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A conta

Por Poliana Paiva

-Oi, Ana, quanto tempo!


-Oi, Debica, tudo bem?
-Sim, querida, você sumiu...
-Pois é...
-A última vez que te vi você tava traçando o cara mais lindo da festa.
-Nem me fale...
-Tá rolando? Vocês têm saído?
-Aconteceu uma parada surreal.
-O quê?
-Aquele dia a gente tava no maior romance, você viu né?
-Se vi! Você tava despertando a ira feminina no banheiro.
-Como assim?
-Tinham umas meninas falando de vocês.
-Falando o quê?
-Coisa de mina invejosa, que o moreno de blusa branca estava agarrando uma gorda descabelada.
-Gorda é sacanagem! Com tanta caminhada e pilates, vagabundo me chamando de gorda!
-Raiva, filha! Você bem sabe que não é gorda!
-Pra esses padrões zero cal, eu sou gorda, mas pros homens, acho que dou pro gasto.
-Modesta! Você é a maior pegadora que eu conheço!
-Também não é assim, vai. De repente um ou outro finge que me acha gostosa, vai saber.
-Homem não finge, baby, homem fica de pau duro!
-Pode crer!
-Mas conta do bofe! Quero saber.
-Cara, a parada que rolou foi meio bizarra.
-Como assim?
-A gente foi prum motelzinho meio de quinta, aquele esquema...
-Sim, normal também, né? Não dá pra exigir vista pro mar...
-Pois então, a noite foi ótima, ele me comeu umas 3 vezes. Bem disposto o rapaz, super carinhoso e
tal.
-Onde tá a parada bizarra?
-De manhã acordei e ele não tava no quarto.
-Hummm, que péssimo.
-Pensei: “ah, ele deve ter horário, não quis me acordar”.
-No domingo?
-Pois é, mas o pior ainda estava por vir.
-Ai meu Deus...
-Ele foi embora e não pagou a conta. Quando desci, tive que pagar tudo, o visa electron tava fora do
ar, eu tava sem cheque, fiquei contando moeda na recepção da espelunca, você acredita numa coisa
dessas?
-Gente, que bizonho! Mas como que no motel deixaram ele ir embora sem te avisar?
-Foi o que perguntei e sabe o que eles me responderam?
-O quê?
-Que o cara tinha pedido pra me deixar dormindo, já que tinha deixado a grana comigo.
-Que cara de pau!
-Desde então fiquei meio ressabiada de dar de primeira pra quem eu não conheço.
-Ai, amiga, nem sei o que te dizer.
-Se duvidar, nem minha terapeuta vai saber!
-Mas também, esquece isso, vai, senão você vai ficar paranóica.
-É, tô tentando, mas de vez em quando me volta a cena deu contando moeda de um real com aquele
povo olhando pra minha cara com olhar de pena, sabe assim?
-Bizarro, mas, ó, desanima não. Sabe quem perguntou de você?
-Quem?
-Alexandre.
-O moreninho bocudo?
-Esse mesmo.
-Hummm, delícia.
-Pois é. E esse você pode ter certeza que não vai regular a mixaria.
-Hahahahahahha.
-Isso, filha, tem que rir dessa situação, pra ela ir embora de vez.
-Total!

Ninguém precisava dizer, mas ambas sabiam que contar moeda na porta do cinema, nas lojas
americanas ou na padaria é bem diferente de fazê-lo na recepção de uma espeluncazinha qualquer,
sob o olhar de reprovação dos moralistas de plantão.

Por conta desse episódio, Ana agora só quer saber de dar pra homem rico.

Dali em diante, pra ela, passa a valer a máxima de quem dá aos pobres, invariavelmente, acaba
tendo que pagar o motel.

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