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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL


FACULDADE DE EDUCAÇÃO
LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

Kamila Kniphoff Jandrey

MOVIMENTOS DE APRENDIZAGEM:
uma sala de aula organizada em grupos

Porto Alegre
2º Semestre
2014
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Kamila Kniphoff Jandrey

MOVIMENTOS DE APRENDIZAGEM:
uma sala de aula organizada em grupos

Trabalho de Conclusão apresentado à


Comissão de Graduação do Curso de
Pedagogia – Licenciatura da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, como requisito parcial e
obrigatório para obtenção do título de
Licenciatura em Pedagogia.

Orientadora: Profª Drª Darli Collares

Porto Alegre
2º Semestre
2014
3

Dedico este trabalho aos meus eternos


professores, Valmir e Jaine. Vocês me
ensinaram o que é o amor.
4

AGRADECIMENTOS

A minha querida família, meu porto seguro, meu bem mais precioso. Sou
grata pelo imensurável carinho, apoio e paciência. Valmir, Jaine, Nicolas e
Vinícius, a vocês meu eterno amor e gratidão!
A quem me orientou e indicou caminhos, leituras e perspectivas.
Obrigada, Profª Darli!
A meus pequenos, e sábios, alunos. Obrigada pelo ano incrível!
As minhas confidentes, Laura, Stéfani e Paula. Durante quatro anos,
compartilhamos sorrisos, lágrimas, reflexões, desabafos e sonhos. Eu
guardarei, com saudade, todos os nossos momentos juntas.
Por fim, a Deus, meu guia e protetor. Descanso na certeza de Suas
promessas.
5

Enquanto houver você do outro lado


Aqui do outro eu consigo me orientar
A cena repete, a cena se inverte
Enchendo a minha alma d'aquilo que outrora eu
Deixei de acreditar.
Fernando Anitelli
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RESUMO

Este trabalho estuda as possibilidades e desafios da utilização de grupos na


sala de aula. A importância deste estudo está sustentada no pressuposto de
que o aluno constrói conhecimento e, enquanto ser humano, tende à vida em
sociedade. A temática deste estudo é um convite a repensar as concepções
atribuídas a aluno, professor e sala de aula. Para tanto, os caminhos
metodológicos foram trilhados a partir da observação, participação e docência
em uma turma de segundo ano do Ensino Fundamental e nas falas de alunas
do curso de Pedagogia que experienciaram os grupos em suas salas de aula,
durante o estágio curricular. Desta forma, esta investigação, de tipo
etnográfico, pretende dialogar sobre a organização de grupos e suas
dimensões nos cotidianos dos sujeitos que habitam o espaço escolar. Destaca-
se, a relevância do incentivo à cooperação, interação e significação da sala de
aula. Significação esta que desestabiliza o mito de professor transmissor e
valoriza os diferentes saberes e contextos de cada personagem da escola.

Palavras-chave: Grupos. Cooperação. Aprendizagem. Anos Iniciais.


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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Capa do livro “O livro da família” ...................................................... 25


Figura 2 – Capa do livro “Tudo bem ser diferente” ........................................... 25
Figura 3 – Capa do livro “Por favor, obrigado, desculpe” ................................. 25
Figura 4 – Capa do livro “Eu e os outros: Melhorando as relações” ................. 25
Figura 5 – Capa do livro “Caubóis também são bondosos” ............................. 25
Figura 6 – “Lá nos grupos todos são legais comigo. Isso é bom, porque eles
brincam comigo e quando eu estou triste me animam.”. .................................. 28
Figura 7- “Eu gosto porque é bom sentar perto dos amigos.”. ......................... 28
Figura 8 – “Eu gosto muito do meu grupo porque eles me ajudam nas
atividades.”... .................................................................................................... 28
Figura 9 – “O grupo é legal porque a gente se ajuda e empresta o material
também.”. ......................................................................................................... 28
Figura 10 – “Adorei esse negócio de grupo! A gente se diverte e conta piada.”
......................................................................................................................... 28
Figura 11 – “Eu acho que o grupo é bem legal porque a gente pode jogar
cartinha juntos.”. ............................................................................................... 28
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 9
2 VOCÊ, PRA MIM, MOSTROU QUE EU NÃO SOU SOZINHO NESSE
MUNDO .......................................................................................................... 11
2.1 Contextualização da temática .................................................................. 11
2.2 O que são grupos? ................................................................................... 13
3 CAMINHOS METODOLÓGICOS ................................................................ 18
4 MEMÓRIAS SOBRE GRUPOS E SEUS SUJEITOS .................................. 21
4.1 Os grupos na turma 21 ............................................................................. 21
4.2 Embates na escola: uma narrativa de resistências .................................. 29
5 DIÁLOGOS DA PRÁTICA .......................................................................... 31
5.1 O questionário .......................................................................................... 31
5.2 Análise de textos e contextos ................................................................... 32
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 38
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 41
SINOPSES DE LITERATURA INFANTIL ....................................................... 44
APÊNDICE A - Questionário .......................................................................... 45
9

1 INTRODUÇÃO

Coisa boa é um amigo


Pra poder confessar
Cada velha mania
Tu me ensina a viver
Que eu te ensino a sonhar
1
Cada sonho que havia

O presente trabalho é resultado de meses de práticas e reflexões que


nasceram no interior de uma sala de aula, a sala da turma 21. Foi nessa turma
que me descobri como professora que acredita na interação dos sujeitos. Foi lá
que entendi o construtivismo em sua essência. Acreditar em uma concepção
de aluno atuante é, muitas vezes, deparar-se com uma gestão que não
acredita. Nessa situação, surgiu em mim a necessidade de justificar e fazer
ressoar os motivos que me guiaram à determinada metodologia. Esses motivos
ultrapassam a ordem do pedagógico para adentrar o mundo dos ideais que
trago comigo. Desejo alunos participantes da mesma forma e na mesma
proporção que anseio por cidadãos de uma sociedade mais voltada para o
outro do que para si.
Inicialmente, o trabalho de grupos surgiu como um desafio que foi
proposto durante o estágio curricular do curso. Empenhei-me nesse objetivo,
almejando também obter maior conhecimento e experiência na temática, pouco
utilizada em minhas práticas anteriores. A partir desse movimento, conforme
descobria com as crianças o que significavam os grupos em nossa sala,
aprofundei-me nos estudos que o legitimavam. Devagar, quase que sem
perceber, tornei-me defensora dessa proposta. Os dias não foram unicamente
felizes, e o trabalho identificará isso, mas foram vividos na tentativa de um
objetivo em comum: viver com o outro.
Nessa trajetória, identifiquei a necessidade de escrever e estudar a
temática dos grupos em sala de aula. Este estudo me encaminhou a leituras e
reflexões antes não realizadas e que muito confirmaram minhas convicções.
No contexto descrito, o estudo relata os momentos mais significativos da

1
Fragmento da música “Autorretrato” da dupla Kleiton e Kledir, disponível em
<http://letras.mus.br/kleiton-e-kledir/1521738/>. Acesso em: 04 de novembro de 2014.
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construção dos grupos em minha turma de estágio. Essas narrativas apontam


não apenas os estranhamentos e as observações das crianças, mas indicam
minhas percepções enquanto professora que não tinha, até então, essa
experiência.
Dessa maneira, o trabalho indicará possibilidades e desafios da
utilização de grupos. Esses apontamentos são baseados no que foi vivido por
nós, na intimidade da turma 21, e por falas de outras colegas do estágio que
descreveram suas vivências com a utilização de grupos e revelaram suas
perspectivas acerca da temática.
O estudo está estruturado, neste texto, em cinco capítulos. O primeiro
destes é a introdução, que apresenta a proposta e seus objetivos. No segundo
capítulo, fundamenta-se o referencial teórico, ressaltando ideias, conceitos e
contribuições pertinentes à temática estudada. No terceiro capítulo, consta a
descrição de quais foram os caminhos metodológicos que guiaram este estudo.
O quarto capítulo narra e analisa o período de estágio em que desenvolvi o
trabalho de grupos. O quinto capítulo apresenta narrativas de outras estagiárias
acerca dos grupos em suas salas. O sexto capítulo, que conclui este trabalho,
é uma breve retrospectiva do que foi visto até então e encaminhamentos para
estudos futuros.
11

2 VOCÊ, PRA MIM, MOSTROU QUE NÃO SOU SOZINHO NESSE MUNDO 2

Coisa boa é um amigo


Pra poder se encontrar
E jogar conversa fora
Tu me ensina a viver
Que eu te ensino a sonhar
3
E por aí vamos embora

Neste capítulo, relembrarei as etapas que me guiaram até a escolha de


estudar sobre a temática da utilização de grupos na sala de aula. Ainda
descreverei o que são os grupos, na perspectiva teórica que dá sustentação a
esta proposta.

2.1 Contextualização da temática

A partir dos estudos e reflexões motivados pela universidade, identifico a


necessidade de defender a utilização dos grupos na sala de aula. Esta
urgência foi suscitada através das muitas observações que realizei durante a
graduação e na realidade que vivo hoje, como professora de um colégio
privado de Porto Alegre.
Enquanto estudante do curso de Pedagogia, em inúmeros momentos,
ouvi, li e discuti sobre as possibilidades e vantagens da utilização dos grupos
na tentativa de fugir de um dos inúmeros mecanismos empregados pela Escola
Tradicional. Este modelo escolar é baseado na ordem e disciplina, visualizando
o professor como transmissor do conhecimento. Nessa perspectiva, as classes
individuais eram organizadas por meio de fileiras; dirigindo o olhar dos alunos à
fonte detentora do saber. Becker (1994, p. 89) exemplifica como essa
pedagogia diretiva se configura na sala de aula:

As carteiras estão devidamente enfileiradas e suficientemente


afastadas umas das outras para evitar que os alunos troquem
conversas. Se o silêncio e a quietude não se fizerem logo, o

2
Fragmento da música “Cuida de mim” do cantor Fernando Anitelli, disponível em
<http://letras.mus.br/fernando-anitelli/1869336/>. Acesso em: 04 de novembro de 2014.
3
Fragmento da música “Autorretrato” da dupla Kleiton e Kledir, disponível
em<http://letras.mus.br/kleiton-e-kledir/1521738/>. Acesso em: 04 de novembro de 2014.
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professor gritará para um aluno, xingará outra aluna até que a


palavra seja monopólio seu. Quando isto acontecer, ele
começará a dar a aula4.
Como é esta aula? O professor fala e o aluno escuta. O
professor dita e o aluno copia. O professor decide o que fazer e
o aluno executa. O professor ensina e o aluno aprende.

Este modelo é um dos que, contra o discurso defendido pelos estudos


contemporâneos, se perpetua no meio escolar. Acerca de uma das novas
teorias legitimadas, Grossi (1992, p. 43) alega:

Justamente o construtivismo inaugura a valorização do agir de


quem aprende como elemento central para se compreender
algo. O sentido deste agir vem se burilando gradualmente e hoje
sabe-se que a ação que produz conhecimento é a ação de
resolver problemas. Sabe-se, portanto, que para aprender se
necessita possibilitar que a inteligência do aprendente aja sobre
o que se quer explicar, isto é, a aprendizagem resulta da
interação entre as estruturas do pensamento e o meio que
necessita ser compreendido.

Iniciado o estágio curricular, nossa turma de estagiárias foi desafiada a


realizar uma reorganização nas salas, propondo todas as atividades através
dos grupos. Minha turma de 2º ano, como as demais, não estava acostumada
com este modelo e, inicialmente, foi difícil modificar nosso espaço sem refletir
sobre as nossas regras e hábitos. Os alunos ergueram-se para reclamar e
opinar sobre a reestruturação de seus lugares. As falas apontavam os conflitos
relacionados ao convívio social, e foi necessário criar um projeto que
abraçasse as problemáticas que estavam surgindo ao nosso redor. O projeto
intitulado “Turma 21, tudo bem ser diferente” valorizou as diferenças que
possuíamos como sujeitos e como turma, além de evidenciar e exercitar as
habilidades sociais incipientes nas crianças.
Enquanto vivenciávamos esse momento de adaptação, algumas colegas
do estágio enfrentavam barreiras impostas pelas escolas e pelos pais; outras
pareciam sucumbir perante a indisciplina resultante das modificações na sala.
Compreendo a dificuldade inicial proveniente da proposta de um trabalho
em grupos e da manutenção de seu funcionamento. Enfrentei minhas próprias
dúvidas quanto a sua legitimidade nas primeiras semanas de tentativa.

4
Grifo do autor.
13

Foi necessário repensar meus planejamentos iniciais e modificar os


seguintes, a fim de que as propostas incentivassem a criação de hipóteses e
de argumentos, estimulando o diálogo e cooperação dos participantes,
atribuindo um caráter de “time” à turma.
Ao fim daquele período, as constatações de avanços em minha turma
não foram unicamente relacionadas ao âmbito da alfabetização e das
competências matemáticas, mas contemplaram também as habilidades sociais
de convivência e respeito às diferenças. Uma fala de um dos alunos recebeu
destaque durante a realização do projeto: “Prof, hoje nós aprendemos a
aprender com o colega e a ensinar também!”5.
É notório que a organização de grupos pode incitar barulho, conversa e
movimento na sala de aula, características não apreciadas na concepção de
conhecimento ainda vigente no contexto escolar. Porém, um dos objetivos
deste trabalho é refletir acerca da validade desses aspectos na construção
coletiva e individual de conhecimentos e aprendizagens.
Partindo destes pressupostos e das experiências vivenciadas, este
estudo pretende identificar alguns desafios e possibilidades que o trabalho em
grupos propicia dentro da sala de aula, bem como as limitações impostas pela
escola ou famílias.

2.2 O que são grupos?

Dialogar acerca da validade e concepção de grupos na sala de aula é


também compreender a relevância da socialização nos inúmeros momentos de
nossa existência. De acordo com Madalena Freire (1992, p. 60): “A identidade
do sujeito é um produto das relações com os outros. Neste sentido todo
indivíduo está povoado de outros grupos internos na sua história.”.
O primeiro grupo em que ingressamos é o da família. É lá que iniciamos
nossas tomadas de atitude, nossa forma de ser e estar. Após este, surgirão os
demais grupos, na escola ou trabalho. Nos grupos posteriores, reproduziremos
os comportamentos e hábitos que foram treinados no grupo familiar. O ser
humano tende, naturalmente, à vida coletiva.

5
As falas dos alunos, ao longo do texto, serão colocadas em destaque através da escrita em itálico.
14

Piaget (1998) destaca que existem três pontos principais acerca da


socialização intelectual da criança cuja compreensão é necessária para
dialogar sobre o trabalho em grupo.
O indivíduo, inicialmente egocêntrico, só se descobre à medida que
conhece o outro. A consciência de si não é inata ao ser humano, é uma
construção da conduta social. É dos atritos que surgem na relação com os
outros que o indivíduo percebe a si mesmo e passa a se conhecer. Portanto, a
cooperação está atrelada à formação da personalidade, já que é no contato
com os outros que o sujeito é capaz de tomar consciência de si próprio e de
tentar localizar-se entre as outras perspectivas que o rodeiam.
Em segundo lugar, Piaget (1998) estabelece relação entre a
cooperação promovida pelos grupos e a objetividade a que eles conduzem. A
tendência natural, durante a inteligência sensório-motora, é de satisfazer o eu,
submetendo o real aos desejos. Nessa fase, inexiste a objetividade e todas as
formas de pensamento infantil, como “a imaginação, a fabulação e a
pseudomentira” (p.142) tem como função a satisfação imediata dos desejos
infantis. Mesmo depois, quando a criança já procura compreender a realidade
sem a transformar, seu pensamento ainda assimila o que foi constituído na
atividade do eu. Nos dois casos é a cooperação que estimulará o verdadeiro
pensamento, com o qual se renuncia aos interesses próprios em prol da
realidade comum e se considera outros pontos de vista.
O terceiro aspecto a ser considerado é a relação entre a cooperação e
as regras para o pensamento. No momento em que o sujeito percebe os outros
e pensa em função de todos, é exigida uma coerência que não permite a
contradição, uma necessidade de ser intelectualmente honesto na conduta do
pensamento. Através da relação coletiva, serão aprendidas estruturas
normativas que regem o funcionamento social, tais como a reciprocidade.
No conjunto dos três pontos que foram elucidados, Piaget (1998, p. 144)
afirma: “Pode-se portanto dizer, a nosso ver, que a cooperação é efetivamente
criadora, ou, o que dá na mesma, que ela constitui a condição indispensável
para a constituição plena da razão.”.
Nesta perspectiva, o grupo incentivará e desenvolverá a cooperação,
envolvendo seus participantes de forma ativa através de um objetivo comum.
Para tanto, os alunos terão ouvido, falado e defendido suas opiniões,
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ressaltando que, apesar da formação de grupo, todos são únicos e possuem


diferentes maneiras de pensar. Nem sempre essas relações são estabelecidas
de maneira satisfatória:

E a dificuldade do trabalho de grupo está ligada, essencialmente,


ao fato de que não se tem controle sobre a distribuição de
tarefas e é bem possível que logo se imponha uma divisão entre
idealizadores, executores e excluídos... sendo que a abstenção
destes últimos, se forem considerados incompetentes, torna-se
uma condição para o êxito coletivo. Assim, encontramo-nos,
mais uma vez, diante da priorização da tarefa em detrimento do
objetivo, com todos os desvios que isto conduz, quando, ao
contrário, seria preciso justamente assegurar-se de que o grupo
possibilita a progressão de todos. (MEIRIEU, 2005, p. 196-197)

A construção do grupo deve acontecer por meio da partilha de


representações e ações. Cada um assume uma posição de poder e
responsabilidade. Desta maneira, nem todos serão os líderes, nem todos
falarão constantemente, alguns silenciarão e esta será sua função em
determinado momento. O envolvimento nas atividades será exercido por todos,
mas não das mesmas maneiras. O grupo é constituído através das diferenças
de seus componentes. Por isso, a riqueza do grupo virá do processo de
complementação que apenas os que apresentam diferenças serão capazes de
realizar. É no que falta em mim que o outro tem a somar e contribuir. Desta
maneira, cada um será peça fundamental no andamento e funcionalidade de
seu grupo.
Com o objetivo de que todos os participantes do grupo se envolvam de
forma efetiva, Meirieu (2005, p.197) defende que o trabalho de grupos deve ser
regulado pela organização de intergrupos. Inicialmente, cada grupo
desenvolveria uma atividade diferente: “um texto particular a estudar, um
exercício específico a fazer, uma parte do capítulo a analisar, um conjunto de
palavras a definir, etc.”. Cada grupo se envolverá em sua tarefa, ciente de que
depois cada um de seus membros relatará quais foram os conhecimentos
adquiridos aos colegas de um novo grupo, no qual ele será o único a dominar o
assunto estudado. Dessa forma, durante os momentos do grupo inicial, o aluno
se dedicará de modo que consiga explicar o conteúdo e responder as dúvidas
dos colegas do intergrupo. Além disso, na presença do intergrupo, o aluno
ouvirá outros conhecimentos que foram estudados pelos outros colegas e terá
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acesso a novos saberes, verificando e coletivizando aquisições. Essa é uma


das escolhas metodológicas que pode ser utilizada pelo professor que institui
os grupos e visa o processo cooperativo entre seus envolvidos.
Já a formação do grupo dependerá dos objetivos do professor em
determinada situação. Se o momento for de troca de opiniões e criação de
hipóteses, é interessante integrar os alunos que tenham diferentes visões de
mundo. Desta maneira, eles argumentarão em busca de uma solução para o
problema e, mesmo que não seja alcançada a unanimidade, este exercício
ampliará a visão dos participantes sobre o assunto em questão. Por outro lado,
se o professor espera que seus alunos exercitem um conteúdo, é viável
misturar alunos com diferentes níveis de aprendizagem no conteúdo
trabalhado. Assim, os alunos que estão mais avançados auxiliarão os que
necessitam de ajuda. Ainda é possível organizar os grupos de acordo com
áreas específicas de estudo, utilizando-se diferentes materiais para cada
grupo. Desta forma, cada grupo será formado com integrantes que possuem a
mesma necessidade. Estas são apenas algumas das várias formações que
podem ser construídas em uma turma.
Para Madalena Freire (1992), a constituição do grupo passa por três
movimentos. O primeiro destes é quando os sujeitos “criam mecanismos de
sonegação da informação”, abrindo mão do enfrentamento dos conflitos.
Surgem as fofocas e reclamações, bem conhecidas por quem já trabalhou com
grupos.
O segundo movimento é o de confrontar o diferente, de criar caminhos
para resolução de impasses. Os diálogos passam a reproduzir a identidade de
cada um dos sujeitos e a defender suas distinções. O exercício de confrontar o
outro vai afirmar que cada um é e pelo que é diferente. É nesse exercício que
se aprende que as divergências não são um ato de traição; são, pelo contrário,
a aprendizagem prática dos conceitos de liberdade e democracia. Freire (1992)
diz: “Eu só posso me ver porque tenho um outro que me espelha o que é
diferente de mim. É aí que eu me vejo. Eu sempre preciso do outro para me
ver.”.
Esse é o momento em que, reconhecendo o outro e a si mesmo, o
sujeito passa a construir a noção de “nós” como grupo. A partir das diferenças
que já foram compreendidas e elencadas, será possível perceber as
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semelhanças e afinidades que existem entre seus participantes. Percebendo


isso, os alunos constatarão que o professor não é a única forma de resolver os
problemas, e sozinhos eles enfrentarão seus desafios. Acontece, então, uma
ruptura da concepção de professor como transmissor do conhecimento e, por
isso, as relações entre alunos e educador serão modificadas.
O terceiro movimento é caracterizado pelo fortalecimento do grupo, da
concepção de coletivo. “Antes o exercício de diferenciar-se produzia uma dor
dilacerante, um medo mortal. Agora ela já é administrada como ingrediente
constituinte do humano, do limitado, do real, do processo de autonomia, do
processo de construção democrática.” (FREIRE, 1992, p. 158)
Todos os movimentos já citados que corroboram em favor do exercício
da cooperação (PIAGET, 1998) exigem tempo e constante prática. O educador
precisará ter seus objetivos claros, bem como as etapas que serão percorridas.
Apesar disso, a relevância dessa metodologia é legitimada pela concepção de
escola como espaço democrático e socializador. Grossi (1992, p. 45) conclui:

É importante, entretanto, constatar que as teorias construtivistas


se afirmam cada vez mais ao nosso ensino pela consistência e
pela eficácia dos seus resultados na aprendizagem, sobretudo
se estiverem embebidos na interação social e na sua expressão
mais alta que é a da consciência de cidadania.
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3 CAMINHOS METODOLÓGICOS

Neste capítulo, indicarei as etapas trilhadas para formulação deste


estudo. Também entrelaçarei a teoria que sustenta as escolhas e conceitos
utilizados nos processos investigativos deste trabalho.
Esta pesquisa qualitativa, de inspiração etnográfica, fundamenta-se no
conceito de que:

A pesquisa do tipo etnográfico, que se caracteriza


fundamentalmente por um contato direto do pesquisador com a
situação pesquisada, permite reconstruir os processos e as
relações que configuram a experiência escolar diária.
Por meio de técnicas etnográficas de observação participante e
de entrevistas intensivas, é possível documentar o não
documentado, isto é, desvelar os encontros e desencontros que
permeiam o dia a dia da prática escolar, descrever as ações e
representações dos seus atores sociais, reconstruir sua
linguagem, suas formas de comunicação e os significados que
são criados e recriados no cotidiano do seu fazer pedagógico.
(ANDRÉ, 2012, p. 41)

Compreender desta maneira o estudo de tipo etnográfico, leva a pensar


a pesquisa como um estudo de cotidianos e culturas que constituem a escola e
seus personagens, incentivando a criação de hipóteses e teorias. Dessa forma,
este trabalho não pode ser analisado sem o contexto em que está inserido.
Esta modalidade de investigação exige imersão do pesquisador no
ambiente povoado pelos sujeitos selecionados. Através deste estudo, é
possível indicar simbolismos e significados que muitas vezes não estão
presentes no discurso consciente dos participantes, mas que são encontrados
em seus comportamentos, durante as situações observadas. Exatamente por
isso, é uma pesquisa que:

Exige do pesquisador um esforço intenso para minimizar os


riscos de omissão ou da revelação de dados distorcidos por
parte do grupo investigado. Também exige do pesquisador muita
sensibilidade para atuar no trabalho de campo, para ouvir,
observar e para reconhecer os momentos mais adequados para
perguntar, dialogar, enfim, agir. (MARTINS, 2006, p.53)
19

Outra característica essencial desta pesquisa é seu caráter teórico


reflexivo. Motivada através de uma experiência vivida, ela evidencia aspectos
teóricos que me influenciaram durante a atual trajetória dos grupos na sala de
aula.
Evidentemente, a turma na qual realizei o estágio foi minha aliada na
promoção de ideias e reflexões. Desde antes do período do estágio curricular,
já atuava como titular na mesma turma – um segundo ano, de uma escola
privada da cidade de Porto Alegre - e hoje, enquanto escrevo, permaneço
trabalhando neste local.
A memória desta prática é uma das bases da construção deste trabalho.
Segundo Maria Teresa Corredoira (2001), a memória pode servir como recurso
em um trabalho acadêmico quando o assunto proposto está relacionado aos
estudos realizados e se encaixa nas preferências e interesses do pesquisador
enquanto aluno, além de se adaptar ao seu tempo ou lugar. De acordo com a
autora (p. 81): “A memória é um trabalho científico ainda inserido no processo
de ensino aprendizagem próprio dos estudos de graduação.” E, nessa
perspectiva, é necessário que este trabalho

[...] evidencie aspectos de conhecimentos adquiridos, pois a


memória visa pôr em relevo uma visão científica, sólida e
integrada que se obteve da cultura universitária. Isso pode ser
posto em evidência através de um tema restrito e delimitado
(dadas as circunstâncias inerentes à elaboração do próprio
trabalho), mas tratado de forma ampla e abrangente, como por
exemplo, considerando aspectos fundamentais de uma disciplina
do próprio curso. (CORREDOIRA, 2001, p. 82)

Como complemento e aliado, o Diário de Campo Reflexivo, material


produzido durante o estágio, serve de sustentação às minhas lembranças. O
Diário contém os planejamentos, objetivos, recursos, estratégias e avaliações
de cada semana daquele período. O Diário apresenta minhas perspectivas
sobre o que vinha sendo realizado, sobre os progressos e retrocessos que
aconteciam em nosso meio. Portanto, é um material que expressa bem quais
foram as primeiras reflexões que fiz acerca dos grupos, no período de
implementação, e as implicações em cada novo planejamento.
Além das escolhas metodológicas já citadas, me auxiliaram, neste
processo, os questionários respondidos por minhas colegas do estágio
20

curricular do curso de Pedagogia. Suas visões e diferentes realidades me


ajudaram a estabelecer paralelo entre o que vivenciam as professoras que
trabalham com grupos, mesmo que raramente, com os diversos âmbitos da
escola, turma e famílias. Além de investigar quais são, na perspectiva das
colegas participantes, os aspectos relevantes para refletir sobre a utilização de
grupos.
Em síntese, os recursos que foram empregados na formulação e
desenvolvimento desta pesquisa são: observação participante, durante e
subsequente ao período de estágio curricular; memória das situações e falas
significativas concomitantes a este período; questionário com colegas do
estágio curricular, com o intuito de investigar a temática em outras realidades e
experiências. Também foi fonte de dados a contemplação teórica dos
referenciais que me sustentam na temática discutida.
21

4 MEMÓRIAS SOBRE GRUPOS E SEUS SUJEITOS

Coisa boa é um amigo


Pra poder relembrar
Pois são tantas histórias
Tu me ensina a viver
Que eu te ensino a sonhar
6
Pela vida afora

Nesta seção, relatarei os principais momentos do estágio que me


instigaram a investigar e analisar a temática de grupos. É importante
compreender o lugar de onde falo, porque justifica meu incentivo à fuga dos
modelos tradicionais de escola, que apresentam outras concepções sobre
aluno, sala de aula e professor. Fugir dessas concepções é legitimar a sala de
aula como espaço da construção de aprendizagens coletivas e individuais, que
não apenas dependem do professor.
Portanto, a escolha do tema desta pesquisa não é baseada no acaso,
tampouco no superficial. A predileção que manifesto, em minha prática e
discurso, atravessa o que é teórico e aponta para o que foi um marco no meu
fazer docente. Acreditar genuinamente nos grupos é o combustível que move
este trabalho.

As oscilações de nossa atenção por qualquer dos tópicos


nos quais colocamos nossas preferências intelectuais
dizem muito de nós, de nossa sociedade e da cultura em
um dado momento; delatam nossas sensibilidades.
(SACRISTÁN, 2005, p.12)

4.1 Os grupos na turma 21

Vincular o currículo e suas demandas com relação ao trabalho de grupos


é instituir a vida em sociedade desde a sala de aula. Quando recordo minhas
primeiras semanas nessa nova configuração, percebo que meus objetivos
eram no intuito de incentivar uma aprendizagem promovida por todos os
sujeitos, descentralizando o foco que existia em mim, enquanto professora. Eu

6
Fragmento da música “Autorretrato” da dupla Kleiton e Kledir, disponível em
<http://letras.mus.br/kleiton-e-kledir/1521738/>. Acesso em: 04 de novembro de 2014.
22

acreditava que, uma vez que as crianças estivessem juntas, elas iniciariam a
aprendizagem e o desenvolvimento da autonomia, nas atividades e tomada de
decisões. Imaginava que elas começassem a ensinar e aprender umas com as
outras e não exigiriam mais a minha intervenção em todas as situações. O que
eu desconhecia é que a aquisição dessas habilidades exige um longo trajeto de
construções e aprendizagens que ainda não tinha sido trilhado com a turma.
Inicialmente, os grupos causaram grande desconforto para a turma.
Além de não realizarem as atividades em conjunto, os alunos não permitiam
que ninguém olhasse o que vinham desenvolvendo de maneira individual, não
permitiam de maneira alguma que alguém copiasse ou procurasse ajuda dentro
do grupo. Os grupos passaram a ser um grande desafio. Desafio este que
ganhava voz na hora de emprestar materiais, confeccionar trabalhos e nas
demais questões relacionadas ao convívio diário. Quando alguém não
funcionava de acordo com as expectativas do grupo, eu era chamada para que
o aluno fosse retirado do meio. Nenhuma alternativa que ultrapassasse o
descarte era aceita pela turma. Até mesmo o próprio aluno, que causara
incômodo, solicitava a saída. Percebi, com o tempo, que as crianças apontadas
eram praticamente as mesmas sempre. Em alguns casos, o grupo não as
aceitava porque elas desrespeitavam regras de convívio que já tinham sido
instituídas pelas próprias crianças. Porém, em outros momentos, o grupo as
excluía porque apresentavam diferenças em relação aos colegas. As
reclamações e lamúrias ganharam espaço e eu me desgastava, diariamente,
tentando solucionar os problemas que surgiam a todo instante. As atividades
eram constantemente interrompidas por gritos e brigas. Aparentemente, as
crianças estavam impacientes e perdiam o controle das emoções mesmo com
o menor estímulo.
Até então, eu respondia sempre da mesma maneira, explicava que
ninguém trocaria de grupo, pois precisávamos aprender a conviver de maneira
harmoniosa sem excluir ninguém. Imaginei que essas falas afirmativas
alcançariam aqueles alunos e que, com o tempo, os grupos se encaixariam de
maneira satisfatória para todos os seus envolvidos. Por isso, fui surpreendida
quando um dos grupos solicitou uma reunião para conversar comigo sem a
presença do restante da turma. Mais uma vez, o grupo pediu que um dos
colegas fosse realocado. Eu respondi com a frase que já vinha se tornando
23

jargão entre nós, quando fui surpreendida pela fala de um deles: “Nós sabemos
que ele não pode trocar de grupo, então se ele não vai, nós queremos sair!” Foi
assim que percebi, perplexa, que precisava modificar meus objetivos, meus
planejamentos e minhas práticas docentes. Minha fala automática já não era
suficiente para convencer nem a meus alunos, nem a mim.
Surgiu, então, meu Projeto Didático-Pedagógico Semestral, requisito
obrigatório da disciplina do estágio curricular. Durante seus desdobramentos, o
projeto foi nomeado com inspiração em um dos títulos literários utilizados. O
livro de Todd Parr (2002), “Tudo bem ser diferente”, foi adaptado e se
transformou no projeto “Turma 21, tudo bem ser diferente!”. Na época, escrevi
os princípios orientadores que melhor ilustram o momento e as angústias que
estavam sendo vividas:

A escolha desta temática não é baseada no acaso de um


currículo escolar vazio e sem intenção. Qualquer escolha que
passe pela sala de aula denota intenções e objetivos. A
convicção no trabalho realizado através de grupos é a motivação
deste projeto. Os grupos ultrapassam o que é vivido na escola.
Viver em sociedade e assumir um papel ativo como sujeitos é
também aprender as normas e estratégias de convivência social,
é também trabalhar em grupos durante toda a vida.
Esta escolha atravessa o que é meramente teórico e abraça o
que tem sido um desafio para turma e professora. Nada mais
natural, não é simples aceitar e respeitar o que vem de fora, tudo
que é estranho à realidade, aparentemente única, que
conhecemos. Entender isso é ver que o currículo escolar precisa
estimular a leitura de mundo, através de significado, de sentido.
Para esta turma e professora, trabalhar as relações
interpessoais tem e faz muito sentido, é necessário neste
momento.
Partindo deste pressuposto, o trabalho em grupo não visa
silenciar os incomodados ou até mesmo facilitar as tarefas, visa
envolver os integrantes de forma prazerosa em um processo
ativo de aprendizagem individual e coletiva. (JANDREY, 2014,
p.11)

Foi nesse período que compreendi que, na nossa realidade, era


imprescindível um projeto que desenvolvesse o estudo da Diversidade,
solidificando os princípios que a permeiam.
Indiscutivelmente, esses apontamentos surgem com base em uma turma
específica, o que não pode ser tomado como padrão ou norma. Em nosso
contexto, as crianças estavam acostumadas a sentar individualmente e realizar
24

todas as atividades desta forma. Além disso, da turma analisada, uma minoria
possuía irmãos, o que pode ser levado em consideração, já que tinham pouco
convívio com outras crianças em seus ambientes familiares.
A proposta deste projeto objetivou incentivar as crianças a encontrarem
caminhos para a solução de seus conflitos, estimular a cooperação durante a
resolução das atividades e valorizar as diferenças existentes em si e no outro.
No desenvolvimento do projeto, foram utilizados livros infantis que
introduziram ou motivaram a reflexão sobre a temática. Utilizar a literatura
como recurso principal no desenvolvimento do projeto não foi uma escolha
vazia de significado. Valorizar o universo literário é ampliar o repertório que as
crianças possuem, é ler o mundo juntamente com a leitura das palavras.
Sandroni e Machado (1987, p. 10-11) afirmam que:

No mundo maravilhoso da ficção, a criança encontra, além de


diversão, alguns dos problemas psicológicos que a afligem
resolvidos satisfatoriamente; percebe em cada narrativa formas
de comportamentos social que ela pode apreender e usar no
processo de crescimento em que se encontra, informações
sobre a vida das pessoas em lugares distantes, descobrindo,
dessa forma, que existem outros modos de vida diferentes do
seu.

A partir disso, foram propostas atividades que entrelaçassem o que era


debatido às percepções de cada aluno. A predileção pelos títulos eleitos está
pautada nos critérios de qualidade textual e imagética. O quesito qualidade
textual envolve a relação entre o escrito e o imaginário, além da fomentação de
interpretações diversas. A riqueza de um livro está naquilo que ele não diz, na
possibilidade de inferir informações e atribuir sentido. Os livros selecionados
foram: “Livro da família” (Todd Parr, 2003), “Tudo bem ser diferente” (Todd
Parr, 2002), “Por favor, obrigado, desculpe” (Pascal Biet e Becky Bloom, 2003),
“Eu e os outros: Modificando as relações” (Liliana Iacocca e Michele Iacocca,
2000) e “Caubóis também são bondosos” (Timothy Knapman, 2012).
25

Figura 1 - Capa do livro Figura 2 - Capa do livro Figura 3 - Capa do livro "Por
"O que livro da família". "Tudo bem ser diferente". favor, obrigado, desculpe".

Figura 5 - Capa do livro "Caubóis


Figura 4 - Capa do livro "Eu e também são bondosos".
os outros: modificando as
relações".

O projeto teve duração de cinco semanas e promoveu diversas


mudanças entre a turma. Perceber a riqueza que nossas diferenças
proporcionam foi um passo importante para desenvolver o respeito entre os
participantes de cada grupo.
Com o tempo, as reclamações perderam força e tornou-se possível
visualizar situações em que as crianças resolviam conflitos ou criavam
estratégias de cooperação durante as tarefas. Os grupos tornaram-se,
lentamente, um espaço para criar hipóteses, aprender e brincar. Na décima
semana de utilização de grupos, escrevi:

[...] minha felicidade, nessa semana, consistiu em


visualizar tamanho crescimento na autonomia de meus
pequenos. Eles já não precisam de mim em todos os
26

momentos de aflição. E isso não se aplica somente às


provas ou durante a escrita nos livros didáticos. As brigas
continuam acontecendo, mas consigo ouvir algumas
soluções que surgem entre eles e que não chegam até
mim. Eles só apelam à professora quando não encontram
solução aparente e não conseguem solucionar o
problema sozinhos. Isso é crescimento! (JANDREY,
2014, p. 88)

Ainda no andamento do projeto, constatei que as regras que


possuíamos não se aplicavam mais as nossas rotinas e aos nossos espaços.
Todas as combinações tinham sido determinadas com base na turma do início
do ano, que sentava de maneira individual e realizava as tarefas dessa mesma
maneira. Então, no quarto encontro do projeto, criamos novos acordos para a
turma. Pensamos juntos em regras que ajudassem no andamento e sucesso
dos grupos. Dessa maneira, adaptamos o que era necessário e repensamos
outras urgências do momento. A turma ficou satisfeita em participar de forma
ativa desse processo e passou a valorizar as combinações que havíamos
criado. Nas falas evidenciou-se a compreensão de que as novas regras
ajudariam a todos, porque foram elaboradas a partir de problemas reais que a
turma elencou. Essa foi uma etapa significativa na evolução dos grupos.
Depois desse episódio, cultivamos um novo costume entre nós.
Semanalmente, dedicamos um tempo a conversar sobre os avanços que
alcançamos, as aprendizagens que construímos e os progressos que ainda se
fazem necessários, tanto com relação às atividades quanto aos
comportamentos e hábitos. Atribuiu-se um caráter de reunião a esses
momentos, uma espécie de assembleia. Todos podem manifestar-se no grande
grupo. Conversamos sobre as situações marcantes da semana e relembramos
os aspectos mais significativos. Temos afirmado em nossas práticas a
concepção de que somos um time, cada um com sua função, todos essenciais;
por vezes no grande grupo, por vezes no pequeno. Nessa perspectiva, os
interesses coletivos são prioridade, e, assim, vamos vivendo e aprendendo
sobre sociedade e democracia dentro da nossa sala de aula.
Enfatizo a influência da utilização de grupos também nos processos de
alfabetização da turma 21. De acordo com meu levantamento, no início do ano
letivo, dezoito alunos já se encontravam ativos no desenvolvimento da leitura e
escrita. Entretanto, seis meninas ainda não realizavam a leitura de palavras
27

completas, apenas de sílabas de menor complexidade. Estavam no nível


Silábico-Alfabético, segundo a categorização estabelecida por Emilia Ferreiro e
Ana Teberosky (1999). Instituí, então, aulas complementares para essas
meninas, no contraturno. Juntas, realizávamos, mais uma vez, as atividades
através do grupo. Porém, nas aulas regulares, elas misturavam-se entre os
grupos com os demais colegas. Nesse movimento, quando sentiam
dificuldades em acompanhar alguma atividade, os demais integrantes do grupo
as ajudavam na formação de palavras ou leitura. Depois de cinco meses de
trabalho, as seis meninas passaram a acompanhar normalmente as atividades.
Esse é mais um dos importantes aspectos do grupo, dividir as
responsabilidades de ensino e aprendizagem entre professora e alunos. Elas
aprenderam e ensinaram na interação com colegas e professora.
O modelo tradicional de escola não prevê essa relação entre os sujeitos
da sala de aula. Por isso, a princípio, as crianças me pediam autorização para
ajudar os outros colegas. Apesar de eu incentivá-los nesse processo, eles
mostravam-se inseguros, quase temerosos. Não acreditavam que essa era a
atitude certa, afinal eles não eram professores. Na visão tradicional, não é
assim que se aprende. Mas com o exercício constante, naturalizou-se entre
nós a troca de saberes. Os integrantes de cada grupo assumiram a tarefa de
ajudar quem precisa.
Na perspectiva das crianças, o trabalho também foi avaliado quando
lhes pedi que desenhassem seus grupos. No mesmo dia, sentamos em roda e
conversamos sobre os desenhos e sobre a organização da nossa sala. Elas
elencaram diversos aspectos que exemplificam ricamente o que tem sido
narrado neste capítulo. Em seguida, constam algumas das produções, cada
uma legendada com a fala do autor do desenho:
28

Figura 6–“Lá no grupo todos são legais Figura 7–“Eu gosto porque é bom
comigo. Isso é bom, porque eles brincam sentar perto dos amigos.”
comigo e quando eu estou triste me
animam.”

Figura 8–“Eu gosto muito do meu Figura 9–“O grupo é legal porque a gente
grupo porque eles me ajudam nas se ajuda e empresta o material também.”
atividades.”

Figura 10–“Adorei esse negócio de Figura 11–“Eu acho que o grupo é bem
grupo! A gente se diverte e conta legal porque a gente pode jogar
piada...” cartinha juntos.”
29

Vivenciar a sala de aula através dos grupos é uma prática que exige
diálogo e reflexão constantes. Entretanto, quando bem planejada e
desenvolvida, agrega incalculável valor aos momentos cotidianos e estimula
uma série de discussões que ultrapassam o currículo escolar.

4.2 Embates na escola: uma narrativa sobre resistências

A espacialidade escolar instituiu-se numa ordenação


impessoal, burocrática, administrativa, verticalista,
hierarquizada, portanto racionalista, justificando o
pensamento unidimensional da Ciência Positivista; joga o
outro mundo do sujeito nas trevas.7

A escolha pelo trabalho com grupos é pautada em uma concepção de


escola e de seus ambientes, escolha essa que atribui outra função ao professor
e a seus alunos. O exercício diário dos grupos promove diálogos constantes
entre seus participantes, estimula a troca de saberes e o olhar sensível ao que
vem de fora. Sentar-se com outros não modifica apenas a configuração da
sala, mas acarreta também uma nova percepção acerca das
responsabilidades, regras e movimentos. Viver de perto com outros colegas
motiva a interação e construção de hipóteses, não apenas durante as
atividades promovidas. É essa movimentação entre as crianças que, muitas
vezes, é mal compreendida pela gestão da escola ou demais professores.
Logo que os grupos foram instaurados, surgiram questionamentos e
comentários negativos sobre a modificação de nossa sala. Essas falas não
foram surpreendentes, já que, na instituição, nenhum professor utiliza grupos
em suas aulas.
Desde o início do ano, nosso 2º ano da tarde divide a sala com o 5º ano
da manhã, cada qual com sua professora. Na segunda semana de utilização de
grupos, a responsável pela limpeza conversou comigo sobre as modificações
das mesas e cadeiras. Ela me explicou que não teria tempo hábil para limpar
as salas e arrumar as cadeiras a cada dia, por isso, havia conversado com a
professora da manhã, e esta estabeleceu que minha turma deveria arrumar a

7
(Ivete M. Keil e Maria de Fátima M. C. Monteiro, 1992, p. 261).
30

sala e deixá-la “como a encontrou”. Desta maneira, além de organizar os


grupos quando chegássemos, teríamos que reorganizar em fileiras antes de
sair, ao fim da aula. Isso me pareceu um tanto arbitrário, já que os alunos da
manhã são três anos mais velhos e poderiam ajudar nessa tarefa. Incomodada
com a situação, fui até a coordenação que resolveu a questão de maneira
simples: nós arrumaríamos em grupos ao início de cada aula, e os alunos do 5º
ano arrumariam em fileiras quando chegassem pela manhã.
Infelizmente, esse não era o fim do que viria a ser considerado
“insanidade” por algumas colegas. Hoje, quando algumas professoras visitam
minha sala, olham com perplexidade para as mesas organizadas em quartetos.
Talvez porque imaginaram que seria algo passageiro e efêmero. Muitas vezes
ouvi a frase: “Como tu aguenta, Kamila?”, e se respondo que o trabalho em
grupos oportuniza outras intervenções que não a tradicional e que aprecio isso,
escuto a complementação: “Tu só pode ser louca”.
É intimidante trabalhar a formação de grupos em um ambiente como
esse, ainda assim tem sido possível. Quando, após as férias, aconteceram
substituições na gestão, tive que, mais uma vez, argumentar sobre a validade
da configuração de minha sala de aula. Surgiram questionamentos como: “tu
continuarás trabalhando assim até o fim do ano?”, “de que maneira tu
disciplinas essas crianças?”, “eles copiam uns dos outros nas avaliações?”.
Neste contexto, enquanto escrevia este trabalho, fiquei doente e tive que
me ausentar da escola por dois dias. Recebi, então, a ligação de uma amiga e
também professora da instituição que dizia hesitante: “Kamila, passei pela tua
sala... teus alunos estão todos em fileiras!”. Ouvi entristecida, pensando no que
as crianças me diriam no dia em que eu voltasse. Fiquei temerosa de que
perguntassem se os grupos são só meus, já que quando eu saio, eles deixam
de ser utilizados. Essa é minha aflição enquanto cruzo os corredores e vejo as
demais turmas voltadas as suas professoras, todos em silêncio, devotos e
disciplinados.
Estudar os grupos e suas possibilidades é algo extremamente pessoal
para mim, é, antes de tudo, justificar porque os utilizo, além de evidenciar que
são possíveis e que promovem a aprendizagem.
31

5 DIÁLOGOS DA PRÁTICA

Coisa boa é um amigo


Pra poder revirar
O que ficou na lembrança
Tu me ensina a viver
Que eu te ensino a sonhar
8
Cheios de esperança

Este capítulo dedica-se à análise e à reflexão sobre os dados obtidos


através do questionário (em apêndice). As questões foram aplicadas a oito
estudantes do curso de Pedagogia, todas colegas do estágio curricular. A
distinção entre as participantes está na modalidade de estágio, pois seis delas
realizaram suas práticas no Ensino Fundamental, uma na Educação Infantil e
uma na Educação de Jovens e Adultos (EJA).

5.1 O questionário

Com quatro perguntas de caráter discursivo, o questionário teve a


finalidade de suscitar opiniões e experiências sobre a utilização de grupos na
sala de aula. As respostas possibilitam compreender outras realidades que
foram vividas durante o estágio, já que as estudantes realizaram suas práticas
docentes em diferentes escolas da cidade de Porto Alegre. Dessa maneira,
pretendo tornar mais abrangente este estudo, evidenciando outros caminhos
traçados por diferentes sujeitos e contextos.
O primeiro levantamento realizado tem relação com a sala de aula no
momento anterior à entrada da professora estagiária. Perguntei as minhas
colegas: “Em observação anterior à prática na turma do estágio curricular,
qual era a organização da sala de aula?”.
A segunda pergunta pretendeu resgatar as memórias sobre as vivências
com grupos durante o período do estágio, permitindo que a participante
narrasse momentos significativos sobre a temática. Questionei: “Durante teu
período de estágio, vivenciaste alguma experiência de grupos na sala de
aula? Discorra sobre o assunto.”.

8
Fragmento da música “Autorretrato” da dupla Kleiton e Kledir, disponível em
<http://letras.mus.br/kleiton-e-kledir/1521738/>. Acesso em: 04 de novembro de 2014.
32

A terceira questão teve o intuito de relacionar as práticas de grupos com


a postura das escolas e famílias. Como os grupos nem sempre são utilizados,
eles podem causar estranhamentos no meio escolar. Indaguei: “Com relação à
experiência anteriormente descrita, recebeste algum retorno da
instituição ou famílias?”.
Por fim, a quarta questão objetivou identificar características importantes
dos grupos, de acordo com a visão das participantes: “Na sua perspectiva,
quais os aspectos mais relevantes da utilização de grupos na sala de
aula?”.
As respostas utilizadas na análise foram reproduzidas conforme a escrita
das participantes, porém sem a identificação de seus nomes.

5.2 Análise de textos e contextos

Inicialmente, os questionários apontam diferentes organizações de salas


de aula que foram encontradas no período de observação das alunas de
estágio. É importante salientar que essas disposições foram planejadas pelas
professoras titulares de cada uma das turmas em que as participantes
realizaram seus estágios curriculares. Das oito turmas envolvidas, uma
sentava-se em fileiras individuais, quatro em formato de semicírculo e três em
duplas.
É imprescindível considerar os diferentes contextos que foram
encontrados pelas alunas que, futuramente, desenvolveriam suas práticas
docentes do estágio. Cada ambiente já possuía sua própria organização. Essa
configuração define dois importantes aspectos para essa pesquisa: como os
alunos estavam habituados a trabalhar e quais eram as concepções da
professora titular.
Nas realidades mencionadas, as experiências com grupos foram obtidas
através da utilização ocasional ou permanente. Quatro alunas optaram pela
organização constante de grupos em suas salas, enquanto que as demais
quatro alunas decidiram utilizar os grupos apenas em atividades eventuais.
Para prosseguir com a análise, estabeleço paralelo entre as duas metodologias
escolhidas pelas entrevistadas.
33

As participantes que utilizaram os grupos permanentemente apontam,


em seus relatos, situações negativas que surgiram a partir da reorganização
realizada na sala de aula. Enfrentaram barreiras impostas pela professora
titular, famílias ou instituição. Além disso, uma das entrevistadas indicou as
dificuldades disciplinares que surgiram no período de adaptação:

Foi difícil, complicado. No início, as crianças não respeitavam


regras, não se ajudavam. Aos poucos, com as auto avaliações
semanais, foram se dando conta de que suas ações atingiam os
demais integrantes do grupo. Foram aprendendo a enxergar o
outro e a compartilhar.9

A fala desta estagiária evidencia o processo, já citado, de movimentação


que é incitado pelo grupo. O aluno é incomodado com a presença do outro, do
diferente. Porém, quando começa a enxergar o outro, enxerga também a si
mesmo. O grupo passa a ser o “nós”, as decisões já precisam ser pensadas
levando em consideração o coletivo. Ela ainda contou que as famílias não
aprovavam a organização através dos grupos:

[...] disseram que os alunos possivelmente melhorassem se eu


separasse os grupos. Inclusive, a professora titular chegou a
sugerir isso, mas não impôs. Nas sextas, quando ela atuava
como regente separava, os alunos em fileiras.

A narrativa de outra colega é semelhante:

Durante três meses tentei utilizar grupos na minha sala, mas


devido ao „burburinho‟ fui orientada pela coordenadora a não
empregá-los mais. Assim, voltei às fileiras, pois segundo a
coordenadora dessa escola privada, os grupos favoreciam a
bagunça e não o aprendizado satisfatório das crianças.

Esse não foi o único caso em que a entrevistada abandonou os grupos


devido à pressão sofrida. Outra colega conta:

Vivenciei durante o estágio, momentos ricos através dos grupos


que propus após a segunda semana, mas não duraram muito...
A professora titular “sugeriu-me” desfazê-los, uma vez que os
alunos estavam muito agitados.

9
As falas das entrevistadas estarão em destaque, através da escrita em itálico, mesmo quando criam um
parágrafo recuado, por constituírem três ou mais linhas.
34

Em outra escrita, é possível ver, mais uma vez, a interferência da


professora titular na metodologia adotada pela aluna de estágio:

Montamos grupos no segundo mês do estágio, anteriormente as


crianças sentavam em formato de U. Foi uma experiência bem
difícil devido aos receios da professora titular. Com o tempo, as
brigas e discussões entre as crianças começaram a incomodar a
professora titular que solicitou uma mudança na sala. Percebi
que alguns grupos funcionaram melhor que outros em
decorrência de sua composição. Alunos mais agitados eram
„influenciados‟ pelos mais calmos e vice-versa. Quanto às
famílias, houve reclamações de pais de alunos que eram
importunados por outros.

Sem dúvida, um dos grandes desafios do trabalho de grupos em sala de


aula é convencer de sua legitimidade aos pais, demais professores e escola.
Parece-lhes que a escola tradicional baseada em aulas expositivas e centrada
na oralidade é o melhor modelo para a escola que temos agora. Parece-me
que desconhecem outras maneiras de aprender... Aprender construindo,
participando, interagindo, trocando saberes e experiências... Consigo
compreender essa visão, histórica, que vem de algumas famílias, mas me
recuso a minimizar o espanto de ouvir os discursos de outros professores e
gestores que povoam nossas escolas.
Apesar das inúmeras tentativas de superação, a escola, em sua forma
mais tradicional, continua sendo propagada em grande escala. Sobre essa
representação de escola, Guzzoni (1995, p. 31) adverte:

As regras estabelecidas para o funcionamento “adequado” da


escola sugerem o que se denomina de escola-empresa. Esta
deverá responder a resultados esperados, garantidos pela
hierarquia, pelo planejamento, pelo cumprimento de horários; por
sua vez, em sala de aula, o aluno deverá se “comportar” e o
professor estará interessado em saber se o aluno aprende e não
como e por que aprende.

As demais participantes do questionário indicaram a presença de grupos


em atividades ocasionais. Essas atividades incluem jogos ou tarefas como
“lavar as mãos”, por exemplo. Uma das entrevistadas acrescentou que, quando
dividia sua turma em grupos, utilizava como critérios: “montava grupos por nível
35

alfabético, em outros momentos, dividindo entre meninos e meninas.”. Esses


critérios não foram os mesmos adotados por outra participante:

Por vezes, os grupos eram determinados pela proximidade das


mesas, outros por afinidade, algumas vezes determinados por
mim ou pelos próprios alunos. Às vezes, grupos de seis; outras
vezes trios, duplas...

A entrevistada que realizou seu estágio na turma de Jovens e Adultos


(EJA) explica como funcionavam os grupos durante os exercícios matemáticos:

Os momentos de grupos ocorriam, principalmente, nas aulas de


Matemática, pois os alunos trabalhavam com Material Dourado
e, na realização das operações, se ajudavam no manuseio do
material e na realização da conta.

Com relação às percepções sobre a turma, uma das entrevistadas


destacou:

Estas atividades apesar de, a princípio, gerarem bastante


bagunça, eram muito proveitosas e prazerosas. Os alunos
gostavam bastante da proposta e alguns, que na maioria das
vezes, não demonstravam interesse nas aulas participavam e
acabavam liderando os grupos.

A mesma entrevistada ainda conta qual foi a reação da professora titular:


“A professora titular elogiava a criatividade das propostas e dizia que já não
tinha paciência para realizar atividades do tipo.”.
Nestas experiências, as alunas não evidenciaram nenhum tipo de
retorno das famílias ou escola, com exceção da última descrição que diz
respeito à professora. Já no caso específico da turma de EJA, a entrevistada
explicou que os próprios alunos falavam sobre as atividades que eram
realizadas, através dos grupos, de forma muito positiva e que demonstravam
grande apreciação durante esses momentos.
Através desse segundo grupo de análise, é possível dizer que o trabalho
de grupos só é considerado um problema quando modifica de forma
permanente a sala e sua organização. Algumas atividades que foram
realizadas através de grupos não causaram o mesmo estranhamento
vivenciado pelas primeiras entrevistadas. É interessante analisar esse aspecto
que foi indicado pelas respostas. Em um contexto de grupos ocasionais, surge
36

uma fala de caráter positivo da professora regente. Será que se a mesma aluna
tivesse instituído os grupos, de maneira constante, a percepção da professora
seria a mesma?
Em geral, as participantes da pesquisa elencam diversos aspectos
relevantes da utilização de grupos na sala de aula. Os grupos foram descritos
como:

[...] fundamentais, auxiliando não apenas nas questões ligadas à


aprendizagem, mas também nos relacionamentos interpessoais.
Os grupos ajudam na construção do cidadão, no respeito, na
autonomia e na resolução de impasses com os colegas.

Ainda no que diz respeito à socialização, uma das entrevistadas


declarou:
a possibilidade de interação, construindo ou fortalecendo
amizades e também aprendendo com o outro; transmite a ideia
de responsabilidade por perceber que aquilo que faço ou deixo
de fazer influencia os outros [...],

Esse caráter também foi contemplado por outra colega:

o mais importante é quando a gente percebe que o aluno está se


colocando como responsável pelas suas próprias ações dentro
do grupo. Percebendo-se como ser social, tornando-se cada vez
mais capaz de refletir sobre suas ações com o outro nos
diversos segmentos: pequenos grupos, grandes grupos, escola,
família, sociedade...

Duas das participantes listaram tópicos que sintetizam suas experiências


com os grupos:

O compartilhamento de ideias, de formas de aprender e resolver


problemas; A convivência com a diferença, com a diversidade de
vários tipos (social, étnica, religiosa, etc.); A possibilidade de
atender pequenos grupos de cada vez; Diálogo, paciência e
respeito.

A segunda entrevistada elencou: “Integração; Cooperação; Socialização;


Trocas ricas; Interacionismo; Partilha de experiências e materiais.”.
Uma entrevistada ainda relembrou que: “quando existe uma grande
diferença nos níveis de alfabetização entre os alunos, o grupo ameniza essa
diferença, pois os próprios alunos acabam se ajudando.”.
37

De acordo com outra participante, o mais importante é alcançar a todos


os envolvidos: “A atividade proposta deve ser envolvente para a turma, tendo
um assunto que gere uma boa discussão. Os grupos não podem ter muitos
alunos (no máximo 5 pessoas).”.
Cada perspectiva foi fundamentada nas práticas e na experiência
pessoal de cada uma das participantes da pesquisa. Por isso, evidenciamos
aspectos distintos que compõem cada discurso. Refletir sobre as respostas
obtidas é compreender que existem inúmeras dimensões na utilização de
grupos, mesmo quando ocasionais.
Além disso, constata-se que existe um problema há muito arraigado em
nossas escolas. A escola de nosso século permanece fundamentada no
pressuposto epistemológico de que o aluno é uma tábula rasa, uma folha em
branco incapaz de possuir o conhecimento que o professor transmite. Essa
visão empirista da gênese e do desenvolvimento estabelece uma relação de
opressão entre o professor e seus subjugados. Para tanto, prioriza a disciplina
à interação, o silêncio à troca de saberes, a transmissão oral à construção
ativa, o individual ao grupo. Por fim, pergunto-me: uma escola que não propicia
vivências relacionadas à política, democracia e sociedade conceberá que tipo
de país?
38

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Coisa boa é um amigo


Pra poder conversar
E trocar figurinhas
Tu me ensina a viver
Que eu te ensino a sonhar
10
Cada sonho que eu tinha

O presente estudo contemplou a temática dos grupos na sala de aula.


Para tanto, realizou paralelo entre as diferentes concepções da escola
tradicional e construtivista, bem como suas respectivas correntes teóricas. O
objetivo principal deste trabalho foi, a partir das narrativas de estágio, revelar
desafios e possibilidades da utilização de grupos em uma sala de aula.
O primeiro caminho metodológico que pautou este estudo foi a
construção dos grupos durante o período do estágio curricular. Essa
experiência torna-se significativa para o desenvolvimento desta escrita, já que
foi o principal motivador para a escolha do tema e dos autores que sustentam a
proposta. Para me auxiliar com precisão no registro, utilizei o Diário de Campo
Reflexivo, documento escrito semanalmente durante o período do estágio.
Também recorro às falas e aos desenhos que os alunos produziram na
intenção de retratar suas percepções sobre nossa sala.
Além dos relatos referentes às experiências vivenciadas na turma 21,
este estudo analisa algumas falas de outras alunas da graduação que
vivenciaram os grupos em seus estágios. Dessa forma, elas ampliam a
discussão sobre o assunto, identificando outros contextos e realidades que
foram experienciados com relação à temática em destaque.
Através desse conjunto de experiências, narrativas e análises é possível
elencar aspectos relevantes para refletir sobre a utilização de grupos na escola.
Baseada no que vivi e no que me contam minhas colegas, identifico como
grande desafio, se não o maior, a resistência da gestão escolar e de algumas
famílias com relação à proposta de organização de grupos na sala de aula. Em
todos os casos em que as alunas propuseram que os grupos tornassem-se

10
Fragmento da música “Autorretrato” da dupla Kleiton e Kledir, disponível
em<http://letras.mus.br/kleiton-e-kledir/1521738/>. Acesso em: 04 de novembro de 2014.
39

constantes, enfrentaram os comentários de reprovação ou repressão de


professoras, gestão ou famílias. Em alguns casos, este foi um aspecto
determinante na continuidade da utilização dos grupos.
Para legitimar essa concepção do que são sala de aula, aluno e
professor, recorro, principalmente, a Piaget (1998), Freire (1992) e Meirieu
(2005). Através deles, o estudo fundamenta a metodologia de grupos e destaca
os movimentos provocados por essa configuração. Esta foi uma das etapas
principais da constituição deste estudo. Enquanto professora, no período do
estágio, estive envolvida nos inúmeros processos da criação dos grupos, sem
conhecer plenamente o referencial teórico que alicerçava minha docência.
Assim, muitas vezes, duvidei de sua eficácia e das práticas que realizava.
Agora, compreendo melhor cada um dos movimentos de aprendizagem que
pertencem aos grupos.
Movimentos de aprendizagem? Que fique claro: no início, os grupos
poderão provocar bastante barulho e constante discussão. O professor terá sua
paciência testada. Poderão surgir conflitos simultâneos, diários, múltiplos. Os
alunos não suportarão uns aos outros. Com o tempo e com o devido
encaminhamento, surgirá a acomodação, a reflexão e, por fim, a cooperação. E
engana-se quem pensar que esse será o fim. Para o professor que deseja
construir uma sala de aula que representa a vida em uma sociedade
democrática, esse será apenas o início. Atribuir significado ao que fazemos na
escola é uma ação contínua, perseverante. Por isso, exige docentes e
discentes em constante movimento, em constante aprendizagem.
Enquanto escrevo as considerações que encerram este trabalho, anseio
para que não sejam as últimas que faço sobre a temática. Identifico outras
dimensões que ainda precisam ser retomadas e que não o foram
principalmente em função do tempo de duração deste estudo. No intuito de
enriquecimento da reflexão, seria interessante promover encontros com as
crianças e tornar visível quais são suas narrativas sobre a construção dos
grupos. Ouvir, verdadeiramente, o que elas têm a nos dizer. Nos limites deste
estudo, analisei alguns desenhos e falas, mas não com o enfoque que merece
ser desenvolvido. Em cada palavra defendo a concepção de aluno que interage
e que constrói conhecimento. Por isso, ainda desejo estudar, futuramente, as
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perspectivas infantis sobre uma sala de aula que utiliza grupos. Este é um
parêntese que continua aberto para mim.
41

REFERÊNCIAS

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Campinas, SP: Papirus, 2012.

ANITELLI, Fernando. O anjo mais velho. Álbum: “Entrada para raros”, 2003.
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Disponível em <http://letras.mus.br/fernando-anitelli/1869336/>. Acesso em: 04
de novembro de 2014.

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FREIRE, Madalena. Escola, grupo e democracia In: GROSSI, Esther Pillar;


BORDIN, Jussara (org.). Paixão de Aprender. Petrópolis, RJ, Vozes, 1992.

GROSSI, Esther Pillar. Construtivismo: um fenômeno deste século. In:


GROSSI, Esther Pillar; BORDIN, Jussara (org.). Paixão de Aprender.
Petrópolis, RJ, Vozes, 1992.
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KEIL, Ivete Manetzeder; MONTEIRO, Maria de Fátima Mussi Carneiro. Para


uma crítica da escola. In: GROSSI, Esther Pillar; BORDIN, Jussara (org.).
Paixão de Aprender. Petrópolis, RJ, Vozes, 1992.

KNAPMAN, Timothy. Caubóis também são bondosos. Ciranda Cultural, 2012.

LAMAS, Estela P. R.; TARUJO, Luís Manuel; CARVALHO, Maria Clara;


CORREDOIRA, Teresa. Contributos para uma metodologia científica mais
cuidada. Lisboa, Instituto Piaget, 2001.

MARTINS, Gilberto de Andrade. Estudo de Caso: uma estratégia de pesquisa.


São Paulo: Atlas, 2006.

MEIRIEU, Philippe. O cotidiano da escola e da sala de aula: o fazer e o


compreender. Porto Alegre: Artmed, 2005, p. 196-198.

PARR, Todd. Tudo bem ser diferente. Panda Books, 2002.

PARR, Todd. O livro da família. Panda Books, 2003.

PIAGET, Jean. Sobre a Pedagogia. Organizadoras: Silvia Parrat e Anastasia


Tryphon. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.
43

RAMIL, Kleiton; RAMIL, Kledir. Autorretrato. Álbum: Autorretrato, Som livre,


2009. Disponível em <http://letras.mus.br/kleiton-e-kledir/1521738/>. Acesso
em: 04 de novembro de 2014.

SACRISTÁN, José Gimeno. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed,


2005.

SANDRONI, Laura C.; MACHADO, Luiz Raul. A criança e o livro. São Paulo:
Ática, 1987.
44

SINOPSES DE LITERATURA INFANTIL

PARR, Todd. O livro da família. Panda Books, 2003.


Sinopse: Com frases curtas e envolventes, Todd Parr apresenta as
diferenças das famílias, abordando assuntos polêmicos como
adoção, diferenças raciais, culturais e sociais.
Disponível em: <http://www.saraiva.com.br/o-livro-da-familia-
145792.html>. Acesso em: 14 de out. 2014.

PARR, Todd. Tudo bem ser diferente. Panda Books, 2002.


Sinopse: Este divertido livro traz uma mensagem muito importante
para todas as crianças de todas as idades: todos somos diferentes,
e por isso mesmo, tornamo-nos especiais.
Disponível em: <http://www.saraiva.com.br/tudo-bem-ser-diferente-
120142.html>. Acesso em: 14 out. 2014.

BIET, Pascal; BLOOM, Becky. Por favor, obrigado, desculpe.


Brinque Book, 2003.
Sinopse: Como e o que ensinar aos pequeninos para que
aprendam a se comportar? Com boa vontade e criatividade, tudo
pode se transformar numa engraçada brincadeira, como o passeio
de Dudu e Leopoldo em “Por Favor, Obrigado, Desculpe”.
Disponível em: <http://www.saraiva.com.br/por-favor-obrigado-
desculpe-131278.html>. Acesso em: 14 out. 2014.

IACOCCA, Liliana; IACOCCA, Michele. Eu e os outros. Ática,


2000.
Sinopse: Este livro funciona como um verdadeiro espelho. Nele, os
leitores verão refletidas algumas atitudes que às vezes passam
despercebidas, mas que interferem muito no relacionamento entre
as pessoas.
Disponível em: <http://www.saraiva.com.br/eu-e-os-outros-
melhorando-as-relacoes-424443.html>. Acesso em: 14 out. 2014.

KNAPMAN, Timothy. Caubóis também são bondosos. Ciranda


Cultural, 2012.
Sinopse: Seja bem-vindo ao velho oeste! Descubra como o grande
encrenqueiro do parquinho aprendeu a ser gentil nesta divertida
história rimada...
Disponível em: <http://www.saraiva.com.br/4267436-caubois-
tambem-sao-bondosos--col-boas-maneiras.html>. Acesso em: 14
out. 2014.
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APÊNDICE A – Questionário

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL


FACULDADE DE EDUCAÇÃO

Querida colega,

Este questionário tem como objetivo coletar dados para meu Trabalho
de Conclusão de Curso (TCC). Minha pesquisa está centralizada na
temática da utilização de grupos na sala de aula, e suas respostas me
auxiliarão no processo de investigação e reflexão acerca deste tema.
Sua participação na pesquisa é totalmente voluntária, na certeza de que
seu nome não será mencionado em nenhuma das etapas deste
trabalho. Sinta-se livre para responder as indagações, sem a
obrigatoriedade de preencher todas as questões.

Agradeço sua participação nesta pesquisa!


Graduanda: Kamila Kniphoff Jandrey
Orientadora: Profª Drª Darli Collares

QUESTIONÁRIO DE PESQUISA

1. Em observação anterior à prática na turma do estágio curricular, qual era


a organização da sala de aula?

2. Durante seu período de estágio, vivenciaste alguma experiência de


grupos na sala de aula? Discorra sobre o assunto.
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Se na pergunta anterior sua resposta foi positiva, responda:

3. Com relação à experiência anteriormente descrita, recebeste algum


retorno da instituição ou famílias?

4. Na sua perspectiva, quais os aspectos mais relevantes da utilização de


grupos na sala de aula?

Eu, _______________________________________, aceito


participar da pesquisa da aluna Kamila Kniphoff Jandrey, na certeza de que
meu nome será mantido em sigilo.

Porto Alegre, ____ de outubro de 2014.

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