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059/2014-0
RELATÓRIO
“(...)
[v. peça 85, p. 4-6 – Lista de Siglas, Lista de Figuras, Lista de Tabelas, Lista de Quadros e Sumário]
(...)
1 Introdução
1.1 Antecedentes
1. Trata-se de auditoria operacional destinada a examinar aspectos de governança do
Programa de Investimentos em Logística – Ferrovias (PIL Ferrovias).
2. A auditoria subsidiará o Parecer Prévio sobre as Contas de Governo relativas ao
exercício de 2014, mediante a análise da governança em políticas públicas de alta relevância para o
desenvolvimento socioeconômico, entre elas, as do setor de infraestrutura de transportes, consoante
determinado no Acórdão 3.682/2013-TCU-Plenário. De acordo com o voto condutor do supracitado
acórdão, as análises deverão estar focadas na qualidade dos serviços e na competitividade da
produção nacional.
3. O trabalho foi conduzido de acordo com o Referencial para Avaliação da Governança em
Políticas Públicas do TCU (2014), que apresenta um modelo para avaliação da governança em
políticas públicas composto por oito componentes, dos quais foram analisados dois:
‘institucionalização’ e ‘planos e objetivos’.
1.2 Objetivos e escopo da auditoria
4. O setor de infraestrutura de transportes brasileiro é composto por seis modos: rodoviário,
hidroviário, ferroviário, marítimo, aéreo e dutoviário. Diante da amplitude do tema e da diversidade
de atores envolvidos, fez-se necessário reduzir o escopo de auditoria, de forma a realizar um trabalho
mais profundo e consistente.
5. A partir da análise das políticas de infraestrutura de transporte estabelecidas no PPA
2012-2015 e do Relatório de Gestão do Ministério dos Transportes referente ao exercício de 2013,
verificou-se que o Governo Federal elaborou três estratégias para desenvolver o setor de transportes
brasileiro:
a) Plano Hidroviário Estratégico (PHE) – contempla propostas de caráter institucional e
intervenções em infraestrutura para aumentar a participação do modo hidroviário;
b) Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – voltado para o planejamento e
execução de grandes obras de infraestrutura; e
c) Programa de Investimento em Logística (PIL) – voltado para o desenvolvimento da
infraestrutura de transportes rodoviário, ferroviário, portuário e aeroportuário em parceria com o
setor privado, por meio de concessões.
6. O Relatório de Gestão também destaca como um dos principais objetivos estratégicos do
Ministério dos Transportes (MT) ‘estimular a participação dos modos hidroviário e ferroviário, com
maior utilização da intermodalidade’.
7. Com base nas informações obtidas preliminarmente, os três programas foram
confrontados. A partir dos critérios estabelecidos no Manual de Auditoria Operacional do TCU, e
levando-se em consideração a necessidade de uma abordagem voltada para a qualidade dos serviços
públicos e para a competitividade da produção brasileira, definiu-se como escopo da auditoria o PIL
Ferrovias e, subsidiariamente, o novo modelo de operação da malha ferroviária nacional.
8. Em relação aos demais, o programa apresenta maior materialidade (R$ 99,6 bilhões),
maior relevância (percepção dos gestores, especialistas e usuários) e maior capacidade de agregar
valor, isto é, maior possibilidade de contribuir para a melhoria de uma política pública efetivamente
em curso.
9. O Programa de Investimento em Logística: Ferrovias (PIL Ferrovias), lançado em agosto
de 2012 pelo Governo Federal, trata-se de uma política pública de infraestrutura de transportes que
visa ao aumento da participação do modo ferroviário na matriz de transportes brasileira, por meio da
expansão da malha de ferrovias no país. O programa contempla a construção de novos trechos
ferroviários e a modernização de alguns dos já existentes, num total de, aproximadamente, 11 mil
quilômetros de linhas férreas, mediante concessão.
10. O novo modelo de operação do setor ferroviário proposto baseia-se, essencialmente, em
dois pilares estruturantes: a segregação vertical da rede (vertical unbundling) e a adoção da política
de livre acesso (open access). A segregação vertical da rede separa as atividades de construção,
manutenção e exploração da infraestrutura da prestação do serviço de transporte ferroviário. Já a
política de livre acesso objetiva estimular a competição entre os operadores independentes, na
prestação de serviços de transporte sobre trilhos.
11. Nesse sentido, considerando a relevância do tema para o desenvolvimento nacional e a
importância da melhoria da governança de políticas públicas para o crescimento econômico aliado à
qualidade do serviço público prestado, a presente auditoria avaliou dois componentes de governança
de políticas públicas: ‘institucionalização’ e ‘planos e objetivos', de modo a verificar o contexto e a
forma pela qual a política pública é formulada, implementada e avaliada, mediante as questões de
auditoria apresentadas na figura a seguir.
1.3 Metodologia
12. Os trabalhos foram realizados em conformidade com as Normas de Auditoria do Tribunal
de Contas da União e com observância ao Manual de Auditoria Operacional e ao Referencial para
Avaliação de Governança em Políticas Públicas, desenvolvidos pelo TCU.
13. Na fase de planejamento foram realizadas, primeiramente, pesquisas na legislação, na
bibliografia e em artigos ou trabalhos técnicos publicados na imprensa ou disponíveis na internet. A
partir desta análise inicial pôde-se definir claramente o escopo desta auditoria, o qual foi validado em
reunião com as unidades técnicas do TCU envolvidas no trabalho. A seguir foram feitas entrevistas
com gestores e técnicos do Ministério dos Transportes, da Agência Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT), da Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. (Valec), da Empresa de
Planejamento e Logística S.A. (EPL) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), e também com especialistas, acadêmicos e usuários do setor ferroviário.
14. Com base nas informações coletadas, foram elaborados alguns instrumentos de
diagnóstico, como matriz Strengths/Weaknesses/Opportunities/Threats (SWOT), Diagrama de
Verificação de Risco (DVR) e Diagrama de Ishikawa. O resultado da análise propiciada pela SWOT
e pela DVR foi apresentado ao MT, à ANTT, à Valec e à EPL, a fim de validar as informações
constantes nos instrumentos elaborados.
15. A partir dos métodos e técnicas utilizados, foi elaborada a matriz de planejamento
contendo duas questões de auditoria, correspondentes aos dois elementos de governança em políticas
públicas analisados.
16. Para validação da matriz de planejamento, a equipe de auditoria realizou painel de
referência interno, com representantes das unidades técnicas do TCU participantes do trabalho, e
painel de referência externo, com especialistas e gestores envolvidos no PIL Ferrovias.
17. Ainda no planejamento, a equipe elaborou a matriz de critérios para avaliação dos
componentes de governança selecionados, a partir de normas legais e infralegais, análise de
bibliografia especializada, bem como de boas práticas de gestão e governança.
18. Durante o trabalho a equipe de auditoria contou com o apoio da Secretaria de Métodos e
Suporte ao Controle Externo (Semec), em conjunto com a Secretaria de Macroavaliação
Governamental (Semag) e com a Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado
(SecexAdmin) para questões ligadas ao Referencial para Avaliação de Governança em Políticas
Públicas do TCU.
19. Na fase de execução da auditoria a equipe enviou ofícios de requisição aos órgãos e
entidades envolvidos no PIL Ferrovias, bem como realizou novas entrevistas in loco, a fim de obter as
informações necessárias para a avaliação da governança do programa. A partir da análise das
respostas e informações recebidas, elaborou-se a matriz de achados e realizou-se painel de referência
interno, com unidades técnicas do TCU, e externo, com os entes envolvidos no PIL Ferrovias, de
forma a validar o trabalho realizado.
20. Por fim, foi elaborado relatório preliminar de auditoria, encaminhado aos gestores para
comentários. O presente relatório de auditória contém, portanto, a consolidação dos comentários
recebidos.
1.4 Critérios
21. Com relação às competências e atribuições dos atores envolvidos no PIL Ferrovias, os
principais critérios legais e normativos utilizados foram:
Fonte CNT/COPPEAD
41. Além da baixa extensão de ferrovias, cerca de dois terços da malha ferroviária brasileira
não são explorados. (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, 2013).
42. Outra característica a ser considerada neste tipo de comparação é a velocidade média de
operação dos trens brasileiros. Segundo dados do Ministério dos Transportes (2013), a velocidade
média do transporte ferroviário é baixa, em torno de 25 km/h, o que restringe a sua capacidade e
eleva os custos de operação. Um dos fatores que restringem a velocidade é a existência de gargalos
físicos. Uma pesquisa recente desenvolvida pela CNT apontou a existência de mais de 355 invasões de
faixa de domínio. Outro entrave identificado pela pesquisa, foi o excesso de passagens de nível, que
além de reduzirem a agilidade do serviço, elevam o risco de acidentes (CNT, 2013).
malha da RFFSA foi concedida. As licitações ocorreram entre 1996 e 1998 e utilizaram como critério
o maior valor de outorga. Foi adotado o período de concessão de trinta anos, prorrogáveis por mais
trinta (CNT, 2013).
54. O processo de concessão da malha ferroviária foi realizado com base na Lei 8.987/1995.
A estrutura organizacional escolhida pelo governo federal para a realização das concessões no Brasil
foi segundo o modelo vertical, ou seja, a empresa responsável pela concessão controla ao mesmo
tempo a infraestrutura, a operação e a comercialização dos serviços de transporte ferroviário em uma
determinada região (CNT, 2013).
55. De acordo com (PINHEIRO, 2014), o processo de reforma regulatória e privatização do
setor ferroviário foi bem sucedido em seus objetivos ao elevar a produção ferroviária, o investimento
e a segurança de transporte do setor. Corroborando neste sentido, a Confederação Nacional dos
Transportes (2013) pondera que as concessões ferroviárias trouxeram diversos ganhos para a
estrutura logística e economia nacional, tais como o ‘recolhimento de mais de R$ 1,7 bilhão para
União com os leilões na década de 1990, seguido pela desoneração dos cofres públicos que o setor
apresentava’.
56. No entanto, alguns aspectos de modelo de operação vigente são criticados pelos
especialistas do setor. Em nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2012),
intitulada ‘Considerações sobre os marcos regulatórios do setor ferroviário brasileiro – 1997-2012’,
os autores afirmam que apesar dos significativos avanços, o modelo de regulamentação econômica
preconizado nos contratos apresentou pontos falhos, por ‘não estimular um maior nível de
investimentos, não propiciar melhor utilização da malha ferroviária em toda a sua extensão e por não
permitir maior concorrência entre os concessionários (...)’.
57. A Mensagem Presidencial do PPA 2012-2015, divulgada em 2011, apresenta uma crítica à
falta de concorrência propiciada pelo modelo atual, ao afirmar que: ‘outra vantagem competitiva do
modal ferroviário está no custo de frete mais baixo que o rodoviário, mas devido à fragmentação dos
trechos geridos por diferentes operadores, não há concorrência entre eles’. Diante de tal cenário, o
planejamento governamental, expresso no PPA, já adiantava a mudança de modelo: ‘no intuito de
aumentar a competividade no transporte ferroviário, está sendo proposto um novo modelo para as
concessões, visando a entrada de novos usuários e a redução no custo do frete’.
58. Segundo (PINHEIRO, 2014), reagindo ao diagnóstico de falhas no modelo vigente, o
Governo Federal deu início em 2011 a uma significativa reforma regulatória, dando partida no que se
poderia classificar como o quarto ciclo do setor ferroviário brasileiro. Segundo o autor, o primeiro
passo dessa reforma envolveu a criação de três Resoluções pela ANTT. O segundo passo, foi uma
ampla revisão tarifária. E o terceiro passo, foi o anúncio do PIL Ferrovias, tema que será abordado
neste trabalho.
2.5 Aspectos relevantes sobre o PIL Ferrovias
2.5.1 Informações gerais a respeito do programa
59. Em agosto de 2012, o Governo Federal brasileiro lançou o Programa de Investimentos em
Logística (PIL), com o objetivo de ampliar os investimentos públicos e privados em infraestrutura
rodoviária e ferroviária, cujo montante total inicialmente previsto era de R$ 133 bilhões.
60. De acordo com a Valec, a vertente do PIL para o setor ferroviário, denominada PIL
Ferrovias visa equilibrar a matriz de transporte, impulsionando o modo ferroviário, privilegiando a
universalização do acesso por usuários diversos e a modicidade tarifária. Segundo a estatal, o
programa pretende romper monopólios na oferta de serviços ferroviários. (peça 45).
61. Apenas para o setor ferroviário, por meio de um novo modelo de operação, foram
estimados, no momento de lançamento do programa, investimentos na ordem de R$ 91 bilhões para
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ANTT
Formulação da
Autarquias
política setorial
DNIT
Ministério dos
Transportes
EPL
Empresas
CONIT Públicas
VALEC
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logística no país, interligando rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias. Sua criação foi
anunciada junto com o lançamento do PIL.
68. A ANTT, criada em 2001 pela Lei 10.233, é a autarquia responsável pela regulação das
atividades de exploração da infraestrutura ferroviária e rodoviária federal e de prestação de serviços
de transporte terrestre.
69. Por fim, a Valec é uma empresa pública vinculada ao Ministério dos Transportes, nos
termos previstos na Lei 11.772/2008. A sua função social é a construção e exploração de
infraestrutura ferroviária. Até 2012, a Valec tinha como principal responsabilidade apenas a
construção de ferrovias. Porém, com o novo modelo de concessão suas competências foram
ampliadas. No decorrer desta visão geral, serão dados maiores detalhes sobre a atuação da empresa.
2.5.3 O Novo Modelo de Concessão e Operação
70. A principal inovação do PIL Ferrovias foi a alteração significativa no modelo de
concessão e operação. De acordo com a Confederação Nacional de Transportes (CNT, 2013), ‘o
modelo apresentado pelo governo federal é significativamente mais complexo que o atualmente em
vigor no país’.
71. Em oposição ao modelo de operação vigente, o novo modelo ferroviário proposto baseia-
se, essencialmente, em dois pilares estruturantes: a segregação vertical da rede (vertical unbundling)
e a adoção da política de livre acesso (open access):
A segregação vertical da rede (vertical unbundling) separa a prestação do serviço de transporte
ferroviário – serviço público - da atividade de construção, manutenção e exploração da
infraestrutura ferroviária – patrimônio público.
A adoção da política de livre acesso (open access) visa a permitir a competição entre os
operadores independentes, na prestação de serviços de transporte sobre trilhos, concebidos como
de uso comum, em vista da modicidade tarifária, com o objetivo de evitar o monopólio da linha
por um único transportador. Com isso, várias empresas transportadoras, detentoras de
equipamento ferroviário, poderão, simultaneamente, desenvolver atividades de transporte, na
mesma linha férrea (Voto condutor do Acórdão 3697/2013-TCU-Plenário).
72. Uma das críticas ao modelo anterior era a dificuldade de compartilhamento da rede
ferroviária pelas diferentes concessionárias. Com vistas a equacionar esse problema, o novo modelo
emprega o conceito de ‘open access’ nos trechos concedidos do PIL Ferrovias, garantindo acesso dos
diferentes operadores logísticos à rede ferroviária. Esse modelo visa segregar a rede, de forma que
operadores independentes possam competir entre si sobre uma infraestrutura comum.
73. Outro aspecto inovador no novo modelo de operação proposto pela ANTT diz respeito à
alocação do risco de demanda, cuja responsabilidade, no modelo verticalizado, é do concessionário.
No novo modelo, esse risco será afastado do concessionário por meio da compra integral de toda a
capacidade operacional da ferrovia por parte da Valec. Em contrapartida, o novo modelo eliminaria
o risco de engenharia do Governo Federal, ao delegar a construção da linha férrea ao setor privado.
74. Observa-se que a Valec arcará com o ônus de remunerar a concessionária pelo capital
investido e pelos custos fixos incorridos, independentemente das condições reais de demanda. O
modelo de concessão também prevê que, durante o período de obras, a Valec antecipará o valor
equivalente a 15% do total dos investimentos em bens de capital (Capex) que será abatido
linearmente durante o período de operação da ferrovia.
75. No contexto do novo modelo, portanto, a Valec assumirá um papel de suma relevância.
Segundo Pinheiro (2014), o fato da Valec assumir o risco de demanda ao pagar pelo uso de toda a
capacidade da ferrovia, mesmo que parte fique ociosa, é também uma forma de subsidiar a tarifa de
transporte.
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90. Posteriormente, foram incluídos dois novos trechos no PIL Ferrovias, a saber: o trecho
Sinop a Miritituba (distrito de Itaituba/PA) e o trecho Sapezal a Porto Velho. A figura a seguir mostra
a lista dos lotes de concessão atualizados.
Figura 11 - Trechos atuais do PIL
Fonte: ANTT
91. Com o propósito de iniciar os processos concessórios correspondentes, o Governo Federal
optou por realizar Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) para alguns trechos. Para tanto,
foram elaborados seis editais de chamamento público de estudos, para os seguintes trechos: (i)
Açailândia (MA) a Barcarena (PA); (ii) Anápolis (GO) a Corinto (MG); (iii) Belo Horizonte (MG) a
Guanambi (BA); (iv) Estrela D`oeste (SP) a Dourados (MS); (v) Sapezal (MT) a Porto Velho (RO);
(vi) Sinop (MT) a Miritituba (PA).
92. A partir da visão geral e da descrição das principais características regulatórias e
técnicas do PIL Ferrovias, os capítulos seguintes trazem as principais constatações e oportunidades
de melhoria detectados na governança do programa, adotando-se como foco dessa avaliação os
aspectos relativos à sua ‘institucionalização’ e seus ‘planos e objetivos’.
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3 Achados
94. Neste capítulo são apresentados os achados de auditoria identificados pela equipe. O
trabalho avaliou aspectos de governança do PIL Ferrovias, especificamente no que se refere à
institucionalização e aos planos e objetivos do programa.
95. No que tange à institucionalização, verificou-se que o PIL Ferrovias e o seu modelo de
operação apresentam baixo grau de institucionalização formal dos atos.
96. Quanto aos aspectos de planejamento, observou-se que o programa não possui metas e
indicadores que permitam avaliar sua eficiência e efetividade. A auditoria também identificou
precariedade no planejamento do programa, especialmente no que se refere à ausência de critérios
objetivos que justifiquem a escolha do modelo de operação e a seleção e priorização dos trechos a
serem concedidos e à fragilidade no planejamento integrado do PIL Ferrovias com a malha
ferroviária existente e com os demais modos de transporte.
3.1 O PIL Ferrovias e o seu modelo de operação apresentam baixo grau de institucionalização formal
dos atos
97. A ausência de formalização no processo de tomada de decisões e na distribuição de
responsabilidades entre as entidades federais envolvidas denotam a baixa institucionalização do PIL
Ferrovias.
98. Foi constatado que não há registro das principais decisões relativas ao PIL Ferrovias. Os
fundamentos técnicos e discussões que subsidiaram alguns dos processos decisórios mais relevantes
do Programa não foram explicitados em registros, estudos técnicos, pareceres, atas de reuniões ou
quaisquer outros instrumentos formais. Esses processos decisórios referem-se à escolha do modelo de
operação, escolha e priorização dos trechos a serem concedidos, adoção da PMI como mecanismo de
obtenção dos estudos de engenharia, e modelagem tarifária baseada na compra e venda da
capacidade operacional pela Valec.
99. Além disso, a política não apresenta nenhum documento formal que contenha a definição
das competências e atribuições dos órgãos envolvidos, bem como as fases para sua implantação, com
a sequência e delimitação de ações ao longo do tempo.
100. A bibliografia especializada preceitua que políticas públicas formalmente
institucionalizadas possuem um maior grau de governança, possibilitando que metas, objetivos e
prioridades estejam disponíveis claramente para os gestores envolvidos na rede da política pública,
implicando em um menor gasto de recursos, tempo e energia na formação de consensos sobre os
elementos fundamentais da política (CALMON, 2013; PROCOPIUCK, 2013).
101. Com efeito, uma política pública jurídica e oficialmente formalizada, com o
estabelecimento de normas, padrões, procedimentos que definam claramente as arenas decisórias, a
divisão de competências e as atribuições dos atores envolvidos, bem como com a institucionalização
formal dos processos decisórios representam boas práticas de governança em políticas públicas
(CALMON, 2013). Por outro lado, a inexistência de políticas públicas formais fragiliza, por exemplo,
a constituição de arcabouços legais para a sua sustentação e a definição segura das fontes de
recursos a serem alocados (PROCOPIUCK, 2013).
102. Ainda conforme preceitua a bibliografia especializada sobre políticas públicas, deve haver
uma definição clara e formal das competências e atribuições das principais partes interessadas
envolvidas na política pública, por meio de uma matriz de responsabilidades, de forma que seja
possível a identificação das responsabilidades, direitos e deveres de cada um (CALMON, 2013;
CIPFA, 2004).
103. Segundo o CIPFA (2004), uma das diretrizes para se ter uma boa governança é a
definição clara das funções das organizações e das responsabilidades dos envolvidos. Para tanto,
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125. De acordo com Dias (2012), o estabelecimento de prioridades, objetivos e metas a serem
alcançados constitui espinha dorsal de uma política pública, e sinaliza a todos quais são os
parâmetros pelos quais se orientar.
126. O Green Book (2011) apresenta várias orientações quanto à análise de programas e
políticas públicas e à definição de suas metas, as quais devem atender a diversos aspectos,
sintetizados na sigla inglesa SMART (Specific, Measurable, Achievable, Relevante, Time-boud). Ou
seja, a meta deve ser específica, mensurável, realizável, relevante e com tempo determinado.
127. A política pública deve apresentar diretrizes, objetivos e metas. A existência de metas e
objetivos bem definidos está diretamente relacionada com a possibilidade de av aliação futura da
política, que é um processo conduzido antes, durante e/ou depois da implementação da política, em
que se efetua um juízo sobre seu valor ou mérito considerando: a relevância dos objetivos e
estratégias, a eficácia (ou efetividade) no alcance dos objetivos e metas esperados, a eficiência no uso
de recursos, o impacto e a sustentabilidade da intervenção.
128. Dessa forma, a avaliação trata, entre outras coisas, de comparar a consecução das metas
alcançadas com as estabelecidas, identificando as razões de sucesso e insucesso e determinar a
eficiência econômica do programa (BUNIVICH, 1999).
129. Além disso, conquanto a política pública possa ser construída em linha com orientações
amplas e até certo ponto genéricas, é necessária a sua tradução em metas precisas e objetivamente
caracterizadas, que concorram para a consecução dos propósitos mais gerais. Conforme ressalta
Peters (2012), é necessário que os objetivos sejam precisos o suficiente para permitir uma delimitação
nítida do campo de atuação e, por conseguinte, para orientar as ações governamentais e assegurar a
transparência sobre metas e resultados.
130. Some-se, por fim, o fato de que é uma boa prática de governança de políticas públicas o
estabelecimento, de comum acordo, de objetivos coerentes e alinhados entre todas as organizações
envolvidas na implementação da estratégia, para que os resultados esperados possam ser alcançados
(BRASIL, 2013), bem como a explicitação do estágio de referência inicial, ou seja, da linha de base
(ou ‘marco zero’) que servirá de subsídio para a avaliação do resultado da intervenção pública
(MOURA, 2013).
131. Foi constatado, a partir das informações disponibilizadas em sítios eletrônicos do
Ministério dos Transportes e da EPL, da resposta aos ofícios de requisição enviados pela equipe de
auditoria e de documentos existentes sobre o programa, da apresentação feita pela equipe técnica do
Ministério dos Transportes, bem como das entrevistas realizadas pela equipe de auditoria, que o PIL
Ferrovias não apresenta metas que quantifiquem os objetivos pretendidos.
132. Questionado sobre a existência de quaisquer documentos institucionais que consolidem as
metas do programa, o Ministério dos Transportes não soube informar sobre a existência de metas do
programa, limitando-se a afirmar que o PIL Ferrovias está contido no Programa de Transporte
Ferroviário, presente no PPA (peça 43).
133. Verificou-se, entretanto, que no PPA, em relação ao modo de transporte ferroviário
(Objetivos 0141 a 0145), não há qualquer objetivo específico ligado à alteração do modelo de
concessões ferroviárias, ou relacionado à ampliação da malha ferroviária concedida à iniciativa
privada.
134. Além disso, o objetivo 0141 do PPA (‘Ampliar o sistema ferroviário nacional em bitola de
maior capacidade, de forma integrada com os demais modos de transporte’) apresentam metas para
‘expandir em 4.546 km a malha ferroviária do país’ e ‘Realizar estudos de implantação de 8.651 km
da malha ferroviária do país’.
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135. Por outro lado, os objetivos declarados do PIL Ferrovias pelo Ministério dos Transportes
em sua apresentação inicial são:
a) resgatar as ferrovias como alternativa de logística;
b) quebrar o monopólio na oferta de serviços ferroviários; e
c) reduzir as tarifas do transporte ferroviário.
136. Vê-se, assim, que os objetivos do PIL Ferrovias vão muito além dos objetivos do PPA e as
metas previstas no instrumento de planejamento orçamentário não se prestam a quantificação dos
objetivos do PIL Ferrovias.
137. Por fim, questionou-se, por meio de ofício de requisição, a existência de indicadores de
desempenho adotados para avaliar a eficácia e efetividade do programa.
138. Na resposta do Ministério dos Transportes, constatou-se que os indicadores formulados
são apenas de eficácia (‘quilômetros de ferrovias concedidas’ e ‘valor do investimento privado’), não
buscando aferir a efetividade ou eficiência do PIL Ferrovias (peça 43).
139. Também não foi explicitado o estágio de referência inicial do programa, ou seja, da linha
de base (ou ‘marco zero’) que servirá de subsídio para a avaliação do resultado da intervenção
pública.
140. Questionado acerca da existência da expectativa de redução do custo logístico a ser
alcançado com o PIL Ferrovias bem como da estimativa de aumento da participação do modal
ferroviário na matriz de transportes, o Ministério dos Transportes não soube informar qual será o
montante de redução esperado, limitando-se a afirmar que a EPL está elaborando o PNLI por meio
do qual irá identificar os custos logísticos por modo de transporte (peça 43).
141. No entanto, o PNLI é um instrumento posterior ao lançamento do PIL Ferrovias e não
pode servir de ferramenta de seu planejamento, já que a expectativa de redução de custo logístico já
deveria estar conhecida na fase de elaboração da política.
142. A partir de Benchmark internacional feito com base na literatura sobre os principais
indicadores de desempenho empregados nos modos de transportes, constata-se o emprego de
indicadores de eficiência e efetividade na medição do desempenho de ferrovias, em aspectos
relacionados à acessibilidade e qualidade do serviço e ao impacto desses serviços na economia
(BANCO MUNDIAL, 2004; EUROPEAN COMISSION, 2007). A análise comparativa permite
apresentar um panorama geral dos indicadores utilizados no programa, indicando, a título
exemplificativo, possíveis indicadores que poderiam estar presentes na política, a fim de medir sua
eficiência e efetividade:
Tabela 2. Indicadores do PIL Ferrovias
Indicadores existentes no PIL Indicadores possíveis (exemplos) Tipo de Indicador
Ferrovias
Quilômetros de ferrovias - Eficácia
concedidas
Valor do investimento privado - Eficácia
- Valor da redução do custo logístico alcançada em Eficiência
função do investimento realizado (R$/ton-km)
- Tarifa de transporte em função do aumento de Eficiência
capacidade (R$/ton-km)
- Aumento do percentual de participação do modo Efetividade
ferroviário na matriz de transporte
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como dos custos e subsídios necessários para sua implantação e operação, ao contrário do
recomendado pelas referências consultadas.
153. O Green Book (2011) afirma que nenhuma política ou programa deveria ser adotada sem
antes ter respondido duas questões: ‘existem melhores meios de alcançar este objetivo?’ e ‘existem
melhores usos para estes recursos?’. O guia enfatiza a necessidade do governo avaliar de forma
abrangente os custos e os benefícios das propostas, assegurando, assim, o uso adequado dos recursos
públicos.
154. Outro ponto importante é a necessidade de motivar os atos. O princípio da motivação,
princípio implícito na Constituição Federal e explícito na Lei 9.784/1999, consiste na exposição dos
elementos que ensejaram a prática do ato administrativo, mais especificamente com a indicação de
seus pressupostos fáticos e jurídicos, bem como a justificação do processo de tomada de decisão
155. É também de se ressaltar que a formalização da fundamentação do ato administrativo
deve ser clara, congruente e suficiente, sob pena de o ato administrativo praticado não ser dotado de
legitimidade, já que o Estado tem dever de transparência perante o povo (VIEIRA DE ANDRADE,
2003; SUNDFELD, 2006).
156. Sobre o tema, Celso Antônio Bandeira de Mello defende que na motivação deverão ser
enunciados ‘a) a regra de Direito habilitante, b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e,
muitas vezes, obrigatoriamente, c) [...] a relação de pertinência lógica entre os fatos ocorridos e o
praticado’ (BANDEIRA DE MELLO, 1999, p. 343).
157. Sob certa ótica, a motivação pode ser considerada uma garantia do Estado Democrático
de Direito, pois possibilita que o cidadão conheça as razões e motivos que subsidiam a prática de um
ato administrativo.
158. O Estado Democrático de Direito se caracteriza, pois, como algo a mais do que a mera
observância dos postulados legais por parte dos poderes constituídos. Constitui-se, em verdade, em
um Estado que busca a realização de determinados valores previstos no texto de sua Constituição.
Além da submissão à lei, deve haver submissão à vontade popular, real detentora do poder (NOJIRI,
2000, p. 58).
159. Para parte da doutrina, a motivação é um instrumento indispensável na distinção entre o
ato discricionário e o ato arbitrário, bem como favorece o atendimento ao Princípio da Supremacia
do Interesse Público.
160. A motivação permite que o administrado identifique a existência dos motivos, sua
correspondência com a realidade, sua destinação a uma finalidade pública etc., dentre outras
inúmeras circunstâncias exigidas pela ordem jurídica que, desobedecidas, podem conduzir à
responsabilidade do agente ou da pessoa jurídica’ (PIRES, 2001, p. 90 apud PESSOA, 2006).
161. Em consonância com o princípio da motivação, o art. 37 do Decreto 4.176/2002, que
estabelece normas e diretrizes para a elaboração, a redação, a alteração, a consolidação e o
encaminhamento ao presidente da República de projetos de atos normativos de competência dos
órgãos do Poder Executivo Federal, determina que as propostas de projeto de ato normativo
encaminhadas à Casa Civil mediante exposição de motivos do titular do órgão proponente devem
conter notas explicativas e justificativas da proposição. A exposição de motivos deverá, segundo os
incisos I e II do art. 38, justificar e fundamentar a edição do ato normativo, e explicitar a razão do ato
proposto ser o melhor instrumento normativo para disciplinar a matéria.
162. O Anexo I do supracitado Decreto apresenta uma lista de questões que devem ser
analisadas na elaboração de atos normativos no âmbito do Poder Executivo. Dentre os diversos itens,
destacam-se os itens 2 e 12, que abordam questões ligadas à avaliação de alternativas e à relação
entre custos e benefícios, respectivamente.
24
163. Em uma decisão tão complexa quanto à escolha do novo modelo de operação a ser
aplicado nos contratos de concessão ferroviária, a realização de estudos técnicos bem fundamentados
que avaliem as alternativas regulatórias possíveis e a relação entre os custos e benefícios aplicados,
além de estar previsto no Decreto 4.176/2002, é um fator essencial para motivar adequadamente a
escolha regulatória realizada. Convém destacar que, nesse caso específico, uma escolha equivocada
terá impacto por um longo período de tempo, entre 30 e 35 anos, e poderá causar grave dano ao país.
164. No que se refere à elaboração de estudos técnicos, o art. 17 do Decreto 7.717/2012
declara que, no âmbito das atribuições do MT, compete ao Departamento de Concessões, entre
outros, promover estudos técnicos e econômicos sobre concessões no setor de transportes (grifo
nosso).
165. Segundo o art. 24 da Lei 10.233/2001, cabe à ANTT, entre outras atribuições, promover
estudos aplicados às definições de tarifas, preços e fretes, em confronto com os custos e os benefícios
econômicos transferidos aos usuários pelos investimentos realizados.
166. Destaque-se a competência da EPL, prevista no art. 5º, inciso XI, da Lei 12.404/2011, de
elaborar estudos de curto, médio e longo prazo, necessários ao desenvolvimento de planos de
expansão da infraestrutura dos setores de logística e transporte.
167. Por fim, em relação à avaliação de custos e benefícios, a OCDE recomenda o
compromisso no mais alto nível político com uma política explícita de qualidade regulatória para o
governo como um todo. A política deve ter objetivos claros e estruturas para a implementação que
assegurem que, se a regulação for usada, os benefícios econômicos, sociais e ambientais justifiquem
os custos, os efeitos distributivos sejam considerados e os benefícios líquidos maximizados. (OCDE,
2012).
168. De acordo com o art. 1° do Decreto 8.129/2013, que instituiu a política de livre acesso ao
Subsistema Ferroviário Federal, as concessões de infraestrutura ferroviária serão outorgadas
conforme as seguintes diretrizes:
I - separação entre as outorgas para exploração da infraestrutura ferroviária e para a prestação
de serviços de transporte ferroviário;
II - garantia de acesso aos usuários e operadores ferroviários a toda malha integrante do
Subsistema Ferroviário Federal;
III - remuneração dos custos fixos e variáveis da concessão para exploração da infraestrutura; e
IV - gerenciamento da capacidade de transporte do Subsistema Ferroviário Federal pela Valec -
Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., inclusive mediante a comercialização da capacidade
operacional de ferrovias, próprias ou de terceiros.
169. Observa-se, assim, que o Decreto instituiu um novo modelo de operação para os futuros
contratos de concessão ferroviária. Considerando que nas concessões atuais não há separação entre o
concessionário da infraestrutura ferroviária e o prestador de serviços de transporte ferroviário, o
modelo proposto pelo Decreto estabelece no Brasil um cenário híbrido, com a existência concomitante
dos dois modelos regulatórios.
170. Questionado sobre o processo de tomada de decisão da adoção do modelo para os novos
contratos de concessão ferroviária, o MT afirmou que:
Não se pode falar em um momento único para a definição do modelo, pois houve diversas ações e
decisões que contribuíram até que o mesmo fosse por fim adotado. São exemplos: as discussões
ocorridas no âmbito do Governo para a adoção de medidas com objetivo de ampliar a
interpenetração entre os concessionários atuais; as avaliações ligadas a escolha do modelo de
exploração dos trechos ferroviários em execução pela Valec; e mesmo os debates no âmbito da
25
ANTT que subsidiaram a publicação das Resoluções ANTT n° 3.694, n° 3.695 e n° 3.696, em 2011
(peça 43, p.10).
171. O Ministério citou ainda problemas relacionados ao modelo vertical adotado atualmente,
a literatura internacional sobre os diferentes modelos aplicáveis ao setor ferroviário e discussão
sobre o open access em outros setores de infraestrutura (peça 43, p.10).
172. Segundo o MT, na Exposição de Motivos vinculada à Medida Provisória 576/2012, pode
se observar argumentação relativa ao modelo:
Estas alterações visam aperfeiçoar e integrar as ações que vem sendo empreendidas nos diversos
modais de transporte, aprimorar a sistemática de planejamento do setor, e, sobretudo, inaugurar
nova modalidade de operação de transporte ferroviário cargas no País, que dissociado da
exploração da infraestrutura, permitirá maior competição e ampliação da oferta nesse segmento
com a esperada redução de custos e aumento da eficiência logística.
173. Destaque-se que a Medida Provisória 576/2012, posteriormente convertida na Lei
12.743/2012, alterou a Lei 10.233/2001, estabelecendo a figura do operador ferroviário independente
e definindo que o transporte ferroviário de cargas não associado à exploração da infraestrutura
ferroviária, deve ser realizado mediante autorização.
174. Assim, temos que embora as inovações da Lei 10.233/2001 tenham ampliado as
possibilidades de exploração ferroviária, as diretrizes da política de livre acesso ao Subsistema
Ferroviário Federal só foram definidas com a publicação do Decreto 8.129/2013. A exposição de
motivos apresentada pelo MT, portanto, não contempla todos os aspectos do novo modelo de
operação ferroviária. A ausência de risco de demanda para o concessionário, por exemplo, não é
mencionada na Lei e foi instituída por meio do citado Decreto.
175. Convém destacar que, além de não contemplar todos os aspectos do modelo, a exposição
de motivos limita-se a informar que o modelo proposto permitirá maior competição e ampliação da
oferta por meio de redução de custos e aumento da eficiência logística. Na verdade, o que aqui se
apresenta se refere aos objetivos, e não à motivação clara, congruente e suficiente que justifique a
adoção do modelo proposto.
176. Os representantes do MT esclareceram que as diversas discussões que antecederam e
subsidiaram a escolha do modelo não foram formalizadas em nenhum documento oficial ou em
qualquer outro documento interno e que não foi constituído nenhum processo administrativo
destinado a reunir dados que subsidiassem essa tomada de decisão (peça 63).
177. Embora tenha sido demandado por essa equipe de auditoria, o MT não encaminhou
nenhum estudo técnico, nota técnica, parecer técnico ou jurídico ou outro documento similar que
tenha sido elaborado pelo Ministério para subsidiar a decisão adotada. Os representantes do MT
afirmaram desconhecer estudos formais realizados pelo Ministério (peças 63 e 64).
178. Os representantes do MT também declararam que, apesar de alguns riscos terem sido
analisados, não foi realizada nenhuma avaliação de risco stricto sensu, baseada em uma metodologia,
em relação ao novo modelo de operação.
179. A ausência de estudos técnicos formais que verifiquem as alternativas possíveis para os
problemas regulatórios das concessões ferroviárias, que avaliem os riscos do modelo proposto e que
confrontem os benefícios a serem gerados pelo novo modelo com os custos e subsídios necessários ao
longo do período de concessão gera muitas incertezas. Uma decisão tão complexa, com tantas
variáveis e com elevado impacto nos futuros investimentos do setor ferroviário não pode limitar-se ao
âmbito das discussões governamentais e abster-se de estudos robustos para minimizar os riscos de
insucesso das medidas adotadas.
26
27
189. De acordo com o art. 27, § 8º, inciso II, da Lei 10.683/2003, compete ao Ministério dos
Transportes a participação no planejamento estratégico, o estabelecimento de diretrizes para sua
implementação e a definição das prioridades dos programas de investimentos.
190. A escolha e a priorização dos trechos a serem construídos são etapas fundamentais para
qualquer programa de investimentos em infraestrutura e devem ser realizadas com base em estudos e
estratégias que permitam sua efetiva realização e, consequentemente, o atendimento do interesse
público com transparência, economicidade e eficiência.
191. Especificamente quanto à necessidade de motivação para a escolha dos trechos a serem
concedidos no PIL Ferrovias, a jurisprudência do TCU contém precedente deriv ado de situação
análoga, decorrente de fiscalização destinada a examinar a seleção das localidades contempladas
pelo Plano de Aviação Regional, um dos eixos do Programa de Investimentos em Logísticas (PIL). De
acordo com o voto condutor do Acórdão 3.484/2012-TCU-Plenário, ‘os princípios da transparência e
da motivação dos atos administrativos exigem que a seleção dos municípios beneficiados seja
objetivamente justificada’. Na ocasião, o Tribunal determinou que a Secretaria de Aviação Civil da
Presidência da República fundamentasse de forma objetiva, rastreável e amparada em estudos
técnicos consistentes a seleção realizada que redundou no rol das 270 localidades beneficiadas pelo
programa.
192. No Plano Hidroviário Estratégico (PHE), que também é de responsabilidade do MT, por
exemplo, a seleção das hidrovias que serão contempladas no Plano foi realizada por intermédio da
utilização de uma metodologia composta por Análise Custo-Benefício (ACB) e Análise de
Multicritérios (AMC). De acordo com o relatório do PHE, as políticas públicas não devem ser
recomendadas unicamente com base nos investimentos necessários e custos de transporte. Deve ser
considerado um conjunto mais amplo de critérios relevantes para avaliação das estratégias de
desenvolvimento. No caso específico das hidrovias, os resultados da ACB foram considerados em uma
AMC estruturada em quatro dimensões: Sustentabilidade Econômica, Coesão Institucional,
Sustentabilidade Ambiental e Sustentabilidade Social. Para cada dimensão foram desenvolvidos
objetivos e critérios.
193. A partir da escolha dos trechos, é essencial que a formulação da política explicite suas
prioridades. A bibliografia especializada evidencia a necessidade de que, já nas etapas iniciais do
ciclo de uma política ou programa, estejam previstas as atividades necessárias e os recursos
correspondentes para a sua realização, de forma logicamente encadeada com os resultados (produtos
e efeitos) propostos.
194. Cassiolato e Gueresi (2010) sublinham a necessidade de definição prévia de prioridades,
de forma que os processos de execução de uma política ou programa sejam adequadamente
orientados e possam ser redesenhados caso haja necessidade de ajustes, como, por exemplo, em
situações de escassez de recursos ou mudanças relevantes de cenários.
195. Diante de um programa tão amplo e complexo, envolvendo investimentos da ordem de R$
100 bilhões em aproximadamente 11 mil quilômetros de linhas férreas, a definição de prioridades
consiste em instrumento necessário para subsidiar decisões estratégicas, de modo a racionalizar a
aplicação dos recursos e garantir o seu sucesso. Uma definição bem fundamentada quanto às
prioridades também incrementa a transparência dos processos de tomada de decisão e abre espaço
para que o interesse público prevaleça. Nessa linha, a boa governança exige que políticas e
programas assegurem que o atingimento de seus objetivos seja feito de modo balanceado, sem
permitir a predominância de interesses de pessoas ou grupos (BRASIL, 2013).
196. Complementarmente, considerando que o PIL Ferrovias tem as características de um
projeto per si, aplicam-se a ele as orientações previstas no PMBOK. Conforme preceitua o guia, os
procedimentos de priorização devem fazer parte da estrutura de ativos de processos organizacionais
28
de uma instituição madura, o que contribui para influenciar o sucesso de seus projetos i. Em especial
quando os projetos têm várias fases, como no caso do programa em comento, as relações entre as
fases podem submeter-se a um processo não sequencial, em que a importância da priorização torna-se
ainda mais relevante (PMI, 2008).
197. Questionado a respeito dos critérios e do processo de escolha dos trechos contemplados
no PIL Ferrovias, o MT afirmou que o conceito que permeia a seleção dos trechos é a possibilidade
de haver múltiplas rotas de escoamento, possibilidade esta advinda da construção de uma rede
ferroviária composta não somente de corredores produção-porto, mas também de ligações
transversais que permitam a existência de concorrência entre soluções logísticas (peça 43, p. 15).
198. De acordo com o Ministério, na definição dos trechos foram considerados alguns entre
aqueles previstos no PNLT, bem como a avaliação trazida pela experiência da ANTT na
administração dos contratos das ferrovias já implantadas (peça 43, p.15).
199. Em relação ao PNLT, o MT afirmou que embora alguns projetos relacionados nesse
instrumento de planejamento tenham sido considerados na seleção dos trechos do PIL Ferrovias, a
escolha dos trechos não pode ser avaliada somente em relação aos seus projetos, pois o PNLT não
considera as possiblidades trazidas pelo novo modelo open access (peça 43, p. 15).
200. O MT não informou, entretanto, que critérios foram utilizados para; i) definir quais os
trechos do PNLT seriam integrados ao PIL Ferrovias; ii) definir a escolha de trechos ferroviários já
concedidos e devolvidos para integrar o Programa. Bem como, não apresentou análises que permitam
inferir que os trechos selecionados são os que mais aderem ao conceito de múltiplas rotas de
escoamento.
201. A ausência de critérios objetivos gera incertezas em relação aos trechos selecionados. A
Nota Técnica 6/2012 do Ipea, por exemplo, questiona a escolha de alguns trechos do PIL Ferrovias,
em especial os trechos devolvidos pelas concessões atuais e os que apresentam modais concorrentes, e
demonstra preocupação quanto à capacidade desses trechos atraírem volume de carga que justifique,
do ponto de vista socioeconômico, o elevado investimento (peça 43, p. 16).
202. Perguntados sobre a existência de registros e justificativas formais sobre os critérios
adotados para selecionar os trechos a serem licitados no PIL Ferrovias, os técnicos do Ministério dos
Transportes não apresentaram processos, notas técnicas, estudos técnicos ou qualquer instrumento
formal que justifiquem a motivação da escolha dos trechos. Os representantes do Ministério dos
Transportes informaram que não têm conhecimento sobre estudos formais realizados previamente à
escolha (peças 63 e 64).
203. No que se refere a priorização dos trechos, os representantes do MT afirmaram que ainda
não foram definidos os critérios de priorização para a licitação (peça 63).
204. Convém destacar que inicialmente o PIL Ferrovias contava com doze trechos ferroviários
e que, posteriormente, foram incluídos dois novos: Sinop a Miritituba e Sapezal a Porto Velho. Ao
serem questionados sobre os motivos que fundamentaram a inclusão dos novos trechos, os
representantes do MT informaram que houve sinalização de interesse pela iniciativa privada. Não há,
contudo, documentos ou atas que evidenciem essa sinalização, tampouco foi realizada audiência
pública ou tomada de subsídio para instrumentalizar essa sinalização de interesse (peça 63).
205. Dos atuais quatorze trechos que atualmente integram o PIL Ferrovias, seis estão em
processo de PMI para aprofundamento dos estudos de engenharia. De acordo com os representantes
do MT, a sinalização de interesse pela iniciativa privada e o interesse do governo em criar uma malha
ferroviária com opções de rotas de escoamento foram parâmetros utilizados para a definição de quais
seriam os trechos incluídos no processo de PMI. Entretanto, não há registros que evidenciem essa
29
sinalização de interesse. Tampouco dispõe o MT de critérios objetivos que comprovem que os trechos
em PMI são os trechos prioritários no que se refere a implantação de rotas de escoamento.
206. Como consequência da inexistência de critérios consistentes de seleção e priorização, o
PIL Ferrovias apresenta risco de desperdício de recursos públicos. Esse risco se agrava na medida
em que, no novo modelo de operação do setor ferroviário, o risco de demanda será assumido pela
União, por meio da Valec.
207. Ou seja, diante da falta de um planejamento que racionalize a aplicação dos recursos
priorizando os investimentos de maior interesse público, trechos pouco atrativos podem ficar prontos
– e ociosos – antes de outros com demanda reprimida ou infraestrutura inadequada.
208. A falta de critérios objetivos na seleção e priorização dos trechos pode resultar em
subutilização de trechos, ineficiência do programa para a redução do custo logístico, e permanência
do desequilíbrio da matriz de transportes, pois a efetividade do programa depende diretamente da
escolha dos trechos que o compõe.
209. Conclui-se, desse modo, que o MT, em razão da precariedade do planejamento elaborado
para o PIL Ferrovias, não definiu critérios de seleção e priorização consistentes, devidamente
fundamentados e formalizados, para definir quais os trechos ferroviários que integrariam o
Programa.
210. A ausência desses critérios pode gerar desperdício de recursos públicos, além de não
maximizar os resultados do programa, por não alocar os recursos técnicos, humanos e financeiros
considerando uma ordenação racional e baseada em critérios. A conduta do MT em relação ao PIL
Ferrovias, portanto, tem potencial de ocasionar dano ao Erário e aos princípios da transparência, da
motivação, da economicidade e da eficiência.
211. Assim, a fim de minimizar o potencial dano ao Erário decorrente da inexistência de
critérios de seleção e priorização tecnicamente fundamentados, e em respeito aos mencionados
princípios constitucionais, entende-se pertinente determinar ao Ministério dos Transportes que, com
fundamento no art. 27, § 8º, inciso II, da Lei 10.683/2003, no prazo de 90 dias:
a) justifique, de forma objetiva e amparada por estudo técnico consistente, a seleção dos
trechos que integram o PIL Ferrovias;
b) apresente critérios objetivos e transparentes que serão utilizados na priorização de
investimentos no PIL Ferrovias.
212. Adicionalmente, por se tratarem de aspectos relevantes para as definições quanto à
priorização de investimentos, a exemplo da metodologia utilizada no PHE para seleção dos
investimentos em hidrovias, é pertinente recomendar ao Ministério dos Transportes que considere os
benefícios gerados em oposição aos custos e subsídios necessários na priorização dos trechos
contemplados pelo PIL Ferrovias.
213. Com a implementação das medidas acima, espera-se maior eficiência para o PIL
Ferrovias e o aperfeiçoamento da gestão feita pelo MT sobre o programa. Além disso, as medidas
mitigarão substancialmente os riscos de desperdício de recursos públicos.
214. Outro benefício resultante da adoção das medidas propostas é o aumento da
transparência no processo decisório relativo à escolha e priorização dos investimentos. A devida
fundamentação e formalização dos critérios contribuirá para que o programa alinhe -se ao interesse
público e às práticas de boa governança.
3.4. Fragilidade no planejamento integrado do PIL Ferrovias com a malha ferroviária existente e com
os demais modos de transporte
215. Constatou-se que durante o a fase de planejamento do PIL Ferrovias não foi realizada
uma análise acerca da compatibilidade da capacidade operacional e ociosa da malha ferroviária
30
atual com a demanda esperada para os novos trechos a serem concedidos. Tal análise é fundamental
para o sucesso do programa, visto que parte das rotas de escoamento traçadas no PIL Ferrovias
contemplam o transporte da carga por trechos já concedidos no modelo verticalizado. Também não
restou comprovado que o planejamento do PIL Ferrovias tenha considerado a integração da rede
ferroviária com os demais modos de transporte.
216. O PIL Ferrovias faz parte dos programas de infraestrutura lançados pelo Governo
Federal em agosto de 2012, que buscam a retomada do planejamento integrado dos transportes, de
modo a implantar uma rede de infraestrutura de transporte moderna e eficiente, capaz de aprimorar a
competitividade do país, fomentando o desenvolvimento econômico e social.
217. Os princípios e diretrizes gerais que norteiam o planejamento e o gerenciamento dos
projetos de infraestrutura de transportes estão previstos nos arts. 11 e 12 da Lei 10.233/2001, entre
eles, o aproveitamento das vantagens comparativas dos diferentes modos de transporte, promovendo
sua integração física e a conjugação das suas operações, para a movimentação intermodal mais
econômica e segura de pessoas e bens.
218. Em 2007, com a publicação do PNLT, foi retomado o processo de planejamento setorial
de transportes, contemplando os horizontes temporais de curto, médio e longo prazos, e levando-se em
conta a integração e a complementaridade entre os diferentes modos de transporte.
219. Em projetos de infraestrutura de transportes com estreitas relações de dependência, a
existência de um planejamento bem estruturado, balizado na integração com os projetos já existentes
e com os demais modos de transporte, reduz o nível de riscos e incertezas e, consequentemente,
minimiza a ocorrência de erros na tomada de decisão de investimentos que visam prover o país de
uma infraestrutura de transportes mais eficiente e competitiva, em consonância com princípios
constitucionais da economicidade e da eficiência.
220. Para promover o desenvolvimento socioeconômico e a integração física e operacional dos
diferentes modos de transporte, com eficiência, otimização e menor custo, é necessário que haja um
planejamento bem estruturado e integrado dos projetos de infraestrutura de transportes,
principalmente quanto a projetos interdependentes, bem como uma boa coordenação e articulação
entre os entes governamentais que atuam na área, em busca do alcance dos resultados esperados.
221. Nesse sentido, a legislação pátria estabelece as atribuições de cada um desses entes no
planejamento e na implantação dos projetos de infraestrutura de transportes de forma integrada.
222. De acordo com o disposto na Lei 10.683/2003, compete ao Ministério dos Transportes
(MT) a formulação, coordenação e supervisão das políticas nacionais de transportes ferroviário,
rodoviário e aquaviário, a participação no planejamento estratégico, o estabelecimento de diretrizes
para sua implementação e a definição das prioridades dos programas de investimentos. Por sua vez, o
Decreto 7.717/2012 deu ao Departamento de Planejamento de Transportes do MT a atribuição de
orientar e coordenar a implementação do planejamento estratégico do setor de transportes,
contemplando inclusive a multimodalidade e a integração modal (grifo nosso).
223. O aproveitamento das vantagens comparativas entre os diferentes modais também se
insere nas esferas de atuação da ANTT e da Valec. O art. 22, § 1º, da Lei 10.233/2001 dispõe que
compete à ANTT articular com as demais agências reguladoras para resolução das interfaces do
transporte terrestre com os outros modos de transporte, visando à movimentação intermodal mais
econômica e segura de pessoas e bens. Cabe à Valec, por seu turno, fomentar as operações
ferroviárias, promovendo a integração das malhas e a interoperabilidade da infraestrutura
ferroviária, observada a regulamentação da ANTT (art. 3º, inciso IV, do Decreto 8.129/2013).
31
224. Por fim, destaque-se a competência da EPL, prevista no art. 5º, inciso VI, da Lei
12.404/2011, de subsidiar a formulação, o planejamento e a implementação de ações no âmbito da
política de transporte, de modo a propiciar a integração das diversas modalidades de transportes.
225. Embora tenha como objetivo o restabelecimento do planejamento integrado dos
transportes, constatou-se que o PIL Ferrovias carece de um planejamento mais bem estruturado,
fundamentado na integração com os trechos ferroviários já existentes e com os demais modos de
transporte.
226. Quanto à integração com a malha ferroviária existente, e a forma como a capacidade
disponibilizada pelas atuais concessionárias foi considerada no planejamento do PIL Ferrovias, o MT
informou que essa disponibilização da capacidade é monitorada pela ANTT, com o uso da ferramenta
‘Declaração de Rede’ e que os instrumentos para a adequação das capacidades estão postos nas
Resoluções-ANTT 3.694/2011 e 3.695/2011 (peça 43).
227. No mesmo sentido, a ANTT informou que vem utilizando a Declaração de Rede como
instrumento para dar publicidade ao mercado das capacidades instalada, utilizada e ociosa das atuais
concessionárias. Assim como nos esclarecimentos prestados pelo MT, acrescentou que, na hipótese de
surgimento de gargalos, as regras para a realização de investimentos com vista à expansão da rede
estão dispostas nas Resoluções-ANTT 3.694/2011 e 3.695/2011 (peça 42).
228. A EPL também manifestou-se no mesmo sentido que o MT e a ANTT, acrescentando,
ainda, que a Valec, em observância ao estabelecido no inciso III, art. 3º, c/c o inciso V, art. 4º, do
Decreto 8.129/2013, também poderá realizar os investimentos necessários à expansão da malha
ferroviária (peça 47).
229. Dessa forma, constatou-se que, apesar de haver alternativas para a resolução de possíveis
gargalos no sistema, não houve, até o momento, qualquer estudo ou previsão para verificar se, e
quando, estes gargalos ocorrerão, evidenciando uma falha no planejamento integrado do PIL
Ferrovias com a malha já existente.
230. Falhas no planejamento decorrentes da falta de integração dos novos projetos à malha
ferroviária já existente podem levar ao insucesso na implantação do programa, tendo em vista que
parte das rotas de escoamento de carga traçadas no PIL Ferrovias precisam, necessariamente, passar
por um trecho já concedido no modelo anterior.
231. Caso o concessionário de uma ferrovia já existente alegue não possuir capacidade ociosa
que permita o tráfego de outros operadores, teremos a subutilização ou até mesmo a inutilização de
todo o trecho origem-destino previsto, impossibilitando o transporte de cargas. Assim, a capacidade
das novas ferrovias pode ser limitada em função da capacidade operacional das ferrovias atuais,
causando prejuízos para a Valec que comprará toda a demanda e não conseguirá vender, e para o
setor produtivo que não conseguirá transportar mesmo tendo uma ferrovia nova.
232. Para ilustrar o impacto da capacidade instalada da malha ferroviária existente em trechos
do PIL Ferrovias, pode-se citar, por exemplo, o trecho Açailândia – Barcarena, detalhado na figura a
seguir.
32
Figura 12. Exemplo de integração de ferrovias existentes já concedidas com o PIL Ferrovias.
relativas ao modal ferroviário. Por fim, a Valec limitou-se a encaminhar os mesmos esclarecimentos
que já haviam sido apresentados pelo MT (peças 42, 45 e 47).
238. A SEP/PR, por sua vez, informou que participou do planejamento do PIL Ferrovias,
fornecendo os elementos técnicos pertinentes ao seu campo de atuação: Plano Nacional de Logística
Portuária (PNLP) e Planos Mestres dos portos públicos. Destacou, porém, que a competência da
Secretaria no que diz respeito aos acessos portuários restringe-se aos limites da poligonal dos portos
organizados, e que participa apenas de forma opinativa em projetos localizados fora desta área (peça
55).
239. Em que pese o MT tenha afirmado que os novos trechos ferroviários foram considerados
no planejamento integrado do sistema de transportes (acessos portuários e rodoviários e capacidade
de recepção e armazenagem dos portos), não encaminhou documentos que comprovassem as
informações prestadas.
240. Da mesma forma, embora a SEP/PR tenha afirmado que o PIL Ferrovias foi considerado
no planejamento do setor portuário, para prever a melhoria dos acessos e o aumento da capacidade
portuária, também não encaminhou nenhum documento ou estudo técnico que comprove a integração
do planejamento dos setores portuário e ferroviário.
241. Há evidências de que o planejamento do PIL Ferrovias não está devidamente integrado ao
planejamento do setor portuário – vide TC 005.342/2014-7 que trata da análise de compatibilidade
das projeções dos estudos de mercado e dos planos de investimentos dos projetos de implantação do
trecho ferroviário Açailândia-Barcarena e de expansão do Porto de Vila do Conde.
242. A análise comparativa dos estudos de demanda dos dois projetos demonstrou um
descompasso entre a demanda potencial da ferrovia e do porto em relação aos principais produtos
(alumina, soja e milho), como apontado nos quadros a seguir:
Quadro 1 – Alumina: Comparação entre demanda e capacidade do porto e da ferrovia, segundo
estudo de demanda enviado pelo MT
ALUMINA 2011 2015 2020 2025 2030 2035 2040 2045
Demanda atual
4.951.517 4.951.517 4.951.517 4.951.517 4.951.517 4.951.517 4.951.517 4.951.517
do porto
Demanda
projetada
- - 6.000.000 7.214.054 10.881.401 14.236.255 15.238.095 15.238.095
advinda da
ferrovia
Demanda total 4.951.517 4.951.517 10.951.517 12.165.571 15.832.918 19.187.772 20.189.612 20.189.612
Capacidade atual
4.443.694 4.443.694 4.443.694 4.443.694 4.443.694 4.443.694 4.443.694 4.443.694
do Porto
Capacidade do
arrendamento
- - 6.000.000 6.000.000 6.000.000 6.000.000 6.000.000 6.000.000
VDC 04
(c/duplicação)
Capacidade Total 4.443.694 4.443.694 10.443.694 10.443.694 10.443.694 10.443.694 10.443.694 10.443.694
Demanda Total 4.951.517 4.951.517 10.951.517 12.165.571 15.832.918 19.187.772 20.189.612 20.189.612
Capacidade Total 4.443.694 4.443.694 10.443.694 10.443.694 10.443.694 10.443.694 10.443.694 10.443.694
Déficit / Superávit -507.823 -507.823 -507.823 -1.721.877 -5.389.224 -8.744.078 -9.745.918 -9.745.918
Fonte: TC 005.342/2014-7.
34
Demanda da
117.034 239.341 404.893 731.011 966.954 1.057.585 1.151.931
Ferrovia para milho
Capacidade atual
- - - - - - -
do PVC
Capacidade do
arrendamento VDC 5.100.000 5.100.000 5.100.000 5.100.000 5.100.000 5.100.000 5.100.000
29)
Carga via ferrovia
1.734.000 1.734.000 1.734.000 1.734.000 1.734.000 1.734.000 1.734.000
(34%)
Fonte: TC 005.342/2014-7.
243. Aquela auditoria constatou que os planos de investimento de expansão portuária não são
suficientes para atender a demanda projetada de movimentação de cargas no Porto de Vila do Conde,
tendo em vista os fluxos de carga previstos no trecho ferroviário Açailândia-Barcarena, e também os
provenientes da Hidrovia Tocantins-Araguaia e da pavimentação da BR-163.
244. Por fim, a o trabalho destacou:
Os riscos e incertezas decorrentes da ausência de planejamento integrado e coordenado residem
no surgimento de possíveis gargalos logísticos para o escoamento de cargas no Porto de Vila do
Conde, no caso das projeções de demanda da ferrovia se confirmarem, ou subutilização expressiva
da infraestrutura ferroviária do trecho Açailândia-Barcarena em razão do excesso de capacidade
ociosa no caso de frustação das projeções de demanda da ferrovia, se estiverem bastante
superestimadas.
Observa-se, assim, que os estudos de viabilidade dos dois projetos de investimento foram
realizados de forma fragmentada, ou seja, sem considerar adequadamente que os
empreendimentos apresentam sinergias, sendo interdependentes e complementares, cujas ações
devem ser integradas e coordenadas desde a fase de concepção, passando pelo planejamento e
pela execução, até o início de sua operação, de modo que haja otimização no uso da infraestrutura
de transportes dos diversos modais.
245. Quanto à competição de demanda com os modos rodoviário e hidroviário, o Ministério
não apresentou estudos ou documentos que comprovem análises ou avaliações realizadas para
identificar como os projetos de hidrovias e rodovias competem e complementam os projetos que
integram o PIL Ferrovias.
246. A Nota Técnica 6/2012 do Ipea, por exemplo, questiona a escolha de alguns trechos do
PIL Ferrovias (em especial, Belo Horizonte – Salvador, Rio – Vitória, São Paulo – Rio Grande,
Salvador – Recife), em função da concorrência com outros modos de transporte, e apresenta
preocupação quanto à capacidade desses trechos atraírem volume de carga que justifique, do ponto
de vista socioeconômico, o elevado investimento de remodelação das linhas (peça 43, p.15)
35
247. Observa-se que a análise do impacto de projetos de outros modos de transporte no PIL
Ferrovias é essencial para avaliar os riscos de demanda dos projetos envolvidos. Considerando que
no modelo de operação dos novos contratos de concessão, o risco de demanda será integralmente
assumido pela Valec, a ausência dessas avaliações pode resultar em ociosidade dos trechos e
desperdício de recursos públicos.
248. A existência de projetos de transporte concorrentes entre si também pode gerar um alto
custo com os estudos de engenharia.
249. A imprevisão em relação à geração de gargalos logísticos, decorrentes da falta de um
estudo de curto, médio e longo prazos de compatibilidade entre as malhas atuais e futuras, bem como
as falhas no planejamento integrado com os demais modos de transporte, evidenciam deficiências na
fase de planejamento do PIL Ferrovias. O planejamento realizado não considerou aspectos
fundamentais à operacionalização e ao sucesso na implantação do programa, deixando de avaliar os
possíveis riscos envolvidos, estipulando medidas corretivas apenas quando esses riscos se
concretizarem.
250. Assim como exposto em capítulos anteriores, em consequência dessas deficiências
encontradas no planejamento, o PIL Ferrovias apresenta elevado risco de desperdício de recursos
públicos, uma vez que toda a capacidade dos novos trechos será adquirida pela Valec,
independentemente da revenda aos operadores ferroviários, aumentando o nível de riscos e incertezas
em relação ao programa de governo.
251. Tendo em vista a relevância dos empreendimentos, a grande quantidade de recursos
financeiros envolvidos e as suas estreitas relações de dependência, o PIL Ferrovias não pode deixar
de considerar a integração de seus projetos à malha já existente e aos demais modos de transporte.
252. Já a existência de falhas no planejamento devidas à deficiência na integração com os
demais modos de transportes pode ser crítica na fase de operação, com elevado risco de surgimento
de gargalos no escoamento das cargas em razão da insuficiência da infraestrutura dos portos
receptores.
253. Há ainda o risco de subutilização da malha ferroviária, em função de projetos com
capacidade operacional superestimada, o que poderá ser agravado caso não seja considerada a
disputa por demanda com os modos rodoviário e hidroviário.
254. Desse modo, conclui-se que a existência de falhas no planejamento, decorrentes de
ausência de integração entre os novos trechos com a atual malha ferroviária, e também com os
demais modos de transporte, pode resultar no insucesso da implantação do PIL Ferrovias,
ocasionando grave desperdício de recursos públicos, em ofensa aos princípios constitucionais da
eficiência e economicidade.
255. Cabe consignar que o próprio PIL Ferrovias estabelece como objetivo do programa o
restabelecimento do planejamento integrado de transportes, em harmonia com o PNLT, segundo o
qual o planejamento deve contemplar a integração e a complementaridade entre os modos de
transporte.
256. A legislação vigente também destaca a importância da integração dos diversos modos de
transporte, determinando que os entes envolvidos no planejamento do setor devem abordar a
multimodalidade e a integração modal, visando a movimentação mais segura e econômica de pessoas
e bens.
257. Pelo exposto, com fulcro no art. 27, § 8º, da Lei 10.683/2003 c/c com os arts. 1º, 8º e 9º do
Anexo I do Decreto 7.717/2012, e em obediência aos princípios constitucionais da economicidade e
eficiência, entende-se pertinente determinar ao Ministério dos Transportes que apresente a este
Tribunal, no prazo de 90 dias, documentos que comprovem que:
36
37
Programa. A ausência de registros, estudos técnicos, pareceres, atas de reuniões ou quaisquer outros
instrumentos formais é contrária aos princípios básicos de governança de políticas públicas.
268. Tal conduta, ao invés de acelerar o andamento do processo, acarreta a necessidade de
retrabalhos e expõe a política a altos riscos de perda de informações e justificativas, provocando
atrasos, insegurança técnica e desperdício de energia e recursos públicos.
269. Destaca-se que durante as entrevistas, foi afirmado que ocorreram muitas discussões,
porém não foram materializadas em documentos.
270. Além disso, embora o MT afirme que a matriz de responsabilidades encontra respaldo no
PMGP, não apresentou nenhum elemento que comprova a existência de tal documento. Ressalta-se
que a inexistência de uma matriz de responsabilidades pode ocasionar lacunas ou sobreposição de
atribuições na realização de tarefas, bem como atrasos na implementação do programa.
271. Em relação à ausência de indicadores de eficiência e efetividade que permitam avaliar os
resultados obtidos, o MT alega que o setor de transportes ainda carece de um sistema de informações
abrangente para viabilizar a definição de indicadores de resultado e afirma que:
23. (...) é preocupante criar obstáculos à implantação de um programa de ferrovias devido à
ausência de tais elementos, que serão criados a partir do trabalho de planejamento ora em curso
pela EPL.
24. Em outras palavras, retardar o início de um ambicioso programa ferroviário aguardando, por
exemplo, um estudo que estime seu efeito no custo do frete, não parece razoável.
272. Analisando as alegações trazidas, verifica-se que o MT reconhece a inexistência de metas
e indicadores de resultado, bem como que o adequado planejamento foi deixado para uma fase
posterior ao próprio lançamento do PIL Ferrovias, o que é inadmissível. O esperado de um programa
tão ‘ambicioso’ seria justamente o contrário. Quanto maiores os valores envolvidos e a relevância do
seu propósito para o interesse público, melhores deveriam ser os instrumentos de planejamento.
273. É oportuno ressaltar que o presente trabalho não condiciona a continuidade do prog rama
à criação de metas e indicadores de desempenho. Ou seja, não representa nenhum obstáculo à
implementação da política. Pelo contrário, a criação de tais metas e indicadores permitirão uma
maior clareza do que o governo pretende alcançar com o programa PIL Ferrovias.
274. Nesse contexto, indaga-se: como é possível pretender implementar um programa de R$
100 bilhões sem saber estimar qual o benefício gerado para a sociedade? O simples sentimento de que
o programa reduzirá tarifas e resgatará o modo ferroviário como alternativa logística não é
justificativa para se iniciar a política sem um planejamento prévio mínimo, pois o governo deveria
avaliar de forma abrangente os custos e os benefícios das propostas, assegurando, assim, o uso
adequado dos recursos públicos.
275. No tocante à necessidade de formalização de estudos técnicos e de fundamentos que
embasaram as tomadas de decisão, o MT argumentou que não se deve atribuir a estudos e processos
de planejamento a primazia na definição de políticas públicas, devendo haver espaço para a
avaliação política, com as seguintes palavras:
6. Qualquer estudo é eivado de premissas, técnicas ou mesmo políticas, que definem condições de
contorno para a sua aplicação. Um estudo não é ‘o’ retrato da realidade, muito menos define com
precisão científica o que ocorrerá no futuro. É ‘um’ retrato da realidade, e por vezes traz
expectativas fundamentadas sobre como poderá se comportar um determinado empreendimento ou
política. Estudos são representações limitadas, que normalmente pecam na consideração de
elementos ainda mal conhecidos pela ciência.
(...)
38
10. Tais instrumentos – estudos e processos de planejamento – são peças importantíssimas para
propiciar aos gestores públicos informações a serem utilizadas nas decisões de investimentos.
Porém, não se deve atribuir a tais instrumentos, por mais robustos que sejam, a primazia na
definição de políticas públicas.
11. É, portanto, fundamental que no processo decisório haja espaço preponderante para a
avaliação política, pois esta, principalmente, possui a legitimidade trazida pelo jogo democrático
do sufrágio. (...) Há situações para as quais diversas soluções técnicas são possíveis, não cabendo
apenas determinismos técnicos no processo decisório.
12. (...) O modelo de decisão é impactado pelo princípio da racionalidade limitada, nesse sentido,
tal estudo não deve substituir o conhecimento e a expertise dos decisores. (grifo nosso)
276. O MT tenta descaracterizar a importância de estudos e motivação com base em
argumentos que não se sustentam.
277. A legitimidade do jogo democrático não confere ao governante a liberdade de aplicar
recursos públicos sem a devida motivação de suas decisões. A análise política e a percepção subjetiva
dos gestores não pode se furtar à necessidade de avaliações técnicas e econômicas. Os custos e os
benefícios das escolhas devem ser ponderados no processo de tomada de decisão, principalmente em
se tratando de um programa de R$ 100 bilhões que impactará as contas públicas nos próximos 35
anos.
278. As decisões tomadas no PIL Ferrovias – escolha de um novo modelo de operação e dos
trechos a serem concedidos – são pilares do programa e impactam profundamente o setor ferroviário
e a economia brasileira. Desse modo, o seu processo decisório deveria ser transparente, rastreável e
fundamentado em estudos técnicos contundentes e em decisões devidamente motivadas, e não apenas
em percepções subjetivas dos gestores envolvidos.
279. Nesse ponto, é de se ressaltar que, ao contrário do que é alegado pelo MT, em nenhum
momento se pretende substituir o ‘conhecimento e a expertise’ dos tomadores de decisão, mas é, no
mínimo, razoável esperar que tais escolhas sejam feitas com base em premissas técnicas, devidamente
motivadas, e não em mera vontade política, de modo a garantir o atendimento do interesse público.
280. É ainda oportuno destacar que o MT já havia apresentado argumentos semelhantes no
decorrer da auditoria por meio de email encaminhado (peça 64), no tocante à maneira como a
tomada de decisões é realizada no âmbito dos escalões superiores do ministério:
O TCU aponta a inexistência de estudos, o que não é o caso. Houve diversos estudos e avaliações.
O que não houve foi a materialização de tais estudos em relatórios ou documentos. Um estudo não
é um relatório! O relatório é somente uma forma de materializar um estudo. No caso de decisões
importantes é comum (em qualquer organização) que os escalões superiores tomem como base
apresentações sucintas (como as ‘laminas de PowerPoint’). Não é razoável querer que um
Ministro leia um ‘estudo’ de 200 páginas para então tomar uma decisão . Um relatório de estudo
somente seria fundamental se as equipes dos tomadores de decisão não participassem das
discussões e avaliações (pois tais equipes precisariam de algum elemento para subsidiar quem vai
decidir). Não é o caso, pois tais equipes participaram... (grifo nosso).
281. Esses comentários evidenciam a falta de comprometimento e preocupação dos gestores
com o planejamento do PIL Ferrovias, comprometendo a sua boa governança e o alcance dos seus
resultados.
282. Em decisões tão complexas quanto à escolha do novo modelo de operação e dos trechos a
serem concedidos, a realização de estudos técnicos bem fundamentados que avaliem as alternativas
possíveis e a relação entre os custos e benefícios aplicados, e sua análise pelos gestores envolvidos na
política não apenas é razoável como é de fundamental importância e indispensável para avaliação de
um projeto de tal magnitude.
39
283. Quanto à escolha dos trechos do PIL, o MT argumentou que no momento do lançamento
do PIL o governo já possuía um instrumento de planejamento, o PNLT, que trazia indicações técnica
sobre qual caminho seguir, e que também contava com o conhecimento acumulado pelos técnicos do
MT, da ANTT e da Valec.
284. Embora se reconheça a importância do PNLT como instrumento de planejamento, esse
estudo não contempla todos os trechos do PIL Ferrovias. Além disso, vários dos trechos contemplados
não coincidem no que se refere aos seus pontos de origem e destino.
285. Em que pese haver no âmbito da administração pública técnicos com conhecimentos
acumulados sobre o setor ferroviário, em momento algum foi apresentado, durante a execução do
trabalho, documentos que contenham os critérios objetivos adotados por estes profissionais para a
escolha e priorização dos trechos concedidos. É muito preocupante que os motivos de decisões tão
importantes fiquem ocultos à sociedade, baseados apenas no conhecimento das pessoas envolvidas.
Tal praxe administrativa, além de ofender os princípios transparência e publicidade, dificulta o
controle dos atos administrativos. Não é possível, por exemplo, evidenciar se as decisões tomadas
buscaram o atendimento do bem público. Ademais, existe grande risco de perdas de informações com
a rotatividade dos profissionais.
286. A escolha e a priorização dos trechos a serem construídos são etapas fundamentais para
qualquer programa de investimentos em infraestrutura e devem ser realizadas com base em estudos e
estratégias que permitam sua efetiva realização e, consequentemente, o atendimento do interesse
público com transparência, economicidade e eficiência.
287. A partir da escolha dos trechos, é essencial que a formulação da política explicite suas
prioridades. A bibliografia especializada evidencia a necessidade de que, já nas etapas iniciais do
ciclo de uma política ou programa, estejam previstas as atividades necessárias e os recursos
correspondentes para a sua realização, de forma logicamente encadeada com os resultados (produt os
e efeitos) propostos.
288. Da mesma forma que nos itens anteriores, mais uma vez demonstra-se que o ministério
não motivou devidamente a escolha dos trechos a serem concedidos no PIL Ferrovias, o que pode
gerar desperdício de recursos públicos, ocasionando dano ao Erário e aos princípios da
transparência, da motivação, da economicidade e da eficiência.
289. Por outro lado, assiste razão ao Ministério quando argumenta que não há conflito em
estudar tanto a o trecho ferroviário Sinop-Miritituba, quanto a concessão da rodovia BR-163, que faz
a mesma ligação.
290. No relatório preliminar encaminhado para comentário dos gestores, os dois
empreendimentos foram apontados como exemplos concretos de projetos que podem competir por
demanda na região e não se sabe qual o impacto que um pode gerar no outro.
291. Conforme bem argumentado pelo MT, tratam-se de dois ‘estudos’ acerca de projetos
localizados em área ambientalmente sensível, ‘não havendo uma avalição definitiva sobre a
viabilidade ambiental de quaisquer das alternativas’. O ministério alega também que, considerando a
importância do corredor logístico, seria contraproducente iniciar os estudos de um projeto apenas
quando comprovada a inviabilidade do primeiro. Destacou que ‘em engenharia desse porte e nível, a
existência desses dois estudos permite a identificação de alternativas para as contingências e
intercorrências que aparecem ao longo do desenrolar do projeto’.
292. Dessa forma, acatando-se os argumentos acima apresentados pelos gestores, considera -se
pertinente retirar do achado descrito no tópico 3.4, que trata da fragilidade no planejamento
integrado do PIL Ferrovias com a malha ferroviária existente e com os demais modos de transporte, o
40
item que aponta o exemplo citado como possível falha no planejamento integrado dos diferentes
modos de transporte.
293. Por fim, o MT solicita que seja reavaliada a proposta de se determinar a elaboração de
estudos que ‘no momento, podem ser intempestivos e representar mais um entrave em um processo já
bastante complexo que busca dar ao país uma nova realidade no setor ferroviário’.
294. Importante destacar que em parte alguma o relatório determina a realização de estudos,
mesmo porque o MT sempre alegou que houveram diversos estudos durante o planejamento do PIL
Ferrovias, mas que estes não foram formalizados (peça 64).
295. Ora, o que o relatório determina, com fundamento no princípio da motivação, é que seja
apresentada exposição de motivos, baseada em estudos técnicos (segundo o MT já realizados, mas
não formalizados) que contemplem avaliações de alternativas possíveis e análise custo-benefício, a
fim de justificar a adoção do novo modelo para as concessões ferroviárias, motivo pelo qual mantém-
se a determinação.
296. Ante todo o exposto, acolhe-se parcialmente os argumentos apresentados pelos gestores
do MT, retirando-se do achado descrito no tópico 3.4, que trata da fragilidade no planejamento
integrado do PIL Ferrovias com a malha ferroviária existente e com os demais modos de transporte, o
item que aponta o exemplo citado como possível falha no planejamento integrado dos diferentes
modos de transporte. No entanto, as recomendações e determinações propostas são mantidas na
íntegra.
5 Conclusão
297. O PIL Ferrovias compreende uma importante iniciativa adotada pelo Governo Federal
com intenção de corrigir distorções da matriz de transportes brasileira, marcada pelo desequilíbrio
entre os diversos modos de transportes e pelo alto grau de dependência da modalidade de transporte
rodoviário. Características marcantes da malha ferroviária brasileira impactam negativamente a
competitividade do produto nacional e a qualidade dos serviços de transporte, como sua baixa
densidade, seu reduzido grau de exploração e a sua baixa velocidade média.
298. Nesse contexto, o PIL Ferrovias, lançado em 2012, tem como objetivos resgatar as
ferrovias como alternativa de logística, quebrar o monopólio na oferta de serviços ferroviários e
reduzir as tarifas. Para tanto, foram previstos investimentos na ordem de R$ 100 bilhões para
construção e modernização de 11 mil quilômetros de linhas férreas, com prazo de concessão de 35
anos, contemplando a construção de novos trechos ferroviários e a modernização de alguns dos já
existentes. Além disso, está prevista a implantação de um novo modelo de operação do setor
ferroviário.
299. Em face da materialidade e da relevância do PIL Ferrovias para o desenvolvimento
nacional, bem como da importância da melhoria da governança de políticas públicas para o
crescimento econômico do país e para o incremento da qualidade dos serviços públicos prestados, a
presente auditoria buscou avaliar a institucionalização e aspectos de planejamento do programa,
componentes que integram o seu sistema de governança.
300. No que se refere à institucionalização, verificou-se ausência de formalização no processo
de tomada de decisões e de documentos que contenham a definição das competências e atribuições
dos órgãos envolvidos. Tendo em vista a alta dependência das pessoas envolvidas para o bom
andamento do programa e, entre outros, o risco de perda de informações e fundamentos que
subsidiaram a elaboração e planejamento do PIL Ferrovias, é necessário que o Ministério dos
Transportes atue para aumentar o nível de institucionalização da política pública sob análise. Para
tanto, é pertinente a elaboração de uma matriz de responsabilidades e a adoção de providências com
41
vistas a formalizar os elementos que compõe o processo de tomada de decisões adotadas no PIL
Ferrovias.
301. No que tange aos aspectos de planejamento do PIL Ferrovias, observou-se que os
objetivos declarados pelo Ministério dos Transportes não demonstram precisamente o que o governo
pretende alcançar com o programa. Além de não dispor de metas, verifica-se a ausência de
indicadores de eficiência e efetividade que permitam avaliar os resultados obtidos.
302. A precariedade do planejamento do programa é marcada pela carência de estudos
técnicos balizadores de decisões cruciais para seu sucesso, notadamente quanto à escolha do modelo
de operações proposto para as novas concessões ferroviárias, à seleção e priorização dos trechos do
PIL Ferrovias, à compatibilidade da capacidade operacional e ociosa da malha ferroviária atual com
a demanda esperada para os novos trechos a serem concedidos e à inexistência de análises acerca de
sua integração com os demais modos de transporte.
303. Em face do risco de insucesso na implantação do PIL Ferrovias e de desperdício de
recursos públicos, é necessário que o Ministério dos Transportes explicite os fundamentos que
contemplem, por exemplo, avaliações de alternativas possíveis e análise custo-benefício, e apresente
justificativas para a seleção dos trechos que integram o PIL Ferrovias, bem como critérios objetivos e
transparentes que serão utilizados na priorização de investimentos. É também necessária a
comprovação de que o planejamento considerou a capacidade ociosa das ferrovias existentes com a
demanda prevista para os novos trechos e a integração da malha ferroviária, ex istente e futura, com
os demais modos de transporte.
304. Nos comentários ao relatório preliminar da presente auditoria, o Ministério dos
Transportes tenta justificar as falhas nos mecanismos de governança na urgência em corrigir as
distorções do setor ferroviário, reconhecendo, por um lado, as fragilidades na institucionalização da
política. No entanto, alega que um planejamento prévio da política, feito a partir da criação de metas
e indicadores de resultado bem como com apresentação das justificativas e motivação devidamente
objetivada e formalizada em relação às principais tomadas de decisão do programa, caracterizaria
um obstáculo à sua implementação.
305. Tal conduta, entretanto, é inadmissível, uma vez que se trata de um programa de R$ 100
bilhões e o risco de demanda das concessões dos trechos a ele relativos, assumido pela Valec,
impactará as contas públicas pelos próximos 35 anos. Assim sendo, diante do momento delicado da
vida econômica e fiscal do país, o mínimo esperado dos gestores do PIL Ferrovias seria a mitigação
dos riscos envolvidos na política por meio de motivação técnica-econômica bem fundamentada e
formalizada.
306. A resposta dos gestores, portanto, evidencia ainda mais a falta de comprometimento e
preocupação por parte do Ministério dos Transportes com a boa governança do PIL Ferrovias e com
o impacto que poderá provocar à saúde fiscal do país.
307. Diante do exposto, verificaram-se falhas nos mecanismos de governança do PIL
Ferrovias. De um lado, não há a devida formalização dos elementos que integram o processo de
tomada de decisão no âmbito do programa, gerando riscos de perda de informações e justificativas,
além de atrasos na sua implementação e desperdício de recursos públicos. Por outro lado, verifica-se
que a precariedade no planejamento do PIL Ferrovias pode resultar no insucesso de sua implantação
e gera grave risco de desperdício de recursos públicos, em ofensa aos princípios constitucionais da
eficiência e economicidade.
308. A adoção das medidas propostas neste trabalho de fiscalização contribuirá para que o
ambiente do PIL Ferrovias seja mais seguro e confiável para atuação dos diversos atores do sistema,
mitigará o risco de falhas ou atrasos em sua implementação, bem como reduzirá os riscos de
desperdício de recursos públicos e formação de gargalos logísticos futuros. Espera -se, assim,
42
fortalecer a governança do PIL Ferrovias, aprimorando o contexto e a forma pela qual a política
pública é institucionalizada e planejada.
309. A ação tempestiva e efetiva dos gestores do MT para corrigir os problemas apontados ao
longo desse relatório, bem como para implementar as recomendações e determinações propostas,
devem ser encaradas como peça fundamental na avaliação da gestão e da responsabilidade desses
gestores feita nos processos de contas ordinárias do Ministério dos Transportes. Dessa forma,
propõe-se autorizar, desde já, o monitoramento da implementação das deliberações do acórdão que
vier a ser proferido.
6 Proposta de encaminhamento
310. Considerando o exposto em relação ao PIL Ferrovias e ao seu modelo de operação,
submete-se este relatório à consideração superior, para posterior encaminhamento ao gabinete do
Relator, Ministro Augusto Nardes, com as propostas que seguem:
I. com fundamento no art. 250, inciso II, do RI/TCU, determinar ao Ministério dos Transportes que,
no prazo de 90 (noventa) dias:
I.1 com fundamento no princípio da motivação, no art. 17 do Anexo I do Decreto
7.717/2012 e nos arts. 37 e 38, incisos I e II, do Decreto 4.176/2002, apresente a este
Tribunal exposição de motivos, baseada em estudos técnicos que contemplem avaliações
de alternativas possíveis e análise custo-benefício, a fim de justificar a adoção do novo
modelo para as concessões ferroviárias (parágrafo 185);
I.2 a fim de minimizar o potencial dano ao Erário decorrente da inexistência de critérios
de seleção e priorização tecnicamente embasados, e com fundamento no art. 27, § 8º,
inciso II, da Lei 10.683/2003, e nos princípios da transparência, da motivação, da
economicidade e da eficiência, apresente a este Tribunal:
I.2.1. justificativa objetiva e amparada por estudo técnico consistente, da seleção
dos trechos que integram o PIL Ferrovias (parágrafo 211); e
I.2.2. critérios objetivos e transparentes que serão utilizados na priorização de
investimentos no PIL Ferrovias (parágrafo 211);
I.3 com fulcro no art. 27, § 8º, da Lei 10.683/2003 c/c dos arts. 1º, 8º e 9º do Anexo I do
Decreto 7.717/2012, e em obediência aos princípios constitucionais da economicidade e
eficiência, que apresente a este Tribunal documentos que comprovem que:
I.3.1. existe compatibilidade da capacidade ociosa das ferrovias existentes com a
demanda prevista para os novos trechos do PIL Ferrovias, avaliando a possibilidade
de geração de gargalos logísticos, os riscos de subutilização da infraestrutura de
transportes e a necessidade de ampliação da malha já existente, nos horizontes
temporais de curto, médio e longo prazos (parágrafo 257);
I.3.2. o planejamento do PIL Ferrovias considerou a integração da malha
ferroviária, existente e futura, com os demais modos de transporte, avaliando a
possibilidade de geração de gargalos logísticos e a possível subutilização dos
trechos devido à demanda insuficiente para mais de um modo de transporte no
mesmo trajeto ou à falta de capacidade de recepção e armazenagem dos portos
(parágrafo 257);
II. com fundamento no art. 250, inciso III, do RI/TCU, recomendar ao Ministério dos Transportes que:
II.1 as tomadas de decisão sejam fundamentadas com base em pareceres jurídicos, estudos
técnicos, atas de reunião, e outros instrumentos formais de registro (parágrafo 117);
43
44
VOTO
obstante as cargas pesadas devessem ser preferencialmente transportadas por ferrovias, em especial em
longas distâncias, a realidade nacional é construída por caminhões realizando fretes para cargas de
baixo valor agregado.
12. Em verdade, a malha ferroviária brasileira encolheu nos últimos 50 anos! Em 1960,
chegava a 38 mil km, enquanto em 2012, apenas 30 mil km de extensão, incluindo trens urbanos de
passageiros, segundo dados apresentados no relatório da unidade técnica.
13. Por oportuno, antes de adentrar os resultados obtidos pela equipe de auditoria, registro que,
em paralelo à preocupação com esse modal, autorizei a SeinfraHidroFerrovia a realizar amplo
levantamento de auditoria em outro setor pouco lembrado nas ações governamentais. Refiro- me ao
objeto do TC 005.095/2015-8, que trata de auditoria operacional com objetivo de realizar amplo
diagnóstico do setor hidroviário brasileiro e avaliar a governança do Plano Hidroviário Estratégico
(PHE).
14. O cenário que terei oportunidade de relatar a partir deste ponto, robustece a minha
insistente defesa da necessidade do aprimoramento da governança no Brasil.
-II-
15. O trabalho foi elaborado de acordo com as diretrizes apresentadas no Referencial para
Avaliação da Governança em Políticas Públicas do TCU (2014), que apresenta um modelo para
avaliação da governança em políticas públicas composto por oito componentes, dos quais foram
analisados dois: “institucionalização” e “planos e objetivos”.
16. O citado referencial de governança, não é demais ressaltar, é um documento paralelo e
complementar ao estudo internacional conduzido pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) com vistas a identificar as melhores práticas de governança em
nível mundial.
17. O processo subsidiará o parecer prévio sobre as Contas de Governo relativas ao exercício
de 2014, sob a minha relatoria (TC 005.335/2015-9).
18. São duas as vertentes principais inauguradas pelo novo modelo regulatório sobre o qual se
assentam as bases do PIL Ferrovias: a) segregação vertical (separação da prestação do serviço de
transporte ferroviário das atividades de construção, manutenção e exploração da infraestrutura
ferroviária); e b) livre acesso (possibilidade de competição entre os operadores independentes, com o
fim de se afastar o monopólio de transporte por um único transportador).
19. Nesse modelo, a Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. (Valec) seria responsável
por assumir o risco de variações da demanda, mediante aquisição e comercialização da capacidade
operacional das ferrovias. Além disso, a estatal remuneraria os custos fixos e variáveis da concessão
para exploração da infraestrutura, bem como anteciparia, durante o período de obras, 15% do total de
investimentos em bens de capital.
20. Por elucidativo, inicio por evidenciar, na sequência, trechos de algumas das normas que
estruturam o presente programa de governo à luz deste novo modelo regulatório.
21. A Lei 10.233/2001 passou a permitir, então, por meio de alterações promovidas pelas Leis
12.743/2012, 12.815/2013 e 12.996/2014, a possibilidade de coexistência de outorga de concessão de
exploração de infraestrutura de transporte terrestre com outorgas de permissão ou autorização de
transporte ferroviário (de cargas ou de passageiros). Veja-se:
Art. 12. Constituem diretrizes gerais do gerenciamento da infra-estrutura e da operação dos
transportes aquaviário e terrestre:
I – descentralizar as ações, sempre que possível, promovendo sua transferência a outras entidades
públicas, mediante convênios de delegação, ou a empresas públicas ou privadas, mediante outorgas de
autorização, concessão ou permissão, conforme dispõe o inciso XII do art. 21 da Constituição Federal;
(...)
Art. 13. Ressalvado o disposto em legislação específica, as outorgas a que se refere o inciso I do
caput do art. 12 serão realizadas sob a forma de: (Redação dada pela Lei nº 12.815, de 2013)
I – concessão, quando se tratar de exploração de infra-estrutura de transporte público, precedida
ou não de obra pública, e de prestação de serviços de transporte associados à exploração da infra -
estrutura;
(...)
IV - permissão, quando se tratar de: (Redação dada pela Lei nº 12.996, de 2014)
(...)
b) prestação regular de serviços de transporte ferroviário de passageiros desvinculados da
exploração de infraestrutura; (Incluído pela Lei nº 12.996, de 2014)
(...)
V - autorização, quando se tratar de: (Redação dada pela Lei nº 12.996, de 2014)
(...)
d) transporte ferroviário de cargas não associado à exploração da infraestrutura ferroviária, por
operador ferroviário independente. (Incluída pela Lei nº 12.743, de 2012)
(...)
Parágrafo único. Considera-se, para os fins da alínea d do inciso V do caput, operador ferroviário
independente a pessoa jurídica detentora de autorização para transporte ferroviário de cargas
desvinculado da exploração da infraestrutura. (Incluído pela Lei nº 12.743, de 2012) (grifos nossos)
22. Por sua vez, o Decreto 8.129/2013 instituiu a política de livre acesso ao Subsistema
Ferroviário Federal, voltado para o desenvolvimento dos sistemas de transporte ferroviário e para a
promoção de competição entre os operadores ferroviários, nestes termos. Foram estabelecidas, ainda,
as seguintes diretrizes para as concessões de infraestrutura ferroviária (art. 1º, parágrafo único):
“I - separação entre as outorgas para exploração da infraestrutura ferroviária e para a prestação
de serviços de transporte ferroviário;
II - garantia de acesso aos usuários e operadores ferroviários a toda malha integrante do
Subsistema Ferroviário Federal;
III - remuneração dos custos fixos e variáveis da concessão para exploração da infraestrutura; e
IV - gerenciamento da capacidade de transporte do Subsistema Ferroviário Federal pela Valec -
Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., inclusive mediante a comercialização da capacidade
operacional de ferrovias, próprias ou de terceiros.
(...)
23. Por sua vez, a Valec será responsável pelo fomento das seguintes ações (art. 3º):
I - planejar, administrar e executar os programas de exploração da capacidade de transporte das
ferrovias das quais detenha o direito de uso;
II - adquirir e vender o direito de uso da capacidade de transporte das ferrovias exploradas por
terceiros;
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monitore o alcance dos objetivos do programa, traduzindo-se em risco elevado de frustação das
pretensões almejadas pelo Governo.
30. Na mesma linha dos achados anteriores – mas sob uma ótica mais específica da análise –
foi constatado inexistir a devida motivação por parte do Poder Executivo sobre aspectos relacionados à
viabilidade deste novo modelo de operação ferroviária, especialmente quanto à seleção e à priorização
dos trechos a serem concedidos, tendo em vista a falta de registros e estudos técnicos acerca dos
possíveis benefícios, custos e subsídios à sua implantação e operação:
“179. A ausência de estudos técnicos formais que verifiquem as alternativas possíveis para os
problemas regulatórios das concessões ferroviárias, que avaliem os riscos do modelo proposto e que
confrontem os benefícios a serem gerados pelo novo modelo com os custos e subsídios necessários ao
longo do período de concessão gera muitas incertezas. Uma decisão tão complexa, com tantas variáveis
e com elevado impacto nos futuros investimentos do setor ferroviário não pode limitar-se ao âmbito das
discussões governamentais e abster-se de estudos robustos para minimizar os riscos de insucesso das
medidas adotadas.”
31. Verificou-se, assim, que, conquanto alguns trechos tenham sido selecionados a partir de
dados colhidos do Programa Nacional de Logística de Transportes (PNLT), não houve estabelecimento
formal dos critérios utilizados para a seleção e priorização dos trechos passíveis de outorgas no âmbito
do PIL Ferrovias, cujas premissas são distintas e inovadoras em relação às consideradas à época
daquele programa, conforme reconheceu o próprio Ministério dos Transportes (MT).
32. Nesse particular, extraio do relatório de auditoria o seguinte excerto como forma de mais
bem aclarar a problemática:
“195. Diante de um programa tão amplo e complexo, envolvendo investimentos da ordem de
R$ 100 bilhões em aproximadamente 11 mil quilômetros de linhas férreas, a definição de prioridades
consiste em instrumento necessário para subsidiar decisões estratégicas, de modo a racionalizar a
aplicação dos recursos e garantir o seu sucesso. Uma definição bem fundamentada quanto às
prioridades também incrementa a transparência dos processos de tomada de decisão e abre espaço para
que o interesse público prevaleça. Nessa linha, a boa governança exige que políticas e progra mas
assegurem que o atingimento de seus objetivos seja feito de modo balanceado, sem permitir a
predominância de interesses de pessoas ou grupos (BRASIL, 2013).”
33. Como resultado disso, conclui a fiscalização que poderá haver desperdício de recursos
públicos em vista de fatores de ineficiência do programa, ao não alocar de forma ordenada os recursos
técnicos, humanos e financeiros disponíveis.
34. Por último, o diagnóstico conduz à fragilidade no planejamento estratégico do PIL
Ferrovias, na medida em que desassociado de embasamento técnico que permita assegurar ter havido
previsão de compatibilização dos novos trechos à malha ferroviária existente e aos demais modais de
transporte.
35. Uma das conclusões foi de que não se constatou qualquer tipo de análise comparativa
entre as capacidades operacional e ociosa da malha ferroviária atual e a demanda esperada para os
novos trechos a serem concedidos. Dessa forma, haveria risco elevado de insucesso na implantação do
programa e de má aplicação de recursos púb licos, haja vista, em alguns casos, a previsão de que as
linhas novas sejam integradas às antigas, concedidas com base no modelo anterior.
36. Outra anotação da fiscalização foi a falta de estudos de capazes de indicar de que forma os
modais concorrentes competem entre si ou se complementam aos novos trechos que integram o
programa. Dois riscos principais são apontados como consequência dessa carência de planejamento,
associada ao papel da Valec de adquirente da capacidade de transporte das novas ferrovias: a) entraves
no escoamento da carga ferroviária em razão de incompatibilidade com a infraestrutura portuária
receptora e a sua capacidade operacional; e b) subutilização da malha ferroviária por ser mostrar
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superestimada no futuro, mormente pela falta de análises comparativas de demanda com os modos de
transporte rodoviário e hidroviário.
37. É bem destacado no relatório que essa questão foi apontada por este Tribunal no TC
005.342/2014-7, que tratou “(...) da análise de compatibilidade das projeções dos estudos de mercado
e dos planos de investimentos dos projetos de implantação do trecho ferroviário Açailândia -
Barcarena e de expansão do Porto de Vila do Conde”. Naquele processo, demonstrou-se que a
expansão portuária prevista pelo Governo não seria capaz de suportar a demanda projetada de
movimentação de cargas proveniente do trecho ferroviário Açailândia-Barbacena, da Hidrovia
Tocantins-Araguaia e da pavimentação da BR-163.
-III-
38. Acolho, na íntegra, as conclusões do presente relatório de auditoria, lavrado de forma
conjunta pelas Secretarias de Fiscalização da Infraestrutura SeinfraAeroTelecom e
SeinfraHidroFerrovia.
39. Estamos diante de um dos maiores programas lançados pelo Governo atual em termos de
materialidade e relevância; porém, o cenário não é confortável diante do insuficiente grau de
governança da política pública consubstanciada ao PIL Ferrovias.
40. Como tem se mostrado uma constante nas fiscalizações levadas a efeito por este Tribunal,
trata-se de mais um caso de fragilidade no planejamento das ações governamentais, marcado por
completa inexistência de estudos capazes de conferir segurança e credibilidade a este novo modelo de
investimentos e de gestão regulatória da malha ferroviária brasileira.
41. Como já registrei no início deste voto e tenho enfatizado ao longo dos últimos anos,
especialmente durante o biênio de 2013-2014, enquanto Presidente desta Casa, a adoção de boas
práticas de governança é medida imprescindível para a concretização exitosa e eficiente das políticas
de governo.
42. Para se ter ideia, não existem estudos a respeito da expectativa de redução do custo
logístico que seria alcançado pelo programa, os quais estariam, segundo o MT, sendo elaborados pela
Empresa de Planejamento e Logística S.A. (EPL) no âmbito do Plano Nacional de Logística Integrada
(PNLI).
43. Tendo como foco essa assertiva do órgão, é preocupante imaginar que todo um modelo de
outorga do setor ferroviário foi acompanhado de ajustes no sistema jurídico, porém sem os estudos
técnicos e econômicos aptos a sustentar minimamente a sua viabilidade, especialmente sob as óticas da
elevação do nível de investimentos, da eficiência e da competitividade.
44. A resposta de representantes do MT – quando consultados na auditoria sobre as metas do
programa –, ao remeterem o PIL Ferroviais ao Plano Plurianual (PPA) 2012-2015 por meio do
Programa de Transporte Ferroviário, sugere que a eficiência no planejamento governamental em nível
estratégico ainda é uma utopia. O relatório mostra precisamente que metas relacionadas a um dos
objetivos do PPA – ampliação do sistema ferroviário nacional – não se prestam a quantificar objetivos
do PIL Ferrovias.
45. Não se pode pretender levar adiante programa desta relevância sem o estabelecimento de
um planejamento próprio que defina, com segurança, por meio de estudos técnicos, metas e objetivos,
a diretriz geral a ser tomada e as atribuições e responsabilidades dos atores governamentais
envolvidos.
46. Não se justifica o argumento de que não foram feitos registros e estudos porque se decidiu
priorizar a entrega de resultados à sociedade em detrimento da forma. Esse discurso apenas confirma a
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55. De fato, no documento citado, o gestor público afirma categoricamente que houve diversos
estudos e avaliações sobre o programa em questão, todavia, não foram materializados em relatórios ou
documentos.
56. Conforme destacado neste voto, a falta de formalização e institucionalização dos atos
relativos ao PIL Ferrovias foi um dos achados da auditoria. Mais uma vez, é tecnicamente reprovável
que um programa tão expressivo tenha se embasado em “estudos” desacompanhados de qualquer tipo
de registro formal.
57. De tudo isso, devo presumir que algum estudo houve, ainda que de forma superficial e em
caráter preliminar, ao menos para embasar apresentações sucintas como as relatadas pelo gestor (em
computador, por meio do software powe r point), visto ser pouco provável que algo tão complexo e
relevante pudesse simplesmente passar sem qualquer avaliação técnica prévia. Contudo, nem mesmo
levantamentos técnicos preliminares que possam ter viabilizado tais apresentações foram entregues à
equipe de auditoria.
58. Com relação ao encaminhamento sugerido pela unidade técnica, sou favorável a que se
convertam em recomendações as determinações propostas. Uma das razões para tanto é que os estudos
demandados, por inexistirem sob o ponto de vista formal, teriam que ser elaborados de forma
extemporânea – ante o quadro de sua completa inexistência – para justificar um novo modelo de
outorga já validado sob o ponto de vista jurídico, o que desvirtuaria a própria lógica do planejamento
na medida em que a documentação, se viesse a ser produzida, serviria para “justificar” algo já
decidido.
59. Além do mais, ainda que se possa cogitar de aparente inobservância ao princípio da
motivação dos atos administrativos, pelo fato de se ter um modelo pronto no aspecto legal e, por outro
lado, profunda carência documental a justificar as decisões até então tomadas, nenhuma licitação
baseada no PIL Ferrovias foi adiante, não se tendo materializado, portanto, nenhum ato antieconômico.
É sabido que há resistências no âmbito do Poder Executivo movidas por dúvidas e incertezas sobre a
viabilidade desse modelo, muito em função das novas atribuições da Valec em face do cenário de crise
fiscal vivenciado no País.
60. Com efeito, não se pode esquecer de que os processos de acompanhamento de outorgas
baseadas neste novo modelo serão rigorosamente fiscalizados à luz da Instrução Normativa-TCU 27,
de 2/12/1998, oportunidade em que serão levados em consideração os achados presentes nesta
auditoria para fins de manifestação conclusiva deste Tribunal sobre estudos que deverão compor a
remessa de documentos exigida pela norma.
61. Nesse pensar, é oportuno dar ciência, entre outros órgãos e entidades envolvidos, à Casa
Civil da Presidência da República, ao Ministério dos Transporte s à Agência Nacional de Transportes
Terrestres de que:
a) os achados desta auditoria denotam insuficiente grau de governança da política pública do
PIL Ferrovias e poderão comprometer a viabilidade econômico- financeira do programa – e por
consequência a sua efetividade – e das outorgas de concessões, permissões ou autorizações dele
decorrentes, o que se traduz, em última análise, em risco de desperdício de recursos públicos e de
entraves ao desenvolvimento nacional;
b) na hipótese de permanência do cenário evidenciado nesta fiscalização, a falta de estudos
técnicos e econômicos atinentes ao referido programa será levada em consideração quando da
fiscalização dos processos de outorgas de concessões, permissões ou autorizações baseados no modelo
do PIL-Ferrovias, especialmente da documentação que deverá compor o primeiro estágio a que se
refere o art. 7º, inciso I, da Instrução Normativa-TCU 27, de 2/12/1998, e poderá indicar manifestação
desfavorável por parte deste Tribunal.
8
TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 20 de maio de
2015.
Fui presente:
(Assinado Eletronicamente)
PAULO SOARES BUGARIN
Procurador-Geral
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