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Existe um Rivotril para ouvir respostinha de

préadolescente?
Ter um pré-adolescente em casa é testar a autoestima 24hs por dia, sete dias por semana. Ele critica os
gostos, a aparência e até o trabalho
08/09/2020 - 04:41

Antes eu era como Luke Skywalker para meu filho; agora ele me vê como Homer Simpson Foto: Reproduções

‘Mano, você já se olhou no espelho?”

A pergunta pode parecer normal para as pessoas comuns, mas vinda de um pré-
adolescente obrigado a pentear o cabelo antes de sair, trata-se de uma autêntica
respostinha.

Quem tem um pré ou adolescente em casa sabe o que é a respostinha:


aquele comentário atravessado que eles soltam sempre que os pais tentam corrigir
algo de errado que estão fazendo. Não um errado subjetivo, como um gosto ou uma
opinião, mas aquele errado cristalino, o que pede apenas dois neurônios para
considerá-lo como tal. Como deixar torneiras abertas e todas as luzes ligadas, largar
um rastro de roupas sujas espalhadas pela casa, querer almoçar Doritos e jantar
Pringles e, claro, sair pela rua afora com o cabelo parecendo um ninho de carcará.

Qualquer debate entre o lógico e o irracional — uma moda não só entre adolescentes
— é inútil, eles acham que sempre tem razão e coitado de quem discordar. Não
entendo por que os fabricantes do Rivotril ou do Lexotan não lançam um calmante
específico para pais de teens.
Ganhariam uma fortuna.

Até os dez anos do Martín, eu era, ao menos para ele, um Luke Skywalker, aquele
herói de “Guerra nas Estrelas”: capaz de resolver qualquer problema, de vencer todas
as adversidades. Bons tempos. É claro que não tive a ingenuidade de imaginar que a
farsa ia se manter para sempre. Sei que o adolescente precisa matar os pais — calma
leitor, é apenas simbolicamente — para poder amadurecer e seguir em frente. É a
ordem natural das coisas. No entanto, imaginei, aí sim ingênuo, que iria mudar do
Luke, o adorável herói, para outro personagem tão carismático quanto. Quem sabe o
C-3PO? Aquele cativante e ranzinza robô dourado. Ou Darth Vader? Um vilão
tenebroso, mas com algum charme e elegância.

Na-na-na.

Nada de C-3PO ou Darth Vader.

Virei o Homer Simpson mesmo.

Não há nada que eu faça ou diga que ele não considere desastrado, chato ou patético:
ter um pré-adolescente em casa é testar a autoestima 24 horas por dia, sete dias por
semana. Ele critica a aparência, os gostos, a lógica, os valores e até o trabalho: “Véio,
como é que você consegue ganhar dinheiro fotografando? Qualquer um sabe tirar
foto!”
É preciso fairplay. Muito fairplay. Mas muito mesmo.

Você explica que picolé não é um café da manhã saudável: respostinha.


Informa que jogar videogame o dia todo frita os miolos: respostinha. Avisa que se não
estudar vai levar zero na prova: outra respostinha. Manda arrumar o quarto: aí não tem
respostinha porque ele some antes.

Todo comentário dos pais é contestado ou ridicularizado, não de uma maneira


espirituosa ou bem humorada, o que seria ao menos divertido, mas sim com uma
ironia capenga ou um sarcasmo tosco. Tão enervantes quanto cansativas. No entanto,
aos olhos deles, são sacadas geniais, merecedoras de admiração e aplausos. E tome,
“véio, você isso”, “mano, você aquilo”.

Só me cabe aturar e torcer para passar logo. Se pré já é assim, nem quero imaginar o
que vem por aí na adolescência. Vou precisar de muita paciência e sabedoria.

Mestre Yoda?

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