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Cap.

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O PROCESSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS:
UMA ABORDAGEM EXPLORATÓRIA

José Ricardo Martins

Introdução
Com a redemocratização do Brasil em 1985 e com a promulgação da Constituição brasileira
de 1988, tendo sido delegado ao Estado um papel mais relevante na sociedade e em especial no
âmbito social, a área de políticas públicas vem se consolidando como processo empírico da
atividade política e como campo teórico próprio e autônomo – sendo um campo multidisciplinar - e
como instrumento analítico importante para compreender as relações da sociedade para com o
Estado e deste para com aquela.
Com a chamada Constituição Cidadã, maiores demandas são imputadas aos diversos entes
públicos e espera-se destes - ou seja, do Estado - ações concretas para atender estas demandas e
agendas que são apresentadas e discutidas na arena pública. Assim, pelo incremento das demandas
da sociedade ao Estado, da produção analítico-teórico e por ser um campo de estudo em
consolidação, justifica-se debruçar-se sobre o tema e sintetizar o arcabouço epistemológico e
hermenêutico de políticas públicas.
A área de conhecimento de Políticas Públicas desenvolveu-se na Europa com a tradição
analítica do papel do Estado. Já nos Estados Unidos, seu desenvolvimento se deu na análise das
ações do Estado em vista da otimização dos recursos aplicados no contexto do New Deal, tendo um
caráter tecnicista (CAPELLA, 2015). Com relação ao Brasil, Arretche define o contexto da
importância e do interesse crescente do estudo em políticas públicas no país:
O crescente interesse por essa temática está diretamente relacionado às mudanças recentes
da sociedade brasileira. O intenso processo de inovação e experimentação em programas
governamentais – resultado em grande parte da competição eleitoral, da autonomia dos governos
locais, bem como dos programas de reforma do Estado -, assim como as oportunidades abertas à
participação nas mais diversas políticas setoriais – seja pelo acesso de segmentos tradicionalmente
excluídos a cargos eletivos, seja por inúmeras novas modalidades de representação de interesses –
despertaram não apenas uma enorme curiosidade sobre os “micros” mecanismos de funcionamento
do Estado brasileiro, como também revelaram o grande desconhecimento sobre sua operação e
impacto efetivo (ARRETCHE, 2003, p.7-8).
Estuda-se políticas públicas por razões científicas que visam entender e explicar fenômenos
sociais, por razões profissionais que trata da utilização dos conhecimentos adquiridos pelos gestores
públicos e empresários e por razões políticas que procura apreender um ferramental necessário para
ser mais eficaz na aplicação das políticas públicas (SECCHI, 2014).
Segundo Deubel, importante pesquisador colombiano de políticas públicas na América
Latina, a originalidade do conceito de políticas públicas está no fato que permite conjugar sob o
mesmo termo tanto a produção normativa das instituições públicas (planos, leis, decretos,
resoluções, ordenanças, acordos jurídicos, entre outros), como as atividades políticas e
administrativas realizadas tanto por atores políticos e sociais, como por autoridades públicas para a
elaboração, decisão, implementação e avaliação dessa produção, ou seja, o processo de política,
assim como seus efeitos na sociedade e a atividade política mesma (DEUBEL, 2010, p. 21).
Este capítulo preocupa-se em fornecer uma abordagem geral em torno do tema das políticas
públicas, dando ênfase ao seu processo, a partir de um enfoque eminentemente teórico. A
compreensão heurística do processo das políticas públicas é representada por etapas que formam
um ciclo. Na verdade, não há apenas um único modelo de ciclo de políticas públicas, mas vários
que serão apresentados neste capítulo.
O objetivo do capítulo é, portanto, o de apresentar ao leitor não iniciado no assunto uma
visão panorâmica a respeito de políticas públicas e analisar a complexidade do processo e as
diferentes etapas do ciclo de políticas. Para atingir este objetivo, o capítulo está dividido em mais
duas seções, além desta introdução: a primeira apresenta as diferentes definições de políticas
públicas, caracterização da transdisciplinaridade deste campo de estudo e apresentação dos vários
tipos de política pública. A segunda seção discute os diversos modelos de ciclos de políticas
públicas, análise da complexidade do processo de políticas públicas e a caracterização e discussão
de cada uma das etapas. No mais, este capítulo guia-se pela pergunta sobre a relevância do ciclo de
políticas públicas para a teoria e a prática. A metodologia de pesquisa é a qualitativa e o
procedimento usado é a pesquisa bibliográfica. Para cumprir os objetivos propostos, foram
consultados autores como Arretche, Capella, Celina Souza, Faria, Secchi, Procopiuk, além de
Easton, Kingdom, Birkland, Cobb, Elder, Subirats, entre outros.

Conceitos básicos de políticas públicas


Nesta seção aborda-se os conceitos centrais de políticas públicas que são os fundamentos
desta área, seja na atuação política, na intervenção social ou na pesquisa acadêmica. Discute-se
alguns destes fundamentos, tais como a própria conceituação de políticas públicas e seu caráter
transdisciplinar, algumas distinções relacionadas à palavra política e a tipologia de políticas
públicas.

O caráter inter e transdisciplinar das políticas públicas


Antes de entrar na seara da busca por uma definição adequada de políticas públicas, faz-se
necessário ressaltar que a própria noção ontológica de políticas públicas se dá num contexto de
multidisciplinaridade. Faria (2013) faz uma importante análise e defesa da multidisciplinaridade das
políticas públicas. Isso porque, citando DeLeon, “quase todo problema social ou político tem
múltiplos componentes que estão associados às várias disciplinas acadêmicas, não recaindo
claramente em nenhum domínio disciplinar exclusivo” (DELEON, 2006, apud FARIA, 2013, p.
17). Segundo Faria, as políticas públicas constituem um campo multidisciplinar a partir de sua
perspectiva analítica e de intervenção, nas suas articulações práticas e intelectuais e são orientadas
por valores, especialmente o “ethos democrático e a busca da dignidade humana” (FARIA, 2013, p.
17). Desta forma, as políticas públicas abarcam, de forma transdisciplinar, a Ciência Política,
Sociologia, Antropologia, Administração (especialmente a Administração Pública), Economia,
Direito, Ciências Contábeis, Planejamento Urbano e Regional e Relações Internacionais.
As ciências sociais como um todo, mas, sobretudo, a Ciência Política, na busca de “novos
caminhos”, tem especial interesse e se “mostra amplamente receptiva” (REIS, 2009) em incorporar
os estudos de políticas públicas em seu arcabouço teórico e empírico, pois as análises dos inputs (os
problemas e demandas da sociedade) e outputs da política (os resultados ou respostas que o sistema
político retorna à sociedade, geralmente em forma de política pública) – sobretudo os últimos -
contribuem para esta ciência alcançar um maior rigor científico. O autor ressalta o interesse da
Ciência Política pelos últimos, já que “os outputs são mais diretamente suscetíveis de avaliação
racional do que as lutas e tensas formas de interação entre “demandas” e “apoios” (EASTON, 1953)
que constituem o lado dos inputs do processo político” (REIS, 2009, p. 40).
Tal interdisciplinaridade1 traz vantagens de poder contar com reforço epistemológico de
várias disciplinas correlatas, mas também desafios para sua consolidação e emancipação como

1
Faz-se necessário fazer uma diferenciação destes vários conceitos similares e conexos, mas com significados
diferentes. Segundo os parâmetros curriculares nacionais (PCN), multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e
transdiciplinaridade são formas possíveis de articulação das diversas disciplinas. Multidisciplinaridade envolve mais de
uma disciplina, sendo que cada disciplina envolvida mantém sua metodologia e teoria, sem modificações e não havendo
integração dos resultados obtidos e não se explora a articulação. Interdisciplinaridade envolve mais de uma disciplina.
Aqui adota-se uma perspectiva teórico-metodológica comum para as disciplinas envolvidas, promove a integração dos
resultados obtidos e busca-se a solução dos problemas através da articulação de disciplinas. Contudo, os interesses
próprios de cada disciplina são preservados. A transdisciplinaridade representa um nível de integração disciplinar além
da interdisciplinaridade, sendo uma etapa superior de integração onde não existe fronteira entre as disciplinas. Busca-se
ciência autônoma. Nos Estados Unidos, as políticas públicas se desenvolveram com fortes vínculos
à Administração Pública e à Ciência Política. No Brasil (ARRETCHE, 2003; CAPELLA, 2015;
HOCHMAN, ARRETCHE; MARQUES, 2012; SOUZA, 2012; MARCHETTI, 2013), a Sociologia,
a partir da análise das políticas sociais, tem se colocado como disciplina central no estudo e análise
de políticas públicas. É justamente a partir dessa multidisciplinaridade que se compreende o
conceito de políticas públicas.
Mas, afinal, o que são as políticas públicas? Apresentam-se, a seguir, algumas definições de
políticas públicas para que se possa compreender a extensão e a diversidade teórico-conceitual a
respeito desse objeto de estudo.

Conceituando políticas públicas


A definição mais aceita pelos pesquisadores da área é aquela proposta por David Easton
(1953) que a definiu como “o Estado em ação”. Esta é uma forma de compreender políticas
públicas como processo, sendo este essencialmente político, pois, segundo Procopiuck (2013,
p.139), “é o meio pelo qual a sociedade se organiza, regula e governa”. E conforme ensina Birkland
(2010), é um processo político porque se constitui em processo – que é parte de um sistema - que se
situa na esfera pública e envolve decisões políticas destinadas a enfrentar problemas que afetam
coletivamente a comunidade ou segmentos dela (BIRKLAND, 2010). Segundo Souza (2012), a
análise de políticas públicas procura explicar as inter-relações entre Estado, política, economia e
sociedade, analisar a ação do governo e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso
dessas ações. Colocar o ´governo em ação` traduz seus propósitos ou plataformas eleitorais em
programas e ações (SOUZA, 2012).
De acordo com Secchi (2014), a razão de ser das políticas públicas se justifica pelo fato de
que Estado e Sociedade não são entes isolados. O Estado sofre influências, demandas e pressões da
Sociedade e influencia esta por intermédio das políticas públicas. Por isso, justifica-se que pode-se
definir políticas públicas como o Estado atuando na sociedade via projetos, ações, diretrizes,
princípios norteadores do poder público. É o conjunto de decisões proposto pelo ente público em
uma determinada área.
Para David Easton (1953), políticas públicas, são os outputs, o resultante da política e
envolvem atividade política. Estas resultam do processamento, pelo sistema político, dos inputs
(demandas originadas da sociedade) e frequentemente de withinputs (demandas e contribuições

relações entre os diversos saberes (ciências exatas, humanas e artes) numa democracia cognitiva, onde nenhum saber é
mais importante que outro (BRASIL – MEC, 1998).
originadas do interior do próprio sistema político). Procopiuck (2013, p.139) alerta ainda que
políticas públicas se configuram também como conteúdo. Este “é a manifestação do governo sobre
o que pretende realizar com base em leis, regulação, decisões, comandos executivos e judiciais.”
Apresenta-se, a seguir, algumas definições de políticas públicas elaboradas pelos fundadores
e autores clássicos da disciplina. Estas definições foram reunidas por Souza (2012, p. 68) em seu
estudo Estado da arte da pesquisa em políticas públicas:
▪ L. M. Mead (1995): campo de estudo da política que analisa o governo à luz de grandes
questões públicas.
▪ L. E. Lynn (1980): conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos.
▪ B. G. Peters (1986): é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou por
delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos.
▪ Thomas Dye (1984): “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”.
▪ Harold Lasswell (1936): decisões e análises sobre política pública implicam em responder as
seguintes questões: quem ganha o quê, por que e que diferença faz.
▪ Theodor Lowi (1964; 1972): “uma regra formulada por alguma autoridade governamental
que expressa uma intenção de influenciar, alterar, regular, o comportamento individual ou
coletivo através do uso de sanções positivas ou negativas”.
Definir políticas públicas como “o Estado em ação” certamente era o suficiente nos tempos
de Easton em 1953. Contudo, hoje tal definição é excessivamente genérica, pois “Estado em ação”
pode significar qualquer coisa que o Estado realiza, deixa de realizar ou quando entra em ação de
forma reativa. Por outro lado, entende-se políticas públicas como planejamento e ação deliberada do
Estado. Este, deixado às leis do mercado, apenas apresentando as condições de negócios, é um
Estado sem políticas públicas e não atende as demandas e não incorpora as contradições da
sociedade.
Como é importante ter uma definição clara do que são as políticas públicas, da mesma forma
é importante distinguir a gramática de alguns termos conceituais, amplamente empregados em
políticas públicas. Os conceitos da língua inglesa politics, policy e polity apresentam certa
dificuldade de compreensão em português por não apresentar seu correspondente imediato, mas faz-
se necessário uma explicação de cada conceito, como apresentado no quadro abaixo.

QUADRO 1 – CONCEITOS CENTRAIS DE POLÍTICAS PÚBLICAS


Conceito Definição
Politics Dimensão processual da política; processo onde os diferentes atores se
encontram, discutem e fazem coalizões
Polity Dimensão institucional do sistema político e administrativo (organização
política)
Policy/policies Políticas públicas, o programa em si
Policy networking Inter-relações entre os diferentes atores
Policy arena Arena da política; processo de conflito e consenso entre os atores
Policy cycle Formulação, implementação e avaliação da política pública
Fonte: Elaboração própria, baseado em SECCHI, 2014.

Dentre os conceitos básicos de políticas públicas, a tipologia proposta por Lowi (1972)
ocupa um lugar de destaque. Apresenta-se esta tipologia a seguir.

Tipologia de políticas públicas


A tipologia de Lowi foi adotada como nomenclatura “oficial” para caracterizar o efeito
causado na realidade empírica por cada política pública. Como campo de estudo e ao mesmo tempo
atuação prática na realidade dos cidadãos, Theodor Lowi (1972) define os tipos de políticas
públicas como sendo: (a) Distributivas: “Envolvem recursos não finitos ou mesmo ilimitados, cuja
distribuição não geraria jogo de soma zero, mas de soma positiva2” (MARQUES, 2013, p. 30). Ou
seja, produzem vantagens para um grupo da sociedade e não acarretam custos e perdas para os
outros. Ex. bolsa família. Essas políticas não são orientadas para o conflito: “Esse tipo de política
tende a apresentar um padrão de negociação muito pluralista, assim como baixo potencial de
conflito” (idem). (b) Redistributivas: “Envolvem a distribuição de recursos finitos, gerando jogo de
soma zero de natureza muito mais conflitiva” (id.): uma parte perde para a outra parte receber. Ex.
reforma agrária (MST x proprietários). Estas políticas podem gerar conflitos. (c) Regulatórias:
“Políticas através das quais o Estado estabelece regras para o funcionamento de atividades
produzidas externamente a ele.” (id.) Trabalha-se com ordens e proibições, com decretos e
portarias. Procura regulamentar situações. Ex. lei seca. (d) Constitutivas ou estruturadoras:
estruturam e constroem as regras do jogo. Estão associadas à criação e transformação das próprias
regras do jogo político. (MARQUES, 2013, p. 29). Ex. reforma política. Estas afetam os outros
tipos de políticas.

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“Jogo de soma zero” descreve situações socais nas quais para que algum ator ganhe algo, outro deve perder. Em jogo
de soma positiva, o ganho de um não implica na perda do outro; todos podem ganhar ao mesmo tempo .
Esses foram alguns conceitos fundamentais que se julga necessário que todo iniciante no
estudo de políticas públicas deva conhecer. Contudo, a área que tem gerado maior número de
estudo é o processo ou ciclo de políticas públicas que é apresentado a seguir.

Processo ou ciclo de políticas públicas


Um dos conceitos centrais na análise de políticas públicas é a compreensão do processo ou
ciclo de políticas públicas. Na verdade, trata-se de um complexo processo político, pois envolve os
diversos atores da política pública, sejam os atores governamentais, como os políticos, designados
politicamente, burocratas e juízes, sejam os atores não governamentais, como grupos de interesse,
partidos políticos, meios de comunicação, think tanks, destinatários das políticas públicas, ONGs,
fornecedores, organismos internacionais, financiadores, comunidades epistêmicas e especialistas
(SECCHI, 2014, p. 101).
A configuração dos atores no ciclo de políticas públicas se dá de forma diferente, “com
prevalência de alguns e ausência de outros” (id.), de acordo com área da política. A segurança
pública, por exemplo, envolve atores bastante diversos em sua configuração do que a arena da
saúde.
A vantagem em conceber a política pública através de um ciclo é que este contém em si a
ideia de processo, o que bem caracteriza a política pública. O processo pode ser concebido como
linear (simples) ou complexo (múltiplos fatores atuam e devem ser considerados ao mesmo tempo).
Outra vantagem é que centraliza a atenção sobre os atores oficiais e instituições e os fatores que
condicionam sua atuação. Igualmente, trata-se de um processo flexível e com possibilidades de
melhorias. Ademais, o ciclo apresenta uma visão dinâmica do processo de políticas públicas, não
detendo a atenção em apenas um estágio deste processo, enfim “organiza a vida de uma política
pública em fases sequenciais e interdependentes” (SECHI, 2014, p. 43), como será apresentado
mais adiante. Contudo, é salutar, antes, trazer a crítica de Paul Sabatier (2007) que analisa a
complexidade da realidade empírica na qual as políticas públicas estão envolvidas, bem como tece
questionamentos a respeito da simplificação do processo de políticas públicas.

A complexidade do processo de políticas públicas


As políticas públicas são um fenômeno complexo no qual atuam, frequentemente mediante
redes estruturadas de agentes, tanto elementos institucionalizados, como regras formais, ideias,
interesses e instituições políticas (CAPANO, 2009, p. 18). Desse modo, entende-se políticas
públicas como um conjunto de elementos e processos que, com o concurso ativo ou
voluntariamente inativo de alguma instituição governamental ou autoridade, se articulam
racionalmente entre si em vista de lograr a manutenção ou a modificação de algum aspecto da
ordem social. Esses elementos, tomados em separado, já são objetos de análise de diversas
disciplinas (Direito, Administração, Economia, Ciência Política, Sociologia, Psicologia, entre
outras). Contudo, a especificidade do campo de estudo de Análise de Políticas Públicas consiste
precisamente na análise do processo da ação pública sob diversas modalidades, enfoques e métodos,
conjugando diversas disciplinas acadêmicas tradicionais (DEUBEL, 2010, p. 21).
O modelo do processo de políticas públicas envolve um conjunto de elementos altamente
complexos que interagem no tempo. Este processo envolve centenas de atores, às vezes abrangendo
décadas, compreende dezenas de diferentes programas em domínio político específico em vários
níveis de governo (federal, estadual e municipal), como meio-ambiente ou política de saúde,
envolve ainda debates políticos que muitas vezes são bastante técnicos, além de valores e interesses
arraigados (SABATIER, 2007, p. 3).
Diante de tal complexidade, é imperativo simplificar esta realidade para que ela seja
compreensível e operacionalizável. Isto é feito por meio de quadros conceituais, teorias ou modelos,
como o modelo do ciclo de políticas públicas proposto neste texto e que será analisado mais
adiante3. Ou seja, com o fim de simplificar tal complexidade, o processo de políticas públicas é
divido em estágios (chamado de “estágios heurísticos”) que formam o processo ou o ciclo da
política pública. Estes estágios são comumente divididos em: estabelecimento ou formação da
agenda, formulação da política e legitimação, implementação e avaliação. Ademais, os estágios
possuem um viés (“bias”) muito legalista, de cima para baixo (“top down”), cujo “foco está
tipicamente na aprovação e a implementação de uma importante peça de legislação” (ibid., p. 7).
Contudo, tal modelo heurístico não deixou de receber críticas. Sabatier é um de seus críticos
mais veementes. Esse autor aponta que tal modelo não é uma teoria causal pelo fato de não
identificar elos causais que regem o processo político dentro do estágio e no processo como um
todo. Ao contrário, cada fase, ou estágio, porta-se de forma independente da outra (id., p. 7). O foco
em cada fase, segundo Sabatier, negligencia a interação da implementação e avaliação de inúmeras
peças de legislação dentro de um determinado domínio político (id.).
Concluindo suas críticas, Sabatier ressalta a impossibilidade da separação do processo em
etapas distintas e separadas, pois, segundo o autor, na maior parte dos casos acontece uma
simultaneidade das ações:

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Os quadros conceituais ou teorias das políticas públicas não serão discutidos neste capítulo.
o pressuposto de que existe um único ciclo de política pública focado numa grande peça de
legislação, simplifica o processo usual de ciclos múltiplos e que interagem, envolvendo
inúmeras propostas de políticas públicas e estatutos nos vários níveis de governo. [O autor
exemplifica com o caso dos] ativistas do aborto que estão atualmente envolvidos em litígios
nos tribunais federais e na maioria dos tribunais estaduais, em novas propostas de políticas
públicas (em Washington e nos estados), na implementação de outras propostas nos níveis
federal e estadual, bem como na avaliação de todos os tipos de programas e propostas de
programas. Eles também estão continuamente tentando afetar a conceituação do problema.
Em tal situação, o que é comum, concentrar-se no ´ciclo de políticas públicas´ faz muito
pouco sentido (SABATIER, 2007, p. 7, tradução nossa).

Em vista disso, Sabatier ressalta que é necessário substituir o ciclo e buscar melhores e mais
promissores quadros teóricos que contemplem, sobretudo, os critérios de uma teoria científica, com
conceitos, proposições e com elos causais consistentes, hipóteses falsificáveis e amplas em escopo
para poder serem aplicadas na maioria dos processos de políticas públicas em uma variedade de
sistemas políticos. Enfim, que possam ser testadas empiricamente, sendo cada quadro conceitual
uma teoria positiva que explique o processo de política e mesmo que contenha alguns elementos
normativos. Esses quadros conceituais, segundo Sabatier, devem abordar os grandes grupos de
fatores que os cientistas políticos consideram importantes ao analisar diferentes aspectos da
formulação de políticas públicas: valores e interesses conflitantes, os fluxos de informação, os
arranjos institucionais e variação no ambiente socioeconômico (ibid., p. 8).
Apesar de suas ressalvas, Sabatier afirma que o modelo de estágios ou ciclos de políticas
públicas tem sua validade, mas adverte que é preciso ir além e buscar novos modelos explicativos-
causais que contemplem a complexidade, a dinamicidade e o caráter multinível da política pública.
A seguir, apresenta-se alguns modelos de ciclos de políticas públicas.

Modelos de ciclos de políticas públicas


Diferentes autores propuseram diferentes modelos de formatos de processos ou ciclos de
políticas públicas. A seguir, apresenta-se essa diversidade de modelos e formatos, conforme
expostos na obra de Procopiuck (2013, p. 158-168).
Charles Jones (1970), por exemplo, propõe um ciclo que engloba a percepção do problema,
sua definição, a organização, representação, formulação, legitimação, aplicação, reação, avaliação e
conclusão. Seu foco está no processo como um todo e não apenas em uma ou outra parte isolada do
ciclo.
Harold Lasswell (1971), por seu turno, propõe um modelo atípico e com nomenclatura
própria que se inicia com a inteligência, continua com a promoção, prescrição, invocação,
aplicação, conclusão e avaliação. Já o ciclo de políticas públicas de Randall Ripley (1985) tem o
ponto inicial com a formação da agenda, segue com a formulação e legitimação do programa, em
seguida tem-se a implementação do programa. Na sequência o autor apresenta uma longa fase que é
a avaliação da implementação, desempenho e impactos, e finalmente termina com a decisão sobre o
futuro da política e do programa.
O indiano Sapru (2010) vê o ciclo de políticas públicas como sendo eminentemente um
processo político e elabora sua versão da seguinte forma: problema de política, alternativas de
políticas, previsões, seleção de políticas, ação na política, monitoramento da implementação,
resultados da política, avaliação e termina com a estruturação do problema.
Peter Knoepfel et al. (2011) apresentaram um ciclo que se inicia com a emergência do
problema, segue com a definição da agenda, formulação e adoção do programa, implementação da
política e finalmente a avaliação da política.
Apresentou-se, a título de ilustração, alguns modelos desenvolvidos por esses autores.
Observa-se que todos possuem elementos em comum e todos fornecem aos interessados em
políticas públicas uma possibilidade de compreensão desse complexo processo. Para esta obra
adota-se o modelo proposto por Leonardo Secchi (2014) que se inicia com a identificação do
problema e segue com a formação da agenda, formulação de alternativas, tomada de decisão,
implementação, avaliação e, se necessário, extinção da política, como mostra a figura 1 abaixo.
A preferência por este modelo heurístico se dá porque, neste contexto, “uma política pública
é uma diretriz elaborada para enfrentar um problema público” e “a razão para o estabelecimento de
uma política pública é o tratamento ou a resolução de um problema entendido como coletivamente
relevante” (SECCHI, 2014, p. 2). Tal concepção afasta-se da ideia bastante vaga do “Estado em
ação” e pressupõe a política pública como vontade política, planejamento e direcionamento, e
assume a sociedade como uma arena de conflitos e controvérsias. Esse modelo está exposto na
figura 1 abaixo.

FIGURA 1 - CICLO DE POLÍTICAS PÚBLICAS


FONTE: SECCHI (2014)

A seguir, passa-se a analisar cada uma dessas fases do ciclo.

Fases do ciclo de políticas públicas


Embora seja competência do Estado, a sociedade civil participa das diversas fases do ciclo
das políticas públicas, como da elaboração, da implementação, da fiscalização e controle das
políticas por meio de seus conselhos, movimentos sociais, observatórios, meios de comunicação,
especialistas, entre outros.
Conquanto o ciclo de políticas públicas seja um modelo teórico, com utilidade heurística
(SECCHI, 2014, p. 43), sendo apresentado de forma sequencial e interdependente, trata-se de um
processo que não segue necessariamente a ordem proposta neste ciclo. Algumas fases acontecem
concomitantemente ou mesmo são eclipsadas por outras ou, por vezes, as sequências são alternadas.
Identificação do problema e formação da agenda podem estar juntas ou serem semelhantes. Weiss
(1989, p. 118), ao seu turno, traça a seguinte distinção entre estas duas fases do ciclo de políticas
públicas: a definição do problema diz respeito à organização de um conjunto de fatos, crenças e
percepções – como as pessoas pensam acerca das circunstâncias. Já a colocação da agenda refere-se
ao processo pelo qual os problemas ganham a atenção pública.
A seguir a discutir cada uma das fases do ciclo proposto neste capítulo.

Identificação do problema
O problema é definido como “a diferença entre a situação atual e uma situação ideal
possível” (SECCHI, 2014, p. 44). Um problema existe quando o status quo é considerado
inadequado e quando existe a expectativa do alcance de uma situação melhor: status quo é o
problema a ser resolvido em vista de uma situação ideal possível (id.). O problema é identificado (i)
por deterioração do status quo (ex. catástrofe climática) ou (ii) por visualização de uma situação
ideal antes impossível (ex. nova tecnologia de cirurgia a laser) ou (iii) por mudança na percepção
das pessoas: antes acostumadas com a situação e agora incomodadas (ex. bullying nas escolas).
Segundo Birkland (2007), o processo de definição de um problema é a ‘venda’ deste para
uma sociedade – chamado de construção social. A construção social de um problema está ligada às
estruturas sociais, políticas e ideológicas existentes no momento. Nesse contexto, a ideia de ação
comunicativa de Habermas é importante. O autor descreve a esfera pública como uma rede de
comunicação de informações e de pontos de vista e afirma que a esfera pública é reproduzida por
meio da ação comunicativa, enfatizando o papel dos meios de comunicação (HABERMAS, 1996).
Secchi (id.) ainda observa que o problema pode surgir subitamente (ex. epidemia, onda de
criminalidade), lentamente (ex. congestionamento do trânsito, burocratização) ou ciclicamente (ex.
secas, doenças pulmonares relacionadas ao frio). É importante ainda ressaltar que o problema está
“na cabeça das pessoas” (neste caso ele é tido como “intersubjetivo”), ou seja, é compartilhado por
muitas pessoas. O que é um problema em uma comunidade política pode ser “normal” em outra. E
pode adquirir o status de “problema público” quando o problema se torna objeto de controvérsias
políticas na mídia e quando é “incluso na agenda”. O autor ressalta que o problema é o combustível
para a ação política (politics), constituindo-se numa oportunidade para o político “mostrar serviço”.
O problema “público” é intersubjetivo: ele existe quando incomoda uma quantidade ou
qualidade notável de pessoas. Mas quem define se uma situação é um problema ou não? Quem tem
poder para isso ou quem tem argumentos mais convincentes, define Secchi (id.). E quem define se o
problema é público ou privado? Não há uma linha clara e exata para marcar esta separação.
Novamente, quem tem poder para isso e quem tem argumentos convincentes. Por exemplo: uma
empresa demitiu 400 trabalhadores. Isto constitui um problema público ou seria um problema
privado de cada um dos 400 trabalhadores? A demissão de um trabalhador certamente é um
problema privado, contudo, pelo impacto que a demissão de 400 trabalhadores causa em uma
cidade, especialmente se for de pequeno ou médio porte, constitui um problema público. Pode-se
ainda citar exemplos de problemas públicos que são transformados em políticas públicas para
melhor exemplificar esta questão, conforme mostra o quadro 2 a seguir.

QUADRO 2 - EXEMPLOS DE PROBLEMAS PÚBLICOS E SUAS RESPECTIVAS POLÍTICAS


PÚBLICAS
Problema público Output/política pública Tipo de
política
Altos níveis de Tornou-se uma política pública e seu output é uma lei Regulatória
acidentes com que obriga os motociclistas usarem capacetes e roupa
motociclistas em adequada
centros urbanos e a
gravidade desses
acidentes
Necessidade de Tornou-se uma política pública e seu output foi um Distributiva
geração de emprego e programa público de crédito a baixo custo oferecido a
renda pequenos empreendedores que queiram montar seu
negócio
Concentração de A instituição de um novo imposto sobre grandes Redistributi
renda fortunas, que transfira renda de classes abastadas para va
um programa de distribuição de renda para famílias
carentes poderia ser uma política pública que visa a
equidade
Debilidade dos Tornou-se uma política pública e seu output seria Constitutiva
partidos políticos uma lei que obrigue partidos políticos a escolher seus
brasileiros, candidatos em processos internos de seleção e
infidelidade partidária posteriormente apresentar listas fechadas aos eleitores
por parte dos políticos
FONTE: Elaboração própria, baseado em SECCHI, 2014.

Passa-se, a seguir, à segunda fase do processo de políticas públicas.

Formação da agenda
Em qualquer comunidade local ou nação, as potenciais demandas e questões públicas
excedem as capacidades das instituições de processar tais demandas e questões. Estas ou seus
proponentes devem competir por um lugar na agenda de tomada de decisões. Cobb, Ross e Ross
(1976, p. 126) definem como formação da agenda o processo pelo qual as demandas de vários
grupos da população disputam a atenção dos funcionários públicos e tomadores de decisão. Por sua
vez, Kingdon (1984), afirma que a agenda pública é definida como a lista de assuntos sobre os quais
o governo e pessoas ligadas a ele, concentram sua atenção num determinado momento. E dada a
complexidade e o volume de questões que se apresentam, apenas algumas questões podem receber
atenção, dentro da agenda governamental, num determinado momento. E a mudança da agenda é o
resultado da convergência entre três fluxos: os fluxos de problemas (problems), soluções ou
alternativas (policies) e políticas (politics), de acordo com o modelo de múltiplos fluxos criado por
Kingdon (id.).
Nessa mesma direção, Secchi (ibid., p. 46) define a agenda como “um conjunto de
problemas ou temas entendidos como relevantes”. Também pode ser entendido como a inclusão de
determinado pleito ou necessidade social na lista de prioridades do poder público, ou ainda quando
um problema adquiriu o status de “problema público”. Exemplos de problemas que possuem
relevância e prioridade na sociedade são: saúde, educação, segurança, desemprego, miséria,
desigualdade social, corrupção, mobilidade urbana, meio ambiente, inflação, salário, etc.
Na sua tipologia, as agendas são classificadas da seguinte forma: (i) agenda da mídia:
conjunto de problemas ou temas que recebem especial atenção dos diversos meios de comunicação;
(ii) agenda política: conjunto de problemas que a comunidade política percebe como merecedor de
intervenção pública; e (iii) agenda formal: problemas que o poder público já decidiu enfrentar.
Trabalha-se igualmente com a noção de múltiplas agendas, na qual cada ator político tem a sua
agenda, seus problemas “prediletos” (SECCHI, 2014, p. 46). A figura 2 exemplifica a agenda da
mídia, em 1962, a respeito do 13º. salário que fora implantado na época.

FIGURA 2 – EXEMPLO DE AGENDA DA MÍDIA

FONTE: O Globo (1962)


No estudo de agenda, a maior dificuldade para o político ou gestor público não é estabelecer
quais serão as prioridades, mas ordenar as prioridades visto que há vários atores e interesses
envolvidos. Tal fato justifica que a formação da agenda é uma área das políticas públicas que tem
recebido grande aporte teórico da disciplina. Subirats (1989) ressalta que a limitação ou a carência
de recursos (humanos, material, financeiro, tempo, falta de vontade política, pressão popular,
pressão da mídia, entre outros) faz com que certos problemas não chegam a constituir-se numa
agenda pública.
Baumgartner e Jones (1993) desenvolveram a teoria do “equilíbrio pontuado”, na qual “a
agenda reveza períodos de estabilidade de problemas e períodos de emergência de problemas.”
Estes podem se dar pela ascensão de novos problemas ou pela redefinição de antigos, por meio de
novas informações ou de apelos emotivos. Assim, problemas adormecidos podem ganhar súbita
atenção e depois voltam à normalidade.
Cobb e Elder (1983, apud SECCHI, 2014, p. 47-48) propõem a existência de três condições
para que um problema entre na agenda de política: (i) atenção: diferentes atores (grupos de
interesse, mídia, cidadãos, entre outros) devem entender a situação como merecedora de
intervenção; (ii) resolutividade: as possíveis ações devem ser consideradas necessárias e factíveis; e
(iii) competência: o problema deve tocar responsabilidades públicas.
Cobb e Ross (1997, p. 3) caracterizam a formação da agenda como “a política de selecionar
questões para consideração ativa”4. Para esses autores, conflitos de agenda não são apenas sobre
que questões o governo decide agir, mas também sobre interpretações concorrentes de problemas
políticos e as visões de mundo alternativas que estão por trás dessas questões.
De modo semelhante, mas com um escopo mais amplo, Birkland (1997, p. 11) define que “a
definição da agenda é o processo pelo qual os problemas e soluções alternativas ganham ou perdem
a atenção do público e da elite política” e a formação da agenda “é o resultado de uma sociedade
agindo por intermédio de instituições políticas e sociais para definir os significados dos problemas e
da gama de solução aceitável”. Para Birkland (2007), existem agendas em todos os níveis de
governo, no qual cada comunidade e cada órgão do governo têm uma coleção de problemas que
estão disponíveis para discussão ou estão sendo ativamente considerados. Por sua vez, Kingdon
(1995) afirma que dois fatores têm poder de direcionar a formação da agenda e o desenvolvimento
de políticas alternativas: participantes ativos e os processos através dos quais as questões ganham
proeminência.

4
No original: “the politics of selecting issues for active considerations”.
Tais teorias fundacionais do processo de políticas públicas permanecem válidas, mas
ganharam novos insights com relação aos participantes e os papeis que eles desempenham nesse
processo (EISSLER; RUSSELL; JONES, 2014, p.71). Dentre esses insights na teoria destaca-se o
fato do processo alternado, quer dizer, se a formação da agenda está no nível local (municipal ou
estadual) ou nacional, a participação da elite política nesse processo se dá de forma diferente. A
formação da agenda nos níveis local e estadual diverge do nacional; não têm o mesmo processo de
formação de agenda, pois os níveis e o modo de percepção do problema é diverso pelas elites
políticas.
Nem tudo o que ingressa na agenda irá entrar na formulação de políticas, pois nesse
processo há de se considerar que interferem fatores como a pressão da oposição, falta de janela
política, espaço de poder ou conflito de interesses e, ainda, também considera-se, como
interveniente, o fator ideológico. Por fim, outro aspecto que está recebendo atenção nos estudos de
formação da agenda, e no processo de políticas públicas como um todo, diz respeito ao papel da
mídia, que ainda não está totalmente compreendido, especialmente no que se refere a mídia e sua
relação com as elites, especialmente políticas e econômicas.

Formulação das alternativas


É a fase de construção e combinação de soluções ao problema identificado e envolve a
preparação das alternativas para proporcionar soluções. Estabelecem-se objetivos, estratégias e
tenta-se projetar as consequências de cada alternativa. Um mesmo problema pode ser resolvido de
várias formas, por diversas alternativas. Esta é uma fase problemática, conflitiva e com limitações,
pois percepções e interesses dos diversos atores entram em cena. Não é uma atividade tão óbvia
quanto previsto na teoria da escolha racional que prevê a escolha da melhor alternativa como aquela
que apresenta a melhor razão em termos de custo-benefício.
Contudo, é necessário definir seus objetivos e seu marco jurídico, administrativo e
financeiro, além de imaginação e criatividade para formular alternativas. O formulador de políticas
possui quatro mecanismos genéricos para propor alternativas de políticas públicas. Estes
mecanismos têm em sua base as formas de poder econômico, político e ideológico que são
aplicados em políticas públicas e tem o poder de induzir o comportamento dos beneficiários da
política por meio de premiação (“influenciar o comportamento por meio de estímulos positivos”),
coerção (“influenciar o comportamento por meio de estímulos negativos”), conscientização
(“influenciar o comportamento por meio de construção e apelo ao senso de dever moral”), ou por
meio de soluções técnicas (“não influenciar o comportamento diretamente, mas sim aplicar soluções
práticas que venham a influenciar o comportamento de forma indireta”) (SECCHI, 2014, p. 49).
Um exemplo de alternativas indutoras de comportamento que o formulador de políticas tem
em suas mãos para enfrentar e reduzir as pichações de muros e paredes nas cidades: (a) criar leis
mais severas para os infratores; (b) garantir que as leis vigentes sejam realmente respeitadas e
aplicar punições do estilo tolerância zero; (c) instalar mais câmeras de vigilância; (d) fazer
campanhas de conscientização com a comunidade pichadora; (e) desenvolver mecanismos de
recompensa material para delatores; (f) criar espaços propícios para que os pichadores possam
expressar-se; (g) criar escolas de conversão artística dos pichadores; (h) destinar verba pública
constante para a recuperação de muros e paredes; (i) revestir todos os imóveis ou muros com uma
tinta especial não aderente aos aerossóis comercializados atualmente (SECCHI, 2014, p. 49).
Por outro lado, se o formulador de políticas definisse o problema de forma inversa, ou seja,
“a pichação é uma arte e há carência de sensibilidade artística na população”. Nesse caso, ainda
segundo o exemplo proposto por Secchi (id.), a alternativa seria: (j) “fazer campanhas de
conscientização para que a população passasse a perceber a pichação como uma arte de vanguarda”.
Observa-se que o mecanismo de premiação foi contemplado nas alternativas e, f e g; o de coerção
nas alternativas a e b; de conscientização nas alternativas d e j; e solução técnica nas alternativas c,
h e i do exemplo acima.
Este exemplo mostra como a criatividade é necessária e não se pode abandonar a
imaginação para propor alternativas de políticas públicas, ao mesmo levando-se em conta que os
recursos técnicos, humanos, materiais e financeiros que cada alternativa requer não são os mesmos.
Portanto, formulação de alternativas ou de políticas é o processo de gerar um conjunto de opções
plausíveis e capazes de resolver os problemas identificados.
Hill (2005) aponta que não está muito delimitado os papeis dos políticos e dos burocratas no
processo de formulação. Contudo, esse processo é marcado por fragilidades e fragmentações que
podem prejudicar a busca da melhor alternativa, como a popularidade do gestor público em
detrimento da eficácia, a falta de conhecimento sistemático do problema e da solução, em muitas
situações são apenas concebidas e impulsionadas para tratamento de crises. As discordâncias nos
níveis horizontais da administração pública, como por exemplo, entre o Ministério do Meio
Ambiente e da Agricultura também são exemplos de fragilidades no processo de formulação de
políticas públicas, como também o legalismo extremo nas avaliações em detrimento da efetividade
ou a execução (o nível real) conflitante com a concepção (o nível ideacional).
Em suma, é preciso enfatizar a importância do diagnóstico: toda política pública tem
subjacente uma teoria de mudança social. Isso significa que uma relação de causa e efeito está
contida nas disposições da ação pública considerada – o agente público pretende causar
determinada mudança na sociedade, então deve mobilizar ações e recursos que, aplicados à
realidade social, causem a mudança na direção desejada. O decisor é portador de uma representação
das razões pelas quais se gerará esta consequência, uma antecipação do encadeamento de
acontecimentos entre suas próprias realizações e os efeitos externos. Em suma, a formulação das
políticas públicas se materializa na elaboração de documentos que vão determinar quais recursos,
atores e instrumentos serão mobilizados para resolver um problema público.

Tomada de decisão
Existe tomada de decisão em vários momentos ou em todas as fases do ciclo. Todavia, há
um momento de escolha da alternativa de política pública na qual a decisão de política pública é
formalizada. Isso acontece, por exemplo, na sanção presidencial, decisão do STF, definição do
orçamento da Prefeitura.
Há diversos modelos heurísticos de tomada de decisão. Estes são: (i) modelo de
racionalidade absoluta: a decisão é uma atividade puramente racional e, independente de contexto
ou pressões, escolhe-se a alternativa de melhor custo-benefício; (ii) modelo de racionalidade
limitada: os tomadores de decisão sofrem limitações quanto às informações e os atores envolvidos
possuem limitações cognitivas têm dificuldades de entender e lidar com toda a complexidade
envolvida; (iii) modelo incremental: os tomadores de decisão vão ajustando os problemas às
soluções, e as soluções aos problemas; (iv) modelo da lata do lixo (garbage can): os tomadores de
decisão têm soluções em mãos e correm atrás de problemas; e (v) modelo dos fluxos múltiplos: há
um fluxo contínuo de problemas e soluções e quando abre-se uma janela de oportunidade, uma
condição política favorável, deve-se aproveitar essa conjuntura (solução – problema – tempo -
condições políticas favoráveis). O quadro abaixo sintetiza os modelos de tomada de decisão.

QUADRO 1 – MODELOS DE TOMADA DE DECISÃO

Modelos Condições Análise das Modalidades de Critério de


cognitivas alternativas escolha decisão

Racionalidade Certeza Análise completa e Cálculo Otimização


absoluta cálculo de
consequências
Racionalidade Incerteza Pesquisa sequencial Comparação das Satisfação
limitada alternativas com as
expectativas
Modelo incremental Parcialidade Comparações Ajuste mútuo de Acordo
(interesses) sucessivas limitadas interesses
Modelo da lata de Ambiguidade Nenhuma Encontro de Casual
lixo/fluxos soluções e
múltiplos problemas
FONTE: SECCHI (2014), adaptado de BOBBIO (2005)

Nos modelos de tomada de decisão contrastam os modelos do incrementalismo e da


racionalidade absoluta. Nesta a decisão é considerada uma atividade puramente racional, em que
custos e benefícios das alternativas são calculados pelos atores políticos para encontrar a melhor
opção possível. Os atores envolvidos são seres puramente racionais, o problema é bem definido e as
consequências são conhecidas, e o que interessa é maximizar os ganhos (melhor custo-benefício),
como se as decisões políticas pudessem ser tomadas em um laboratório. Já o modelo do
incrementalismo, vê o processo como eminentemente político e tem consciência da dificuldade em
fazer grandes avanços ou mudanças. Por isso, preza por mudanças graduais e pelo concerto entre as
várias envolvidas. Assim, problemas e soluções são definidos, revisados e redefinidos
simultaneamente e em vários momentos, as decisões presentes são consideradas dependentes das
decisões tomadas no passado e as decisões são consideradas dependentes dos interesses dos atores
envolvidos.
Há também a não-tomada de decisão. Esta existe quando valores dominantes, regras do jogo
aceitas, as relações de poder entre grupos e os instrumentos de força, separadamente ou
combinados, efetivamente previnem que certas demandas se transformem em assuntos maduros que
exijam decisão (os atores com menos poder não conseguem fazer com que certos assuntos entrem
na agenda política) (BACHRACH; BARATZ, 1963).
Peter Bachrach e Morton S. Baratz (1963) ainda argumentam que há muitos estudos de
casos de tomada de decisão pela comunidade, mas não há uma teoria geral sobre esse fato empírico,
nem um modelo de grande alcance que possam comparar e contrastar os diferentes estudos de
casos. Para os autores, na raiz da questão está a confusão ou pouca diferenciação que há entre
poder, força, influência e autoridade que estão agindo na comunidade no processo de tomada de
decisão ou do poder social.

Implementação da política pública


A conceituação do processo de implementação ainda carrega pouco consenso.
Implementação, na verdade, é a operacionalização da decisão tomada. A fase de implementação é
aquela em que regras, rotinas e processos sociais são convertidos de intenções em ações. Assim, a
implementação diz respeito às ações necessárias para que uma política saia do papel e funcione
efetivamente. Ela pode ser compreendida como um conjunto de ações realizadas por grupos ou
indivíduos, de natureza pública ou privada, com vistas à obtenção de objetivos estabelecidos antes
ou durante a execução das políticas (RUA, 1997 apud NAJBERG; BARBOSA, 2006, p. 2).
Ainda pode-se definir implementação como o processo de interação estratégica entre
numerosos interesses especiais, onde cada qual defende o seu próprio. [...] portanto, a
implementação desenvolve-se de acordo com o conceito de jogo, traduzindo-se em inúmeras
relações que se entrelaçam, envolvendo um grande número de jogadores, com estratégias e táticas
próprias e com graus de incerteza (BARDACH, 1977 apud NAJBERG; BARBOSA, 2006, p. 2).
O senso comum diz que uma política bem implementada é aquela que “deu certo”. Por isso,
a implementação é crucial para o sucesso das políticas públicas. Contudo, falhas de implementação
são comuns e não acontecem por uma única causa, mas por um entrelaçado de questões, sobretudo
políticas. Rezende (2002), analisando a reforma administrativa do Estado brasileiro na segunda
metade da década de 1990, e suas falhas de implementação, classifica-as em dois grupos: falhas de
implementação e falhas de formulação. Portanto, não reduz apenas ao processo mesmo da
implementação, mas chama a atenção também para a importância da formulação da política,
especialmente quando esta foi posta em prática de forma apropriada, mas não produziu os
resultados esperados.
A implementação pode ser analisada a partir de duas vertentes: (a) enquanto aspecto técnico
administrativo (de simples execução, por meio da aplicação de normas) – (visão reducionista e
simplificada); (b) envolvendo um conjunto plural de atores, em ambientes distintos onde decisões
são aplicadas (interpretadas) por diferentes entidades (visão dinâmica). Nesse sentido, o nível de
complexidade aumenta, pois há envolvimento de diferentes atores e elementos: níveis de governo,
regiões, setores de atividade, inter e intra-organizações (deve-se considerar a importância dos
vínculos entre diferentes organizações e agências), resultando que o controle do processo se torna
mais complexo. Por isso, pondera Secchi (2014, p. 56): “[...] a implementação de políticas públicas
não se traduz apenas em problema técnico ou problema administrativo, mas sim em um grande
emaranhado de elementos político que frustram os mais bem-intencionados planejadores”.
A política pública é implementada pela burocracia, ou seja, o corpo funcional de servidores
(chamados pela literatura de burocratas do nível de rua), por organizações sem fins lucrativos,
concessionárias de serviços públicos, empresas privadas contratadas para executar obras, serviços,
etc. Com relação aos modelos de implementação, destacam-se: (i) Modelo top-down: separação
entre o momento da tomada de decisão e a implementação. Este modelo tem como pressuposto que
Política (tomadores de decisão) e Administração (implementadores) são momentos separados,
sendo uma visão funcionalista e tecnicista, na qual os políticos “lavam as mãos” (acontece o
deslocamento da culpa). (ii) Modelo bottom-up: este modelo concede maior liberdade aos
burocratas e rede de atores em auto-organizar e modelar a implementação de políticas públicas.
Neste modelo há maior participação e adaptação aos problemas práticos da política pública pelos
implementadores, havendo ajuste das normas à realidade.
Para implementar a política, o formulador de políticas públicas necessita de instrumentos de
implementação. Estes podem ser: aplicação da lei (enforcement); impostos e taxas; subsídios e
incentivos; prestação de serviço público; terceirização do serviço; informação ao público;
campanha/mobilização; transferência de renda (Bolsa-Família, auxílio medicamento); prêmios e
concursos; certificados e selos (ABNT, INMETRO, OSCIPs), entre outros.

Avaliação da política pública


Uma vez implementada, a política deve estar sujeita à avaliação. Em termos práticos, a
avaliação é compreendida como o estudo sistemático e objetivo da concepção, implementação e dos
resultados de um projeto, programa ou política, com a finalidade de determinar sua relevância,
eficiência, eficácia, impacto e sustentabilidade.
Avaliar significa determinar e atribuir um valor (FERREIRA, 1999). Para Knoepfel et al.,
avaliar significa apreciar os “efeitos da política”, ou “os resultados tangíveis da implementação”
(2007, p. 221). Para Ala-Harja e Helgason (2000, p. 8), “o termo compreende a avaliação dos
resultados de um programa em relação aos objetivos propostos”. Garcia (2001, p.31) define a
avaliação como uma operação na qual é julgado o valor de uma iniciativa organizacional, a partir de
um quadro referencial ou padrão comparativo previamente definido. Pode ser considerada, também,
como a operação de constatar a presença ou a quantidade de um valor desejado nos resultados de
uma ação empreendida para obtê-lo, tendo como base um quadro referencial ou critérios de
aceitabilidade pretendidos.
Ainda, a avaliação da política pública é o “processo de julgamentos deliberados sobre a
validade de propostas para a ação pública” (ANDERSON, 1979, apud SECCHI, 2014, p. 62).
Weiss (1998, p. 4-5), por seu turno, define avaliação como a investigação sistemática das atividades
e/ou resultados de um programa ou política, usando um conjunto de parâmetros para contribuir para
sua melhoria. Esta definição contém os seguintes elementos: (i) Pesquisa sistemática, quantitativa
ou qualitativa, realizada com rigor e formalidade de acordo com os parâmetros comumente aceitos;
(ii) A pesquisa concentra-se principalmente sobre as atividades e resultados do programa e/ou
política. No entanto, algumas avaliações têm como foco de estudo o processo, ou seja, estudar o
próprio desenvolvimento do programa e/ou Política; (iii) Os parâmetros de comparação, uma vez
coletadas as informações sobre atividades, resultados e/ou processo, investigam o valor das
expectativas coletadas na política; e (iv) A avaliação é vista como uma forma de aumentar a
racionalidade do projeto político.
Usualmente concebe-se monitoramento e avaliação como uma única fase do ciclo de
políticas. Monitoramento e avaliação possuem definições distintas, porém complementares.
Monitoramento fornece informações sobre o andamento de uma política, programa ou projeto em
determinado momento e em relação às metas e resultados previstos. Por meio da avaliação procura-
se analisar processos, produtos e consequências ou impactos da ação coletiva (CEPIK, 2013).
Segundo Kusek e Rist (2004), monitoramento é um processo contínuo, que utiliza dados
sobre indicadores específicos, para fornecer aos interessados informações sobre o desenvolvimento
e o progresso no alcance dos objetivos a serem alcançados com a alocação de determinados
recursos. Já avaliação é definida por esses autores como o estudo sistemático e objetivo da
concepção, implementação e dos resultados de um projeto, programa ou política, com a finalidade
de determinar sua relevância, eficiência, eficácia, impacto e sustentabilidade.
Com relação aos elementos de uma avaliação, inicia-se pelo estabelecimento dos critérios
(mecanismos lógicos que servem como base para escolhas ou julgamentos), dos indicadores
(artifícios criados para operacionalizar os critérios) e, por fim, o estabelecimento dos padrões
(parâmetros que dão referência comparativa aos indicadores). Exemplifica-se cada um desses
elementos: critério: aprendizado da disciplina; indicador: nota na prova final; padrão: nota 7 para
aprovação.
Os principais critérios usados para avaliações de políticas públicas são: eficiência, eficácia e
efetividade. A eficácia é relacionada aos fins, se a meta foi atingida ou não; eficiência é relacionada
aos meios, como foi feito; preocupa-se com o custo-benefício; e a efetividade é relacionada ao
impacto real causado pela política, se os beneficiários ficaram em melhor situação. (SECCHI,
2014).
Os elementos que constituem um bom indicador são: validade (ou seja, deve representar
bem o fenômeno que se estuda), confiabilidade (ser imune a fraudes ou distorções), simplicidade
(ser de fácil compreensão para quem o utiliza), acessibilidade (facilidade de acesso aos dados que
abastecem o indicador) e estabilidade (que não mude ao longo do tempo) (TCU, 2000). Com
relação aos padrões, também chamados de parâmetros, estes podem ser absolutos: metas
estabelecidas antes da implementação; históricos: valores ou descrições já alcançados no passado;
ou normativos: metas estabelecidas com base em um benchmark ou standard ideal.
O cerne da avaliação são os indicadores de desempenho. Para compreensão, Cepik (2013)
cita os seguintes elementos de avaliação e seus respectivos exemplos: Produção ou output: alunos
formados na UFPR; quantidade de artigos científicos produzidos; Impacto: índice de citações
científicas; inserção profissional dos egressos; Consequências ou outcomes: valor agregado da
produção de C&T e contribuição para o PIB da cidade, estado ou país; Eficiência: custo por aluno-
ano; relação número alunos por professor; Satisfação: valores atribuídos pelos alunos à qualidade
da formação recebida; Legitimidade: índice de citações favoráveis na mídia; manifestações formais
da comunidade; desempenho da comunidade acadêmica em avaliações gerais do sistema
universitário.
A avaliação também é concebida com relação às suas formas e tendências, que podem ser
quanto à temporalidade: (i) avaliação ex-ante (realizada antes do início de implementação de um
programa): identifica se um programa deve ser executado; projeta o que aconteceria com algumas
características da população beneficiária caso o programa fosse executado; compara custos e
benefícios da iniciativa com as alternativas disponíveis à sua implantação. (ii) Avaliação ex-post
(realizada após a consolidação ou na fase final de um programa): mede resultados e impactos. As
avaliações de impacto são geralmente mais caras que as avaliações ex-ante, por exigirem
levantamento de dados primários sobre o público-alvo, caso o programa não disponha de um
sistema de monitoramento desenvolvido (BRASIL, 2008).
Quanto ao objetivo, as avaliações são classificadas: (i) Avaliação de processo: avaliação
para identificar os aspectos da implementação; considera insumos, processos e produtos; avalia
ganhos ou perdas no atendimento às metas do programa junto ao seu público-alvo. (ii) Avaliação
de resultados: avaliação do nível de transformação da situação a qual o programa se propõe a
modificar; expressa o grau em que os objetivos do programa foram alcançados. (iii) Avaliação de
impacto: avaliação de resultados; busca conhecer os efeitos produzidos pelo programa em
algum(uns) aspecto(s) da realidade afetada pela sua existência; geralmente está relacionada a
resultados de médio e longo prazo; visa identificar, compreender e explicar as mudanças nas
variáveis e fatores relacionados à efetividade do programa (BRASIL, 2008).
Em suma, a avaliação é vista como um instrumento de controle, melhoria da gestão e
também como uma ferramenta para adquirir conhecimento de uma realidade, tanto em termos
materiais e humanos: um melhor conhecimento de problemas específicos, mais rigor nos resultados
da pesquisa, e um desejo de aumentar capacidade institucional (CHELIMSKY, 1997, p. 2-6).

Extinção da política pública


Esta é uma etapa peculiar das políticas públicas, não recebendo interesse pela literatura.
Contudo, Secchi (2014) a inclui em seu modelo de ciclo e aqui será abordada muito sucintamente.
As causas da extinção de uma política pública são basicamente três: problema resolvido,
programas ou leis avaliadas como ineficazes ou o problema perdeu progressivamente a importância.
Há política pública com “prazo de validade” e essas são extintas ao fim do prazo, outras são “duras
na queda”. Estas, após um período de maturação, estabilizam-se e criam vida própria. Não são raros
os casos em que uma política pública continua viva, com um valor intrínseco, mesmo após o
problema que a gerou já se torne inexistente (SECCHI, 2014).
Assim, fecha-se o ciclo ou o processo de políticas públicas, um modelo heurístico que
permite ao estudioso, o burocrata ou qualquer outro ator envolvido em políticas públicas visualizar
seu processo dinâmico.

Considerações finais
Com a Constituição de 1988, os deveres e responsabilidades do Estado brasileiro para com
os cidadãos foram aumentados sobremaneira. Na verdade, foi implementado um novo contrato
social ou, tardiamente, um Estado do bem-estar social. O Estado tomou para si a responsabilidade
de remediar ou sanar as falhas do mercado, o que inclui desde programa de renda mínima e o fim da
fome até a regulação de setores da economia por meio de agências reguladoras. Por isso, são
inúmeros os tipos e as políticas públicas praticadas atualmente no Brasil. E o alcance das áreas e
políticas é gigantesco, fazendo o Estado parecer o grande Leviatã hobbesiano, colocando suas
garras por toda parte. Contudo, numa sociedade desigual e de mecanismos de exclusão e segregação
social profundamente enraizados nas relações econômicas e sociais, que perduraram por centenas
de anos, faz-se necessário tal investida por parte do Estado para remediar e sanar tais desigualdades
e mecanismos de perpetuação da exclusão social e da reprodução da subcidadania. Exemplificando,
um desses mecanismos de exclusão e de reprodução da desigualdade diz respeito ao acesso às
universidades públicas (gratuita e de qualidade) que era preenchido por mais de 90% aos alunos
provenientes das classes média e alta. Medidas corretivas, através de políticas de cotas (raciais e de
escola pública), vêm sendo implementadas pelo Estado em todo o país para permitir a inclusão de
alunos das classes C, D e E. Observa-se que essas políticas de cotas foram efetivas, pois, na
atualidade, 52% dos alunos das universidades públicas provêm dessas classes menos afortunadas.
Todavia, o corolário de sucesso dessa política de inclusão foi a pressão pelo fim da gratuidade das
universidades públicas federais.
Este capítulo procurou lançar luzes sobre o modelo do processo ou ciclo de políticas
públicas e verificou-se que elas são dinâmicas e contingentes ao humor político, clima e condições
financeiras e mesmo ao “humor” nacional. Assim, não há um processo ou ciclo perfeito de
elaboração, implementação e monitoramento de políticas públicas. Tal “imperfeição” inicia-se pela
dificuldade em definir o que é um problema público (por exemplo, as dívidas da Rede Globo são
um problema público?), o timing da intervenção pública nem sempre atende as necessidades dos
beneficiários das políticas, a avaliação nem sempre é realizada com o devido rigor, entre outras
dificuldades. Além disso, usa-se os conceitos de eficácia, eficiência e efetividade sem muita
transparência: apresenta-se números sem precisar o real impacto que a política de fato causou nos
beneficiários.
Por isso, pontua-se aqui a necessidade de avançar nas pesquisas sobre o real impacto da
mídia na formação da agenda, por exemplo, ou mesmo o impacto dos valores pessoais e morais
(incluindo ideologias) sobre a adoção e implementação de políticas públicas, tais como o trabalho
de profissionais da saúde com convicções religiosas fundamentalistas, ou ainda, a educação LGBT
nas escolas que encontra mais dificuldade em ser adotada do que a educação para o trânsito, por
exemplo.
Políticas públicas é certamente uma área de conflitos e barganhas, na qual os vários atores
interessados (stakeholders) competem entre si por vantagens no exercício do poder e na alocação de
recursos. O processo de políticas públicas, representado pelo ciclo ou estágios, é um modelo teórico
que procura simplificar uma realidade altamente complexa que é a interação do Estado com a
sociedade e esta, incluindo seus grupos de interesse e lobbies, para com o Estado. Este modelo tem
sua utilidade para operacionalizar a análise dessa relação confusa e dinâmica, mas não possui
função dogmática. O dinamismo, a simultaneidade e a complexidade das demandas da sociedade,
por meio dos diversos atores, exercem pressão para que novas concepções teóricas e novas agendas
de pesquisa sejam investigadas.
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