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SISTEMA TRIBUTÁRIO
BRASILEIRO
DÃO REAL PEREIRA DOS SANTOS
Diretor de Assuntos Institucionais do Instituto Justiça
Fiscal e Auditor da Receita Federal do Brasil.
2.2 TRIBUTOS
De acordo com o art. 3º do Código Tributário Nacional (CTN, Lei no
5.172/1966), tributo é “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo
valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em
lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. De forma
simplificada, pode-se dizer que o tributo é um pagamento obrigatório, em dinhei-
ro ou qualquer outro meio de pagamento aceito por lei, como cheques, cartão de
crédito, débito em conta, etc. Trata-se, portanto, daquilo que o cidadão paga ao
Poder Público para atender às necessidades da população e manter o funciona-
mento do Estado.
CAPÍTULO 2 23 //
É importante destacar que tributo não é uma penalidade, nem é um paga-
mento decorrente de uma infração resultante do desrespeito à lei, como, por exem-
plo, uma multa de trânsito. De acordo com o art. 5º do CTN, os tributos abrangem:
• Impostos;
• Taxas; e,
• Contribuições de melhoria.
Segundo o art. 16 do CTN, “imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato
gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, re-
lativa ao contribuinte”. Em outras palavras, imposto pode ser entendido como o
montante, em dinheiro, exigido pelo poder público e pago pelos contribuintes,
com a finalidade de atender às despesas do Estado realizadas em virtude do in-
teresse comum. São exemplos de impostos estabelecidos pelo Sistema Tributário
Brasileiro (STB): o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Trans-
porte Interestadual, Intermunicipal e Comunicações (ICMS), o Imposto sobre Pro-
dutos Industrializados (IPI), o Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) e
o Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).
Em contraste, as taxas são tributos que “têm como fato gerador o exercício
regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público
específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição” (CTN,
art. 77). Ou seja, a taxa é uma quantia obrigatória paga pelo cidadão em troca de
algum serviço público específico, prestado ou posto à disposição pelo Estado, ou
ainda para o exercício do poder de polícia. Um exemplo clássico é a “taxa de coleta
do lixo” ou “taxa de limpeza urbana”. As taxas devem ser pagas pelos cidadãos,
ainda quando os serviços não sejam utilizados diretamente, desde que estejam
colocados à sua disposição.
Segundo o art. 81 do CTN, a contribuição de melhoria é um tributo institu-
ído para custear obras públicas que promovam valorização imobiliária. A quantia
global cobrada é limitada ao custo da obra, e a contribuição de cada imóvel bene-
ficiado é limitada, em nível individual, a sua valorização imobiliária decorrente da
obra pública.
Estão previstas ainda duas outras figuras tributárias na CF/1988 que, em-
bora não sejam consideradas tributos à luz do CTN, são tratadas de forma seme-
lhante aos instrumentos tributários, quais sejam: os empréstimos compulsórios e as
contribuições especiais ou parafiscais.
A seção 2.8 trata das competências tributárias atribuídas aos diferentes
níveis de governo. No entanto, os empréstimos compulsórios podem ser instituí-
CAPÍTULO 2 25 //
2.3 CONCEITOS TRIBUTÁRIOS
O Quadro 1 apresenta os principais conceitos tributários.
CAPÍTULO 2 27 //
A constituição do crédito tributário ocorre pelo lançamento do tributo, que
é o procedimento administrativo efetuado, para, entre outras coisas, verificar a
ocorrência do fato gerador, determinar a matéria tributável e calcular o montante
do tributo devido. O Quadro 2 apresenta as modalidades de lançamento tributário.
CAPÍTULO 2 29 //
• Competência privativa: são tributos, quer sejam impostos, emprésti-
mos compulsórios e contribuições parafiscais, de competência expressa-
mente privativa de algum dos entes tributantes, nos termos da Consti-
tuição Federal.
• Competência residual: a Constituição Federal conferiu à União a com-
petência residual para instituir, mediante lei complementar, impostos e
contribuições sociais não estabelecidas na sua competência privativa.
2%
20%
Renda
Folha de Salários
Propriedade
47%
Bens e Serviços
5%
CAPÍTULO 2 31 //
Para tornar o sistema tributário mais progressivo, é preciso promover o
deslocamento de parte da carga tributária que incide atualmente sobre o consumo
para a renda e para o patrimônio, aumentando assim a participação relativa destas
duas bases de incidência na arrecadação total. Isto, entretanto, não seria suficiente
para melhorar a qualidade do sistema tributário, se estes tributos diretos também
não forem progressivos de fato.
O sistema tributário produz uma tributação geral regressiva na renda total
das famílias no Brasil, considerando os decis (10%) de renda das pessoas. Dados
relativos aos anos de 2008-2009 mostram os primeiros 10% de renda são tribu-
tados em 32% enquanto os 10% mais ricos pagam apenas 21% (SINDIFISCO NA-
CIONAL, 2014). A tributação indireta impacta mais os decis de renda mais baixos,
o que talvez pudesse ser neutralizado caso a tributação direta tivesse maior peso
na tributação total. O Gráfico 2 expressa o impacto da tributação na renda total
das famílias.
Gráfico 2 - Participação dos tributos diretos e indiretos na renda total das famílias no
Brasil (2008-2009)
35
30
25
20
PERCENTUAIS
15
10
0
1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º
DÉCIMOS DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA
CAPÍTULO 2 33 //
No que se refere à condução da política econômica, a função extrafiscal dos
tributos se desdobra nas seguintes funções fundamentais: alocativa, estabilizado-
ra e redistributiva.
A função alocativa refere-se à capacidade que os tributos têm de serem uti-
lizados como instrumento para influenciar a alocação de recursos na economia.
Por meio desta função, o Estado pode privilegiar a alocação pública de recursos em
detrimento da alocação privada, ou ainda incentivar diferentes alocações dos re-
cursos privados propriamente ditos, mediante incentivos fiscais ou diferenciações
de alíquotas.
A política de concessão de benefícios tributários a regiões ou setores
econômicos específicos demonstra a influência da tributação para realocar in-
vestimentos privados, a despeito de outros fatores socioeconômicos, tais como:
qualidade da mão de obra e da infraestrutura, proximidade com o mercado con-
sumidor, etc.
Outra função importante dos tributos é a de estabilizadora macroeconômi-
ca. Por meio da alteração da incidência tributária, o Estado pode influenciar o nível
da demanda agregada, compensando os ciclos econômicos e eventuais pressões in-
flacionárias. Em fases de forte crescimento econômico, o governo pode aumentar
os tributos de forma a diminuir a demanda agregada, reduzindo pressões inflacio-
nárias decorrentes do fato de a economia estar operando acima da sua capacidade.
Em momentos de baixo crescimento ou de recessões, uma redução na tributação
poderia favorecer a retomada do investimento e da produção, aumentando o em-
prego e a renda.
Durante o auge da crise de 2008/2009, o governo brasileiro promoveu di-
versas desonerações tributárias com o objetivo de manutenção do emprego e da
renda, a despeito da recessão enfrentada. Foi um período caracterizado pelo uso
intenso da política tributária visando maior estabilização macroeconômica.
Já o uso da tributação com função redistributiva é que pode dar efetivi-
dade à justiça fiscal, contribuindo para a redução das desigualdades. No entanto,
essa função tem sido negligenciada na condução da política tributária. Como o
mercado privado não é capaz de garantir uma distribuição mais justa da renda,
o Estado tem o papel fundamental de interferir para assegurar maior equidade.
Uma forma de atuar neste sentido envolve a aplicação de mecanismos de redis-
tribuição de renda, via elevação da tributação para as famílias/indivíduos com
maior capacidade contributiva associada à desoneração tributária para os mais
pobres.
CAPÍTULO 2 35 //
O CTN, embora tenha sido aprovado como lei ordinária em 1966, foi recep-
cionado pela CF/1988 em nível de lei complementar. O código estabelece normas
gerais tributárias aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Muni-
cípios, fixando, por exemplo, os fatos geradores dos diferentes tributos e outros
elementos tributários relevantes.
Não existe consenso em relação à hierarquia entre lei complementar e lei
ordinária, pois alguns doutrinadores entendem que a lei complementar está abai-
xo da emenda constitucional e acima da lei ordinária, mas outros entendem que a
diferença está na matéria que podem regulamentar e no quórum para aprovação,
não na hierarquia.
A finalidade deste princípio é dar garantia ao cidadão de que não será exi-
gido nenhum tributo sem a existência de lei anterior que estabeleça a previsão
de sua hipótese de incidência (fato gerador), os sujeitos ativo e passivo, a base de
cálculo e as alíquotas. A exigência de lei para exigir ou aumentar tributos é impres-
cindível para a efetividade do Estado Democrático de Direito. Subjacente a este
princípio está a premissa constitucional de que todo poder emana do povo (pará-
grafo único do artigo 1º da CF). Assim, é o povo, por meio dos seus representantes
(Poder Legislativo), que pode estabelecer as obrigações a que ele mesmo, o povo,
deverá se submeter.
CAPÍTULO 2 37 //
2.7.3 PRINCÍPIO DA IGUALDADE OU DA ISONOMIA
O princípio da isonomia é extraído do art. 150, inciso II, da Constituição
Federal, a seguir transcrito.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
II - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
instituir tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em
situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação
profissional ou função por eles exercida, independentemente da denomi-
nação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
(...)
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei
que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b.
CAPÍTULO 2 39 //
150, parágrafo 5º, da Constituição Federal.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
5º. A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclareci-
dos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”.
CAPÍTULO 2 41 //
Tabela 1 - Carga tributária por ente federativo
Fundo de Participa-
21,5 21,5 ção dos Estados e _ _
DF (FPE).
Fundo de Participação
22,5 22,5 _ _
dos Municípios (FPM).
CAPÍTULO 2 43 //
Quadro 6 - Partilha da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Pro-
dutos Industrializados (IPI) pela União aos entes subnacionais
(conclusão)
Fundos regionais
para aplicação em
programas de fi-
nanciamento ao
3,0 3,0 _ _ setor produtivo
das regiões Norte
(0,6%), Nordeste
(1,8%) e Centro-
Oeste (0,6%)
FPM transferido em ju-
1,0 1,0 _ _
lho de cada ano
FPM transferido em de-
1,0 1,0 _ _
zembro de cada ano
Proporcionalmente Destes 10%, os Municí-
ao valor das respec- pios recebem 25%, cor-
tivas exportações respondentes a 2,5%,
- 10,0 de produtos indus- repassados pelo respec-
trializados, limita- tivo Estado, obedecendo
do a 20% para cada aos mesmos critérios de
Estado. repartição do ICMS.
49,0 59,0 Total
Fonte: Elaboração própria com base no art. 159 de Brasil (1988) e alterações posteriores.
CAPÍTULO 2 45 //
Este mecanismo é amparado pela doutrina do livre comércio que tem sido
hegemônica nos últimos tempos no cenário internacional, e que tem condicionado
as políticas públicas nacionais, sob o argumento de que esta seria a única forma
de lograr o crescimento econômico. É importante refletir se efetivamente tal pre-
missa se comprova, uma vez que os dados demonstram que, embora o comércio
internacional brasileiro tenha crescido 6,2 vezes no período de 1990 a 2016 (BRA-
SIL, 2017b), o PIB per capita brasileiro cresceu apenas 2,8 vezes (WORLD BANK,
2017). Os gráficos 3 e 4 apresentam, respectivamente, a evolução do comércio in-
ternacional brasileiro no período de 1990 a 2016 e a variação do PIB per capita no
período de 1990 a 2016.
250.000.000.000
200.000.000.000
150.000.000.000
100.000.000.000
50.000.000.000
0
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
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2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
Por outro lado, é exatamente este mecanismo que tem sido responsável por
uma parcela significativa da evasão fiscal, pressionando a carga tributária para bai-
xo ou para o “andar de baixo”. O comércio internacional que decorre da globaliza-
ção não é mais comércio em sua essência, mas simples transferências de mercado-
rias ou de insumos entre unidades de uma mesma corporação. Isto atende, entre
outros objetivos de ordem operacional e econômica, também ao objetivo corpora-
tivo empresarial cada vez mais relevante de planejamento tributário.
12000
10000
8000
6000
4000
2000
0
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
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2015
2016
PIB per capita (valores correntes em dólares)
Fonte: Elaboração própria com base em dados do World Bank (2017).
CAPÍTULO 2 47 //
mais ricas, mas também a definição da estrutura de administração tributária, que
acaba propiciando o surgimento de brechas e mecanismos facilitadores da evasão
fiscal, especialmente aos contribuintes com maior capacidade contributiva. Por
exemplo, um sonegador de tributos de competência da União, se vier a ser alcan-
çado pela fiscalização, terá à sua disposição duas ou três instâncias de defesa na
esfera administrativa, uma delas com participação de representantes de entidades
classistas empresariais, e pelo menos três instâncias judiciais.
Depois de todas as instâncias administrativas de recursos, qualquer crime
comprovado contra a ordem tributária não será punido criminalmente se o autu-
ado vier a pagar a dívida ou ingressar em algum parcelamento, mesmo que seja
muito longo, considerado como “a perder de vista”. Este conjunto de privilégios
concedidos ao sonegador é garantido por uma estrutura de administração tributá-
ria moldada justamente pelo sistema político.
Os mecanismos estruturais da injustiça fiscal, globalização e desregula-
mentada de um lado, privatização do sistema político de outro, têm sido determi-
nantes na pressão para o deslocamento do peso da carga tributária para aqueles
contribuintes com menor capacidade econômica, ou para a redução do tamanho
do Estado.
O caminho da justiça fiscal passa por uma maior tributação sobre renda e
patrimônio e menor incidência sobre o consumo, maior controle sobre os fluxos
internacionais para evitar a erosão das bases de incidência promovida pelos meca-
nismos de transferência de lucros para paraísos fiscais, bem como pelo fortaleci-
mento e instrumentalização das administrações tributárias e aduaneiras, para que
sejam efetivas no combate à sonegação.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário
Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e
Municípios (Código Tributário Nacional). Diário do Congresso Nacional, Brasília,
DF, 15 set. 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172.
htm>. Acesso em: 03 jan. 2018.