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Departamento de Matemática
Prof. Celius A. Magalhães
Cálculo II
Notas da Aula 04 ∗
Equações Separáveis
Como visto anteriormente, as equações lineares possuem uma solução geral fácil de ser obtida, por meio
da técnica dos fatores integrante. A outra técnica, se separação de variáveis, pode ser usada mesmo em
equações não lineares, como ilustra os próximos exemplos.
Equação Logística
Desde os primórdios até o início do século 19 a população mundial cresceu vagarosamente, tendo alcan-
çado 1 bilhão em 1804. A partir daí a situação mudou muito, pois o segundo bilhão foi alcançado 123
anos mais tarde (1927) e o quarto bilhão 47 anos depois (1974). É um crescimento espantoso!
No entanto, estimativas do U.S. Bureau of the Census apontam que as taxas de crescimento devem
diminuir no século 21, e espera-se que a população volte a dobrar em 53 anos, chegando aos 8 bilhões
apenas em 2027. A tabela a seguir inclui outras estimativas.
População Mundial (em bilhões)
Ano População Ano População Ano População
1960 3,04 2000 6,08 2040 8,67
1980 4,46 2020 7,52
U.S. Bureau of the Census
O que esses números sugerem é que, durante o século 20, a população mundial cresceu segundo
o modelo de Malthus, com taxa percentual constante, o que resultou em um crescimento exponencial.
No entanto, em razão de vários fatores (ambientais, políticos, socioeconômicos, etc.), a taxa percentual
começou a diminuir a partir do início do século 21.
A intenção então é construir um modelo que leve em conta essa diminuição da taxa. Por exemplo,
ao invéz da taxa ser constante, digamos, igual a k0 , ela passe a diminuir com o aumento da população.
Assim, a taxa percentual k seria uma função da população k = k(y), e seria uma função decrescente da
variável y. Quanto maior a população, menor a taxa.
k
O modelo mais simples com essas características é supor
k0 que k(y) seja uma função linear da variável y, por exemplo,
k(y) = k0 − a y, em que a > 0 é uma constante. Assim, inicialmente
y
a população cresce a uma taxa k(0) = k0 , mas essa taxa diminui com
S
o aumento de y até se anular no ponto S = k0 /a, a partir de onde a
Taxa decrescente taxa passa a ser negativa.
Nesse modelo, a quantidade S = k0 /a é a capacidade de sustentação ambiental, pelo seguinte motivo:
a população cresce até alcançar o número S, e permanece com esse número a partir de então, uma vez que
a taxa de crescimento passa a ser nula. Se, por algum motivo, a população ultrapassar esse valor, então a
taxa de crescimento passa a ser negativa, e a população diminui até alcançar novamente a quantidade S.
O que se pretende é, no caso da população mundial, estimar o valor de S usando esse modelo e os
números apresentados acima. É claro que é uma estimativa muito simples, e provavelmente com um erro
muito grande, mas não deixa de ser uma primeira estimativa.
Esse modelo, com taxa de crescimento k(y) = k0 − ay, é conhecido como o modelo logístico, e sua
formulação matemática é dada pelo PVI
′
y (t) = k0 − a y(t), t > 0
y(t)
y(0) = y0
∗ Texto digitado e diagramado por Neil Martins a partir de anotações de sala de Olaia Diniz
Multiplicando por y(t) e usando a capacidade de sustentação S = k0 /a, o PVI é equivalente a
(
y′ (t) = −a(y(t) − S)y(t), t > 0
(1)
y(0) = y0
A diferença desse exemplo em relação aos anteriores é que, em razão do termo (y(t) − S)y(t), agora
a equação não é linear. Por exemplo, o método do fator integrante não funciona nesse exemplo.
De qualquer maneira, o problema está pronto para ser analisado tanto do ponto de vista qualitativo
quando do ponto de vista quantitativo.
Do ponto de vista qualitativo, pode-se esboçar o campo de direções da equação em (1). Para isso,
denotando por f (y) = −a(y − S)y, a equação escreve-se como y′ (t) = f (y(t)). Com essa notação, o
campo de direções marca uma seta de inclinação f (y) no ponto (t, y) do plano Oty, e é importante
conhecer o sinal da função f .
Ora! O gráfico de f é uma parábola com raízes em y = 0 e y = S, conforme ilustra a figura abaixo.
Em particular, f é positiva no intervalo 0 < y < S e negativa no intervalo y > S. No campo de direções
esse sinal se reflete da seguinte forma: na região do plano Oty em que 0 < y < S as setas têm inclinação
positiva, e têm inclinação negativa na região y > S, conforme a figura.
f y
S
S y
Uma observação importante é que a função constante y(t) = S é uma solução de equilíbrio, uma vez
que y′ (t) = 0 = f (y(t)) nesse caso. Além disso, as soluções que começam perto acabam por se aproximar
dela, e por isso essa solução constante é dita solução de equilíbrio estável.
Ótimo. No caso da população mundial, o valor de S é a população máxima que a Terra é capaz de
sustentar. Mas como calcular esse valor usando as estimativas populacionais já conhecidas?
O plano é muito simples: expressar a solução de (1) em termos das constantes y0 , S e a; em seguida,
calcular o valor dessas constante de modo a ajustar a solução às estimativas conhecidas.
Bem, deve-se então resolver o problema (1), e para isso vale enfatizar que a função f (y) = a(y − S)y
não é linear, e o método apropriado é o da separação de variáveis. Com efeito, separando as variáveis, a
y′ (t)
equação em (1) é equivalente a = −a, ou, ainda, equivalente a
(y(t) − S)y(t)
1
a+ y′ (t) = 0 (2)
(y(t) − S)y(t)
Denotando por M(t) = a e N(y) = 1/(y − S)y, esta equação escreve-se como
Equações desta forma são ditas de variáveis separáveis, e são relativamente fáceis de serem integra-
das. De fato, integrando (3) e usando a substituição de variável y = y(t), com dy = y′ (t) dt, obtém-se
y dy
Z Z Z z}|{ z }| { Z Z
k= 0 dt = M(t) dt + N( y(t) ) y′ (t) dt = M(t) dt + N(y) dy (4)
R R
Indique agora por H1 (t) = M(t) dt uma primitiva de M(t) e por H2 (y) = N(y) dy uma primitiva
de N(y). Com essa notação, a equação acima escreve-se como H1 (t) + H2 (y) = k, o que significa que as
soluções y(t) de (3) são dadas implicitamente pela equação
onde Cb é uma constante não-negativa. No entanto, denotanto Cb = |C| onde C é uma constante real
qualquer, obtém-se y(t)−S
y(t) = C e
−k0 t . Finalmente, isolando y(t), obtém-se que
S
y(t) =
1 −C e−k0 t
Ótimo. Essa é a solução geral da equação em (1), e resta apenas determinar a constante C de modo a
satisfazer a condição inicial. Mas isso é fácil, pois basta impor a condição
S S
y0 = y(0) = 0
=
1 −C e−k0 1 −C
Daí segue-se que C = y0y−S
0
. Usando esse valor e a expressão de y(t), e simplificando um pouquinho,
obtém-se finalmente que a solução do PVI em (1) é dada por
Sy0
y(t) = (6)
y0 + (S − y0 )e−k0 t
Suponha que o movimento esteja orientado no sentido da queda, e indique por y(t) a velocidade no
instante t, por m a massa do paraquedista (incluindo o paraquedas) e por g a aceleração da gravidade.
Suponha ainda que a força de resistência do ar seja proporcional ao quadrado da velocidade.
b
y′ (t) = − (y(t)2 − v2 ) (9)
m
Como nos exemplos anteriores, muitas informações qualitativas podem ser obtidas a partir do campo
de direções da equação. Para isso, indique por f (y) = − mb (y2 − v2 ), de modo que (9) escreve-se como
y′ (t) = f (y(t)). O gráfico de f é uma parábola de raízes y = ±v, e, em particular, f é positiva no intervalo
0 < y < v e negativa no intervalo y > v, conforme a figura abaixo.
f y
v y
Gráfico de f Campo de direções t
No campo de direções o sinal de f significa que as setas têm inclinação positiva na região 0 < y < v
do plano Oty, e têm inclinação negativa na região y > v, conforme a figura acima.
Do campo de direções segue-se que a função constante y(t) = v é uma solução de equilíbrio da
equação, e uma solução de equilíbrio estável. Assim, qualquer que seja a velocidade y(t) do paraquedista,
ela se aproxima da velocidade constante v com o passar do tempo. Logo, essa é a velocidade com que o
paraquedista alcança o solo.
Veja as semelhanças entre a equação do paraquedista em (9) e a equação logísica em (1). Em ambas,
o lado direito é uma paráboloa na variável y(t), e as raízes dessas parábolas são as soluções de equilíbrio.
É claro também que as duas equações podem ser resolvidas por separação de variáveis. Com efeito,
dividindo por y(t)2 − v2 , a equação (9) escreve-se como y′ (t)/(y(t)2 − v2 ) = −b/m, ou, ainda, como
b 1
+ y′ (t) = 0 (10)
m y(t) − v2
2
e basta denotar por M(t) = b/m e N(y) = 1/(y2 − v2 ) para escrever essa equação na forma padrão
Pelo que se viu acima, deve-se calcular as primitavas de M(t) = b/m e N(y) = 1/(y2 − v2 ). Ora! É
claro que a primitiva de M(t) = b/m é H1 (t) = mb t + c1 . Para o cálculo da primitiva de N(y) = 1/(y2 − v2 )
deve-se usar novamenteas frações parciais. Usando esse método e que y2 − v2 = (y − v)(y + v), obtém-se
1 1 1 1
que N(y) = y2 −v 2 = 2v y−v − y+v , e, portanto,
Z Z
1 1 1 1 y − v
H2 (y) = N(y) dy = − dy =
ln + c2
2v y−v y+v 2v y + v
Finalmente, usando a equação em (11) e renomeando as constantes, segue-se que a velocidade
y = y(t) do paraquedista é dada implicitamente pela igualdade
b 1 y(t) − v
t + ln = H1 (t) + H2 (y(t)) = k
m 2v y(t) + v
1 +C e−at
y(t) = v
1 −C e−at
onde a = 2g/v e C é uma constante arbitrária. O valor de C fica determinado, por exemplo, a partir de
uma condição inicial y(0) = y0 . Impondo essa condição obtém-se que
1 +C 1 +C e−a0 y
v =v = y(0) = y0
1 −C 1 −C e−a0
de onde segue-se que C = (y0 − v)/(y0 + v). Em particular, v
o sinal de C é determinado pelo sinal da diferença y0 − v. A
figura ao lado ilustra o gráfico de y(t) nos casos em que y0 > v
e y0 < v. Ilustra ainda o caso em que y0 = v, que é a solução
de equilíbrio do problema. t
Gráficos das Soluções
Caso Geral
O caso geral segue de perto o que se fez acima. Uma equação é separável se puder ser escrita como
M(t) dt + N(y) dy = 0
R R
e basta calcular as integrais H1 (t) = M(t) dt e H2 (y) = N(y) dy para obter que as soluções y(t) de (12)
são dadas implicitamente pela equação
Às vezes, pode-se isolar a expressão de y(t) da igualdade acima, como foi o caso da equação logística
e do paraquedista. Mas, em geral, a forma implícita de (13) é a melhor solução possível.
O próximo exemplo ilustra a situação em que, às vezes, é necessário fazer algumas manipulações
para colocar o problema na forma padrão.
Exemplo 1 Obter a solução geral da equação y(t)2 + 1 + (1 + t 2 )y′ (t) = 0.
Solução. O problema não está na forma padrão. No entanto, dividindo toda a equação por
(1 + t 2 )(y(t)2 + 1), obtém-se
1 1
2
+ y′ (t) = 0
1+t y(t)2 + 1
que agora está na forma padrão, com M(t) = 1/(1 + t 2 ) e N(y) = 1/(y2 + 1).
Calculando as primitivas
Z Z
1 1
H1 (t) = dt = arctan(t) + c1 e H2 (y) = dy = arctan(y) + c2
1 + t2 y2 + 1
e renomeando as constantes, a solução geral da equação é dada implicitamente pela igualdade
Nesse caso, pode-se isolar a expressão da solução para obter que y(t) = tan(c3 − arctan(t)). Essa
tan(a) − tan(b)
expressão pode ser simplificada usando a conhecida fórmula tan(a − b) = . De fato,
1 + tan(a) tan(b)
usando essa fórmula e indicando por C = tan(c3 ), obtém-se
tan(c3 ) − tan(arctan(t)) C −t
y(t) = =
1 + tan(c3 ) tan(arctan(t)) 1 +C t