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Shiguenoli Miyamoto
University of Campinas
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All content following this page was uploaded by Shiguenoli Miyamoto on 17 May 2014.
Shiguenoli M I Y A M O T O *
RESUMO: O texto faz um "balanço" dos estudos geopolíticos realizados no Brasil, mostrando os
principais temas discutidos no período 1920-1980.
O objetivo destas notas é tecer rápi- sob ponto de vista histórico, como se po-
das considerações sobre os estudos geo- de ver pelos trabalhos de Vicente Marotta
políticos produzidos no país, ver quais os Rangel (141), Christian G u i Caubet (34) e
temas analisados com maior freqüência e J . C . de Macedo Soares (106), portanto
quem os discutiu. Obviamente n ã o pre- não foram aqui considerados.**
tendemos esgotar o assunto, tampouco
discuti-lo exaustivamente, mas apenas Não apenas esses temas, como a p r ó -
fornecer alguns elementos para aqueles pria política exterior foi relegada a um
que não tiveram oportunidade de se deter plano secundário — embora reconheça-
com mais atenção sobre essa problemáti- mos como sendo fundamental a impor-
ca. tância da geopolítica na formulação da
política internacional do Brasil. C o m rela-
Observar-se-á, também, no decorrer ção a este problema discussões inúmeras
desta leitura, que muitos temas n ã o foram têm sido feitas, e o acesso à bibliografia ê
abordados com mais ênfase, como as relativamente fácil, podendo ser consulta-
fronteiras e o mar territorial. É reconheci- das publicações como a Revista Brasileira
da a importância desses elementos na de Política Internacional (Rio de Janeiro),
política internacional de qualquer país. a Revista Brasileira de Estudos Políticos
Contudo, discuti-los aqui tomaria mais (Minas Gerais) e o Boletim da Sociedade
espaço do que nos é reservado, por isso Brasileira de Direito Internacional (Rio de
apenas uma ou outra obra referente ao as- Janeiro), ricas em conteúdo.***
sunto foi mencionada. O mar tem recebi-
do muito mais tratamento jurídico, en- Feitas estas ressalvas e, em virtude da
quanto as fronteiras têm sido estudadas maior dificuldade no acesso às obras que
** Contudo há obras como a de Soares (177) que são verdadeiros "tratados" geopolíticos. O papel estratégico desem-
penhado pelo Atlântico Sul tem sido, por outro lado, constantemente enfatizado pelos estrategistas brasileiros em arti-
gos publicados em revistas especializadas.
*** Há inclusive levantamentos bibliográficos sobre a política exterior brasileira. Consultar, por exemplo, G R A D E N -
DORFF & N1TSCH (70). No momento Zaíro Cheibub está desenvolvendo no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio
de Janeiro (IUPERJ), uma pesquisa intitulada "Bibliografia de Artigos de Política Externa Brasileira", visando levantar to-
dos os artigos publicados nas revistas brasileiras desde 1930 sobre política externa e relações internacionais.
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tratam do tema deste pequeno trabalho, forma é inegável que o seu estudo se re-
iniciamos com algumas considerações so- veste de suma importância para a com-
bre o que é geopolítica e geografia políti- preensão da própria política doméstica,
ca, delimitando seus campos de atuação e mormente naqueles países que, em deter-
quais as "escolas geopolíticas"*. minada etapa de seu desenvolvimento, as-
piram atingir a categoria de país-potência.
—I —
Não é necessário concordar-se com
A maior parte dos autores costuma os pressupostos da geopolítica para se
fazer distinção entre geografia política e estudá-la. Torna-se importante, isto sim,
geopolítica. Pela primeira entendem uma constatar sua existência e sua influência
disciplina do ramo da geografia, que na política de vários países, inclusive na
apresenta características estáticas e estuda do Brasil. Isto se verifica, por exemplo,
os aspectos geográficos de um determina- no período pós-64, quando muito da geo-
do território, preocupando-se mais com a política tem servido de pano de fundo —
parte descritiva do que analítica destes fa- às vezes ocupando lugar de realce — na
tores. A geografia política teria a seu car- elaboração e conduta da política nacio-
go descrever as fronteiras, os rios, as ser- nal, sobretudo no campo das relações in-
ras e as planícies, contentando-se em rea- ternacionais.
lizar uma representação meramente estáti-
ca desses elementos. A geopolítica, pelo Se a "Escola de M u n i q u e " atemori-
contrário, n ã o se satisfaz apenas com a zou o mundo em décadas passadas com o
descrião física dos acidentes geográficos. Lebensraum (ou teoria do espaço vital, se-
A geopolítica se preocupa com a aplica- gundo a qual a conquista de territórios é
ção desses fatores na formulação de uma crucial para a sobrevivência do Estado),
política visando principalmente fins estra- hoje este argumento dificilmente resistiria
tégicos. Concebida sob este prisma a geo- como justificativa para que o estudo da
política é uma teoria do poder e visa so- geopolítica seja execrado nos meios aca-
bretudo o preparo para a guerra. Nestas dêmicos. A própria ascensão do estamen-
condições a geopolítica é essencialmente to militar ao poder nestes últimos lustros
dinâmica, fazendo parte não da geogra- justifica a necessidade de se entender a
fia, mas sim da ciência política. geopolítica. Isto porque apenas os estrate-
gistas militares se preocupam com a for-
Muitos autores consideram a geo- m u l a ç ã o do Conceito Estratégico
política a consciência geográfica do Nacional ou grande estratégia, que per-
Estado, identificando-se com a concepção manece obscuro para os cientistas políti-
adotada pela "Escola de Geopolítica de cos***. O preconceito contra o estudo da
Munique"**. Mesmo interpretada dessa geopolítica ocorre mesmo sem que se sai-
* Alguns "manuais" trazem boas informações a esse respeito. Consultar A T E N C I O (5), H E N N I G & K O R L H O L Z
(88), L E S C A N O (92), VICENS-VIVES (202) e C È L E R I E R (35).
** Este conceito foi utilizado por Karl Haushoffer nos anos 30 tendo ele criado ainda, segundo vários autores o Insti-
tuto de Geopolítica de Munique A existência dessa entidade, contudo, e discutível, e mesmo a sua influência na conduta es-
tratégica alemã e também colocada em duvida por Strausz-Hupé e Troll. Para este ultimo o que houve foi uma supervalori-
zação, no estrangeiro, principalmente pelos estrategistas norte-americanos, da influência política de Haushoffer. Segundo
Troll não havia sequer o " t ã o - f a m o s o " Instituto de Munique a que mesmo Strausz-Hupe faz menção O que aconteceu, de
acordo com Troll, foi uma grande divulgação dos estudos de Haushoffer e seus discípulos, afirmando ainda que esse não ti-
nha sequer uma venia legendi para geopolítica na Universidade (Cf S T R A U S Z - H U P E , 184, T R O L L , 199).
*** Segundo Liddell-Hart, um dos autores mais mencionados pelos estudos da E S G "o Conceito Estrategio Nacional
ou grande estratégia, embora sinônimo da política que orienta a conduta da guerra, que se distingue daquela que deve gover-
nar os seus objetivos, se presta melhor para exprimir a execução de uma política Na realidade a finalidade da grande
estratégia — estratégia superior— e coordenar e dirigir todos os recursos de uma nação, ou grupo de nações, tendo em vista
a conquista do objetivo político da guerra, definido pela política fundamentai do governo" ( L I D D E L L - H A R T , 94 416-
417)
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MIYAMOTO, S. — Os estudos geopolíticos no Brasil: uma contribuição para sua avaliação. Perspectivas, S ã o Paulo,
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ba sequer as teorias que existem a seu res- (1939) com a União Soviética teria obede-
peito. Abramos portanto um parágrafo e cido às concepções estratégicas desenvol-
introduzamo-las sucintamente. vidas por Haushoffer de domínio do
Federico Ratzel (1844-1904) e Rudolf coração do mundo.
Kjellén (1864-1922) são considerados os Com relação ao poder m a r í t i m o , o
fundadores das modernas geografia nome de Alfred Thayer M a h a n (1840-
política e geopolítica. Esses autores "cria- 1914) é o mais conhecido. E m trabalho es-
ram escolas" que vêem o Estado como crito no final do século passado "mos-
um organismo vivo, podendo ampliar ou trou" como os mares tinham sido impor-
reduzir seu território conforme sua Histó- tantes para a grandeza do outrora podero-
ria. Dessa forma o Estado, ao atingir um so Império Britânico (Cf. M A H A N , 110:
alto grau de desenvolvimento, tende a se cap. 1). Mahan teve em Nicholas J .
expandir fisicamente, sucedendo-se o con- Spykman (1893-1943) um adepto do for-
trário em períodos de baixo desenvolvi- talecimento do poder m a r í t i m o . É tam-
mento, podendo mesmo desaparecer ou bém conhecida a teoria das fímbrias
ser absorvido por outro Estado mais for- marítimas desenvolvida por Spykman em
te. Esta postura que considera o Estado plena Segunda Guerra Mundial, segundo
como organismo dotado de características a qual havia necessidade de se enfatizar a
orgânicas ficou conhecida como escola defesa dos Estados Unidos através de bar-
determinista (a geografia é que determina reiras que cobririam o Atlântico desde a
os destinos de uma nação). Groenlândia até o nordeste brasileiro; no
A o lado desses, outros nomes s ã o Pacífico, desde o Alaska até o sul do C h i -
considerados "clássicos" na geopolítica le (Cf. S P Y K M A N , 183: cap. 14 e 15).
mundial. U m deles, Halford Mackinder
(1861-1947), ficou conhecido com a teoria O poder aéreo, por sua vez, teve em
do coração do mundo. Segundo M a c k i n - Alexander P . de Seversky, William M i t -
der quem conquistasse determinada re- chell, J . Douhet e V o n Seecket os defen-
gião designada eixo geográfico da história sores de uma nova estratégia que deveria
(hoje constituída pela China Continental ser adotada pelas nações, ou seja, o con-
e União Soviética) teria o controle do trole dos ares. N a concepção desses auto-
mundo. Sua teoria foi sintetizada no se- res a existência de uma força aérea eficaz
guinte princípio: "Quem domina a Euro- é que seria determinante nos resultados de
pa Oriental controla o coração do mundo. uma guerra. Seversky "demonstrou" em
Quem domina o coração do mundo con- seu trabalho a "decadência do poder na-
trola a Ilha Mundial. Quem domina a Ilha v a l " que deveria, segundo ele, converter-
Mundial controla o m u n d o " ( M A C K I N - se em forças auxiliares da aviação (SE-
DER, 109: 150). VERSKY, 166:277*).
Mackinder, Ratzel e Kjellén são os Pode-se ver por essas teorias a impor-
representantes maiores da teoria que con- tância que a geopolítica assume no mundo
sidera o território como fonte de poder, moderno. Se não se deve aceitá-la como
tendo exercido marcada influência no es- era formulada por Ratzel, Kjellén ou
trategista Karl Haushoffer, um dos prin- Haushoffer, nada melhor que entendê-la
cipais assessores de A d o l f Hitler. H á mes- bem e preparar-se para combatê-la eficaz-
mo versões segundo as quais a Alemanha mente; ou então utilizá-la para analisar si-
ao fazer o Acordo Ribbentrop-Molotov tuações em que sua influência é acentuada
•Sobre as concepções de Willian Mitchell, J . Douhet e Von Seecket, consultar A T E N C I O (5: cap. X , p. 301-326)
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não só na política estratégica como tam- pois do ensaio de Mackinder sobre o eixo
bém econômica de muitos países. geográfico da história, escrito em 1904 —
complementado em 1919 pelo Democratic
— II — Ideais and Reality (109) — tínhamos já no
País um estudo preocupado com o papel
A bibliografia sobre a geopolítica da geografia na formulação da política
brasileira é extremamente fecunda, tanto nacional ( C A R V A L H O , 28).
quantitativa como qualitativamente, ao
contrário do que é corrente pensar-se, e O País sempre se caracterizou por
praticamente desconhecida no meio aca- apresentar, nos quadros da Chancelaria,
dêmico, que nutre, em relação a ela, um diplomatas que entenderam o fator geo-
preconceito que perdura desde a década gráfico como elemento importante para o
de 1940. U m a rápida olhada na literatura fortalecimento do poder nacional t ã o
existente servirá para constatar a pouca apregoado nos últimos anos. A própria
participação de cientistas políticos na Escola Superior de Guerra considera co-
elaboração e análise de estudos geopolí- mo precursores da geopolítica nacional,
ticos.* no campo prático, Alexandre de G u s m ã o
e o Barão do Rio Branco (Cf. E S G , 49:
Isto eventualmente poderia ser expli- 31-32). O primeiro, responsável pelo Tra-
cado pela imediata associação que se faz tado de Madrid (1750), e o segundo, figu-
entre geopolítica e a política do Nacional- ra de primeiro plano na diplomacia inter-
Socialismo vigente na Alemanha do III nacional, responsável pelo traçado e fixa-
Reich. A teoria do espaço vital e o expan- ção das modernas linhas fronteiriças na-
sionismo adotado por Hitler serviram de cionais, estendendo-as adentro do
pretexto para que os cientistas políticos hinterland latino-americano.
nacionais se fechassem em uma redoma,
onde o estudo da geopolítica foi excluído, Quanto à literatura existente,
e seus estudiosos vistos com desconfiança. considera-se unanimemente como figura
de maior importância na geopolítica na-
Salvo poucas exceções o estudo nesta cional, Everardo Backheuser, pioneiro
área tem sido monopolizado por milita- nesses estudos, sistematizando informa-
res, principalmente aqueles ligados à Es- ções até então desordenadas, como disse
cola Superior de Guerra (ESG), bem co- um dos estudiosos das décadas de 1950 e
mo por pessoas vinculadas direta ou indi- 1960 ( T O S T A , 191).
retamente a órgãos que tratam da segu-
rança nacional. Poucos são os outros que Embora um dos primeiros ensaios —
se têm aventurado a perscrutar o caminho considerados por Tambs (187) — seja re-
" t ã o suspeito" dos estudos da geo- ferente ao problema da m u d a n ç a da Capi-
estratégia e geopolítica. tal Federal ( P I M E N T E L , 135), foi só a
partir dos escritos de Everardo Backheu-
O Brasil foi um dos primeiros países ser (6, 7 e 8), que a geopolítica sofreu im-
a produzir estudos sobre geopolítica pulso, tendo sido esse um dos autores
stricto sensu. A s teorias desenvolvidas mais profícuos durante as três décadas
originariamente por Ratzel e Kjellén en- que se seguiram. Suas considerações ver-
contraram caminho fértil deste lado do savam desde uma teoria sobre a possível
Atlântico. Assim é que pouco tempo de- marcha da civilização e discussões teóri-
* Um levantamento mais exaustivo sobre a geopolítica latino-americana pode ser encontrado em T A M B S (187). Po-
dem ser vistos também meus trabalhos (122 e 123). No primeiro arrolamos cerca de 600 títulos que dizem respeito à temática
nacional,enquanto o segundo analisa o pensamento geopolítico brasileiro.
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MIYAMOTCf, S. — Os estudos geopolíticos no Brasil:uma contribuição para sua avaliação. Perspectivas, S ã o Paulo,
4:75-92, 1981.
cas sobre geopolítica e geografia política, Delgado de Carvalho (21 e 22), Cidade
até a mudança da Capital Federal, pas- (36), Silva (173), embora ocupem posições
sando pelos problemas da d i v i s ã o territo- exponenciais as obras de Backheuser (6, 7
rial e das fronteiras, detendo-se constan- e 8) e Travassos (192), n ã o só pelo seu
temente no tema da organização nacional, pioneirismo, mas também pela soldez
nisto extrapolando o campo específico da com que seus argumentos form defendi-
geopolítica. dos em prol da aplicação de uma política
M a l Backheuser havia iniciado sua que devia considerar em sua formulação
atividade nesta área e j á nos inícios de os fatores geográficos.
1930, um trabalho considerado de funda- A década de 1940 apresentou-se fértil
mental importância para a compreensão e a que mais produziu estudos sobre geo-
da geopolítica brasileira foi produzido, e política, antes do advento da Escola Supe-
se revestiu de tal significado que ainda ho- rior de Guerra. Embora numericamente a
je é considerado uma das obras mais sóli- produção tenha sido das maiores, a quali-
das no assunto. T ã o importante que mere- dade dos trabalhos não chegou a superar
ceu várias edições nacionais, sendo tam- as obras de Travassos e de Backheuser.
bém vertida para o espanhol em 1941.* Este último continuou produzindo en-
Trata-se dos Aspectos geográficos saios publicados principalmente na
sul-americanos (192), de autoria de Mário Revista Brasileira de Geografia (fundada
Travassos, reeditado alguns anos depois em 1939) e no Boletim Geográfico (funda-
com o título de Projeção Continental do do em 1943).
Brasil.
Nesta obra Travassos, ao mesmo São desse período as obras de Figuei-
tempo que analisou os antagonismos geo- redo (57), Fonseca (62), Lysias Rodrigues
gráficos regionais, contrapondo Atlântico (150), além de ensaios de Coelho (37 e
ao Pacífico e a Bacia do Prata à Bacia 38), Delgado de Carvalho (23 e 24), Raja
Amazônica, reviveu em plano continental Gabaglia (138 e 139). Gikovate (65) elabo-
a teoria de Mackinder, fazendo do triân- rou também um ensaio realçando a im-
gulo Sucre-Cochabamba-Santa Cruz de portância cada vez maior que a geopolíti-
La Sierra o pivot da política latino- ca deveria assumir no estudo da geografia
americana. Tal semelhança com a teoria e da história, enquanto Travassos produ-
do coração do mundo de Halford Mac- ziu três importantes trabalhos (193, 194 e
kinder é patente pela própria localização 195), tratando problemas de geografia mi-
geográfica do eixo boliviano. Esta obra é litar e os meios de transporte viários. R i -
freqüentemente mencionada (não muito beiro (147) abordou o problema da trans-
por nacionais, pois poucos destes a le- ferência da Capital Federal. Este tema pa-
ram), sobretudo nos países vizinhos, que rece ter sido uma preocupação constante
a utilizam para denunciar a tentativa do de todos os que se dedicaram à geopolíti-
papel hegemônico que o Brasil procura ca, não só nos seus inícios como até h á
assumir na região, apoiado nessa teoria. pouco tempo, pois mereceu a atenção de
Alencar (1) sobre o seu sentido militar,
Nas décadas de 1920 e 1930, entre a como por parte de Backheuser (9, 10, 11 e
literatura considerada de maior importân- 12), Christovam de Castro (30 e 31), P o l i
cia, e que merece destaque, encontramos Coelho (37 e 39), Freitas (64), Guimarães
os trabalhos de Orlando de Carvalho (29), (84 e 85), Lucas Lopes (102), Lysias R o -
* A mais recente edição do livro de Travassos deu-se em 1978 pela editora El Cid, de Buenos Aires, ao lado do livro de
Golbery do Couto e Silva (172), embora neste último caso este fato ocorresse à revelia do autor. No Brasil a última edição de
Travassos data de 1947.
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ção mais importante conhecida até o pre- (155) . Os anos 50 constituíram a década
sente momento. da construção da nova Capital Federal,
que finalmente se trasladou para o Planal-
Outros elementos vinculados à E S G
to Central, e Peixoto (131) abordou o as-
deram a sua parcela de colaboração, emi-
sunto, tecendo igualmente considerações
tindo opiniões em ensaios onde a ênfase
sobre a redivisão territorial do país; para
foi dada sempre ao fortalecimento do po-
Sobral (181) a nova capital constituiu-se
der nacional. São exemplos, Guimarães
em um novel eixo de gravitação nacional,
(86 e 87), Lyra Tavares (98 e 99) realçando
enquanto Reis (144) analisou o assunto
a questão da segurança nacional, enquan-
através da imprensa. A região amazônica
to Souza Jr. (182) teorizou a possibilidade
assumiu importância: a partir de então
de um novo conflito mundial onde o Bra-
inúmeras foram as análises realçando o
sil deveria desempenhar sua "indeclinável
seu valor econômico, político e estratégi-
responsabilidade". Miguel L i m a (95, 96 e
co, tanto por parte de autores nacionais,
97) e Travassos (196) estudaram os funda-
como pelas traduções inseridas em revis-
mentos geográficos do poder nacional.
tas como A Defesa Nacional, casos de
A partir dessa década duas publica- Aquino (3), Higbee (89), Lescano (91),
ções assumem importância na divulgação Moscosos (125 e 126), seguidos de outros
de assuntos militares e geopolíticos, ao la- sobretudo em épocas recentes quando se
do das anteriormente mencionadas: começou a discutir a internacionalização
Segurança & Desenvolvimento e A Defesa da região. São desta última fase, entre ou-
Nacional, além das revistas Cultura Mili- tros, os trabalhos de Becker (18), Meira
tar, Revista Militar Brasileira e a Revista Mattos (118 e 119), Muller (127), Ramos
do Instituto de Geografia e História Mili- (140), Rebelo (142), Reis (145), Sanches
tar do Brasil. A Defesa Nacional (funda- (156) , Schilling (159), Soares (179 e 180),
da em 1913), órgão da Cooperativa M i l i - Tambs (188) e Wagley (204).
tar das Forças Armadas, é a que apresenta
maior quantidade de estudos desde então; Em 1954 o Boletim Geográfico publi-
Segurança & Desenvolvimento, órgão de cou pela primeira vez uma obra de M a c -
divulgação dos ex-estagiários da Escola kinder: O mundo redondo e a conquista
Superior de Guerra, passou a publicar, da paz (108). Nos anos 50 Carlos de Meira
desde os inícios da década de 1950, estu- Mattos iniciou sistematicamente suas con-
dos de conteúdo essencialmente doutriná- tribuições, publicando Aspectos geo-
rio, aglutinando em sua volta toda a políticos de nosso território (114) e en-
intelligentzia civil e militar egressa de seus saios que, durante as décadas seguintes,
cursos. abrangerão desde as conceituações teóri-
cas até os problemas estratégicos da Áfri-
Fialho escreveu Problemas do Brasil ca, passando pelo Caribe e Oriente Mé-
(55) e Backheuser deu continuidade a seus dio. Mendonça (120) utilizou como tema
trabalhos publicando Geopolítica Geral e a história das fronteiras nacionais na Ba-
do Brasil (13). O mar parece ter sido des- cja do Prata, desde o período colonial, en-
coberto e, além de traduções publicadas quanto Menezes (121), no mesmo ano,
em A Defesa Nacional (Atencio, 4 e Def- pensou o problema do Brasil e a comuni-
fontaines, (47), Backheuser contribuiu dade afro-asiática. O relacionamento da
com Aspectos geopolíticos do mar (14). A diplomacia versus geografia fez-se presen-
Antártica assumiu importância nos estu- te em Delgado de Carvalho que publicou
dos de Delgado de Carvalho & Therezinha a História diplomática do Brasil (25),
de Castro (26 e 27) e Therezinha de Castro Graça (71) e Lousada (103). Cortesão
(32 e 33); as plataformas continentais me- (44), por sua vez, iniciou em 1950 a publi-
receram transcrição de texto de Rubio cação de uma coleção composta de nove
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federais que funcionariam, ao longo das estudos analíticos foram realizados sobre
fronteiras, como territórios tampões, ou a problemática da geopolítica nacional.
seja, o mesmo papel exercido pelo U r u - Entre esses pode-se ressaltar os de Olivei-
guai em outro nível na região meridional ros S. Ferreira (53 e 54), Roett (153) e o de
do país. Morador Wettstein (124).
Cunha (45), Faissol (50) e Guerra Os anos 70 presenciaram também a
(74, 75 e 76) trilharam os mesmos cami- inclusão da disciplina Geopolítica no
nhos, e a relação da geografia e história currículo do recém-criado curso de
com o poder nacional e a segurança nacio- Estudos Sociais, que objetivava substituir
nal constituiu-se em objeto de suas análi- as licenciaturas plenas de Ciências So-
ses. Gomes (66 e 67) perguntou: por que o ciais, História e Geografia. Nessa última
Brasil não é uma grande potência? E ten- década foram ainda realizadas várias con-
tou responder ele mesmo pelas potenciali- ferências abordando aspectos geopolíticos
dades geoeconômicas como o país pode nos "cursos de liderança política" pro-
converter-se em uma das cinco maiores movidos pelo ex-partido governista,
potências mundiais. O problema de po- Aliança Renovadora Nacional ( A R E N A ) .
tência passou a ser uma constante n ã o só
nas elucubrações realizadas pela E S G , co- — III —
mo por todos que, de uma forma ou de
outra, achavam-se identificados com o No período mais recente (aliás desde
movimento de 1964. o início da História do Brasil) a atenção
da política exterior brasileira se achou
Uma obra clássica da geopolítica voltada com intensidade para a Bacia do
mundial mereceu duas edições (Liddell-
Prata (vide discurso de Castelo Branco em
Hart, 93 e 94). A Geopolítica do Brasil,
31 de julho de 1964). Isto trouxe preocu-
do general Golbery (172), foi reeditada
pações aos países vizinhos com relação à
em 1967, enquanto Penna (132), no mes-
mo ano, analisou a política externa sob o política implementada pela Chancelaria
prisma da segurança e desenvolvimento. nacional, multiplicando-se estudos onde
Oliveiros S. Ferreira (53) examinou aten- as críticas à posição brasileira — identifi-
tamente a influência de Hobbes no pensa- cada como imperialista e tentacular — são
mento do general Golbery, mostrando os uma constante.
elementos que deram forma à sua visão Por isso a política internacional bra-
do processo brasileiro. sileira foi extensamente analisada e, na
América Latina — principalmente na A r -
O general Meira Mattos, que se reve-
gentina — vista com reserva. As críticas
lou como um dos mais produtivos en-
provenientes desses países passaram a
saístas da geopolítica nacional, além de
identificar invariavelmente qualquer ati-
ter sido o Comandante da Brigada
tude assumida pelo governo brasileiro co-
Latino-Americana da Força Interamerica-
mo forma de expansionismo e imperialis-
na de Paz que invadiu a República D o m i -
mo regional. Essas preocupações fizeram
nicana (1965), deu, no período pós-64, as
inclusive com que a geopolítica n ã o ficas-
suas maiores contribuições publicando
se relegada apenas ao plano retórico. E m
Brasil geopolítica e destino (116), A geo-
Buenos Aires criou-se o Instituto de Estu-
política e as projeções do poder (117) e
dos Estratégicos e Relações Internacionais
Uma geopolítica pan-amazônica (119).
que, sob a batuta do general Juan G u -
Embora quase todos os trabalhos glialmelli, passou a editar a revista
desse período tenham tido conteúdo dou- Estratégia, e as análises então publicadas
trinário, em maior ou menor grau, bons — onde a geopolítica é levada às últimas
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tradição verificada nos estudos realizados quantos estudos doutrinários foram pu-
pelos "brazilianistas" que identificam na blicados no país, constatar-se-á com faci-
política brasileira a tendência contínua da lidade, que grande parte dos que versam
marcha para oeste. O próprio Tambs é sobre geopolítica e geoestratégia foram-
um dos autores que mais se tem preocupa- no justamente patrocinados por essa edi-
do com problemas latinoamericanos, rea- tora, daí que seus autores sejam t a m b é m ,
lizando trabalhos que focalizam n ã o só a em sua maioria, pertencentes aos quadros
problemática brasileira, mas principal- militares. Os próprios assinantes eram
mente a continental (185, 188 e 189). constituídos exclusivamente por militares,
e apenas em período recente a Bibliex pas-
Peixoto (130) — este brasileiro — sou a aceitar assinaturas civis (ou se as
igualmente analisou o crescimento do po- aceitava pelo menos nunca o divulgou co-
der do Brasil, enquanto Bailey (15) publi- mo vem fazendo agora). É o mesmo caso
cou uma coletânea sobre o papel da A m é - de A Defesa Nacional e Segurança &
rica Latina na segurança do hemisfério Desenvolvimento, que só a partir dos últi-
Este último tema mereceu a realização de mos anos, incluíram em suas listas assina-
um Seminário Internacional sobre turas civis (ressalvando para a segunda, os
"Política e E s t r a t é g i a " (São Paulo, elementos civis que haviam freqüentado
1979), organizado pelo Convivium — So- os cursos da E S G ) , enquanto a Revista
ciedade Brasileira de Cultura e coordena- Militar Brasileira permanece ainda desti-
do pelo general Meira Mattos e pelo prof. nada apenas aos oriundos dos quadros
Oliveiros S. Ferreira*. militares.
* Nesse seminário compareceram, além de outros, Therezinha de Castro, Alfredo Souto Malan, Ibsen de G u s m ã o Câ-
mara, Ivan Zanoni Hausen, José Alfredo Amaral Gurgel, Mário César Flores, Lauro Ney Menezes, Neslon Freire Lavènere
Wanderley, Octávio Tosta, Vicente Marotta Rangel, Ronaldo Sardenberg, além de especialistas estrangeiros como Roger
Fontaine, Ray S. Cline, Ronald Schneider, Juan Carlos Puig, Lewis Tambs, Álvaro Valência Tovar, William Perry, Wayne
Selcher e Bernardo Quagliotti de Bellis.
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ABSTRACT: This paper discusses the brazilian geopolitical studies, origins to 1980.
KEY-WORDS: Geopolitics and International affairs; national security doctrine and development;
nacional power; politics and strategy.
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