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20137406
CURITIBA
2018
RESUMO
O tema desta pesquisa é a inserção da guitarra elétrica na música popular brasileira, processo que
se deu de forma gradativa a partir de meados do século XX. Através do estudo do estilo de Ary
Piassarollo, procuro compreender o modo pelo qual a guitarra elétrica não apenas foi
introduzida, mas se adequou ao repertório da nossa música popular. Apoiado em análises de
composições e gravações de Ary, procurei demonstrar que os estilos desse músico expressa, de
certa forma, uma gama de conflitos simbólicos que permearam o meio musical ao longo de
décadas, balizados pelas oposições entre nacional x internacional.
ABSTRACT
The theme of this research is the insertion of the electric guitar in Brazilian popular music, a
process that has taken place gradually since the middle of the 20th century. Through the study of
the style of Ary Piassarollo, I try to understand the way in which the electric guitar was not only
introduced but adapted to the repertoire of our popular music. Based on analyzes of compositions
and recordings of Ary, I tried to demonstrate that the styles of this musician expresses, to a
certain extent, a range of symbolic conflicts that permeated the musical environment throughout
decades, marked by the oppositions between national and international.
INTRODUÇÃO 01
3. ARY PIASSAROLLO
3.1 Contexto biográfico e início musical 11
3.2 Vida profissional 11
3.3 Influências 12
3.4 Composições e discografia 13
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 09
REFERÊNCIAS 24
ANEXOS 25
1
INTRODUÇÃO
no país, e os principais nomes que se destacaram no cenário nacional. No capitulo três encontra-
se a biografia criada a partir da entrevista com Ary Piassarollo que está anexada neste trabalho,
descrevendo a sua trajetória desde a infância, como se deu o seu aprendizado, as suas principais
influências, artistas com quem trabalhou e um levantamento de todas as suas gravações com
artistas de renome nacional. No quarto capitulo, seu álbum Memories é descrito e analisado.
Finalmente nas considerações finais, procura-se esclarecer como se deu o processo das escolhas
estéticas do músico.
3
O primeiro capítulo desta pesquisa tem como objetivo descrever aspectos técnico-
estruturais da guitarra elétrica, contextualizar com as respectivas datas de criação, e também citar
seus pioneiros no que tange a construção e execução do instrumento. Para elaborar este capítulo,
utiliza-se a literatura do músico e escritor americano Tony Bacon (2002), a partir do seu livro
The new grove dictionary of music and musicians e também, embasamentos apoiados em
pesquisas sobre guitarra elétrica desenvolvidas por autores brasileiros.
Guitarra elétrica, de acordo com o verbete eletric guitar , escrito por Tony Bacon
(2002, p. 55-56) é um instrumento próximo ao violão com a diferença de possuir amplificação.
Seu corpo dispensa uma caixa de ressonância acústica, porém alguns modelos utilizam esse
recurso físico para alcançar alguma variedade de timbre (semi-acústica). O funcionamento da
guitarra elétrica baseia-se na transformação de vibrações mecânicas das cordas em energia
elétrica produzida através de captadores parafusados ou suspensos no corpo do instrumento. Essa
corrente elétrica é convertida em ondas sonoras por meio do alto-falante de um amplificador
externo.
Nas recentes e poucas pesquisas acadêmicas sobre guitarra elétrica feitas no Brasil, os
pesquisadores Rogério Gomes (2005) e Guilherme Castro (2007) são consensuais em apontar a
guitarra elétrica como um desdobramento do violão em função de novos meios que demandavam
um instrumento com maior volume sonoro. No ano de 1923, o engenheiro Lloyd Loar
desenvolveu um captador para instrumentos de corda, mas não conseguiu chegar num modelo
que se viabilizasse comercialmente. Somente oito anos depois, George Beauchamp e o músico
Adolph Rickenbaker conseguiram produzir um captador magnético para uma guitarra horizontal
Lap-steel, que foi popularizada na música havaiana, e obtiveram resultados satisfatórios com o
novo invento. Nesse período, tentou-se desenvolver uma tecnologia em instrumentos acústicos,
porém, a microfonia gerada pela ressonância da caixa acústica inviabilizava os experimentos
(Castro, 2007, p. 7).
Em meados da década de 30, a empresa Gibson desenvolveu um captador para guitarras
acústicas. No ano de 1935 foi lançado no mercado o modelo Gibson ES-150, que foi amplamente
usada por guitarristas de jazz das orquestras americanas do swing, e fez com que a guitarra
elétrica se consolidasse como uma invenção norte-americana (Gomes, 2005, p. 23). No início da
década de 40 o músico Les Paul desenvolveu um modelo de captação de sucesso numa guitarra
de corpo sólido, que reduzia sensivelmente os problemas relativos à microfonia.
4
os trastes são feitos de metal. Devido as suas características, entre elas, a possibilidade da
utilização de efeitos diversos com capacidade reduzida de microfonia, foram largamente
utilizadas por guitarristas de blues, e principalmente, de rock. Seus modelos mais conhecidos são
a Gibson Les Paul e a Fender Stratocaster (Gomes, 2005, p. 24).
Os captadores são dispositivos eletromagnéticos que convertem a vibrações das cordas
em tensão elétrica. São constituídos por fios de magneto enrolados em uma bobina que
produzem um campo magnético, o movimento das cordas causa alterações no fluxo magnético
da bobina resultando numa variação de voltagem que pode ser captada por um amplificador que
a transforma em onda sonora (Bacon, 2002, p.67). Esses captadores de bobinas simples, por
constituírem de um mecanismo eletromagnético, podem sofrer interferências externas em forma
de ruído. Uma das soluções encontradas para minimizar esse problema foi produzir captadores
duplos, dotados de bobinas duplas com fase invertida, dessa maneira uma interferência em uma
das bobinas induz na outra um efeito contrário, anulando o ruído.
Os captadores simples, presentes na maioria dos modelos das guitarras Fender,
produzem um som mais agudo e claro. Por outro lado, vários tipos de guitarras Gibson possuem
captadores duplos, o que resulta num timbre mais médio e grave. O sistema de captadores mais
comuns são os passivos, onde o sinal elétrico do captador passa pelos controles de tonalidade e
volume da guitarra e vai para o amplificador. Os captadores ativos têm um pré-amplificador
interno que aumenta o volume do sinal, acarretando uma tensão de saída para o amplificador
com volume mais alto (Castro, 2007, p. 4). O sinal produzido por essas combinações é
conduzido através de um cabo de fio modelo p10 nas duas extremidades, e sua conexão é feita
através de um orifício no corpo do instrumento e a entrada do amplificador.
A ponte das guitarras é o compartimento onde se coloca uma das extremidades das
cordas, permite o ajuste da altura de cada corda e a distância entre o corpo e as tarraxas. Há
alguns modelos de pontes que possuem um sistema integrado de micro afinação anulando a
função das tarraxas e com a função de garantir uma maior precisão para a afinação das cordas. A
alavanca de trêmulo é um mecanismo acoplado em alguns tipos de ponte e serve para alterar a
tensão das cordas permitindo a alteração da altura e duração das notas.
Os botões de controle e a chave seletora são mecanismos fixados no corpo do
instrumento. Os mais comuns são o botão de volume, que permite o ajuste numa escala de zero a
dez e o de tonalidade, que possui a mesma escala e varia o timbre natural para uma sonoridade
mais opaca e grave. A chave seletora pode ser de três ou cinco posições: a primeira seleciona
mudanças entre captadores graves, médios e agudos. A chave de cinco posições possui duas
posições intermediárias que combinam o captador médio com o grave, e o médio coma agudo
(Bacon, 2002, p. 57).
6
O braço das guitarras pode ser parafusado ou colado no corpo, há guitarras que são
feitas numa peça única. A escala é a parte onde as cordas são pressionadas entre os trastes e
determinam a altura de cada nota, pode ser colada no braço ou feita sobre a madeira. Dentro do
braço há o tirante ou tensor, que é uma barra de metal que permite o ajuste da posição do braço.
A escala na guitarra é marcada com pontos localizados na parte de cima de alguns trastes,
característica que não se encontra em alguns violões, principalmente, os de produção artesanal.
Os trastes de metal são colados no braço e dividem a escala em casas. Possuem as mais
variadas alturas, espessuras e formas, e influenciam na sonoridade do instrumento. As guitarras
acústicas e semi-acústicas possuem em média 20 ou 22 trastes, e a maioria dos modelos sólidos
têm 24 trastes. A extensão de uma oitava compreende doze trastes, portanto a guitarra tem uma
tessitura maior que o violão, justamente pelo número de trastes da escala. Na extremidade do
braço se encontram as tarraxas, que podem ser de diversos tipos. As mais comuns são blindadas
com um mecanismo interno autolubrificante, existem outros modelos como as tarraxas com
trava, que possuem um reforço adicional para prender a corda.
Os amplificadores são itens indispensáveis para a produção do som das guitarras
elétricas, pois são responsáveis pela transformação do sinal elétrico em ondas sonoras, sendo o
alto-falante a peça que realiza esse processo dentro do amplificador. As formas externas mais
conhecidas de amplificadores são o “combo” e o sistema cabeçote/gabinete. O primeiro consiste
numa caixa que comporta os alto-falantes e o sistema elétrico com suas chaves de regulagem, no
outro tipo, o sistema de amplificação se localiza numa caixa externa ao gabinete dos alto-
falantes, e permite ligá-lo em diferentes quantidades e modelos de alto-falantes (Castro, 2007, p.
5).
Na parte da regulagem dos amplificadores, em geral, há controles de equalização para
graves, médios e agudos. A maioria dos modelos possui em seu sistema dois efeitos que podem
mudar o som original, a distorção, que altera o som de acordo com o volume e controles
independentes, e o reverb, que simula uma reverberação acústica maior ou menor através de seu
controle de intensidade. O efeito de reverb pode ser processado através de componentes
mecânicos ou digital: no primeiro, o sinal atravessa algumas molas, no outro tipo o efeito é
simulado através de transistores.
O sistema elétrico dos amplificadores pode ser constituído por transistores, válvulas ou
numa combinação dos dois mecanismos. Os equipamentos transistorizados possuem fácil
manuseio e resistência, seu único problema é o ruído proveniente dos alto-falantes quando é
ligado, isso ocorre devido a uma variação de corrente nos alto-falantes, causando danos caso seja
ligado em alta potência de volume. Os valvulados são aparelhos delicados que necessitam de
cuidados especiais em virtude da composição das válvulas que, além de ser de vidro, precisam
7
ser adaptadas à impedância dos alto-falantes. Ao serem ligados precisam de alguns minutos para
aquecer as válvulas, e em alto volume produzem um som distorcido.
8
música popular brasileira. Sobre a questão do significado do violão elétrico, o autor afirma que
até a década de 1940 o violão elétrico se confunde com a guitarra elétrica. Para Gomes (2005, p.
32), o violão elétrico, que existiu antes da guitarra elétrica, consistia num instrumento de corda
de aço com um pequeno microfone acoplado ao corpo. Existe a possibilidade de que o termo
violão elétrico usado no período abrangesse três versões do instrumento que seriam: violões
acústicos com cordas de aço captados com microfone, violões dobro com um dispositivo de
metal na caixa de ressonância e guitarras acústicas sem captadores, todos captados com
microfone.
A ausência de distinção entre o violão elétrico e a guitarra elétrica está presente na obra
de Radamés Gnattali em estudo feito por Gustavo Mendonça (2006). Segundo a análise de
Mendonça, a citação de violão elétrico até 1953 nas partituras do maestro se deve a um possível
equívoco de Gnattali ao traduzir literalmente eletric guitar (Mendonça, 2006, p. 56). É provável
que a guitarra elétrica, como um instrumento que possuía grande identificação com a música
americana, carregasse esse significado de modernização, e motivasse a decisão de Gnattali em
introduzi-la de maneira pioneira na música brasileira de concerto.
Para Ary Piassarollo, como citou na entrevista concedida para esta pesquisa, um dos
responsáveis por introduzir o violão elétrico no Brasil foi João Pereira Filho (1914-1986). O
músico tocou na década de 1930 até 1940 na orquestra de Napoleão Tavares, e atuou também
como solista e diretor de orquestras na Rádio Nacional, Rádio Mayrink Veiga, TV Tupi, TV
Excelsior e TV Globo. Em 1945, Pereira Filho gravou a música Edinho no choro com violão
elétrico, que pode ser considerada como um marco importante na história da guitarra elétrica
no Brasil. Verifica-se na audição da gravação que Pereira Filho utiliza algumas técnicas quase
exclusivas da guitarra elétrica como vibratos e bends de meio tom. Apesar de o músico
apresentar nessa faixa influências do violão usado no choro, principalmente pela grande
quantidade de arpejos para a mão direita, percebe-se também a presença de uma linguagem em
transição onde pode-se notar características técnicas de guitarristas de jazz como Oscar Aleman,
Charlie Christian e Django Reinhardt.
A partir da década de 1960, a guitarra elétrica se consolidou como um instrumento
recorrente na formação dos grupos de música popular brasileira. Devido à sua forte identificação
com a cultura norte-americana, alguns músicos como Heraldo do Monte, Olmir Stocker, Ary
Piassarollo e Hélio Delmiro, criaram estilos singulares influenciados por guitarristas de jazz, mas
com estreitos vínculos com matrizes de gêneros musicais brasileiros. Pode-se dizer que a partir
dessa época houve uma tentativa, por parte destes guitarristas, de desenvolver uma adaptação de
uma linguagem brasileira para o instrumento. Esse processo pode ter sido o ponto de partida de
uma depuração estilística feita através de uma iniciativa de “abrasileiramento” da guitarra
10
elétrica.
Para Ary Piassarollo, como para seus contemporâneos, a guitarra do jazz foi uma
referência importante, mesmo que fosse um ponto de partida para uma apropriação de elementos
e técnicas do jazz, e uma possível reinvenção à brasileira. É possível que o processo de
consolidação da guitarra elétrica no Brasil se constituiu com o aprofundamento da apropriação
de elementos presentes nos estilos de alguns guitarristas de jazz. No caso de Ary Piassarollo, a
adaptação desses recursos em suas composições feitas nos mais variados gêneros brasileiros,
pode ter sido um dos fatores de formação do seu estilo, que foi amadurecido anos depois, de uma
forma singular e original.
11
3. ARY PIASSAROLLO
Sua educação musical se deu de maneira informal. Por volta dos 17 anos, Ary conseguiu
um violão com um “conhecido”, e sua mãe o ensinou alguns acordes. Com pouco tempo de
contato com o instrumento, Ary tentava reproduzir as músicas que ouvia nos discos e na radio da
sua pequena cidade. Outra pessoa que fez parte do início do seu início musical, segundo Ary em,
Também tinha um primo que harmonizava muito bem no violão e me passou algumas coisas. Eu
já com 18 anos, meu primo estava tocando com um grupo de baile, trabalhava num banco e foi
transferido para outra cidade e acabou saindo do grupo.
interrupção entre uma e outra composição, o que exige dos músicos certo domínio, mesmo que
intuitivo, de elementos formais como turnarounds e finalizações.
Sua vida profissional começou aos 18 anos, quando seu mesmo primo citado na
subseção anterior, que além de músico, era bancário, e na época tocava com o grupo Arpeje, na
cidade de Rio Grande, foi transferido de agência e indicou Ary para a vaga que então surgia no
grupo. Ary participou do teste e foi aprovado. Posteriormente, Ary se mudou para Porto Alegre,
onde logo integrou o grupo Flamboyant que acompanhava o cantor Luís Vieira. Lá viveu e
trabalhou por dois anos, como conta no trecho,
Meu primo estava tocando com um grupo de baile, trabalhava num banco e foi transferido para
outra cidade e acabou saindo do grupo. Comentou com o pessoal do grupo que tinha um primo
que estava tocando um violão “legalzinho”, na época nem existia guitarra, era violão elétrico
mesmo. Fiz um teste, fui aprovado e comecei a tocar com o grupo Arpeje, assim comecei a
tocar na noite, em clubes. A posteriori, fui servir o exército, e quando retornei em casa, meu pai
disse: “aqui nessa vagabundagem você não vai ficar”. Tinha uma irmã que morava em Porto
Alegre, na capital. Fui para Porto Alegre morar com a minha irmã e comecei a tocar na noite,
cai no agrado das pessoas e fui convidado para entrar para o grupo Flamboyant, que era
contratado da TV Piratini na época para acompanhar Luis Vieira, um grande cantor, e fiquei
por dois anos em Porto Alegre. Os bons músicos de Porto Alegre quando me viam tocar
falavam: “Ary, você não pode ficar aqui, se não você vai ficar igual nós, vá embora para São
Paulo ou Rio de Janeiro”. Peguei minhas trouxas e fui embora para São Paulo em 1968 e assim
começou minha vida em São Paulo.
Em 1968 Ary se muda para São Paulo, época em que teve o maior desenvolvimento de
sua carreira profissional. Após algumas semanas na cidade, no cenário boêmio da capital
paulista, Ary encontrou e teve a oportunidade de dar uma “canja” com o guitarrista Olmir
Stocker. Após algumas semanas, Ary acabou mantendo contato com Olmir e os integrantes de
seu grupo, e deste vinculo, surgiu a primeira oportunidade de trabalho em São Paulo,
substituindo Olmir Stocker. Pouco tempo depois (1969), recebeu o convite para trabalhar com a
cantora Wanderléa, com quem tocou por volta de um ano, até ser convidado para trabalhar em
um programa da TV Tupi, acompanhando o cantor Moacir Franco, como cita no trecho,
Em São Paulo, depois de poucos dias na capital, comecei a sair na noite, e logo em seguida
conheci um guitarrista que tem um bom nome no Brasil, Olmir Stocker, o “Alemão”. Dei umas
canjas com ele e o pianista gostou muito de mim, pouco tempo depois, o pianista acabou tendo
alguns problemas com o Alemão e me chamou para tocar com ele. Comecei a tocar na noite e as
coisas foram acontecendo, não foi muito tempo, coisa de cinco ou seis meses. Em seguida me
apareceu outro pianista, convidando-me para trabalhar com a Wanderléa. Fiquei um tempo com
ela tocando com a jovem guarda, nos chamavam de Os vandecos. Depois me apareceu outra
pessoa convidando para trabalhar com o Moacir Franco, fiquei um bom tempo trabalhando com
13
Ainda no início da década de 1970, Ary se muda para São José dos Campos, cidade
onde casou e trabalhou por pouco tempo em bandas de baile da região, até que em 1973, recebeu
o convite do baterista Paulo Braga, seu amigo, para mudar-se ao Rio de Janeiro. Na época
(1973), Paulo Braga era o baterista de uma das cantoras de maior sucesso na época, Elis Regina.
Pouco mais de uma semana na cidade do Rio de Janeiro, por intermédio de Paulo, Ary é indicado
para fazer um teste para participar como guitarrista no então novo disco de Elis Regina, cujo
nome do disco é Elis, lançado ainda em 1973 pela gravadora Phonogram, com produção de
Roberto Menescal, como conta em,
Eu conhecia um baterista que acabei dando uma força para ele em São Paulo, o Paulo Braga, que
já estava trabalhando com a Elis Regina e me convidou para ir para o Rio de Janeiro ficar na casa
dele. Após uma semana em sua casa, tive a boa noticia que a Elis estava procurando um
guitarrista, ele falou bem ao meu respeito, acabei fazendo o teste e passando. Assim gravei meu
primeiro disco com a Elis Regina em 1973.
Ainda sobre Elis, ao perguntar para o entrevistado quais foram os principais artistas
com quem teve a oportunidade de trabalhar, Ary deixa claro, “a Elis com certeza foi uma das
maiores que tive”. Podemos assim inferir que este momento, tenha sido, se não o mais alto, mas
possivelmente um dos principais de sua carreira como guitarrista.
Entre 1973 a 1985, Ary viveu no Rio de Janeiro e também trabalhou com outros artistas
como: Vinícius de Moraes, o saxofonista Vitor Assis Brasil, Wilson Simonal, Emílio Santiago, o
arranjador Rique Pantoja, Leny Andrade, Nana Caymmi, Djavan, Tim Maia e Ivan Lins. Ary
participou também do primeiro LP - solo de Pascoal Meirelles, e atuou como professor
do Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos, em Tatuí. A maioria dos bons
músicos da época requisitavam as sofisticadas e ricas harmonias de sua guitarra. Outra de suas
principais experiências musicais, foi com o cantor e compositor Gonzaguinha, com qual tocou
por sete anos e gravou seis discos.
3.3 Influências
Assim como os guitarristas de sua geração como: Helio Delmiro, Olmir Stocker,
Heraldo do Monte e Toninho Horta, Ary, teve como influência direta no seu instrumento,
guitarristas americanos de jazz como, Wes Montgomery, Jim Hall, Barner Kessel, George
Benson e Joe Pass. Como descreve o pesquisador Bruno Mangueira (2006) em sua tese de
mestrado sobre a vida e obra de Hélio Delmiro, “quando perguntado a respeito das referências
14
mais diretamente relacionadas a seu instrumento, Delmiro é econômico: o único guitarrista que
me influenciou foi Wes Montgomery”. Para o pesquisador Eduardo Visconti (2010), em seu
trabalho sobre Olmir Stocker, Jim Hall e Barner Kessel fizeram parte do processo de
aprendizagem de Olmir, muitas de suas linguagens “guitarristicas” remetem ao estilo dos
guitarristas norte-americanos. Para Piassassollo não foi diferente, o músico tem como a sua
maior influência o guitarrista Jim Hall, e secundariamente, segundo Piassarollo, Wes
Montgomery. Observa-se no trecho,
Eu tive um grande professor que morreu há pouco tempo atrás, vi um vídeo dele há poucos dias
com Pat Metheny, o guitarrista Jim Hall. Esse foi meu grande professor, foi vendo a maneira
que ele tocava que fui desenvolvendo minha maneira de tocar, que hoje, em alguns momentos,
faço algumas coisas em cima da linha dele. Depois conheci outro músico esplendoroso que
morreu aos 45 anos, chamado Wes Montgomery, esse foi fabuloso, mas minha grande escola
mesmo foi Jim Hall, apesar de ter conhecido muitos outros.
Jim Hall (1930 - 2013) foi um guitarrista norte americano, graduou-se pelo Cleveland
Institute of Music em 1955 e alcançou o respeito no mundo do jazz quando se fixou em Los
Angeles na década de 1950. Trabalhou com importantes nomes como Chico Hamilton (1921),
Sonny Rollins (1930) e Bill Evans (1929-1980). Seu conhecimento musical, aliado ao domínio
técnico do instrumento desenvolvido em uma extensa carreira, que inclui trabalhos com os
guitarristas Pat Metheny (1954) e Mike Stern (1953), o transformaram em um dos ícones da
guitarra americana. São evidentes os traços de Hall na forma de Ary tocar, principalmente no que
tange a uma abordagem minimalista e melódica. Ary, assim como Hall, procura escolher muito
bem as notas executadas em seus improvisos, ambos têm como centro a melodia do tema, e seus
improvisos, quase sempre “parafraseam” em torno deste centro. Isso será abordado melhor no
próximo capítulo.
Como cita Ary, outro guitarrista de notória importância na sua formação musical foi o
norte americano Wes Montgomery. Wes (1923 -1968) foi um jovem guitarrista que teve uma
intensa e curta carreira, falecendo aos 45 anos. O pesquisador Reno de Stefano (2003), em seu
trabalho, estuda como a sonoridade de Wes Montgomery é um elemento que destaca a sua
individualidade. O autor, neste trecho, ressalta “Montgomery tocava suas improvisações
melódicas usando na mão direita apenas o dedo polegar (alternando-o), o que é incomum nas
técnicas violonísticas e guitarrísticas tradicionais”. O timbre particular produzido por Wes, com
a contribuição de sua técnica não convencional de tocar, provavelmente seja o ponto mais
notório da influência, estética e técnica, herdada por Ary. Nas audições realizadas para essa
pesquisa, percebe-se que Ary Piassarollo utilizou desta técnica em todo seu período de atividade.
15
Em seu álbum, praticamente todas as faixas que gravou como guitarrista e violonista
têm como base uma estética estabelecida pelo bebop nos anos 1950, onde as composições são
expostas através de um modelo formal estruturalmente simples – tema/improviso(s)/tema,
podendo haver ainda alguma introdução, ponte e/ou finalização – e a improvisação tem papel
preponderante. Na maior parte das vezes, o músico opta por uma sonoridade “limpa”,
valorizando as propriedades acústicas do instrumento. O repertório gravado com essa faceta
“guitarrística” do músico segue a mesma tendência da música instrumental brasileira de um
modo geral: standards jazzísticos, versões instrumentais de canções conhecidas da música
popular brasileira, composições instrumentais, neste caso particularmente, de autores ligados ao
artista, e músicas próprias.
Ainda que tenha tocado e gravado com a “nata” da música popular brasileira, sua
produção autoral de música instrumental se resume ao disco Memories (1991). Seu álbum foi
oriundo de uma necessidade do guitarrista, quando se mudou para os Estados Unidos. O músico
conta no trecho,
A minha “coisa” de composição começou em 1985 quando estava indo para os Estados Unidos.
Queria gravar um disco e algumas pessoas colocaram na minha cabeça que o melhor seria compor
minhas próprias músicas, se não teria que pedir permissão para tocar músicas de Tom Jobim, por
exemplo, muito dinheiro era pago, custava muito caro isso. Falaram-me: “Ary, é melhor você
compor, porque ai você não precisa pagar nada pra ninguém”. Foi ai que eu comecei compor
musicas para meu disco, que foi gravado nos Estados Unidos em 1991.
Foi neste contexto que Ary compôs sua primeira música, Ritmo de Viagem (1985), ano em que
se mudou para o país norte americano.
Seu álbum contém 11 faixas, dentre elas, dez de sua autoria, e uma reinterpretação da
música Vou Vivendo, composta em 1946 por Pixinguinha. Seu disco foi gravado em Nova
Iorque, mas foi lançado no Brasil pela editora Velas, que na época pertencia a Ivan Lins.
Participaram do seu disco: Mauricio Piassarollo (filho), no piano, Jorge Albuquerque no baixo,
Archie Peña na bateria e contou com a participação do baterista Portinho na música Salsa do
Ary, e o do violonista Nelson Ávila na música Brincadeira Gaúcha.
Conforme mencionado anteriormente, a discografia de Ary Piassarollo compõe-se
basicamente de gravações com importantes nomes da música popular brasileira, participações
em discos instrumentais de compositores relacionados ao músico e suas próprias composições.
16
Foi feito um levantamento de se não todas, quase todas as canções e músicas instrumentais que
Ary participou como guitarrista. Distinguem-se na Tabela 1 pelo nome das obras, dos
compositores, álbuns/intérpretes e gravadora/ano em que foram lançados.
Eu, heim, rosa! João Nogueira, Elis, essa mulher WEA, 1979
Paulo César
Pinheiro
Bié bié Brazil Luis Gonzaga Junior De volta ao começo EMI-Odeon, 1980
(Gonzaguinha)
18
Tem boi na linha Aldir Blanc, Djavan, Alumbramento (Djavan) EMI-Odeon, 1981
Paulo Emilio
Simples saudade Luiz Gonzaga Coisa mais grande de amor EMI- Odeon, 1981
Junior (Gonzaguinha)
Quando se chega Luiz Gonzaga Coisa mais grande de amor EMI- Odeon, 1981
Junior, Luiz (Gonzaguinha)
Gonzaga, Humberto
Teixeira
Quando se volta Luiz Gonzaga Coisa mais grande de amor EMI- Odeon, 1981
Junior, Luiz (Gonzaguinha)
Gonzaga, Humberto
Teixeira
Légua tirana Luiz Gonzaga Coisa mais grande de amor EMI- Odeon, 1981
Junior, Luiz (Gonzaguinha)
Gonzaga, Humberto
Teixeira
O saco cheio de Luiz Gonzaga Coisa mais grande de amor EMI- Odeon, 1981
Noel Junior (Gonzaguinha)
Eu entrego a Luiz Gonzaga Coisa mais grande de amor EMI- Odeon, 1981
Deus Junior (Gonzaguinha)
Pacato cidadão Luiz Gonzaga Coisa mais grande de amor EMI- Odeon, 1981
Junior (Gonzaguinha)
A fábrica de Luiz Gonzaga Coisa mais grande de amor EMI- Odeon, 1981
sonhos Junior (Gonzaguinha)
Trabalho e festa Luiz Gonzaga Coisa mais grande de amor EMI- Odeon, 1981
Junior (Gonzaguinha)
Colheita Luiz Gonzaga Coisa mais grande de amor EMI- Odeon, 1981
Junior (Gonzaguinha)
Agalope Luiz Gonzaga Coisa mais grande de amor EMI- Odeon, 1981
Junior (Gonzaguinha)
Esperança Luiz Gonzaga Coisa mais grande de amor EMI- Odeon, 1981
Junior (Gonzaguinha)
19
Alô, alô Brasil Luiz Gonzaga Alô alô Brasil (Gonzaguinha) EMI-Odeon, 1983
Junior
Todo boato tem Luiz Gonzaga Alô alô Brasil (Gonzaguinha) EMI-Odeon, 1983
um fundo musical Junior
Nave especial Luiz GonzagaJunior Alô alô Brasil (Gonzaguinha) EMI-Odeon, 1983
Pelo Brasil Luiz Gonzaga Alô alô Brasil (Gonzaguinha) EMI-Odeon, 1983
Junior
Zicartola Carlos Dafé, Das bençãos que virão com os BMG, 1985
Toninho Lemos novos amanhãs
(Beth Carvalho)
Observando-se a tabela, percebe-se que Ary teve atuação acentuada entre os anos de
1973 a 1985. Em 1985, após sua mudança para os Estados Unidos, sua participação diminuiu,
mas foi o período em que o guitarrista compôs suas músicas instrumentais. Nota-se também que
após seu retorno ao Brasil em 1997, pouco participou de trabalhos com artistas da MPB. Dentre
as composições que não são de sua autoria, a única regravação foi Vou vivendo do compositor
Pixinguinha. Os compositores mais gravados por Piassarollo foram Luis Gonzaga Junior
(Gonzaguinha), com seis álbuns, totalizando 33 músicas, Elis Regina, com dois álbuns,
totalizando 12 músicas e Djavan, com dois álbuns, totalizando seis músicas. Além desses, outros
artistas que Ary também gravou, participando somente de um disco, foram Ney Matogrosso,
Beth Carvalho e o Padre Fabio de Melo. Na música instrumental, além de seu disco, Ary
participou em dois álbuns do baterista Pascoal Meirelles.
22
A música Ritmo de Viagem, composta em 1985, como cita Ary “a primeira composição
chama-se Ritmo de Viagem; minha „coisa‟ de composição começou em 1985 quando estava indo
para os Estados Unidos”, alem de ser a primeira música do disco, foi sua primeira composição.
Assim como todas as demais, Ritmo de Viagem é inteiramente instrumental. Sua forma tem o
esquema introdução – A – A – B – improviso – introdução‟ – A – A – B – improviso. A
introdução desta música possui quatro compassos. No primeiro compasso, percebe-se a presença
de um piano e um sintetizador. Logo em seguida, no segundo compasso, entra o contrabaixo
elétrico, marcando os tempos fortes, nota-se também alguns efeitos de prato da bateria, e a
percussão, possivelmente com carrilhão, fazendo uma espécie de primeira camada para a entrada
do entrada da guitarra executada por Ary Piassarollo.
Após a introdução, Ary começa o tema com sua guitarra, enquanto a bateria em ritmo de
samba, percebe-se a presença de um violão de nylon contribuindo ritmicamente com uma levada
“abrasileirada”. Completando essa “cama” que acompanha o tema, nota-se o piano contribuindo
harmonicamente preenchendo as “lacunas” entre o tema e a harmonia do violão. Ainda no tema,
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Ary é econômico com as notas, utiliza de recursos como o slide (pressiona a corda e escorrega
até a próxima nota, geralmente com a abrangência de um ou dois tons), o “vibrato” e como
técnica, o “polegar alternado”, deixando o som de sua guitarra um pouco mais “fechado”, que
como citado anteriormente, adquiriu de direta influência do guitarrista Wes Montgomery.
Na seção improviso, Ary improvisa em quatro chorus que possuem a forma A – A – B.
Nos dois primeiros, Ary utiliza como estética, o timbre natural de sua guitarra semi-acústica,
com som limpo, ligada diretamente num amplificador transistorizado. Nas duas sessões
seguintes, como recorda Ary, o guitarrista utiliza de um recurso tecnológico acoplado a sua
guitarra, transformando-a em um sintetizador. Nesse contexto, sua guitarra soa como uma
espécie de trompete. No que tange os aspectos rítmicos e melódicos de seu improviso, nota-se
muita similaridade com os improvisos de guitarristas de jazz norte americano. Ainda neste
contexto, nota-se que Ary improvisa por acorde utilizando notas dos respectivos arpejos e
escalas, que na maioria das vezes estão presentes no tempo forte de cada compasso, e utiliza
tensões de passagem como, por exemplo, a nona bemol, em acordes dominantes, para alcançar a
sonoridade desejada.
Logo em seguida do improviso, observa-se novamente a introdução, só que desta vez
reduzida, apenas dois compassos, porém com os mesmos elementos instrumentais descritos
anteriormente. Logo após, entra novamente a guitarra com a melodia do tema, formando assim a
parte A‟. O diferencial desta parte em relação às anteriores está na variação do fraseado
melódico da guitarra, nota-se um contracanto à melodia, como uma espécie de resposta à mesma.
Com essa certa “liberdade” proposta na variação do tema, Ary conclui sua música com um
improviso em cima da forma A – A – B, terminando-a com fade out (efeito de desaparecimento
gradual do som).
O nome desta faixa remete-se à tradução literal do nome do disco. Memórias, segundo
recorda-se Ary, foi composta em 1987, dois anos após sua mudança para os Estados Unidos. Em
termos de gênero musical, é basicamente uma bossa nova com improvisação jazzística. Nota-se
que metade da faixa tem o traço brasileiro e metade, o norte-americano. O esquema estrutural
é: introdução – A – A – B – B – improviso – A‟ – A‟– B‟– improviso. A introdução da música
ocorre de forma lenta e gradualmente aumenta a sua velocidade até o início do tema, como
costumamos dizer, a introdução acontece de forma “arrastada”. Ela constitui de quatro
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compassos, e sua instrumentação é formada por violão, percussão e piano. No final do quarto
compasso, o contrabaixo se antecipa, indicando a entrada do tema. Ao decorrer do tema, no
violão de acompanhamento, nota-se uma característica muito comum a bossa nova, a síncope,
realçando o tempo fraco de um compasso, provocando tensão na música (ao contrário da ênfase
no tempo forte, como no samba tradicional, que cria uma sensação de repouso). Ainda no que
tange a rítmica, percebe-se que o baterista acentua no chimbal os tempos dois e quatro, assim
como acontece no jazz norte americano.
A primeira sessão de improviso, com forma A – A – B –, constitui de duas texturas
principais utilizadas pelo guitarrista. A primeira, como nos dois primeiros chorus, Ary improvisa
utilizando a técnica do “polegar alternado”, como citado anteriormente, obtendo assim uma
sonoridade um pouco mais “opaca” em relação ao restante do improviso. A segunda textura
acontece no terceiro chorus, onde se percebe nitidamente a variação “timbrística” ao utilizar a
palheta como recurso técnico. Nota-se também que com esse recurso, a improvisação de Ary
segue para outra direção, à medida que a palheta facilita técnicas como o sweep (técnica utilizada
na guitarra onde a palheta move-se como uma vassoura, isto, combinado com o movimento
correspondente da mão esquerda produz uma série de notas de sonoridade rápida e fluida), sua
“fraseologia” incorpora um caráter comum aos guitarristas de jazz da era bebop, o virtuosismo.
Após o improviso, Ary retoma a melodia do tema, só que desta vez, como descrito
anteriormente, o tema apresenta-se na forma A‟ – A‟– B‟. Por fim, o guitarrista termina a música
com uma pequena seção de improviso seguindo a segunda forma do tema. A faixa termina em
fade out.
Estamos Aqui, enquadra-se estilisticamente no samba, ainda que haja uma seção em cool
jazz. O esquema básico é: introdução – A – A – B – B – A‟ – A‟ – B‟ – coda – A. A introdução
dura oito compassos, e nela, nota-se uma harmonia com baixo decrescente, comum ao estilo:
#IVm7 – IVm7 – IIIm7 – V7/IIm7 – IIm7 – V7 – I7M, que também funciona como coda na
segunda parte da música. Nesta faixa, pela primeira vez, utiliza-se o cavaquinho. Nota-se sua
presença em todas as seções como instrumento rítmico e harmônico. Além do cavaco, outro
instrumento evidente, não presente nas anteriores, é o pandeiro. Assim como em Ritmo de
Viagem, Ary utiliza o sintetizador em sua guitarra, só que neste caso, simulando um trombone.
Esse timbre faz a linha melódica de toda a música.
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Brincadeira Gaúcha, segundo Ary, foi composta em 1989. Nesta faixa, Ary estabelece
um diálogo com a cultura musical gaúcha. Percebe-se, logo na introdução, características comum
ao milonga (estilo de canto, música e dança tradicional, nacional e/ou regional da Argentina,
do Uruguai e do Rio Grande do Sul), como a melodia dobrada em terças, assim como a
instrumentação típica ao estilo (violão e acordeom). Estruturalmente, temos: introdução – A – B
– C – A – B – A‟. A introdução é iniciada com violão e acordeon, que realizam breve preparação
antes da entrada do tema. A percussão fica com a levada rítmica, o violão de acompanhamento
alterna em dois acordes. A duração introdutória é de oito compassos, quando no terceiro tempo
do oitavo compasso ocorre um pequeno silêncio, resultado da combinação rítmica que marca a
entrada da parte A.
A entrada da sessão A acontece logo após o evento rítmico da introdução. No final do
primeiro tempo do primeiro compasso, entra propriamente o tema que é executado pelo violão.
Ary Piassarollo realizou a melodia de duas frases no registro médio, enquanto que a harmonia e a
levada rítmica ficam como anteriormente. Depois desse fraseado do violão, o acordeom deixa de
lado a harmonia e começa a executar a melodia. O acompanhamento do violão é discreto nesse
momento, sem muito volume.
Em seguida tem-se a parte B, breve, na qual o violão executa um fraseado que se repete
duas vezes com o acompanhamento harmônico do contrabaixo (em contraste com a parte A) e
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Na parte A‟, a melodia fica com a guitarra, com algumas variações em relação à
executada pelo piano (A). O acréscimo de escalas be-bop acontece na melodia da sessão A‟.
Porém, quando chega a parte D, que pode ser chamada também de improviso, as blue notes
são mais freqüentes. O que caracteriza a parte jazzística (A‟ e D) seria a mudança rítmica
(prato de condução), o walking bass do contrabaixo e as escalas be-bop. A parte D é equivalente
às partes B e C da primeira metade da música; há mais utilização da melodia de C no
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improviso. Nos dois últimos compassos de D acontece novamente a transição com a melodia
descendente e o acorde dominante que prepara a entrada do tema.
A sessão A‟‟ inicia com a guitarra comandando a melodia e o piano fazendo floreios
em contraponto. O contrabaixo e a bateria descrevem ritmo assemelhado ao choro, mas com
certo caráter cool, mesclando os dois traços. Na parte B‟ a guitarra executa a melodia
normalmente, porém o piano faz um contraponto ao entrar com a melodia com um pequeno
atraso. Na parte C‟ a música segue com essa “melodia dupla” da guitarra e piano chegando ao
seu final com a convenção (transição) presente no término de C. A faixa termina com uma
frase sobre uma cadência II – V – I, onde os instrumentos guitarra e piano tocam em uníssono,
resolvendo na tônica do acorde de resolução.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANEXOS
Felipe: Em qual cidade você nasceu e viveu na sua infância, e na sua casa tinha um ambiente
musical, se sim, qual?
Ary: Eu nasci numa cidade chamada Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Meu pai trabalhava na
prefeitura e foi enviado para outra cidade que era próxima de Rio Grande, chamada Povo Novo.
Desde que eu era muito jovem, com sete ou oito anos, me lembro de que quase toda semana
chegava um caminhão com pessoas da prefeitura que gostavam de música, iam lá em casa para
tocar com meu pai. Meu pai foi um bom cavaquinista, tocava outros instrumentos também como
violino e saxofone. Mas seu instrumento mesmo era o cavaquinho. Eles iam lá e ficavam tocando
chorinhos. Minha mãe ficava cantando, ela cantava bem, cantava musicas antigas como Dalva de
Oliveira. Foi assim que se deu meu inicio musical.
Felipe: A sua educação musical se deu de forma formal ou informal?
Ary: Sempre fui autodidata. Com 17 anos eu consegui um violão com um conhecido e levei para
casa. Minha mãe me passou os primeiros acordes e comecei desse jeito. Também tinha um primo
que harmonizava muito bem no violão e foi me passando algumas coisas. Eu já com 18 anos,
meu primo estava tocando com um grupo de baile, trabalhava num banco e foi transferido para
outra cidade e acabou saindo do grupo. Comentou com o pessoal do grupo que tinha um primo
que estava tocando um violão “legalzinho”, na época nem existia guitarra, era violão elétrico
mesmo. Fiz um teste, fui aprovado e comecei a tocar com o grupo Arpeje e assim comecei a
tocar na noite em clubes. A posteriori fui servir o exército e quando retornei em casa meu pai
disse: “aqui nessa vagabundagem você não vai ficar”. Tinha uma irmã que morava em Porto
Alegre, na capital. Fui para Porto Alegre morar com a minha irmã e comecei sair na noite, tocar
na noite, cai no agrado das pessoas e fui convidado para entrar para o grupo Flamboyant, que era
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contratado da TV Piratini na época para acompanhar Luis Vieira, um grande cantor da época, e
fiquei por dois anos em Porto Alegre. Os bons músicos de Porto Alegre quando me viam tocar
falavam: “Ary, você não pode ficar aqui, se não você vai ficar igual nós, vá embora para São
Paulo ou Rio de Janeiro”. Peguei minhas trouxas e fui embora para São Paulo em 1968 e assim
começou minha vida em São Paulo.
Felipe: Com quais artistas você trabalhou no Brasil, fora do Brasil e quais foram os principais?
Ary: Em São Paulo, depois de poucos dias que estava lá, comecei a sair na noite e logo em
seguida conheci um guitarrista que tem um bom nome no Brasil, o Olmir Stocker, ou “alemão”
como o conhecem, dei umas canjas com ele e o pianista gostou muito de mim, acabou tendo
alguns problemas com o Alemão e me chamou para tocar com ele. Comecei a tocar na noite e as
coisas foram acontecendo, não foi muito tempo não, coisa de cinco ou seis meses. Em seguida
me apareceu outro pianista que me chamou para trabalhar com a Wanderléa. Fiquei um tempo
com ela tocando com a jovem guarda, os “vandecos”. Depois me apareceu outra pessoa
convidando para trabalhar com o Moacir Franco, fiquei um bom tempo trabalhando com ele, me
lembro que na época fazíamos um programa na TV Tupi. Em seguida, as coisas deram uma
parada, eu já tinha casado com uma pessoa de São José dos Campos, meus cunhados me
convidaram para fazer bailes com um grupo de São José. Fiz bailes até que em 1973, eu conhecia
um baterista que acabei dando uma força para ele em São Paulo, o Paulo Braga, que já estava
trabalhando com a Elis Regina e me convidou para ir para o Rio de Janeiro ficar na casa dele.
Após uma semana em sua casa, tive a boa noticia que a Elis estava procurando um guitarrista, ele
falou bem ao meu respeito, acabei fazendo o teste e passando. Assim gravei meu primeiro disco
com a Elis Regina em 1973.
Felipe: Dos artistas que você trabalhou, com quais você teve os maiores aprendizados?
Ary: Mais aprendizado? Não, eu não tive com os artistas, tudo que eu tive foi de uma forma
autodidata, vendo livrinhos, ouvindo muitos discos, sempre escutei muitos guitarristas, pianistas,
os bons músicos. Não foram os cantores que me ensinaram nada. Mas foi um bom aprendizado
no sentido de que cada um desses cantores possui uma maneira de cantar te forçando a
determinadas coisas na sua vida musicalmente. E a Elis foi uma das maiores que tive.
Felipe: Quais são suas maiores influências na guitarra?
Ary: Eu tive um grande professor que morreu há pouco tempo atrás, vi um vídeo dele há poucos
dias com Pat Metheny, o Jim Hall. Esse foi meu grande professor, foi vendo a maneira que ele
tocava que fui desenvolvendo minha maneira de tocar que hoje em alguns momentos faço
algumas coisas em cima da linha dele. Depois conheci um musico esplendoroso que morreu aos
45 anos, chamado Wes Montgomery, esse foi fabuloso, mas minha grande escola mesmo foi Jim
Hall, apesar de ter conhecido muitos outros.
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Felipe: Quais músicos participaram dessa nova versão de “Ritmo de Viagem” e também das
outras musicas do novo disco?
Ary: Meu filho, o Nema, baixista do Ivan Lins, o baterista que não lembro nome, toca com meu
filho na banda do padre Fabio de Melo e o Filó cantando. Também participou do meu disco novo
o Ney Conceição que toca com o João Bosco e o Léo Amuedo que tocava com o Ivan Lins e
agora mora em nova York.
Felipe: Como é o seu processo de composição?
Ary: Atualmente não tenho compondo, as músicas eu compus naquela época e sobraram
algumas que coloquei nesse novo disco. Mas para mim, penso numa linha harmônica e já coloco
a melodia, e ai a “coisa” vai acontecendo, sem muita regra. E não tenho parceria nenhuma de
composição.
Felipe: Você registrou essas composições? Teve algum retorno financeiro?
Ary: Eu registrei todas essas musicas nos Estados Unidos, não me lembro o órgão. Não tive
retorno financeiro, a coisa é muito ingrata. Eu registrei lá nos Estados Unidos, porem, lancei o
disco no Brasil pela Velas que na época era do Ivan Lins e de um parceiro dele que não lembro
nome. Até hoje não recebi mais que 300 reais da Velas. É uma quantia tão irrisória que eles
pagam por cada disco vendido, e meu disco não vende milhões, é uma quantia irrisória.
Felipe: Dos seus outros trabalhos de gravação, você recebe algum valor de direito autoral?
Ary: É outra baboseira isso ai, direitos conexos. Já teve gente que me buscou aqui e eu descobri
que tinha já tinha pessoas que eu nem sabia que tinha gravado. Uma delas foi o Ney Matogrosso.
Na época eu fui músico de estúdio por muitos anos no Rio, o que acontece é que muitas vezes eu
participava de gravações sem nem saber quem era o cantor. Aparecia o trabalho e eu colocava a
guitarra. La na frente quando saia o disco que eu via que estava meu nome. Eu recebo por uma
editora, mas não recebo mais do que cento e poucos reais por ano. Tem até a Beth Carvalho que
eu tinha gravado e não sabia. Mas eles pagam centavos para os músicos. Quem ganha um bom
dinheiro são os compositores, às vezes nem o artista ganha.
Felipe: Dentre as gravações que você participou tem alguma canção ou disco que considera mais
importante?
Ary: Acredito que com a Elis, que são discos e músicas que marcaram bastante. E também,
claro, os discos com o Gonzaguinha, gravei sete discos com ele. Com o Gonzaguinha gravei e
toquei por sete anos e com a Elis apenas gravei dois discos.
Felipe: Como esta o cenário musical para o músico no Brasil?
Ary: A situação hoje esta precária, porque o mercado está muito restrito e com os conceitos
musicais deformados, adversos ao que eram alguns anos atrás. Alguma coisa que ainda vende, e
se ganha dinheiro, são com os axés, pagodes e sertanejos, alguns ainda ganham um bom
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dinheiro. Porque no mais, acabou, a bossa nova então, esquece, no Brasil já era. A bossa nova só
no exterior, Japão, Estados Unidos e Europa, mas no Brasil não. E também não existe nenhum
incentivo do governo e nem da ordem dos músicos e sindicatos.
Felipe: Teve algum artista que você teve vontade de trabalhar e não trabalhou?
Ary: Não. Porque graças a Deus eu trabalhei com os melhores. Vou começar com o mais antigo
que foi o Wilson Simonal, com quem fiz turnê pelo México. Depois veio a Elis Regina, Emilio
Santiago, Djavan, Fátima Guedes, Gonzaguinha, Ivan Lins, Nana Caymmi, Tim Maia. Eu tive a
oportunidade de tocar com a nata.
Felipe: Na época era rentável?
Ary: Na época sim, não era um dinheiro para enriquecer, mas tinha um bom padrão de vida.
Felipe: Como foi seu trabalho como professor?
Ary: Quando retornei dos Estados Unidos, conheci uma pessoa aqui que me botou em contato
com o diretor do conservatório de Tatuí, o maestro Neves. Ele já sabia a meu respeito e me
propôs a ser professor do conservatório de Tatuí, onde dei aula de improvisação por sete anos.
Felipe: E o retorno financeiro com aulas, na época era bom?
Ary: Já naquela época eu ganhava mais de 2000 reais por mês, num tempo em que o dinheiro
valia mais. Dava aula de segunda a sexta. E tinha uma coisa boa, tinha três meses de férias
recebendo. Pegava o carro e ia viajar.
Felipe: Nos Estudos Unidos você teve boas experiências com os músicos de lá?
Ary: Eu tive boas experiências, boas amizades, e muito conhecimento. O pessoal gostava muito
do meu jeito de tocar. O pessoal até me perguntava se eu era brasileiro mesmo, porque minha
guitarra soava como o jazz americano.
Felipe: A guitarra brasileira tem muita influência do jazz?
Ary: Não é a guitarra brasileira, a música brasileira, baseado na bossa nova, tem tudo a ver com
jazz. A bossa nova é uma irmã gêmea do jazz. Por isso lá o pessoal chama de brazilian jazz.
Felipe: Quais guitarristas brasileiros você recomenda que estão nesse contexto?
Ary: Escute o Hélio Delmiro, Toninho Horta, Lula Galvão, Ricardo siveira, Léo amuedo. São os
top de linha. Depois tem o Olmir Stocker, o Heraldo do Monte, etc.
Felipe: Você viveu no mesmo cenário do Hélio Delmiro?
Ary: Claro, o Hélio era rei em chegar com a guitarra dele para tocarmos juntos. Ele tocou muito
tempo com a Elis e gravou algumas coisas junto comigo.
Felipe: Hoje em dia como você vive ainda vive de música?
Ary: Estou numa cidade do interior de São Paulo chamada São José dos Campos, você pode ver
a tranqüilidade que estou aqui, vivo num lugar sossegado. Não faço outras coisas alem de ver um
pouco de televisão e dar uma praticada no instrumento. Aqui tem um ou outro cantor fazendo
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voz e violão e não precisam, ou até nem podem ter outro músico porque a paga é muito baixa,
acabam não me chamando. O máximo que eu faço é com um pessoal na Ilha Bela que me
chamam para alguns trabalhos. E tenho alguns poucos alunos que dou aula pela internet por
vídeo e tenho minha aposentadoria.
Felipe: Da sua vida musical, o que mais você espera?
Ary: Eu fiz um vídeo com o Nelson Faria, no programa “Um café La em casa”, falei com o
Nelson ontem, e ele me disse que já esta pra entrar. E com isso espero que apareçam mais
oportunidades, que mais pessoas me chamem para trabalhar. É uma vitrine, o Nelson é muito
bem conceituado, conhecido no Brasil e fora do Brasil, é possível que as coisas melhorem.
Felipe: Para finalizar, na sua concepção, o que é música?
Ary: Musica é uma dádiva meu querido, que tem duas maneiras de pensar. A primeira é a dádiva
que Deus te deu, o dom musical. E a outra, seria a genética musical, mas é meio louca, porque
tem excelentes músicos que ninguém na família tocava. Mas é mais comum e mais fácil quando
você já vem de um berço musical, onde você tem a convivência musical e ouve boas musicas
desde criança. Quando você fica mais adulto, já tem toda aquela informação armazenada, o qual
foi o meu caso.
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