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Os Sete Pecados Mortais do Estudo Bíblico e Como Você Pode Evitá-los

Jack Kuhatschek Trad: Douglas M. Ferreira


Há alguns anos, um amigo mostrou-me uma carta de oração que ele tinha recebido sobre um
"Reavivamento da Cura Milagrosa". Junto tinha uma "Folha de Pedido de Oração Milagrosa" com
as seguintes instruções:

Pegue a folha de oração que lhe enviamos e escreva nela o seu nome e, em seguida, imponha as
mãos sobre ela. Precisamos receber de volta os seus pedidos de oração para podermos tocar
neles e orar sobre eles, pois "se dois concordarem alguma coisa que tocarem, isto será feito."

Por causa de uma interpretação errada da tradução em inglês da Versão King James, o cristão
bem intencionado que escreveu esta carta descobriu uma chave nova para a interpretação bíblica.
A palavra tocarem, que é tão crucial para o seu ponto de vista, nem sequer aparece no texto grego
original, conforme deixa claro a Bíblia na NVI na sua tradução do versículo: "Se dois de vocês
concordarem na terra em qualquer assunto sobre o qual pedirem, isto lhes será feito por Meu Pai
que está no céu" (Mt 18.19).

Apesar de um pouco exagerado, este exemplo ilustra as maneiras incomuns e às vezes


surpreendentes como a Bíblia é interpretada e aplicada. Um dos meus professores do seminário,
Howard Hendricks, disse certa vez: "Muitos elefantes aplicacionais estão enroscados em linhas de
interpretação!"

Para podermos interpretar e aplicar de maneira adequada a Palavra de Deus, precisamos estar
atentos ao que costumo chamar de os "sete pecados mortais" do estudo bíblico. Neste estudo
vamos estar identificando estes "pecados" e descobrindo como podemos evitá-los.

1. O Texto por Pretexto

Quando eu era criança, nosso pastor sempre dava a seguinte bênção no final dos cultos: "Vigie o
Senhor entre mim e ti, quando estivermos separados um do outro." Eu sempre achei que ele
estava pedindo que Deus nos protegesse a ambos até o próximo domingo, e tenho certeza de que
era esta a sua intenção. Foi somente há uns poucos anos que eu descobri que ele tirou este
versículo totalmente fora do seu contexto. E as palavras não são tão amigáveis como podem
parecer. Encontra-se em Gênesis 31, depois de Jacó e Labão terem tido uma calorosa discussão
ao fazerem uma aliança. Labão não confiava inteiramente em Jacó e sabia que eles não iam
continuar juntos. Por isso, ele pede ao senhor que fique de olho no seu genro para que ele não
maltrate as suas duas filhas. Lido no seu contexto, o versículo é uma espécie de ameaça piedosa –
dificilmente uma bênção.

Para evitar o texto por pretexto – tirar um versículo do seu contexto – precisamos entender que
para um bom estudo bíblico é preciso mais do que simplesmente olhar para uma seqüência de
versículos isolados. Jamais pensaríamos em ler um livro de história, um romance, como lemos a
Bíblia – uma frase de um capítulo, outra de outro e assim por diante. Não faria sentido e
perderíamos toda a trama da história! A Bíblia foi escrita como unidades literárias completas, como
livros, cartas e poemas, para serem lidas do princípio ao fim.

2. Ser Muito Literal

Há alguns anos o especialista em seitas, Walter Martin estava dando uma palestra sobre
Mormonismo. Alguns mórmons ficaram sabendo da palestra e resolveram participar. Mais ou
menos na metade da reunião, um deles se levantou e começou a argumentar que Deus Pai tem
um corpo físico como o nosso. Ele "provava" o seu ponto citando passagens bíblicas que falam do
"braço direito", da "mão", dos "olhos" e de outras parte e órgãos físicos de Deus.
Martin pediu que a pessoa lesse em voz alta o Salmo 17.8: "Esconde-me à sombra das Tuas
asas", e perguntou se isto queria dizer que Deus tinha penas e asas. "Mas, isto é apenas uma
figura de linguagem", protestou o mórmon. "Exatamente!" replicou Martin.

Para evitarmos um tipo de literalismo rígido, precisamos entender que os autores bíblicos se
comunicavam de maneiras muito variadas – por meio de metáforas, símiles e símbolos – através
de uma variedade de gêneros literários, como a história, provérbios, parábolas, cartas, poemas e
profecias. Precisamos identificar o tipo de linguagem e literatura que o autor está usando para
podermos interpretar corretamente o seu significado. Se assumirmos, por exemplo, que um autor
está falando literalmente quando está falando metaforicamente (o erro cometido pelo mórmon),
vamos acabar num absurdo.

3. Ignorar o Ambiente Bíblico

A maioria dos leitores da Bíblia estão familiarizados com as famosas palavras de Cristo à igreja de
Laodicéia: "Conheço a tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente!
Assim, porque és morno, e nem és quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te de minha boca"
(Ap 3.15-16). Como muitos cristãos ignoram o ambiente histórico e cultural desta passagem, eles
entendem erradamente as palavras de Cristo.

Normalmente assumimos que "quente" significa espiritualmente vivo ou "no fogo" do Senhor, ao
passo que "frio" significa espiritualmente morto ou contra Ele. Em outras palavras, Jesus preferiria
que fôssemos a favor ou contra Ele, em vez de neutros. Mas, esta interpretação de "quente" e "frio"
ignora totalmente o ambiente histórico e cultural desta passagem e, portanto, leva ao erro.

A cidade de Colossos, que ficava a menos de quinze quilômetros de Laodicéia, era conhecida
pelas suas águas frias e refrescantes. A cidade de Hierápolis ao norte era famosa por suas
benéficas fontes de água quente. Laodicéia tinha um aqueduto de nove quilômetros de extensão
que trazia para a cidade tanto a água fria como a quente e, no momento em que as águas
chegavam à cidade elas estavam mornas.

Assim, você pode ver como este conhecimento mudo radicalmente a maneira como interpretamos
esta passagem. Jesus nunca iria querer que ninguém fosse espiritualmente morto ou contra Ele, e
certamente não iria preferir esta condição a um cristianismo morno – mesmo que Ele deteste este
último. Nesta passagem, tanto "frio" como "quente" são excelentes e benéficos, como um copo
refrescante de água gelada ou um bom banho quente. Portanto, seja você "quente" ou "frio" Jesus
ficará extremamente satisfeito. Só não seja morno!

4. Confiar em Traduções Falhas

O primeiro exemplo mencionado sobre a "Folha de Pedido de Oração Miraculosa" e a palavra


tocando ilustra como uma tradução falha pode muitas vezes levar-nos ao erro.1 Outro caso a
respeito envolve a passagem bastante popular sobre direção – Provérbios 3.5-6: "Confia no
Senhor de todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio entendimento. Reconhece-o em
todos os teus caminhos e ele dirigirá as tuas veredas". A respeito desta passagem o Dr. Bruce
Waltke escreve: Todos nós já sofremos a decepção de descobrir que um versículo que gostamos
muito nas versões tradicionais não era muito preciso e que, por conseqüência, nos levou a passar
por experiências não autênticas. Lembro-me do espanto de dos membros do comitê encarregado
de traduzir o livro de Provérbios para a NIV quando descobriu que Provérbios 3.5 [-6] não tinha
nada a dizer sobre direção. Ele havia escolhido como o seu lema de vida "reconhece-O em todos
os teus caminhos e Ele endireitará as tuas veredas". Mas ao se confrontar com os dados
lingüísticos ele teve de admitir com relutância que o versículo na verdade dizia: ". . . e Ele tornará
suave as tuas veredas".2

A idéia de "suave" ou "reto" não tem nada a ver com direção, significando na verdade que o
Senhor vai remover os obstáculos do nosso caminho e nos ajudar a atingir os Seus propósitos para
nós.
Apesar de algumas traduções da Bíblia serem claramente melhores que outras, nenhuma é
perfeita. Portanto, é de grande ajuda ler um texto em várias traduções. Quando fizer, preste muita
atenção às diferenças em termos de palavras, gramática e estrutura da frase. Desta forma, você
consegue obter uma melhor compreensão do que o escritor estava realmente querendo dizer.

5. Interpretação Pessoal

Você já não ouviu o verso jocoso "Maravilhosas coisas na Bíblia se vê. Coisas ali colocadas por
mim e por você." É verdade que sempre somos tentados a ler nas Escrituras as nossas próprias
idéias e os nossos próprios interesses, em vez daquilo que o escritor queria realmente comunicar.
Por exemplo, desde o início da década de 50, certos cristãos têm usado com muita freqüência 3
João 2 para justificar a idéia de que Deus quer que todos os cristãos tenham prosperidade
financeira e boa saúde física: "Amado, acima de tudo, faço votos por tua prosperidade e saúde,
assim como é próspera a tua alma" (Almeida – Revista e Atualizada no Brasil). O estudioso
pentecostal Gordon Fee afirma que este versículo é simplesmente "a forma padrão de uma
saudação pessoal nas cartas de antigamente." Portanto, "extrapolar os votos de João para Gaio
para a prosperidade financeira e material de todos os cristãos de todas as épocas é totalmente fora
do texto."3

Como podemos ter certeza de que entendemos o que o escritor queria dizer? Adquirimos essa
confiança praticando os princípios descritos nos pontos 1 a 4 deste artigo – todos relacionados
com descobrir a intenção do escritor: (1) leia as afirmações do escritor em todo o seu contexto em
vez de somente os textos isolados, (2) seja sensível ao tipo de linguagem e literatura que o escritor
está utilizando, (3) procure conhecer o fundo histórico e cultural do que o escritor está falando e (4)
certifique-se de que a interpretação está sendo baseada sobre o que o escritor realmente disse em
vez de sobre o que ele parece ter dito numa tradução pobre. Cada um destes princípios constitui
um meio de evitar que a Bíblia diga o que queremos que ela diga em vez do que o escritor – em
última análise o próprio Deus – quer nos comunicar.

6. Pensar Que Você Pode Fazer Tudo

Depois de dar início à Reforma Protestante, uma das primeiras coisas que Martinho Lutero fez foi
traduzir a Bíblia para a língua do povo. Ele imaginava que qualquer pessoa da roça armado com as
Escrituras era melhor do que todos os papas ou concílios ou credos da Europa. De fato, a Reforma
reafirmava a verdade de que nós não temos de nos basear nos "especialistas" para entender a
Palavra de Deus.

Mas, seria uma tolice levar isto ao extremo, ignorando as riquezas dos recursos com que Deus nos
supriu. Nos dias de hoje existem mais ferramentas para estudo bíblicos disponíveis do que em
qualquer outro tempo da história – ferramentas que podem tornar o seu estudo bíblico pessoal
muito mais compensador e agradável. Toda biblioteca cristã deveria ter pelo menos o seguinte
material: uma boa Bíblia de estudos e mais duas ou três traduções modernas, um comentário
bíblico em um ou dois volumes, um Dicionário Bíblico e um Atlas Bíblico. Você poderia também
considerar os muitos guias de estudos bíblicos excelentes existentes hoje em dia, tanto para o seu
devocional pessoal como para estudos bíblicos em pequenos grupos.

Sendo o estudo bíblico um exercício tão bom para o espírito como para a mente, deveríamos nós
também seguir o conselho de Paulo ao seu jovem discípulo Timóteo: "Reflita no que estou dizendo,
pois o Senhor lhe dará entendimento em tudo (2 Tm 2.7). Note as duas metades deste versículo.
Primeiro, Paulo exorta Timóteo a pensar no que ele disse. Estudar a Bíblia requer pensamento e
reflexão, usando todas as ferramentas e recursos que Deus nos deu para entender a Sua Palavra.

Segundo, Paulo diz a Timóteo que é Deus quem dá o entendimento. Ele precisa revelar as áreas
das nossas vidas que precisam ser transformadas pela Sua Palavra e pelo Seu Espírito. O salmista
escreve: "Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei" (Sl 119.18). O
Senhor é o único que pode nos fazer ver claramente , por isso não podemos nos atrever a estudar
a Bíblia sem pedir a Sua ajuda.
7. Deixar de Aplicar o Que Você Aprendeu

Quando eu era um jovem cristão, havia um pastor no Texas que pensava que ter "a doutrina
bíblica" na mente era o aspecto mais importante da vida cristã. Ele lecionava sobre os significados
mais escondidos do "grego" e do "hebraico", expondo os pontos mais intrincados da teologia
sistemática, e os seus alunos eram obrigados a anotar cada palavra. Infelizmente, toda aquela
"doutrina" sempre ia do seu cérebro para os cadernos da congregação para serem
cuidadosamente catalogados nas prateleiras da biblioteca dos alunos para se encher de pó.

Por favor, não me entenda mal. Eu penso que é de importância vital estudar a Bíblia e entender os
seus ensinamentos e a sua "doutrina". Mas Deus não escreveu a Bíblia para encher os nossos
cérebros, mas para transformar as nossas vidas. Quando fazemos do estudo bíblico um exercício
meramente acadêmico, abortamos o propósito de mudança de vida que deveríamos experimentar
na família, nos relacionamentos, na profissão, no ministério e no envolvimento na sociedade. Por
esta razão, Tiago nos adverte: "Sejam praticantes da Palavra, e não apenas ouvintes, enganando-
se a si mesmos" (Tg 1.22).

Quando ficamos sentados semana após semana, ouvindo os sermões, lendo livros cristãos e
participando de seminários, estamos nos enganando a nós mesmos se pensarmos que estamos
crescendo em Cristo apenas sendo expostos às escrituras.

Você pode, com muita aplicação, evitar os seis primeiros "pecados mortais" do estudo bíblico e
ainda conhecer a Palavra de Deus somente na cabeça e não no coração. O ensino da Bíblia
precisa ser filtrado para a sua vida para que haja um crescimento verdadeiro. Pergunte a si mesmo
"Estou meramente enchendo a minha mente, ou estou realmente aplicando o que estou
aprendendo?" A resposta honesta a esta pergunta pode ter um enorme impacto tanto no seu
estudo da Bíblia como na sua caminhada com o Senhor.

Notas:

1 Não estou sugerindo que a Palavra de Deus é falha ou nula. Eu creio na plena inspiração e na
plena autoridade da Bíblia. Nem estou sugerindo que a Versão King James [ou qualquer outra
versão ou tradução] é inteiramente defeituosa ou imperfeita. De muitas formas ela é uma excelente
versão. Mas, há alguns lugares em todas as traduções onde os tradutores tomaram decisões não
muito sábias quanto à fidelidade ao texto grego ou hebreu. Conseqüentemente, precisamos ter
certeza de que a nossa interpretação de uma passagem específica está firmada numa tradução
correta dessa passagem.

2 Conforme citado por Garry Friesen, Decision Making & the Will of God (Portland, Ore.:
Multnomah Press, 1980), p. 99.

3 Conforme citado por Bruce Barron, The Health and Wealth Gospel (Downers Grove, Ill.:
InterVarsity Press, 1987), p. 92.

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