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Pessini L & Bertachini L (orgs.). Humanização e grandes inovações para a vida do ser humano. Os au-
cuidados palia tivos. EDUNISC-Edições Loyola, tores propõem a compreensão das condições multi-
São Paulo, 2004, 319 p. fatoriais do processo saúde-doença, alertando para o
perigo da transformação do ambiente hospitalar
Márcia Fróes Skaba num “centro tecnológico onde os equipamentos são
Instituto Nacional de Câncer (INCA/MS) facilmente reverenciados e adquirem vida, enquanto
as pessoas são, por isso, coisificadas”. Os autores aler-
Com uma agradável leitura, o livro traz ao cenário da tam, assim, para uma relação horizontal no cuidado,
saúde uma temática bastante necessária aos tempos tanto no que tange à relação entre cuidador e pacien-
de hegemonia do paradigma da tecnociência nas for- te como entre os próprios profissionais. Neste senti-
mações e ações dos profissionais de saúde. Desta for- do, apontam para a necessidade do trabalho interdis-
ma, deveria ser leitura obrigatória para aqueles que ciplinar com o objetivo de humanizar as relações en-
se propõem a atuar neste campo. A obra se divide em tre as pessoas. Convidando a uma prática mais soli-
dois grandes blocos de reflexão, que se articulam en- dária, os autores anotam a importância da flexibili-
tre si: A Humanização do Cuidar e o Desafio de Cui- dade do profissional na utilização das normas e roti-
dar do Ser com Competência Humana e Científica, e nas e na necessária revisão dos rígidos protocolos uti-
Cuidados Paliativos como uma Necessidade Emer- lizados no ambiente hospitalar.
gente e Urgente na Área de Saúde. A primeira parte Inaugurando uma série de abordagens sobre o
inicia com o artigo de Leo Pessini, que tem o título processo de envelhecimento, Marilene Rodrigues e
“Humanização da dor e sofrimento humanos na área Luiz Antonio Berttinelli contribuem para a obra com
de saúde”. Nessa reflexão introdutória, o autor pro- o artigo, “Humanização da velhice: reflexões acerca
põe a incorporação dos aspectos físico, psíquico, so- do envelhecimento e do sentido da vida”. A dificulda-
cial e espiritual relacionados à dor e ao sofrimento. de do idoso para garantia de uma vida digna está, sob
Para ele, a dor tem seu componente orgânico/bioló- o ponto de vista dos autores, quase sempre relaciona-
gico decorrente de uma perturbação sensorial/fisio- da à sua vulnerabilidade econômica. Apontando para
lógica, enquanto o sofrimento é um conceito mais a imprescindível reflexão sobre a condição do idoso
abrangente e complexo. Para além dos aspectos fisio- em uma sociedade utilitarista e altamente tecnologi-
lógicos sentidos da dor, o sofrimento encontra suas zada, propõem a construção de um cuidado humani-
raízes na perda da integridade da pessoa e está, subs- zado, crítico e engajado às necessidades dos idosos.
tantivamente, atrelado à perda da qualidade de vida. Seguindo a linha de reflexão sobre o processo de
O autor solicita especial atenção para a tendência dos envelhecimento, Luciana Bertachini e Maria de Jesus
tratamentos, no contexto clínico, em se concentrar Gonçalves desenvolvem o artigo “A comunicação co-
somente nos sintomas físicos como se estes fossem os mo fator de humanização na terceira idade”. Neste es-
únicos motivos de aflição do paciente. tudo, é dado um enfoque à voz e à audição como im-
Numa reflexão bastante contemporânea, Leo- portantes instrumentos para a viabilização da comu-
nard Martin aborda a dimensão ética da humaniza- nicação por meio da linguagem falada. Numa inte-
ção hospitalar. Neste estudo, os princípios ou valores ressante abordagem sobre o processo fisiológico que
da autonomia, da beneficência, da não maleficência e compromete a capacidade auditiva e vocal na terceira
da justiça são objetivamente correlacionados aos di- idade, sugerem uma intervenção da medicina e da fo-
reitos fundamentais das pessoas enfermas. Contra- noaudiologia que, no limite, são potenciais instru-
pondo o paradigma técnico-científico do hospital mentos para a inclusão social da pessoa idosa.
moderno à dimensão humana de sua origem, o autor Ao introduzir a noção de cuidados paliativos, ob-
aponta a necessidade de, mesmo quando se esgotam jeto específico da segunda parte da obra, Claudia
as possibilidades de intervenção do arsenal tecnoló- Burlá e Ligia Py abordam a “Humanização no final
gico, continuar o investimento na dignidade humana da vida em pacientes idosos: manejo clínico e termi-
no ato de cuidar. nalidade”. Nos primeiros parágrafos do artigo já se
Hubert Lepargneur, buscando a fundamentação desvenda a motivação para sua inclusão na parte des-
para a humanização hospitalar, recorre à necessária tinada à humanização do cuidado e não na segunda
atualização de seu significado, considerando que este parte, específica de cuidados paliativos. A conexão é
conceito deve ser permanentemente construído e óbvia, a base dos cuidados paliativos é a humaniza-
correlacionado a diferentes contextos. ção, em via de mão dupla.
Em um belíssimo texto, Rubem Marcelo Volich Ao abordarem o cuidado ao idoso no final da vi-
chama a atenção para a distinção entre ação terapêu- da, as autoras sublinham que não se trata da “quanti-
tica e ação educativa e, também, para suas inter-rela- dade de vida que resta à pessoa, mas sim da qualida-
ções. Como derivação de sua análise, chama a aten- de de vida que deve permanecer até o final”. Que bela
ção para a fragilidade de análises coletivas sobre o lição, mesmo quando atribuída às fases mais iniciais
sentido de normalidade. Situando a ação terapêutica de nossa existência. Afinal, quanto nos resta de vida?
ou educativa no plano da indissolúvel interação com Com preciosas orientações sobre o adequado
o “outro”, faz uma interessante análise da subjetivida- controle da dor e outros sintomas e suas derivações
de que perpassa o ato de cuidar. no controle do sofrimento e da angústia, o artigo fi-
Refletindo sobre a humanização do cuidado no naliza com um convite para se tornar a finitude hu-
ambiente hospitalar, Berttinelli, Waskievicz e Erd- mana um princípio inspirador para a própria exis-
mann iniciam pela questão do que representam as tência.
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Novamente Ligia Py, agora em parceria com Ana não define o final daquela relação, mas sim traz à to-
Claudia Oliveira, desenvolve a temática da “Humani- na a essência da sua ética. Finalmente, o autor desen-
zação no adeus à vida”. As autoras analisam os meca- volve o conceito de Ortotanásia (morrer com digni-
nismos subjetivos na vivência do processo de enve- dade), cotejando-o com a atual definição de saúde da
lhecimento e morte, contrapondo estas à lógica capi- OMS, que em lugar de entender a saúde como mera
talista/utilitarista. Definem as configurações possí- ausência de doença, propõe sua compreensão como
veis para o processo de morrer e apontam possíveis bem-estar global da pessoa: bem-estar físico, mental
caminhos para a intervenção dos profissionais de e social.
saúde, tanto na elaboração do processo de luto, como Ao inserir reflexões sobre a espiritualidade e o
na efetiva opção pelo cuidado. Alertando para uma sofrimento psicológico e as preocupações existenciais
prática transprofissional e para a imperiosa mobili- do paciente com doença avançada, William Breitbart
dade da equipe para atuar conforme sua afinidade desenvolve o artigo “Espiritualidade e sentido em
com o paciente ou familiar, as autoras chegam ao cuidados paliativos”. Inicia fazendo a necessária dis-
ponto alto da reflexão quando, com base em Bleger tinção entre fé e sentido e apontando alternativas pa-
(1980), apontam que “essa dinâmica só acontece ra a abordagem ao paciente no final da vida. O autor
quando a equipe é um grupo que se faz figura sobre conclui que tratar os temas espirituais para os pa-
um fundo de solidariedade”. cientes no limite da vida deve ser uma prioridade no
“O paciente, a equipe de saúde e o cuidador: de oferecimento dos cuidados paliativos.
quem é a vida afinal? Um estudo acerca do morrer Tratando especificamente dos cuidados paliati-
com dignidade” é produto da pesquisa elaborada por vos aos pacientes com Aids, Maria Aparecida Telles
Ingrid Esslinger em sua tese de doutorado. A autora Guerra contextualiza, inicialmente, o advento da en-
inicia apontando questões sobre o prolongamento da fermidade e o desenvolvimento dos cuidados paliati-
vida e do prolongamento do processo de morte, uti- vos. Diante do limitado sucesso terapêutico apresen-
lizando conceitos como o de distanásia. Objetivando tado nesta conjuntura, a autora sublinha que os pro-
identificar a concepção de boa morte ou morte digna fissionais foram levados a se preocupar, sobremanei-
para os diferentes atores envolvidos neste processo, a ra, com o controle dos sintomas e os aspectos huma-
autora descreve sua metodologia de pesquisa e evi- nos e sociais adjacentes à epidemia. Assim, este de-
dencia um cenário de despreparo tanto pessoal quan- senvolvimento foi impulsionado diante da diversida-
to da formação profissional para o lidar com a mor- de sintomática em decorrência da incidência e coe-
te. Apontando os aspectos constitutivos de uma mor- xistência de múltiplas patologias associadas à Aids e
te digna para os seus entrevistados, a autora finaliza às questões sociais e culturais que se impunham.
propondo alguns elementos facilitadores da emer- Cibele Andrucioli de Mattos Pimenta desenvolve
gência de uma morte digna, sendo eles: a reavaliação o artigo “Dor oncológica: bases para avaliação e tra-
dos currículos de formação dos profissionais de saú- tamento”, no qual, partindo do conceito de “dor to-
de e a implantação de serviços de psicologia nas ins- tal”, propõe que as intervenções para o controle da
tituições hospitalares. dor compreendam, basicamente, o uso de medidas
Após definir o que são os Cuidados Paliativos farmacológicas, físicas e cognitivo-comportamentais,
desde sua origem até a definição atual da Organiza- discorrendo, detalhadamente, sobre as especificida-
ção Mundial de Saúde (OMS), Marie McCoughlan des de cada uma destas abordagens.
sinaliza que os cuidados paliativos têm um papel fun- O artigo de Maria Julia Paes da Silva sobre “Co-
damental desde o momento do diagnóstico de uma municação com pacientes fora de possibilidades tera-
doença incurável. A argumentação da autora sugere pêuticas” traz orientações bastante objetivas sobre es-
acrescentar à definição de Cuidados Paliativos da ta temática. Analisando elementos muito sutis e, por
OMS três elementos: compaixão, humildade e hones- vezes negligenciados pela equipe de saúde, apresenta
tidade. Além desses três elementos agrega-se, tam- o paciente como sujeito de seu processo de adoeci-
bém, a definição de equipe multidisciplinar na abor- mento, mesmo quando a morte está próxima.
dagem dos Cuidados Paliativos. Com a análise das questões de comunicação nos
Demarcando, inicialmente, algumas notas histó- programas de cuidados paliativos, Maria Julia Kovács
ricas sobre a origem e o desenvolvimento dos hospi- envereda pela reflexão sobre uma medicina autoritá-
ces, Leo Pessini, no artigo “A filosofia dos cuidados ria e na qual a escuta aos pacientes e familiares é se-
paliativos: uma resposta diante da obstinação tera- cundarizada em relação ao manejo das máquinas,
pêutica”, atenta para que muito além de um conceito “examinando ponteiros, instrumentos e monitores”,
geográfico, os hospices são uma filosofia de cuidados. para não ter de olhar nos olhos dos pacientes.
Nesse sentido, a medicina paliativa afirma a vida e re- Reconstruindo a história e a filosofia dos cuida-
conhece que o morrer é um processo normal do vi- dos paliativos no Brasil, Ana Geórgia Cavalcanti de
ver, não apressando nem adiando a morte, aliviando Melo analisa os princípios básicos da medicina palia-
a dor e outros sintomas angustiantes, oferecendo sis- tiva e os pré-requisitos para a implantação de unida-
temas de apoio tanto para pacientes como para fami- des de cuidados paliativos em nível nacional. Destaca
liares. Distinguindo o ethos da cura do ethos da aten- a criação da Associação Brasileira de Cuidados Palia-
ção, o autor reafirma a urgente e necessária concilia- tivos (ABCP) e lista os principais serviços de cuida-
ção destes dois aspectos para a moderna atenção à dos paliativos no país.
saúde. Quanto à relação médico-paciente no contex- Maria Helena Pereira Franco contribui com o ar-
to de final da vida, sublinha que esta circunstância tigo “Cuidados paliativos e o luto no contexto hospi-
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talar”, inserindo na discussão da terminalidade o luto zação e Cuidados Paliativos, em todas as análises não
vivenciado pela equipe profissional, definindo-o co- conseguimos discernir o que lhes separa, substanti-
mo um “luto legítimo”. vamente, do próprio processo de viver. A base argu-
Vicente Augusto de Carvalho fecha a obra com a mentativa fundamental é a busca incessante pela dig-
imprescindível análise sobre os Cuidados com o Cui- nidade humana; repertório que deveria acompanhar
dador. Associa diferentes exposições sofridas, como o a todos desde o mais remoto sinal de vida até a mor-
estresse derivado do permanente contato com a dor e te. Realçando a imprescindível incorporação dos as-
o sofrimento, condições hierárquicas nas instituições pectos subjetivos ao processo de adoecimento, ne-
de saúde e diferentes riscos ocupacionais, com dife- nhum dos artigos negligencia o rigor científico. Aliás,
rentes enfermidades adquiridas pelos profissionais a sua mais primorosa contribuição e, maior desafio
de saúde apontando alternativas objetivas para o en- aos profissionais de saúde, reside na convocação à
frentamento desta condição. transformação do Conhecimento Científico em verda-
Embora, com artigos que repetem, exaustiva- deira Sabedoria.
mente, a argumentação fundamental sobre Humani-

Pinheiro R & Mattos RA (orgs.). Cuidado: as frontei- pesquisas de campo, experiências na área de educa-
ras da integralidade. Hucitec-Abrasco, São Paulo-Rio ção e formação em saúde, entre outras. Para dar con-
de Janeiro, 2004, 320 p. ta dessa ampla gama de trabalhos, os artigos foram
agrupados de acordo com quatro temáticas.
Maria de Fátima Pinheiro da Silva Junqueira A primeira, intitulada Fragilidade Social, Espaços
Instituto Fernandes Figueira / Fiocruz Públicos e Novas Práticas de Cuidado em Saúde, se
debruça sobre as interseções entre a procura por cui-
No bojo das discussões sobre os caminhos e possíveis dado em saúde e a organização da sociedade civil.
destinos do atendimento público voltado para a saú- Nos sete artigos que compõem esta parte nos depara-
de no nosso país, o lançamento de uma coletânea de mos com construções teóricas, investigações e novas
artigos em que a temática do cuidado em saúde é am- práticas de cuidado em saúde.
plamente abordada não poderia ser de maior perti- No primeiro artigo, Madel T. Luz procura eluci-
nência e relevância. A discussão que envolve todo o dar a vulnerabilidade das populações e sua busca de
debate acerca da integralidade e suas fronteiras com atenção em saúde. Trabalha com a idéia de que, a
o cuidado é, em si, de grande valor para a Saúde Co- partir de uma crise ética do capitalismo, haveria uma
letiva, refletindo a preocupação com tudo que diz perda de valores tradicionais e o incremento de valo-
respeito à saúde da população brasileira. res da racionalidade de mercado. Esta perspectiva le-
O livro Cuidado: as fronteiras da integralidade, varia a um estado de instabilidade permanente, de
organizado por Roseni Pinheiro e Ruben Araújo de desamparo e isolamento e, conseqüentemente, de
Mattos, faz parte do esforço de pesquisadores com- adoecimento. As práticas em saúde surgiriam, então,
prometidos com a Saúde Coletiva que, há mais de como estratégias de ressignificação de vida, ao rein-
quatro anos, vêm se reunindo, discutindo e produ- serirem o contato físico e humano. A “saúde”, assim,
zindo material sobre o aspecto da integralidade em teria passado a ocupar o lugar capaz de repor valores
saúde, entendida aqui como uma prática social, isto perdidos, como a solidariedade.
é, uma construção que se dá no encontro entre dife- Nos próximos dois capítulos (de autoria de Ro-
rentes sujeitos. Esse é o terceiro volume de uma série, seni Pinheiro e Francine Lube Guizardi) são discuti-
sendo esta publicação dedicada ao tema do cuidado. dos resultados de pesquisas de campo tendo o cuida-
O cuidado em saúde diz respeito, entre outros fato- do como orientador e objeto da investigação. Quer
res, a uma relação usuário/profissional de saúde seja nas relações entre profissionais de saúde e usuá-
preocupada em incluir e escutar a subjetividade do rios ou na produção de outros saberes instituintes no
usuário, além é claro, de estar aliada ao atendimento espaço cotidiano, isto é, na produção de táticas e es-
das necessidades amplas de tecnologia. Em outros tratégias no dia-a-dia dos serviços de saúde, a busca
termos, embora apresentem diversas nuances e inter- pelo cuidado surge como capaz de impulsionar na
pretações, o cuidado aponta, basicamente, para um direção de inovações, em que os vínculos podem vir
tipo de relação que inclui o acolhimento, a visão e a a transformar a própria assistência fornecida pelo Es-
escuta do usuário num sentido mais global, em que o tado. Ainda se detendo sobre essas novas práticas em
sujeito emerge em sua especificidade, mas também saúde, há dois trabalhos (um de Felipe R. S. Machado
como pertencente a um determinado contexto socio- juntamente com as duas autoras acima citadas e ou-
cultural do qual não pode ser alijado. tro de Alda Lacerda e Victor V. Valla) que se destinam
Esta coletânea tem como maior mérito apresen- a abordar as chamadas terapêuticas “alternativas”
tar a questão do cuidado em suas interfaces com a in- (homeopatia, acupuntura, além de grupos de apoio
tegralidade sob diversos prismas. Para tal, ao longo como de hipertensos etc.) e sua inserção nos servi-
dos artigos encontramos discussões mais conceituais, ços, terapêuticas essas que possam aliviar o sofrimen-

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