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ITAÚ CULTURAL 28
A censura é o mote para os depoimentos dos cartunistas Ziraldo, Santiago, Luis Fernando Verissimo, João
Montanaro e Elias Monteiro sobre a charge, gênero que se nutre do noticiário político. Figura essencial para
a compreensão da produção artística brasileira dos períodos moderno e contemporâneo, o crítico Mário
Pedrosa é relembrado no Perfil, que conta a história do homem saído de engenho pernambucano para
engendrar uma experiência libertária de resistência artística.
Música, teatro e literatura são convocados, em matérias distintas, para criar um panorama das manifes-
tações da arte engajada. Na Entrevista, a criadora-intérprete de dança Vera Sala mostra como o corpo
Continuum Itaú Cultural Projeto gráfico Jader Rosa Design gráfico Thiago Lacaz Edição Marco Aurélio Fiochi, Mariana Lacerda Redação André
Seiti, Roberta Dezan Produção editorial Caio Camargo Revisão Denise Costa, Polyana Lima Colaboraram nesta edição Augusto Paim, Carlos
Costa, Daniel Marenco, Derlon Almeida, Josely Vianna Baptista, Lia Letícia, Lourival Cuquinha, Marco Lourenço, Mariana Leme, Mariana Sgarioni,
Maurício Nunes, Micheliny Verunschk, Patricia Cornils, Renan Magalhães, Renan Marcondes, Renata Ursaia, Rochele Zandavalli, Tatiana Diniz,
Yoani Sánchez, Zé Otávio Agradecimento Carlos Zilio, Ivon Piccoli, Maitê Ciancaglini, Isabel Pedrosa, Vera Pedrosa
capa Identidade Ignorada, 1974, de Carlos Zilio – fotografia p&b, 18 x 24 cm [múltiplo], coleção do artista
reprodução fotográfica: Fabio Praça/Itaú Cultural
Reportagem
“As artes só emprestam aos procedimentos de dominação ou de emancipação aquilo que podem
emprestar, isto é, muito simplesmente, aquilo que têm de comum com elas: posições e movimentos
dos corpos, funções da palavra, repartições do visível e do invisível. E a autonomia de que podem
gozar ou a subversão de que podem atribuir-se assentam na mesma base.”
Jacques Rancière, A Partilha do Sensível – Estética e Política (Editora 34, 2005)
Arte e política fazem parte da vida e se enredam, constantemente, retratando a sociedade e ampliando a
compreensão do mundo. Em 2003, a exposição Arte e Sociedade – uma Relação Polêmica foi exibida no Itaú
Cultural, sob a curadoria da crítica e historiadora da arte Aracy Amaral, apresentando um retrospecto his-
tórico do Brasil, desde 1930 até aquele ano, com base na observação da produção artística de significados
políticos e sociais. O mesmo argumento, arte e política, volta à baila como tema da 29a Bienal de São Paulo –
em cartaz no Pavilhão da Bienal, Parque do Ibirapuera, até 12 de dezembro. Sem a preocupação do retrato
histórico, a mostra, defendem os curadores Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias, afirma que a dimensão utó-
pica da arte está contida nela mesma, tomando como metáfora o verso do escritor alagoano Jorge de Lima:
“Há sempre um copo de mar para um homem navegar”, do livro-poema Invenção de Orfeu (1952).
Como política é um terreno de delicadezas e liberdades, nada mais comum que as duas curadorias apontem
para recortes distintos. As coincidências se resumem a alguns artistas, e, para compor o panorama, as artes
visuais não são o único objeto de observação. Entram também o teatro e a música; e a cultura é visualizada
em um conjunto.
A exposição curada por Aracy em 2003 foi o mote para os três volumes da publicação Arte e Sociedade no
Brasil (Callis, 2005), em parceria com André Toral. Nos livros e na mostra, o recorte artístico é permeado de vá-
Carlos Zilio, Lute, 1967-1998, serigrafia sobre filme plástico e resina rios momentos da história brasileira. Durante o período militar, por exemplo, emerge o trabalho dos Centros
plástica acondicionados em marmita de alumínio [apropriação], Populares de Cultura (CPCs) e da União Nacional dos Estudantes (UNE). Era também a época dos grandes
5,8 x 10,5 x 17,5 cm, coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo festivais. Músicos como Chico Buarque, Geraldo Vandré e Edu Lobo driblaram a censura e conquistaram
(SP) | reprodução fotográfica: Romulo Fialdini multidões.
Heróis do Brasil
Esquiva, ataque e contra-ataque reiro menos bem-humorado, o Tio Sam, usava esses
mesmos dizeres na convocação de recrutas para o
exército norte-americano. Em outra estampa, o slogan
“Vote Bob” acompanha o rosto do cantor jamaicano
Artistas contemporâneos mantêm impulsos políticos, mas se engajam com
Bob Marley. “Louco por louco, vote Bob! É um debo-
mais leveza que as gerações de 1960 e 1970. che com a propaganda política, que invade nossas
casas aos berros”, explica o artista.
Por Tatiana Diniz
No decorrer de 2008 e 2009, com o projeto Heróis do
Na campanha presidencial norte-americana de 2006, o artista visual Shepard Fairey imprimiu 350 pôsteres Brasil, Tatoo grafitou suas versões nacionais de co-
criados como estratégia de apoio à eleição de Barack Obama. Neles, via-se o rosto do, na época, candidato nhecidos heróis dos quadrinhos em cidades de cinco
acompanhado de palavras como “esperança”, “mudança” e “progresso”. Com preço original de 45 dólares a estados brasileiros. Nessas interpretações, a Mulher
unidade, foram revendidos por até 200 vezes esse valor em sites de comércio eletrônico como o eBay. Maravilha é Irmã Dulce; o Homem de Ferro é o so-
ciólogo Betinho; e o Justiceiro é o ativista ambiental
Inicialmente criticados por “imitarem” a estética da propaganda política soviética, os cartazes de Fairey desenca- Chico Mendes. Atualmente circulando com o proje-
dearam, por sua vez, uma avalanche de cópias e até mesmo o surgimento de plug-ins que permitiam ao usuário to Grafite Cidadão, ele leva oficinas de grafite a ONGs,
a criação do “seu próprio pôster Fairey-Obama”. Renderam ainda ao artista uma noite na prisão junto a um grupo centros socioeducativos e escolas. O tema atual é uma
de amigos videomakers por colar ilegalmente as imagens em muros e paredes de Denver, capital do Colorado. campanha pela cidade limpa.
Dois anos antes de o rosto de Obama virar arte contemporânea, a artista gaúcha Lia Letícia conseguiu, du- Limpando as cidades com outra forma de grafite, o ar-
rante uma campanha eleitoral para a prefeitura de Olinda (PE), cem camisetas nas quais estampou os dizeres tista mineiro Bim Fernandez marcou a última Semana
“Vendo Meu Voto: Tratar Aqui”. Um grupo de eleitores votou carregando a mensagem no peito. O acordo feito Experimental Urbana de Porto Alegre [em junho de
com a oposição, fornecedora das camisetas, determinava que a ação não se relacionasse à sigla do partido. 2010] com uma intervenção que debatia a epidemia
de crack. Feito em uma área frequentada por usuá-
A ideia de Lia nasceu em 2002, inspirada na situação de uma moradora de favela cujo voto era disputado rios, o trabalho é uma imagem de Perseu segurando
por dois candidatos em troca da quitação de contas atrasadas. “Naquela campanha, fiz um broche com essa a cabeça da Medusa, acompanhado de um balão
frase”, lembra a artista. Desde então, eleições são períodos em que Lia reforça seu “desativismo político”. “É um de texto em que se lê a frase “Pra que transformar
contra-ataque ao voto obrigatório. O circuito político se estrutura por meio dessa ferramenta legal, encon- tudo em pedra?”. Empregando a técnica de rever-
trando várias maneiras de se perpetuar e multiplicar. A forma expositiva e verbal que encontrei para discutir se graffiti, o artista retirou camadas já existentes
algumas dessas questões foi esse humor abestalhado, bobo, cretino. Lembro que a obra não se reserva de uma parede (como sujeira, musgo e fu-
direitos, portanto façam livre uso nessas eleições”, comenta. ligem de poluição) até formar a figura.
Ricardo Tatoo, TV Kills Arte Ataque [série], camisetas com estampas
A pisada é esta
A trajetória do crítico Mário Pedrosa, para quem a arte nunca esteve distante
da política e da vida social.
Por Mariana Lacerda
Revolução, sensibilidade, intuição, transcendência. Liberdade. Essas são algumas palavras recorrentes em
textos deixados por Mário Pedrosa – e não raro por aqueles que tentam entender e explicar os escritos
deixados por ele sobre arte e política. Posto no lugar de um dos mais importantes críticos do Brasil e do
mundo – muito embora, é provável, classificações assim pouco interessassem a ele –, seu trabalho inclui um Mário Pedrosa em discurso na época em que dirigiu o MAM/SP, em 1960 | foto: acervo UH/Folhapress
sem-número de textos publicados em jornais, revistas e catálogos brasileiros e estrangeiros e a participação
(e promoção) em diversos júris e concursos internacionais. Além disso, integrou a direção da Associação
Internacional de Críticos de Artes (Aica), dirigiu o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) no início da Sobre seu pai, homem que teve carreira pública, Má- Fazer livre
década de 1960 e, no mesmo período, a VI Bienal de Artes Plásticas. rio contou em seu relato que ele “guardou [...], ao fim
e ao cabo, uma pureza nativa [...], uma capacidade de Com 12 anos, a mando do pai, Mário foi estudar na
O currículo de Pedrosa e sua trajetória de vida, entre idas e vindas ao exterior, inclusive enquanto exilado, são entusiasmos frequentemente ingênuos (que herda- Bélgica. Era 1913, véspera da Primeira Guerra Mundial –
extensos. De certa forma, espelham tudo aquilo que ele acreditou. A essência de sua lição: “O artista deve mos todos), uma tolerância instintiva, tribal, para os motivo pelo qual foi transferido para a Suíça. Em 1916,
buscar na força expressiva da forma a possibilidade de reeducação da sensibilidade do homem, de modo transviados, como eu”. de volta ao Brasil por causa desse conflito, foi morar
a fazê-lo ‘transcender a visão convencional’, obrigando-o a enxergar o mundo com outros olhos e, assim, a no Rio de Janeiro, pois seu pai tinha se candidatado
‘recondicionar-lhe o destino’ ”, escreveu a filósofa e professora aposentada da USP Otília Arantes, em seu livro “Ele sempre se entusiasmava, uma das características a senador por aquele estado. Formou-se em direito
Mário Pedrosa: Itinerário Crítico (CosacNaify, 2004), citando aquele a quem dedicou parte de seu trabalho de pes- generosas de sua personalidade”, diz Bel Pedrosa, uma em 1923 e, dois anos depois, vinculou-se ao Partido
quisadora nessa universidade. ”Ele acreditava que a independência da arte e a revolução andavam juntas, bata- entre os três netos do crítico. “Ingênuo, nunca”, reitera Comunista. Tinha 25 anos. Em decorrência de ter se
lhando para que o Brasil saísse do isolamento e se alinhasse à arte mais avançada do tempo”, escreveu Otília. ela. Era tido como o “diferente” da família. “Talvez por filiado ao partidão, viajou para Moscou a fim de estu-
causa de sua escolha profissional”, diz Vera Pedrosa, dar. Mas, ao passar pela Alemanha, em pleno inverno,
Natureza generosa filha única do casal Mário e Mary Pedrosa. “Mas eles adoeceu. E ficou em Berlim.
sempre foram muito unidos”, diz Bel. “Na volta do últi-
Mário Pedrosa nasceu em um engenho de cana. Era 1900, tempo suficiente para, anos depois, lembrar-se do mo exílio até o fim da vida, por exemplo, conversava “A tal doença permitiu que entrasse em contato
ritual de lava-pés que negros já alforriados cumpriam na casa em que cresceu. Seu avô materno era o senhor diariamente com seus irmãos por telefone. Por mais com a arte moderna que ele, ainda pouco inte-
dos engenhos Jussaral, Pindoba e Pindobinha. “Em Jussaral nasci eu”, escreveu Pedrosa em seu único texto diferentes que fossem, isso jamais interferiu no amor, ressado no assunto, pôde presenciar na Berlim
de memórias, intitulado “A Pisada É Esta”, escrito em 1974 durante seu exílio em Paris (texto nunca revisto na amizade, na camaradagem e na confiança que ha- do expressionismo e da Bauhaus. Suas estrei-
por ele). Jussaral pertencia ao distrito de Cruangi, no município de Timbaúba, região da Zona da Mata de via entre eles”, explica ela. Bel lembra que, indepen- tas relações com Leon Tróstki fizeram dele
Pernambuco. Foi o sexto filho do casal Pedro Cunha Pedrosa e Antônia Xavier de Andrade Pedrosa, que, além dentemente das diferenças, o avô sempre escutava secretário-geral da IV Internacional (or-
de Mário, colocou no mundo quatro moços e cinco moças. seu interlocutor com atenção. “Fazia parte da sua na- ganização fundada em 1938 e que
tureza generosa.” tinha o revolucionário
do qual se prepara e cultiva a sensibilidade.” (Otília Arantes) to “Lance Final”, publicado no livro Forma e Percepção, criar e a fortalecer.
Seu primeiro texto como crítico de arte foi escrito em “Exercício”, nas palavras de Pedrosa, porque ele
1933, para uma conferência sobre a gravurista alemã acreditava na arte com um fazer atento às coisas.
Käthe Kollwitz (1867-1945), cuja obra é marcada por “Experimental”, porque o exercício artístico permite Conheça trecho de crítica convida o sujeito-espectador a entrar numa re-
temas como fome, guerra e pobreza. Tratava-se do aos indivíduos uma relação mais aberta e livre com
escrita por Mário Pedrosa lação nova com a obra, quer dizer, com o obje-
”primeiro estudo propriamente marxista de arte, e a matéria, reinventando sempre o mundo para não to, de modo a que o sujeito participe da criação
creio que uma novidade em toda a América”, escre- perdê-lo. “E, por fim, ‘liberdade’, porque a função do Ensaio de 1960 reflete sobre a obra da do objeto e este, transcendendo-se, o reporte à
veu Alambert em seu texto intitulado “1001 Words for artista, como a do crítico, é extravasar no mundo vi- artista Lygia Clark. plenitude do ser. A arte moderna começa a rom-
Mário Pedrosa” [1001 palavras sobre Mário Pedrosa], vido aquele conteúdo que precisou de liberdade para per de novo com o obscurantismo romântico e,
espécie de apresentação do crítico brasileiro publica- A moda vai ao teatro
decantar-se segundo leis próprias”, diz Alambert. “O espectador não é mais um sujeito passivo e retomando uma atitude otimista, se propõe ven-
da na revista americana Art Journal em 1960. puramente contemplativo em face do objeto; cer com o homem e para o homem o enigma do
Figurinos
Colhendode peças são uma
sensibilidade... prova de que
e utopias nem tampouco um sujeito egocêntrico que para mundo, e lhe recondicionar o destino. As atuais
A partir daí, o militante da esquerda se tornou crí- a moda certamente é arte. se impor nega a obra, o objeto, como na pintura realizações de Lygia Clark têm esse papel.”
tico de arte. Em sua visão, a arte e a política ca- Fica claro então, explica Alambert, que, para Pedrosa, e na escultura romântica e baixamente naturalis-
minhavam juntas. “Para ele, a arte emancipadora o potencial emancipatório da obra de arte deriva da ta, ora em moda, que foge à realidade exterior, Trecho da crítica intitulada “Significação de
significava o ‘exercício experimental da liberda- possibilidade de um fazer diferente e, portanto, livre. acovardada diante das dificuldades e complexi- Lygia Clark” (catálogo do MAM/RJ, 1963), cita-
de’. Essa arte, em suas vertentes construtivas “Mas fazer ‘livremente’ nunca significou para ele fazer dades do mundo contemporâneo, numa posi- do em Mário Pedrosa: Itinerário Crítico, de Otília
e críticas, foi até certo momento o melhor qualquer coisa, uma vez que sem reflexão apenas se ção inteiramente solipsista. A nova arte de Clark Arantes (CosacNaify, 2004), p. 164 e 165.
laboratório da experiência possível de repete aquilo que o mundo dita ou ensina a fazer. Por
uma utópica situação social emanci- isso nem toda forma de arte, para ele, vale como exer-
pada”, explica Alambert. cício de liberdade”, diz o crítico.
Vinte e cinco anos após o fim da ditadura no Brasil e tendo a política em voga com o período de eleições,
a Continuum propôs a cinco chargistas brasileiros a seguinte reflexão: “Sem ditadura e sem censura, para
onde se volta o chargista político hoje?” .
As respostas são tão variadas quanto os perfis dos chargistas: veteranos como Ziraldo, Santiago e Luis
Fernando Verissimo aparecem ao lado de João Montanaro, que aos 14 anos de idade assina a charge política
do jornal Folha de S.Paulo. Também há depoimento de Elias Monteiro, chargista do jornal Diário de Santa
Maria, interior do Rio Grande do Sul. Eles contam sobre o que você vai rir – ou chorar – amanhã. E sem
censura!
Santiago
O problema para mim é sempre o mesmo: nunca sofri
censura externa nos jornais pelos quais passei (traba-
lho desde o período do governo Geisel), mas, sim, in-
terna, feita pela direção do veículo.
A quebra
Fotos Daniel Marenco [provacontato.blogspot.com]
cinema MÚSICA
A Vida dos Outros, de Florian Henckel von Donners- Show Opinião, de vários artistas (Phillips, 1965)
marck (Sony Pictures Classics, 2006) A apresentação, que mesclou teatro e música, dirigi-
Um metódico integrante da Stasi – polícia política da da por Augusto Boal e produzida pelo Teatro Arena e
ex-Alemanha Oriental – é encarregado de espionar pela União Nacional dos Estudantes, reuniu composi-
um casal de artistas em busca de provas contra o go- ções com alto teor de contestação social e política, em
verno. O que era para ser uma simples missão acaba se pleno ano de 1964. Com interpretações de Nara Leão,
tornando um conflito moral que provocará mudanças João do Vale e Zé Keti, o espetáculo se tornou referên-
irreversíveis na personalidade do agente secreto. cia da resistência durante os anos de chumbo.
Um lugar de errância e
impermanência
Por Marco Aurélio Fiochi | Fotos André Seiti e arquivo da artista
As relações de poder que atuam no corpo são o centro da pesquisa da criadora-intérprete de dança
Vera Sala. Professora do curso de comunicação das artes do corpo da Faculdade de Comunicação e Filosofia
da PUC/SP, onde desenvolve em grupo sua produção, Vera investiga um lugar marcado, entre outros ele-
mentos, pela transitoriedade e precariedade. Vulnerável às limitações impostas por fatores externos, como
arames ou cacos de vidro, é nesse espaço que o corpo tem de se organizar ou reorganizar. Sua trajetória,
iniciada em 1987, já deu frutos diversos, como os espetáculos Espelho d´Água (1996), Estudo para Macabéa
(1998) e Corpos Ilhados (selecionado pelo Rumos Itaú Cultural 2001), realizados em palco convencional.
Desde 2003, vem incorporando ao trabalho estruturas as quais batizou de Corpo-Instalação e que se modi-
ficam a cada estágio da pesquisa. Desse processo contínuo surgiram ImPermanências (2006) e Disposições
Transitórias ou Pequenas Mortes (obra dividida em procedimentos, iniciada em 2007). Premiada, entre outros,
pela Associação Paulista dos Críticos de Arte na categoria criação-intérprete em 2005, Vera acredita que a
dança, tanto quanto as outras artes, é sempre política. “A política está na forma até mesmo quando esta não
é organizada, quando se deixa ao acaso. Isso também é uma posição política.”
Vera: “[A dança] é sempre política, no sentido de trazer diferentes visões de mundo.”
Por isso é que divulgamos nesta seção o assunto da próxima edição e também o prazo para que você possa
se programar e produzir com antecedência seu trabalho. Nos meses de janeiro e fevereiro, trataremos de
Colecionismo. Comece a pensar o que a arte de colecionar desperta em você. Receberemos trabalhos de
leitores de 10 de novembro a 10 de dezembro (após essa data, os trabalhos não serão mais analisados).
***
Agora o papo é com os estudantes universitários. Há uma seção aberta à sua participação. É a Deadline. Para
participar, ingressos em qualquer curso universitário, público ou privado e de todo o país, devem enviar uma
pauta, um projeto para a realização de uma reportagem, de acordo com o tema da edição: Colecionismo.
O projeto é um breve descritivo de até uma lauda.
Se você pudesse,
fugia deste mundo Odair José, que teve
mais músicas censuradas
que Gil e Caetano juntos
foto: divulgação
Ao passo que o discurso da MPB se articulava nos cen- “A música ‘Divórcio’, por exemplo, é o resultado de
tros universitários, a partir de setores da classe média, uma ideia que eu trazia desde os tempos da facul-
os artistas da jovem guarda e os cantores bregas, fi- dade de direito, onde tive influência dos grandes
lhos de operários que não passaram pela vivência ícones da esquerda naquele tempo, Fidel Castro e
desses centros e tampouco dispunham de uma tra- Che Guevara”, conta Ayrão. Censurada, a canção, que
dição familiar de politização, eram indevidamente também é conhecida como O Samba dos 13 Anos do
condenados pela falta de participação e protes- Regime Militar, explicita o protesto em versos como:
to. “Eu fazia apenas música e sentia aquilo que “Você vem me infernizando, você vem me enclausu-
estava no ar, o que acontecia. Nunca tive rando, você vem me sufocando como o próprio gás”.
preocupação com o impacto nas pes- O termo gás foi utilizado como referência a Ernesto Os Novos Baianos: “estado de sítio” em
soas”, revela Odair José. Geisel, presidente entre 1974 e 1979. plena ditadura | foto: Derly/Folhapress
A jornalista e blogueira Yoani Sánchez é uma mulher marcada. Em Cuba, país onde nasceu, cresceu e vive até
hoje, é vigiada pela polícia dia e noite. Mal consegue sair de casa. Não pode viajar, passear, dar entrevistas.
Seus textos foram proibidos na ilha e ela chegou a ser sequestrada e espancada por agentes do governo.
Nada disso, no entanto, a impede de se expressar [leia artigo inédito da autora para a seção Mirada, na página
64]. Por meio de seu blog, chamado Generación Y [desdecuba.com/generaciony], ela conta como é viver em
um lugar em que não há o direito à liberdade individual. Yoani revela detalhes do cotidiano em seu país, des-
mente a propaganda do governo, ironiza seus dirigentes. Em suma: para a ditadura castrista, ela é intolerável.
Para o resto do mundo, é uma importante porta-voz que escancara os meandros de um regime autoritário.
O que os governantes cubanos, que tomaram o poder em 1959, não previram na época é que anos depois
teriam de engolir o poder incontrolável de um inimigo oculto: a internet. Blogs, sites, e-mails, redes sociais:
um caminho de revolução muito mais poderoso do que as armas, ainda que seus ícones, segundo dizem os
estudiosos, não tragam a força da mudança de valores como trazia uma foto de Che Guevara, por exemplo.
Por mais que se tente, a verdade é que nos dias de hoje ninguém consegue conter um internauta ativo. Até
a blogueira Yoani consegue burlar os arapongas cubanos e postar seus textos, escondida em lan-houses,
apenas permitidas a turistas estrangeiros.