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Uma breve história da Trigonometria

A Trigonometria é um assunto extremamente importante no estudo da


Matemática, estando presente em sua base elementar (como visto nos anos finais
do Ensino Fundamental e no Ensino Médio), em diversas aplicações (no dia-a-dia,
Ciência e Tecnologia) e até mesmo em disciplinas mais avançadas do estudo
matemático, como a Análise.

O início da Trigonometria nos remete à antiguidade, ao período helenístico no


século III antes de Cristo, nas aplicações da Geometria aos estudos astronômicos.
Os gregos a utilizaram no cálculo de cordas de um círculo, enquanto os indianos
foram responsáveis pela criação de tabelas de valores e proporções trigonométricas,
conhecidas hoje como funções trigonométricas. No entanto, existem registros
prévios a estes povos de que os babilônicos já utilizavam conceitos de trigonometria
em suas aplicações matemáticas.

Inicialmente, o objetivo principal da Trigonometria era o problema de


resolução de triângulos, na determinação dos seis elementos principais dessa figura
geométrica (três lados e três ângulos) quando se conhecem apenas três deles,
sendo que um obrigatoriamente deve ser um dos lados (casos de semelhança e
congruência de triângulos, vistos na Geometria Euclidiana).

Com o desenvolvimento e formalismo da Matemática (principalmente com o


advento do Cálculo Infinitesimal e da Análise), viu-se a necessidade de atribuir as
noções das relações trigonométricas (como seno, cosseno e suas derivadas) o
status de noção de funções reais de uma variável. Com isso, além do conceito do
cosseno de um ângulo Â, passa-se a ter também o cos x, ou o cosseno de um
número real x. Isto também é válido para as funções, seno, tangente, cotangente,
secante e cossecante, que completam as chamadas funções trigonométricas.

As funções trigonométricas possuem diversas propriedades interessantes.


Dentre elas, destacamos a periodicidade (que será vista com mais rigor
futuramente), e por ela as funções trigonométricas descrevem diversos fenômenos
de natureza oscilatória e ondulatória, como a mecânica celeste, o som, correntes
elétricas, circulação do sangue, entre outras. Por esta característica periódica, em
1822 o matemático Joseph Fourier formulou que funções periódicas (com pequenas
restrições) poderiam ser representadas como uma série de somas (finitas ou
infinitas) de função do tipo a cos nx + b cos nx, que são as conhecidas Séries de
Fourier. Este estudo foi tão inovador e importante que deu origem a um novo ramo
da matemática, a Análise de Fourier, que vem sendo muito estudada nos últimos
anos.

Revisitando conceitos

Antes de darmos sequência à fundamentação teórica das funções


trigonométrica, reveremos alguns conceitos sobre ângulos, triângulos e relações
trigonométricas, normalmente estudados no Ensino Fundamental. Lembremos que,
num triângulo retângulo de hipotenusa a, e de ângulos agudos (inferiores a 90º) B e
C, opostos aos catetos b e c (respectivamente), são válidas as relações:

cos B = c / a = (cateto adjacente) ÷ (hipotenusa)

sen B = b / a = (cateto oposto) ÷ (hipotenusa)

Analogamente, temos cos C = b / a, sen C = c / a.

Triângulo retângulo ABC

As relações acima definem o seno e cosseno de um ângulo agudo qualquer,


pois todo ângulo agudo pode ser um dos ângulos do triângulo retângulo.
Ressaltamos uma observação: os valores cos B e sen B não dependem do tamanho
do triângulo retângulo do qual B é um ângulo agudo. De fato, pelas relações de
semelhança entre triângulos, para quaisquer dois triângulos retângulos que possuam
um ângulo agudo B, são válidas as relações:
b´/ a´ = b / a

c´/ a = c / a,

para dois triângulos ABC e A´B´C´ (conforme figura), com ângulo B = B´.

Semelhança entre triângulos

Com isto, temos que sen B = sen B´ e cos B = cos B´. Portanto, B = B´.

As relações de semelhança entre triângulos constituem a base de


sustentação da Trigonometria. Se tivermos uma relação dos valores de cosseno do
ângulo B (sendo ele agudo), a relação c = a x cos B e utilizando o teorema de
Pitágoras, temos

b = √(a² - c ²),

e com isto podemos determinar os catetos b, c de um triângulo retângulo,


conhecendo sua hipotenusa a e apenas um de seus ângulos agudos.

De forma geral, em um triângulo ABC qualquer, a altura h baixada do vértice


C sobre o lado AB do triângulo é dada pela expressão h = |BC| x sen B, onde |BC| é
o comprimento do segmento em questão, que será considerado a hipotenusa do
triângulo retângulo formado.

Triângulo ABC, de altura h

Isto mostra a utilidade da Trigonometria como ferramenta geométrica,


permitindo relacionar ângulos com comprimentos de segmentos.
Pelo Teorema de Pitágoras (a² = b² + c²), temos em um triângulo retângulo
ABC, com AB = c, AC = b e BC = a, que

(cos B)² + (sen B)² = (c² / a²) + (b² / a²) = (b² + c²) / a² = a² / a² = 1,

sendo esta expressão conhecida como relação trigonométrica fundamental. Ela nos
mostra que basta construir uma tabela de senos para obter o cosseno do ângulo
correspondente (e vice-versa).

Para finalizar, faremos algumas observações pertinentes à continuidade de


nossos estudos:

- o cosseno de um ângulo agudo é igual ao seno de seu complemento (e vice-


versa). Lembrando que o complemento de um ângulo agudo é o ângulo que,
somado ao primeiro, totaliza 90º. Por isso o nome cosseno (complemento do seno);

- o seno e cosseno de um ângulo agudo são sempre valores entre 0 e 1 (pois as


razões de seno e cosseno são a comparação entre catetos e a hipotenusa, que são
valores positivos, e a hipotenusa é sempre maior que os catetos);

- Seja A1B1 a projeção ortogonal de um segmento de reta AB sobre um eixo. Então,


os comprimentos de AB e A1B1 são relacionados pela fórmula | A1B1| = |AB| cos α,
onde é o ângulo de AB com o eixo em questão:

Projeção ortogonal de AB
A função de Euler e a trigonometria

Olhando a relação trigonométrica fundamental

cos² α + sen² α = 1

e lembrando da equação característica da circunferência temos que, para todo


ângulo α, os números cos α e sen α podem ser interpretados como as coordenadas
de um ponto da circunferência de raio 1 e na origem do plano cartesiano R².
Denotaremos esta circunferência de C, e será conhecida como circunferência
unitária ou círculo unitário. Portanto, para os pontos P = (x, y) pertencentes à
circunferência C, temos que x² + y² = 1. Veremos que estas coordenadas
corresponderão ao cosseno e seno de um ângulo formado na circunferência C.

Círculo trigonométrico

Como os pontos x e y pertencem à circunferência, temos que -1 ≤ x ≤ 1 e


-1 ≤ y ≤ 1 (os extremos são atingidos quando os pontos x e y estão nos eixos OX e
OY, respectivamente, em direções opostas).

Para definirmos as funções cosseno e seno, associaremos a um número real t


um respectivo ângulo e consideraremos as coordenadas como o cosseno e seno do
mesmo. Chamaremos t a medida do ângulo, e esta pode ser dada em radianos ou
em graus. Ao se trabalhar com os conceitos de cosseno e seno como funções, é
mais conveniente adotarmos a medida em radianos.

Com estas definições, construiremos uma função chamada função de Euler


(E), com domínio e imagem nos reais, que corresponde a cada número real t o ponto
E(t) = (x, y) da circunferência unitária, com as seguintes propriedades:
• E(0) = (1, 0)

• se t > 0, percorremos a circunferência C, a partir do ponto E(0), um caminho de


comprimento t, andando em sentido positivo (sentido anti-horário) pelo caminho mais
curto de C. O ponto final desse caminho será chamado de ponto E(t).

• se t < 0, percorremos C, partindo do ponto E(0), um caminho de comprimento |t|,


mas nesse caso, em sentido anti-horário. O ponto final neste caso também é
chamado E(t).

Podemos pensar na função de Euler como o processo de enrolar a reta dos


reais, como se fosse um fio, sobre a circunferência C, como se esta fosse um
carretel, de modo que o ponto 0 da reta dos reais caia sobre o ponto E(0) definido
acima.

O processo de “enrolar” a reta

Cada vez que o ponto t descrever na reta um intervalo de comprimento l, a


imagem E(t) (seu respectivo ponto na circunferência unitária) percorrerá um arco de
mesmo comprimento l. Sabemos que o comprimento de uma circunferência de raio 1
é 2π, quando t = 2π na reta real, na circunferência dará uma volta completa,
retornando ao ponto E(0), seu ponto de partida. Tomando um ponto t qualquer,
teremos E(t) = E(t + 2π) e, mais geralmente, E(t) = E(t + 2kπ), para k pertencente
aos inteiros. Isso mostra a característica de periodicidade da função E e, por
consequência, das funções cosseno e seno, que será visto com mais detalhes
adiante.

Exploremos um pouco mais a questão da periodicidade. Tomemos dois


números reais t e t´, tais que t < t´, e E(t) = E(t´) (ou seja, possuem as mesmas
coordenadas no círculo unitário). Isto significa que, quando um ponto s da reta real
varia de t a t´, sua imagem E(s) se deslocará sobre C, em sentido positivo, partindo
do ponto E(t) e dando k voltas até retornar ao ponto de partida E(t) = E(t´), onde k é
um número inteiro. Como C possui comprimento de 2π, a distância total percorrida
será de 2kπ, e podemos reescrever t´ = t + 2kπ.

Continuando o desenvolvimento da teoria, tomaremos um ponto A = (1,0) e


O = (0,0). Para cada número real t, denotaremos B = E(t). Neste caso, o ângulo AÔB
formado entre esses três pontos terá a medida de t radianos, e esta é uma boa
definição para o conceito.

Ângulo AÔB, medindo t radianos

Com esta definição, é possível fazer algumas observações importantes:

• É possível ter B = E(t) com t < 0. Desta forma, temos uma medida orientada, e um
ângulo pode ter medida “negativa” (diferente da forma usada em graus);

• A medida de AÔB é determinado apenas a menos de um múltiplo inteiro de 2π


(pelo fato de E(t) = E(t + 2kπ), com k inteiro). Por exemplo, um ângulo que mede 2
radianos é também um ângulo de 2 - 2π radianos. De forma geral, temos que B =
E(t) = E(t - 2π), pelo fato de existirem dois arcos que vão de A = (1,0) até B: um de
comprimento |t| e outro de comprimento |t - 2π|;
Arcos de comprimento t e t - 2π

• Com esta definição podemos dizer que um ângulo AÔB mede t radianos se, e
somente se, o arco AB da circunferência C formado por esse ângulo tem
comprimento igual a t. De forma geral, se uma circunferência possui raio r, a medida
de um ângulo central, em radianos, é l / r, onde l é o comprimento do arco
subtendido por esse ângulo;

Como uma circunferência inteira possui 2π rad (sendo esta a notação para
radianos), que é equivalente a 360º (notação para graus), a seguinte equivalência é
válida:

1 rad = (360 / 2π)º ~ 57,3 graus

É importante a ciência de algumas relações, como 90º = π/2 rad e 180º = π


rad.

Escreveremos algumas simetrias da função de Euler, que serão


demonstradas no desenvolvimento da teoria das funções trigonométricas. Se E(t) =
(x, y), então:

• E(t + π) = (-x, -y);

• E (t + π/2) = (-y, x);

• E(-t) = (-y, x);

• E(π/2 – t) = (y, x);

• E(π – t) = (-x, y).

Estas mesmas relações estão explicitadas na imagem abaixo.


Simetrias da função de Euler

As funções trigonométricas

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