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PROBLEMATIZAÇÃO

Sabemos que é muito difícil, nos dias de hoje, se pensar no ensino de


língua materna e em atividades que contribuam para o desenvolvimento da
competência comunicativa dos alunos sem relacioná-los aos grandes avanços
que a Sociolinguística tem apresentado, principalmente por meio da subárea
denominada de Sociolinguística educacional, inaugurada por Stella Maris Bortoni
Ricardo (2004), que abrange todas as propostas e pesquisas sociolinguísticas
que tenham como objetivo contribuir na qualidade do ensino de língua.

Pensamos que ensinar língua nesse caminho pode tornar os alunos mais
conscientes e o ensino menos desigual, por incluir alunos das classes sociais
mais baixas na cultura letrada, fazendo com que esses alunos deixem de se
sentir estrangeiros em relação à língua empregada pela escola e, com isso,
consigam participar efetivamente das práticas sociais que demandam
conhecimentos linguísticos diversos.

Contudo, como afirma Antunes em seu livro Muito além da gramática: por
um ensino de línguas sem pedras no caminho (2007, p. 15),

“[é] notado que esses avanços contidos na área da linguagem não têm
chegado para todos e muitas vezes nem mesmo para aqueles alunos
que tiveram acesso aos estudos linguísticos nas escolas, pois a forma
como o professor transmite esse ensino é de fato equivocada na qual
se embaralham vários conceitos do que seja língua, linguagem,
gramática, vocabulário etc. Tudo isso se mistura na mente do aluno,
provocando grandes confusões, agravadas por pressões sociais de
que existe um ideal de um falar correto, supostamente mais perfeito e
prova de superioridade intelectual e cognitiva. E o resultado é que,
quando se sai da escola sai muito mais confuso, com uma visão de
língua deturpada, reduzida e falseada, terreno favorável para a
gestação de preconceitos e simplismos incabíveis”.

O que depreendemos da reflexão da autora é que, para muitos segmentos


da sociedade e muitas vezes até para os professores, a língua e a gramática são
uma coisa só. Para ela, essa concepção parte do fato de ingenuamente se
acreditar que a língua é formada de um único elemento, a gramática, quando na
verdade ela é somente uma pequena parcela dela. Não justificando, assim, o
fato de a escola adotar um ensino voltado exclusivamente para a gramática
normativa, em que os alunos “aprendem” a língua através de um ensino
altamente prescritivo e por meio de atividades mecânicas e descontextualizadas,
voltadas para regras gramaticais que acabam por suscitar no aluno um
sentimento de que nada sabem sobre a língua e, pior, solidificar mitos como o
de que “português é muito difícil”, de que existe uma única forma “certa” de falar,
entre outros.

Vemos que o trabalho com a linguagem se constitui como algo complexo


tanto na sala de aula como na própria sociedade, por exigir do professor uma
postura que vá além do “certo” e do “errado”, e que leve o aluno tanto a conhecer
e valorizar as diferentes variedades do português como a adquirir o domínio
adequado da leitura e da escrita.

OBJETIVOS E JUSTIFICATIVA

No âmbito atual, é impossível imaginar o ensino de língua materna sem


levar em conta as variações linguísticas presentes no cotidiano escolar, podendo
estas ser observadas em diferentes grupos na sala de aula, e às vezes no
mesmo falante, a depender da situação comunicativa. Como afirma Bortoni-
Ricardo (2004, p. 25), “[i]sso ocorre na sala de aula, como em qualquer outro
domínio social, [em que] encontramos grande variação no uso da língua”.

Do mesmo modo, podemos observar que todos nós usamos variações


assim como tanto na escola pública quanto na escola privada existem alunos e
outros membros da equipe escolar que praticam as diversas variedades
linguísticas (sociais e regionais). No entanto, essas pessoas muitas vezes
possuem um histórico traumático, pois são inferiorizadas por vários grupos
sociais, visto que “em toda comunidade onde vivem e convivem diferentes
variedades regionais, os falantes de maior poder socioeconômico transferem
esse “prestígio” para a sua variante linguística que passa a ser vista como uma
variedade mais bonita e mais correta.

Considerando a heterogeneidade da língua, este estudo tem como


objetivo analisar de que maneira o professor da educação básica trabalha com
a diversidade linguística em suas aulas de Língua Portuguesa, além de verificar
como os alunos têm recebido essa questão da variação linguística em sala de
aula e quais as contribuições dos pressupostos sociolinguísticos para o ensino
de língua materna.
Apesar de tantos trabalhos que se dedicam à mesma questão, o presente
trabalho se constitui importante porque é sempre muito útil que se discuta sobre
as práticas docentes que podem ser aprimoradas, pois, apesar das inúmeras
discussões existentes sobre o tema, ainda há insuficiência de reflexões quando
o assunto é o ensino de língua materna.

REFERENCIAL TEÓRICO

De acordo com Bagno no seu texto “Por uma Sociolinguística militante”,


ele aborda que há mais de três décadas, os linguistas brasileiros vêm se
dedicando a realizar pesquisas e elaborações teóricas com o objetivo de
construir o mais autêntico possível retrato da realidade linguística do país. No
entanto, é sabido que somente a partir dos anos de 1980, é que as ciências
linguísticas chegaram às escolas brasileiras aplicadas ao ensino de língua
materna.

A linguística moderna teve sua origem com os estudos de Ferdinand


Saussure, que professava o curso de Linguística Geral na Universidade de
Genebra – Suíça. Este teve imensa influência sobre os estudos linguísticos
posteriores, inquietando os alunos do curso, a ponto de os mesmos utilizarem
as concepções de Saussure em uma obra póstuma intitulada “Curso de
Linguística Geral”, lançado em 1916, após a sua morte.

Para Saussure a variação é inexistente, porém, para chegar a essa


conclusão ele analisou a língua de forma sincrônica e autônoma em relação a
aspectos exteriores, como, por exemplo, o falante e suas idiossincrasias e a
força do tempo que possibilita mudanças. Em contraste ao pensamento de
Saussure surgiu o sócio-variacionismo, que construirá o objeto de estudo
substantivamente heterogêneo, ao invés de procurar resolver a heterogeneidade
no plano não estruturado.

Assim a Sociolinguística Variacionista, a partir dos estudos de Weinreinch,


Labov e Herzog (2006 [1968]), tendo como base o empirismo da língua, isto é, o
seu uso real, postulou alguns de seus princípios. São eles: a língua é um sistema
heterogêneo e ordenado, sendo assim, é estruturado por regras; a competência
linguística do falante comporta a heterogeneidade da língua, pois o falante tem
a competência de aquisição e de uso, sabendo escolher qual forma usar em
cada situação distinta.

Apesar dos muitos estudos realizados na área da linguagem, esse


movimento de aliar os achados da Sociolinguística Variacionista às reflexões
sobre o ensino de língua materna, ainda é bastante tímido e muito recente, tendo
como uma de suas pioneiras a linguista Stella Maris Bortoni-Ricardo (2004), que
vem se dedicando a fortalecer esse campo de ação denominado de
Sociolinguística Educacional.

Diferente da maioria dos linguistas, que propunha a descrição-


documentação da língua falada pelas camadas sociais privilegiadas, Bortoni-
Ricardo foi pesquisar não tão-somente a língua, mas também as redes sociais e
a cultura específica da zona rural, cujos integrantes foram forçados a se instalar
nas periferias das grandes cidades e obrigados a enfrentar uma sociedade
provida de práticas basicamente orais, o que, ao invés de incluir as pessoas na
sociedade urbana, as distanciava ainda mais da cultura letrada. De acordo com
a autora, é preciso que se enfatizem as tendências imanentes da língua para
levar as pessoas em geral, e os professores particularmente, a assumir a
convicção de que os chamados “erros” que os alunos cometem tem explicação
no próprio sistema evolutivo da língua. Logo, podem ser previstos e trabalhados
em uma abordagem sistêmica.

METODOLOGIA ADOTADA

Conforme mencionado, esta pesquisa toma como alicerce teórico-


metodológico a Sociolinguística educacional (BORTONI RICARDO, 2004), a fim
de verificar como o professor da educação básica trabalha com a questão da
variação e da mudança linguística na sala de aula.
Para que isso seja possível, observaremos a sala de aula, e aplicaremos
questionários para alunos e professores, a fim de perceber a real situação do
ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa nas escolas. Os dados coletados a
partir da observação de aulas e questionários serão analisados e confrontados
com as teorias estudadas.
Bortoni-Ricardo (2006) expõe que o objetivo da pesquisa qualitativa em
sala de aula, em especial a etnografia, é o desvelamento do que está dentro da
“caixa preta” no dia a dia dos ambientes escolares, identificando processos que,
por serem rotineiros, tornam-se “invisíveis” para os atores que deles participam.

O trabalho etnográfico consiste, assim, em um estudo profundo sobre o


contexto e o comportamento de pessoas, neste caso sobre como anda o
processo de ensino/aprendizagem da variação linguística, no intuito de que se
entenda da forma mais autêntica possível esta teia de relações existentes entre
teoria, prática e reflexão sobre a língua, para que então consigamos apresentá-
la de forma adequada na pesquisa.

Por meio da pesquisa etnográfica “o etnógrafo participa, durante


extensos períodos, na vida diária da comunidade que está estudando,
observando tudo o que ali acontece...” (BORTONI-RICARDO, 2008, p.38), o que
nos possibilita, enquanto pesquisadores, a oportunidade de observar e estudar
cada uso que os sujeitos pesquisados fazem de sua língua oral/escrita dentro de
cada contexto em que esses usos ocorrem.

OUTRAS INFORMAÇÕES

Este projeto de pesquisa, é uma continuação de um trabalho feito na


cidade de Serra talhada-PE, através do Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação a Docência (PIBID/UFRPE). Que tem por objetivo promover a
integração entre educação superior e educação básica das escolas estaduais e
municipais, além de incentivar a formação de professores.

Tal estudo e observações nos mostraram o quanto é necessário ficarmos


atentos para as questões educacionais e, principalmente quando se diz respeito
ao ensino de língua materna nas escolas, para que se acabem os equívocos
presentes no ensino e se desenvolva um trabalho mais sistemático em relação
à variação linguística, que é um fenômeno inerente às línguas naturais, cuja
abordagem e tratamento adequados em sala de aula contribuem
significativamente para um ensino de língua mais contextualizado e democrático.

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