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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

Leandro Oss-Emer
Lucas Gouvea Manoel Bitterbir
Matheus Gomes Setti
Victória Camargo Brasil

GLOBALIZAÇÃO E SEUS EFEITOS NA CULTURA

Trabalho de graduação apresentado à disciplina de


Direito e Sociedade do Curso de Direito do Setor
de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do
Paraná.
Orientação: Prof. Dr. Abili Lázaro Castro de Lima.

Curitiba
2017
1. INTRODUÇÃO

1.1. O SURGIMENTO DA GLOBALIZAÇÃO

A globalização pode ser interpretada sob diversos pontos de vista. Temos a


globalização geográfica, social, cultural, filosófica, econômica e histórica. No
presente trabalho vamos abordar, conforme poderá ser verificado posteriormente, a
globalização no seu aspecto cultural.
A mundo atual pode ser definido como uma “aldeia global” e esse apelido se dá
pela quebra de barreiras e conexões entre diferentes países, formando, assim, uma
grande aldeia de informações. De acordo com o livro “Introdução à Globalização” de
Luís Campos e Sara Canavezes, a globalização é um termo utilizado para definir um
“conjunto de transformações socioeconômicas que vem atravessando as sociedades
contemporâneas em todos os cantos do mundo.
Muitos autores defendem que o início da globalização se dá com a expansão
ultramarina. Traçando uma linha histórica, pode-se observar que o processo se
intensifica com a ascensão do capitalismo. Sendo assim, podemos citar novamente
o livro “Introdução à Globalização” para a compreensão de que “a globalização pode
ser entendida como um fenômeno social total (multidimensional) que não é
completamente recente, nem inteiramente novo”.
A maior difusão do termo globalização ocorre após a queda do Muro de Berlim e
o fim da Guerra Fria que dividia o mundo entre capitalistas e socialistas. Com
gradativas evoluções, chegamos ao momento atual, a “aldeia global” que também
pode ser chamada de Revolução Técnico-Científica-Informacional.
Com a intensificação dessa nova ordem, conceitos particulares de determinados
locais passam a ser exportados para regiões diferentes ou exclusos por conta da
invasão de novas concepções. Diante disso, ocorrem mudanças fundamentais em
relação à cultura, principalmente no sentido de seu desmanche.

1.1. CONCEITOS DE CULTURA

Definir o que é cultura é uma tarefa complicada. O conceito mais simples de


cultura, elaborado por Edward Tylor no século XIX, afirma que a cultura é tudo
aquilo produzido pela humanidade, de artefatos e objetos a crenças e ideologias.
No início, o termo “cultura” recebia grande influência da teoria evolucionista de
Darwin, onde teorias afirmavam que todas as culturas passavam pelo mesmo
processo de desenvolvimento, seguindo os mesmos estágios e, o ápice do
progresso das culturas, era o estágio alcançado no ocidente. Essa visão foi
posteriormente criticada por Franz Boas, defensor de que cada cultura possuía sua
história e sua particularidade.
Na concepção semântica, cultura aparece como termo originado do verbo latino
“colo”, que significa “eu ocupo a terra” e cultura seria, dessa forma, o futuro desse
verbo, significando o que se quer cultivar (não apenas no sentido de agricultura, mas
também no sentido de transmissão de valores, conhecimentos e costumes).
Um artigo produzido por Daniele Canedo (doutoranda do PPG em Cultura e
Sociedade na UFBA), baseado na dissertação de mestrado “Cultura, Democracia e
Participação Social: um estudo da II Conferência Estadual de Cultura da Bahia”,
exprime que o conceito de cultura perpassa por diferentes campos do conhecimento,
como sociologia, antropologia, história, comunicação, administração, economia,
entre outras. Além disso, o termo “cultura” também está sendo utilizado na
substituição de termos como “mentalidade”, “espírito”, “tradição” e “ideologia”. Ainda
segundo o artigo, no sentido histórico, analisando a semântica da palavra, “cultura”
possui raiz na palavra “colore”, que originou o termo em latim, tendo significados
como habitar, cultivar, proteger, honrar com veneração. Ainda, Canedo define que,
devido ao número grande de conceitos distintos de cultura, podem-se adotar 3
significados principais: “1) modos de vida que caracterizam uma coletividade; 2)
obras e práticas da arte, da atividade intelectual e do entretenimento; e 3) fator de
desenvolvimento humano.”
No item 1.1 citamos “O Desmanche da Cultura” e agora, retomando o termo,
podemos citar o livro, intitulado com o mesmo nome, para explica-lo. Na obra, Mike
Featherstone, defende que, diferente do que os estudiosos vêm afirmando, não há
um desmanche pela descentralização, mas sim por uma nova centralização.
Entretanto, há uma dificuldade em “categorizar uma cultura que transpõe as
fronteiras”, muito por conta da dificuldade de leitura causada pela “intensificação do
fluxo de bens e imagens culturais em direção à cultura do consumo”. Essa
dificuldade de leitura gera uma complexidade cultural e, acerca disso, Mike afirma
que o processo de globalização da cultura sugere duas imagens simultâneas: a
primeira pressupõe uma extensão de uma determinada até seu limite, o globo.
Nessa imagem as culturas distintas são incorporadas e integradas a uma cultura
dominante. A segunda imagem sugere uma compreensão das culturas, sendo
colocadas em contato umas com as outras e “empilhadas” sem princípios óbvios de
organização.
Por fim, um conceito de cultura que vale ser destacado, pois foi produzido por um
dos autores mais reconhecidos na história do direito e, principalmente, da sociologia,
que também é apontado por Mike Featherstone, é o conceito de Max Weber. Como
já é de conhecimento dos estudiosos, Weber defende, na teoria da racionalização e
da diferenciação cultural, que o desenvolvimento da modernidade implicava, dentre
outros processos, numa racionalização cultural.

2. MODERNIDADE, INTERAÇÃO DAS IDENTIDADES E AMERICAN WAY OF


LIFE

2.1. A PERDA DE CONFIANÇA NA MODERNIDADE

Não há dúvidas de que se tem uma grande dificuldade de localizar a


modernidade na história, visto que muitos autores divergem ao tratar do assunto na
tentativa de fixar um momento que marque o início desse período. O discernimento
a respeito do que caracteriza a Modernidade nos faz pensar em uma série de
acontecimentos (principalmente no Ocidente) que, gradativamente, contribuíram
para a definição desse conceito.
Colocaremos aqui, como ponto de partida a Revolução Francesa, que marcou a
superação do pensamento escolástico, cujos principais sustentáculos eram os
preceitos da Igreja Católica. A construção ideológica que denominamos Iluminismo
estabeleceu a razão como forma autônoma de construção de conhecimento,
consolidando a desocupação do pensamento teológico. Esses foram os primeiros
passos em direção à construção de um pensamento moderno. A Revolução
Industrial foi o baluarte da modernidade na Europa. O contexto da época
demonstrava que a sociedade europeia passava por uma série de mudanças,
motivadas por conflitos bélicos e ideológicos.
Nesse seguimento, percebe-se a formação de uma nova estrutura social que
estava em desenvolvimento gradativo, conjuntamente com a própria mudança na
realidade humana e nas novas relações entre os componentes da sociedade Havia
também uma nova configuração trabalhista – decorrente das revoluções industriais –
influenciada pelo modelo capitalista, que foi crucial para essa nova disposição do
mundo. Max Weber sintetiza a redação acima quando fala no processo de
“desencantamento do mundo”, que expressa, devido ao processo de racionalização
do pensamento, o abandono das amarras da religião e magia pelo sujeito moderno,
que passou a despir-se de costumes e crenças que tinham por base pilares
religiosos e mágicos. Assim, a modernidade é uma crença na cientificidade e na
racionalidade, nas definições categóricas e explicações universais.
No último século, porém, começou-se a perceber problemas advindos da
Modernidade. Anthony Giddens (1991 p.12), ao tratar do assunto, explica que a
modernidade é um fenômeno ambivalente: o desenvolvimento das instituições
modernas criou oportunidades para o ser humano dispor de uma vida confortável e
segura. Entrentanto, a modernidade possuí também o seu lado sombrio, marcado
pelo trabalho industrial, que levou os homens a um labor maçante e repetitivo.
Ademais, os totalitarismos, que pareciam não fazer parte da modernidade, estão
também contidos nela, basta recordarmos o fascismo, stalinismo e o holocausto.
Giddens afirma vivermos em um mundo repleto de perigos, e acrescenta:
Isto tem servido para fazer mais do que simplesmente enfraquecer ou nos forçar
a provar a suposição de que a emergência da modernidade levaria à formação de
uma ordem social mais feliz e mais segura. A perda da crença no “progresso” é clara,
é um dos fatores que fundamentam a dissolução de “narrativas” da história. (Giddens,
1991, p.15)

Fica clara a progressiva deterioração da crença na habilidade da modernidade de


construir um mundo novo — ou, ao menos, um mundo melhor —, como se
apregoava no século XIX. A perda de confiança na modernidade e a ascenção de
um novo fenômeno global, o pós-modernismo, são resultados de uma resposta dos
grupos desalinhados da lógica europeia e americana, que no passado não teriam
capacidade de manifestação e que, com o avanço mesmo da globalização,
conquistaram-na, bem como um cansaço e revolta das próprias populações do
países setentrionais.

2.2. A INTERAÇÃO DAS IDENTIDADES CULTURAIS EM DIMENSÃO


GLOBAL
Antes de tratarmos da interação das identidades culturais com o globo, é de
suma importância que tenhamos em mente a compreensão do que é identidade
cultural. Em resumo, esse conceito está relacionado à maneira como enxergamos o
mundo exterior e a como forma nos posicionamos diante dele. Ou seja, a construção
identitária de cada indivíduo e a relação com seu contexto cultural. Essa construção
é ininterrupta e por isso está sempre em mutação. Nesse processo, estamos sempre
projetando nossas singularidades para o mundo exterior e internalizando o que
recebemos dele, portanto é nessa relação que edificamos nossa identidade cultural.
As identidades culturais possuem uma relação com a globalização que, segundo
Featherstone (1997, p. 158), é um processo por meio do qual o mundo passa a ser
visto como “um só lugar”, além dos modos que buscamos para nos conscientizar
desse processo. Ainda, de acordo com o Sociólogo, as mudanças culturais que
carregam o cartaz do pós-modernismo nos levam a uma direção contrária, ou seja,
se a globalização nos direciona para uma cultura mundial unificada (ambição de
determinados Estado-nação em alguns momentos históricos), o pós-modernismo
nos leva a um maior apreço das identidades locais. Entretanto, tal interpretação é
equivocada, sendo que para ele é possível apenas o “desenvolvimento de uma
cultura global em um sentido menos totalizante, reportando-se a dois aspectos do
processo de globalização”.
O primeiro aspecto a que Featherstone se refere é a existência do que ele chama
de “terceira cultura”, ou seja, um modo de vida que vem se desenvolvendo de
maneira independente dos Estados-nação. Já o segundo traz o fato de que o Globo
é um espaço finito, um espaço comum e, por isso, é inevitável o encontro entre as
culturas e as identidades culturais. A intensificação desses contatos, devido aos
avanços dos meios de comunicação, caminha para um entrechoque de culturas,
que, segundo o Sociólogo,
pode levar a tentativas mais intensas de delinear as fronteiras entre o eu e os
outros. Dessa perspectiva, as mudanças que estão ocorrendo como resultado da
atual fase de globalização intensificada podem ser entendidas como algo que provoca
reações, as quais procuram redescobrir a particularidade, o localismo e a diferença
que gera um senso dos limites dos projetos associados à modernidade ocidental,
unificadores, ordenadores e integradores. Assim, em certo sentido, pode-se
argumentar que a globalização produz o pós-modernismo. (FEATHERSTONE, 1997,
p.158)
Esse senso de limite associado aos projetos da modernidade juntamente com o
desejo de redescobrir o particular, o local, é exemplificado por Featherstone a partir
de culturais locais, que são percebidas a partir de características singulares que são
opostas ao globo. A possibilidade de redescobrir essas culturas locais tem sido
impulsionada pelo turismo. Por exemplo, nos anos setenta foi desenvolvido um
movimento cultural com diversas atividades relacionadas ao povo Ainu, localizado
na ilha japonesa de Hokkaida, possibilitando que os turistas testemunhassem o seu
estilo de vida. Featherstone entende que o turismo, quando se refere a movimentos
culturais, pode ser utilizado como um recurso para fortalecer as identidades
culturais, mas também pode ser utilizado como um elemento destrutivo do localismo
e suas identidades. O sociólogo sustenta esse discernimento dando o exemplo do
movimento cultural havaiano, que vem reagindo contra a incorporação do Havaí na
economia americana, que teve como consequência um Havaí multiétnico. A indústria
do turismo identificou-se com a apropriação da terra pelos EUA, que se volta para o
mercado, que procura a modernização e desenvolvimento. E quem ousa se opor à
essas atividades é taxado de preguiçoso e atrasado.
Sobretudo, o resultado do processo de globalização e da compreensão da
finitude do mundo não deveria ter como consequência a produção de uma
homogeneidade mundial, mas sim a busca por familiarizar-nos com enorme
diversidade existente no mundo e mais, com a grande relevância que vem sendo
dada as culturas locais.

2.3. A EXPORTAÇÃO DO “AMERICAN WAY OF LIFE” E A CULTURA DE


MASSA”

Um dos indicadores de uma tentativa de homogeneização global da cultura foi a


exportação do “American way of life”. O surgimento dessa expressão acontece no
período denominado Entre Guerras. Após a Primeira Guerra Mundial, os EUA se
tornaram uma enorme potência, exportando produtos agrícolas e industrializados
para o continente europeu e para uma boa parte do mundo. Além disso, exportavam
a sua cultura, por meio da literatura, do cinema e da música. A expressão, em
português, estilo de vida americano, representa a identidade social, o caráter e o
modo de ser dos americanos.
A americanização de uma cultura é a forma com que os Estados Unidos impõem
o american way of life à outras nações utilizando o seu poder econômico, bélico e
político. Featherstone, ao tratar do modo de interação global e a intenção de
determinados Estados nação em expandir seus mercados e sistemas de produção,
traz à tona a análise de George Ritzer sobre o tremendo sucesso dos fast-foods, na
qual diz que estarmos vivendo a “mcdonaldização da sociedade e do mundo”. No
entanto, o Autor relata que Ritzer não atenta para outra questão, na medida que sua
análise implica na eficiência econômica, entretanto a mcdonaldização também
reproduz uma mensagem cultural, e acrescenta:
O hambúrguer, além de ser consumido fisicamente enquanto substância material,
também é consumido culturalmente como imagem e ícone de um determinado modo
de vida. Ainda que a cadeia McDonald’s não adote uma imagística elaborada em
seus anúncios, o hambúrguer é claramente americano e representa o estilo
americano de viver. É um produto de um centro global superior, que há muito vem se
representando como o centro. Para aqueles que se situam na periferia, ele oferece a
possibilidade dos benefícios psicológicos de uma identificação com os poderosos.
Juntamente com o Homen do Marlboro, a Coca-Cola, Holywood, Vila Sésamo, o rock
e as insígnias do futebol americano, o McDonald’s é um dos vários ícones do estilo
americano de vida. (FEATHERSTONE, 1997, p.23)

A cultura de massa é outra expressão que se relaciona com a temática que


estamos abordando. Entende-se por cultura de massa um conjunto de atividades,
crença e valores voltadas às multidões, que se relaciona com outro termo cunhado
pelos principais representantes da Escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer: a
indústria cultural. Esse termo é definido como um sistema econômico e político que
tem por finalidade a produção de bens de cultura, utilizados como mercadorias e
estratégia de controle social. A partir da análise dos meios de comunicação de
massa, chegaram à conclusão de que tudo funciona como uma indústria de produtos
culturais que visa o consumo. O cinema, por exemplo, era antigamente uma
atividade de lazer e hoje pode ser encarado como um meio eficaz de manipulação.
Por fim, é possível dizer que a indústria cultural traz consigo a maioria dos
elementos característicos do mundo industrial moderno e nele exerce um papel
específico, o de portadora de uma ideologia dominante.
3. PÓS-MODERNISMO, QUEDA DAS CENTRALIDADES, RELATIVIZAÇÃO DO
DESENVOLVIMENTO, GLOBALIZAÇÃO E LOCALISMO

3.1. PÓS-MODERNISMO

A história contada atualmente — História, com H maiúsculo — é sempre no


sentido de um grande prólogo durante o qual a humanidade se desenvolveu
gradualmente até alcançar os tempos modernos. O Modernismo, com sua
racionalização, cientificização e sistematização, também teve grandes efeitos na
cultura, como já abordado acima. Os tempos atuais, contudo, assistem a uma
decadência dessa mentalidade, o que se passou a chamar de Pós-Modernismo.

De acordo com Featherstone (1997, p. 69), são quatro as principais


características do pós-modernas. Primeiramente, a aversão a tentativas de teorias
gerais e explicações universais, típicas da ciência moderna, que tentam englobar
toda a realidade em suas conjecturas. Tais perspectivas são preteridas por uma
visão que reconhece e valoriza as particularidades e sincretismos locais. Ademais, é
a dissolução das barreiras que diferem alta e baixa cultura, a partir do abandono de
noções do culto e não-culto e da classificação das diferentes e particulares
expressões culturais. Além disso, é uma “estetização da vida cotidiana”, que torna
menos visível a fronteira entre arte e vida, torna a fronteira entre aparência e
realidade pouco dinstinguível, diante das imagens reduplicadas milhares de vezes,
exaustivamente. Por fim, é a “descentralização do sujeito”: não há mais exemplos
concretos, bastiões da noção do que as pessoas devem idealmente ser. Os sujeitos
não mais orbitam em torno de um centro gravitacional de conduta que orienta suas
ações e personalidades, mas cada um age de modo particular e fragmentado,
preterindo os modelos clássicos.
O termo pós-moderno, na verdade, faz bastante sentido, visto que o
fenômeno é basicamente destrutivo: as estruturas do Modernismo estão sendo
derretidas, e ainda não se colocou nada no lugar. A globalização promoveu uma
queda de barreiras, uma mistura, reações avessas a presença das diferentes
culturas e, talvez, uma confusão generalizada no campo cultural.
O presente capítulo visa a analisar de maneira muito simples alguns dos
aspectos pós-modernos abordados por Featherstone (1997), sem se aventurar por
seus aspectos mais intricados e por demais abstratos, que podem ser estudados,
entretanto, a partir da bibliografia citada.

3.2. A QUEDA DAS CENTRALIDADES

No ambiente pós-moderno, os pontos referenciais da conduta e cultura


humana são perdidos, destruídos. A emersão da importância de grupos
marginalizados no início da Modernidade, com o aumento do grau da
globalização e desenvolvimento dos meios de comunicação, fez com que os
padrões de comportamento se tornassem líquidos e não mais possuíssem um
centro. Assim, as concepções de gênero, sexualidade, cultura, esclarecimento
etc. foram relativizadas. Conforme argumenta Stuart Hall:

Para aqueles/as teóricos/as que acreditam que as identidades modernas


estão entrando em colapso, o argumento se desenvolve da seguinte forma. Um tipo
diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final
do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero,
sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido
sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão também
mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios
como sujeitos integrados. Esta perda de um "sentido de si" estável é chamada,
algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo
deslocamento — descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e
cultural quanto de si mesmos — constitui uma "crise de identidade" para o indivíduo.
(Hall, 2006, p. 9)

Um efeito desse fenômeno é a erosão da figura do herói — tida até pouco


tempo como uma imagem corajosa e masculina, enaltencendo os atributos
masculinos. Com a ascenção da importância e da atenção dada às mulheres, a
concepção patriarcal da sociedade começa a minar, e assuntos e características
tidas como femininas deixam de ser periféricas ou colaterais, para entrar na
constelação de características pós-modernas, que não possuem um centro:
O declínio da ética do herói também sugere uma feminilização da cultura.
Não é que o patriarcado e a supremacia masculina tenham sido eclipsados. Longe
disso. Tem ocorrido, porém:, em longo prazo, uma oscilação do equilíbrio do poder
entre os sexos (Elias, 1987b) que se tornou mais manifesta ao longo do último século
e presenciou o aumento do poder potencial das mulheres. Um dos sintomas desse
fato é sua proeminência e capacidade cada vez maiores de introduzir na esfera
pública questionamentos sobre a dominação masculina, a violência doméstica e o
abuso das crianças, temas que antigamente não podiam ser reconhecidos.
(FEATHERSTONE, 1997, p. 98).

3.3. A RELATIVIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

A Globalização, por muito tempo, foi vista como uma maneira não somente de
aproximar as diferentes nações, mas de fato unificar o mundo. Isso possibilitaria um
desenvolvimento conjunto dos diversos países; feito, contudo, tendo como base os
padrões europeus e americanos de cultura, riqueza e vida. Assim, nos países
desenvolvidos, haveria produtos americanos, filmes de Hollywood, hábitos europeus,
entre outros. Exemplo óbvio são as próprias cidades brasileiras, que sofreram, entre
meados do século XIX e XX, processos “modernizadores” — que, na realidade,
buscavam tão somente assemelhar as cidades brasileiras às europeias. A visão pós-
moderna não define progresso ou desenvolvimento, mas concebe singularidades de
cada região, que nunca serão unificadas artificilamente.
Conforme Featherstone (1997, pp. 124-125), as teorias modernistas
consideravam que, à medida em que cada país não ocidental — ou até mesmo
simplesmente não norte-americano ou europeu — se desenvolvesse, deixaria suas
próprias particularidades culturais locais e adotaria as características americanas e
europeias. Essa era a visão do Imperialismo do século XIX, que hierarquizava as
formas de cultura, tipicamente usando termos como sociedade “civilizada” ou “não
civilizada”.
O autor, contudo, cita Vattimo (1988), cuja opinião é de que, na Pós-
Modernidade, tal conceito de desenvolvimento já não é mais aceito. Indo ainda mais
a fundo, Vattimo não relativiza simplesmente as pretensões civilizatórias modernas,
mas toda a noção de progresso e superação do presente, levando ao “fim da
história”. Conforme o autor, o Pós-Modernismo deve ser visto como o abandono da
antiga forma como se percebia a história enquanto processo unitário, ou seja,
acreditando que todas as sociedades seguiriam um processo semelhante de
“progresso” ao longo do tempo, que levaria, essencialmente, a um mesmo resultado.
Novamente, aí, concebe-se um particularismo singular, segundo o qual cada
sociedade viveria sua história de maneira singular, não havendo conformidade
objetiva entre os diversos desenvolvimentos históricos.
Uma crítica pertinente partindo da visão pós-moderna ao historicismo —
pensamento moderno pautado na noção de desenvolvimento e progresso explicada
acima — é feita por Boaventura de Souza Santos:
O historicismo é hoje criticado tanto pelas correntes pós-modernas como
pelas pós-coloniais. Por um lado, ele impede de pensar que os países mais
desenvolvidos, longe de mostrarem o caminho do desenvolvimento aos menos
desenvolvidos, bloqueiam-no ou só permitem a esses países trilhá-lo em condições
que reproduzem o seu subdesenvolvimento. Na concepção dos estádios de
desenvolvimento fica sempre por explicar o facto de os países mais desenvolvidos
terem iniciado o seu processo de desenvolvimento sem necessidade de se
confrontarem com outros países já então mais desenvolvidos que eles. Para além de
desacreditar a ideia de modelos alternativos de desenvolvimento ou mesmo de
alternativas ao desenvolvimento, o historicismo torna impossível pensar que os
países menos desenvolvidos sejam mais desenvolvidos que os desenvolvidos em
algumas características específicas. Estas são sempre interpretadas em função do
estádio geral de desenvolvimento em que a sociedade se encontra. (SANTOS, 2008,
p. 33)

O avanço da globalização, porém, força o Ocidente, que impôs seus padrões


de progresso sobre o resto do mundo, a encarar as diferentes culturas, que agora
também ganham crescente visibilidade. De acordo com Kevin Robins:
Embora tenha se projetado a si próprio como trans-histórico e transnacional,
como a força transcendente e universalizadora da modernização e da modernidade,
o capitalismo global é, na verdade, um processo de ocidentalização — a exportação
das mercadorias, dos valores, das prioridades, das formas de vida ocidentais. Em um
processo de desencontro cultural desigual, as populações "estrangeiras" têm sido
compelidas a ser os sujeitos e os subalternos do império ocidental, ao mesmo tempo
em que, de forma não menos importante, o Ocidente vê-se face a face com a cultura
"alienígena" e "exótica" de seu "Outro". A globalização, à medida que dissolve as
barreiras da distância, torna o encontro entre o centro colonial e a periferia
colonizada imediato e intenso (Robins, 1991, p. 25).

3.4. A GLOBALIZAÇÃO E O LOCALISMO NO CONTEXTO PÓS-MODERNO

No atual mundo globalizado, o espaço deixou de ser um fator para


verdadeiramente separar pessoas, ideias e culturas. Tanto a cultura ocidental em
sua busca por hegemonia absoluta, quanto as mais diversas culturas dos diferentes
lugares acabam por interferir uma nas outras. As culturas locais não são destruídas,
mas assimilam o que recebem de uma maneira singular em cada caso, num perfeito
exemplo da antropofagia apregoada por Oswald de Andrade. Conforme afirma
Giddens:
Nas sociedades pré-modernas, o espaço e o lugar eram amplamente
coincidentes, uma vez que as dimensões espaciais da vida social eram, para a
maioria da população, dominadas pela presença"-- por uma atividade localizada... A
modernidade separa, cada vez mais, o espaço do lugar, ao reforçar relações entre
outros que estão "ausentes", distantes (em termos de local), de qualquer interação
face-a-face. Nas condições da modernidade..., os locais são inteiramente penetrados
e moldados por influências sociais bastante distantes deles. O que estrutura o local
não é simplesmente aquilo que está presente na cena; a "forma visível" do local
oculta as relações distanciadas que determinam sua natureza (Giddens, 1990, p. 18).

A globalização, por um lado, faz crescer o anseio por algo local, nacional, ao
mesmo tempo em que interfere e muda, reinventa tais costumes. O nacionalismo
não busca isolar a sociedade, no entanto também não deseja ter sua cultura
completamente engolida, "os nacionalismos do mundo moderno são a expressão
ambígua [de um desejo] por... assimilação no universal... e, simultaneamente, por...
adesão ao particular, à reinvenção das diferenças. Na verdade, trata-se de um
universalismo através do particularismo e de um particularismo através do
universalismo" (Wallerstein, 1984, pp. 166-7). Hall explica tal fenômeno de modo
muito claro:
Há, juntamente com o impacto do "global", um novo interesse pelo "local". A
globalização (na forma da especialização flexível e da estratégia de criação de
"nichos" de mercado), na verdade, explora a diferenciação local. Assim, ao invés de
pensar no global como "substituindo" o local seria mais acurado pensar numa nova
articulação entre "o global" e "o local". Este "local" não deve, naturalmente, ser
confundido com velhas identidades, firmemente enraizadas em localidades bem
delimitadas. Em vez disso, ele atua no interior da lógica da globalização. Entretanto,
parece improvável que a globalização vá simplesmente destruir as identidades
nacionais. E mais provável que ela vá produzir, simultaneamente, novas
identificações "globais" e novas identificações "locais". (Hall, 2006, pp. 77-78)

Segundo Featherstone (1997, pp. 134-135), essa fase da globalização resulta


de pressões internas para que as diferentes sociedades retomem suas identidades
coletivas levando em conta as multiculturalidades étnicas e regionais presentes
dentro dos próprios estados. A globalização da economia mundial e o citado fim das
localidades pela integração causada pelo desenvolvimento dos meios de transporte
e comunicação causariam um sentimento nostálgico para com as culturas locais,
que buscam se recriar ou até mesmo se inventar. Tal movimento seria, portanto,
uma reação às ondas destrutivas e homogenizadoras globalizantes, que tentaria
reafirmar e realizar a manutenção das diferenças existentes nos diversos países,
regiões e locais. De acordo com o autor (p. 135), “a queda das hierarquias
simbólicas, o fim do senso do progresso e do ‘novo’ histórico e a atitude positiva
para com o "outro" excluído, habitualmente associadas ao pósmodernismo, também
podem ter sua origem na ênfase dada a essas qualidades, que encontramos no
desenvolvimento da cultura do consumo.”

4. ASPECTOS ATUAIS DA GLOBALIZAÇÃO, CULTURA E CAPITAL,


GLOBALIZAÇÃO, MIGRAÇÃO E CULTURA

4.1. ASPECTOS ATUAIS DA GLOBALIZAÇÃO

A ideia de liquidez propõe uma noção de algo que está em constante


transformação e que, portanto, não é passível de controle. Modernidade líquida,
nesse sentido proposta por Zygmunt Bauman, é uma ideia de modernidade na qual
as relações, as formas de vida, os fluxos e tudo aquilo que se conhece está em
constante transformação. Tudo é volátil. Não temos certeza quanto às nossas vidas,
não nos apoiamos em instituições e estamos sujeitos a insegurança. Nessa linha de
pensamento, todos estão sujeitos aos desejos e às regras ditadas pelo imperativo do
mercado e pelos desejos da sociedade de consumo.
A globalização pode ser vista como uma das faces desse cenário. Ela propicia
um contato constante com as mais diversas informações, visões e culturas,
promovendo uma integração global. No entanto, ao mesmo tempo ela ainda está à
serviço das determinações propostas pela lógica do capital, universalizando padrões
de comportamento e – consequentemente – culturas.
O intuito é abordar o fenômeno da globalização e seus impactos na cultura a
partir de uma perspectiva atual, considerando o modo como opera a cultura hoje e
quais as modificações que o suposto universalismo trouxe para a esfera cultural na
contemporaneidade. Sopesar as mudanças que decorreram desse fenômeno é
essencial para se ter uma compreensão da dimensão dessas mudanças na vida
social hoje.

4.2. CULTURA E CAPITAL NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO

A modernidade trouxe consigo a predominância da técnica e as benesses da


indústria e de toda a lógica de produção do modelo capitalista. Havia a pretensão,
ditada pelos entusiastas da modernidade, de que o avanço da técnica e da ciência
iriam expandir a racionalidade humana e levar ao esclarecimento. No entanto, esse
projeto de modernidade falhou. Com a expansão das indústrias e o fomento ao
consumo, a mesma lógica de produção material da padronização foi transplantada
para a produção cultural, o que tornou o ser humano cada vez mais dependente. A
cultura transmutou-se em um meio de controle e, nas mãos do mercado, tornou-se
um novo produto apto a ser vendido e produzido em massa.
“O que não se diz é que o terreno no qual a técnica conquista seu poder
sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem
sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria
dominação.” (ADORNO, p. 99)

Eis a configuração do que Adorno e Horkheimer chamaram de indústria cultural.


Pertencentes à Escola de Frankfurt – que teceu duras críticas ao falho projeto da
modernidade -, os dois filósofos perceberam que as atividades que estão fora da
lógica de instrumentalização da indústria passaram gradativamente a serem
apropriadas por esse projeto. Os bens culturais, que até então possuíam sua
singularidade, passaram a ser padronizados de destinados a um consumo em
massa. Formou-se, assim, uma cultura de massa em que o foco da arte não está na
sua produção, mas sim no seu consumo.
Featherstone atenta para o papel que a propaganda possui na formação de uma
sociedade de consumo de fato. Ela substituiu o papel da alta cultura em ditar o que é
ou não é cultural. A propaganda fomenta a nova cultura artificial ao promover o
consumo e ressaltar o aspecto simbólico da mercadoria. Destrinchando essa
análise, recai-se em Jean Baudrillard, para o qual o consumo se baseia
fundamentalmente na manipulação de signos, pois que é consumido de fato não é o
objeto, mas sim o signo a que esse objeto corresponde (Featherstone, 1995: 38).
Essa análise parte da semiologia, em que o autor denomina que a economia política
foi responsável por uma “revolução semiológica”. Ao contrário de Adorno, que
propõe que com a indústria cultural o valor de troca acaba soterrando o valor de uso,
Baudrillard propõe que ambos os valores – de uso e de troca – são substituídos pelo
valor dos signos.
Baudrillard, segundo a análise de Featherstone, tem uma concepção que diverge
da teoria de cultura de massa. Segundo sua análise, o desenvolvimento da
mercadoria gerou um triunfo cultural, em que não há mais distinção entre os
diversos tipos de cultura, mas sim uma “massa pegajosa que simula e brinca com a
superprodução de signos” (Featherstone, 1995: 39). Isso reflete um teor limitado das
críticas à cultura de massa, pois elas ignorariam o fato de que as mercadorias não
precisam ser padronizadas – podem ser feitas sob medida – e os significados dos
signos podem ser revertidos de modo que o significado tome um teor crítico ou
opositor. Exemplo disso são posicionamentos de grupos de contracultura e grupos
na linha do movimento punk.
“Tais críticas assinalam a importância de transcender a visão de acordo com a qual a
uniformidade do consumo é ditada pela produção e enfatizam a necessidade de
investigar o uso e a recepção reais dos bens através de várias práticas populares.”
(Featherstone, p. 40).

Existe, portanto, um outro lado da cultura de massa. Abordando brevemente,


os movimentos de contracultura desenvolveram um papel fundamental em fugir aos
padrões da cultura massificada, principalmente a partir da década de 60, com a
cultura marginal e alternativa dos movimentos urderground. Essas culturas
recusavam-se a cair nos meios comuns de comunicação e expressão, lutando
contra os padrões do sistema da época. O fato é que só existe uma contracultura –
oposta, que propõe uma revolução – porque havia um padrão de cultura massificado
e difundido pelo fenômeno da globalização – padrão que esse movimento se
recusava a aceitar. A contracultura forma o outro lado da moeda, a oposição que se
constrói apesar dos entraves e de toda a cultura de massa de grandes proporções
da época.
Tratava-se, de fato, de um movimento de contestação que colocava
frontalmente em xeque a cultura oficial, prezada e defendida pelo Sistema, pelo
Establishment. Diante desta cultura privilegiada e valorizada, a contracultura se
encontrava efetivamente do outro lado das barricadas. A afirmação e a sobrevivência
de uma parecia significar a negação e a morte da outra. E agora, amplificada e
difundida pelos meios de comunicação de massa, a recusa radical da juventude
ganhava a cena com grande alarde e assumia ares de uma verdadeira contracultura.
(Pereira, p. 19)

4.3. GLOBALIZAÇÃO E MIGRAÇÃO: RELAÇÕES COM A CULTURA

O fenômeno das migrações reflete um aspecto pertinente ao século XXI no que


se refere à integração cultural. Motivadas por guerras, condições de miséria e
conflitos políticos, pessoas abandonam seus países e deixam para trás parte de
suas raízes nacionais, seu povo e sua pátria. No entanto, o laço cultural que foi
estabelecido ao longo de suas vidas permanece. Os costumes e parte de sua cultura
são carregados para o novo país de destino onde suas vidas serão reestruturadas.
Em pleno século XXI os países já tiveram um amplo contato com outras
culturas e enfrentaram diversos fluxos migratórios. Bauman propõe que estamos
passando hoje por uma terceira fase da migração moderna, que seria a era das
diásporas:
A terceira fase da migração moderna, hoje em pleno curso e
ganhando ímpeto, a despeito dos atentados frenéticos para contê-la, introduz
a era das diásporas. Trata-se de um arquipélago infinito de colônias étnicas,
religiosas e linguísticas, sem preocupações com os caminhos assinalados e
pavimentados pelo episódio imperial/colonial, mas, em vez disso, conduzido
pela lógica da redistribuição global dos recursos vivos e das chances de
sobrevivência peculiar ao atual estágio da globalização. [...] A migração atual
difere das fases anteriores na equidade dos muitos caminhos possíveis – e
no fato de que quase nenhum país é hoje exclusivamente um lugar de
imigração ou emigração. (BAUMAN, p. 37)

A migração no modo que se dá hoje faz com que os grupos migratórios não
encontrem as devidas oportunidades nos locais de destino. Muitos difundem o mito
de que a globalização contribuiu para um maior contato entre as culturas sem
apresentar o lado negativo dessa suposta integração. O que se mostra na prática do
dia a dia é o oposto: populações árabes e muçulmanas sendo marginalizadas – e
por vezes perseguidas – na Europa deixam clara a mensagem de que não há
espaço para esse contato entre culturas. O diferente e “exótico” convém apenas
quando a intenção é o turismo, não quando há a necessidade de respeito.
Discriminados, os grupos étnicos e culturais se fecham em subúrbios e continuam a
pertencer à margem da população.
A íntima proximidade de aglomerações “etnicamente estrangeiras”
dissemina hábitos tribais na população local, e o propósito das estratégias
insinuadas por esses hábitos é o isolamento compulsório, “guetificante”, dos
“elementos estrangeiros”, o que, por sua vez, aumenta os impulsos
defensivos das populações de imigrantes: sua propensão ao estranhamento e
ao fechamento em círculos próprios. (BAUMANx, p. 41)

A visão preponderante hoje, na Europa, a respeito dos imigrantes não é algo


recente. Ela decorre de um impulso de séculos da visão do homem branco europeu
com o dever civilizador com os povos do Oriente. A visão eurocêntrica de mundo foi
substituída por uma cultura global que decorria do domínio político e econômico dos
Estados Unidos. Esse domínio se manifesta tanto por personagens de filmes quanto
por personagens da vida cotidiana, que universalizam o sonho de ser americano.
Nesse raciocínio, se modernizar significa abraçar essa cultura global (Featherstone,
p. 124).
No final do século XX, passa a se desenvolver uma compreensão maior de
que as culturas do Oriente possuem suas próprias histórias, principalmente em
decorrência da ascensão econômica do Japão (Featherstone, p. 126). No entanto,
mais de uma década depois, percebemos que essa visão trazida acabou não se
concretizando amplamente – talvez pelo aspecto de desenvolvimento econômico e
social, ausente em alguns países do Oriente -, pois diversos povos do Oriente ainda
enfrentam a tentativa de serem “civilizados” pelo Ocidente, amparado pelo mito da
superioridade.
Existe, por outro lado, o pressuposto de que, em última análise, “eles
são como nós” e que, em consequência, concede-se ao Ocidente o direito
moral e o dever de guiar e educar os outros, devido à necessidade de civilizar
a totalidade. [...] o Ocidente se coloca na posição de guardião dos valores
universais, no interesse de um mundo formado à sua própria imagem.
(FEATHERSTONE, p. 126)

Por fim, é importante ressaltar que em julho de 2017, o Tribunal de Justiça da


União Europeia decidiu que as empresas que atuem nos países no bloco podem
vetar o uso de símbolos religiosos como o véu islâmico. A decisão foi baseada no
pressuposto de que o véu representa uma manifestação religiosa no espaço público
e, curiosamente, uma forma de opressão às mulheres. Em agosto, o primeiro
ministro francês, Manuel Valls, se manifestou a favor da limitação do acesso às
praias por mulheres trajando o burquíni – traje de banho islâmico que cobre todo o
corpo das mulheres -, afirmando que o traje seria “a tradução de um projeto político,
de contra sociedade, principalmente sobre a submissão da mulher”, segundo
matéria publicada no jornal Nexo.
É de amplo conhecimento que o Ocidente em grande parte vê as mulheres
islâmicas como privadas de liberdade, ou até mesmo inferiores e vítimas, por
usarem o véu de acordo com as determinações da religião. No entanto, essa visão
traz uma carga de preconceito cultural e, principalmente, uma ideia de superioridade
da cultura ocidental em seus costumes e hábitos pelo fato das mulheres terem
liberdade em relação às suas roupas. Essa concepção desconsidera que, para
muitas muçulmanas, usar o véu é evitar se sentir exposta e, desse modo, ameaçada
ou desconfortável no ambiente público. Ainda, desconsidera o fato de que a
sociedade ocidental também oprime as mulheres com outros múltiplos modos, ainda
que sob uma suposta liberdade. Nessa linha, a pesquisadora Amanda Stinghen
Moretão destaca:
As noções de liberdade e opressão variam conforme o tempo e o
espaço. Para algumas pessoas, usar pouca roupa significa liberdade,
enquanto para outras significa opressão. Enquanto as sociedades ocidentais
ficam horrorizadas com o fato de que em alguns países as mulheres são
obrigadas a se cobrirem inteiras, essas mesmas sociedades falam em
perceber os ideais e as convicções por trás da cultura em que incentiva as
mulheres a usarem menos roupas. Do nosso lado, temos uma sociedade que
nos encoraja a tirar a roupa, onde a mídia está constantemente tentando
vender a imagem de mulheres magras, usando roupas e biquínis curtos,
vendendo um padrão de beleza ocidental [...]. Só porque as mulheres aqui
usam menos roupas, não significa que elas sejam livres. (Stinghen, p. 10).

O que se extrai dessa situação é que todos os povos querem contato com
culturas diferentes, mas nenhum deles está disposto a abrir mão de seu
“absolutismo cultural” e aceitar a diferença em um ambiente de coexistência. Os
grandes fluxos de comunicação aumentaram o contato entre culturas e, em grande
parte, tudo o que foge do padrão universalmente imposto é tido como arcaico e é
visto como algo a ser combatido – até que alguma marca se aproprie e transforme
essa cultura em produto. Ao mesmo tempo em que a globalização nos permitiu
reconhecer que a cultura é uma via de mão dupla – em que é preciso disponibilizar
ao mundo sua cultura e estar apto a receber as demais influências -, ela também
mostrou ser um meio para fomentar fundamentalismos e soterrar traços culturais.
Por fim, nessa linha reconhece o autor:
Além do mais, não se quer dizer com isso que os fluxos culturais
intensificados resultarão necessariamente em maior tolerância e cosmopolitismo.
Uma familiaridade crescente com “o outro”, seja através de relações face a face, seja
através de imagens ou representações da visão de mundo e da ideologia do outro,
poderá levar igualmente a um perturbador senso de imersão e envolvimento. Isso
poderá resultar em um recuo diante da ameaça da desordem cultural, buscando-se
abrigo na segurança da etnicidade, do tradicionalismo, do fundamentalismo [...].
(Featherstone, p. 129).
5. REFERÊNCIAS

FEATHERSTONE, Mike. O Desmanche da Cultura: globalização, pós-modernismo e


identidade. São Paulo: Studio Nobel: SESC, 1997.

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<https://dspace.uevora.pt/rdpc/bitstream/10174/2468/1/Introdu%C3%A7%C3%A3o%
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CANEDO, Daniela. Cultura É O Quê? – Reflexões sobre o conceito de cultura e a


atuação dos poderes públicos. Disponível em:
<http://www.cult.ufba.br/enecult2009/19353.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2017.

HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. A indústria cultural: o iluminismo como


mistificação de massas. Pp. 169 a 214. In: LIMA, Luiz Costa. Teoria da cultura de
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GIDDENS, A. The Consequences of Modernity. Cambridge: Polity Press, 1990.

HALL, Stuart. “A Identidade Cultural na Pós-Modernidade”. 11ª ed., Rio de Janeiro:


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ROBINS, Kevin. "Tradition and translation: national culture in its global context". In
Corner, J. and Harvey, S. (orgs.), Enterprise and Heritage: Crosscurrents of National
Culture. Londres: Routledge, 1991.

SANTOS, Boaventura de Souza. Do Pós-moderno ao Pós-colonial. E para além de


um de outro. In: Travessias, ed. 6/7, Coimbra: Centro de Estudos Sociais,
Universidade de Coimbra, 2008.
WALTERSTEIN, The Politics of the World Economy. Cambridge: Cambridge
University Press, 1984.

ADORNO, Theodor W. HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Zahar,


1985.

BAUMAN, Zygmunt. A Cultura no Mundo Líquido Moderno. Rio de janeiro: Zahar,


2013.

MORETÃO, Amanda Stinghen. Entre a Modernidade e a Tradição: Empoderamento


Feminino no Irã e na Turquia. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.

PEREIRA, Carlos Alberto M. O que é contracultura. Brasiliense, 8ª edição.

WEBSITES:

<http://brasilescola.uol.com.br/geografia/globalizacao.htm>. Acesso em: 04 nov.


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