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KAUÊ OTÁVIO

PROVA 1 DE HISTÓRIA MODERNA – 2019-2

QUESTÃO 1
A transição do medievo para o moderno pode melhor ser entendida como algo não
repentino, mas dado a passos lentos, ao longo de um século, um século e meio, que para os
propósitos da minha explicação, fixarei por volta de 1350 a 1500. A este período, que correu
desigual pela Europa, não posso ainda dar o título de Moderno, exceto, talvez, na Itália setentrional,
onde à guisa de ensaio despontava a Renascença. O mesmo não se dava, no entanto, no resto da
Europa, de modo que a este período de transição, que uns chamam de Alta Idade Média, ou ainda
Idade Média Tardia, vou tratar por Outono da Idade Média, segundo a bela prosa de Johan
Huizinga, em sua obra homônima.
Os fatores que desencadeiam as características que destacarei como modernas são muitos, e
estão atrelados a elas. Entretanto, o primeiro que gostaria de destacar é uma nova espécie de
consciência histórica que desponta. Se os medievais podiam reconhecer que “olhavam mais longe,
pois eram anões nos ombros de gigantes” – ou seja, viam uma clara demarcação entre eles e o
mundo antigo – eles não viam-se mais que eternamente contemporâneos. A consciência histórica
moderna é de uma outra natureza: ela dá à luz a Idade Média, na medida que a interpõe entre si
própria e a Antiguidade, e o faz em duas etapas. A primeira, o Renascimento, vem como resgate da
Antiguidade em detrimento de valores tidos como medievais. A segunda, o Iluminismo, chega já
com uma proposta mais radical de ruptura também com o Antigo: não mais se busca fazer
“renascer” a cultura antiga, e aí temos a modernidade em seu estado mais maduro.
Em verdade, é difícil prever o que seria da Idade Moderna sem as crises do século XIV,
talvez mais enfaticamente representadas pelos horrores trazidos pela Peste Negra. A Peste fez mais
que simplesmente ceifar um terço a metade da população europeia: ela desestabilizou todo um
sistema de controle social, ao qual estavam atreladas inúmeras ideias e concepções de ser. Até o
começo do século XIV, a Europa estava em um ciclo de expansão demográfica que remontava-se ao
século XI, e via crescente expansão do comércio e multiplicação das cidades, muito embora sua
base ainda fosse agrícola, e por falta de um termo melhor, feudal. Crises de fome despontaram no
início do século XIV, frutos da exploração intensiva do solo, e de uma população que cresceu para
além do que podia ser mantida de modo estável. Quando, no meio do século, a Peste assolou a
Europa, a devastação foi muito maior, e afirmo sem medo que ela causou nas mentes e corações dos
homens um profundo estado de anomia.
Os senhores, ciosos de manter privilégios e benefícios conquistados a golpes de espada,
viam-se forçados a fazer recrudescer a vida dos camponeses, sobretaxando-os e punindo fugitivos,
uma vez que haviam perdido boa parte de sua força de trabalho. Os camponeses, por sua vez, ora
fugiam para as cidades, ou para domínios vizinhos, sob proteção de senhores rivais – contentes em
protegê-los de seus pares – ora pegavam em armas e rebelavam-se, como foi o caso da Jacquerie de
1358, da Revolta de Gano em 1381, e da Revolta de Paris em 1382. As Guildas, outrora muito
circunspectas, agora estavam muito mais inclinadas a aceitarem novos membros, pois as cidades
também sofreram, não só com a Peste, mas com revoltas e guerras (como foi o caso, em nada
irrelevante, da Guerra de Cem Anos entre as monarquias de França e Inglaterra). As cidades e o
comércio, que já vinham crescendo no século XIII e início do século XIV, embora tenham sofrido
retração imediata – como toda a Europa – logo viram-se na vantagem. O pagamento das obrigações
feudais em moeda, e não mais em espécie, já era uma realidade em muitos lugares da Europa
mesmo antes da Peste. O que deu-se foi uma expansão ainda maior da economia de mercado. Isso
tudo me leva à segunda característica da Modernidade: a derrocada do dito (ou imaginado)
feudalismo clássico em detrimento de uma economia de mercado que viria a tomar os contornos do
mercantilismo.
Os tipos históricos mudam nestes processos. A nobreza, outrora responsável por conduzir as
guerras, vai esvaziando-se desta função social, e sendo substituída, aos poucos, mas por toda a
Europa, por exércitos mercenários pagos pelo tesouro régio. Não à toa, é no meio da Idade Moderna
que temos Don Quijote, figura que representa a morte da cavalaria enquanto instituição dotada de
utilidade prática e concreta: sua sobrevida segue, mas ela é tornada em honraria, símbolo, e ideal. A
classe mercantil, que enriquece cada vez mais com emprendimentos comerciais de longo alcance e
alto risco – primeiramente no Mediterrâneo e na Rota da Seda, depois, no Atlântico, passa, por
vezes, a adentrar as fileiras da nobreza pela compra de títulos. Estes nobres sem terras, mas com
dinheiro, ajudam a formar, junto de uma monarquia refeita, os ditos Estados Monárquicos
Nacionais, outra característica marcante da Modernidade.
Se o centro econômico e intelectual era, em princípio, as cidades do norte da Itália, logo
estas partilham espaço com os reinos de Portugal, Aragão, e Castela, os dois últimos vindo a formar,
por fortuito laço matrimonial, o reino de Espanha, colosso do século XV e XVI. O Mediterrâneo dá
lugar ao Atlântico, e com isso, abrem-se vias não só para todo o litoral africano e a Índia, como para
as Américas. Assim, o Mercantilismo firma suas raízes, e as monarquias europeias enriquessem às
custas da exploração colonial e do trabalho escravo. Mais tarde, a Ibéria também seria passada para
trás, e o novo centro econômico e intelectual se deslocaria para o norte: França, Inglaterra, Holanda.
Com as novas Monarquias Nacionais, o poder dos reis alcança patamares, no geral,
desconhecidos até então. Embora seja difícil defender um Absolutismo incontesto, posto que para
governar, estes reis dependiam do apoio de uma grande parcela da burguesia financiadora e da
nobreza detentora de terras, há, ainda assim, uma mudança de paradigmas. O monarca coloca-se, ao
menos em teoria, acima de tudo e de todos. Caso que ilustra as diferenças gritantes do mundo
plenamente medieval e do plenamente moderno é o contraste de dois Henriques, ambos reis de
Inglaterra: o primeiro, Henrique II (r. 1154-1189), teve de autoflagelar-se para conquistar o perdão
papal, após ser excomungado; o segundo, Henrique VIII (r. 1509-1547), utilizou-se da recusa papal
em conceder-lhe o divórcio de sua primeira esposa para romper de vez os laços com a Igreja
Católica.
Isto leva a outra característica marcante da Modernidade: a asserção dos poderes régios
sobre seus territórios, em detrimento do poder clerical, fato que talvez só tenha sido possibilitado
pela crise espiritual que começou no século XIII, e eclodiu no nascimento do Protestantismo e suas
mais variadas vertentes. A Igreja, é verdade, tenta a todo custo reafirmar-se, seja tentando reviver
sua fortuna na Europa, seja assentando bases no “Novo Mundo”, e a dita “Contra-Reforma” é um
movimento de força e violência por parte da Igreja Católica não visto talvez desde as primeiras
Cruzadas. Ainda assim, era uma batalha perdida: ela nunca mais voltaria a deter sobre reis ou barões
o poder que outrora deteve.
Este cisma de fé, junto do estado de anomia provocado pela Peste Negra, e ainda junto do
movimento humanista iniciado na Itália do século XIV, faz nascer, muito gradualmente, uma nova
mentalidade: primeiramente, o humanista, do qual se falará mais a respeito mais adiante, é ao
mesmo tempo um intérprete dos Antigos e um vanguardista, mas quase sempre, definitivamente
católico. Ainda assim, este humanista não sente-se amedrontado em questionar o que antes era
inquestionável. É assim que aos poucos a mentalidade vai transformando-se: do geocentrismo,
passamos para o heliocentrismo. De uma mentalidade medieval superidealista, onde cada indivíduo
era visto não como tal, mas como tipo social, simulacro de um ideal (o artesão, o camponês, o
cavaleiro, o monge, o rei, etc.), brota uma nova mentalidade, onde as pessoas desprendem-se das
amarras no imaginário, e podem enxergar-se não como tipos sociais, mas como indivíduos, de modo
que até hoje, em língua inglesa, dois termos correlatos – Rennaissance Man e polymath – dizem
respeito a homens cujo domínio extendia-se sobre as mais variadas áreas: a pintura, escultura,
engenharia, filosofia natural, dramaturgia, anatomia, botânica, e assim por diante. O pensamento
racional, que aí começa, ainda fica atrelado ao Cristianismo – em maior ou menor grau – por algum
tempo. Isto também mudaria, todavia, com o advento do Iluminismo, onde os princípios da
laicidade e secularização levariam as ciências um passo adiante.
O texto escrito, por sua vez, toma cada vez mais o lugar da tradição oral, por mais que os
hábitos de leitura fossem diferentes (era muito mais comum uma leitura coletiva, onde um
indivíduo alfabetizado lia a outros, que nosso hábito corrente de leitura solitária). De fato, a grande
revolução tecnológica provocada pela difusão da prensa de tipos móveis, que permitiu o nascimento
de um mercado editorial incipiente, facilita não só o protestantismo, como o assentamento das
Monarquias Nacionais, porquanto estas fundamentavam-se sobre o ideal, cada qual, de uma língua
comum. Traduzem-se Bíblias para os mais diversos idiomas europeus, e o vernáculo ganha uma
respeitabilidade muito maior que antes.
Todo este sem número de características é apenas um esboço da mudança paradigmática
que, não de um todo, mas paulatinamente, foi desfazendo as relações e significados do mundo
medieval, e dando nascimento ao mundo moderno. As interrelações entre cada um destes
fenômenos poderiam ser descritas por um sem-fim de páginas, e o tema ainda não seria plenamente
esgotado. No entanto, acho que cabe ainda uns breves comentários.
Primeiramente, esta Modernidade sempre diz respeito ao mundo Ocidental, sobretudo à
Europa. No entanto, mesmo que usemos para defini-la características bem parecidas com as aqui
apresentadas, há muitas modernidades mais a serem exploradas: há quem defenda que a primeira
“Modernidade Incipiente” japonesa começou pelo fim do século XIV e ao longo do XV (conto-me
dentre tais defensores), e é inegável que pelo século XVI o Japão já possuía muitas das
características marcantes das primeiras etapas da modernidade. A China é outro exemplo: alguns
chegam a classificá-la como moderna desde o século XII, por fatores como o uso corrente da prensa
de tipos móveis e do papel-moeda, por exemplo. Isto para citar apenas dois casos, dentre muitos
outros casos de modernidades paralalelas à europeia.
No entanto, a Modernidade parece um conceito escorregadio, que sempre se desloca. Se
hoje em dia cristalizamos no tempo um período que vemos como História Moderna, o mesmo não
diz respeito ao conceito do que é moderno (em contraponto ao que é antigo, antiquado, ou bárbaro e
selvagem). Assim, para a mentalidade Ocidental, Moderno sempre foi o que acompanhou os passos
do desenvolvimento europeu. Por isso, por exemplo, o Japão do século XIX, às vésperas da
Restauração Meiji, não podia ser moderno: a Europa já era industrial, movida a máquinas; o Japão,
não. O mesmo vale para a China e grande parte do mundo muçulmano, e vale para os povos nativos
das Américas – muito embora, pelo século XIX os Sioux tivessem até imprensa própria (com
jornais como o Anpao Kin), e usassem da mesma tecnologia bélica que os brancos, eles não eram
industrializados, nem partilhavam do mesmo universo epistemológico que os europeus: logo, não
podiam ser modernos. Não à toa, ainda hoje, num mundo de capitalismo global, há povos que são
considerados primitivos, por mais que estes mesmos povos façam parte das redes globais de
comércio e estejam sujeitos às volatilidades do mercado financeiro.
Por fim, falar de Idade Moderna é sempre fazer uma seleção, privilegiando umas
características – as ditas “modernas”, em detrimento de outras, que vistas em retrospecto seriam
supersticiosas ou primitivas. Vale lembrar que a histeria europeia (e também americana) de caça às
bruxas não é produto da Idade Média, mas da Idade Moderna: fenômeno, sobretudo, dos séculos
XVII e XVIII. Que por muito tempo ainda, astrologia e astronomia eram indissociáveis, e alquimia
era uma prática dentre os eruditos, sem que separassem nela “ciência” e “misticismo”. As
características que formam a Idade Moderna, portanto, sempre se deslocam no tempo, de acordo
com o “filtro mais recente”.

QUESTÃO 2
O Mercantilismo nada mais foi que uma série de estratégias tomadas pelos reis das
monarquias modernas da Europa para buscar enriquecer diante de seus vizinhos. Suas origens estão
na Idade Média, na política das cidades independentes, muitas vezes chamadas de comunas, onde os
governos dessas cidades intervinham pesadamente na economia, de modo a proteger monopólios e
diminuir a saída das riquezas da cidade por meio de comércio com elementos estrangeiros.
O Mercantilismo depende tanto da crescente economia de mercado que já vinha surgindo na
Europa, gradualmente, desde pelo menos o século XIII, e da monetização da economia, isto é, do
uso de moedas para realizar compras e vendas, em vez da prática muito mais comum de se trocar
um produto por outro. Ele não enriqueceu só aos reis, mas também aos burgueses, que podiam
aproveitar-se da situação de grande estímulo comercial. Começa assim o chamado acúmulo
primitivo de capital, onde comerciantes que fazem riqueza com suas transações buscam trocar estas
moedas por terras e outros bens mais duráveis. As monarquias, no entanto, tinham como interesse
principal o acúmulo de moedas, ou, de maneira mais ampla, de metais preciosos.
Das principais características do Mercantilismo, portanto, uma delas é o metalismo, onde os
Estados buscam acumular metais preciosos através do comércio com seus vizinhos, e da exploração
de suas colônias nas Américas, de modo que é impossível falar de Mercantilismo sem falar do
sistema colonial. Isto faz a Europa comercializar com todo o mundo, buscando sempre trazer
gêneros que fossem mais caros no mercado europeu, e levando gêneros que fossem mais caros nas
regiões distantes da África, Índia, sudeste asiático, e Américas. No mundo colonial, além disso,
estabelece-se o sistema plantacionista, ou seja, o sistema de monocultura voltado para o mercado.
Em vez de plantar gênros alimentícios comuns, os empreendedores coloniais plantam gêneros de
grande circulação no mercado internacional, como o tabaco, a cana-de-açúcar, o algodão, o chá, o
café, e assim por diante, cada qual com épocas de altas e baixas.
Para continuar fazendo aumentar as próprias riquezas, surge dentre as monarquias europeias
o conceito de balança comercial favorável. Ela nada mais consistia que tentar vender o máximo
possível de seus produtos a países estrangeiros, e comprar o mínimo possível. Ou seja: buscava-se
exportar o máximo, e importar o mínimo, mantendo as reservas de metais preciosos dentro de seus
territórios. O sistema colonial ainda previa uma outra forma de fazer enriquecer as monarquias
europeias: os pactos de exclusividade colonial, como ocorreu por séculos entre Brasil e Portugal,
onde o Brasil só podia comprar e vender a Portugal, por preços definidos pelos portugueses. Isto
mostra que o enriquecimento das monarquias europeias custou muito às colônias, pois para este
enriquecimento ocorrer, o regime escravista de trabalho nas grandes monoculturas coloniais era
uma obrigatoriedade, assim como a expropriação dos metais preciosos destas colônias.
Tendo dito tudo isso, fica claro que o Mercantilismo não tinha nada da ideologia de livre-
mercado. Pelo contrário, era um sistema de mercado altamente intervencionista, onde o Estado
determinava preços e cotas a serem cobradas em impostos, protegia os monopólios, e era altamente
protecionista, ou seja, tomava medidas para desincentivar as importações e incentivar as
exportações, como pesadas taxas a produtos estrangeiros.
O Mercantilismo é tido como o primeiro passo para o estabelecimento do Capitalismo, pois
não só enriqueceu as monarquias, como permitiu o acúmulo de capital burguês que depois seria
convertido em meios de produção, durante a Revolução Industrial. Além disso, ele quebrou com
velhos dogmas da Igreja, que pregavam, por exemplo, contra a usura e lucro, e incentivou ligações
comerciais entre as monarquias europeias e todo o resto do mundo. Da mesma forma, já no seu
início, ele incentivou as manufaturas, as pequenas indústrias europeias, de modo que o crescimento
gradual destas indústrias, até chegar na Revolução Industrial, deu-se aos poucos, e sempre com as
bênçãos do Estado.
Hoje em dia, temos um mundo dominado pelo Capitalismo, que se constrói especialmente
sobre as ideias liberais, como a proteção à propriedade privada, o Estado mínimo, a não interveção
do Estado na economia, e o livre-mercado, todas ideias ligadas entre si. No entanto, temos que nos
perguntar até que ponto estas ideias se sustentam e são verdadeiras. Ainda há em todo o mundo um
alto grau de intervenção estatal na economia, principalmente nos países ditos de primeiro mundo.
As medidas protecionistas ainda existem. O que mudou foi o refinamento pelo qual as transações
ocorrem, e a escala em que elas acontecem, muito maior que antes. Mas a verdade é que o livre
mercado só é livre quando beneficia ao parceiro mais poderoso. Quando não é de seu interesse, os
ideais mercantilistas continuam valendo.

QUESTÃO 3
A Itália foi o berço do Renascimento por uma série de fatores. Primeiramente, desde muito
cedo, por volta do século XI, a nobreza perdeu poder na Itália, sobretudo no norte, em detrimento
das grandes cidades mercantis que, com classes mercantis poderosas, desde muito cedo formaram
cidades-Estado independentes e auto-determinadas. Isto talvez tenha um fundo de reminiscência da
cultura romana de cidades relativamente livres e de um modelo republicano de governo, mas tem
igualmente a ver com o fato de a Itália ser extremamente bem localizada, frente a outras regiões da
Europa, frente ao mercado mediterrâneo. As cidades italianas, desta forma, dominavam, no cenário
europeu, o mercado mediterrâneo, e onde há atividade mercantil de longa distância, como era seu
caso, há também intercâmbios culturais e trocas de ideias. Estas cidades, livres de obrigações
feudais, foram solo fértil para a proliferação de universidades e outros centros de saber, e pelos
séculos XIII e XIV, deram início ao humanismo, sobretudo com figuras como Petrarca, ao resgatar
novamente o grego, língua quase perdida para os europeus de então, que voltavam-se sempre para
os textos latinos, e junto dele, uma série de ideias que há muito estavam esquecidas na Europa.
A tradução de textos gregos foi o primeiro passo para o desenvolvimento do humanismo.
Aristóteles, há muito quase que perdido na epistemologia europeia, substitui Plotino e outros
expoentes do neoplatonismo, e torna-se tão popular que acaba virando a nova referência para o
pensamento teológico da Igreja Católica, síntese realizada sobretudo por São Tomás de Aquino. Os
novos ideais são uma revalorização do homem, um resgate da paideia, do “homem formado para a
pólis”, um novo fôlego nas artes, o questionamento do pensamento dogmático e o estabelecimento
do empiricismo de base racionalista. Sobretudo, os humanistas, precursores do Renascimento,
passaram a ver no seu passado recente um primitivismo frente à grandeza do mundo Antigo,
surgindo, portanto, uma nova consciência histórica, onde foram capazes de dizer-se estarem saindo
de uma “idade das trevas”, uma Idade Média, que os separavam dos Antigos, e vivendo um
Renascimento, isto é, uma retomada dos valores da Antiguidade Clássica. Esta verdade é muito
parcial: a Antiguidade que eles resgatavam nada mais era que sua leitura, ainda medieval (e sem
conotações pejorativas que o termo possa implicar) da cultura e mundo antigo. Mas ela de fato leva
a mudanças.
As artes, sobretudo, são o campo onde tal mudança se viu da maneira mais drástica e
explícita. Longe das pinturas e esculturas medievais, simples e carentes de tridimencionalidade, a
arte renascentista coloca-se como científica: elabora técnicas para a divisão de planos, para a
impressão tridimensional, para a escultura e pintura do corpo em movimento. Junto da Medicina,
elas namoram escondidas com os estudos proscritos de anatomia. O homem não substitui a Deus no
Renascimento, mas, como vemos no teto da Capela Sistina, é posto no mesmo plano que ele, e
recebe dele a inspiração divina para criar. Rapidamente, os dogmas vão sendo questionados, e o que
parecia inofensivo começa a tocar em pontos sensíveis para a Igreja. Ocorre com Copérnico e
Galileu, por exemplo, que põem por terra o geocentrismo, e afirmam que não só a terra gira em
torno do sol, como é também uma dentre inúmeros planetas, e o sol, um dentre incontáveis corpos
celestes.
Ainda por conta de sua posição privilegiada, a Itália, muito próxima do mundo islâmico pelo
comércio, inicia na Europa estudos da ótica, retoma a botânica, reformula a medicina, astronomia,
física. Seu pioneirismo mercantil, assim como o poder econômico e independência de suas grandes
cidades – mas também, talvez, sua competição – fazem-na pioneira dentre a Europa, e ela logo
torna-se referência de um modelo que vai difundindo-se para além do complexo Mediterrâneo, em
direção a toda a Europa ocidental.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

BRAUDEL, Fernand. As Estruturas do Cotidiano:: o Possível e o Impossível. São Paulo:


Martins Fontes, 2005. (Civilização Material, Economia e Capitalismo, Séculos XV-XVIII, v. 1).
HUIZINGA, Johan. O Outono da Idade Média: estudo sobre as formas de vida e de
pensamento dos séculos XIV e XV na França e nos Países Baixos. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
MARQUES, Adhemar; BERUTTI, Flávio; FARIA, Ricardo. História Moderna através de
textos. São Paulo: Editora Contexto, 1989. (Textos e Documentos, v. 3)

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