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Se lhe perguntarmos: quais foram os primeiros relatos envolvendo a utilização de substâncias químicas como
artifício bélico, você saberia responder?

Pois bem, saiba que existem relatos históricos muito antigos, que nos trazem
a ideia de que já se utilizavam substâncias químicas como artifício bélico, por
volta de 600 a.C, na Grécia Antiga. Nessa época, tem-se relatos de que
atenienses tornavam as águas de um rio envenenadas, com a utilização da raiz
de Heléboro, para que inimigos que consumissem essa água, pudessem ser
acometidos com forte diarreia, tendo em vista que esse tipo de raiz possui
propriedades laxantes.

Por volta de 429 a.C, ainda na Grécia Antiga, Atenas e Esparta passavam por
um conflito conhecido como “Guerra do Peloponeso”, ocasionado pelo
aumento do poder de Atenas. Um dos episódios desse conflito, foi marcado
pela ação dos espartanos em utilizar a estratégia de queimar enxofre, visando
produzir uma fumaça contendo gases bastantes sufocantes, no momento que
o vento estivesse indo em direção à Atenas. O objetivo era o de intoxicar a
população e os guerrilheiros, obtendo assim vantagens no conflito. Atenas, com suas muralhas e atenienses
dentro, receberam vários focos do incêndio espartano.
Heléboro

Intoxicação por gás na guerra do Peloponeso

O destino, até então, mostrava-se favorável à Esparta: o vento ia em direção à muralha. Tudo indicava sucesso
na estratégia adotada. Mas, de repente, sobreveio uma forte chuva, apagando o incêndio espartano. Nem
tudo saiu como os espartanos esperavam e a estratégia (literalmente!) foi por água abaixo.
Passagens curiosas como esta repetiram-se diversas vezes na história. Não somente nesse período, mas em
vários outros momentos, as substâncias químicas foram utilizadas como artifício bélico. Mas não a Guerra do
Peloponeso! Estamos embarcando no cenário que nos trouxe à Primeira Guerra Mundial. Vamos entender um
pouco do contexto de momentos que antecederam esse grande conflito.

Tendo em vista o avanço tecnológico, os horrores ocasionados pela crescente destrutividade dos armamentos,
e que foram demonstrados em diversos conflitos entre as nações ao longo da história, trouxeram uma grande
preocupação para os países. Essa preocupação, resultou em duas conferências de paz, conhecidas como
“Conferências de Paz de Haia”, realizada nos anos 1899, e posteriormente, em 1907. A proposta principal,
seria a de estabelecer um centro de mediação entre as nações, para que os conflitos pudessem ser evitados.
Pra ficar mais claro, esse centro de mediação seria o que a ONU (Organização das Nações Unidas) procura
fazer atualmente.

Salão de conferência, reunião de paz - Haia

Essas conferências são conhecidas por apresentarem um caráter inovador no que tange à diplomacia e as
relações internacionais. Um dos aspectos referentes a estas, trata da questão da utilização de armas químicas.
Tendo em vista certa previsibilidade na utilização desse tipo de combate, várias regras e limitações na
condução de uma eventual guerra entre as nações foram acertadas, e nesses acertos, os países concordaram
em não usar projéteis que fossem responsáveis para espalhar gases asfixiantes ou deletérios.

Como sabemos, esse acordo entre os países não foi capaz de interromper o grande conflito conhecido como a
“Primeira Guerra Mundial”, e muito menos a utilização de armas químicas. Estima-se que, entre 1914 e 1918,
cerca de 100 mil pessoas (entre civis e militares) morreram com a
utilização de gases de guerra.

Em 28 de junho de 1914, com o assassinato do Arquiduque do império


Austro-Húngaro, Francisco Ferdinando, inicia-se o grande conflito, que
culminaria, conforme estimativas, na morte de 20 milhões de pessoas.
Começa assim, a triste e conhecida história dos gases de guerra.
Estima-se que durante o conflito, foram utilizadas cerca de 100.000 Manchete sobre o assassinato do Arquiduque
toneladas de armas químicas.

Pouco antes da guerra começar, de forma secreta, os químicos conseguiram sintetizar um composto orgânico
lacrimejante, à base de bromo, denominado bromoacetato de etila.

Bromoacetato de etila

Sabe-se que em 1912, policiais franceses utilizaram granadas contendo esse lacrimejante em um grupo de
ladrões de bancos. Talvez você esteja se perguntando: e o Pacto de Haia? Pois bem, o pacto tratava da
utilização de armas química, no caso de guerra entre as nações. O pacto não se referia à utilização de armas
químicas com a própria população. Dessa forma, o governo francês não feria o pacto. Mesmo assim, a notícia
logo se espalhou e os países vizinhos ficaram em alerta.

Assim que a guerra iniciou, os franceses utilizaram essa arma contra as tropas da Alemanha. A ação tornou-se
um fiasco, pois o local escolhido era uma planície, e nesse dia havia uma forte ventania. Nesse cenário, o gás
acabou se dispersando rapidamente, sem causar nenhum efeito perceptível nas tropas alemães.

Com esse evento, a notícia se espalhou e a França acabou por mais uma vez causar grande repercussão entre
os países. Alemanha, em especial, utilizou dessas ações do exército francês, para justificar o seu programa de
desenvolvimento de armas químicas.

Nesse período, conta-se que a Alemanha colocou a culpa nos franceses por utilizarem gases asfixiantes, logo
após um bombardeio. Só que um detalhe curioso estava envolvido nisso: a equipe médica concluiu que as
baixas causadas nesse evento não foram causadas por gases asfixiantes, conforme apontado pelos alemães,
mas sim pela inalação de altas doses de monóxido de carbono (CO), enquanto as tropas de soldados da
Alemanha se amontoavam em seus esconderijos.

Por que o monóxido de carbono seria um problema?

O monóxido de carbono (CO) é um gás que não possui cheiro e é altamente tóxico. Uma das características
que justificam a sua toxicidade é que a hemoglobina, proteína presente no sangue, responsável pelo
transporte de O2 e CO2 pelo organismo, possui mais afinidade com essa substância do que o gás oxigênio (O2),
substância essencial para a respiração. Como o monóxido de carbono não possui cheiro, é muito difícil a sua
detecção. Em país com invernos muito rigorosos, residências que possuem aquecedores estão relacionadas
com diversas mortes por envenenamento com esse gás, pois esta substância pode ser formada, dentre várias
formas, pela combustão incompleta da madeira, sendo esta, a matéria utilizada para a combustão nesses
aquecedores.

Sabe-se que grande parte dos chefes militares eram contra o uso desse tipo de armamento, mas uma bomba
contendo outro composto lacrimogênio fora desenvolvido por um professor de química da época, chamado
Von Tappan. O composto consistia numa mistura dos isômeros do brometo de xilila, cujas estruturas são
apresentadas logo abaixo:

Estruturas do brometo de xilila

Em janeiro de 1915, cerca de 180.00 cartuchos contendo esse material, foram utilizados pelos alemães contra
as tropas russas, em uma batalha travada na Polônia. Talvez você não saiba, mas no mês de janeiro tem-se o
intenso inverno europeu. E qual a relação entre o ataque germânico e o inverno?

Com as baixas temperaturas, mais uma vez tivemos um registro de fracasso, pois os cartuchos contendo os
isômeros do brometo de xilila, praticamente congelaram, impedindo
assim a vaporização e dissipação do gás, que resultaria em danos às
tropas russas. O alto comando alemão procurando alternativas para
aprimorar suas armas químicas, recorreu a um professor assistente de
Von Tappan, chamado Fritz Haber, considerado o “pai da guerra
química”.

No século XVIII, uma proposta formulada por Thomas Malthus, previu


que o crescimento da população era superior ao crescimento da
produção de alimentos pela agricultura, levando a humanidade, em
determinado, momento à fome e miséria. Sabemos que os vegetais, base
da nossa alimentação, necessitam de nitrogênio para se desenvolverem,
e esse nitrogênio é de grande importância. Só que nem todas as Thomas Malthus
substâncias que possuem o elemento químico nitrogênio, conseguem ser
“capturadas” pela planta. E a prova disso, é que o ar possui cerca de 78%
do seu volume de gás nitrogênio (N2).

Mas, essa molécula acaba não sendo absorvida de forma direta pelos
vegetais, exceto, se ocorrer alguma transformação, mediada por algumas
bactérias e cianobactérias de vida livre e outras bactérias do gênero
Rhizobium (que vivem associadas às raízes de plantas leguminosas)
capazes de convertê-la em outras formas “mais aceitáveis” pelas plantas.

Mesmo algumas plantas conseguindo aproveitar amônia (NH3), a forma


mais acessível para as plantas adquirirem os átomos de nitrogênio é pelo
nitrato (NO-3). O processo que transforma a amônia em nitrato é a
nitrificação e ocorre em duas etapas:
1° - Bactérias qumiossintetizantes no solo (Nitrossomonas) ou no mar (Nitrosococcus) oxidam a amônia e
produzem o nitrito (NO-2), utilizando a energia liberada no processo em sua sobrevivência (processo chamado
de quimiossíntese, são produtores).
2° - O nitrito é tóxico e não fica muito tempo na natureza, ele é absorvido e utilizado por outras bactérias
quimiossintetizantes para a produção de energia, as Nitrobacter que oxidam o nitrito em nitrato (NO-3).

O nitrato dissolvido é então assimilado pelos produtores, que incorporam o nitrogênio do nitrato em sua
matéria orgânica. Quando os consumidores primários se alimentam das plantas, adquirem o nitrogênio, que
segue pela cadeia alimentar.

Ciclo do nitrogênio

Ao morrerem, as plantas e animais liberam os compostos nitrogenados, a partir da ação de decompositores


(formando amônia). Além disso, o nitrogênio também é liberado por excreção na forma de diferentes
compostos nitrogenados, dependendo do ser vivo.

O nitrogênio retorna para a atmosfera por um processo chamado de desnitrificação, a partir da ação de
algumas bactérias como a Pseudomonas desnitrificam que convertem compostos nitrogenados do solo em N2.

Ainda assim, quero reiterar o problema, descrito por Malthus: se os vegetais são a base da alimentação, e o
seu crescimento (tendo em vista a sua complexidade) não acompanha o crescimento populacional, em algum
momento, teremos a humanidade enfrentando problemas como a fome e a miséria.
O gás nitrogênio (N2) apresenta alta estabilidade. Essa estabilidade pode ser explicada pelo fato que as suas
moléculas apresentam ligações triplas entre seus átomos (N≡N), e que necessitam de bastante energia para
serem quebradas. Em uma reação química, ligações químicas já estabelecidas precisam ser quebradas para
que novas ligações, em novas substâncias, possam ser formadas.
Visando fornecer nitrogênio suficiente para que as produções agrícolas pudessem
“Ouro branco”
dar conta da necessidade de produzir alimentos, a suplementação de nitrogênio é
utilizada (os famosos fertilizantes) e, uma das substâncias empregadas, era o nitrato
de sódio (NaNO3), conhecido como “Salitre do Chile”. Esse sal, era encontrado em
abundância nos desertos localizados ao norte do Chile, e durante dois séculos foi
retirado para ser comercializado, visando fornecer nitratos para a suplementação de
nutrientes do solo. Na época da Primeira Guerra Mundial, cerca de 70% dos
fertilizantes produzidos no mundo, tinham como matéria-prima o Salitre do Chile.

Nesse cenário, Fritz Haber pesquisava formas de se utilizar o tão abundante gás
nitrogênio (N2), para reagir com gás hidrogênio (H2) e obter amônia (NH3), que uma
vez obtida, poderia ser convertida em ácido nítrico (HNO3), e o ácido nítrico
convertido em nitratos. A reação química, descrita no papel, é de grande
simplicidade, mas não se iluda: isso não se repete quando vamos promover a reação.
Pressão elevada, altas temperaturas, presença de catalisadores (substâncias que
facilitam uma reação química) e controle da reação, eram algumas dificuldades que
Haber enfrentava.

𝑁2 (𝑔) + 3𝐻2 (𝑔) → 2𝑁𝐻3 (𝑔)


Obtenção da amônia

Ainda nessa época, outro episódio fez com que o trabalho de Haber ganhasse mais
notoriedade: navios britânicos bloquearam a saída de Salitre do Chile para a
Alemanha.

A pergunta que talvez você esteja se fazendo: qual o interesse da Inglaterra bloquear
o envio de fertilizante para a Alemanha, pensando em um contexto de guerra?
A resposta é simples: o Salitre do Chile poderia ser utilizado para fabricar explosivos!

O caminho utilizado para se fabricar explosivos com o Salitre do Chile, consiste em


algumas etapas:

Primeiramente, o salitre é aquecido junto com ácido sulfúrico (H2SO4), obtendo-se


bissulfato de sódio (NaHSO4) e ácido nítrico (HNO3).

𝑁𝑎𝑁𝑂3 + 𝐻2 𝑆𝑂4 𝑁𝑎𝐻𝑆𝑂4 + 𝐻𝑁𝑂3


Posteriormente, o ácido nítrico é utilizado para reagir com o tolueno (C7H8), visando obter um explosivo
conhecido como TNT (trinitrotolueno), conforme demonstrado abaixo:

Outro explosivo utilizado na época era o ácido pícrico, substância obtida em 1771, originalmente utilizada
como corante para tecidos, e que em 1885 foi utilizada para fins militares pelos franceses, pois descobriu-se
que essa substância poderia ser utilizada como explosivo. Curiosamente, o ácido pícrico possui estrutura
muito parecida com o trinitrotolueno, onde a diferença está na presença de uma hidroxila (OH) ao invés um
grupo metil (CH3).

Essa pequena diferença, faz com que tenham algumas características bem diferentes. O ácido pícrico
apresenta certa facilidade de interagir com a água (devido a presença do grupo OH), o que dificultava a sua
detonação em dias chuvosos. Além disso, por ser um ácido relativamente forte, acaba reagindo com os metais
(os projéteis eram metálicos), formando compostos que explodiam com grande facilidade.

Em contrapartida, o TNT não era afetado pela umidade, não era ácido e, além disso, facilmente moldável aos
projéteis, pois tinha baixo ponto de fusão (temperatura em que um material passa do estado sólido para o
líquido), cerca de 80°C. Assim, aquecia-se o TNT e era possível fabricar bombas muito mais efetivas. Talvez
você esteja se perguntando: mas não era perigoso explodir? Pois bem, mais uma vantagem do TNT: a sua
detonação é mais difícil, por isso, era um excelente armamento para blindagens espessas (o ácido pícrico por
explodir mais facilmente, detonava sem causar grandes prejuízos em blindados).

No início da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha apresentava certa vantagem, pois seus armamentos eram
baseados em TNT, enquanto a França e a Inglaterra se baseavam no Ácido Pícrico.
O bloqueio imposto pelos navios Ingleses, nas remessas de Salitre para a Alemanha, fez com que o processo
de produção da amônia fosse ampliado no país. A partir da amônia, é possível obter o ácido nítrico, através de
uma série de reações, simplificadas logo abaixo:

Etapa I: 6 NH3 + 7,5 O2 6 NO + 9 H2O


Etapa II: 6 NO + 3 O2 6 NO2
Etapa III: 6 NO2 + 2 H2O 4 HNO3 + 2 NO

Dessa forma, tanto a produção de fertilizantes, quanto a de TNT foram garantidas com esse processo.
Mas a história de Haber não para por aqui. Lembra-se que falávamos sobre o fracasso das bombas de van
Tappan, viu-se em Haber, seu assistente, uma possibilidade de sucesso com as armas químicas?
Haber, sugere a utilização do gás cloro (Cl2), substância constituída pelo elemento químico localizado na
mesma família do bromo (elemento químico presente nos isômeros do brometo de xilila). A diferença do gás
cloro para o brometo de xilila, é que a sua inalação acaba por causar irritação e ressecamento das vias
respiratórias. Visando minimizar os efeitos desse ressecamento, o próprio organismo produz fluidos, que
acabam por se acumular nos pulmões. O resultado disso, é o afogamento em meio aos fluidos. Outra

Guerra das Trincheiras

vantagem era a existência de uma produção considerável desse gás, sendo possível obter grandes
quantidades para fins militares, apresentar eficácia imediata, ser bastante volátil e resistir a diluição em ventos
moderados.

Em 10 de março de 1915, Haber instrui as tropas germânicas na colocação de 5730 cilindros contendo o gás
cloro (cerca de 168 toneladas), próximo das trincheiras de uma cidade chamada Ypres (Bélgica). Aguardando
ventos favoráveis para a liberação do gás em segurança, os cilindros permaneceram posicionados. Em 22 de

Ventos tóxicos

abril do mesmo ano, com as condições favoráveis, o exército alemão libera o gás cloro, causando a morte de
5.000 homens, além dos efeitos devastadores em outros 10.000 soldados. Nesse episódio, tem-se o primeiro
ataque de sucesso, chefiado pessoalmente por Haber.

Ao longo da Primeira Guerra, mais de 3.000 substâncias foram investigadas pelos químicos dos países
envolvidos nos conflitos, sendo que apenas 12 conseguiram alcançar o potencial desejado em combates. Com
diversas frentes de batalhas utilizando os gases venenosos, destaca-se novamente em Ypres, a utilização pela
primeira vez, em 12 de julho de 1917, de uma arma responsável por 70% das vítimas de armas químicas
durante toda a Primeira Guerra Mundial, conhecida como gás mostarda (ou iperita, por conta de Ypres), que
foi utilizada pelos alemães contra os britânicos, sob direção de Haber.
Vale ressaltar, que essa arma foi introduzida no último ano de guerra, mas, mesmo assim, estima-se que esta
foi responsável por 1,3 milhões de baixas, enquanto que os danos causados por armas convencionais durante
toda a guerra, foram de 5 milhões. Não à toa, o gás mostarda acabou ganhando o apelido de “Rei dos Gases”,
por conta da sua eficácia como arma química.

Mulheres na 1º Guerra

Tanta eficácia, que o “Rei dos Gases” acabou sendo personagem em conflitos posteriores: Espanha em 1920,
Guerra do Rife (Itália contra a Etiópia) em 1935 e 1936, pelo Japão contra a China em 1938, suspeita de
utilização pelo Egito na Guerra Civil do Iêmen na década de 60, e na Guerra Irã-Iraque entre 1980 e 1988.

O gás mostarda, especificamente a mostarda de enxofre é classificada como um agente vesicante (substância
que, em contato com a pele e mucosas, provocam irritações e bolhas cutâneas). Diferentemente do gás cloro,
esse produzia danos que não poderiam ser protegidos somente com a utilização de máscaras. Além disso, esse
agente é líquido em temperatura ambiente (mas possui volatilidade relevante), apresenta consistência oleosa,
solubilidade em água reduzida, é incolor, e consegue se dispersar facilmente em condições de temperaturas
elevadas e baixa umidade. O nome “gás mostarda” acabou surgindo, por conta da presença de impurezas que
conferem odor característico.

Se tratando de um gás incolor, um fato curioso é que na sua primeira utilização pelos alemães (os alemães

Efeitos do gás mostarda na pele: queimaduras e


bolhas dolorosas.
chamavam o gás mostarda de “Yellow Cross” pois as granadas eram marcadas com uma cruz amarela) em
batalha contra os britânicos, há relatos que os britânicos achavam que as explosões contendo essa nova arma,
não passava de um blefe, e nesse evento os soldados acabaram não colocando as suas máscaras.

E realmente tudo parecia apontar para um blefe do exército alemão, pois a exposição ao gás mostarda não
possui ação imediata. No geral, os efeitos começam a aparecer depois de algumas horas, e por ser incolor,
normalmente as vítimas não possuem dimensão de como se deu essa exposição. E o resultado não poderia ser
diferente: horas depois, as tropas britânicas começaram a relatar os sintomas referentes à exposição ao
agente vesicante: dor nos olhos, garganta, pulmões (lembre-se que eles não utilizaram as máscaras), e logo
depois, bolhas começaram a aparecer na pele dos soldados.

Por se tratar de um composto com baixa solubilidade em água, acaba sendo um pouco complicado removê-lo
das vítimas. Além disso, temos que considerar que, por conta do seu aspecto oleoso, ao penetrar na pele,
acaba concentrando-se no tecido adiposo, o que dificulta ainda mais reverter esse processo de exposição.

Observe a equação abaixo com bastante atenção, ela vai demonstrar, de uma forma resumida, o porquê dos
resultados no organismo de quem sofre exposição ao gás mostarda.

O
Cl Cl
S + H 2O + 2 HCl
S

Repare que o produto de hidrólise da mostarda sulfurada é o ácido clorídrico (HCl), que já lhe apresentamos
anteriormente, e o 1,4-dioxano, que é um composto altamente irritante para o organismo.

Com a grande fama do “Rei dos Gases”, pesquisas médicas acabaram identificando que os soldados expostos
ao gás mostarda, acabavam tendo uma redução dos leucócitos nas medulas ósseas e no sistema linfático, o
que dava margem à possibilidade de utilizar a mostarda sulfurada, ou algum derivado, no combate à leucemia
(resumidamente, a leucemia é um tipo de câncer que se inicia na medula óssea).

Logo no início da Segunda Guerra Mundial, pesquisadores chegaram em um derivado nitrogenado, que
substituía o átomo de enxofre, por um átomo de nitrogênio ligado a um grupo metil (CH3), que acabou dando
origem a uma revolução na quimioterapia, dando origem a novos compostos capazes de auxiliar no
tratamento contra o câncer. Logo abaixo, segue um comparativo entre a mostarda sulfurada, e a mostarda
nitrogenada.
Cl Cl Cl Cl
S N
CH3
Dessa forma, vemos que dos malefícios causados na Primeira Guerra, o gás mostarda acabou sendo
modificado para benefício da humanidade. Em meio a tanta história, o que aconteceu com o Fritz Haber?

Durante a guerra, sua esposa, Clara Immerwahr (primeira mulher a conquistar um ph.D pela Universidade de
Breslau, mesma instituição que Haber estudou), auxiliava Haber na tradução de artigos e dava suporte
técnicos aos processos envolvendo nitrogênio, mas queixava-se da
personalidade de Haber, dando a entender que o nosso personagem,
fora do ambiente científico, deixava muito a desejar. Tanto que, logo que
se iniciou os trabalhos envolvendo o gás bromo, Clara recusou auxiliar
Haber e pediu que ele parasse com esse tipo de trabalho. Tempos
depois, após uma séria de conflitos entre o casal por conta das atitudes
de seu esposo, Clara se suicidara utilizando a pistola de Haber que, sem
hesitar, no dia seguinte após o funeral, retomou as suas atividades na
direção de novos ataques na frente oriental.

Haber acaba sendo premiado com o Nobel de Química de 1918, por


conta do desenvolvimento do processo de síntese da amônia, que
culminaria no avanço da produção agrícola. Mas após a divulgação do Clara Immerwahr
prêmio, muitos protestos foram realizados, tendo em vista as ações de
Haber durante a guerra que, inclusive, lhe rendeu a acusação de crime
internacional de guerra.
A Alemanha sofreu com penalizações severas, e visando pagar a sua
dívida com os Aliados, concentrou-se durante seis anos, em achar um
processo viável para extrair o ouro dissolvido nos oceanos.

Com a ascensão do partido Nazista, Haber (que possuía origens judaicas)


sofreu perseguição, e não viu outra alternativa a não ser fugir da
Alemanha. Chegou a negociar com os soviéticos, o posto de assessor de
guerra (que acabou não dando certo) e, ironicamente, morreu em 1934
enquanto viajava para a Inglaterra (aquela que sofreu horrores com as
armas de Haber) em busca de exílio.

E para encerrarmos a história desse personagem, antes da guerra, Haber


tinha desenvolvido um inseticida denominado Zyklon A. Após a sua saída
da Alemanha, os nazistas acabaram desenvolvendo uma variação desse
inseticida, chamado de Zyklon B, que acabou sendo utilizado nas
câmaras de gases, matando milhões de judeus, incluindo parentes de
Haber.
Fritz Haber nasceu em 9 de dezembro de 1868 em Breslau, Alemanha, em uma
das famílias mais antigas da cidade, como o filho de Siegfried Haber, um
comerciante. Ele foi para a escola na escola clássica St. Elizabeth em Breslau e
ele fez, mesmo enquanto estava na escola, muitos experimentos químicos.
De 1886 a 1891, estudou química na Universidade de Heidelberg, sob Bunsen, na
Universidade de Berlim, em A.W. Hoffmann e na Escola Técnica de
Charlottenburg, sob o comando de Liebermann. Depois de concluir seus estudos
universitários, trabalhou voluntariamente por algum tempo no ramo químico de
seu pai e, estando interessado em tecnologia química, também trabalhou por
algum tempo com o professor Georg Lunge no Instituto de Tecnologia de
Zurique. Ele então finalmente decidiu seguir carreira científica e trabalhou por
um ano e meio com Ludwig Knorr em Jena, publicando com ele um artigo
conjunto sobre éster diacetossuccínico.
Ainda incerto de se dedicar à química ou à física, foi oferecido em 1894, e aceitou, um assistente em Karlsruhe pelo
professor de tecnologia química lá, Hans Bunte. Aqui permaneceu até 1911. Bunte estava especialmente
interessado em química de combustão e Carl Engler, que também estava lá, introduziu Haber no estudo do
petróleo e o trabalho subsequente de Haber foi grandemente influenciado por esses dois colegas.

Em 1896 Haber qualificado como um Privatdozent com uma tese sobre seus estudos experimentais da
decomposição e combustão de hidrocarbonetos e em 1906 foi nomeado professor de química física e eletroquímica
e diretor do Instituto estabelecido em Karlsruhe para estudar estes assuntos.

Em 1911 foi nomeado sucessor de Engler como diretor do Instituto de Física e Eletroquímica em Berlin-Dahlem,
onde permaneceu até que, em 1933, as leis de nazistas obrigaram quase todos os seus funcionários a renunciar e
Haber, em vez de concordar com isso, se demitiu. Ele foi então convidado por Sir William Pope para ir a Cambridge,
Inglaterra e lá permaneceu por um tempo. No entanto, ele sofria há algum tempo de doença cardíaca e, temendo o
inverno inglês, mudou-se para a Suíça. Os primeiros trabalhos de Haber sobre a decomposição e combustão de
hidrocarbonetos já foram mencionados.
Em 1898, Haber publicou seu livro sobre eletroquímica, baseado nas palestras que fez em Karlsruhe. No prefácio de
seu livro, ele expressou sua intenção de relacionar pesquisa química a processos industriais e, no mesmo ano,
relatou os resultados de seu trabalho sobre oxidação e redução eletrolítica, em que mostrou que produtos de
redução definitiva podem resultar se o potencial o cátodo é mantido constante. Em 1898, ele explicou a redução do
nitrobenzeno em estágios no cátodo e isso se tornou o modelo para outros processos de redução similares.

Seguiram-se, durante os dez anos seguintes, muitas outras pesquisas eletroquímicas. Entre eles estava seu trabalho
sobre a eletrólise de sais sólidos (1904), sobre o estabelecimento do equilíbrio quinona-hidroquinona no cátodo,
que estabeleceu as bases para o eletrodo de quinidrona de Biilmann para determinar a acidez de um líquido; mas
Haber inventou, em colaboração com Cremer, o eletrodo de vidro para as mesmas finalidades que hoje é
amplamente utilizado. Isso levou Haber a fazer as primeiras investigações experimentais das diferenças de potencial
que ocorrem entre os eletrólitos sólidos e suas soluções aquosas, que eram de grande interesse para os
fisiologistas.

Durante este período, Haber também estudou a perda de energia por motores a vapor, turbinas e motores movidos
a combustíveis e buscou métodos para limitar suas perdas por meios eletroquímicos. Ele não conseguiu encontrar
uma solução para esse problema que fosse comercialmente aplicável, mas conseguiu encontrar uma solução
fundamental para a combustão em laboratório de monóxido de carbono e hidrogênio.
Em 1905 ele publicou seu livro sobre a termodinâmica de reações técnicas de gases, no qual ele registrou a produção
de pequenas quantidades de amônia a partir de N2 e H2 a uma temperatura de 1000 ° C com a ajuda do ferro como
catalisador. Mais tarde, ele decidiu tentar a síntese de amônia e isso ele realizou após as pesquisas de catalisadores
adequados, circulando nitrogênio e hidrogênio sobre o catalisador a uma pressão de 150-200 atmosferas a uma
temperatura de cerca de 500 ° C. Isso resultou no estabelecimento, com a cooperação da Bosch e da Mittasch, da
Oppau e da Leuna Ammonia Works, que permitiram à Alemanha prolongar a Primeira Guerra Mundial quando, em
1914, seus suprimentos de nitratos para fabricação de explosivos haviam fracassado. Modificações deste processo de
Haber também forneceram sulfato de amônio para uso como fertilizante para o solo. O princípio utilizado para este
processo e o subseqüente desenvolvimento do controle de reações catalíticas em altas pressões e temperaturas,
levou à síntese do álcool metílico por Alwin Mittasch e à hidrogenação do carvão pelo método de Bergius e a produção
de ácido nítrico.

Durante os anos entre as duas Guerras Mundiais, Haber produziu seu apito para a proteção de mineradores, seu
manômetro de rosca de quartzo para baixas pressões de gás e sua observação de que os poderes de adsorção podem
ser devidos a forças de valência insaturadas de um corpo sólido, sobre as quais Langmuir fundou sua teoria da
adsorção. Quando a Primeira Guerra Mundial estourou, ele foi nomeado consultor do Gabinete Alemão de Guerra e
organizou ataques de gás e defesas contra eles. Este e outros trabalhos minaram sua saúde e por algum tempo ele se
envolveu em trabalho administrativo. Ele ajudou a criar a Organização Alemã de Socorro e serviu no Comitê da Liga
das Nações sobre Guerra Química.

De 1920 a 1926, ele experimentou a recuperação do ouro da água do mar, tendo como idéia permitir que a Alemanha
cumprisse suas reparações de guerra. Muito deprimido com o fracasso deste projeto, que ele atribuiu à sua própria
deficiência, dedicou-se à reorganização de seu Instituto, ao qual nomeou diretores seccionais com total liberdade em
seu trabalho. Entre eles estavam James Franck, Herbert Freundlich, Michael Polanyi e Rudolf Ladenburg; do Instituto
veio muito trabalho em química de colóides e física atômica. O próprio Haber, nessa época, fez grandes esforços para
restabelecer as relações científicas da Alemanha com outros países e os colóquios que ele realizava a cada quinzena
fizeram muito para estabelecer a reputação internacional de seu Instituto. Durante seus últimos anos, ele trabalhou
em reações em cadeia e em mecanismos de oxidação e na catálise de peróxido de hidrogênio.

Haber viveu pela ciência, tanto por si mesma quanto pela influência que tem na moldagem da vida humana e da
cultura e civilização humanas. Versátil em seus talentos, ele possuía um conhecimento surpreendente de política,
história, economia, ciência e indústria e ele poderia ter tido sucesso igualmente em outros campos. A hesitação com a
qual ele finalmente decidiu ser químico já foi mencionada. Ele saudou as responsabilidades administrativas além do
trabalho de pesquisa. Sempre acessível e cortês, ele estava interessado em todo tipo de problema. Sua capacidade de
esclarecer, em poucas frases, as obscuridades de uma discussão científica, era uma característica valiosa dos colóquios
que ele mantinha em seu Instituto e seu talento organizador fez dele um diretor modelo de um grande
estabelecimento no qual ele permitia total liberdade, os trabalhadores sob ele, mantendo, no entanto, um notável
controle sobre as atividades do Instituto como um todo. Um homem de personalidade forte, ele deixou uma
impressão duradoura nas mentes de todos os seus associados.

Além do Prêmio Nobel, Haber recebeu muitas honrarias durante sua vida. Por instigação de Max von Laue, o Instituto
de Física e Eletroquímica de Berlin-Dahlem foi renomeado como Fritz Haber Institute após sua morte.

Depois de uma grave doença, Haber morreu em 29 de janeiro de 1934, em Basle, a caminho da Inglaterra
para convalescer na Suíça, seu espírito quebrado pela rejeição da Alemanha a qual ele servira tão bem.
Fontes:
Intoxicação por gás na guerra do Peloponeso
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Salão de conferência, reunião de paz, Haia


https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:The_First_International_Peace_Conference,_the_Hague,_May_-
_June_1899_HU67224.jpg

Imagem: Manchete sobre o assassinato do Arquiduque


https://almanaquedosconflitos.wordpress.com/2015/08/11/mao-negra-o-grupo-terrorista-da-unidade-servia-que-assassinou-
francisco-ferdinando/

Imagem: Ciclo do nitrogênio


Fonte: http://pratico-e-basico.blogspot.com/2015/10/ciclo-do-nitrogenio.html

Imagem: Infantaria com máscara de gás, pouco após a introdução do gás venenoso
https://operamundi.uol.com.br/historia/11414/hoje-na-historia-1915-alemaes-introduzem-o-gas-venenoso-na-primeira-
guerra

Thomas Malthus
https://www.ebiografia.com/thomas_malthus/

Salitre do Chile
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/02/150209_chile_cidade_fantasma_fn

Mulheres na 1º Guerra
http://omundovariavel.blogspot.com/2016/02/mulheres-na-1-guerra-mundial-usaram-tnt.html

Efeitos do gás mostarda na pele: queimaduras e bolhas dolorosas.


https://ensinarhistoriajoelza.com.br/primeira-guerra-mundial-horrores-e-sofrimentos-da-guerra-quimica/ - Blog: Ensinar
História - Joelza Ester Domingues

Fritz Haber
MLA style: Fritz Haber – Biographical. NobelPrize.org. Nobel Media AB 2019. Tue. 26 Mar 2019.
<https://www.nobelprize.org/prizes/chemistry/1918/haber/biographical/>

O Paradoxal Fritz Haber


https://universidadedaquimica.com.br/artigos/o-paradoxal-fritz-haber/

Le Couteur, Penny. 1943. Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

Kean, Sam. A colher que desaparece: e outras histórias reais de loucura, amor e morte a partir dos elementos químicos. Rio de
Janeiro: Zahar, 2011.

Clara Emmerwahr
https://ceticismo.net/2016/06/21/grandes-nomes-da-ciencia-clara-immerwahr/

Ventos uivantes
https://osabicao.com.br/gas-venenoso-na-wwi/

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