de pouco mais de 13% do Brasil.
Toda essa sociodiversidade traduz-se em rituais, cosmologias, tradições, ma-
nifestações artísticas e culturais peculiares a cada grupo. A maioria dessas so-
ciedades indígenas concentra-se na Amazônia, embora existam numerosas
populações no Centro-Sul e no Nordeste. Entretanto, pouco ainda se conhece
sobre tais diferenças, e o senso comum – como muitos materiais didáticos, aliás
– insiste em atribuir a essas populações a genérica e colonial categoria de ‘ín-
dios’, como se fossem todos iguais: ‘habitantes de ocas’, ‘adoradores de Tupã’,
‘antropófagos’ etc.
Aos poucos, o Ensino Superior brasileiro está incorporando mudanças
que buscam promover um melhor conhecimento a respeito da realidade indí-
gena no país, seja no passado ou no presente. Todos os cursos de licenciatura
– ou seja, de formação de professores – deveriam atentar para o fato de que a
Lei 11.645/2008 não delega apenas aos professores de História a tarefa de en-
sinar sobre história e culturas indígenas. O que se vê, contudo, é outra reali-
dade: os cursos de História, de Norte a Sul do Brasil, têm procurado suprir a
necessidade de oferecer disciplinas, tais como História da África ou História
Indígena. Tais iniciativas esbarram na ausência de profissionais qualificados
para atender a demanda criada pela lei, e muitos acabam por improvisar, pres-
tando um desserviço à educação de crianças, adolescentes e jovens.
Assim, as dificuldades de professores e demais profissionais da Educação
Básica consistem, particularmente, em responder à questão de como caracte-
rizar com clareza e correção as sociedades indígenas em seus aspectos comuns,
ressaltando, entretanto, a singularidade de cada uma delas, sem reforçar este-
reótipos e preconceitos. Nesse caso, afirmam especialistas, é fundamental in-
dicar a diversidade significativa que há entre as sociedades indígenas localiza-
das no Brasil (e em outros lugares das Américas e do mundo), em termos de
adaptação ecológica a diferentes ambientes e, também, em termos sociais,
políticos, econômicos, culturais e linguísticos.3
O objetivo principal deste artigo é, pois, contribuir para a reflexão sobre
os desafios e as possibilidades da História Indígena na Educação Básica, esti-
mulando professores e estudantes a pensar sobre as sociedades indígenas que
vivem ou viveram no Brasil e o que se escreve a respeito delas. Com base em
experiências vivenciadas no estado de Mato Grosso do Sul, entre os índios
Kadiwéu, e em suas categorias de entendimento do passado, revela-se possível
e necessário abordar nas escolas não indígenas a história dos índios, retirando-
-os do esquecimento ou do ‘passado perpétuo’ a que ficaram relegados por
tanto tempo.
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Giovani José da Silva
De fato, tanto na sua comemoração quanto no seu repúdio ... colocou em xeque
um sem-número de termos já convencionais no léxico do historiador. Para uns,
sobretudo os panfletários e os adeptos de uma postura politicamente correta, a
solução foi a de banir de vez termos como descobrimento, Novo Mundo e mesmo
índios, substituindo-os por neologismos que, frequentemente, incorrem no erro
de introduzir novos e maiores equívocos. Outros têm buscado um caminho mais
profícuo para suas revisões historiográficas, incorporando perspectivas teóricas
de outras disciplinas, tais como a antropologia, a arqueologia e a linguística, en-
tre outras, para produzir uma visão crítica e cada vez mais complexa dos proces-
sos demográficos, políticos, econômicos, sociais e, sobretudo culturais que resul-
taram naquilo que se chama de América Latina.9
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Os Kadiwéu diferenciam pelo menos duas categorias de narrativas ... parte delas
pode ser classificada imediatamente na categoria de mitos, aquelas que os Ka-
diwéu chamam de ‘histórias de admirar’, ou ‘histórias que fazem milagres’, ou
‘exemplos de primeira indiada’. São histórias ‘sagradas’, já que ‘sagrado’ foi um
qualificativo atribuído pelos próprios índios. Referem-se a um tempo não locali-
zável no tempo cronológico, a não ser como tempo fundante.
Um outro tipo de narrativas seria aquele que reúne histórias que, segundo os
informantes, são ‘histórias que aconteceram mesmo’. Nessa categoria, incluem-
-se as narrativas sobre guerras contra outros povos, a memória de um passado
que se apresenta como ‘descrição histórica’ de determinados acontecimentos.
(1994, p.80)
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Um possível projeto escolar que represente as tradições desses povos só será pos-
sível se os professores forem indígenas e utilizarem metodologia e material elabo-
rados a partir de seus próprios referenciais culturais. Os projetos de educação
escolar indígena que não compreenderem essa necessidade, serão semelhantes às
antigas escolas rurais ‘para índios’ mantidas pela Funai.28
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a ideia de que se homens e mulheres vieram de Adão e Eva, estes devem ter
sido tirados de um buraco! Não houve intenção de desqualificar nenhuma das
interpretações (mítica, religiosa ou científica), mas de conhecê-las, compreen-
dê-las e discuti-las. Após essa atividade, propôs-se aos alunos refletir sobre as
diferenças entre as pessoas e entre os grupos humanos.
Os alunos sentiram que o conhecimento sistematizado por eles sobre o
povo indígena do qual faziam parte tem tanto valor quanto os conhecimentos
adquiridos nos livros dos ‘brasileiros’. Com isso, identificaram relações sociais
no próprio grupo de convívio, na localidade e na região em que vivem. Perce-
beram, também, modos de vida muito diferentes que os Ejiwajegi desenvolve-
ram em outros tempos e espaços. Puderam compreender que as histórias in-
dividuais coletadas eram partes integrantes da história dos Kadiwéu. O mais
importante é que tomaram conhecimento e aplicaram procedimentos de pes-
quisa escolar em História e de produção de textos, em que puderam aprender
a observar, colher e sistematizar informações, tornando-se (nas palavras dos
próprios alunos) ‘antropólogos de si mesmos’.
A avaliação dos resultados foi feita em sala de aula, quando da exposição
oral das entrevistas, da socialização e sistematização dos conhecimentos ad-
quiridos e da confecção de desenhos, como também mediante prova escrita
bilíngue, em que se solicitou aos alunos uma síntese do que haviam aprendido.
Se o diagnóstico inicial não foi exatamente animador, o mesmo não se pode
dizer dos resultados obtidos por meio dessa experiência de ensino com os
Kadiwéu nas aulas de História. Trabalhando o conceito de diferença, todos
compreenderam que não eram inferiores aos não índios, mas únicos e parti-
culares. Ao tornarem-se ‘antropólogos de si mesmos’, os Kadiwéu descobriram
uma sociedade rica em tradições, que há muito vive em contato com os não
índios, que enfrenta problemas com invasores de suas terras até hoje e vive um
contínuo processo histórico do qual eles próprios fazem parte.
Anos de castigos físicos e psicológicos na escola, porém, deixaram marcas
profundas entre os Kadiwéu. Vencer essa primeira resistência foi outro grande
desafio que se impôs ao trabalho como professor não índio. O autor sentiu que
havia sido aceito não somente quando homens e mulheres Kadiwéu, pais das
crianças e jovens, pintaram as paredes da escola com motivos da arte daquele
povo, mas especialmente quando o batizaram de Oyatogoteloco (‘a luz que
brilha longe’, no idioma Kadiwéu) e afirmaram que quando seus filhos
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Considerações finais
indígenas tem sido enorme nas últimas décadas. Como visto, muitas delas,
dadas como ‘extintas’ ou ‘em vias de extinção’, ‘ressurgem’ e, ao fazerem isso,
se mostram dispostas a lutar pela garantia dos direitos conquistados na Cons-
tituição de 1988. Afinal,
Reconstruir a história para construir o futuro é algo que está, sem dúvida, na
agenda de uma parte expressiva do movimento indígena atual; porém, é uma ta-
refa que exige uma reconfiguração radical das noções ainda prevalecentes na his-
tória que se ensina hoje. Assim, o caminho pela frente ainda é longo, até porque
... o caminho para o passado também está cheio de obstáculos.29
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Indígenas no Mato Grosso do Sul: viveremos por mais 500 anos, lançado em
1993 pelo pesquisador Olívio Mangolim.35 Além desses, os textos “Línguas
indígenas em Mato Grosso do Sul, Brasil: entre a insistência da manutenção e
a iminência da desaparição”, de autoria de Giovani José da Silva,36 e “Sujeitos
e saberes da Educação Indígena” 37 são uns dos poucos a tratarem das questões
indígenas em Mato Grosso do Sul para um público não especializado. Aumen-
tar o número de obras desse gênero é também um desafio a ser enfrentado
pelos pesquisadores no diálogo com aqueles que trabalham e estudam na Edu-
cação Básica em todo o Brasil.
NOTAS
1
Cf. em www.ibge.gov.br.
2
RICARDO, C. A.; RICARDO, F. (Ed.). Povos indígenas no Brasil 2006/2010. São Paulo:
Instituto Socioambiental, 2011. 763p.
3
LOPES DA SILVA, A. (Org.). A questão indígena na sala de aula: subsídios para profes-
sores de 1o e 2o graus. São Paulo: Brasiliense, 1987. 253p.
4
GRUPIONI, L. D. B. (Org.). Índios no Brasil. Brasília: MEC, 1994. 279p.
5
LOPES DA SILVA, A.; GRUPIONI, L. D. B. (Org.). A temática indígena na escola: novos
subsídios para professores de 1o e 2o graus. Brasília: MEC/Mari; São Paulo: Ed. USP, 1995.
575p.
6
MELATTI, J. C. Índios do Brasil. 7.ed. São Paulo: Hucitec; Brasília: Ed. UnB, 1993. 220p.
O antropólogo, professor da UnB (Universidade de Brasília), mantém um site, conhecido
como “página do Melatti”, em que o leitor poderá encontrar informações atualizadas a
respeito das sociedades indígenas nas Américas: www.juliomelatti.pro.br/. Além disso,
John Manuel Monteiro, historiador e professor da Unicamp (Universidade Estadual de
Campinas), mantém na Internet uma página intitulada “Os índios na história do Brasil”:
www.ifch.unicamp.br/ihb/.
7
FERNANDES, J. O índio: esse nosso desconhecido. Cuiabá: Ed. UFMT, 1993. 149p.
8
CARNEIRO DA CUNHA, M. (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Compa-
nhia das Letras; SMC; Fapesp, 1992. 611p.
9
MONTEIRO, John M. Confronto de culturas. In: AZEVEDO, F. L. N. de; MONTEIRO,
J. M. (Org.). Confronto de culturas: conquista, resistência, transformação. São Paulo:
Edusp, 1997. p.19-20, grifos no original.
10
LOPES DA SILVA, A.; FERREIRA, M. K. L. (Org.). Antropologia, história e educação: a
questão indígena e a escola. São Paulo: Global; Fapesp; Mari, 2001a. 396p.; LOPES DA
SILVA, A.; FERREIRA, M. K. L. (Org.). Práticas pedagógicas na escola indígena. São Paulo:
Global; Fapesp; Mari, 2001b. 378p.; FERREIRA, M. K. L. (Org.). Ideias matemáticas de
Dezembro de 2012 77
Giovani José da Silva
povos culturalmente distintos. São Paulo: Global, 2002. 336p.; e LOPES DA SILVA, A.;
MACEDO, A. V. L. da S.; NUNES, Â. (Org.). Crianças indígenas: ensaios antropológicos.
São Paulo: Global; Fapesp; Mari, 2002. 280p.
11
ALMEIDA, M. R. C. de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2010.
167p.
12
FUNARI, P. P.; PIÑON, A. A temática indígena na escola: subsídios para professores.
São Paulo: Contexto, 2011. 128p.
13
Cf. www.socioambiental.org.br.
RIBEIRO, D. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil
14
25
JOSÉ DA SILVA, G. Notícias da guerra que não acabou: a Guerra do Paraguai (1864-
1870) rememorada pelos índios Kadiwéu. Fronteiras, Dourados, v.9, n.16, p.83-91, 2007.
26
Tal categoria foi sugerida informalmente pelo prof. dr. John Manuel Monteiro, da Uni-
camp, durante o XXIII Simpósio Nacional de História, em jul. 2005, na Universidade Esta-
dual de Londrina (UEL). Desde então o autor vem procurando desenvolver tal ideia (JOSÉ
DA SILVA, 2007).
27
TASSINARI, A. M. I. Escola indígena: novos horizontes teóricos, novas fronteiras de
educação. In: LOPES DA SILVA; A.; FERREIRA, M. K. L. (Org.). Antropologia, história e
educação: a questão indígena e a escola. São Paulo: Fapesp; Global; Mari, 2001. p.44-70.
28
BORGES, P. H. P. Ymã, ano mil e quinhentos: relatos e memórias sobre a conquista.
Campinas (SP): Mercado das Letras; Cascavel (PR): Unipar, 2000, 168p. p.14.
29
MONTEIRO, J. M. Armas e armadilhas: história e resistência dos índios. In: NOVAES,
A. A outra margem do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.237-249. p.247.
30
JOSÉ DA SILVA, G. A presença Camba-Chiquitano na fronteira Brasil-Bolívia (1938-
1987): identidades, migrações e práticas culturais. 2009. 291f. Tese (Doutorado em Histó-
ria) – UFG (Universidade Federal de Goiás). Goiânia, 2009.
31
Dentre outros importantes encontros, citam-se o “I Encontro Nacional dos Povos Indí-
genas em Luta pelo Reconhecimento Étnico e Territorial” (Olinda, PE, 15 a 19 maio 2003)
e o “Seminário dos Povos Resistentes: a presença Indígena em MS” (Corumbá, MS, 10 a 12
dez. 2003).
32
JOSÉ DA SILVA, G.; SOUZA, J. L. de. O despertar da fênix: a educação escolar como
espaço de afirmação da identidade étnica Kinikinau em Mato Grosso do Sul. Sociedade e
cultura, Goiânia, v.6, n.2, p.149-156, 2003. p.155.
33
JOSÉ DA SILVA, G. A construção física, social e simbólica da Reserva Indígena Kadiwéu:
memória, identidade e história. 2004. 144f. Dissertação (Mestrado em História) – UFMS
(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Campus de Dourados. Dourados, 2004.
34
MARTINS, G. R. Breve painel etno-histórico de Mato Grosso do Sul. 2.ed. rev. e ampliada.
Campo Grande: UFMS, 2002. 98p.
MANGOLIM, O. Povos indígenas em Mato Grosso do Sul: viveremos por mais 500 anos.
35
Dezembro de 2012 79
Educação escolar indígena: a escola e os
velhos no ensino da história kaingang
Indigenous school education: the school and the
elderly in the teaching of Kaingang history
Juliana Schneider Medeiros*
Resumo Abstract
A educação escolar indígena específica e The specific and differentiated indige-
diferenciada vem sendo construída por nous school education has being devel-
diversos povos indígenas do país desde oped by various indigenous peoples of
a promulgação da Constituição Federal Brazil since the Federal Constitution
(1988), marco de sua conquista pelo di- promulgation (1988), landmark in the
reito à diferença. O artigo apresenta re- conquest of their right to be different.
sultados de uma pesquisa de mestrado This paper presents the results of a Mas-
ter’s research through the ethnography
baseada em uma etnografia dos Kain-
of a Kaingang community in the Guarita
gang da Terra Indígena Guarita (Rio
Indigenous Reservation (Rio Grande do
Grande do Sul), tendo como cenário
Sul), in which the main setting for the
principal a escola indígena Toldo Cam-
study was the indigenous school Toldo
pinas, no setor Estiva. Com base nas au-
Campinas, in the Estiva sector. Based on
las de História e nas conversas com os the History classes and on talks with the
velhos, apresentam-se reflexões sobre a elderly, this study presents a discussion
relação dos velhos com a escola, buscan- on the relationship between the elderly
do entender qual o papel desses ‘conta- and the school, trying to understand the
dores de histórias’ na transmissão da role of these ‘story tellers’ in transmit-
história kaingang. ting the kaingang history.
Palavras-chave: educação escolar indíge- Keywords: indigenous school educa-
na; escola kaingang; ensino de História. tion; Kaingang school; History teaching.
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As aulas de história
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Eu acho que hoje, agora mesmo na atualidade, eu acho que a influência de outras
coisas separou essa parte. Mas está sendo conservado ainda. E em determinados
lugares bastante conservado. Principalmente pelas pessoas que são mais adultas.
O jovem eu acho que está saindo, está indo um pouquinho mais para o lado das
novidades ... Essa [a criança] participa ali. Essa está ali ainda. Agora o jovem, eu
digo 13, 14, 15, 16 anos, ele já não está mais ali naquela convivência. Ele está se
soltando mais para outras oportunidades que tem de participar. Mas eu acho que
a parte mais adulta ainda permanece bastante. Não sei se tu notou quando tu
caminhou pela nossa aldeia aqui, nosso setor, que ainda tem agrupamentos. Tem
um ou dois sempre conversando no local. Uma mulher fazendo uma trança de um
balaio, um outro arranjo, mas alguém estava ali próximo daquilo ali. Nem que es-
tiver só olhando, mas estava ali ... Se visitam bastante. Mas esse visitar já está do
mesmo formato. Os mais adultos se visitam, mas os mais jovens já não está inte-
ressado muito nisso. Ele vai se interessar, mas as novidades atraem bastante.
(Lairton Melo, entrevista, 4 out. 2011)
O professor Bruno parece mais cético quanto a isso. Ele pensa que as
crianças não estão aprendendo histórias dos Kaingang fora da escola. Chegou
a essa conclusão com base em uma atividade de aula sobre o panelão12 que
tentou realizar com seus alunos do Pau Escrito, setor da TI Guarita onde é
professor de História. “Eu disse: ‘Podem perguntar para o pai de vocês, tentem
saber com eles’. Só que quando trazem para discutirmos, não conseguem trazer
nada. Os pais não estão contando isso para as crianças e eu, enquanto profes-
sor, não consigo avançar muito também”. É importante salientar que esse
acontecimento foi muito traumático para os Kaingang e, considerando que a
memória é seletiva e produzida desde o presente, muitas pessoas da comuni-
dade talvez não queiram recordá-lo e por isso não contem histórias sobre esse
tempo. Também é possível que a dificuldade esteja ligada à forma de condução
da tarefa por parte do professor, ao modo que ele instrumentalizou os alunos
para buscarem essas histórias em casa.
Se as gerações mais novas já não vivenciam essa contação de histórias, os
adultos relatam que quando eram crianças esse espaço ainda era muito pre-
sente, o que demonstra que são as mudanças das últimas décadas que trans-
formaram essa realidade. “Quando eu era pequeno, meu avô contava história
para nós. Geralmente vinham os netos. Hoje não se faz isso mais. Dificilmente
você vai chegar em uma casa de noite, vai estar lá um índio sentado, contando
história para as crianças. Não vai achar isso acontecendo”, relatou-me Bruno
em entrevista. O professor Lairton conta com detalhes como eram essas noites
na sua juventude.
quando os velhos se reuniam, eu lembro bem, com meu pai, com meus vizinhos que
eram meus parentes, eles iam até a meia-noite conversando. Os adultos. E os mais
pequeno corriam até umas horas e depois dormiam e ficavam. Ninguém estava
preocupado com o outro dia. Se a gente era um pouquinho mais velho, já tinha
uns 14, 15 anos, a gente ficava, antes de eles irem dormir, nós não ia dormir e fi-
cávamos ouvindo as histórias deles. Mas normalmente, a turma maior não estava
ali, tava brincando, tava fazendo alguma coisa fora disso aí, perto do fogo ... Mas
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quando surgia história nova, aí o grupo vinha. Se era a mesma história o grupo
não vinha ... Nem que fosse uma mentira, mas ele vinha ali ... Tu me perguntou
quando era isso, em que momento e onde. Onde seria, hoje está difícil, mas ainda
tem, seria na casa de alguém, normalmente acontece na casa de um que tem um
pouco mais de calma. Existe no povo Kaingang umas pessoas que sempre ficam
ali, que eles sempre estão lá e as pessoas chegam lá por si ... Uma vez a gente che-
ga lá e ele está lá, alguma coisa estão fazendo, se tiver uma comida para comer
come, se não tiver está bom também. E ali essas coisas acontecem. (Lairton Melo,
entrevista, 4 out. 2011)
É preocupada com os professores indígenas que faço este trabalho porque, se eles
quiserem ser bons professores kaingang, eles terão que ouvir os nossos ‘velhos’!
Pois é neles que está a essência da escola diferenciada. São, pois, a base para um
Projeto Político-Pedagógico. O professor kaingang precisa resgatar e valorizar as
formas tradicionais kaingang de repassar os conhecimentos para os jovens, por-
que essas formas não são meros métodos em fase de experimentação, mas sim
metodologias aplicadas, avaliadas e aperfeiçoadas através dos tempos. Saberes
estes não disponíveis em nenhuma universidade, mas apenas, na memória dos
nossos velhos, adormecida e anestesiada pelo sofrimento da discriminação e do
preconceito de uma sociedade que não soube reconhecê-los.15
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Outra questão que pode ajudar a entender por que não ocorre um diálogo
legítimo entre os velhos e a escola é a questão da língua, apontada pelo profes-
sor Bruno. Um ponto a se considerar é que as histórias são e existem em kain-
gang e, portanto, só possuem sentido pleno se contadas na língua nativa. Tam-
bém é preciso notar que a maioria dos velhos, especialistas nessas histórias,
têm o kaingang como língua materna e, por isso, compreendem e se comuni-
cam melhor nesse idioma. Diante disso surgem as dificuldades: para conversar
com um velho e conhecer as histórias é preciso falar ou pelo menos compreen-
der kaingang.
E aí, quem sabe seja a dificuldade de estar contando essas histórias, dentro da
escola kaingang, quem sabe a dificuldade seja o fato de o professor não falar a lín-
gua kaingang ... Porque, quando eu vou conversar com as pessoas velhas, as pessoas
mais de idade, para saber alguma coisa, eu preciso falar em kaingang com ele, não
tem outra opção. Tenho que falar para que ele consiga me dizer as palavras mais
adequadas para cada coisa, porque ele vai buscar na memória dele essas palavras,
e na memória dele, essas palavras não estão traduzidas lá. Ele sabe do jeito que
ele conseguiu armazenar na memória dele. Então, ele vai poder contar daquele
jeito. Então, mesmo quando eu faço entrevista com os velhos, mesmo eu sendo
Kaingang eu tenho dificuldade, porque tem muitas palavras que eles usam que
eu não sei também. Então, isso dificulta o professor de História a fazer isso. (Bru-
no Ferreira, entrevistas, 1o e 3 out. 2011)
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Mas aí que a escola entra no processo. Acho que aí a escola tem que dar o espaço
e oferecer essa oportunidade para que aquela pessoa que tem o conhecimento
adquirido no viver de sua existência tenha a oportunidade de estar aqui. Ou te-
nha a oportunidade da escola estar lá ... eu acho também que a escola tem que ser
melhor relatada do povo kaingang ... Na verdade, a escola tem que ajudar a dar um
levante nisso e quem tem o conhecimento dizer “olha, nós éramos assim, fomos
assim e seremos assim”. (Lairton Melo, entrevista, 4 out. 2011)
A escola precisa de apossar um pouco dessas histórias para contar. Senão ela vai
ficar sem memória, a comunidade, o povo aqui vai ficar sem memória. Se os ve-
lhos não contarem como surgiu essa vila aqui, as crianças não vão saber. E hoje
você não consegue reunir as crianças na casa de um velho para contar ... Ela [a
escola] poderia incentivar isso nas crianças, ou para que as crianças procurassem
as pessoas, quisessem saber. (Bruno Ferreira, entrevista, 3 out. 2011)
Eu acho que história é tudo aquilo que vive, mas história não está ali fixada em
determinado lugar. Eu acho que ela se renova com o tempo. Acho que tudo é
história, na verdade ... História, na verdade, é a vida da sociedade, é o que a socie-
dade é, é a história dela ... História do Kaingang é tudo aquilo que relata o Kain-
gang. É os contos, é as lendas. Ninguém fala história, por específico história,
“História é isso do povo Kaingang”. História para o povo Kaingang é os territó-
rios, é as demarcações, é as ervas, é os medicamentos, é o casamento, tudo isso é
história para o povo. É as lendas, os acontecimentos que houve, as guerras. Tudo
isso é história. (Lairton Melo, entrevista, 4 out. 2011)
Una forma más profunda de ver la historia sería dividirla en cambio entre la
gran historia, que palpita detrás de los primeros utensilios hasta ahora y que
dura lo que dura la especie, que simplemente está ahí, y la pequeña historia que
relata sólo el acontecer puramente humano ocurrido en los últimos cuatrocien-
tos años europeos, y es la de los que quieren ser alguien. (ibidem, p.153, grifos
no original)
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Primeiro temos as denominadas gufã, que quer dizer ancestral. São narrativas
que contam as origens, nos tempos ancestrais, e relatam fatos de tempos mais
antigos. Dentro do gênero gufã temos também as fábulas. Temos também as nar-
rativas chamadas ti si kãme que são as histórias antigas e verdadeiras. Outro gê-
nero, que corresponde às narrativas engraçadas – inventadas, mentiras – é co-
nhecido como venh ó.19
Tinha um macaco comendo milho. Mas um milho caiu por uma fresta dentro de
um toco de árvore. O macaco tentou pegar, mas não conseguiu. Pediu para o to-
co e ele não lhe deu. Então disse que ia chamar o machado. Mas o machado não
quis dar uma machadada no toco. Então disse que ia chamar o fogo. Mas o fogo
não quis queimar o machado. Então disse que ia chamar a água para apagar o
fogo. A água não quis ir apagar o fogo. Então disse que ia chamar o tigre para
tomar a água. O tigre não quis ir tomar a água. Então ele disse que ia chamar o
caçador. Aí o tigre foi atrás da água, a água foi atrás do fogo, o fogo foi atrás do
machado e o machado cortou o toco ao meio e o macaco recuperou seu milho.
(Luís Emílio, entrevista, 3 out. 2011)
Luís Emílio não consentiu que eu gravasse nossa conversa, por isso, tive
de recorrer à minha memória, e assim escrevi a história do macaco. De acordo
com a classificação das narrativas kaingang indicada por Márcia Nascimento,
esse relato do tempo em que os bichos falavam se enquadraria no que ela cha-
mou de gufã, pois é uma fábula dos tempos antigos. Um detalhe
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ouviu/viveu e mostrar que existe outra história, a kaingang, embora não se sinta
plenamente autorizado para ensiná-la. Fora da escola, em casa, há pouco espaço
para a transmissão das histórias kaingang e os velhos já não têm o mesmo valor
de antigamente. Entretanto, minha pesquisa constatou que as histórias ainda
estão vivas. Esse é o panorama que encontrei em minha etnografia. Como agir
frente ao processo de ocidentalização que ainda atua através da escola indígena,
fortalecendo a história oficial e encobrindo outras histórias e outras formas de
narrar histórias? De que modo lutar para que as narrativas kaingang sobrevi-
vam e sejam transmitidas às próximas gerações? Quem são os responsáveis por
ensiná-las? Como fazer da escola uma aliada nesse empreendimento? Essas são
perguntas sobre as quais os professores, os velhos e a comunidade kaingang
juntos devem pensar. Precisam refletir sobre o papel da escola indígena que se
propõe específica e diferenciada nesse desafio para a manutenção e a transmis-
são das histórias kaingang. “É preciso que se pense em estratégias para trazê-las
de volta aos ouvidos dos mais jovens, para que se encantem nesse mundo onde
o real e a magia seguem entrelaçados” (Nascimento, 2010, p.78).
NOTAS
1
Censo Escolar da Educação Básica. MEC/Inep, 2011.
2
FERREIRA, Mariana Kawall Leal. A educação escolar indígena: um diagnóstico crítico da
situação no Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da; FERREIRA, Mariana Kawall Leal (Org.).
Antropologia, História e Educação: a questão indígena e a escola. 2.ed. São Paulo: Global,
2001.
3
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. Art. 231 e Art.
210, § 2o.
4
BRASIL. Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas. Brasília: MEC, 1998.
5
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio Janeiro: Livros Técnicos e Científi-
cos Ed., 1989.
6
Esses dados da Funasa estão publicados na página da internet do Instituto Socioambien-
tal. INSTITUTO SOCIOMABIENTAL/POVOS INDÍGENAS NO BRASIL. Terra Indíge-
na Guarita. Disponível em: ti.socioambiental.org/#!/terras-indigenas/3680; Acesso em: 10
jul. 2011.
7
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Educação. Regimento Coletivo das Esco-
las Estaduais Indígenas Kaingang, 2003. p.5, grifos meus.
8
KUSCH, Rodolfo. Obras completas. Rosário: Ed. Fundacion Ross, 2009. p.3. Rodolfo Kus-
ch (1922-1979) foi um filósofo argentino que se dedicou a estudar a América na sua ances-
Resumo Abstract
O presente texto, baseado na minha tese This text, produced based on doctoral
de doutorado, apresenta a educação ka- dissertation, presents Amapa’s Karipu-
ripuna do Amapá no contexto da edu- na education in the context of the diffe-
cação escolar indígena diferenciada na rentiated indigenous school education
Aldeia Espírito Santo, no processo de in Espírito Santo Village, in its process
implantação e funcionamento da Escola of introduction and running of the Mi-
Isolada Mista da Vila do Espírito Santo xed Isolated School of Espírito Santo of
do Curipi, situada na Terra Indígena do Curipi Village, located in Karipuna’s In-
povo Karipuna, na região do Oiapoque, digenous Reservation, in the region of
na década de 1930. O tema se entrelaça Oiapoque river, in the 1930s. This sub-
com a história da educação escolar indí- ject intersects with the history of indige-
gena no Brasil, pontuando as mudanças nous school education in Brazil, sho-
ocorridas a partir dos anos 1980, princi- wing the changes which began in the
palmente em decorrência das conquis- 1980s, mainly due to constitutional
tas constitucionais e da legislação subse- achievements and its subsequent legisla-
quente, que aponta possibilidades para tion, pointing out possibilities for a di-
uma educação escolar diferenciada. fferentiated indigenous school educa-
Palavras-chave: história da educação es- tion.
colar indígena; história da educação; Keywords: history of indigenous school
educação indígena; Karipuna. education; history of education; indige-
nous education; Karipuna.
Assim foi o grande etnólogo Curt Nimuendajú encontra-los, em 1925, com uma
população de mais ou menos 150 almas; nesse estado encontrei-os também, em
1931, contando a essa altura 196 pessoas.
População ordeira, boa e trabalhadora, fabricando já 60% da farinha produzida
na região, são de suas plantações as saborosas laranjas e tangerinas que vem ao
Oiapoque.
Em 1934, o Cel. Magalhães Barata, então interventor federal do Pará, entre as
incontáveis escolas que criou no estado, criou também 3 entre os índios Galibir,
Pariucur e Caripuna, sendo que esta última, pelo grau de adiantamento em que
se achavam os índios, deu ótimos resultados. Este é o motivo por que, entre os
Caripuna, existem alguns que leem e escrevem, embora pouco.
A ação do Serviço de Proteção aos Índios tem sido benéfica e a ela muito se
deve o progresso econômico e cultural dessa gente, que faz questão de ser índia e
que ainda conserva muitas das suas tradições e costumes.6
Naquele tempo era bom. Não era igual hoje que os pequenozinho ficam solto por
aí. Tinha que estudar, saber os números, tinha que ler. A professora Verônica era
pessoa boa, mas ela era braba. Ela tinha uma régua de pau que batia na mão de
quem não aprendesse o que ela ensinava. Eu estudei a terceira série com ela e le-
vei muitas palmadas para aprender.
Não lembro quanto tempo estudei, mas lembro que só tinha até a 5a série, depois
não tinha mais nada pra estudar. A escola não era lá em cima onde é hoje, ela era
em outro lugar. A dona Verônica ensinava de tudo, ela era muito inteligente, ela
ensinava matemática, português e outras coisas. Era a Funai que trazia ela pra cá
e ela batia com uma palmatória, batia na mesa, na mão da gente, mas ao menos a
gente aprendia. As coisas dos índios não podia fazer na escola, ela não deixava.
Foi bom que aprendemos a língua dos brasileiros.
no entanto, não foram recebidas com animosidade, pois todos mostraram sim-
patia pela professora. Segundo Tassinari (2003), a professora Verônica tinha
grande aceitação entre os Karipuna, sendo até reconhecida como ‘nossa pa-
rente’ por eles. Ela chegou ao Curipi em 1924, sendo originária da região de
Vigia, estado do Pará, e aceita pela comunidade, segundo afirma Tassinari:
“Não conheci um Karipuna que não tenha elogios para a professora Verônica,
mesmo da parte de ex-alunos, elogios dos antigos métodos da palmatória e da
proibição do uso do patois na sala de aula” (2003, p.361). Em nome da escola,
a professora determinou ainda a proibição das práticas xamânicas, sob pena
de severos castigos corporais, como atestam os próprios depoentes.
De fato, contraditoriamente, os mais velhos falam das proibições e enten-
dem claramente que a escola implantada na aldeia interferiu na organização
social da comunidade, mas afirmam o tempo todo que aquilo foi positivo no
aprendizado de novos conhecimentos, necessários à realidade local, uma vez
que os Karipuna mantêm relações comerciais e políticas com o entorno, desde
o século XIX.
No entanto, mais importante do que a constatação do vínculo institucio-
nal da professora Verônica é a análise das suas ações pedagógicas e dos desdo-
bramentos da sua presença na aldeia do Espírito Santo por décadas. Por mais
que dona Verônica tivesse a confiança dos Karipuna e fosse considerada por
eles como uma ‘pessoa inteligente’, a realidade é que ela esteve à frente do
projeto de educar para ‘abrasileirar’, uma política educacional que, no limite,
se assemelha ao projeto jesuítico nos meios indígenas à época colonial, res-
guardando as devidas diferenças. Assis (1981) explica que as professoras que
atuavam na região do Curipi tinham o poder de decisão administrativa e cur-
ricular nas escolas, e na escola da aldeia do Espírito Santo dona Verônica es-
tabeleceu a obrigatoriedade de todos falarem a língua portuguesa, não apenas
na escola, mas em toda a aldeia.
Além das evidências expressas nos depoimentos dos velhos Karipuna da
aldeia do Espírito Santo, a bibliografia sobre a temática evidencia a extensão
da influência da professora Verônica no meio Karipuna. Tassinari (2003) es-
clarece que “a escola, no Curipi, não pode ser entendida como uma instituição
externa e alheia às vontades dos grupos, mas foi incorporada, na professora
Verônica, como parente, como parte da família” (p.359). Nessa perspectiva, a
escola naquela aldeia assume uma contradição, pois as práticas pedagógicas
desestruturadoras das tradições locais passaram a ser vistas com bons olhos
por grande parte dos Karipuna. Tassinari observa que a professora Verônica
era uma profissional carismática, criativa, sensível e enérgica. Daí, a autora faz
a seguinte inferência:
Logo, pode-se entender a aceitação por parte das famílias da maioria das regras e
imposições trazidas pela escola não apenas como uma relação de ‘opressão’ entre
governo/SPI e as famílias indígenas, sendo estas últimas o polo passivo da rela-
ção. Pelo contrário, houve engajamento ativo das famílias no projeto de escola e
mesmo as políticas de ‘abrasileiramento’ foram vistas como alternativas para ‘me-
lhorar’, ‘progredir’. (2003, p.360)
criou uma ajudância na Vila do Espírito Santo (hoje cidade do Oiapoque) e ins-
talou um posto de nacionalização na confluência do Uaçá com o Curipi (Incru-
so), passando desde então a aplicar uma série de planos tendo em vista o desen-
volvimento da lavoura e da pesca, o estabelecimento da pecuária e de indústrias,
a criação de um entreposto comercial para transacionar com os índios, e a pres-
tação de assistência sanitária e escolar. (Arnaud, 1984, p.21)
O ponto de partida para todo o conteúdo a ser ensinado aos índios é a cultura
indígena – valorizar o que são, fazer deles pesquisadores do próprio mundo e do
saber dos mais velhos, extrair os fios antigos de um conhecimento e formas de
vida que estão sendo abandonados.13
Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais
de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integra-
dos de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural
aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:
Apesar do nosso distanciamento em relação aos centros urbanos, nós, povos in-
dígenas do Oiapoque estamos muito organizados, estamos entre os índios mais
bem articulados do Brasil. Desde o início das discussões sobre a educação dife-
renciada nós estamos acompanhando tudo, realizando encontros locais e viajan-
do para os encontros nos outros estados e em Brasília. Queremos nossa escola
forte e nossos filhos cada vez mais sabidos, sem deixar a cultura de lado.
NOTAS
1
ARNAUD, Expedito. O índio e a expansão nacional. Belém: Cejup, 1989.
2
VINCENT, Guy et al. Sobre a história e a teoria da forma escolar. Educação em Revista,
Belo Horizonte, n.33, p.7-47, jun. 2001. p.37-38.
3
CARVALHO, Marta M. C. A escola e a República e outros ensaios. Bragança Paulista (SP):
Edusf, 2003. p.314.
4
SCHWARTZMAN, Simon. (Org.). Estado Novo, um auto-retrato (Arquivo Gustavo Ca-
panema). Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1982.
5
RICARDO, Carlos A. Povos indígenas no Brasil. São Paulo: Cedi, 1983. (v.3, Amapá/Nor-
te do Pará).
6
RONDON, Candido M. S. Índios do Brasil das cabeceiras do rio Xingu, dos rios Araguaia
e Oiapoque. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, 1953. v.II, p.282.
7
ASSIS, Eneida Correia de. Escola Indígena: uma frente ideológica? Dissertação (Mestra-
do) – PPGAS, UnB. Brasília, 1981.
8
TASSINARI, Antonella Maria I. No bom da festa: o processo de construção cultural das
famílias Karipuna do Amapá. São Paulo: Edusp, 2003. p.361.
9
ARNAUD, Expedito. Os índios Palikur do rio Urucauá: tradição tribal e protestantismo.
Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1984. (Publicação avulsa, 38).
10
TASSINARI, A. M. I. Da civilização à tradição: os projetos de escola entre os índios do
Uaçá. In: SILVA, Aracy Lopes; FERREIRA, Mariana K. Leal (Org.). Antropologia, História
e educação: a questão indígena e a escola. São Paulo: Global, 2001.
11
DIAS DA SILVA, Rosa H. Povos indígenas, Estado Nacional e relações de autonomia: o
que a escola tem com isso? In: In: MATO GROSSO. Secretaria de Estado da Educação.
Urucum, jenipapo e giz: a educação escolar indígena em debate. Cuiabá: Entrelinhas, 1997.
p.66.
12
LUCIANO, Gersem dos Santos. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os
povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: MEC/Secad; Museu Nacional, 2006.
13
MINDLIN, Betty. O aprendiz de origens e novidades: o professor indígena, uma expe-
riência da escola diferenciada. Estudos Avançados, São Paulo, v.8, n.20, jan.-abr. 1994.
p.235.
14
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Referencial curricular nacional para as escolas indígenas. Brasília, 1998.
15
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases Educação Brasileira. Brasília: Senado Federal, 1996.
16
BRASIL. Resolução 03/99/CNE: Fixa Diretrizes Nacionais para o funcionamento das es-
colas indígenas. Brasília: MEC, 1999.
17
ÂNGELO, Francisca Novantino P. de. A educação e a diversidade cultural. Cadernos de
educação escolar indígena (3o grau indígena), Barra do Bugres: Unemat, n.1, v.1, p.34-40,
2002.
18
MENESES, Gustavo H. Conhecimento e poder: dilemas e contradições na educação es-
colar indígena. Revista de Estudos e Pesquisa, Brasília: Funai/CGEP/CGDTI, v.2, n.2, dez.
2005. p.128.
19
REPETTO, Maxim. A formalização das propostas pedagógicas das escolas indígenas e a
construção de cidadanias diferenciadas. Cadernos de educação escolar indígena, Barra dos
Bugres: Unemat, v.6, n.1, 2008. p.45.
DALMOLIN, Gilberto Francisco. O papel da escola entre os povos indígenas: de instru-
20
mento de exclusão a recurso para emancipação sociocultural. Rio Branco: Edufac, 2004.
Vamos começar nossa conversa pedindo que faças uma breve apresentação
da tua trajetória de formação e atuação na área de educação escolar indígena.
O meu primeiro contato com a escola foi com missionários, com a escola
colonizadora, propriamente dita: era uma escola para educar, civilizar e do-
mesticar os índios numa época em que o objetivo da escola para os índios era
isso: pacificar para integrar. A escola era para domesticar a nova geração de
indígenas para se tornarem pessoas e cidadãos obedientes às imposições do
Estado. Por outro lado tive a oportunidade de frequentar, do ponto de vista
colonial, boas escolas que são as escolas salesianas. A região do Alto Rio Negro
sempre teve forte presença dos missionários salesianos com suas escolas, e isso
me permitiu estudar até o Ensino Médio nessas escolas. São escolas muito boas,
do ponto de vista da escola tradicional branca.
Depois, a segunda experiência foi com a discussão e experimentação de
tentativas de mudança dessa escola tradicional colonial para uma escola que
pudesse principalmente reconhecer, respeitar e valorizar os conhecimentos, as
tradições, os valores e os conhecimentos indígenas. A grande diferença, em
minha opinião, da escola colonial tradicional e da escola hoje pretendida pelos
*Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Av. Paulo Gama, 110.
90040-060 Porto Alegre – RS – Brasil. cida.bergamaschi@gmail.com
Sem precarizar!
que de fato batalham para não ter os prédios físicos, como no modelo branco
oferecido pelo poder público, principalmente pelo Ministério da Educação por
meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Muitas
vezes o discurso que se faz generaliza demais. Leva-se em consideração o nú-
mero de escolas que não têm prédio para qualificar o nível da política. Isso de
certa maneira vai forçando a própria visão indígena de que “se eu não tenho
um prédio bonito é porque a minha escola não presta” ou que “a nossa educa-
ção não funciona e não presta”. Os povos indígenas nunca construíram prédios
para fazer ou ter educação, mas sempre tiveram boa educação, capaz de garan-
tir suficiente sociabilidade e convivência de todos os indivíduos e grupos étni-
cos ao longo de milhares de anos. A ideia de prédio escolar como nota de
avaliação da educação é questionável e acaba fazendo uma ingerência perversa,
induzindo as comunidades indígenas a pensarem que o sinônimo de boa escola
indígena é um prédio bonito, não importam os conteúdos, as pedagogias e as
metodologias trabalhadas. E muitas vezes se esquece de discutir o processo e
as experiências pedagógicas em si.
Eu diria que nós conseguimos avançar muito, principalmente na questão
da oferta escolar, e, com isso, o direito está sendo consolidado na medida em
que o poder público cada vez mais vem assumido seu papel. Agora, tem enor-
mes desafios, desde infraestrutura, material didático, organização curricular,
tempo curricular. Tem um enorme conservadorismo na política pública como
tal e, sem dúvida, de difícil solução. Há uma resistência muito grande do
sistema nacional, dos sistemas estaduais, dos sistemas municipais em fazer o
seu papel técnico, administrativo, jurídico, político, normativo, em reconhecer
as diversas experiências inovadoras de escolas indígenas. Isso é real. É impor-
tante reconhecer as limitações e os problemas da administração e da política
pública estatal que é monoculturalista, que sempre pensa políticas genéricas
para o país e para a sociedade, sem levar em consideração as diversidades
socioculturais que os constituem, para serem superadas e equacionadas. Esse
é o principal desafio que a política pública enfrenta, com alguns sinais de
melhora, de abertura, mas ainda é um enorme gargalo, que eu acho que tem
que ser ainda muito trabalhado.
importante, nós não estávamos preparados para isso porque veio um pouco
cedo, do ponto de vista da construção mental, do imaginário. Veio mais como
possibilidade. “Nós” quem? Tanto nós indígenas, quanto a sociedade não indí-
gena. Isso foi uma luta aproveitada do movimento negro, pela articulação afro-
descendente, e a gente conquistou esse direito muito importante. Espero resul-
tados mais concretos em médio prazo. Contudo, é fundamental, porque vai
ajudar ou já está ajudando a oferecer mais informações e conhecimentos sobre
os povos indígenas de forma mais correta. No campo da educação, em termos
de material didático, isso é fundamental e deve ser muito trabalhado.
Temos grandes desafios: primeiro, não temos materiais didáticos educati-
vos! E me parece que é difícil produzir material didático para atender essa
orientação normativa, pela própria complexidade que é. Veja: nós estamos fa-
lando de informações, de conhecimentos sobre os índios, para não índios. En-
tão, o primeiro desafio é como os povos indígenas vão se apropriar dessa fer-
ramenta para divulgar seus conhecimentos, seus valores, suas culturas e
tradições. Ainda não vejo o movimento indígena mobilizado para isso. Essa é
a principal dificuldade. A primeira pergunta é: “O que os povos indígenas que-
rem que os não índios saibam deles?”. Isso já é um enorme problema, porque
teremos muitas dificuldades para os próprios índios definirem isso, diante da
grande diversidade de povos, realidades locais e contextos históricos. São os
índios que devem definir o que querem e como querem ser conhecidos pela
sociedade nacional. “Que tipo de conhecimento querem divulgar?” Aos povos
indígenas, muitos conhecimentos seus não interessam que os brancos fiquem
sabendo, pois nem internamente são de domínio público, como são os conhe-
cimentos dos pajés. Teremos muitas dificuldades para classificar quais são os
conhecimentos que podem ser levados ao conhecimento dos não índios.
O segundo desafio é a produção de material de divulgação. Nesse nível, a
experiência dos últimos anos no campo da produção de material didático foi
muita na área do letramento, da alfabetização. Temos hoje mais de duzentos
títulos, sendo oficiais e reconhecidos pelo Ministério da Educação como ma-
terial didático sobre indígenas para escolas indígenas, mas tudo na área do
letramento. Ocorre que para a orientação da Lei 11.645 terão que ser materiais
didáticos bem mais trabalhados, porque fundamentalmente são para atender
a educação básica e fortemente o ensino médio, onde a juventude tem mais
interesse no tema. É muito difícil produzir isso. Acho que o Ministério da
O que você falou é fundamental por ser um dos primeiros desafios, que é
a formação de professores. O Brasil enfrenta um problema histórico e macro-
estrutural em termos de formação de professores. Pois se há uma fraqueza
muito grande na política brasileira com relação à educação de modo geral, é a
formação de professores. Para que a Lei 11.645 ganhe efetividade esse é o ponto
de partida, porque não adianta trabalhar material didático se não trabalhar a
Mais alguma coisa que achas relevante dizer? Uma perspectiva para o
futuro?
consolidação eu acho que tem algumas coisas muito interessantes. Uma delas,
trazida pela única Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena da his-
tória do Brasil, que foi realizada em Brasília em 2009, é que algumas políticas
precisam ser aprofundadas. Por exemplo, essa linha de estruturação das escolas
indígenas, agora com esse novo viés, da autonomia na gestão, do protagonismo
indígena, cada vez mais vem fortalecendo as pedagogias indígenas, os proces-
sos próprios de aprendizagem, o que é fundamental. Mas há uma necessidade
de melhor estruturação dessa política por meio de algumas propostas: uma é
organizar melhor o financiamento. O financiamento da educação escolar é
crescente nos últimos anos, mas com pouco efeito na ponta, então isso precisa
ser adequado. O segundo é uma novidade na política da educação, que é a ideia
da escola autônoma e diferente. Percebemos que os sistemas de ensino que nós
temos hoje não são capazes de atender isso. Não é por vontade, é pelas condi-
ções técnicas e políticas. Os sistemas de ensino dos municípios, dos estados e
da União nunca foram pensados para dar conta dessa diversidade, mas sim
para pensar a nação, o município, o estado. Daí cada vez mais todo mundo é
convencido de que há a necessidade de pensar uma organização de sistema
próprio de educação escolar indígena.
‘como’ e ‘com quem’ eles organizam suas relações, suas demandas, suas estra-
tégias e suas alianças e parcerias. Os territórios etnoeducacionais apontam
claramente para o reconhecimento das tão sonhadas autonomias indígenas em
seus territórios, na hora de pensar, organizar e implementar políticas públicas
educacionais, com envolvimento, participação, protagonismo e controle dos
beneficiários indígenas. Como é que se pode trabalhar a especificidade do di-
reito, da cultura, da tradição e dos processos educativos próprios dos povos
indígenas, dentro da configuração dos estados e dos municípios? A ideia é que
se tenha uma nova configuração espaço-tempo, uma nova configuração de
sistema jurídico-administrativo, de normas, de regras e de financiamento pú-
blico. Portanto, a meta em médio e longo prazo é constituir esse novo sistema,
que é uma longa batalha a acontecer, que curiosamente, como eu disse, a po-
lítica educacional brasileira é uma das políticas mais conservadoras no campo
das políticas públicas no Brasil. Quem trabalha nesse campo sabe perfeitamen-
te que é. Por exemplo, a política de saúde tem muitos problemas, mas a política
de saúde resolveu essa coisa de sistema há 20 anos. A saúde indígena é um
sistema próprio, lógico que articulado ao Sistema Único de Saúde, porque é
um sistema ou subsistema dentro da estrutura do Estado, mas com financia-
mento próprio e com sua organização espaço-temporal própria, que são os
Distritos Sanitários. Para isso é necessário criar e organizar novos processos
administrativos, para atender as realidades específicas das comunidades e ter-
ras indígenas. Processos de contratação de professores indígenas, de constru-
ção de escolas indígenas, de serviços de transporte escolar de alunos indígenas
não podem ser os mesmos processos utilizados para as escolas urbanas e rurais
de não indígenas. Se isso não for mudado, os povos indígenas continuarão
sendo excluídos das políticas, e suas escolas e processos educativos ficarão si-
tuados em níveis baixíssimos de indicadores de qualidade, como continua
sendo. Há ainda muita resistência, porque o conservadorismo da elite que
pensa a educação é fenomenal. Se você pensar uma educação diferenciada, para
eles você estará questionando a soberania nacional. Não há coisa mais ridícula,
mais conservadora e mais atrasada nesse debate, mas é assim que a nossa elite
da educação brasileira pensa e age. Vai ser, portanto, uma luta longa. Por outro
lado, no Ministério da Educação já tem gente que acredita e que concorda com
isso, então vai ser uma boa briga nos próximos anos.
Resumo Abstract
A Lei 11.645/2008 objetiva contribuir The Brazilian law number 11.645/2008
para a construção de uma educação aims to contribute to the construction of
que valorize as relações étnico-raciais an education which values ethnic-racial
no sentido do resgate das identidades, relations in the sense of recovery of iden-
incentivando o respeito entre os gru- tities, stimulating the respect between the
pos que compõem a nossa sociedade e groups that make up our society and the
o questionamento do mito da ‘demo- questioning of the myth of the ‘racial de-
cracia racial’. O acréscimo da temática mocracy’. The addition of the indigenous
indígena não implica apenas o acrésci- theme does not only imply the addition
mo de conteúdos, mas também novas of contents; but also new approaches,
abordagens, novas metodologias, no- new methodologies, new objects to the
vos objetos na História Ensinada. Em Taught History. In short, it implies a His-
síntese, implica uma História que tory which breaks with the traditional
rompe com a tradicional visão euro- eurocentric view; and, besides this, it
cêntrica e propõe a desconstrução de holds a concern about the deconstruction
estereótipos. Este estudo destaca os of stereotypes. In this study, we intend to
efeitos da Lei 11.645/2008 no livro di- highlight which were the effects of the
dático e sugere como este pode ajudar 11.645/2008 law on the Textbook and
na construção das identidades, fortale- how this may help the construction of
cendo os vínculos identitários dos es- identities. The apparent changes on the
tudantes e contribuindo para uma Textbook for it to adjust to the objectives
maior alteridade. of the law and how these objectives may
Palavras-chave: ensino de História Indí- strengthen the students’ identity bonds as
gena; livro didático; alteridade. well as contribute to a greater alterity.
Keywords: teaching of Indigenous His-
tory; textbook; alterity.
*Professora da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro. Secretaria Estadual de Educação do Rio
de Janeiro (SEEDUC – RJ). Rua da Ajuda, 5. Centro. 20040-000 Rio de Janeiro – RJ – Brasil.
marifarb@msn.com
Toda a legislação possui atrás de si uma história do ponto de vista social. As dis-
posições legais não são apenas um exercício dos legisladores. Estes, junto com
caráter próprio da representatividade parlamentar, expressam a multiplicidade
das forças sociais.2
sem que tal tratamento seja, necessariamente, vinculado a uma reflexão crítica
Análise de conteúdo
Encontros
Nessa confluência, que se dá sob a regência dos portugueses, matrizes raciais dís-
pares, tradições culturais distintas, formações sociais defasadas se enfrentam e se
fundem para dar lugar a um povo novo, num novo modelo de estruturação socie-
tária. Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de
suas matrizes formadoras, fortemente mestiçada, dinamizada por uma cultura
sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais delas oriundos.7
Também se procurou elucidar como o LD deu voz a cada uma dessas ‘ma-
trizes raciais díspares’, se tais vozes estão explícitas, ocultas ou mesmo se foram
negadas; se mesmo em se tratando de encontros, o que ainda permanece é a voz
daquele grupo que regeu esse ‘novo modelo de estruturação societária’.
A inclusão desta categoria de análise se deve à própria constituição étnica
da nossa nação. Esses encontros não foram casuais, foram marcados, como
todos sabemos, pelo signo da violência. O que queremos ouvir, consultando o
LD, é a versão daqueles que foram ‘vencidos’, retirados do seu espaço natural
de convivência (sejam indígenas ou africanos) e inseridos numa nova lógica
econômica que defendia a exploração como forma de enriquecimento.
Mais do que procurar vítimas ou culpados, mocinhos ou bandidos, esta-
mos à procura dos discursos textuais que marquem uma ruptura com essa
visão dicotômica e contribuam para que o educando compreenda que tais
relações foram construídas por sujeitos históricos e foram, portanto, frutos de
negociações, de resistências e também de conformações; que esses encontros
não aconteceram apenas em um momento específico e reapareceram em ou-
tros (por exemplo, durante a montagem da colonização e, depois, nas lutas pela
demarcação de terras), e sim que estão presentes no fluxo contínuo da própria
história. Queremos interrogar o LD também sobre a capacidade de enunciar
para os estudantes as permanências e as descontinuidades das tensões sociais
no Brasil.
A coleção História, sociedade e cidadania está dividida em quatro volu-
mes, um para cada ano do segundo segmento do Ensino Fundamental. Propõe-
-se a apresentar o conteúdo de história de forma integrada e em ordem crono-
lógica. Assim, o estudante, ao dominar o conceito de linha do tempo, tema dos
capítulos iniciais, que envolvem a introdução aos estudos da História, estará
apto a identificar fatos simultâneos em outros espaços, o que nos ajudará na
categorização desses encontros, promovendo uma ruptura com a tradição do-
minante, pela qual os ‘índios’, por exemplo, só passariam a ter uma história a
partir da chegada do europeu.
Ao se apropriar do conceito da simultaneidade, o professor poderá de-
monstrar para seus estudantes que os índios também são portadores de uma
história ‘pré-chegada dos portugueses’, e os temas apresentados em ordem
cronológica permitem visualizar isso quando se coloca a história desses povos
ao lado da história de outros povos.
Claro que essa forma de divisão não é apenas um estilo narrativo, mas um
recurso didático.
Em relação à temática indígena, o primeiro volume reservou o Capítulo
5 para trabalhar “A pré-história brasileira”. Do ponto de vista dos encontros,
podemos observar que o autor salienta os ritmos de duração histórica marca-
dos de forma diferente da história universal (de cunho europeu), demonstran-
do que os antigos habitantes de nosso território não estavam em posição de
inferioridade em relação aos povos conquistadores, apenas apresentavam um
modo de viver diferente. O autor alerta para a necessidade de se conhecer
melhor a história desses povos que são os verdadeiros ‘descobridores do Brasil’,
e também para o perigo de se homogeneizarem grupos indígenas com culturas
distintas.
O segundo volume possui como recorte cronológico dois períodos histó-
ricos: o período medieval e a modernidade. Tanto para a questão indígena
quanto para a africana, não são enunciados pontos de encontro entre as cul-
turas no primeiro período.
O autor até se reporta a uma história anterior à chegada dos portugueses,
mas sem delimitação de data, tanto para os africanos quanto para os indígenas.
Isso pode confundir o estudante, primeiro por não se elucidar o ‘quanto antes’
é o tempo dessa chegada; segundo, por recair no mesmo erro já cometido por
muitos autores de livros didáticos de história: considerar que durante a Idade
Média só havia história para os europeus.
O autor considera outras civilizações, como os bizantinos e os chineses,
durante a medievalidade, mas omite os povos indígenas e africanos no mesmo
período – algo compreensível pela ausência de fontes e também por questões
editoriais.
Em relação à temática indígena, ainda no segundo volume, no capítulo
intitulado “Povos indígenas no Brasil” o autor se coloca criticamente perante
dois aspectos: a vitimização pela qual os índios são geralmente apresentados
nos livros didáticos, e a homogeneização das suas culturas:
Os indígenas já viviam nas terras onde hoje é o Brasil milhares de anos antes da
chegada dos portugueses. Apesar disso, com poucas exceções, aparecem nos li-
vros escolares. E, muitas vezes, são mostrados apenas como vítimas, e não como
sujeitos da História.
Além disso, diferentes povos indígenas são muitas vezes chamados pelo no-
me de índio, como se fossem todos iguais. (Ribeiro, 1995, v.2, p.202)
Mas afinal, o que os povos indígenas têm em comum? Em que são diferentes uns
dos outros? Qual o significado da terra para eles? Quais os principais problemas
enfrentados por eles no passado? Quais enfrentam hoje? (Ribeiro, 1995, v.2,
p.202)
Durante muito tempo, pensou-se que a maioria dos índios escravizados pelos
bandeirantes foi vendida a colonos do Rio de Janeiro e da Bahia – regiões onde
havia falta de trabalhadores, depois que os holandeses passaram a dominar o
tráfico negreiro. Mas uma pesquisa recente, do professor John Manuel Monteiro,
comprovou que somente uma pequena parte dos indígenas capturados foi vendi-
da para o Rio de Janeiro e a Bahia. A maior parte deles foi vendida para as fazen-
das de trigo existentes em São Paulo.8
Considerações finais
africanas, pois, de modo geral, cada uma dessas etnias é apresentada de ma-
neira isolada e sempre em relação ao modelo europeu.
No desenvolvimento deste trabalho procuramos adotar a posição de que
as identidades passam por um processo de construção. Compartilhamos o
pensamento de Stuart Hall9 ao afirmar que elas não são rígidas, são fluidas e
híbridas. A Lei 11.645/2008, fruto das lutas sociais, aponta um espaço para
construção de uma identificação com outras matrizes que não a europeia. Essa
lei vai possibilitar – assim esperamos – o respeito, o entendimento de como se
dimensionam as diferenças e o combate às desigualdades. Estas são apenas
algumas faces dessa construção que não se faz apenas por força da lei, mas que
se efetua sobre os jogos de interesses e disputas com os quais deparamos nas
nossas relações cotidianas.
Nesses embates está em pauta a centralidade da dimensão histórica com
a busca das raízes e das origens dessas matrizes pela evocação de um passado
que legitime tais identidades. A história e o ensino de história passaram a ser
essenciais na recuperação da cidadania dos grupos que ao longo da construção
do saber histórico e do próprio desenvolvimento de nossa nação foram, de um
modo ou de outro, marginalizados.
O saber histórico escolar possui algumas especificidades, entre elas, como
vimos, o fato de colaborar na formação dos indivíduos, sobretudo crianças e
adolescentes, que ainda se encontram em processo de desenvolvimento. Existe,
portanto, uma necessidade subjacente de se compreenderem os discursos ideo-
lógicos que podem estar embutidos na própria concepção de história e nos
materiais didáticos.
O LD tem se mostrado um importante recurso didático – nem por isso
isento de ideologia – para a mediação que ocorre entre o saber acadêmico e o
saber escolar. Além disso, é um importante meio para a divulgação das dire-
trizes curriculares.
Concluímos, pois, que a Lei 11.645/2008 constitui um ótimo ponto de
partida para uma sociedade em que o racismo deixe de ser uma prática comum
nas relações cotidianas, ainda que muitas barreiras precisem ser superadas. A
coleção História, sociedade e cidadania transpôs com sucesso algumas dessas
barreiras, outras ainda requerem o olhar atento do professor, o mediador des-
ses conhecimentos. Para tanto é necessária uma formação também pautada na
promoção da igualdade entre as raças.
Anexos
Quadro 1 – Perfis das coleções analisadas no PNLD-2011
Gráfico 1
PNDL 2011 – Formas de abordagem
da temática e História da áfrica – em %
Gráfico 2
PNDL 2011 – Orientações ao professor sobre o tratamento
da temática indígena e História da áfrica – em %
NOTAS
1
CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo e educação: desafios para a prática pedagógica.
In: MOREIRA, Antônio Flávio; CANDAU, Vera Maria (Org.). Multiculturalismo: diferenças
culturais e práticas pedagógicas. Petrópolis (RJ): Vozes, 2008. p.44.
2
BRASIL. Conselho Nacional de Educação/Câmara da Educação Básica. Diretrizes Curricu-
lares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Brasília: MEC/SEF, 2000. p.12.
3
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é uma política do Estado Brasileiro que
por intermédio de editais busca promover a qualidade de ensino com base nos livros didáti-
cos. Tem sido um instrumento muito eficiente na divulgação das diretrizes curriculares, co-
mo se verá adiante.
4
Edital PNLD-2008, p.31.
5
BOULOS JR., Alfredo. História, sociedade e cidadania. 4v. São Paulo: FTD, 2006. Manual
do Professor, v.1, p.7.
6
MORAES, Roque. Análise de Conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v.22, n.37, p.7-32,
1999.
7
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 1995. p.19.
8
MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Pau-
lo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p.120.
9
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1998.
p.13.
Resumo Abstract
O objetivo do artigo é refletir sobre os de- The aim of this paper is to reflect upon
safios implícitos nos debates acerca da the implicit challenges on the debate
formação de indígenas no ensino superior on indigenous higher education in
no Brasil contemporâneo. Considera-se contemporary Brazil. The paper con-
para isso a busca dos movimentos indíge- siders the indigenous movements
nas pela obtenção de conhecimentos ne- struggles to acqueire knowledge so that
cessários para redefinir a presença indíge- they can modify Brazilian State. It is
na no Estado no Brasil e para entender as done through the analysis of the ac-
tions of an applied project developed
formas político-sociais não indígenas, de
by a research team at the Research Lab-
modo a superá-las. Essa reflexão se faz so-
oratory on Ethnicity, Culture and De-
bre a experiência do Projeto Trilhas de
velopment, at the Museu Nacional,
Conhecimentos: o Ensino Superior de In-
Federal University of Rio de Janeiro,
dígenas no Brasil, desenvolvido de 2004 a
from 2004 to 2010 in Brazil, funded by
2010 no Laboratório de Pesquisas em Et- the Ford Foundation.
nicidade, Cultura e Desenvolvimento (La- Keywords: indigenous; higher educa-
ced) do Museu Nacional-UFRJ, financia- tion; Ford Foundation.
do pela Fundação Ford.
Palavras-chave: povos indígenas; educa-
ção superior; Fundação Ford.
*Departamento de Antropologia – Museu Nacional. Quinta da Boa Vista, s/n, São Cristóvão.
20940-040 Rio de Janeiro – RJ – Brasil. Fontes de financiamento: Fundação Ford, Faperj, Finep,
CNPq. acslima@gmail.com
Se esse é o cenário atual, não custa lembrar que nos últimos 40 anos di-
versas foram as mudanças nas relações entre o Estado nacional brasileiro e os
povos indígenas habitantes autóctones desta porção do continente americano,
cuja presença histórica é um dos vetores constituintes do nosso país, ainda
que denegado, seja pela romantização seja pela elisão. De uma política desen-
volvimentista marcada por um assimilacionismo desenfreado, chegamos até
a demarcação sob a figura jurídica de terras indígenas dessas extensas partes
do território brasileiro, a partir dos anos 1990. Deixaram de ser grupos ou
bandos integralmente submetidos ao Estado brasileiro na condição de legal-
mente tutelados, isto é, apenas parcialmente responsáveis por seus atos e ne-
cessitados, para efeitos da estrutura jurídico-administrativa brasileira, da
mediação e da condução de um tutor, equiparados assim, em termos de Di-
reito Civil, aos brasileiros não indígenas menores de 18 e maiores de 16 anos.
Passaram, por efeito da Constituição de 1988, a ser reconhecidos como civil-
mente capazes de se representarem juridicamente por meio de suas organiza-
ções, e tiveram seu estatuto de povos reconhecido por força da ratificação pelo
governo brasileiro (Congresso Nacional) da Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho, em junho de 2002.
São agora coletividades reconhecidas como povos que contam com de-
mandas por sustentabilidade e desenvolvimento diferenciado, por projetos e
parceiros (dentre essas organizações de intervenção indigenista – as ditas
ONGs indigenistas, hoje altamente profissionalizadas e exercendo funções de
governo –, agências de cooperação técnica governamentais e não governa-
mentais bi ou multilaterais, dentre as quais redes ambientalistas conservacio-
nistas e seus parceiros nacionais) que legalmente devem ser ouvidos a cada
decisão que os afete. No meio dos movimentos indígenas e suas organizações
evidencia-se, assim, a incorporação do léxico (neo)desenvolvimentista como
modo de expressar necessidades amplas e interesses multifacetados num ce-
nário de tentativas (externas) de mudança social induzida e (internas) de
transformações aceleradas, com grandes decalagens entre as gerações indíge-
nas. O protagonismo indígena, expressão cara aos movimentos indígenas e que
marca sua busca por autonomia nos processos sociais em que estão envolvi-
dos, é a moeda corrente do momento. Como efeito mais geral, tem-se a sin-
gular despolitização da ação de representantes indígenas e sua tecnificação,
tão ao gosto do mundo do desenvolvimento.5
Nestas quatro décadas cruzam-se, portanto, fios que podem nos conduzir
ao entendimento do complexo da questão indígena no Brasil contemporâneo,
desanimador à primeira vista, no plano governamental, em face de períodos
como o dos anos 1990 e início dos anos 2000, em aparência tão promissores
de mudanças e novas perspectivas, mas que todavia deixaram pouco ou nada
institucionalizado. A recuperação de um pouco da história das relações entre
povos indígenas e Estado brasileiro pode ajudar a perceber, ainda que super-
ficialmente, o regime de preconceitos que se manifesta contra esses povos de
diversas formas e foi capturado claramente pela pesquisa “Indígenas no Brasil
– demanda dos povos e percepção pública”. Grande é a ignorância do brasi-
leiro médio, seja das grandes cidades, seja do interior, acerca dos modos de
vida indígenas no país.
A novidade que merece destaque – ainda que seja necessário entender
alguns de seus principais dilemas – é o associativismo indígena, que não se
iniciou com a Constituição de 1988, mas teve desde então um estímulo con-
siderável. O movimento indígena e suas inúmeras formas de expressão insti-
tucional, sobretudo no modelo não autóctone das já mencionadas organiza-
ções indígenas (OIs), tem feito a diferença essencial desde os anos 1970-1980.
As OIs têm amplitudes de ação muito distintas – desde as que representam
aldeias ou as de corte étnico (representando um povo) até as de âmbito regio-
nal, passando por grandes redes de organizações, como a Coordenação das
Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab, www.coiab.com.br/)
ou a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito
Santo (Apoinme), a Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul), a
Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal e Região Centro-Oeste (Arpi-
pan), ou a tentativa de reuni-las na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
(Apib). Todas elas seguem padrões distintos de tentativas anteriores como a
da União das Nações Indígenas (UNI), criada em 1980 e que na prática se
desarticularia no imediato pós-Constituinte.6 As funções das organizações in-
dígenas eram inicialmente voltadas para a defesa de direitos e para a ação
política. Elas foram se tecnificando ao longo dos anos 1990, sendo direciona-
das à operação de projetos e planos não explicitados de transformação mais
abrangente.
Os ganhos e perdas desses processos ainda estão por ser sopesados ade-
quadamente. Eles não só aportaram muitos novos conhecimentos,
NOTAS
1
A Fundação Perseu Abramo realizou no ano de 2011 uma extensa pesquisa de opinião
coordenada pelo professor Gustavo Venturi (USP), intitulada “Indígenas no Brasil: de-
mandas dos povos e percepções da opinião pública”, que “mostra um retrato idealizado
dos povos indígenas por parte da maioria dos/as brasileiros/as: baixo conhecimento sobre
a realidade dos povos indígenas, sobre seus principais problemas e conflitos, sobre seus
direitos e ameaças às terras indígenas. Traz ainda as percepções dos índios que vivem nas
cidades em relação a temas como intolerância, preconceito e discriminação”. Disponível
em: www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/pesquisas-de-opiniao-publica/pesquisas-reali-
zadas/indigenas-no-brasil-demandas-dos-pov; Acesso em: 18 set. 2012. Seus resultados
geraram um livro (no prelo) acerca dos temas que abordou.
2
Os dados do censo de 2010 no tocante à população indígena estão disponíveis em: www.
ibge.gov.br/indigenas/indigena_censo2010.pdf; Acesso em: 18 set. 2012.
3
Dados elaborados pelo Instituto Socioambiental, disponíveis em: pib.socioambiental.org/
pt/c/0/1/2/situacao-juridica-das-tis-hoje; Acesso em: 18 set. 2012.
4
Se considerarmos esse ponto, os condicionantes apresentados pelo STF no caso de Rapo-
sa Serra do Sol assumem uma dimensão muito preocupante. Veja-se sobre esse ponto
CARNEIRO FILHO, Arnaldo; SOUZA, Oswaldo Braga de. Atlas das pressões e ameaças às
terras indígenas da Amazônia Brasileira. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2009. A Fun-
dação Joaquim Nabuco prepara, sob a coordenação de João Pacheco de Oliveira, uma nova
versão do Atlas das Terras Indígenas do Nordeste (Rio de Janeiro: Projeto Estudo sobre
Terras Indígenas no Brasil/Museu Nacional-UFRJ, 1993), e o Centro de Trabalho Indige-
nista tem um importante conjunto de trabalhos na temática territorial, em especial sobre a
questão guarani no sul do Brasil.
5
Sobre os efeitos despolitizantes das intervenções desenvolvimentistas, ver, dentre outros:
FERGUSON, James. The anti-politics machine: “Development”, Depoliticization and Bu-
reaucratic Power in Lesotho. Minneapolis & London: University of Minnesota Press, 1994.
Dentre muitos títulos sobre desenvolvimento, ver: ESCOBAR, Arturo. Encountering deve-
lopment: the making and unmaking of the Third World. Princeton: Princeton University
Press, 1995; e RIST, Gilbert. The history of development: from Western origins to global
faith. London: Zed Books, 1999.
6
Para uma análise importante produzida desde dentro do movimento indígena por um de
seus principais pensadores e atores, com larga experiência em posições institucionais dis-
tintas em organizações indígenas e representando-o em instâncias participativas e postos
burocráticos na administração pública brasileira: BANIWA, Gersem José dos Santos Lu-
ciano. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre o índio brasileiro de hoje. Rio de
Janeiro: Trilhas de Conhecimentos/Laced; Brasília: MEC/Secad; Unesco, 2006. (Coleção
Educação para Todos – Série Vias dos Saberes). O autor é índio Baniwa, mestre e doutor
em Antropologia pela UnB.
7
Cf. ABRAMS, Philip. Notes on the difficulty of studying the state. Journal of Historical
Sociology, v.1, n.1, p.58-89, 1988.
8
Sobre a tutela como forma de exercício de poder, veja-se: SOUZA LIMA, Antonio Carlos
de. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e formação de Estado no Brasil.
Petrópolis (RJ): Vozes. 1995.
9
O Laced é um laboratório universitário de pesquisas e intervenções coordenado por João
Pacheco de Oliveira Filho e Antonio Carlos de Souza Lima, no âmbito do Setor de Etnolo-
gia e Etnografia/Departamento de Antropologia/Museu Nacional-UFRJ. (Ver www.laced.
etc.br). Para o referido projeto: www.trilhasdeconhecimentos.etc.br. Sobre os referidos
pesquisadores: Souza Lima (lattes.cnpq.br/0201883600417969) e Macedo Barroso (ex-
-Barroso-Hoffmann, lattes.cnpq.br/0346342034718575). Acessos em: 18 set. 2012.
10
Para a Fundação Ford: www.fordfound.org. A Pathways to Higher Education Initiative
foi uma iniciativa global – forma de dispor recursos com certos objetivos, desenvolvida por
um período determinado e com recursos finitos – da FF, cujos contornos podem ser vistos
em: www.fordfoundation.org/pdfs/library/pathways_to_higher_education.pdf. Acesso
em: 18 set. 2012.
11
Para breves informações oficiais acerca da Fundação Ford em sua versão oficial: www.
fordfound.org/about/history/overview. No caso brasileiro, as famílias de elite ou institui-
ções que surgiram a partir de empreendimentos industriais ou financeiros por elas contro-
lados, só muito recentemente começaram a desenvolver atividades dessa natureza, embora
na verdade muito distintas e, em geral, pouco comprometidas com a transformação social.
Acesso em: 18 set. 2012.
12
Sobre o International Fellowship Program, responsável pela doação de recursos sob a
forma de bolsas de estudo para formação ao nível pós-graduado de indivíduos oriundos
dos ‘segmentos sub-representados’ (afrodescendentes, mulheres, povos indígenas etc.) de
sociedades em 23 países, com o fito de influir na mudança de perfil da ‘liderança mundial’,
no curto, médio e longo prazos: www.fordfoundation.org/about-us/special-initiatives/ifp.
Para a execução em território brasileiro: www.programabolsa.org.br/index.html; Acesso
em: 18 set. 2012.
13
Isso foi especialmente verdade no campo da educação em geral e no campo da educação
superior no Brasil. Um exemplo foi a criação de cursos de enfermagem no Brasil, implan-
tados com recursos da Fundação Rockefeller no início do século XX, como mostra CAS-
TRO-SANTOS, Luiz Antonio de. Power, ideology, and public health in Brazil (1889-1930).
Tese (Doutorado) – Harvard University. Cambridge (Mass), 1987.
14
Ver, dentre outros, as publicações SOUZA LIMA, A. C.; BARROSO-HOFFMANN, Ma-
ria, 2002a, b, c, disponíveis em: www.laced.etc.br/livros.htm; os seminários “Bases para
uma nova política indigenista”, I e II, disponíveis em: www.laced.etc.br/seminarios.htm; e
os cursos de pós-graduação realizados em parceria com a Universidade Federal do Amazo-
nas (www.laced.etc.br/cursos_laced_ufam.htm) e com a Universidade Federal de Roraima
(www.laced.etc.br/cursos_laced_ufrr.htm). Acessos em: 18 set. 2012.
15
Ver www.trilhasdeconhecimentos.etc.br/livros/arquivos/Desafios.pdf; Acesso em 18 set.
2012. Sobre a atuação da Sesu, por intermédio de seu Departamento de Política da Edu-
cação Superior (Depes): BONDIM, Renata. Acesso e permanência de índios em cursos de
nível superior. In: RICARDO, Beto; RICARDO, Fany (Ed.). Povos Indígenas no Brasil:
2001-2005. p.161-162. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2006. Para o Prolind: www.
mec.gov.br/prolind; Acesso em: 18 set. 2012.
16
Ver: www.trilhasdeconhecimentos.etc.br/livros/index.htm; Acesso em: 18 set. 2012.
17
Sobre o Museu Nacional e seu programa de antropologia: www.ppgasmuseu.etc.br; so-
bre o Museu do índio: www.museudoindio.org.br; sobre o FBDH: www.fundodireitoshu-
manos.org.br/index.jsp; sobre a Coiab: www.coiab.com.br/index.php; sobre o CIR: www.
cir.org.br/; sobre o Inbrapi: www.inbrapi.org.br/diretoria.php; sobre a Fundação Nacional
do Índio: www.funai.gov.br/; Acessos em: 18 set. 2012.
18
Ver: br.groups.yahoo.com/group/superiorindigena/; Acesso em: 18 set. 2012.
19
Ver, respectivamente, www3.ufpa.br/juridico/ e www.unindigena.ufba.br; Acessos em:
18 set. 2012.
20
SOUZA LIMA, Antonio Carlos; MACEDO BARROSO, Maria (Ed.). Abrindo trilhas I:
contextos e perspectivas – Pontos de partida para a educação superior de indígenas no
Brasil. Rio de Janeiro: Ed. E-papers; Laced-Trilhas de Conhecimentos, 2012; SOUZA LI-
MA, Antonio Carlos; MACEDO BARROSO, Maria (Ed.). Abrindo Trilhas II: o projeto
Trilhas de Conhecimentos e o ensino superior de indígenas no Brasil – Uma experiência
de fomento a ações afirmativas. Rio de Janeiro: Ed. E-papers; Laced-Trilhas de Conheci-
mentos, 2012 (no prelo); e SOUZA LIMA, Antonio Carlos; PALADINO, Mariana (Ed.).
Caminos hacia la educación superior: los programas Pathways de la Fundación Ford para
pueblos indígenas en México, Peru, Brasil e Chile. Rio de Janeiro: Ed. E-papers; Laced-
-Trilhas de Conhecimentos, 2012 (no prelo); para o curso online: www5.fgv.br/fgvonline/
mn/index.asp?idc=00, também acessível pelo site de Trilhas de conhecimentos. Quanto ao
Cinep: www.cinep.org.br/. Acesso em: 18 set. 2012.
21
O livro coordenado por Garnelo e Pontes está disponível para download em laced.etc.br/
site/acervo/livros/saude-indigena/. Sua impressão, assim como o fornecimento de elemen-
tos mínimos necessários à finalização do livro sobre gestão territorial, vem sendo procras-
tinada pela atual gestão da Secad, hoje transformada em Secadi, sendo o ‘i’ de Inclusão,
resultante que é da estranha – e tacanha – fusão de ‘educação para a diversidade’ e ‘educa-
ção especial’, onde esta tem pesado em detrimento das funções antes desenvolvidas no to-
cante à educação de jovens e adultos, na educação do campo, de quilombolas e de indíge-
nas. Acesso em: 18 set. 2012.
22
DE PAULA, Luis Roberto; VIANNA, Fernando de Luis Brito (2011). Mapeando políticas
públicas: guia de pesquisa de ações federais. Rio de Janeiro: Laced; Contra Capa Ed., 2011.
Disponível em: laced.etc.br/site/acervo/livros/mapeando.pdf; Acesso em: 18 set. 2012.
23
SOUZA LIMA, A. C.; BARROSO-HOFFMANN, M. (Ed.). Desafios para uma educação
superior para os povos indígenas no Brasil: políticas públicas de ação afirmativa e direitos
culturais diferenciados. Rio de Janeiro: Laced/Museu Nacional, 2007, especialmente p.85-
111. Disponível em: www.trilhasdeconhecimentos.etc.br/livros/arquivos/Desafios.pdf;
Acesso em: 18 set. 2012.
24
“O Prouni – Programa Universidade para Todos tem como finalidade a concessão de
bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação
específica, em instituições privadas de educação superior. Criado pelo Governo Federal em
2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, em 13 de janeiro de 2005, oferece, em contra-
partida, isenção de alguns tributos àquelas instituições de ensino que aderem ao Progra-
ma.” Disponível em: prouniportal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=art
icle&id=124&Itemid=140; Acesso em: 18 set. 2012. Quanto ao Reuni: reuni.mec.gov.br/
index.php?option=com_content&view=article&id=25&Itemid=28, onde se lê: “A expan-
são da educação superior conta com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais (Reuni), que tem como principal objetivo ampliar o
acesso e a permanência na educação superior. Com o Reuni, o governo federal adotou uma
série de medidas para retomar o crescimento do ensino superior público, criando condi-
ções para que as universidades federais promovam a expansão física, acadêmica e pedagó-
gica da rede federal de educação superior. Os efeitos da iniciativa podem ser percebidos
pelos expressivos números da expansão, iniciada em 2003 e com previsão de conclusão até
2012”; Acesso em: 18 set. 2012.
Resumo Abstract
Os Tembé, ditos ‘de Santa Maria’, até re- The Tembé, said to be ‘from Santa Maria’,
centemente não eram reconhecidos como were until very recently not acknowledged
Tenetehara, situação que, de certa forma, as Tenetehara and somehow are still not
ainda perdura. Por mais de 100 anos suas recognized as such. Their stories have re-
histórias permaneceram ‘em suspenso’, mained ‘on hold’ for over 100 years as one
como uma das faces do etnocídio ‘cordial’. of the outlooks of the ‘cordial’ ethnocide.
Há pouco mais de 10 anos, eles começa- Just over 10 years ago, they began to hear
ram a ouvir e a aprender narrativas pro- and learn narratives produced by others
duzidas por terceiros sobre si e, na luta about them, and in the fight for beating
por vencer a invisibilidade, passam a se invisibility they started to call themselves
afirmar Tembé pagando o alto preço da Tembé, paying a high price for the ‘resis-
‘resistência’. Discutem-se a partir dos in- tance’. This paper discusses from the
terlocutores (1) as histórias ‘herdadas’ speakers (1) the ‘inherited’ stories (pro-
(produzidas por terceiros para auxiliar a duced by others to aid their fight; (2) the
luta); (2) as narrativas indígenas sobre os indigenous narratives about the paths
trajetos feitos até Santa Maria; e (3) a taken to Santa Maria; and (3) the appro-
apropriação que os Tembé fazem da ‘he- priation the Tembé make out of the ‘in-
rança’ e das narrativas produzindo os fios heritance’ and the narratives producing
da ‘resistência’ identitária, até mesmo re- the identity ‘resistance’ strings, including
querendo que antropólogos produzam a the requirement for anthropologists to
sua história, como se eles não pudessem make their history, as if they could not
apresentar sua versão. Teríamos aí novas produce their version. Would these be
formas de fazer História? new ways of making History?
Palavras-chave: história dos povos indíge- Keywords: History of indigenous peoples;
nas; resistências; pertenças; identidade ét- ‘resistance’; belongings; ethnic identity;
nica; etnocídio ‘cordial’. ‘cordial’ ethnocide.
“dedicado pedido dos índios situados nas nascentes do rio Maracanã, para
visitar os seus aldeiamentos, localizados entre as margens do rio da Prata,
affluente esquerdo daquelle, Jeju affluente direito do mesmo, e o proprio Ma-
racanã” (Muniz, 1913, p.7).
Diante do irrecusável convite, os Capuchinhos não tardaram em ter com
os “índios dessa zona, que viviam em relações de amizade com os do rio Gua-
má e Capim, são da mesma raça dos Tembés do Guamá constituídos em famí-
lias”, como informa Muniz (1913, p.7).
O caminho percorrido, desta feita, ofereceu viabilidade à proposta do
Núcleo Colonial Indígena, pois este distava seis dias de Belém e a Estrada de
Ferro de Bragança alcançava a vila de Castanhal, fato que deixava a questão
das comunicações razoavelmente solucionada.
Eram propósitos da Missão Capuchinha, segundo a Lei 588 de 23 de junho
de 1898: (1) ministrar ensinamentos da catequese católica; (2) da instrução
elementar; e (3) dos trabalhos agrícolas. Para dar cumprimento à Lei, os Ca-
puchinhos se estabeleceram no então município de Santarém Novo, às mar-
gens do rio Prata, segundo rezava o contrato assinado com o governo do Es-
tado do Pará por um período de 15 anos.
Entre os planos do Núcleo estavam previstas as instalações físicas com-
preendendo: edifícios para a Igreja e próprios administrativos; internatos es-
colares para meninos e meninas (indígenas e órfãos); casas de colonos; campos
experimentais; engenho de cana e estação de ‘ferro carril’.3
Pela descrição, é possível pressupor os impactos da Missão Capuchinha,
especialmente, considerando que a área era território indígena e quilombola
de amplas dimensões no século XIX. O etnocídio instalou-se célere com a
implantação do Povoado do Prata, pois ele foi ‘assentado’ em território
Tembé.
Palma Muniz descreve o território, informando:
resa a tradição, encontrada entre os índios que em tempos idos, talvez em eras
coloniaes ainda, a região das nascentes do Maracanã, então não taladas pelas in-
cursões civilisadoras, serviu de refugio a escravos fugidos, tanto das terras do rio
Guamá, como das costas atlanticas, e de Belém e suas cercanias, que, internando-
-se nas mattas, desaparecem para sempre. (1913, p.16)
Prossegue o historiador:
Do etnocídio ‘cordial’
nha que intervir no apaziguamento, a bem da boa ordem publica, dentro da sua
jurisdição. (1913, p.27)
és lo que reina en neste logar. He tenido lugar de apreciar el adelanto de estes se-
res, que no ha mucho, llamabanse salvejes, y huy, gracias á esa misericórdia nata
en la religión del Martir del Golgota, entrar al seno del mundo civilizado, arran-
cados á los antros del obscurantismo por las sabias, siempre sabias crencias. (Mu-
niz, 1913, p.43)
Os Tembé referem o ‘tempo antigo’,9 dos pais e dos avós, em histórias que
ficaram na memória e são pouco conhecidas, pois ficaram ‘em suspenso’ du-
rante mais de 70 anos, período em que dizer-se indígena era assinar a sentença
de morte. Edmilson informa:
é uma coisa que a gente não esquece, do dia a dia da gente, da vida, porque a
gente quando se entendeu de gente era uma coisa melhor de que hoje, que na-
quele tempo não era que nem hoje ... aonde eu nasci, era uma vida mais tranqui-
la, tinha muita caça, muito peixe, então nos só fizemos atravessa do rio, que é esse
rio o Jeju a da lá daquele rio adonde eu nasci, no município de Santarém Novo,
então só fazia atravessa o rio, a mãe da gente já dizia que desse outro lado do rio
tinha índio, mas só que nem ela sabia qual era o povo que tava desse lado, ela só
sabia que tinha uns parente, ‘tem uns parente desse lado’, a gente nunca teve con-
tato pra gente revê essas questão, pra gente juntá, pra gente lutá pelos direitos da
gente que a gente tinha e tem até hoje. Então a gente foi crescendo, foi crescendo
de lá, e a gente foi saindo pra trabalhá, os meus irmãos mais velho foram saindo
e vieram pra trabalhar pra cá e aqui descobriram que aqui a gente tinha parte da
família da gente.10
era tudo nosso [entre o rio Maracanã e o Guamá], mas só que infelizmente não
tinha como prová, era quem chegava, ia fazendo casa e a gente, a gente que é ín-
dio, a gente não tem, a gente não tem, não tem o negócio ... assim – ah! faz aqui,
aí quando tivé a casa dele o cabra manda sair. A gente tem o coração, a gente se
mandar fazer uma casa ali é pra viver até o fim da vida, sem vender sem ter aque-
le negócio, mas infelizmente nem todo mundo pensa isso né? Aí chegava aí sem
canto pra fazer casa, aí fazia a casa e depois o cabra já vendia pra outro, aí já tinha
aquele problema de crescer mais as suas terras né, aí pensava que fazia só num
canto, já ia crescendo, já ia crescendo o olho, aí nessa arrumação é o que está hoje,
aí todo mundo sem, sem terra, muitas vez, não tem nem o que comê, falta de terra
e a poluição no rio. (grifos meus)
a malária pegou matô tudinho [pessoas indígenas], acabou com os índios veio
[velhos] e eu vim me embora, era os Moreira tudinho, aí eu vim embora, aí tinha
a veia [velha] Augustinha e voltei pra trás, morreu primeiro o Joaquim Brás. Vô
fica só por aqui aí quando ... cheguei lá a veia [velha] morreu também, aí fiquei
sozinho, dos índio mesmo legítimo mesmo que ficou aqui, ficô só eu, ficô outro
mas foi pra lá pro 48, chegô lá se meteu na cachaça que era braba, o cara tocô
[tocou] um tiro de 38 [revólver] no peito que atravessô pra costa, trouxeram de
lá e enterraram pra cá...17
nós todos somo índio, porque nós todos somos nascidos e criados nessa área,
nessa terra ... aqui é a terra dos nossos avós, bisavós e tetravós, aqui a terra era
grande, [mas] porque morreram tudo, aí dividiram ... tudo são meus parentes,
são tudo meus parentes...
Versões da História
o nosso povo indígena das aldeias Jeju e Areal de Santa Maria do Pará não somos
capacitados para esse tipo de trabalho, mas sentimos a necessidade de fazer e
provar como os Tembé de Santa Maria do Pará têm um longo histórico de pre-
sença na região. Hoje, não aceitamos nenhuma discriminação contra o nosso
povo porque temos como provar através de documentos, fotos, livros, mapas, e
entrevista feita com o capuchinho frei João Franco de Belém, que sabe um pouco
da nossa história, que nós estamos há mais de um século nesse território. (Tem-
bé, 2011, p.3)
no ano de 2001 tivemos conhecimento que poderíamos obter tudo de volta, ter-
ritórios e cultura, tivemos conhecimento dos direitos dos povos indígenas na
Amazônia da convenção 169 da OIT e a declaração da ONU. Os índios Tembé de
Santa Maria do Pará das aldeias Jeju e Areal estão resistindo há mais de um sécu-
lo em suas pequenas áreas de terras, com a chegada dos migrantes passamos por
momentos difíceis de nossas vidas, não temos acesso ao cemitério em que foram
enterrados os nossos antepassados. Sempre soubemos da existência de nosso an-
tigo cemitério, mas somente no ano de 2008 tivemos a oportunidade de conhecer
esse antigo cemitério, onde no passado foram enterrados os nossos, com ajuda de
alguns freis do km 18 [Prata]. A aldeia está crescendo, não temos terras para
construir nossas malocas e casas. (Tembé, 2011, p.23)
nós indígenas Tembé de Santa Maria do Pará das aldeias Jeju e Areal, na ansieda-
de que paira sobre demandas que até hoje não foram vistas como coisas importan-
tes pelos órgãos que tem essa atribuição. Estamos tentando ensinar aos pequenos
nossas histórias.
Nos tiraram quase tudo que nos era de precioso e principalmente a nossa mãe
terra. Mas resistimos até hoje para fortalecer essa luta e ter de volta o nosso
tesouro, resgatando todos os costumes que tínhamos. Sabemos que essa política de
integração do governo e da sociedade Brasileira ainda faz com que muitos de nós
nos envergonhemos de sermos índios. (Tembé, 2011, p.23, grifos meus)
Hoje o nosso povo criou o próprio grupo de pesquisa, tivemos que tomar
nossas iniciativas, pois queremos a demarcação e regularização de nosso território
que pouco está interessando à Funai e aos órgãos responsáveis. Nós mesmos esta-
mos fazendo o reconhecimento de nossa terra e nossa história. Pedimos aos princi-
pais órgãos (Funai, MPF, Incra, Iterpa, Governo do Estado do Pará), que se mobi-
lizem, procurem solucionar nossas demandas. Queremos apenas o que é nosso de
direito segundo a Constituição Federal, convenção 169 da OIT e a declaração
universal dos direitos dos povos indígenas da ONU, nos asseguram. (Tembé,
2011, p.23, grifos meus)
E informam, a quem interessar possa: “os nossos frutos podem ter sido
tirados, os nossos galhos arrancados, os nossos troncos queimados, mas ainda
permanece a essência de nossas vidas [e] da identidade: a raiz” (Tembé, 2011,
p.23, grifos meus).
NOTAS
1
A primeira versão do texto foi apresentada oralmente e debatida no SIMPÓSIO ESTU-
DOS PÓS-COLONIAIS: Pueblos indígenas y múltiples usos de la historia: explorando la
diversidad de situaciones coloniales en América, coordenado por João Pacheco de Oliveira
(Museu Nacional/UFRJ) e Juan Pedro Viqueira (Colégio do México) durante o 54o Con-
gresso Internacional de Americanistas ocorrido em Viena, Áustria, organizado pela Uni-
versidade de Viena, o Instituto Austríaco para a América Latina e o Museu de Etnología, o
qual teve como tema geral Construindo Diálogos nas Américas.
2
Cf. MUNIZ, João de Palma. O Instituto de Santo Antonio do Prata (Município de Igarapé-
-Assú). 1.ed. Belém: Typ. da Livraria Escolar, 1913. As transcrições conservam a escrita de
época.
3
A informação confirma pressuposto de Oliveira Filho (1983) sobre política indigenista
associada aos propósitos de colonização, pelo menos para o nordeste paraense. Ao pressu-
posto, acrescento que a mão de ordens religiosas aparece para complementar a empreitada
que, desta forma, alcança seus objetivos sem muita reação explícita, pois as ‘vítimas’ da
ação não se dão conta ou não conseguem agir de imediato, dadas as estratégias cristãs. A
associação colonização/política indigenista é também apontada por Alonso (1999) para a
situação Tembé do Alto Rio Guamá. Sobre o assunto consultar: OLIVEIRA FILHO, João
Pacheco. Terras indígenas no Brasil: uma tentativa de abordagem sociológica. Boletim do
Museu Nacional, série Antropologia, n.44, out. 1983; e ALONSO, Sara. A disputa pelo
sangue: reflexões sobre a constituição da identidade e ‘unidade tembé’. Novos Cadernos
NAEA, v.2, n.2, p.33-56, 1999.
4
Portanto, em que pesem as incursões catequéticas ainda nos tempos da colônia, os Tembé
sempre estiveram no território entre o Guamá e o Maracanã. Local onde hoje estão, embo-
ra acuados pelo crescimento da cidade e resistindo teimosamente em ‘ser indígena’.
5
Para discussão aprofundada sobre comunidades e confederações multiétnicas na Amazô-
nia, consultar: WRIGHT, Robin M. História indígena e indigenismo no Alto Rio Negro.
1.ed. Campinas (SP): Mercado de Letras/ISA, 2005; e VIDAL, Silvia M. Liderazco y confe-
deraciones multiétnicas amerindias en la Amazonia luso-hispanica del Siglo XVIII. Antro-
pologica, v.87, p.19-46, 1997. Observo que, ontem como hoje, os não indígenas pensam os
grupos etnicamente diferenciados como ‘comunidades fechadas’, nada misturadas, daí a
dificuldade em compreender as pertenças étnicas e admiti-las como tal.
6
Para realizar o projeto, a ordem assinou contrato com o governo do Pará, pelo qual se
comprometia a pagar os religiosos como se funcionários públicos fossem e a erguer a in-
fraestrutura de funcionamento do Núcleo de Colonização Indígena do Prata (Palma Mu-
niz, 1913). É necessário observar que na Colônia, no Império e na República Igreja e Esta-
do mantiveram-se aliados, a depender da ordem religiosa e dos dirigentes, em que pesem
as inúmeras dissenções.
7
Governador do Pará de 1o fev. 1897 a 1o fev. 1901.
8
No Pará, Acapu é ‘madeira de dar em doido’, usada para aplicar supostamente ‘bons cor-
retivos’ em alguém, deixando sequelas para sempre. Se Manuel Rodrigues recebeu apelido
de Acapu, devia ser alguém que expressava o contentamento de forma pouco ‘civilizada’
do ponto de vista dos Capuchinhos.
9
Tempo chamado, ainda, de ‘lá de antes’ ou ‘dos velhos’ do qual os mais jovens procuram
descobrir e se apropriar, fazendo que os mais velhos narrem as memórias, nem sempre
‘nítidas’ tanto pela idade como, talvez, pelas agruras de um passado negado pela homoge-
neização.
10
Narrativa feita a Edimar Fernandes, em 27 jul. 2010 (grifos meus).
24
Ver Programa de Políticas Afirmativas para Povos Indígenas e Populações Tradicionais
(Papit). 2010/12. Entrevistas realizadas com lideranças indígenas Tembé em Santa Maria.
Belém: Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do
Pará (UFPA); e Programa de Políticas Afirmativas para Povos Indígenas e Populações Tra-
dicionais (Papit). 2010/12. Narrativas indígenas. Belém: Programa de Pós-Graduação em
Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Por iniciativa da equipe
do Programa de Políticas Afirmativas para Povos Indígenas e Populações Tradicionais
(Papit) para cumprir com a solicitação, aos documentos foi acrescido levantamento biblio-
gráfico sobre os Tembé de Santa Maria que oferece subsídio à equipe que trabalha com os
interessados. Entre as propostas em andamento temos em nível de doutorado: Alcooliza-
ção entre os Tembé de Santa Maria do Pará, de Telma Eliane Garcia Clajus Oliveira; Mitos
Tembé: ciência do concreto e indigenismo, de Mônica do Corral Vieira; Etno-Arqueologia
Tembé/Tenetehara, testemunhos de uma saga, projeto de doutorado em construção, de
Rhuan Carlos dos Santos Lopes; e, como Iniciação Científica, Mitos, Narrativas e Cuidados
à Saúde entre os Tembé, de Almir Vital da Silva (Tembé/estudante que ingressou por meio
de vagas reservadas na graduação), desenvolvidos sob minha orientação no Programa de
Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Pará (UFPA); na
área de concentração Antropologia Social, linha de pesquisa Povos indígenas e populações
tradicionais. Em nível de mestrado localizam-se: Luta por direitos: estudo sobre a Associa-
ção Indígena Tembé de Santa Maria do Pará (Aitesampa), de Edimar Antonio Fernandes
(Kainkang/estudante que ingressou por meio de vagas reservadas na pós-graduação), e
Violência contra a mulher entre fronteiras e direitos de indígenas e quilombolas, de Mariah
Torres Aleixo, ambas sob minha orientação no Programa de Pós-Graduação em Direito
(PPGD) da UFPA, área de concentração em Direitos Humanos, linha de pesquisa Direitos
humanos e exclusão social: identidade, etnicidade e gênero.
25
Sobre o assunto cf. BELTRÃO, Jane Felipe; RIBEIRO, Patrick Henrique. Ações afirmati-
vas para Povos Tradicionais e institucionalização na Universidade Federal do Pará. GT 06
– Antropologia, Direitos Coletivos, Sociais e Culturais. ENADIR – ENCONTRO DE AN-
TROPOLOGIA DO DIREITO, II. São Paulo, 2011. Disponível em: www.enadir2011.blo-
gspot.com/. Sobre a possibilidade de ‘escrever a História’, caso do Xingu, temos o desen-
volvimento da tese Identidades indígenas: a problemática dos índios ‘ressurgidos’ ou
‘remanescentes’ em Altamira/PA, por Francilene de Aguiar Parente (PPGA/UFPA), na área
de concentração Antropologia Social, linha de pesquisa Povos indígenas e populações tradi-
cionais, sob minha orientação e coorientação de Cristina Donza Cancela.
26
As expressões entre aspas dizem respeito às escutas sobre a necessidade de ‘ter história’;
as expressões usadas variam pouco de um povo a outro, são praticamente idênticas.
27
Cf. SIMPÓSIO ESTUDOS PÓS-COLONIAIS: Pueblos indígenas y múltiples usos de la
historia, cit.
28
TEMBÉ. 2011. Relatório apresentado à Fundação Brasil de Direitos Humanos. Santa Ma-
ria do Pará, documento inédito.
Resumo Abstract
Com suas mobilizações, os povos indí- With their mobilizations, indigenous
genas conquistaram nas últimas déca- peoples have gained considerable visi-
das considerável visibilidade como ato- bility in recent decades as sociopolitical
res sociopolíticos, o que vem exigindo players, which has demanded discus-
discussões sobre a implantação de polí- sions on the implementation of public
ticas públicas que respondam às suas
policies that meet demands for their
demandas por direitos sociais específi-
specific social rights. Law 11645/2008,
cos. A Lei 11.645/2008, que determinou
which led to the inclusion of Indigenous
a inclusão do ensino de História e das
Culturas indígenas nos currículos esco- Cultures and History in school curricu-
lares, pretende possibilitar o respeito la, aims to facilitate the respect of other
dos demais brasileiros em relação aos Brazilians in relation to indigenous peo-
povos indígenas e o reconhecimento das ples and the recognition of social diver-
sociodiversidades no país. sity in the country.
Palavras-chave: povos indígenas; socio- Keywords: Indigenous people; social di-
diversidade; ensino de História. versity; History teaching.
*Centro de Educação, Universidade Federal de Pernambuco. Av. Acadêmico Helio Ramos, s/n,
Cidade Universitária. 50740-520 Recife – PE – Brasil. edson.edsilva14@yahoo.com.br
não existe uma identidade cultural única brasileira, mas diversas identidades
que, embora não formem um conjunto monolítico e exclusivo, coexistem e con-
vivem de forma harmoniosa, facultando e enriquecendo as várias maneiras pos-
síveis de indianidade, brasilidade e humanidade. Ora, identidade implica a alte-
ridade, assim como a alteridade pressupõe diversidade de identidades, pois é na
interação com o outro não idêntico que a identidade se constitui. O reconheci-
mento das diferenças individuais e coletivas é condição de cidadania quando
identidades diversas são reconhecidas como direitos civis e políticos, consequen-
temente absorvidos pelos sistemas políticos e jurídicos no âmbito do Estado Na-
cional. (Baniwa, 2006, p.49)
culturas indígenas nos currículos escolares no Brasil, ainda que careça de de-
finições mais completas, possibilita a superação dessa lacuna na formação es-
colar. Contribui para o reconhecimento e a inclusão das diferenças étnicas dos
povos indígenas, buscando pensar um novo desenho do Brasil em sua
sociodiversidade.
Passados mais de 4 anos de sua publicação, persistem vários desafios para
efetivação do que determinou a Lei 11.645/2008. É de fundamental importân-
cia, por exemplo, capacitar os quadros técnicos de instâncias governamentais
(federais, estaduais e municipais) para o combate aos racismos institucionais.
Mas um grande desafio – ou o maior deles – é a capacitação de professores.
Tanto dos que estão atuando (a chamada ‘formação continuada’) quanto da-
queles ainda em formação nas universidades públicas e privadas, nos diversos
cursos de licenciatura e magistério. Isso significa dizer que no âmbito dos
currículos dos cursos de licenciatura e de formação de professores deve ocorrer
a inclusão de cadeiras obrigatórias, ministradas por especialistas, tratando es-
pecificamente da temática indígena. Sobretudo em cursos das áreas das Ciên-
cias Humanas e Sociais.
É preciso que as secretarias estaduais e municipais incluam ainda a temá-
tica indígena nos estudos, nas capacitações periódicas e na formação conti-
nuada, e a abordagem deve se dar na perspectiva da sociodiversidade histori-
camente existente no Brasil: por meio de cursos, seminários, encontros de
estudos específicos e interdisciplinares destinados ao professorado e aos de-
mais trabalhadores/as em educação, com a participação de indígenas e a asses-
soria de especialistas reconhecidos. É preciso, também, adquirir livros que
tratem da temática indígena, destinados ao acervo das bibliotecas escolares.
Outro grande desafio e urgente necessidade é a produção – com assesso-
rias de pesquisadores e especialistas – de vídeos, subsídios didáticos, textos etc.
sobre os povos indígenas, para utilização em sala de aula, proporcionando
ainda o acesso a publicações – livros, revistas, jornais e fontes de informações
e pesquisas sobre os povos indígenas.
A efetivação da Lei 11.645 possibilitará estudar, conhecer e compreender
a temática indígena. Superar desinformações, equívocos e a ignorância que
resultam em estereótipos e preconceitos sobre os povos indígenas, reconhe-
cendo, respeitando e apoiando os povos indígenas nas reivindicações, conquis-
tas e garantias de seus direitos e em suas diversas expressões socioculturais.
CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1992.
FAUSTO, Carlos. Os índios antes do Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
FERREIRA, Maria Kawall Leal (Org.). Ideias matemáticas de povos culturalmente dis-
tintos. São Paulo: Global, 2002.KUPER, Adam. Cultura, a visão dos antropólogos.
Bauru (SP): Edusc, 2002.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar,
1986.
LIMA, Antonio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade
e formação do Estado no Brasil. Petrópolis (RJ): Vozes, 1995.
MACEDO, Ana Vera L. S.; NUNES, Ângela; SILVA, Aracy Lopes da (Org.). Crianças
indígenas: ensaios antropológicos. Rio de Janeiro: Global, 2002.
MELATTI, Júlio César. Índios do Brasil. São Paulo: Edusp, 2008.
MONTEIRO, John M. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo.
São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
OLIVEIRA, João Pacheco de (Org.). A presença indígena no Nordeste: processos de
territorialização, modos de reconhecimento e regimes de memória. Rio de Janeiro:
Contra Capa, 2011.
OLIVEIRA, João Pacheco de (Org.). A viagem de volta: etnicidade, política e reelabo-
ração cultural no Nordeste indígena. 2.ed. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2004.
Indicações de sites:
NOTAS
1
GRUPIONI, Luís Donizete Benzi; SILVA, Aracy Lopes da. (Org.). A temática indígena na
escola. 4.ed. São Paulo: Global, 2011. p.56.
2
BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre
os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: MEC/Secad; Rio de Janeiro: Museu Nacio-
nal/UFRJ, 2006. p.47.
3
Adaptado de ISA – Instituto Socioambiental. Povos indígenas no Brasil: 1987-1990. São
Paulo, 1989.
4
GOMES, Nilma L. A questão racial na escola: desafios colocados pela implementação da
Lei 10.639/2003. In: MOREIRA, Antonio F; CANDAU, Vera M. Multiculturalismo: dife-
renças culturais e práticas pedagógicas. 2.ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2008. p.67-89.
5
ALMEIDA, Maria R. C. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2010.
6
SILVA, Maria da Penha da. A temática indígena no currículo escolar à luz da Lei
11.645/2008. Cadernos de pesquisa, São Luís, UFMA, v.17, n.2, p.39-47, maio-ago. 2010.
Resumo Abstract
O artigo analisa a temática espaço-tem- In this text, we seek to elaborate on the
po, fundamental no processo de ensino- subject of space-time, fundamental in the
-aprendizagem de História, e suas im- process of teaching and learning of his-
plicações no cotidiano da sala de aula. tory and its implications on daily class.
Essa discussão torna-se ainda mais ne- This discussion becomes even more nec-
cessária no atual contexto de inserção essary in the current context of continu-
contínua das Novas Tecnologias da In- ous insertion of New Information and
formação e Comunicação (NTIC) nos Communication Technologies (ICTs)
ambientes escolares, as quais modificam into the school environments, which
a prática docente e as formas de apreen- modify the teaching practice and the
são das noções de espaço e tempo. Co- ways the notions of space and time are
mo as novas espacialidades dos ambien- apprehended. How have the new spatiali-
tes virtuais, das redes sociais, e as atuais ties of virtual environments, social net-
compreensões temporais desencadeadas working, and the current understanding
pelas configurações tecnológicas que of time, triggered by the technological
emergem do nosso cotidiano têm altera- settings that emerge from our daily lives,
do as percepções dos sujeitos em relação changed the perceptions of the subjects
ao conhecimento histórico? Propomos with regards to historical knowledge? We
uma reflexão sobre as práticas docentes propose a reflection on the teaching
associadas a essas percepções num mo- practices associated to such perceptions,
mento em que as regras impostas por especially nowadays, when the rules im-
uma sociedade cada vez mais digital (re) posed by an increasingly digital society
dimensionam o fazer histórico. (re)dimension the making of history.
Palavras-chave: tempo; espaço; ensino- Keywords: time; space; History Tea-
-aprendizagem de História. ching-Learning.
balhos realizados, a partir dos quais a professora pode estabelecer relações entre
diferentes assuntos que são abordados no decorrer do ano. O espaço físico da sala
de aula também pode ser utilizado para expor os acordos coletivos realizados em
sala de aula e com os quais todos têm compromisso. Desta forma, as paredes de
uma sala de aula podem, ou não, ser uma espécie de memória da turma.6
As relações temporais que se estabelecem nestas salas de aula são marcadas pelo
tempo vivido, relacionado somente com o presente e marcado por situações ex-
ternas, como a hora da merenda. Não se encontra, na prática cotidiana, assim
como no trabalho com a História, nenhuma proposta pedagógica que leve o alu-
no a trabalhar com antecipações sobre o que vai se fazer e em que tempo, o que
seria uma ponte para a compreensão do tempo da intenção. Assim sendo, é ex-
plicável a dificuldade que muitos demonstram em trabalhar com linhas do tem-
po ou calendários. (ibidem, p.126)
gerações que lhes foram anteriores. Em igual medida, também é positivo esta-
belecer essa aproximação entre tempos e espaços com base em experiências
individuais, em suas dimensões coletivas. Sujeitos como Mahommah Gardo
Baquaqua,8 Chica da Silva,9 ou ainda Zumbi dos Palmares,10 na temática das
trajetórias de populações negras na diáspora e suas vivências no contexto da
escravização, são ótimos links para que sejam estabelecidas relações de
aproximação.
Para isso, é importante, ainda que aparentemente démodé, situar os alunos
numa linha do tempo, pois foram os usos inadequados que transformaram
essa linha na grande vilã das salas de aulas, após as principais tentativas de
incorporação no ensino básico das mudanças epistemológicas pelas quais pas-
sou a produção do conhecimento histórico no século XX. A retomada dessa
alegoria metodológica, a linha do tempo, ainda pode auxiliar-nos, enquanto
professores de História, a conectar os sujeitos às historicidades e temporalida-
des das trajetórias humanas. Isso evitaria, em alguma medida, que algumas
incoerências temporais fossem geradas pelos maus usos e leituras da História
Nova, em especial pelos riscos deterministas da História Temática, ou, como
assinalou Jacques Le Goff (1983), “A História Nova em fatias é a pior das
Histórias”.11
Os riscos dessa falta de referenciais temporais podem ser percebidos por
todos aqueles que trabalham no ensino básico, basta solicitar aos alunos que
situem determinado acontecimento no seu respectivo século e, assim, saberão
concretamente do que estamos falando. A falta de preocupação com datas/
marcos históricos não torna as aulas menos tradicionais, talvez um pouco mais
confusas, mas a abolição desses referenciais em nada assegura que as aborda-
gens dos conteúdos ocorram de modo problematizador. Sujeitos, Experiências,
Cultura, Gênero, Cotidiano, Identidades, Representações, Práticas e Poder,
todas estas demandas podem dialogar com os marcadores tradicionais do
tempo.
A linha do tempo também pode ser utilizada e apreendida de outras for-
mas. Pode ser flexível, tensionada, pode abranger movimentos dos mais diver-
sos que nos auxiliem em sala de aula no processo de desnaturalização das atuais
compreensões de tempo, fixas. Uma linha do tempo flexível contempla, repre-
sentativamente, os processos de continuidades e descontinuidades que perpas-
sam os fazeres históricos.
Guardei a lembrança, uma noite, perto da Bahia, de ter sido envolvido por um
fogo de artifício de pirilampos fosforescentes; suas luzes pálidas reluziam, se ex-
tinguiam, brilhavam de novo, sem romper a noite com verdadeiras claridades.
Assim são os acontecimentos: para além de seu clarão, a obscuridade permanece
vitoriosa. (Braudel, 1992)
los alumnos comprendan que los hechos históricos, y su temporalidad son cons-
trucciones hechas por los historiadores y que estos mismos pueden ser construi-
dos e interpretados de manera diferente por otros historiadores y por los ciuda-
danos. En consecuencia, la enseñanza de la historia supone implicarles en la
aventura del saber y del saber hacer propio del trabajo historiográfico, y, en esta
aventura, la construcción de la temporalidad es fundamental.15
Como fazer que os alunos compreendam esse tempo histórico como cons-
trução historiográfica, humana? Talvez os saberes e referenciais dos alunos
possam nos fornecer algumas possibilidades para a realização dessa tarefa.
Aplicada uma avaliação escrita para uma turma de 9o ano, em que uma
das perguntas era “Como você percebe o tempo histórico em sua vida?”, as
principais referências de tempo para esses alunos estavam associadas às se-
guintes noções: mudanças, marcas, inovações, lembranças, passado, futuro,
vida, gerações, crescimento, nascimento e envelhecimento. Compreensões que,
embora reconheçam as relações entre passado/presente/futuro e, em alguma
medida, apresentem a ideia de mudança, ainda estão associadas a um tempo
muito recente, marcado pelas mudanças de gerações, nascimento, envelheci-
mento, quase que uma leitura naturalizada do tempo. Os aspectos da vida
cotidiana dignos de serem ‘lembrados’ também constituem essa História
apreendida pelos alunos. As percepções em longa e média duração, por exem-
plo, parecem ser pouco notadas.
O imediato como referência deve, sim, fazer parte das elaborações histó-
ricas, mas, associadas a ele, devem ser inseridas outras dimensões que consti-
tuem o tempo histórico. Nesse sentido, antes que essas dimensões temporais
trazidas pelos alunos sejam descartadas, faz-se necessário construir, com base
nesses referenciais, outras formas de perceber o tempo. Um aluno disse que o
tempo histórico ‘passa mesmo quando estou dormindo’, ou seja, é um tempo
que é exterior aos sujeitos, às suas ações e vontades.
Portanto, para além das abordagens de tempo com os recursos tradicio-
nais, podem ocorrer discussões acerca dos marcadores do tempo, por exemplo
(calendários, relógios, linhas do tempo). Já que o tempo histórico apontado
por muitos não apresentava uma dimensão criada pelos homens, então pode-
mos discutir esses referenciais trazidos pelos próprios. Para além das
Acerca da relação entre passado, presente e futuro, Joan Pagès diz que:
Los hechos y los fenómenos sociales tienen sus raíces en el pasado y se proyectan
ineludiblemente hacia el futuro. Por eso el presente constituye una franja tempo-
ral muy débil, muy etérea, de límites imprecisos, que necesita del pasado para
concretarse, pues éste es el único que ya ha sido. Sin embargo, el pasado sin el
presente carecería de valor ya que la explicación que de éste da aquél es el resulta-
do, es el fruto, de los problemas y de los interrogantes que el hombre tiene sobre
su propio tiempo y sobre el futuro. Es esta relación dialéctica entre el pasado, el
presente y el futuro lo que da sentido a la temporalidad dialéctica. (Pagès, 2004)
O primeiro diz respeito aos procedimentos realizados pelo grupo de alunos e pro-
fessores no próprio espaço físico da sala de aula. Neste ambiente, a possibilidade de
acesso a outros locais de aprendizagem – bibliotecas, museus, centro de pesquisas,
outras escolas etc. com os quais alunos e professores podem interagir e aprender
– modifica toda a dinâmica das relações de ensino-aprendizagem. Em um segundo
aspecto, é o próprio espaço físico da sala de aula que também se altera.18
Temporalidade:
Espacialidade:
NOTAS
1
A historiografia já direcionou muitas discussões sobre o tempo histórico. Além de F.
Braudel e E. P. Thompson, citados, ver Reinhart Koselleck, George Duby e Paul Ricoeur.
2
BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 1992.
3
THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
4
CARBÓ, Maria Jesús Comellas. Las habilidades básicas de aprendizaje: análisis e inter-
vención. 2.ed. Barcelona: EUB, 1996.
5
PAGÈS, Joan; BENEJAM, Pilar (Coord.). Enseñar y aprender ciencias sociales, geografía e
historia en la educación secundaria. 2.ed. Barcelona: ICE; Horsori Ed., 1998.
6
ZAMBONI, Ernesta; OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de. O espaço e o tempo no pro-
cesso de ensinar e aprender História na sala de aula. História Revista, Revista da Faculdade
de História e do Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Goiás,
v.14, n.1, 2009. p.118.
7
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel. Aprender História: perspectivas da edu-
cação histórica. Ijuí (RS): Unijuí, 2009.
8
Em relato autobiográfico Mahommah Gardo Baquaqua registra suas experiências na con-
dição escrava e seu itinerário pelas Américas, em que encontramos elementos singulares
da memória como suas identificações étnico-religiosas, suas estratégias pela conquista da
liberdade e suas vivências na condição de homem livre, além do acentuado vínculo preser-
vado com a África. Parte de sua autobiografia, a que se refere ao período em que Baquaqua
esteve no Brasil, pode ser encontrada na Revista Brasileira de História: LARA, Silva Hu-
nold (Org.). Biografia de Mahommah G. Baquaqua. RBH, São Paulo: Anpuh; Marco Zero,
v.8, n.16, mar.-ago. 1988.
9
O estudo de Furtado sobre Chica da Silva nos ajuda a desconstruir algumas imagens ins-
tituídas pela memória coletiva e que de algum modo diferem da história de vida dos reais
sujeitos. FURTADO, Junia. Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do
mito. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
10
Sobre a trajetória de Zumbi dos Palmares é importante ver: GOMES, Flávio dos Santos.
Zumbi dos Palmares: histórias, símbolos e memória social. São Paulo: Claro Enigma, 2011.
(Coleção De olho em).
11
Jacques Le Goff (1983), citado por MUNAKATA, Kazumi. Histórias que os livros didá-
ticos contam depois que acabou a ditadura no Brasil. In: FREITAS, Marcos Cezar de
(Org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2005.
12
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: ensino médio: história e geografia. v.5. Brasília, 1997.
13
ELIAS, Norbert. Sobre el tempo. 2.ed. Mexico: FCE, 1997.
14
SILVA, Marcos A. da. História: o prazer em ensino e pesquisa. São Paulo: Brasiliense,
1995. p.23.
15
PAGÈS, Joan; BENEJAM, Pilar (Coord.). Enseñar y aprender ciencias sociales, geografía
e historia en la educación secundaria. 4.ed. Barcelona: ICE; Horsori Ed., 2004.
16
PAGÈS, Joan. Aproximación a un currículo sobre el tiempo histórico. In: RODRÍGUEZ
F. J. (Ed.). Enseñar historia: nuevas propuestas. Barcelona: Laia; Cuadernos de Pedagogía,
1998.
17
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâme-
tros Curriculares Nacionais: ensino médio: ciências humanas e suas tecnologias. v.4. Brasí-
lia, 1999.
18
KENSKI, Vani Moreira. Novas tecnologias: o redimensionamento do espaço e do tempo
e os impactos no trabalho docente. Revista Brasileira de Educação, São Paulo: Associação
Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação, n.8, maio-ago. 1998.
19
A esse respeito ver o excelente trabalho de Eremita Tânia Silva da Paixão em: www.iat.
educacao.ba.gov.br/objetoseducacionais. Acesso em: 7 set. 2012; tecnologia.iat.educacao.
ba.gov.br/banco_de_objetos?title=&type=All&term_node_tid_depth=42&autor=&tid_1=
All; Acesso em: 7 set. 2012.
PAIXÃO, Eremita Tânia Silva da. Produção de objetos de aprendizagem para aulas de
20
Prezad@s colegas,
Resumo Abstract
A proposta do texto é relatar a experiên- The purpose of this paper is to report
cia de ministrar, no ensino superior, a the experience of giving, on higher edu-
disciplina optativa “Ensino de história e cation, the elective course “History
a questão indígena”, criada com base na Teaching and the Indigenous Question”,
Lei 11.465/2008, que estabelece a obri- created from the 11.465/2008 Law,
gatoriedade, no ensino fundamental e which establishes, on primary and sec-
médio, do trabalho com conteúdos refe- ondary education, working with content
rentes à história dos povos indígenas related to the history of Brazilian indig-
brasileiros. O relato apresenta as esco- enous peoples as compulsory. The re-
lhas dos temas para estudo, as ativida- port presents the choices of study
des, os autores propostos para estudos e themes, the activities, the authors pro-
algumas reflexões sobre os trabalhos posed for studies, and some reflections
realizados com os estudantes. from the work done with students.
Palavras-chave: história; ensino de história; Keywords: history; History teaching;
história dos povos indígenas no Brasil. history of indigenous peoples in Brazil.
como ‘não indígenas’, não ocorre ali uma mudança de organização do grupo, que
é fundamentalmente indígena.
Então ficou um pouco confuso, em nossa discussão, se ali ocorre a tal hibridação
proposta por Canclini, caracterizando os Karipuna como um grupo novo, diver-
so, ou se trata de um grupo predominantemente indígena, com algumas incor-
porações, mas que não se configura em uma nova estrutura sociocultural.
( x ) em um estágio
antigo da ( ) infância da humanidade ( x ) atrasados
humanidade
( x ) caracterizados por
( x ) ingênuos ( ) indolentes atributos físicos
associados a valores
( ) inseridos em um
( ) pertencentes a uma
contexto ( x ) parados do tempo
cultura dinâmica
evolucionista
( ) subalternos ( x ) passivos ( ) avançados
( x ) caracterizados
( x ) inseridos em um contexto
em função de outra ( x ) aculturados
eurocêntrico
cultura
( x ) contaminados pela ( ) envolvidos em
( x ) isolados
civilização mitos de miscigenação
( ) desigualdades nas ( x ) apresentados
( ) unidades étnicas interações entre os grupos compondo o quadro da
étnicos natureza
( ) casamentos ( x ) explorados pelos
( x ) mão de obra
interétnicos colonizadores
( ) guardas das
( x ) povos desaparecidos
fronteiras nacionais
Os indígenas brasileiros não são retratados em sua vida anterior ao contato com
os portugueses. Quando são analisados, o que predomina é uma forte associação
do índio com a antropofagia, guerra e com caráter feroz e selvagem. O sujeito (ou
o conquistador) também é feroz, porém, é retratado como superior, moral e tec-
nologicamente. O índio não é colocado como ator social, e sim como uma vítima
da cultura e da invasão europeia. Ainda predomina a associação do índio com o
isolamento e vida na floresta, mesmo nos dias de hoje. ‘Os que ainda existem’,
vivem na floresta, harmoniosamente. É uma generalização e tendência pejorativa
e anacrônica.
Objeto: Pau de Chuva. Sociedade: Kariri e Pataxó. Local de origem: Xingu. Mate-
rial: caracol, areia de rio, conchas quebradas, caramujos. Forma: cilindro com
cerca de um metro de cumprimento. Uso: embalar crianças chorosas e como ins-
trumento musical. Objeto similar em nossa cultura: Não há. A história que o obje-
to conta: Este objeto pode contar sobre o cuidado e atenção dada às crianças in-
Objeto: Tigela zoomorfa. Sociedade: Waurá. Local de origem: Xingu. Material: ce-
râmica. Forma: uma tigela no formato arredondado, com cabeça e pés em home-
nagem a um animal. Uso: doméstico. Objeto similar em nossa cultura: tigela. A
história que o objeto conta: a relação da sociedade Waurá com o alimento. A for-
ma do objeto, semelhante aos animais, é uma forma de homenagear a natureza
durante o ato de preparo da alimentação, o que evidencia o respeito e a consciên-
cia desse povo com a natureza de onde eles tiram seu alimento.
NOTAS
1
A Lei 11.465/2008 estabelece que “Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasi-
leira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo
escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras”.
2
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 2008. p.XIX: “entendo
como hibridação processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que
existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas.
Cabe esclarecer que as estruturas chamadas discretas foram resultado de hibridações, ra-
zão pela qual não podem ser consideradas fontes puras”.
3
BRITTO, Edson Machado de. A educação Karipuna no Amapá no contexto da educação
escolar indígena diferenciada na aldeia do Espírito Santo. Tese (Doutorado) – PUCSP. São
Paulo, 2012.
4
A resposta à pergunta tem sido considerada nas referências bibliográficas previstas no
curso. Nesse caso, a leitura e análise do livro da historiadora Maria Regina Celestino de
Almeida apontará para reflexões como: “antropólogos e historiadores têm analisado situa-
ções de contato, repensando e ampliando alguns conceitos básicos ao tema. A compreen-
são da cultura como produto histórico, dinâmico e flexível, formado pela articulação con-
tínua entre tradições e novas experiências dos homens que a vivenciam, permite perceber
a mudança cultural não apenas enquanto perda ou esvaziamento de uma cultura dita au-
têntica, mas em termos de seu dinamismo, mesmo em situações de contato extremamente
violentas...”. ALMEIDA, M. R. Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro:
Ed. FGV, 2010. p.22.
5
BELUZZO, Ana Maria de Moraes. O Brasil dos viajantes. São Paulo: Objetiva; Metalivros,
1999. Algumas imagens foram selecionadas também do texto: COSTA, Maria de Fátima.
Personagens fronteiriços: ao Guaikurú conforme a Viagem Filosófica de A. R. Ferreira e a
Viagem pitoresca e histórica de J. B. Debret. In: GUTIÉRREZ, Horácio et al. Fronteiras,
paisagens e identidades. São Paulo: Ed. Unesp; Olho D’Água, 2003. p.185-223. Na aula,
analisamos as seguintes imagens: a) Adoração dos Magos, Anônimo (Escola de Viseu), por
volta de 1505; b) O Inferno, Anônimo (Escola portuguesa), primeira metade do século
XVI; c) Livro de Hans Staden, Anônimo, 1557; d) Hans Staden assiste à preparação do
corpo para a devoração canibal, Theodore De Bry,1592; e) Homem e mulher Tapuia, e
Homem e mulher Tupinambá, Albert Eckhout, 1643; f) Habitação dos Apiacás sobre o Ari-
nos, Hercule Florence, 1828; g) Chefe do Gentio Aycurú, habitante do Rio Paraguai – s/
autor, 1787, Expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira em sua Viagem Filosófica; h) Car-
ga de cavaleiros guaicuru, e Tribo guaicuru em busca de novas pastagens, J. B. Debret. Via-
gem histórica e pitoresca ao Brasil, 1834; i) Desenho de quatro botocudos, Maximilian
Wied-Neuwied, 1815-1817.
6
SILVA, Adriane Costa da. Versões didáticas da história indígena (1870-1950). Dissertação
(Mestrado) – Faculdade de Educação, USP. São Paulo, 2000.
7
Alguns pressupostos fundamentaram, em diferentes épocas, a inserção dos indígenas na
história nacional, como nos estudos: de etnologia e história natural do XIX; a partir de te-
ses culturalistas da década de 1930; das diferenças entre os povos nas perspectivas geográ-
fica e biológica dos anos 1950/1960; das diferenças de classes sociais (opressores e oprimi-
dos) dos anos 1970/1980; e das diferenças culturais propostas pela antropologia nos
estudos históricos a partir dos anos 1990.
8
Entre os livros analisados pelos estudantes estavam alguns muito recentes, de 2006/2010,
e outros mais antigos, como: BILAC, O.; NETTO, C. A Pátria Brasileira: para os alunos das
escolas primárias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2010; CORRÊA, Viriato. História do
Brasil para crianças. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1934; MACEDO, Joaquim Manoel de.
Lições de História do Brasil para uso das escolas de Instrução Primária. Rio de Janeiro: Li-
vraria Garnier, 1884; RIBEIRO, João. História do Brasil: curso superior. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1920; SILVA, Joaquim. História do Brasil para primeira série ginasial. São
Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1953.
9
Cada um desses valores é materializado nos livros com base em formas de tratamento
dadas. Por exemplo, o termo ‘genérico’ refere-se à ausência de especificidades históricas e
culturais aos povos, como no caso de livros que fazem apenas o uso de termos como ‘ín-
dios’, ‘grupos indígenas’ e ‘povos indígenas’, sem nenhuma outra especificação de local,
data ou denominação cultural.
10
A ficha solicitava: data, cidade, nome do museu, nome da exposição, objeto (época, so-
ciedade, local de origem), características do objeto (materiais, forma, uso, objeto similar na
nossa cultura), que história o objeto pode contar, desenho do objeto.
LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico Guarani-Mbya: significado, constituição e uso.
11
16
MOREIRA, Vânia Maria Losada. Autogoverno e economia moral dos índios: liberdade,
territorialidade e trabalho (Espírito Santo, 1798-1845). Revista de História, São Paulo,
n.166, p.223-243, jan.-jun. 2012.
17
PRATT, Mary Louise. Os olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. Bauru
(SP): Edusc, 1999. p.33: “Emprego tais expressões para me referir a instâncias nas quais os
indivíduos das colônias empreendem a representação e si mesmos de forma comprometi-
da com os termos do colonizador. Se os textos etnográficos são os meios pelos quais os
europeus representam para si os (usualmente subjugados) outros, textos etnográficos são
aqueles que os demais constroem em resposta àqueles, ou no diálogo com as representa-
ções metropolitanas”.
Sposito, Fernanda
Nem cidadãos, nem brasileiros: indígenas na formação do Estado nacional
brasileiro e conflitos na província de São Paulo (1822-1845)
São Paulo: Alameda, 2012. 292p.
A conexão que Fernanda Sposito faz entre as duas partes de seu trabalho
é também digna de destaque. Isso ganha especial evidência na discussão que
ela realiza sobre a abolição das cartas régias do príncipe regente d. João, que man-
davam mover guerras ofensivas contra os índios de Minas Gerais, Espírito
Santo e São Paulo. As cartas régias, publicadas em 1808 e 1809, foram debati-
das no Senado em 1830 e revogadas pouco depois, em 1831. De forma muito
apurada, Sposito demonstra, por um lado, que aquela legislação joanina ainda
estava em vigor na província de São Paulo, onde os moradores se valiam dela
para manter índios no cativeiro. Por outro, evidencia que a pauta política na-
cional movia-se, muitas vezes, em função das injunções regionais. Afinal, foi
em razão da intervenção dos dirigentes paulistas que o Senado se viu na con-
tingência de discutir a revogação das guerras e a persistência do cativeiro in-
dígena em certas regiões do Império (p.91).
A pesquisa de Fernanda Sposito amplia o atual debate historiográfico so-
bre cidadania durante o Oitocentos. É importante aprofundar, por isso mesmo,
a reflexão sobre algumas hipóteses e conclusões centrais sustentadas pela au-
tora. Sobre isso, faço duas observações: a primeira diz respeito ao uso do con-
ceito Antigo Sistema Colonial que, ao contrário de ajudar a autora na proble-
matização das fontes, leva-a a desenvolver uma interpretação sobre a transição
da política indigenista colonial para a imperial pouco satisfatória. De acordo
com Sposito,
Notas
1
CARVALHO, José Murilo de. Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
2
Carvalho, José Murilo de; Neves, Lúcia Maria B. P. (Org.). Repensando o Brasil do
Oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
3
SAMPAIO, Patrícia Melo. Política indigenista no Brasil imperial. In: GRINBERG, Keila;
SALLES, Ricardo (Org.). O Brasil Imperial – 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-
leira, 2009. p.175-206.
4
SPOSITO, Fernanda. Nem cidadãos, nem brasileiros: indígenas na formação do Estado
nacional brasileiro e conflitos na província de São Paulo (1822-1845). São Paulo: Alameda,
2012.
5
Perrone-Moisés, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação
indigenista no período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da
(Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Munici-
pal de Cultura; Fapesp, 1992. p.115-132.
6
OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação colonial,
territorialização e fluxos culturais. Mana, v.4, n.1, p.47-77, 1998.
7
Almeida, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas
aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.
8
MOREIRA, Vânia Maria Losada. De índio a guarda nacional: cidadania e direitos indíge-
nas no Império (vila de Itaguaí, 1822-1836). Topoi, Rio de Janeiro, v.11, n.21, p.127-142.
9
CUNHA, Manuela Carneiro da. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac
Naify, 2009. p.129.
MOREIRA, Vânia Maria Losada. O ofício do historiador e os índios: sobre uma querela
10
no Império. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.30, n.59, 2010, p.53-72.
*Departamento de História, Universidade Federal de São Paulo. Estrada do Caminho Velho, 333,
Bairro dos Pimentas, 07252-312 Guarulhos – SP – Brasil. asaneto@unifesp.br
“embora eles tivessem grande interesse nas mercadorias dos europeus, suas
relações com estes últimos significavam também oportunidades de ampliar
relações de aliança ou de hostilidade” (p.40). Da mesma forma, afirma que
“eles trabalhavam movidos por seus próprios interesses, e quando as exigências
começaram a ir além do que estavam dispostos a dar, passaram a recusar o
trabalho” (p.42), o que se somou ao fato de que no universo cultural desse
grupo o trabalho agrícola era considerado atividade feminina.
Embasada em vasta bibliografia e em fontes primárias, a autora percorre
a complexidade das relações indígenas nas diversas regiões do país – capitanias
de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande, Itamaracá, Ilhéus, Bahia, Ilhéus, Espírito
Santo, São Tomé, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Goiás, Rio de Janeiro etc.
Nesse percurso, reafirma a identidade dos grupos indígenas como característica
dinâmica, como é o caso dos temiminós do Rio de Janeiro, que provavelmente
seriam uma construção étnica do contexto colonial, oriunda do subgrupo Tu-
pinambá no processo de relações e interesses dos grupos indígenas e estrangei-
ros, pois “afinal, se a identidades étnicas são históricas e múltiplas, não há ra-
zões para duvidar de que os índios podiam adotar para si próprios e para os
demais, identidades variadas, conforme circunstâncias e interesses” (p.61).
A condição de agentes históricos atribuída aos indígenas ganha evidência
na análise da política de aldeamentos que, conforme demonstra Maria Regina
Celestino de Almeida, possuía diferentes funções e significados para a Coroa,
religiosos, colonos e índios. Para estes, poderia significar terra e proteção frente
às ameaças a que estavam submetidos nos sertões, como escravização e guerras,
o que não os impedia de agir conforme seus interesses e aspirações na relação
com os outros grupos, não obstante as limitações de toda ordem a que estavam
sujeitos nesses espaços de conformação. Dessa forma, valendo-se da legislação
decorrente das políticas indigenistas, os índios aldeados “aprenderam a valo-
rizar acordos e negociações com autoridades e com o próprio Rei, reivindican-
do mercês, em troca de serviços prestados. Sua ação política era, pois, fruto do
processo de mestiçagem vivido no interior das aldeias. Suas reivindicações
demonstraram a apropriação dos códigos portugueses e da própria cultura
política do Antigo Regime” (p.87).
Nesse sentido, afirma a autora, os aldeamentos devem ser pensados como
“espaços de reelaboração identitária” (p.98), seja ressignificando os rituais re-
ligiosos católicos, aprendendo a ler e escrever o português ou estabelecendo
NOTA
1
CANCLINI, Nestor. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 2008. p.23.
Livro: SOBRENOME, Nome. Título do livro em itálico: subtítulo. Tradução. Edição. Cida-
de: Editora, ano. nnnp.
Capítulo ou parte de livro: SOBRENOME, Nome. Título do capítulo ou parte do livro. In:
SOBRENOME, Nome. Título do livro em itálico: subtítulo. Tradução. Edição. Cidade: Edi-
tora, ano. p.xxx-yyy.
Texto obtido na internet: SOBRENOME, Nome. Título. Data (se houver). Disponível em:
www..........; Acesso em: dd mmm. ano.