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Chinua Achebe: Racism in Conrad’s Heart of Darkness

1. O pressuposto: “A África não tem esse tipo de coisas” (literatura e história)


a. Mas tem “costumes e superstições”
2. Em primeiro lugar, não são apenas os “outros” que têm costumes e superstições à
primeira vista “estranhas” – inclusive os jovens de Nova York.
3. O desejo ou necessidade de estabelecar a África em contraste com a Europa: a velha
história dos “povos sem” (lembrar Pierre Clastres)
a. Lugar de negações ao mesmo tempo remoto e vagamente familiar.
i. Encontrar através da literatura, e da resposta à literatura, a
explicitação desse mecanismo: Heart of Darkness
4. Heart of Darkness: projeção de África como “o outro mundo”, atítese da Europa.
a. Triunfo da bestialidade sobre a racionalidade.
i. Antítese figurativizada pelo contraste entre os rios Thames e Congo
1. Subir o rio Congo é retroceder ao começo do mundo:
novamente a construção de que os Outros demonstram, de
alguma forma, o passado da Europa.
a. “Não é a diferença o mais importante, mas o suposto
parentesco”
ii. A conquista da escuridão pela luz: noção de progresso.
5. “Repetição ritualista contínua, pesada e falsa de duas frases antitéticas”: o silêncio X o
frênese.
a. E a insistência na qualidade de “incompreensível” de tudo que é africano na
narrativa.
6. O contraste entre os personagens europeus e a “massa de mãos” e extremidades
negras dos africanos
a. “frênese negro e imcompreensível”
i. Homem pré-histórico, noite dos primeiros tempos, idades
desaparecidas etc.
ii. E o contraste entre “forma de um monstro acorrentado e conhecido”
e “monstruosidade livre”
1. Lembrar de David Batchelor
b. O “parentesco remoto”: a construção da oposição a partir da semelhança, não
da completa diferença. Mas uma semelhança definida pelos termos europeus.
7. “Para Conrad é muito importante que as coisas estejam em seus lugares”, com relação
ao africano que viaja com os europeus no barco, “paródia de cachorro com calças
humanas”.
a. A tragédia começa quando as coisas saem de seus devidos lugares
i. Europa no “coração das trevas”
8. Os africanos não possuem linguagem, mas sim balbuceiam (novamente, o
incompreensível, inescrutável)
a. Os poucos casos em que falam, falam para condernarem-se a si mesmos, na
visão europeia: falam para revelarem-se, eles mesmos, e por suas próprias
falas, selvagens, canibais etc.
i. Como se a “escuridão” e selvageria que se lhes é colocado precisasse
ser confirmada por eles mesmos.
9. O racismo branco contra a África é uma forma tão habital de pensar que suas
manifestações passam completamente desapercebidas.
a. “África não é mais do que um cenário para a desintegração da mente” do
personagem Kurtz.
b. O que é, justamente a questão: África como um cenário para a desintegração
da mente racional
10. O fato de que o racismo de Conrad nunca tenha despertado o interesse da psicanálise
ocidental (em contraste com seu antisemitismo ou até mesmo seu corte de cabelo)
deve indicar que a prórpia psicanálise vê tal racismo como algo normal
11. Em contrapartida: uma máscara africana do povo Fang, no norte do Congo, como a
influência definitiva sobre a arte europeia no começo do século XX e o início do
cubismo
12. África é para a Europa o que o retrato é para Dorian Gray
Pierre Clastres: Entre silence et dialogue

1. A intolerância como característica essencial, outro lado da moeda do humanismo


europeu
a. Sua recusa de permitir subsistir aquilo que não lhe é idêntico
2. A “vizinhança da violência e da Razão”
a. Violência como condição e meeio de existência da razão
3. A violência contra outras culturas não, é portanto, estranha ao humanismo da europa:
é seu próprio modo de expansão
a. A europa cria os fantasmas que se propõe a exterminar
i. “Tout se passe donc comme si notre culture ne pouvait se déployer
que contre ce qu’elle nomme déraison“
ii. Desde o berço grego dessa civilização específica
4. O destino comum dado à selvageria e à loucura
a. O tripé criança – selvagem – louco de sustentação para o adulto civilizado
b. Estranhos e perigosos e, portanto, objeto de exclusão e de extermínio.
5. E a tendência das vozes de defesa do “selvagem” de os transformar em “bons
selvagens”, como se domesticados sob a tutela da razão, assim, portanto, perdoados.
a. Transformados em metáfora para críticas morais ou filosóficas, não deixaram
de ser pessoas reais sofrendo a violência da dominação colonial
6. A necessária intolerância em que o humanismo da Razão encontra sua origem e seu
limite, o meio para sua glória e o motivo de sua falha.
7. E daí a ambiguidade das relações etnológicas, surgidas e engendradas pela razão
europeia.
a. E ao mesmo tempo revela o próprio modo de operação do ocidente: uma
ciência que parte em busca de um Outro, definido a seus próprios termos
i. Contradição entre ela mesma e seu objeto de estudo
1. Uma ciência de compartilhar que nega ao mesmo tempo as
possibilidades de compartilhar o mesmo status com seu
objeto de estudo
a. Discurso sobre as civilizações primitivas, não um
diálogo com elas
8. E ao mesmo tempo, é a etnologia que ainda permite qualquer diálogo possível
a. E, portanto, sua missão: edificar uma nova etnologia do diálogo, uma etnologia
que permita uma nova maneira de pensar com
i. “comme inauguration d’un dialogue avec la pensée primitive, elle
achemine notre propre culture vers une pensée nouvelle”

Em aula: aprender a fazer as alianças com as linguagens estranhas com as quais o ocidente
havia recusado. O valor da aliança é pragmático, estratégico: sua potência, seu poder. Tecer as
relações. Linhas e nós de Tim Ingold.
E aí está a contradição da antropologia: fazer essas alianças que a sociedade que engendrou a
antropologia recusou.

E interessante perguntar-se: como as “linguagens estranhas” vêem essas alianças.


Bruno Latour : Não é a questão

1. Ciência como base fundamental, e indiscutível, sobre a qual se assentam “as ciências”.
O que impede o debate sobre uma etnologia do fazer científico, ou seja, da ciência
como conjunto de práticas passíveis de serem também investigados
2. Lei dos quatro estágios na Antropologia
a. Primeiro estágio: antropologia engatinhando; culturas resistentes
b. Segundo estágio: antropologia ganha prestígio acadêmico; culturas
tradicionais começam a desaparecer
c. Terceiro estágio: auge do prestígio da antropologia; “fardo do homem branco”
passa a desconstruir a própria antropologia
i. O pós-modernismo prevalecia
d. Quarto estágio: as culturas que se pensava desaparecidas está presentes;
reantropologização de diversas regiões da terra que se pensava fadadas à
monocultura
i. Tanto culturas fortes quanto uma disciplina forte
3. Metodologia versus Conteúdo
a. A insegurança de se usar o “método científico” com limitação à antropologia (e
a qualquer ciência social, aparentemente)
i. “objetividade , certeza e controle só são exigidos quando grandes
volumes de dados precisam ser armazenados, transportados,
combinados e modelados”
1. Ou seja, as ditas ciências “duras” estão pouco se importando
com a justificativa de suas práticas
b. “Científico”: logística e conteúdo
i. Rigor metodológico são “sonhos inúteis”, de acordo com Latour
4. E no entanto, a Antropologia de fato modelou, documentou e produziu tantos
“agenciamentos” quanto as ditas ciências duras
a. Inventividade dos conceitos antropológicos? “inovação nas agências que
aparelham nosso mundo”
i. O problema, no entanto, como aponta Ingold, é que essa noção de
agenciamento é a de uma produção no seio do fazer científico, não
como um a priori. Ou seja, para todos os efeitos, continuamos diante
de uma matéria inerte. Só que ela ganha vida e dança debaixo das
luzes do laboratório
5. A antropologia já alcançou uma redefinição desnorteante dos humanos que povoam o
mundo
a. Paremos então de nos justificar, é isso?
i. Paremos com o “dilema narrativo de sua própria reflexividade”
6. O que uma aplicação da antropologia deve ser, portanto:
a. Reflexão positiva: colocar de volta ao centro a prática real da antropologia,
com toda a sua produção (diários, entrevistas, narrativas etc.)
i. Mostrar a produtividade do campo, então?
b. Integração mais ampla: abandonar o debate estéril do lugar do observador –
as mediações são bem-vindas, são elas que produzem mais dados, mais
informações.
i. Parar com a perda de tempo da pureza da objetividade.
c. Promoção política: abandonar a ideia de neutralidade da ciência com relação à
política. Ao contrário, produzir ciência é produzir também política. E política
depende da produção científica
d. Redefinição moderna: “Não estudamos mais sistemas de crenças, mas
também sistemas de verdades, nos quais a própria noção de crença evapora,
revelando um novo campo que eu chamei de “antropologia simétrica”
i. Deixar de lado a oposição entre “crenças” e “verdade” e ser ofensivo
no estudo de produção de verdades.
7. Em geral, uma reflexão otimista do potencial de produção da antropologia, mas que,
ao mesmo tempo em que admite o engendramento entre política e ciência, trata essas
mesmas política e ciência como generalidades pouco definidas. Qual política e qual
ciência, afinal de contas, qual produção queremos, devemos engendrar?
a. Um defesa da antropologia como política para se eximir do debate político
real. Como se política fosse uma coisa só homogênea.
Paul Veyne: Como se escreve a história

1. A contrário do que afirma Latour, o debate sobre o estatuto de ciência não é vão.
a. Porque ciência não é algo geral ou generalista, é um termo específico
2. Não basta, tampouco, dizer que a história é subjetiva
a. Que a subjetividade do humano o torna incompreensível
i. Um argumento que valeria também para a antropologia
3. A história não é a esperada “física do homem”
a. O que não quer dizer que não seja importante, que não tenha possibilidades
de renovação
4. A história não é ciência
a. Não tem método, Não explica
b. A história é um “romance real”
5. O objeto da história, os fatos dos humanos, não torna esse mesmo objeto importante
ou especial
a. É um modo de conhecimento
i. Busca de constantes escondidas por detrás dos fenômenos:
possibilidade de repetibilidade
b. Distinção não entre ciências naturais e humanas, mas entre ciências naturais e
ciências “do mundo”
i. Ciências físicas e ciências cosmológicas: imutabilidade X
repetibilidade?
c. A história é uma narrativa: seleção, simplificação, organização de eventos
julgados como importantes
i. E os eventos são, ao mesmo tempo, o limite dos historiadores: sempre
laterais, sempre incompletos, sempre apreendidos por indícios.
d. Portanto, a história não pode ter a pretensão de retratar fidedignamente o
evento. O evento não se repete na recriação da história: ele é reinterpretado,
remixado.
6. Evento destaca-se, identifica-se, em contraste a um fundo de uniformidade. É uma
diferença
a. Atração pela variação dos valores na sensibilidade ocidental
b. Pequenas particularidades que se multiplicam dentro da banalidade do
passado
c. E o estudo de outras “civilizações” enriquece também nosso conhecimento
sobre a civilização do historiador que realizou o estudo
d. “espantar-se com o óbvio”
7. O valor de cada evento
a. Mesmo os que se repetem, ainda possuem valor de particularidade e interesse
historiográfico porque continuam sendo “diferença”
b. A história é, afinal de contas, o estudo do contingente, do particular
c. E o interesse dos eventos é sempre por sua contingência, ou seja, por
emergirem em um dado momento
8. A história é anedótica: sempre narra
a. Mas busca uma lógica e uma compreensibilidade
i. Inteligibilidade: explicar, ensinar
b. E no entanto , a história também é incoerente, não lógica.
i. Uma tapeçaria bordada a partie de pedaços heterogêneos de
tecidos/fatos/eventos

9. Os historiadores recortam a história a seu modo, pois a história em si não possui


articulação natural.
10. A diferença entre campo de eventos históricos e história como gênero textual
a. O gênero, cuja definição variou de acordo com a sociedade, realiza um recorte
sobre o campo dos eventos e define seus objetos
i. Dinastias, histórias militares etc. Em Heródoto, por exemplo, o gênero
histórico e o etnográfico misturam-se, pois o campo de recorte é,
também, os “bárbaros”
b. E aí, no entanto, pode reinar um risco: a história, ao definir seu campo como
“tudo”, perde definição...
i. Um rio que, raso demais, invade todas as margens, mas perde
profundida. Erosão por expansão.
11. A importância de Foucault: produzir uma história “não-factual”, ou seja, de ideias, de
conceitos, de tendências...História da Loucura, por exemplo
12. Ainda que o autor seja bastante crítico com relação aos pesos definidos aos eventos
definidos como de interesse histórico, ou melhor, à falta de peso intrínseco a esses
eventos (sendo valorados pelo recorte do historiador), ele parece reforçar uma
estranha espacialidade da história: “idade da pedra lascada”.
13. O ponto do autor, no entanto, é simples: o critério para a escolha do recorte histórico,
assim como a valoração dada aos fatos históricos escolhidos é “subjetivo”
a. E assim os horizontes do factual alargam-se para além de qualquer definição
produtiva
i. “pois em que outra região do ser que não na vida cotidiana, dia após
dia, poderia refletir-se a historicidade”?
b. Retirar um “fato social total” das rimas de crianças do século XVII sobre uma
epidemia: relacionar às epidemias da época, às possibilidades de recuperação,
à naturalidade com que se lida com a doença, ao estado da saúde pública
contingente à época, os produtos a serem comprados pelas crianças na canção
etc.
14. Assim, a História, com H maiúsculo, não existe. O que existem são histórias,
historiografias de algo
a. Um evento só tem sentido dentro de uma série, e as séries são não-
hierárquicas e infinitas: a série de possibilidades de fatos historiografáveis.
i. Assim, história é uma ideia transcendental, um limite inacessível, um
objeto que se define pelo seu não-esgotamento
ii. Como totalidade, a história escapa: lembrar do Anjo da História, de
Benjami
b. E mesmo a direção do movimento da série não exaure o sentido semântico da
série: não há plano divino, e não pode haver plano divino apenas porque se
vislumbrou ou produziu uma lei (como a teoria da evolução, por exemplo)
i. E, no entanto, o autor continua lidando com História, com o Tempo,
como uma seta, uma reta em uma única direção: Deus ausente
15. O problema da completa subjetividade do fazer e do interesse histórico é tudo é
permutável, como se dependesse de uma preferência tão absolutamente livre quanto
gostar de azul ou de verde: história da luta de classes, ou história das raças, ou história
do progresso científico...nada disso possui valor intrínseco
a. O que não deixa de ser verdade, no sentido de valor como essência. No
entanto, é preciso que esse sujeito posicione-se! Ele não existe desprendido
da posição social que ocupa na contingência de sua existência.

16. O peso da liberdade tanto na escolha do objeto histórico quanto, em realidade, na


definição de todas as ações humanas
a. E o reducionismo do materialismo que isso resulta: dizer que os homens não
são definidos por forças que os superam porque essas forças, também sociais,
são produção dos próprios homens é, paradoxalmente, negar a história: os
humanos do passado alimentam as forças que definem os humanos do
presente, ou seja, os humanos não existem como essências pré-definidas que
flutuam livremente no fluxo e nas transformações do tempo, não são
permutáveis à revelia de seu tempo e contingência históricos.
i. Em outras palavras, há aqui uma tentativa de livrar os humanos das
correntes de causa e efeito, como se essas mesmas correntes
exclusivas de causa e efeito fossem a única maneira para se ler o
materialismo histórico
b. E aí ele joga um “causas profundas” como traços fundamentais da psicologia
ou do “ser” de uma época. Troca-se a causalidade materialista pela
causalidade idealista.
i. “a causa profunda é a menos econômica”
c. A distinção entre ocasiões e causas profundas baseia-se na ideia de
intervenção.
17. Além de manter ativa a dicotomia social – natural: “o adversário é ora o homem, ora a
natureza”
18. E depois ele começa a desmontar sua própria distinção entre causas superficiais e
causas profundas: “a história não tem profundezas”
a. Uma defesa absoluta do acaso? Parece que sim
i. Uma defesa de todos os aspectos incontroláveis e irracionais, os
pequenos acasos que definem um ponto de virada histórico
ii. O mérito do historiador não é ter uma visão elevada ou realista, é
julgar bem as coisas medíocres.
19. Importante: página 88 e as três concepções da história
Isabelle Stengers: A maldição da tolerância

1. Qual coerência possível existe entre as ciências modernas?


2. A autora desenha sete paisagens problemáticas para a definição de uma coerêcia geral
aos fazeres da ciência
a. “onde reina hoje a afronta”
b. Baseados fortemente sobre as práticas reais de tais áreas científicas
3. O espaço possível entre os saberes diversos não é o da tolerância ou do ceticismo, é o
da dúvida e da esperança, do medo e dos sonhos. É, enfim, uma experimentação ética.
4. A tolerância como uma espécie de ceticismo bem-comportado, uma patronização das
práticas e saberes ditos “não-modernos”
a. E aqui, os tolerantes não são um conjunto bem-definido, mas a definição de
destinatários da “mensagem moderna”: menos as pessoas particulares, mais o
que se espera, que tipo de leitura se demanda.
i. E essa mensagem é fundamentada, obviamente, pela cisão entre
“nós” e os outros. Os modernos e os não modernos. É essa cisão,
afinal de contas, que nos permite identificar-nos com o destinatário da
mensagem moderna. Identificação em retrospecto?
5. A tolerância aos que “crêem”, e o peso de nossa “perda de ilusões”
a. A distinção “nós” e outros ganha outro contorno: “nós” perdemos nossas
crenças, mas somos tolerantes com os “outros”, que ainda possuem as suas.
i. Tolerância também como “nostalgia”: os outros como “nosso
passado”
b. E nossas crenças, nossa confiança retorna apenas como caricatura, sectarismo,
totalitarismo
6. Outro contorno para a definição: nossa tolerância e nossa perda de ilusões nos torna
“adultos”; os outros estão na infância dos tempos.
a. Orgulho dissimulado
7. As três práticas “impossíveis” de Freud: ensinar (ou transmitir), governar e curar
a. Práticas “universais” porque compartilhadas por todas as sociedades humanas
i. E mesmo aqui se poderia evocar Pierre Clastres. Ou há distinção entre
Governo e Estado?
b. “impossíveis”, segundo Freud, pela nossa perda de ilusões e de ingenuidade.
i. “obrigação primeira de afirmar o caráter sem retorno da destruição
que suas práticas têm como herdeira”
1. O que cria um senso de heroísmo: lançar-se em uma empresa
impossível, com os olhos desabusados de reconhecer a sua
impossibilidade
2. Não é assim nossa relação com a profissão de professor,
mesmo no senso comum? “vocação”, “fazem por amor”
8. O que Freud define como “métier” (tradução: carreira? Profissão? Práticas?) tem um
caráter duplo:
a. Conjunto de práticas definidas como “fazer ciência”
b. E também conjunto de práticas que definem nossa “ecologia sócio-cultural”
i. “São produtoras, para melhor ou para pior, de relações entre grupos
heterogêneos”
c. Por exemplo: o antropólogo, com suas práticas, produz uma relação,
normalmente assimétrica, com outros povos
i. Sem que suas próprias práticas, que criam a relação em primeiro lugar,
apareça em primeiro plano: naturalização das categorias
antropológicas usadas pela ciência
1. A etnografia sem a presença explícita do etnógrafo. Narrador
em terceira pessoa onisciente, onipresente, onipotente.
d. Ou seja: a ação de produção das relações é escondida, e sobram apenas as
relações produzidas, como se estivessem sempre lá, como se sempre
existissem, como se naturais (e isso se descontarmos o fato de que memso
“natureza” é contingente).
i. Mecanismo de defesa? Esconder o ato de produção evita afronta ou
repressão?
ii. Ao ponto de que não fazemos distinção entre práticas produtoras de
saberes e práticas produtoras de mediação
1. E no entanto, não somente são distintas, mas essa distinção se
baseia sobre obrigações em comum, associadas à tolerância.
9. Artefato: um fato experimental, produzido pela arte humana e capaz de autorizar
determinadas interpretações sobre o mundo e calar outras
a. Artefatos de laboratório, produtos das ciências
b. E no entanto, o testemunho da prática laboratorial deve esconder o caráter
“produzido” do artefato para que ele tenha seu valor autorizador de
interpretações.
i. É essa a obrigação dos “experimentadores”, os praticantes das
ciências.
c. Bruno Latour: “faitiche éxperimental”
i. Um fato que é fabricado, mas sua fabricação é torcida para tornar-se
“descoberta” de algo que possa ser considerado independente do ato
de fabricação.
10. Um tipo especial de “faitiche”: o “prometedor”
a. A produção de sua existência não explica ou “prova” fatos passados, mas lança
questões que o próprio faitiche não pode responder, mas que mobilizará a
produção de novos faitiches
b. Uma espécie de “lançar para fora” nas práticas científicas, pesquisas entre
áreas
11. Entre o faitiche experimental e o faitiche experimentador, o pharmakon
a. No sentido de que as novas práticas produzidas a partir podem ser remédio ou
veneno, médico ou sedutor
b. E o terreno de articulação move-se entre o tato e a prova.
i. Ou seja, dos terrenos de encontros problemáticos, onde se exige tato,
ao terreno das conquistas “reducionistas”.
c. Exemplo: DNA. Seu caráter de promessa de “mapa biológico de tudo” depende
da construção forçada e redutora de como o DNA é utilizado pelas bactérias e
de sua generalização para todos os seres vivos.
12. Toda ciência tem como uma de suas exigências de validação fundamental o poder (no
sentido de poder político ou autorizatório de determinados saberes)
a. Com as ciências humanas, a exigência do poder complica-se, pois passar a ser
um poder que, abertamente, não valorizaríamos
i. Por exemplo, a etnografia que descreve o “outro”, e cujo poder que
valida e autoriza tal descrição, normalmente bastante desvalorizadora,
é o mesmo poder que submete o “outro” politica e economicamente –
herança da antropologia como ferramenta do colonizatória dos
Estados metrópoles.
13. E portanto, a questão não está na conivência entre atropólogo e colonizador,
assistente social e policial, pedagogo e Recursos Humanos etc. A questão são as
próprias práticas e seu caráter duplo, o que permite a conivência em primeiro lugar.
a. O poder do fato experimental: distinguir denúncias que poderiam ser feitas
aos mesmos atores.
14. Assim, a questão é colocar em dúvida as exigências que criam um elo entre ciências
humanas e poder; sublinhar a facilidade de pharmakon como os termos “obedecer”,
“compreender”, interpretar”, “prever”, controlar” e “verificar” mudam de sentido de
acordo com os interessados.
a. Em resumo, William Blake: He who mocks the Infant's Faith / Shall be mock 'd
in Age & Death. / He who shall teach the Child to Doubt / The rotting Grave
shall ne 'er get out. / He who respects the Infant 's Faith / Triumphs over Hell
& Death
i. E aqui, o respeito não tem nada a ver com a tolerância.
b. Maldito seja aquele que lida com seus “outros” com patronização, com
tolerância, com tato, com abstenção...traços que sempre terminam em
traição.
15. Não se trata de pesar prós e contras nas práticas das ciências humanas, mas de
arriscar colocar em questão o abuso de poder que essas mesmas ciências consideram
por vezes como sucessos em seus estudos, teorias, hipóteses.
16. E ainda mais: a maldição Não é uma tentativa de “justiça” com os “outros”, como se
nós, sempre nós, tivéssemos e fôssemos os únicos a defendê-los
a. É uma justiça conosco, com nossas práticas, com nossos pharmakons.
b. E é essa, portanto, uma nova obrigação colocada às ciências

Em aula: A tolerância que a Stengers descreve é um valor ligado ao relativismo, ou seja,


diferenças mais ou menso importantes em um fundo universal. Ao mesmo tempo, é o outro
lado da moeda da violência, da intolerância, da patronização. A tolerâcia “corrói as relações
entre as diferenças”.
François Châtelet: A questão da história da filosofia hoje

1. Por que isso seria importante, em primeiro lugar?


a. A modernidade condenando o passado como inessencial, superado, antiquado
i. E mesmo a ortodoxia marxista considerou tudo antes de Marx como
reacionário
ii. Ou o reverendo Malebranche, que considerou tudo que precedia
Descartes como maligno
b. Por isso é preciso redefinir nossa relação com o passado.
2. A história da filosofia como o centro do ensino de filosofia. Ou seja, faz-se
historiografia de pensadores e conceitos, não filosofia.
a. Especialmente tratando-se de conceitos.
b. No ensino, há três atores: aluno, filosofia, professor. Aluno e filosofia são
considerados com estáticos, e cabe ao professor movê-los e reposicioná-los
um em relação ao outro.
i. E, portanto, faz sínteses sutis que coloca em curto circuito o próprio
movimento de contrapontos, contradições, reafirmações e embates
da filosofia
ii. Visão evolucionista dos conceitos filosóficos. Dialética idealista.
3. Sobre a nota de rodapé 2: qual é, em primeiro lugar, o valor real para o debate em
definir identidades baseadas em escolas filosóficas. “Platonista”, “marxista”,
“hegeliano”, se significam a identificação de um sujeito com a totalidade de uma
escola, como se isso fosse possível, é tão relevante quanto acreditar que identificar-se
com marca X ou Y de sabão é o ponto central do ato de tomar banho.
4. A visão evolucionista da história da filosofia, usada no ensino universitário, tem ainda
outro problema: sacralizar o presente.
5. Portanto, em primeiro lugar, filosofia não é uma esfera completamente segmentada e
independente da política
a. A filosofia de uma época está enraizada na sua sociedade, no seu tempo, nos
seus fatos e bases materiais, na sua linguagem
i. Sobre linguagem, ver Benveniste e a dependência da estrutura da
língua grega nos conceitos clássicos (“ser”)
b. E é também histórica a relação com as filosofias de épocas anteriores ou
autores do passado
i. Ou os retomam sem colocar em questão os pressupostos básicos, que
acabam atravessando o tempo escondidos
6. A história da filosofia é indissociável de uma história das ideologias
7. Portanto, encravados na chamada “civilização ocidental”, o discurso filosófico sempre
desempenhou um papel social e político estratégico.
a. Por isso, criticar a tese XI de Marx, de que os filósofos anteriores não se
preocupavam em transformar o mundo, apenas em interpretá-lo. Ora, todo
modelo de discurso e epistemologia transforma o mundo, mesmo que de
maneira escondida por um pressuposto de “descoberta” (lembrar Stengers)
i. Assim, a aspiração à “transparência” cria uma posição de privilégio
para esse fazer político
b. E mesmo Descartes, que nunca escreveu um texto explicitamente político,
tinha um projeto político como objetivo de sua filosofia.
8. Importância de Guattari-deleuze, Lyotard e outros, que introduziram palavras ditas
“baixas” ao discurso “elevado” da filosofia
a. Dessacralizar o discurso e tornar inutilizável o vocabulário até então
privilegiado.
b. Importante também, por isso, desmontar os supostos sensos-comum
utilizados no discurso político, como liberdade, justiça etc.
i. Reconhecer o conceito pelo que é: um feixe de questões
ii. Desencascar os termos da linguagem política
c. E curioso no entanto como o autor usa de maneira pouco crítica o termo
“indivíduo”
d. E, igualmente problemático, o autor coloca demasiada ênfase no desmonte
vocabular, discursivo, dos pressupostos filosóficos e políticos, mas não coloca
nenhuma importância na prática.
9. Apresenta-se um ídolo: a história da filosofia
a. Parcelar ou totalizante, materialista ou idealista, “pouco importa”
i. E no entanto, isso importa!
b. Parece que no afã de construir esse tal ídolo a ser desmontado, o autor
considera posições filosóficas como diferentes opções de um mesmo buffet a
ser destruído.
i. O que ele confirma depois: “pura questão de gosto”
10. E, bem-vindo seja, entramos em contato com um materialismo histórico mais robusto,
menos causal, mais relacional
a. Assentado nas forças produtivas e modos de produção como nó condutor das
relações.
b. E dando o papel central à contingência do devir, sem a qual a ação política é
impensável.
11. Conceber uma história da filosofia materialista, portanto, que rompa com o idealismo
anterior passa por inverter os pontos de chegada e partida: começar pelo texto dito
filosófico e traçar seus modos de existência.
a. O que gera alguns pontos:
i. A filosofia, no intuito de constituir-se como o discurso transparente
por excelência, produz nas suas periferias uma série de debates e
problemas de coerência interna que definem, no limite, a própria
relação centro-periferia dos textos filosóficos como gêneros
1. O que nos mostra que, no interior do discurso filosófico como
gênero, há contradições, embates.
2. E levanta a questão: como definir, então, o gênero discursivo
filosofia?
ii. O estudo estrito do gênero filosófico é insuficiente; é necessário
recorrer também a suas relações políticas
1. Fazer emergir a coerência interna entre escritos filosóficos e
tratados políticos de um mesmo autor
2. E, no entanto, “falo (...) não das posições políticas empíricas”.
Por que não?
iii. O debate político-teórico remete-se a alvos políticos reais (como se
não fosse óbvio)
1. Portanto a história da filosofia é uma história política, uma
história política do passado que pode “ser constantemente
reativada pela nossa história política atual”.
12. Portanto, é importante reforçar: o passado possui instrumentos (não modelos)
teóricos que ainda podem ser usados na atualidade.
a. Com exemplo, a crítica atual da relação entre poder e ciência (Stengers e
Latour, por exemplo) ignora que essa mesma crítica já era feita por Rousseau,
enquanto ignora outros pontos ditos “relevantes” também levantados por
Rousseau: problema da liberdade individual e sua relação com o interesse
geral (um “problema” que reativa uma dicotomia entre indivíduo e sociedade
que está longe de ser bem definido pelo autor)
b. E aqui volta a ser feita uma acusação “contra o Marxismo”: esquecer Rousseau
(???)
i. Gratuita e feita com “indiretinhas”.
ii. Criação de espantalhos para servir de inimigos
1. Baseados, o que é pior, em identitarianismos circunscritos em
escolas hermeticamente fechadas de pensamento:
“os”marxistas, “os” idealistas etc.
13. Crítica ao conceito de clássico como idealismo: essências humanas imutáveis que
sempre serão afetadas por determinada obra considerada “clássica”
a. Tomando como base uma perspectiva materialista da história da filosofia, um
autor ou obra é clássico enquanto e somente enquanto se mantiver em
movimento, "evoluindo” junto com o tempo, continuar a ser relevante
i. Reativação e reatualização constantes, omnitemporalidade no lugar
de atemporalidade (e mesmo aquela precisa ser constantemente
colocada à prova)
14. Em defesa de uma história genealógica da filosofia: identificação de relações que são
mantidas em contextos históricos diferentes
a. Uma história genealógica é uma geografia da filosofia: visão espacial da
filosofia.
i. Como entram as ideias na luta de classes.

Em aula: pensar na “impossibilidade geametral” do Paul Veyne como uma negação da


centralidade da relação particular – universal.
Tentativa de recolocar as questões em outros termos.

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