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Direito Civil

Sumário
A. Direito das obrigações.........................................................................................................10
A1. Introdução ao direito das obrigações.................................................................................10
1.1. Conceito.........................................................................................................................10
1.2. Evolução histórica.........................................................................................................10
1.3. Direito real e direito pessoal..........................................................................................11
1.3.1. Obrigações propter rem..........................................................................................12
1.4. Caracteres essenciais das obrigações.............................................................................12
1.4.1. Determinabilidade dos sujeitos...............................................................................12
1.4.2. Caráter patrimonial da prestação.............................................................................12
1.4.3. Transitoriedade da relação obrigacional.................................................................12
1.4.4. Débito (Schuld) e responsabilidade (Haftung): art. 391 -Comum DIR313............13
1.5. Elementos constitutivos das obrigações........................................................................13
1.5.1. Elemento subjetivo..................................................................................................13
1.5.2. Elemento objetivo...................................................................................................13
A.2. Princípios do direito das obrigações.................................................................................15
2.1. As obrigações no código civil........................................................................................15
2.1.1. Sociabilidade e obrigações......................................................................................15
2.1.2. Eticidade e obrigações............................................................................................15
2.1.3. Operabilidade e obrigações.....................................................................................16
2.2. Princípio da função social..............................................................................................16
2.3. Princípio da boa-fé.........................................................................................................16
2.3.1. Boa-fé como cláusula geral.....................................................................................16
2.3.2. Acepções da boa-fé.................................................................................................16
2.3.3. Boa-fé em relação à dignidade da pessoa humana..................................................17
2.3.4. Funções da boa-fé objetiva.....................................................................................17
A.3. Modalidades de obrigações – quanto ao objeto................................................................18
3.1. Obrigação de dar e de restituir.......................................................................................18
3.1.1. Obrigação como processo.......................................................................................18
3.1.2. Obrigação de dar coisa certa...................................................................................19
3.1.3. Obrigação de dar coisa incerta................................................................................22
3.2. Obrigação de fazer.........................................................................................................23
3.2.1. Impossibilidade e inadimplemento da obrigação de fazer......................................23
3.3. Obrigação de não fazer..................................................................................................24

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3.3.1. Descumprimento da obrigação de não fazer...........................................................25


A.4. Modalidades das obrigações – quanto aos elementos......................................................26
4.1. Obrigação natural (classificação quanto à exigibilidade, e não quanto aos elementos) 26
4.2. Obrigação cumulativa ou conjuntiva.............................................................................26
4.3. Obrigação alternativa.....................................................................................................26
4.4. Obrigação facultativa.....................................................................................................27
4.5. Obrigações fracionárias.................................................................................................27
4.5.1. Obrigação divisível e indivisível.............................................................................28
4.6. Obrigações solidárias.....................................................................................................29
4.6.1. Solidariedade ativa..................................................................................................29
4.6.2. Solidariedade passiva..............................................................................................31
4.7. Outras modalidades de obrigações................................................................................34
4.7.1. De meio e de resultado............................................................................................34
4.7.2. Principal e acessória................................................................................................35
A.5. Transmissão das obrigações.............................................................................................36
5.1. Elementos introdutórios.................................................................................................36
5.2. Cessão de crédito...........................................................................................................36
5.2.1. Conceito (Almeida Costa).......................................................................................36
5.2.2. Crédito.....................................................................................................................36
5.2.3. Distinções................................................................................................................36
5.2.4. Cessão de crédito....................................................................................................36
5.2.5. Efeitos da cessão.....................................................................................................37
5.3. Assunção de dívida........................................................................................................37
5.3.1. Conceito..................................................................................................................37
5.3.2. Anulação da assunção.............................................................................................37
5.3.3. Natureza..................................................................................................................38
5.4. Cessão de contrato.........................................................................................................38
A.6. Do adimplemento.............................................................................................................39
6.1. Introdução......................................................................................................................39
6.2. Quem pode pagar...........................................................................................................39
6.3. Quem pode receber........................................................................................................39
6.4. Objeto do pagamento.....................................................................................................40
6.4.1. Pagamento em dinheiro e de valor..........................................................................41
6.4.2. Quando a prestação é uma ação (obrigação de fazer).............................................41
6.5. Prova do pagamento......................................................................................................41

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6.5.1. Requisitos do recibo de quitação...........................................................................41


6.5.2. Presunções legais:...................................................................................................41
6.6. Do lugar do pagamento..................................................................................................42
6.7. Tempo do pagamento....................................................................................................43
A.7. Modalidades especiais (indiretas) de pagamento.............................................................45
7.1. Introdução......................................................................................................................45
7.2. Pagamento em consignação...........................................................................................45
7.2.1. Conceito..................................................................................................................45
7.2.2. Requisitos................................................................................................................45
7.3. Pagamento com sub-rogação.........................................................................................46
7.3.1. Sub-rogação legal e convencional...........................................................................46
7.4. Dação em pagamento.....................................................................................................48
7.5. Novação.........................................................................................................................48
7.7. Compensação.................................................................................................................49
B. Da responsabilidade civil.....................................................................................................50
B.1. Atos unilaterais de vontade (unidade I)............................................................................50
1.1. Ato unilateral como fonte de obrigações.......................................................................50
1.1.1. Institutos de Gaio (Direito Romano).......................................................................50
1.1.2. Concepção dúplice (BGB)......................................................................................50
1.1.3. Pontes de Miranda...................................................................................................50
1.2. Promessa de recompensa...............................................................................................52
1.2.1. Requisitos................................................................................................................52
1.2.2. Prazo.......................................................................................................................53
1.2.3. Natureza jurídica.....................................................................................................53
1.2.4. Revogação da promessa..........................................................................................53
1.2.5. Promessa pública de recompensa............................................................................54
1.2.6. Efeitos.....................................................................................................................54
1.3. Gestão de negócios........................................................................................................55
1.3.1. Conceito..................................................................................................................55
1.3.2. Diferenças em relação ao contrato de mandato......................................................55
1.3.3. Pressupostos............................................................................................................55
1.3.4. Caracterização.........................................................................................................55
1.3.5. Obrigações do gestor e do dono..............................................................................56
1.3.6. Multiplicidade de gestores......................................................................................57
1.4. Pagamento indevido.......................................................................................................57

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1.4.1. Conceito de indébito...............................................................................................58


1.4.2. Hipóteses (espécies)................................................................................................58
1.4.3. Requisitos................................................................................................................58
1.4.4. Exceções (não há direito à repetição).....................................................................59
1.5. Enriquecimento sem causa............................................................................................59
B.2. Responsabilidade Civil.....................................................................................................59
2.1. Evolução histórica da responsabilidade civil.................................................................60
2.1.1. Evolução histórica no direito brasileiro..................................................................60
2.2. Conceito.........................................................................................................................61
2.2.1. Modalidades de responsabilidade civil...................................................................61
2.3. Fundamentos..................................................................................................................62
2.3.1. Princípio da culpa....................................................................................................62
2.3.2. Princípio do risco....................................................................................................62
2.3.3. Princípio da garantia (corrente minoritária)............................................................63
B.3. Responsabilidade civil extracontratual subjetiva (responsabilidade aquiliana)...............64
3.1. Introdução......................................................................................................................64
3.2. Conduta culpável...........................................................................................................64
3.2.1. Conduta...................................................................................................................64
3.2.2. Imputabilidade........................................................................................................65
3.3. Culpa latu sensu.............................................................................................................65
3.3.1. Dever de cuidado....................................................................................................66
3.3.2. Culpa grave, leve e levíssima..................................................................................66
3.3.3. Outras modalidades.................................................................................................66
3.4. Nexo causal....................................................................................................................67
3.4.1. Teorias.....................................................................................................................67
3.4.2. Excludentes do nexo causal....................................................................................68
3.5. Dano...............................................................................................................................68
3.5.1. Linhas evolutivas....................................................................................................68
3.5.2. Classificação de dano..............................................................................................69
3.6. Dano moral e seu arbitramento......................................................................................69
3.6.1. Legitimidade ativa...................................................................................................69
3.6.2. Dano reflexo ou por ricochete.................................................................................70
3.6.3. Transmissibilidade causa mortis.............................................................................70
3.6.4. Dano moral coletivo................................................................................................70
3.6.5. Punitive damages....................................................................................................70

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3.6.6. Dano estético...........................................................................................................71


3.6.7. Arbitramento do dano moral...................................................................................71
3.6.8. Dano por abandono afetivo.....................................................................................71
3.7. Considerações quanto à redução da capacidade laborativa para fins de pensionamento
..............................................................................................................................................72
3.7.1. O dano é causado a quem recebe benefício do INSS quanto à própria redução da
capacidade laborativa........................................................................................................72
3.7.2. Revisão do pensionamento indenizatório...............................................................72
B.4. Responsabilidade civil objetiva........................................................................................73
4.1. Introdução......................................................................................................................73
4.2. Teorias do risco..............................................................................................................73
4.2.1. Teoria do risco integral...........................................................................................74
4.2.3. Teoria do risco administrativo................................................................................74
4.2.4. Teoria do risco proveito..........................................................................................74
4.2.5. Teoria do risco criado.............................................................................................74
4.3. Responsabilidade pelo fato de outrem...........................................................................75
4.4. Responsabilidade sobre fato de coisas...........................................................................75
C. Contratos..............................................................................................................................76
C.1. Introdução aos contratos...................................................................................................76
1.1. Definição........................................................................................................................76
1.2. Histórico contratual.......................................................................................................76
D. Do direito das coisas............................................................................................................78
D.1. Noções iniciais..................................................................................................................78
1.1. Introdução......................................................................................................................78
1.2. Sistematização...............................................................................................................78
1.3. Divisão...........................................................................................................................78
1.3.1. Diferenças e características.....................................................................................79
1.4. Divisão dos direitos das coisas......................................................................................80
1.5. Institutos similares.........................................................................................................80
1.5.1. Ônus reais................................................................................................................80
1.5.2. Obrigação com eficácia real....................................................................................80
1.5.3. Direito de retenção e de preferência.......................................................................80
1.5.4. Ônus jurídico...........................................................................................................81
1.5.5. Dever jurídico.........................................................................................................81
1.5.6. Sujeição...................................................................................................................81

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1.5.7. Obrigação propter rem............................................................................................81


1.6. Patrimônio.....................................................................................................................82
1.7. Bem e coisa....................................................................................................................82
1.8. Direitos reais x direito das coisas..................................................................................82
1.8. Características................................................................................................................83
1.8.1. Absolutismo............................................................................................................83
1.8.2. Sequela....................................................................................................................85
1.8.3. Preferência..............................................................................................................85
1.8.4. Taxatividade............................................................................................................86
1.9. Comparação entre os direitos reais e os direitos obrigacionais.....................................86
D.2. A posse.............................................................................................................................87
2.1. Esboço...........................................................................................................................87
2.2. Natureza jurídica............................................................................................................87
2.2.A. Evolução histórica......................................................................................................87
2.3. Teorias...........................................................................................................................88
2.3.1. Subjetivista..............................................................................................................88
2.3.2. Objetivista...............................................................................................................88
2.3.3. Eclética....................................................................................................................88
2.4. Posse de Estado..............................................................................................................89
2.5. Detenção........................................................................................................................89
2.6. Domínio e condomínio/ posse e composse....................................................................89
2.7. Fundamentos..................................................................................................................90
2.7.1. Fundamentos da posse............................................................................................90
2.7.2. Fundamentos da tutela da posse..............................................................................90
2.8. Classificação..................................................................................................................91
2.8.1. Justa e injusta..........................................................................................................91
2.8.2. Direta e indireta.......................................................................................................91
2.8.3. Boa-fé e má-fé.........................................................................................................91
2.8.4. Justo título...............................................................................................................92
2.8.5. Nova e velha............................................................................................................92
2.8.6. Ad interdicta e ad usucapionem..............................................................................92
2.9. Aquisição da posse........................................................................................................93
2.9.1. Traditio (tradição)...................................................................................................93
2.9.2. Ope legis.................................................................................................................94
2.10. Perda da posse..............................................................................................................94

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2.11. Posse de direitos..........................................................................................................95


2.12. Efeitos da posse...........................................................................................................95
2.12.1. Efeitos gerais.........................................................................................................95
2.12.2. Interditos possessórios..........................................................................................96
D.3. Propriedade.......................................................................................................................98
3.1. Fragmentação ou elasticidade........................................................................................99
3.2. Teorias sobre a propriedade...........................................................................................99
3.3. Características..............................................................................................................100
3.4. Classificação dos direitos reais....................................................................................100
3.5. Terminologia................................................................................................................100
3.6. Da função social..........................................................................................................100
3.7. Descoberta/invenção....................................................................................................101
3.8. Aquisição da propriedade imóvel................................................................................102
3.8.1. Usucapião..............................................................................................................103
3.8.2. Acessão.................................................................................................................108
3.9. Aquisição de propriedade móvel.................................................................................111
3.9.1. Especificação........................................................................................................112
3.9.2. Confusão, comistão e adjunção.............................................................................112
3.9.3. Tradição................................................................................................................113
3.9.4. Usucapião..............................................................................................................114
3.10. Registro (transmissão de bens imóveis)....................................................................114
3.10.1. Regulamentação..................................................................................................114
3.10.2. Procedimentos.....................................................................................................115
3.10.3. Princípios............................................................................................................116
3.10.4. Escrituração.........................................................................................................117
3.10.5. Presunção do registro imobiliário.......................................................................118
3.10.6. Atos.....................................................................................................................118
3.11. Condomínio...............................................................................................................118
3.11.1. Condomínio geral................................................................................................119
3.11.2. Condomínio edilício............................................................................................121
3.12. Multipropriedade imobiliária.....................................................................................124
3.12.1. Conceito..............................................................................................................124
3.12.2. Natureza jurídica.................................................................................................125
3.12.3. Objeto..................................................................................................................125
3.12.4. Regramento.........................................................................................................125

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3.12.5. Características.....................................................................................................125
3.12.6. Registro...............................................................................................................125
3.12.7. Extinção..............................................................................................................125
3.13. Fundo imobiliário......................................................................................................125
3.13.1. Conceito..............................................................................................................126
3.13.2. Objetivo...............................................................................................................126
3.13.3. Natureza jurídica.................................................................................................126
3.13.4. Regramento.........................................................................................................126
3.13.5. Características.....................................................................................................127
3.13.6. Dica.....................................................................................................................127
3.14. Função social da propriedade....................................................................................127
3.14.1. Teorias da propriedade........................................................................................128
3.14.2. Da evolução do modelo de propriedade no liberalismo......................................128
3.15. Situações jurídicas vicinais........................................................................................129
3.15.1. Teorias.................................................................................................................129
3.15.2. Atos lícitos e ilícitos............................................................................................130
3.15.3. Princípio dominante............................................................................................131
3.15.4. Análise econômica do direito e direito de vizinhança........................................131
3.15.5. Natureza jurídica.................................................................................................131
3.15.6. Critérios de aplicação..........................................................................................131
3.15.7. Casos...................................................................................................................132
3.16. Propriedade intelectual..............................................................................................134
3.16.1. Origem................................................................................................................134
3.16.2. Espécies...............................................................................................................134
3.16.3. Direitos autorais..................................................................................................135
3.16.4. Eficácia/eficiência...............................................................................................135
3.16.5. Externalidades.....................................................................................................135
3.16.6. Informações pessoais e de governo.....................................................................136
3.16.7. Direito de sequência............................................................................................136
3.16.8. Sucessão..............................................................................................................137
3.16.9. Comunicabilidade...............................................................................................137
3.16.10. Tradução/arranjo musical..................................................................................137
3.16.11. Paródia e paráfrase............................................................................................137
3.16.12. Recolhimento dos direitos autorais...................................................................137
3.16.13. Natureza jurídica...............................................................................................137

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3.17. Perda da propriedade.................................................................................................138


D.4. Propriedade resolúvel.....................................................................................................140
4.1. Alienação fiduciária.....................................................................................................140
4.1.1. Alienação fiduciária de bens móveis....................................................................141
4.1.2. Alienação fiduciária de bens imóveis (Lei 9.514/1997).......................................141
4.1.3. Execução da alienação fiduciária de imóveis.......................................................141
4.2. Situações semelhantes (não são direitos reais)............................................................142
4.2.1. Arrendamento mercantil.......................................................................................142
4.2.2. Compra e venda com reserva de domínio (art. 521 a 528)...................................142
D.5. Direitos reais sobre coisas alheias..................................................................................144
5.1. Teoria geral..................................................................................................................144
5.1.1. Constituição de direito real sobre coisa alheia......................................................144
5.1.2. Tipos.....................................................................................................................145
5.2. Direitos reais de uso e gozo.........................................................................................145
5.2.1. Enfiteuse (aforamento)..........................................................................................145
5.2.2. Superfície (art. 1.369 a 1.377)...............................................................................145
5.2.3. Servidão................................................................................................................147
5.2.4. Usufruto................................................................................................................151
5.2.5. Uso e habitação.....................................................................................................152
D.6. Regularização fundiária..................................................................................................154
D.7. Direitos reais de aquisição..............................................................................................155
D.8. Direitos reais de garantia................................................................................................156

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A. Direito das obrigações


A1. Introdução ao direito das obrigações

1.1. Conceito
A obrigação é a relação jurídica pela qual um sujeito deve satisfazer uma prestação
(de dar, fazer ou deixar de fazer) para outro. Atualmente, o conceito de obrigação envolve
também outros deveres das partes, com base na boa-fé objetiva 1, de maneira que toda
obrigação se caracteriza por direitos e deveres de ambas as partes, com ambos os polos da
relação jurídica sendo credores e devedores na mesma relação quanto a aspectos diferentes.
Dois são os elementos essenciais de uma obrigação, inspirados na pandectística
alemã: a culpa ou débito (die Schuld2) e a responsabilidade (die Haftung). O primeiro
consiste no comportamento exigível a que um dos sujeitos da relação jurídica (o devedor) se
obrigou, conquanto a segunda é a sujeição do patrimônio do sujeito inadimplente ao
cumprimento de seu débito original, tendo função dupla3:
 Garantia do adimplemento da obrigação;
 Constrangimento do devedor ao adimplemento voluntário.

1.2. Evolução histórica4


Nos povos primitivos5, o direito obrigacional não é visto como algo individual, pois as
relações jurídicas se dão em grupo ou entre grupos (clãs, tribos, etc.), as obrigações são
mantidas como forma de coesão e solidariedade social, sem ser possível identificar
características de direito pessoal ou real (há apenas o direito coletivo), em que o
descumprimento das obrigações é resolvido somente com a guerra.
A partir do afrouxamento dos laços deste tipo de sociedade, com a formação de um
direito privado que garante aspectos básicos da liberdade e do livre arbítrio, passa-se a um
segundo estágio dos direitos obrigacionais, fundado na liberdade individual e na propriedade.
Nesta nova fase, a sociedade evoluiu para a proteção dos direitos e garantias
individuais6, mas com castigos pessoais (o adimplemento das obrigações era cobrado através
de castigos ao corpo das pessoas, com castigos diversos que se abrandavam conforme o

1
ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 3.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, p.4.
2
No direito obrigacional, Schuld leva mais a conotação de débito, seguinto mais a segunda definição do
Dicionário Duden online: bestimmtes Verhalten, bestimmte Tat, womit jemand gegen Werte,
Normen verstößt; begangenes Unrecht, sittliches Versagen, strafbare Verfehlung ou
Geldbetrag, den jemand einem anderen schuldig ist
3
ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações, op cit., p.4-5.
4
GOMES, Orlando. O direito privado após o código civil napoleônico.
5
O termo povos primitivos não se refere a um período, mas sim a um estágio de desenvolvimento social. Desta
forma, há povos primitivos ainda nos dias atuais.
6
Embora o individualismo seja identificado aqui, a sociedade desse estágio é patriarcal, de forma que a punição
ao homem se estendia também a seus familiares.

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maior prestígio social do inadimplente). Esta rigidez nos castigos pessoais está intimamente
relacionada à própria rigidez religiosa associada a esta sociedade.
Porém, neste estágio, tornou-se necessário desenvolver a confiança do credor no
devedor, pois, com as obrigações individualizadas – em contrapartida às obrigações
assumidas em grupo no estágio anterior – tornou-se mais difícil comprovar a existência da
obrigação.
Para resolver esta situação, a sociedade caminhou para um terceiro estágio
obrigacional (vínculo obrigacional inquebrável), a partir das Ordenações Afonsinas, com
responsabilização pessoal do inadimplente e com o surgimento das cauções (fornecimento de
garantias quanto ao adimplemento das obrigações), que fortaleceram os vínculos
obrigacionais e levaram ao quarto estágio.
No quarto estágio de direito obrigacional, a responsabilização pessoal é substituída
pela responsabilidade patrimonial (substituição do vínculo obrigacional pela relação
obrigacional7), com o uso de um formalismo maior (contratos escritos, surgimento e
ampliação de cartórios, formalização das relações obrigacionais); de forma a garantir a
segurança jurídica das transações, e impedir o adimplemento de obrigações por castigos ao
próprio corpo8.
Mais recentemente, os polos da relação obrigacional passaram a ser vistos como
colaboradores (segundo a boa-fé objetiva), com maior equidade nos direitos e deveres das
partes (o código civil de 1916 ainda concentrava as obrigações no polo passivo da relação).
Neste sentido, o esforço atual se dá na despatrimonialização do direito das obrigações,
impedindo o formalismo e o positivismo que marcaram a disciplina do CC/16. Exemplos
dessa tentativa no novo código: boa-fé objetiva (art. 113 e 421); condenação ao abuso de
direito (art. 187); quebra de contrato por oneração excessiva (art. 478); imposição de um
sistema genérico contra o enriquecimento sem causa (art. 884)9.

1.3. Direito real e direito pessoal


Existem dois grandes grupos de direitos subjetivos patrimoniais: os direitos
obrigacionais (pessoais) e os direitos reais. O quadro síntese abaixo aborda alguns aspectos
importantes diferenciadores entre eles:
Direitos obrigacionais ou pessoais Direitos reais
Relativos, no sentido de que se opõem Absolutos, isto é, oponíveis erga omnis
somente ao outro polo da relação
obrigacional
Relacionados a uma prestação Relacionados a uma coisa
O sujeito passivo da relação deve ser Sujeito passivo universal11

7
O vínculo obrigacional está relacionado com a sujeição do devedor ao credor, de forma pessoal,
enquanto a noção de relação obrigacional, remete a subordinação do devedor à prestação a que se
obrigou.
8
Mesmo no único caso em que continua válida a prisão por descumprimento de relação obrigacional
(inadimplemento de obrigação alimentar), a prisão não é uma forma de adimplir a obrigação, mas sim de coagir
o adimplemento desta.
9
ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações, op cit., p.9.

11
Direito Civil

determinado ou determinável10
Direito à coisa Direito sobre a coisa

1.3.1. Obrigações propter rem


Chama-se obrigações propter rem aquelas em que a obrigação decorre da própria
coisa (em razão da coisa), não havendo possibilidade de manifestação de vontade contrária –
são obrigações de natureza mista, obrigacional e real. É o caso dos impostos que incidem
sobre a propriedade (IPVA, IPTU e ITR), bem como da taxa condominial.
Uma característica importante, neste caso, é que a satisfação da obrigação pode ser
dada pelo próprio bem (execução fiscal do automóvel ou do imóvel).
Assim, o adquirente do automóvel ou do imóvel não pode alegar a temporalidade da
dívida (anterior à tradição ou registro) para se escusar da dívida, vez que o próprio bem
responde pela dívida (quem compra o bônus compra o ônus). Porém, é possível que o
adquirente proponha ação de regresso frente ao alienante, alegando o enriquecimento ilícito
deste em decorrência do não pagamento de obrigações propter rem – posteriormente pagas
pelo adquirente.

1.4. Caracteres essenciais das obrigações


1.4.1. Determinabilidade dos sujeitos
O sujeito ativo e o sujeito passivo devem ser especificados, porém, quando a natureza
do direito é coletiva ou difusa, não é necessário identificar um a um os sujeitos, mas deve ser
determinado o polo ativo e passivo (o sujeito passivo pode ser determinável, mas não pode
ser indeterminável).

1.4.2. Caráter patrimonial da prestação


No contexto das obrigações as prestações são substituíveis por dinheiro (caráter
patrimonial das prestações obrigacionais). Mesmo os bens infungíveis são substituíveis por
espécie monetária, porém, o valor será de maior subjetividade.

1.4.3. Transitoriedade da relação obrigacional


A relação obrigacional busca a satisfação da prestação obrigacional que implica no
próprio fim da própria relação.

10
Para entendimento de sujeito passivo determinável ver tópico sobre elemento subjetivo, em elementos
constitutivos da obrigação.
11
Há, na teoria da relação jurídica, quem defenda que esta seja subjetiva, ou seja, a relação jurídica é sempre
pessoa a pessoa. Com isso, faz-se necessário criar um sujeito universal (uma ficção), para relações de
propriedade, direitos patrimoniais, etc. Contudo, outra corrente defende que a relação jurídica seja objetiva, de
pessoa a pessoa ou coisa. Esta corrente não é muito aceita, por estabelecer que algo (uma coisa) possa ser sujeito
de direito. De toda forma, ambas as correntes podem ser criticadas.

12
Direito Civil

1.4.4. Débito (Schuld) e responsabilidade (Haftung): art. 391 -Comum DIR313


Tecnicamente, a expressão obrigação se refere à relação jurídica obrigacional. O
débito é o comportamento do devedor em relação à prestação (o comportamento exigível do
devedor); é o que, voluntariamente, o devedor se obrigou. O descumprimento do débito, faz
surgir a responsabilidade, que é a garantia patrimonial de satisfação do crédito.
Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do
devedor12.
Situações:
 Débito sem responsabilidade: crédito com a eficácia da pretensão prescrita13.
 Responsabilidade sem débito: garantias adicionais14 de cunho pessoal; o
inadimplemento pelo devedor gera responsabilidade (solidária ou subsidiária,
depende do contrato) àquele que se responsabilizou pelo adimplemento
(fiador, por exemplo).

1.5. Elementos constitutivos das obrigações


Obrigação: relação de débito e crédito – atualmente a obrigação é vista como uma
relação entre sujeitos; poder do credor sobre o devedor – atualmente ambas as partes da
relação obrigacional possuem direitos e deveres; relação patrimonial (entre patrimônios) – a
obrigação é uma relação com Patrimonialidade, não entre patrimônios. “Estrutura-se a
obrigação pelo vínculo entre dois sujeitos, para que um deles satisfaça, em proveito do outro,
uma prestação” – Orlando Gomes.

1.5.1. Elemento subjetivo


Sujeitos da obrigação, ativo e passivo, podendo ser pessoa física ou jurídica, podendo
também haver sujeitos múltiplos em cada polo. Podem ainda haver uma indeterminação
latente (possibilidade de sempre aumentar o polo ativo) dos sujeitos no caso de direito
coletivo/difuso.

1.5.2. Elemento objetivo


É o objeto da relação obrigacional, é a prestação de dar, de fazer ou de não fazer. O
objeto mediato da relação é o bem em si, enquanto o objeto imediato é a prestação (exemplo:
obrigação de construir um imóvel; o objeto mediato é o imóvel, o objeto imediato é construir
um imóvel).

12
Na realidade, apenas o patrimônio disponível do devedor responde pela obrigação não cumprida. Respeito ao
mínimo existencial, ao bem de família inalienável.
13
No Direito Civil, a prescrição atinge somente os direitos subjetivos patrimoniais, isto é, os direitos
patrimoniais em que há uma faculdade de ação a alguém que pode, de acordo com sua vontade, levar sua
pretensão a juízo. O efeito da prescrição é a extinção da eficácia da pretensão jurídica dos direitos patrimoniais,
de forma que o seu titular não poderá mais usar a coercibilidade do Direito a seu favor. O débito continua a
existir mesmo após a prescrição civil.
14
As garantias podem ser de cunho pessoal (fidejussórias – fiança e aval) ou de cunho real (penhor, hipoteca,
etc.), neste último caso, é o próprio bem que serve de garantia para o adimplemento.

13
Direito Civil

Pode ser positivo (dar ou fazer) ou negativo (não fazer)


Caracteres:
 Licitude – o objeto deve ser lícito (ou será abordado pelo direito penal ou pela
responsabilidade civil).
 Possibilidade (fisicamente e juridicamente possível).
 Determinabilidade: o objeto deve ser, ao menos, determinável.
 Patrimonialidade: o objeto deve ser avaliável economicamente.

14
Direito Civil

A.2. Princípios do direito das obrigações

2.1. As obrigações no código civil


2.1.1. Sociabilidade e obrigações
 Direito subjetivo: “o poder de agir de um indivíduo, concedido pelo
ordenamento, a fim de que possa satisfazer um interesse próprio”1, no contexto
de crédito, a possibilidade de exigir o adimplemento pelo devedor.
 Individualismo (nos séculos XIX e XX, prevalecia os interesses individuais)
/positivismo (a manifestação de vontade era suprema, sem colocar os
interesses coletivos em sopesamento, pois acreditava-se que a soma dos
interesses individuais levaria ao bem comum) /subsunção (aplicação da norma
ao caso concreto).
 Pós-guerra: “A todo o direito subjetivo deverá necessariamente corresponder
uma função social”2 – não mais se pode falar em individualismo puro nem em
positivismo sem limitações – o exercício dos direitos subjetivos não pode mais
lesar as expectativas coletivas.
Por isso, a função social surge como limitação ao exercício de direitos subjetivos,
sendo uma limitação interna (faz parte da estrutura do direito subjetivo) e positiva (não busca
inibir o exercício do direito subjetivo, mas sim dar-lhe legitimidade). Neste contexto, não se
pode mais dizer que o devedor está sujeito ao credor, como ocorria no âmbito obrigacional
individualista/positivista (não há mais sujeição/vínculo obrigacional, há uma relação
jurídica3).
Exemplo: Teoria do adimplemento substancial (financiamentos longos): alienação
fiduciária, não mais retirar o bem quando das últimas prestações, buscar o adimplemento de
outra forma.
Apesar deste princípio norteador, não se deve pensar que a socialidade busca o
predomínio do interesse social sobre o individual, como se a individualidade fosse algo a ser
posto de lado frente ao interesse coletivo (extremismo totalitarista da coletividade ser mais
importante que a individualidade – nazismo, socialismo, etc.). Não é essa a noção de
aplicação da socialidade no direito civil atual4.

2.1.2. Eticidade e obrigações


O Código Civil de 1916, de inspiração positivista e formalista, buscou um sistema
fechado, em que valores sociais não integrassem a estrutura da Ciência do Direito. O
resultado foi um sistema legal de proteção às classes dominantes, vez que as normas
atendiam a seus interesses.
1
ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações, op cit., p.18.
2
Ibidem, p. 19.
3
Os direitos obrigacionais não são potestativos, mas o acionamento do judiciário para exigir seu cumprimento
ou a responsabilidade é (o direito de ação é potestativo).
4
ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações, op cit., p.19.

15
Direito Civil

No contexto do pós-guerra, viu-se a necessidade de implementação da ética como


elemento na luta e afirmação da justiça, assim, a ética passou a ser utilizada no direito como
“Cláusula geral”5, conferindo abertura ao ordenamento para a consecução da justiça6.

2.1.3. Operabilidade e obrigações


No contexto do CC/1916, permitia-se liberdade para que a vontade atuasse
praticamente sem perturbações. Nestas situações, não se buscava as características e
especificidades de cada pessoa para solução dos conflitos concretos7.
O amparo legislativo-constitucional sobre o qual se construí o CC/02 tem outras
pretensões. Para além da abstração da normatividade, cada relação jurídica formada apresenta
sujeitos concretos, com peculiaridades que devem ser levadas em consideração.
Nesta nova realidade, o direito não deve somente existir como forma pela forma, mas
para ser concretizado. Com isso, o desejo de dar operabilidade ao direito civil (torna-lo mais
acessível ao cidadão sem conhecimentos jurídicos) ganha também espaço nas obrigações, que
devem ser vistas como vínculos peculiares, de acordo com a boa-fé e com deveres de conduta
próprios, e não mais como uma mera relação entre credor e devedor89.

2.2. Princípio da função social


Observância das condições das partes, levando em conta tanto os interesses
individuais envolvidos, mas sem ignorar o contexto coletivo e social.

2.3. Princípio da boa-fé10


2.3.1. Boa-fé como cláusula geral
Seguindo a linha da superação do positivismo e do formalismo a partir da Segunda
Guerra Mundial, a boa-fé corresponde a mais uma tentativa de dar ao sistema jurídico
abertura, para permitir evolução e modificação próprios, conforme o magistrado perceba a
evolução e modificação da própria sociedade e do direito como um todo.
Neste aspecto, com o uso da boa-fé como termo vago, permite-se a concretização de
valores e princípios constitucionais, conforme a realidade do caso e o princípio envolvido.

2.3.2. Acepções da boa-fé


A boa-fé possui uma acepção objetiva e uma acepção subjetiva.
5
Norma aberta, endereçada ao magistrado, para que esse possa no caso concreto aplicar a ética. Trata-se da
heteronomia do direito, ou seja, enquanto o legislativo cria normas o judiciário utiliza-se de normas vagas para
construir uma interpretação construtiva.
6
ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações, op cit., p.21-23.
7
Ou seja, independentemente de ser um advogado, um empresário, um cortador de cana, um doutor ou um
analfabeto, um contratante é um contratante e nada mais.
8
ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações, op cit., p.24-25.
9
Neste sentido, ver item 1.5. Elementos constitutivos das obrigações.
10
Todo o tópico segundo Nelson Rosenvald em Direito das obrigações, já referenciado, p.28-34.

16
Direito Civil

Na boa-fé objetiva, há uma verdadeira regra de conduta, baseada na lisura,


honestidade e correção, sem a qual fica prejudicada a confiança entre as partes. Pressupõe da
existência de relação jurídica com deveres entre as partes, bem como de um padrão exigível
de comportamento e de condições que ensejem confiança entre os sujeitos da relação jurídica.
Por sua vez, a boa-fé subjetiva é um estado psicológico, em que a pessoa acredita
possuir um direito (que, de fato, não possui), o que a coloca em posição de ignorância da
realidade e de possível lesão de direito alheio.
Em suma, a boa-fé objetiva é externa, a pessoa não age de boa-fé, mas com boa-fé,
sendo um princípio, capaz de gerar obrigações.

2.3.3. Boa-fé em relação à dignidade da pessoa humana


A boa-fé (objetiva) é a concretização do princípio/valor da dignidade da pessoa
humana no direito das obrigações. Neste contexto, fica ampliado o vínculo do direito civil
com a Constituição, ao mesmo tempo em que a constitucionalização legitima a
despatrimonialização do direito civil.

2.3.4. Funções da boa-fé objetiva


 Função interpretativa: Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados
conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Permite que o
magistrado observe as convenções sociais na análise dos negócios jurídicos,
em detrimento de sua literalidade. Prestígio à teoria da confiança em lugar das
teorias puras da vontade e da declaração11.
 Função de controle: Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um
direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu
fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Esta função visa
coibir o abuso de direito, na contramão do clássico: aos particulares é
permitido tudo o que não é proibido, pois deve-se respeitar os limites da boa-
fé.
 Função integrativa: Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim
na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e
boa-fé. Ou seja, além de servir como interpretação, a boa-fé cria também
deveres às partes contratantes.

11
A teoria da confiança mescla as teorias da vontade e da declaração. Deve-se averiguar a vontade aparente do
negócio jurídico, celebrado honestamente e com lealdade.

17
Direito Civil

A.3. Modalidades de obrigações – quanto ao objeto

A qualificação das obrigações quanto ao objeto (obrigação de dar, de fazer ou de


deixar de fazer) orientam toda a matéria de obrigações, mesmo quando se trata de
modalidades quanto a outro critério é fundamental a percepção do objeto da obrigação. Para
tanto, faz-se necessário, primeiramente, distinguir o objeto da obrigação do objeto da
prestação.
Objeto da obrigação é a própria conduta, a qual o devedor deve adimplir (ou seja, dar,
fazer ou deixar de fazer), enquanto o objeto da prestação é o bem da vida sobre o qual a
obrigação recaí (o dinheiro, a construção, o carro, vedação de divulgação de uma foto, etc.)1.
Assim, o objeto da obrigação é o objeto imediato da obrigação (que é a própria
prestação), enquanto o objeto da prestação é o objeto mediato da obrigação2.

3.1. Obrigação de dar e de restituir


A obrigação de dar se refere sempre à prestação de uma coisa, que pode ser certa
(determinada – Art. 233 a 242), ou incerta (art. 243 a 246) 3, ou seja, a obrigação de dar
consiste na transferência da propriedade (art. 481), da posse (art. 565), ou na restituição da
coisa (art.627)4.
A distinção entre as obrigações de dar e as obrigações de fazer datam do direito
romano, pois nas últimas, há maior interesse do credor nas atividades do devedor, enquanto
nas primeiras, na maioria das vezes, o credor tem interesse apenas na tradição do bem, sendo
indiferente ao credor as atividades do devedor que levem a tradição5.

3.1.1. Obrigação como processo


No direito brasileiro, a noção de obrigação como processo se dá através de uma
ruptura quando do adimplemento da obrigação de dar, pela qual surgirá um direito real sobre
a coisa dada, e será extinta a obrigação6.

1
FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil; v.2: Obrigações. 9.ed. São
Paulo: Atlas, 2015, p.140.
2
Idem
3
Toda obrigação de dar coisa incerta, em algum momento deve se tornar obrigação de dar coisa certa, pois o
objeto obrigacional não pode permanecer determinável indefinidamente.
4
FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil; v.2: Obrigações, op. cit.,
p.145.
5
Em verdade, toda obrigação de fazer envolve também uma obrigação de dar. Pois ao fim da atividade, o
devedor deverá entregar a coisa ao credor (assim, a obrigação de fazer é gênero, sendo espécies a obrigação de
fazer em sentido estrito e a obrigação de dar).
6
FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil; v.2: Obrigações, op. cit.,
p.146.

18
Direito Civil

O direito real surgirá pela tradição (bens móveis) ou pelo registro (bens imóveis) do
bem da vida objeto da prestação obrigacional. Da cisão entre o direito obrigacional e o direito
real, resultam consequências práticas importantes:
 Anteriormente à tradição ou ao registro, o credor não poderá se valer de ações
petitórias, uma vez que não é proprietário. O adimplemento obrigacional deve
ser buscado por execução específica.
 Anteriormente à tradição ou ao registro, o risco sobre o bem recaí sobre seu
proprietário (devedor da obrigação de dar). Tal risco só passa ao adquirente
(credor) quando da tradição ou do registro.

3.1.2. Obrigação de dar coisa certa.


Por coisa certa entende-se aquela em que é identificável sua quantidade, gênero e
individuação (dando-lhe unicidade). Na obrigação de dar coisa certa, o credor não pode ser
constrangido a receber outra coisa (art. 313). Neste tipo de obrigação, o objeto da prestação
independe de definição no momento da execução (já estando especificada na própria relação
obrigacional). Nada impede que o bem certo seja um bem futuro 7 (imóvel em construção, por
exemplo).
Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é
devida, ainda que mais valiosa 89.
Art. 483. A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste
caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das
partes era de concluir contrato aleatório10.
Pelo princípio da gravitação jurídica, os acessórios à prestação de dar coisa certa
seguem o principal.
Art. 233. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela
embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das
circunstâncias do caso11.
Para Mario Júlio de Almeida Costa, no direito das obrigações, o princípio da
gravitação abrange ainda os deveres assessórios, que emanam da boa-fé objetiva, e
contribuem para a satisfação do credor12.

7
Portanto, bem futuro é diferente de coisa incerta.
8
A possibilidade de negar coisa mais valiosa atende ao princípio da especificidade.
9
Caso o credor aceite o adimplemento da obrigação por coisa diversa (de maior valor ou não) estará extinta a
obrigação por dação em pagamento.
Art. 356. O credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida.
10
Contrato aleatório é aquele no qual a prestação pode inexistir pela ocorrência de evento futuro e incerto (a
inexistência da prestação já é uma possibilidade considerada no contrato).
11
Perceba o uso de expressão vaga (circunstâncias do caso), permitindo ao magistrado julgar conforme as
peculiaridades do caso.
12
Apud FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil; v.2: Obrigações, op.
cit., p.148.

19
Direito Civil

3.1.2.1. Teoria dos riscos (art. 234 a 241)


Os riscos correm por conta do alienante até a tradição ou registro, quando são
transferidos ao adquirente.

Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do
devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a
obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor,
responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos. [responsabilidade
civil]

Art. 235. Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor
resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que
perdeu.

Art. 236. Sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou


aceitar a coisa no estado em que se acha, com direito a reclamar, em um ou em
outro caso, indenização das perdas e danos.

Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus


melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o
credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação.

Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao


credor os pendentes.

Art. 238. Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do
devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se
resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda.

Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo
equivalente, mais perdas e danos.

Art. 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á


o credor, tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor,
observar-se-á o disposto no art. 239.

Obrigação Culpa Situação Efeito


Dar coisa certa Sem culpa Perda do bem Resolve-se a
(antes da tradição obrigação
ou registro) Deterioração do Pode o credor aceitar
bem a coisa com preço
menor (abatimento
da deterioração)
Devedor Perda do bem Devedor obriga-se
ao equivalente mais
perdas e danos
Deterioração do Credor pode aceitar

20
Direito Civil

bem a coisa ou resolver a


obrigação, cabível
perdas e danos em
ambos os casos
O credor sempre pode resolver a obrigação, em caso de perdas e
deterioração (antes da tradição ou do registro)
Restituir coisa Sem culpa Perda do bem O credor sofre a
certa perda, ressalvados os
(antes da tradição direitos até o dia da
ou registro) perda
Deterioração do O credor receberá a
bem coisa tal qual se
encontre, sem
indenização
Devedor Perda do bem Devedor responde
Deterioração do pelo equivalente
bem mais perdas e danos

Teoria do adimplemento substancial e a possibilidade de escolha do devedor: a


jurisprudência atual entende, quando o devedor já quitou grande parte da obrigação, e o
direito real envolvido possibilita a tomada do bem (alienação fiduciária), que nestes casos há
uma exceção à regra, de forma que o devedor pode escolher se a execução será realizada pela
via normal (busca e apreensão do veículo, por exemplo), ou a execução pelo patrimônio
disponível do devedor, excluído o bem dotado de garantia real.
Mora do devedor: estudado com maior amplitude no inadimplemento. Quando a mora
torna a prestação inútil, há responsabilidade objetiva/subjetiva com culpa presumida 13 do
devedor.
Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação,
embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes
ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano
sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.
Melhoria e frutos:

Art. 241. Se, no caso do art. 238 [obrigação de restituir coisa certa] , sobrevier
melhoramento ou acréscimo à coisa, sem despesa ou trabalho do devedor, lucrará o
credor, desobrigado de indenização.

Art. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho


ou dispêndio, o caso se regulará pelas normas deste Código atinentes às
benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé.

Parágrafo único. Quanto aos frutos percebidos, observar-se-á, do mesmo


modo, o disposto neste Código, acerca do possuidor de boa-fé ou de má-fé.

13
Discussão se é uma ou outra. Interpretação da última parte do art. 399 é de que a responsabilidade é subjetiva,
mas com culpa presumida.

21
Direito Civil

3.1.3. Obrigação de dar coisa incerta14 15


Algumas obrigações nascem com objeto indeterminado (mas nunca indeterminável16).
Contudo, a coisa incerta deve ao menos ser definida por gênero e quantidade 17 (não é um ou
outro, há de ser os dois)18 .
Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela
quantidade.
Conquanto a indeterminação do objeto no momento da celebração do negócio jurídico
obrigacional, esta incerteza/indeterminação do objeto é apenas transitória. Em algum
momento a coisa incerta tornar-se-á coisa certa 19. Este momento é denominado concentração/
escolha20 (sendo posterior à formação do negócio jurídico). As partes são livres para
determinar a quem pertence a escolha, se não o fizerem, a escolha será do devedor (neste
ponto o código civil é subsidiário ao acordo de vontades, ou seja, o disposto no código só é
invocado se a manifestação de vontade das partes não houver disposto sobre o assunto).
Art. 244. Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha
pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas
não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor.
A última parte do artigo 244 deve ser cumprida observando a boa-fé objetiva e a
escolha, não havendo acordo em contrário, deve ser feita dentro de um patamar intermediário
(se a contraprestação também for intermediária). É permitido ainda que as partes
estipulem que o devedor deve dar coisa melhor ou pior dentre as coisas do gênero.
Art. 245. Cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção
antecedente [obrigação de dar coisa certa].

Art. 246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou


deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito.

14
Coisa incerta não se confunde com coisa futura, esta se refere aos bens que não existem quando da formação
do negócio jurídico (exemplo: determinado apartamento comprado na planta, já com todas as características
definidas), enquanto aquela se refere ao bem indeterminado no momento da formação do vínculo obrigacional
(FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil; v.2: Obrigações, op. cit.,
p.159-160).
15
As obrigações pecuniárias não são classificadas nem como obrigações de dar coisa certa nem como
obrigações de dar coisa incerta. Têm natureza sui generis (FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD,
Nelson. Curso de direito civil; v.2: Obrigações, op. cit., p.160).
16
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
17
Em razão disto, é muito comum que o objeto de dar coisa incerta seja um bem fungível, mas não é impossível
que bem infungível seja objeto da relação obrigacional de dar coisa incerta.
18
FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil; v.2: Obrigações, op. cit.,
p.158.
19
Ibidem, p.159.
20
Pontes de Miranda preferia a utilização do termo concretização para se referir ao mesmo ato.

22
Direito Civil

Assim, até que o credor seja notificado da escolha, não há que se falar em perda ou
deterioração, pois a coisa é (ainda) incerta (e o gênero não perece21) – não há transferência
dos riscos pela simples separação do objeto pelo devedor sem que o credor tenha sido
comunicado da disponibilidade do objeto (de que o objeto se tornou certo). Nada impede,
porém, que o momento da ciência da escolha seja diverso do momento do efetivo
adimplemento da obrigação22.
Só há impossibilidade de prestar coisa incerta se a coisa realmente estiver em falta no
mercado, havendo efetiva dificuldade de prestar.
No âmbito do direito do consumidor não se aplicam exatamente as mesmas regras do
direito obrigacional, de forma que o CDC traz vícios na coisa incerta (quantidade, qualidade e
informação), com muito mais rigidez na impossibilidade de prestar (visando evitar a
propagação de propagandas enganosas), e ampliando a responsabilidade do fornecedor23.

3.2. Obrigação de fazer


Implica necessariamente em uma conduta positiva do devedor, consistente na
realização de atividade ou serviço que não represente a mera transferência de direitos
subjetivos (obrigação de dar)24. A prestação pode ser tanto um trabalho físico quanto um
intelectual. Da mesma forma, a obrigação pode ser de meio (sem garantia de resultado –
médico quanto ao tratamento, advogado quanto à sentença) ou de resultado (vinculação da
obrigação ao resultado esperado – pedreiro, quanto à concretização do projeto); esta
diferenciação é importante para determinar o adimplemento ou inadimplemento da obrigação.
Na vigência do código de processo civil de 1939, havia a possibilidade de coagir
alguém ao adimplemento da obrigação de fazer e de não fazer pela ação cominatória
(impossível na obrigação de dar). O atual código de processo civil traz nova dimensão à
coerção ao adimplemento das obrigações, inclusive no que tange às obrigações pecuniárias
(CPC/15, Art. 139, IV; art. 497 e seguintes; e art. 536 a 538).
Súmula STF, 500: Não cabe a ação cominatória para compelir-se o réu a cumprir
obrigação de dar. (Súmula ultrapassada pela mudança legislativa).

3.2.1. Impossibilidade e inadimplemento da obrigação de fazer


Se a impossibilidade for comum tanto ao devedor quanto ao credor (nenhum têm a
possibilidade de prestar), aplica-se a nulidade do negócio jurídico conforme Art. 166, II
(impossibilidade absoluta). Impossibilidade relativa (apenas um devedor não pode prestar) –
inadimplemento da obrigação – analisa-se a fungibilidade da obrigação. Assim, sendo a

21
Genus non perit.
22
FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil; v.2: Obrigações, op. cit.,
p.162.
23
Ibidem, p.164.
24
O entendimento das obrigações de fazer ganha relevância com o aumento representativo do setor de serviços
sobre o de comercialização de mercadorias, tendo se tornado a principal fatia do comércio internacional
contemporâneo (CAPARROZ, Roberto. Comércio internacional e legislação aduaneira).

23
Direito Civil

obrigação personalíssima haverá verdadeira impossibilidade, já se for possível que terceiro


adimpla a obrigação, o devedor assume o risco de prestá-la, mesmo que feita por terceiro25.
Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que
recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exeqüível.

Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre26 ao credor
mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem
prejuízo da indenização cabível.

Pode ainda incorrer de impossibilidade superveniente:


Art. 248. Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor,
resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.
Impossibilidade superveniente pode ser:
 por natureza (evento natural impossibilita);
 pessoal (o devedor não pode, ele, prestar);
 jurídica (nova regra jurídica impossibilita o negócio jurídico).
Em todos os casos discutir-se-á a culpa do devedor para responsabilização.
Pode ainda ocorrer de haver urgência do credor para prestação da obrigação de fazer,
caso em que:

Art, 249, Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor,


independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato,
sendo depois ressarcido.

Não é possível que o credor busque tanto o ressarcimento do valor pago ao


inadimplente quanto o pagamento por este de quem de fato realizou a obrigação, vez que isto
configuraria enriquecimento ilícito27.

3.3. Obrigação de não fazer


Consistem em abstenções (obrigações negativas)28. A omissão é o adimplemento da
obrigação29. Em observância do direito constitucional da liberdade, a obrigação de não fazer
deverá ter objeto determinado, sendo sempre de natureza infungível, personalíssima e
insubstituível.

25
FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil; v.2: Obrigações, op. cit.,
p.185.
26
Caio Mário argumenta que “será livre”, neste artigo, representa o direito de ação do credor, só sendo possível
executar ou mandar executar (auto executoriedade) o fato em caso de urgência (parágrafo único do artigo 149).
27
FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil; v.2: Obrigações, op. cit.,
p.186.
28
Conceituação de Clóvis Beviláqua.
29
Caio Mário: o animus solvendi da obrigação de não fazer é menos aparente por se tratar de omissão (apud.
FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil; v.2: Obrigações, op. cit.,
p.190).

24
Direito Civil

Distinção: obrigação negativa no âmbito da relação obrigacional e a servidão


negativa. A servidão negativa é um direito real, portanto, vinculado à coisa. Qualquer
proprietário deve observar a servidão negativa que fica gravada no bem imóvel.

3.3.1. Descumprimento da obrigação de não fazer


3.3.1.1. Impossibilidade de se abster sem culpa
Resolve-se a obrigação.
Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do
devedor, se lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar.

3.3.1.2. Impossibilidade de se abster com culpa


Há três possibilidades:
 Não havendo urgência no restabelecimento do status quo, a via judicial é utilizada
para exigir o desfazimento do ato que implicou no inadimplemento da obrigação de
não fazer.
 Havendo urgência desfaz-se o ato sem autorização judicial e posteriormente se
resolve judicialmente.
 Se for impossível o retorno ao status quo, aplica-se perdas e danos.
Embora no último caso apenas a perdas e danos seja possível, em todos os três é
possível aplicar perdas e danos.

Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor
pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo
o culpado perdas e danos.

Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar


desfazer, independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do
ressarcimento devido.

25
Direito Civil

A.4. Modalidades das obrigações – quanto aos elementos

As obrigações podem apresentar apenas um ocupante para cada elemento da relação


jurídica (um credor, um devedor e um objeto), configurando uma obrigação simples, da
mesma forma em que podem ser compostas, quando haverá multiplicidade de ocupantes em
ao menos um dos elementos.

4.1. Obrigação natural (classificação quanto à exigibilidade, e não quanto


aos elementos)
As obrigações naturais são aquelas decorrentes de uma obrigação moral (degenerada),
não sendo coativa a sua prestação (há autonomia do devedor em cumpri-la ou não, vez que
não há pretensão). Contudo, conquanto adimpla a obrigação, não poderá o devedor solicitar
repetição da prestação como se ela indevida fosse.
Por isso, o efeito jurídico é o solutiretentio (retenção do pagamento). Efeito que
distingue a obrigação natural da obrigação inexistente.

4.2. Obrigação cumulativa ou conjuntiva


Consiste em uma obrigação de múltiplos objetos, isto é, o devedor se obriga a mais de
uma prestação que devem ser prestadas em conjunto.

4.3. Obrigação alternativa


Também é uma obrigação de múltiplos objetos, porém, o adimplemento da obrigação
se dará com a prestação de um ou outro objeto e não dos objetos em conjunto. Em regra, a
escolha/concentração do objeto que extingue a relação é dada ao devedor, mas as partes são
livres para estipular que a escolha cabe ao credor.
Embora a obrigação tenha objetos múltiplos, o credor não está obrigado a receber
parte de um e parte do outro como forma de por fim a relação (a obrigação alternativa é
adimplida com um ou outro objeto, não com parte de um e parte do outro).

Art. 252. Nas obrigações alternativas, a escolha cabe ao devedor, se


outra coisa não se estipulou.

§ 1o Não pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma


prestação e parte em outra.

§ 2o Quando a obrigação for de prestações periódicas, a faculdade de


opção poderá ser exercida em cada período.

26
Direito Civil

§ 3o No caso de pluralidade de optantes, não havendo acordo unânime entre


eles, decidirá o juiz, findo o prazo por este assinado para a deliberação.

§ 4o Se o título deferir a opção a terceiro, e este não quiser, ou não puder
exercê-la, caberá ao juiz a escolha se não houver acordo entre as partes.

Art. 253. Se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou
se tornada inexeqüível, subsistirá o débito quanto à outra.

Art. 254. Se, por culpa do devedor, não se puder cumprir nenhuma das
prestações, não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o
valor da que por último se impossibilitou, mais as perdas e danos que o caso
determinar.

Art. 255. Quando a escolha couber ao credor e uma das prestações tornar-se
impossível por culpa do devedor, o credor terá direito de exigir a prestação
subsistente ou o valor da outra, com perdas e danos; se, por culpa do devedor,
ambas as prestações se tornarem inexeqüíveis, poderá o credor reclamar o valor de
qualquer das duas, além da indenização por perdas e danos.

Art. 256. Se todas as prestações se tornarem impossíveis sem culpa do


devedor, extinguir-se-á a obrigação.

4.4. Obrigação facultativa


Induz ao erro a utilização da denominação obrigação facultativa, vez que algo
obrigatório não pode ser facultativo e vice-versa. A denominação obrigações com faculdade
alternativa de cumprimento melhor designa esta modalidade.
Neste tipo de obrigação, o objeto da relação é único, porém é dado ao devedor já na
formação da relação jurídica alternativa subsidiária ao cumprimento da obrigação (o
adimplemento pode se dar de outra forma).

4.5. Obrigações fracionárias


A relevância das obrigações fracionárias só é percebida quando há pluralidade
subjetiva (mais de uma pessoa em algum dos polos da relação), pois em uma obrigação com
um credor e um devedor não há interesse prático em fracionar a obrigação.
Vale a ressalva, porém, de que a pluralidade de sujeitos não ocorre somente no
momento de formação da obrigação, podendo também acontecer com a obrigação já formada,
por exemplo, com a sucessão de um polo por herdeiros plurais (da mesma forma, uma
obrigação com pluralidade de sujeitos na formação pode se tornar uma obrigação com apenas
um devedor e um credor).

27
Direito Civil

4.5.1. Obrigação divisível e indivisível

Art. 257. Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação


divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos
os credores ou devedores.

A regra é a divisibilidade das obrigações, sendo a indivisibilidade a exceção.

Art. 258. A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma
coisa ou um fato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de
ordem econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico.

A indivisibilidade pode ser por natureza, por uso ou por convenção das partes (muito
parecido com bens).

Art. 259. Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação não for
divisível, cada um será obrigado pela dívida toda 1.

Parágrafo único. O devedor, que paga a dívida, sub-roga-se no direito do


credor em relação aos outros coobrigados.

Neste caso vale a interrupção da prescrição de que trata o §2º do artigo 2042.

Art. 260. Se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a
dívida inteira; mas o devedor ou devedores se desobrigarão, pagando:

I - a todos conjuntamente;

II - a um, dando este caução de ratificação dos outros credores.

Art. 261. Se um só dos credores receber a prestação por inteiro, a cada um


dos outros assistirá o direito de exigir dele em dinheiro a parte que lhe caiba no
total.

Art. 262. Se um dos credores remitir3 a dívida, a obrigação não ficará extinta
para com os outros; mas estes só a poderão exigir, descontada a quota do credor
remitente.

Parágrafo único. O mesmo critério se observará no caso de transação,


novação, compensação ou confusão.

Art. 263. Perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em


perdas e danos.

1
Contudo, se a prestação indivisível é substituída por obrigação pecuniária (perdas e danos), vale a regra de
obrigações divisíveis (art. 257), por força do artigo 263.
2
§ 2o A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros
herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis.
3
Remitir = perdoar.

28
Direito Civil

§ 1o Se, para efeito do disposto neste artigo, houver culpa de todos os


devedores, responderão todos por partes iguais.

§ 2o Se for de um só a culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só


esse pelas perdas e danos.

4.6. Obrigações solidárias


Conceito: é o acordo de vontades, ou o resultado de disposição legal, no qual
devedores ou credores se coobrigam em conjunto por toda a obrigação. Portanto,
solidariedade (obrigação solidária4) não se presume5. A solidariedade persiste mesmo que a
obrigação se converta em perdas e danos (contrariamente à indivisibilidade).
Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de
um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.
Distinção entre indivisibilidade e solidariedade: apesar de terem efeitos semelhantes,
são institutos diferentes:
Indivisibilidade Solidariedade
Funda-se no objeto da relação, o objeto é Acordo expresso ou determinação legal
que é indivisível ou não
Efeito da conversão em perdas e danos: Efeito da conversão em perdas e danos:
passa a ser divisível. permanece a solidariedade.
Devedor, mesmo respondendo por tudo, Co-devedores se obrigam por tudo
deve a parte

4.6.1. Solidariedade ativa


Art. 267-274.

Art. 267. Cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o
cumprimento da prestação por inteiro.

Art. 268. Enquanto alguns dos credores solidários não demandarem o devedor
comum, a qualquer daqueles poderá este pagar.

Art. 269. O pagamento feito a um dos credores solidários extingue a dívida até
o montante do que foi pago.

Art. 270. Se um dos credores solidários falecer deixando herdeiros, cada um


destes só terá direito a exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu
quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível.

Art. 271. Convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste, para todos


os efeitos, a solidariedade.

4
A responsabilidade solidária pode ser estabelecida pela jurisprudência (responsabilidade civil).
5
Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.

29
Direito Civil

Art. 272. O credor que tiver remitido a dívida ou recebido o pagamento


responderá aos outros pela parte que lhes caiba.

Art. 273. A um dos credores solidários não pode o devedor opor as exceções
pessoais oponíveis aos outros.

Art. 274.  O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os


demais, mas o julgamento favorável aproveita-lhes, sem prejuízo de exceção
pessoal que o devedor tenha direito de invocar em relação a qualquer deles.          
(Redação dada pela Lei nº 13.105, de 2015)    (Vigência)

Conceito: possibilidade de exigir do devedor a obrigação por inteiro (art. 267).


Inconvenientes, decorrentes da extinção da obrigação pelo pagamento a só um credor
por inteiro:
 O credor pode receber e tornar-se insolvente
 O credor pode receber e não pagar aos demais
Qualquer dos credores pode exigir o todo, bem como o devedor pode pagar o todo a
apenas um credor.
STJ – conta corrente conjunta; falecimento de um dos correntistas; emissão de cheque
sem fundo; dívida tributária.

“Para os ministros do STJ, a conta conjunta é uma modalidade de conta de depósito à


vista, com mais de um titular que pode sacar os recursos a qualquer momento.

“Os titulares da conta são credores solidários da instituição financeira em relação aos
valores depositados. Trata-se, assim, de solidariedade ativa no que respeita à
movimentação dos valores em conta”, lê-se em um dos acórdãos.

Nesse sentido, o entendimento do STJ é de que cada um dos correntistas é credor de


todo o saldo depositado, de forma solidária, e o valor pode ser penhorado em garantia
de pagamento, por exemplo, mesmo que apenas um dos titulares seja o responsável
tributário pela dívida.”

Exemplo: A, B e C são credores solidários; D é devedor - plano externo e plano


6
interno ; Art. 269 e 272.
D paga um terço da dívida e C que aceita o pagamento, quais os efeitos no plano
externo e no plano interno? D adimpliu um terço da obrigação, mas continua responsável por
2/3 da dívida perante qualquer dos credores (solidariamente), inclusive C.
E se B perdoar um terço da dívida? D passa a dever 2/3 da dívida aos 2 outros
credores, B não possui mais direito à dívida (remitiu sua parte no crédito), mas B continua
solidário externamente, podendo o devedor pagar-lhe o restante da dívida para se ver livre
desta.
E se perdoa a dívida toda? D fica livre da obrigação, B passa a ser devedor de A e C
pela parte deles na dívida.

6
Plano externo: entre os credores e o devedor; plano interno: entre os credores entre si.

30
Direito Civil

Art. 273, exceção pessoal e exceção objetiva.

4.6.2. Solidariedade passiva


Conceito: os devedores solidários se obrigam integralmente pelo adimplemento da
obrigação, com objeto divisível ou não, em decorrência de acordo de vontades ou de
determinação legal.
Efeito principal: qualquer um dos devedores se mantém obrigado até o pagamento
total. Ou seja, o credor pode cobrar o todo ou a parte de qualquer devedor (e qualquer
devedor pode pagar o crédito todo). Há, portanto, unicidade do crédito.
Hipóteses legais de solidariedade (rol exemplificativo):
 Fornecedores de produtos ou serviços7 (art. 18 a 20 do CDC).
 Pessoas relacionadas no art. 9328 do CC.
 Motorista com o dono do veículo, para os danos causados a terceiro.
 Autores de lesão ao meio ambiente.
Análise (exemplos): A credor; B, C, D e E devedores solidários, X o objeto da
relação. Se A demandar de B o objeto X. Decisão eficaz em relação a B (a demanda judicial
só atinge quem foi demandado); não há liberação de C, D ou E (continuam solidários,
podendo ser demandados, inclusive ao mesmo tempo). O adimplemento de X por B em
relação a A desobriga C, D e E em relação a A. Se a decisão for desfavorável, não faz coisa
julgada em relação a C, D e E (nova demanda pode ser feita frente a estes).
Se A demanda de C por X/4: permanece a solidariedade por 3X/4, se C pagar X/4,
mas não se pode mais demandar C por 3X/4 (C fica livre externamente). Se houvessem
apenas dois devedores solidários (B e C): C paga X/2, extingue a solidariedade, pois A só
pode demandar B.
Se D se tornar insolvente e A perdoar C da dívida: exoneração do devedor perdoado
perante o credor. O valor perdoado aproveita aos demais devedores solidários.
No caso do direito de regresso, não há sub-rogação 9 do credor pelo devedor
adimplente, vez que não haverá solidariedade nessa relação interna.
Análise da mora: em regra, os efeitos são sentidos pelo moroso. Se todos derem causa
e se apenas um der causa.
 Mora na solidariedade passiva

7
Mero comerciante tem responsabilidade mitigada pelos próprios artigos citados.
8
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes
competir, ou em razão dele;
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para
fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.
9
Ocupar a posição de outro com todos os efeitos.

31
Direito Civil

Regra: os efeitos da mora são suportados pelo moroso.


- quando todos derem causa: suporta o acionado judicialmente (externamente)
- quando um der causa internamente somente o que deu causa irá suportar

Juros de mora (280, CC)


- Todos respondem perante ao credor
- Se um der causa (ele responde internamente)

 Fiança e solidariedade
- Importante!!! Não há solidariedade necessária entre o obrigado de NJ acessório é o
principal. (Contrato de locação com fiador. O fiador tem responsabilidade, mas não tem a
obrigação do locatário. O inadimplemento gera responsabilidade para ambos. Não se pode
presumir que são responsáveis solidários pois solidariedade não se presume, se determina
previamente. Caso tenha se fixado mais de um fiador por força do artigo 829 eles respondem
solidariamente independente de menção em contrato)
Observação: se se estabelece no contrato de locação a solidariedade entre locatário e fiadores,
em caso de inadimplemento o credor pode acionar qualquer um de modo a atingir o
patrimônio de qualquer destes. Em caso de não solidariedade estabelecida em contrato o
credor obrigatoriamente deve acionar judicialmente o locatário (devedor).
- 829, CC: mais de um fiador, solidariedade.
* Exceções
- 281, CC
- Exceções pessoais. Exemplo: se Mateus é credor de 400,00 em relação a Andreia, Gabriela
ne Pedro que figuram como co-devedores solidários qual é o efeito? Mateus pode contar na
integralidade de qualquer um dos devedores a sua escolha. Supondo que Gabriela tenha
emprestado um livro para Mateus de 200 reais e Mateus perde o livro. Se Mateus acionar
Gabriela para satisfação do crédito a Gabriela pode argumentar a dívida de 200 reais de
Mateus, porém sem ele acionar a Andreia ela terá que pagar tudo. A exceção pessoal diz
respeito apenas à Gabriela, que poderá pagar apenas 200 e internamente fazer as devidas
cobranças.
- Exceções comuns: nulidade/anulabilidade (se apenas a Gabi foi coagida apesar de ser
hipótese de anulabilidade é uma exceção pessoal), exceções de contrato não cumprido (pode
ser posta a qualquer um dos devedores. Ex: eu contrato um grupo de pedreiros para uma
reforma e deixo de comprar um item para a mesma impedindo que a reforma fique completa.
Por conta do resultado da reforma eu entro judicialmente contra um ou qualquer dos
pedreiros. Eles podem alegar exceção de contato não cumprido por eu não ter cumprido a
minha parte no contrato), revogação/resolução do NJ (ex:casal solicita cancelamento de
internet e não foi feita a extinção do contrato por parte da prestadora. Prestadora continua
cobrando. Qualquer um pode argumentar a resolução do contrato para evitar a cobrança)
* Rateio entre os co-devedores (rateio interno considerando que um único co-devedores
assumiu a obrigação por inteiro)
Pagamento ao credor -) voluntário ou forçado -) liberação perante o credor

32
Direito Civil

*Internamente:
A) o que paga pode exigir dos demais o rateio (regresso em face dos demais)
B) não há sub-rogação
C) cotas iguais (presunção relativa) se não houver estipulação de forma diversa
D) deixará de haver rateio se a dívida interessar apenas ao devedor que pagou (exemplo:
contrato de locação com solidariedade entre locatário e fiador. No caso de inadimplemento o
credor pode acionar ambos, porém o locatário (devedor) faz o pagamento total pois a dívida
interessa a ele apenas. Logo ele não pode exigir rateio do pagamento entre ele e o fiador. Da
mesma forma se o fiador pagar tudo, ele pode pedir direito de regresso no valor total ao
locatário e não o valor rateado).

Impossibilidade da obrigação solidária (impossibilidade do objeto da relação obrigacional) se


existe se transforma a obrigação de fazer por uma prestação pecuniária. Se for com culpa tem
direito ao equivalente mais perdas e danos e se for sem culpa tem direito apenas ao
equivalente. Não extingue a solidariedade!!!! Se for culpa de todos, todos respondem
internamente e externamente, se for culpa de um, qualquer um pode responder externamente
e internamente apenas ele responde.
Hipóteses de extinção da solidariedade:
1) Pagamento
2) Perdão ou remissão
3) Nulidade do negócio
4) Acordo de vontade expresso

Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos


devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido
parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.

Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de


ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores.

Art. 276. Se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros, nenhum


destes será obrigado a pagar senão a quota que corresponder ao seu quinhão
hereditário, salvo se a obrigação for indivisível; mas todos reunidos serão
considerados como um devedor solidário em relação aos demais devedores.

Art. 277. O pagamento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele
obtida não aproveitam aos outros devedores, senão até à concorrência da quantia
paga ou relevada.

33
Direito Civil

Art. 278. Qualquer cláusula, condição ou obrigação adicional, estipulada entre


um dos devedores solidários e o credor, não poderá agravar a posição dos outros
sem consentimento destes.

Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores


solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas
e danos só responde o culpado.

Art. 280. Todos os devedores respondem pelos juros da mora, ainda que a
ação tenha sido proposta somente contra um; mas o culpado responde aos outros
pela obrigação acrescida.

Art. 281. O devedor demandado pode opor ao credor as exceções que lhe
forem pessoais e as comuns a todos; não lhe aproveitando as exceções pessoais a
outro co-devedor.

Art. 282. O credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns


ou de todos os devedores.

Parágrafo único. Se o credor exonerar da solidariedade um ou mais


devedores, subsistirá a dos demais.

Art. 283. O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada
um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do
insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-
devedores.

Art. 284. No caso de rateio entre os co-devedores, contribuirão também os


exonerados da solidariedade pelo credor, pela parte que na obrigação incumbia ao
insolvente.

Art. 285. Se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores,


responderá este por toda ela para com aquele que pagar.

4.7. Outras modalidades de obrigações


4.7.1. De meio e de resultado
Há obrigações em que se compromete a realizar algo sem, contudo, que se tenha
certeza quanto ao resultado, estas são as obrigações de meio. Por outro lado, há obrigações
em que o devedor se compromete com o resultado em si10.
Nestes casos, o inadimplemento consiste em não alcançar o resultado, independente
da culpa do devedor – a responsabilidade civil, nestes casos, não depende de culpa. Por outro
lado, nas obrigações de meio o resultado não alcançado não é garantia de responsabilização
do devedor11.

10
Exemplos: cirurgião plástico.
11
É o caso da maioria dos procedimentos médicos. Não há como um oncologista se comprometer com o
resultado de uma quimioterapia, por exemplo.

34
Direito Civil

4.7.2. Principal e acessória


A obrigação acessória segue a principal. Assim, se o credor dá um recibo de quitação
integral, presume-se que não há mais multas e juros a serem cobrados por aquela dívida,
exceto se houver ressalva na quitação integral.

35
Direito Civil

A.5. Transmissão das obrigações

5.1. Elementos introdutórios


A transmissão de obrigações

5.2. Cessão de crédito


5.2.1. Conceito (Almeida Costa)
Sujeito ativo (cedente) – sujeito passivo (cedido): objeto. 3º cessionário.

5.2.2. Crédito
 Parte integrante do patrimônio
 Valor econômico e comercial

5.2.3. Distinções
Novação
Cessão de contrato

5.2.4. Cessão de crédito


 Total e parcial
 Pro soluto: existência e legalidade
 Pro solvente: também responde pela solvência
 Gratuita
 Onerosa
O cedido:
 Não é parte
 Não haverá consentimento
 Comunicação e cientificação (art. 290)
Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor,
senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que,
em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.
Acessórios do crédito acompanham a cessão.

36
Direito Civil

5.2.5. Efeitos da cessão

5.3. Assunção de dívida


5.3.1. Conceito
Um terceiro assuntor assume a posição do débito na relação jurídica originária,
liberando o devedor originário.
No CC/16 não havia previsão da assunção de dívida, mas o instituto era utilizado e
estudado no âmbito de vigência desse código.
É modo de liberação, sem necessariamente ocorrer o adimplemento. Em caso de
inadimplemento, a cobrança deve ser feita do assuntor, vez que o devedor originário está livre
da obrigação.
Exemplo: financiamento a longo prazo de um imóvel. Em determinado momento o
devedor originário aliena o imóvel a terceiro, que fica responsável pela quitação do restante
do financiamento, ocorrendo a assunção da dívida.
Com a assunção:
1. Libera-se o devedor originário;
2. Extingue-se garantias (a menos que as partes acordem o contrário);
3. Constitui-se obrigação para o terceiro assuntor.

Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o


consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se
aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava.

Parágrafo único. Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que
consinta na assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa.

Art. 300. Salvo assentimento expresso do devedor primitivo, consideram-se


extintas, a partir da assunção da dívida, as garantias especiais por ele
originariamente dadas ao credor.

5.3.2. Anulação da assunção


A anulação da assunção leva ao reestabelecimento da obrigação originária, com
retroatividade de todos os aspectos.
Art. 301. Se a substituição do devedor vier a ser anulada, restaura-se o
débito, com todas as suas garantias, salvo as garantias prestadas por terceiros,
exceto se este conhecia o vício que inquinava a obrigação.
Exceções: garantias pessoais não retornam automaticamente, é necessário novo
consentimento do fiador. As garantias gerais retornam automaticamente. A mesma lógica é
aplicada às exceções, as exceções pessoais não são transferidas, enquanto as gerais são
transferidas. Nada impede que as partes compactuem o contrário no caso das exceções.

37
Direito Civil

Art. 302. O novo devedor não pode opor ao credor as exceções pessoais que
competiam ao devedor primitivo.

5.3.3. Natureza
Primeira corrente: Negócio jurídico trilateral.
Segunda corrente: 2 fases: acordo bilateral entre o devedor originário e o terceiro
assuntor, com condição de eficácia o consentimento do credor (segunda fase).
Assunção cumulativa: é possível que mais de um assuntor assuma a posição do
devedor originário? Sim, mas não se presume solidariedade entre os assuntores cumulativos.
Eficácia da assunção: não basta notificar o credor, é necessária sua anuência, seu
consentimento expresso. O silêncio só será qualificado como consentimento na hipótese do
artigo 303.
Assunção e pagamento por terceiro são coisas diferentes.

Art. 305. O terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome,
tem direito a reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do
credor.

Parágrafo único. Se pagar antes de vencida a dívida, só terá direito ao


reembolso no vencimento.

Art. 303. O adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o


pagamento do crédito garantido; se o credor, notificado, não impugnar em trinta dias
a transferência do débito, entender-se-á dado o assentimento.

5.4. Cessão de contrato


Contrato: as partes se opõem diversas vezes na figura do crédito e no débito.
Na cessão de contrato não há apenas a cessão de uma obrigação, mas de todo o
conjunto de obrigações presente no âmbito contratual. É a cessão da posição contratual. A
cessão de contrato não está regulada no código civil atual. Não há regulamentação expressa,
porém, é tão comum que é abordada na doutrina, e, obviamente, é objeto de deliberação
jurisprudencial.
Há necessidade de que todas as partes concordem com a cessão de contrato.

38
Direito Civil

A.6. Do adimplemento

6.1. Introdução
O que é? Nomenclaturas. Natureza Jurídica. Pagamento direto e indireto.
Conteúdo: quem paga é o solvens. Quem recebe o acipiens. Lugar, tempo e forma.

6.2. Quem pode pagar

Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando,


se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.

Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em


nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.

Art. 305. O terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome,
tem direito a reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do
credor.

Parágrafo único. Se pagar antes de vencida a dívida, só terá direito ao


reembolso no vencimento.

Art. 306. O pagamento feito por terceiro, com desconhecimento ou oposição


do devedor, não obriga a reembolsar aquele que pagou, se o devedor tinha meios
para ilidir a ação.

Art. 307. Só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da


propriedade, quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu.

Parágrafo único. Se se der em pagamento coisa fungível, não se poderá mais


reclamar do credor que, de boa-fé, a recebeu e consumiu, ainda que o solvente não
tivesse o direito de aliená-la.

6.3. Quem pode receber

Art. 308. O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o


represente, sob pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto
reverter em seu proveito.

Art. 309. O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda


provado depois que não era credor.

39
Direito Civil

Art. 310. Não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de quitar,
se o devedor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu.

Art. 311. Considera-se autorizado a receber o pagamento o portador da


quitação, salvo se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultante.

Art. 312. Se o devedor pagar ao credor, apesar de intimado da penhora feita


sobre o crédito, ou da impugnação a ele oposta por terceiros, o pagamento não
valerá contra estes, que poderão constranger o devedor a pagar de novo, ficando-
lhe ressalvado o regresso contra o credor.

Análise do artigo 312: penhora é diferente de penhor (o verbo para penhora é


penhorar; para penhor é empenhar). Quando o credor penhorar o crédito, e intimar o devedor
da penhora, o devedor deve pagar ao terceiro (quem detém a penhora), sob pena de pagar
duas vezes, com direito ao regresso. Caso não haja intimação, o pagamento ao credor adimple
a obrigação quanto ao devedor.

6.4. Objeto do pagamento


Art. 313: o credor não é obrigado a receber prestação diferente.

Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é
devida, ainda que mais valiosa.

Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode
o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não
se ajustou.

Art. 315. As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda


corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subseqüentes.

Art. 316. É lícito convencionar o aumento progressivo de prestações


sucessivas.

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta


entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz
corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da
prestação.

Art. 318. São nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda


estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da
moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial.

Dívida em pecúnia – moeda corrente nacional, devido ao princípio do nominalismo. A


correção monetária pode ser prevista genericamente pelo acordo de vontades.
Observação: no dano material a correção monetária é feita desde o dano; no dano
moral desde a sentença, pois é a sentença que constitui o dano moral.

40
Direito Civil

É vetada a fixação de pagamento em salário mínimo:


CF, art. 7º, IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de
atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes
periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para
qualquer fim;
A jurisprudência aceita a vinculação em prestação alimentar.

6.4.1. Pagamento em dinheiro e de valor


Não há confusão entre o pagamento em dinheiro e o pagamento em valor, sendo o
último decorrente de ato ilícito ou abusivo que converte o dano em valor.

6.4.2. Quando a prestação é uma ação (obrigação de fazer)


O credor pode se recusar a receber ou exigir abatimento se a obrigação foi realizada
com qualidade inferior, ressaltando a importância de um contrato bem feito, que fixe
parâmetros para a prestação. Aplica-se aqui a teoria do adimplemento substancial.

6.5. Prova do pagamento


A prova do pagamento é o instrumento que torna inequívoco o alegado.
A regra é a não presunção do pagamento, mas o recibo de quitação não necessita de
muitas formalidades, podendo inclusive ser de próprio punho.

6.5.1. Requisitos do recibo de quitação


Apesar de não ser necessário muita formalidade, o recibo de quitação deve conter, no
mínimo:
 Valor e a espécie da dívida quitada;
 Nome do solvens, normalmente o devedor, mas como visto, pode ser terceiro;
 Tempo (data);
 Lugar;
 Assinatura do accipiens (credor).
O meio utilizado para provar o pagamento é particular.

6.5.2. Presunções legais:


a) Dívida representada por título de crédito
b) Pagamento por cotas sucessivas implica em presunção de quitação das outras
parcelas anteriores (atualmente essa presunção é fraca em decorrência do uso
de boletos individuais).

41
Direito Civil

c) Termo geral de quitação: presume-se todas as obrigações acessórias também


pagas;
d) A entrega do título de crédito presume a quitação;
e) Recusa em dar quitação: possibilidade de discussão em juízo.
As presunções a e b são relativas, a presunção c é absoluta.

Art. 319. O devedor que paga tem direito a quitação regular, e pode reter o
pagamento, enquanto não lhe seja dada.

Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular,
designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por
este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu
representante.

Parágrafo único. Ainda sem os requisitos estabelecidos neste artigo valerá a


quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida.

Art. 321. Nos débitos, cuja quitação consista na devolução do título, perdido
este, poderá o devedor exigir, retendo o pagamento, declaração do credor que
inutilize o título desaparecido.

Art. 322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última


estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.

Art. 323. Sendo a quitação do capital sem reserva dos juros, estes presumem-
se pagos.

Art. 324. A entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento.

Parágrafo único. Ficará sem efeito a quitação assim operada se o credor


provar, em sessenta dias, a falta do pagamento.

Art. 325. Presumem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a


quitação; se ocorrer aumento por fato do credor, suportará este a despesa
acrescida.

Art. 326. Se o pagamento se houver de fazer por medida, ou peso, entender-


se-á, no silêncio das partes, que aceitaram os do lugar da execução.

6.6. Do lugar do pagamento


Consiste em liberdade das partes: autonomia privada.
Quesível: domicílio do devedor (é a regra subsidiária do código à não manifestação de
vontade das partes).
Portável: domicílio do credor.

42
Direito Civil

Modificação tácita: princípio da boa-fé, não incidência de mora em caso de


pagamento em local diverso do estipulado se foi induzido no devedor a noção de que o
pagamento poderia ser realizado em local diverso (diversas vezes tendo sido aceito) – art.
330.
Pagamento somente em certo banco ou estabelecimento: acordado com a vontade das
partes. Não é problema jurídico nem empecilho ao adimplemento.

Art. 327. Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes


convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da
obrigação ou das circunstâncias.

Parágrafo único. Designados dois ou mais lugares, cabe ao credor escolher


entre eles.

Art. 328. Se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em


prestações relativas a imóvel, far-se-á no lugar onde situado o bem.

Art. 329. Ocorrendo motivo grave para que se não efetue o pagamento no
lugar determinado, poderá o devedor fazê-lo em outro, sem prejuízo para o credor.

Art. 330. O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir


renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato.

6.7. Tempo do pagamento


Interesse mútuo: fixação da data do vencimento.
E se não houve ajusta? Vencimentos imediato (art. 331) ou vencimento em prazo
presumido (art. 581 e 582).
Exceção: antecipação do vencimento. Nas seguintes hipóteses (art. 333):
 Pagamento antecipado;
 Falência/concurso de credores;
 Cessam-se as garantias (fiador que pede exoneração da fiança, por exemplo)
A antecipação é pessoal.
Na antecipação voluntária (vontade do devedor, sempre possível desde que não
configure fraude contra credores): decote dos juros compensatórios (CDC, art. 54), diferente
dos juros de mora.
Obrigações condicionadas.

Art. 331. Salvo disposição legal em contrário, não tendo sido ajustada época
para o pagamento, pode o credor exigi-lo imediatamente.

Art. 332. As obrigações condicionais cumprem-se na data do implemento da


condição, cabendo ao credor a prova de que deste teve ciência o devedor.

43
Direito Civil

Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o


prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código:

I - no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores;

II - se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução


por outro credor;

III - se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito,


fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.

Parágrafo único. Nos casos deste artigo, se houver, no débito, solidariedade


passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes.

44
Direito Civil

A.7. Modalidades especiais (indiretas) de pagamento

7.1. Introdução
O pagamento não se deu da forma estipulada no acordo de vontades.

7.2. Pagamento em consignação


7.2.1. Conceito
A forma de pagamento foi estipulada no acordo de vontades, mas por algum motivo
(art. 335) o credor não aceitou o pagamento. Consiste em meio indireto de pagamento,
decorrente da mora do accipiens.

7.2.2. Requisitos
Subjetivos: dirigido ao credor capaz ou representante/assistente. Consignação feita por
pessoa capaz.
Objetivos: débito líquido e certo; em sua totalidade; vencida a obrigação e no local
especificado (se relação de consumo: domicílio do consumidor).

Art. 334. Considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial


ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais.

Art. 335. A consignação tem lugar:

I - se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento,
ou dar quitação na devida forma;

II - se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e


condição devidos;

III - se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente,


ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;

IV - se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do


pagamento;

V - se pender litígio sobre o objeto do pagamento.

Art. 336. Para que a consignação tenha força de pagamento, será mister
concorram, em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os
requisitos sem os quais não é válido o pagamento.

45
Direito Civil

Art. 337. O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto


que se efetue, para o depositante, os juros da dívida e os riscos, salvo se for julgado
improcedente.

Art. 338. Enquanto o credor não declarar que aceita o depósito, ou não o
impugnar, poderá o devedor requerer o levantamento, pagando as respectivas
despesas, e subsistindo a obrigação para todas as conseqüências de direito.

Art. 339. Julgado procedente o depósito, o devedor já não poderá levantá-lo,


embora o credor consinta, senão de acordo com os outros devedores e fiadores.

Art. 340. O credor que, depois de contestar a lide ou aceitar o depósito,


aquiescer no levantamento, perderá a preferência e a garantia que lhe competiam
com respeito à coisa consignada, ficando para logo desobrigados os co-devedores e
fiadores que não tenham anuído.

Art. 341. Se a coisa devida for imóvel ou corpo certo que deva ser entregue no
mesmo lugar onde está, poderá o devedor citar o credor para vir ou mandar recebê-
la, sob pena de ser depositada.

Art. 342. Se a escolha da coisa indeterminada competir ao credor, será ele


citado para esse fim, sob cominação de perder o direito e de ser depositada a coisa
que o devedor escolher; feita a escolha pelo devedor, proceder-se-á como no artigo
antecedente.

Art. 343. As despesas com o depósito, quando julgado procedente, correrão à


conta do credor, e, no caso contrário, à conta do devedor.

Art. 344. O devedor de obrigação litigiosa exonerar-se-á mediante


consignação, mas, se pagar a qualquer dos pretendidos credores, tendo
conhecimento do litígio, assumirá o risco do pagamento.

Art. 345. Se a dívida se vencer, pendendo litígio entre credores que se


pretendem mutuamente excluir, poderá qualquer deles requerer a consignação.

CPC, art. 539 a 549: consignação em pagamento extrajudicial ou judicial.


Só há consignação em pagamento em obrigações de dar. Não há como consignar em
pagamento obrigações de fazer ou de não fazer.

7.3. Pagamento com sub-rogação


Substituição real (objetiva) ou pessoal (subjetiva).

7.3.1. Sub-rogação legal e convencional


Quando legal: unilateral; quando convencional: bilateral.
Natureza jurídica: forma de pagamento indireta.

46
Direito Civil

Causas de sub-rogação (art. 346)


 Em favor do devedor que paga dívida e devedor comum
 Em favor do adquirente de imóvel hipotecado
 Terceiros interessados
Sub-rogação convencional (art. 347)
Vontade: acordo bilateral
 Quando credor recebe pagamento de terceiro e lhe transfere bens e direitos
 Quando alguém empresta para pagar dívida sob condição de sub-rogação
Efeitos:
 Liberatório em relação ao credor originário.
 Translatício em relação ao credor que ocupa a posição do crédito com a sub-
rogação.
Distinções: a cessão de crédito ocorre sem pagamento, enquanto a sub-rogação ocorre
com o ato do pagamento.

Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:

I - do credor que paga a dívida do devedor comum;

II - do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem


como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre
imóvel;

III - do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser
obrigado, no todo ou em parte.

Art. 347. A sub-rogação é convencional:

I - quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe


transfere todos os seus direitos;

II - quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver


a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do
credor satisfeito.

Art. 348. Na hipótese do inciso I do artigo antecedente, vigorará o disposto


quanto à cessão do crédito.

Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações,


privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e
os fiadores.

47
Direito Civil

Art. 350. Na sub-rogação legal o sub-rogado não poderá exercer os direitos e


as ações do credor, senão até à soma que tiver desembolsado para desobrigar o
devedor.

Art. 351. O credor originário, só em parte reembolsado, terá preferência ao


sub-rogado, na cobrança da dívida restante, se os bens do devedor não chegarem
para saldar inteiramente o que a um e outro dever.

7.4. Dação em pagamento


Conceito
Requisitos
 Existência de um débito vencido
 Animus solvendi
 Diversidade do objeto
 Consentimento

7.5. Novação
Conceito: modo não satisfativo;
Requisitos:
 Existência de uma obrigação anterior
 Constituição de uma nova obrigação diferente da anterior
 Intenção de novar (animus novandi)
Espécies: objetiva; subjetiva: e mista
Novação objetiva: permanecem as partes, pode mudar:
 Objeto principal (quanto à natureza ou à causa jurídica)
 Diferente da dação em pagamento, que se dá no ato de adimplemento. A
novação forma nova relação jurídica, em ato anterior ao adimplemento.
Novação subjetiva
Efeitos: extinção da obrigação primitiva. Súmula STJ, 286 1; extingue acessórios e
garantias; se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou, ação regressiva
contra o primeiro, salvo má-fé.

Art. 360. Dá-se a novação:

I - quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e


substituir a anterior;

1
STJ, Súmula 286: A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de
discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores.

48
Direito Civil

II - quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor;

III - quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao


antigo, ficando o devedor quite com este.

Art. 361. Não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco, a
segunda obrigação confirma simplesmente a primeira.

Art. 362. A novação por substituição do devedor pode ser efetuada


independentemente de consentimento deste.

Art. 363. Se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou,
ação regressiva contra o primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição.

Art. 364. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que


não houver estipulação em contrário. Não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar
o penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a
terceiro que não foi parte na novação.

Art. 365. Operada a novação entre o credor e um dos devedores solidários,


somente sobre os bens do que contrair a nova obrigação subsistem as preferências
e garantias do crédito novado. Os outros devedores solidários ficam por esse fato
exonerados.

Art. 366. Importa exoneração do fiador a novação feita sem seu consenso com
o devedor principal.

Art. 367. Salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem ser objeto
de novação obrigações nulas ou extintas.

7.7. Compensação
As partes da relação jurídica são, ao mesmo tempo, por relação jurídica diversa,
credores e devedores mútuos. Considerando que as duas obrigações são certas e líquidas,
compensam-se os créditos facilitando o adimplemento.

49
Direito Civil

B. Da responsabilidade civil
B.1. Atos unilaterais de vontade (unidade I)

1.1. Ato unilateral como fonte de obrigações


O que é fonte de obrigações? (Itens 1.1.1. a 1.1.3. são teorias que discutem isso)

1.1.1. Institutos de Gaio (Direito Romano)


-CC Napoleão (1870)
-CC italiano (1865)
 Contratos
 Delitos
 Quase-contratos: atualmente não é considerada pela doutrina uma fonte de obrigação
 Quase-delito: antigo tipo penal culposo

1.1.2. Concepção dúplice (BGB)


 Vontade
 Lei
O que faz surgir o negócio jurídico é um ato de vontade, a partir daí é possível a
existência de obrigações. Porém, algumas obrigações independem da manifestação de
vontade (obrigações propter rem, por exemplo), nesses casos, a obrigação nasce da própria
lei – disso a teoria dúplice diz que a obrigação tem sua fonte na vontade ou na lei. Kelsen, no
entanto, entende que a lei é fonte primária de todas as obrigações, pois se a vontade pode
criar obrigação é porque a lei já previu essa possibilidade.
Adeptos: Caio Mário, Washington de Barros Monteiro, Sílvio Rodrigues, Pontes de
Miranda (em parte).

1.1.3. Pontes de Miranda


 Fato jurídico
Para Pontes de Miranda, nem a vontade nem a lei, por si só, são capazes de criar
obrigações. Na verdade, a fonte de qualquer obrigação é o fato jurídico. Conforme a linha de
raciocínio linear abaixo:
Teoria do Fato Jurídico – é o fato que confere efeito obrigacional - Relação
obrigacional emana, obrigatoriamente, de um fato social – a partir do momento em que a lei
prevê a manifestação de vontade, o fato social pode se tornar fato jurídico – com a concreção
do suporte fático, o fato social é concebido de efeitos jurídicos – juridicização (ganho de
efeitos jurídicos pelo fato social)

50
Direito Civil

Não há previsão sobre fontes nos Códigos de 1916 nem no de 2002.


Porém, os fatos jurídicos se dividem em:
 Fatos
 Atos
E os atos unilaterais? São fontes?
Questão: Seria aceitável que um ato de autonomia privada praticado apenas por um
sujeito produziu efeitos na esfera jurídica de outrem, mesmo para constituir lhe direito? Sim,
é possível, porém não são todos os atos unilaterais de vontade que possuem a capacidade de
gerar obrigações12.
Em alguns países (Portugal e França, por exemplo), os atos unilaterais de vontade só
são fontes de obrigações nos casos em que a própria legislação atribui obrigações decorrentes
destes atos, ou seja, só excepcionalmente, com expressa previsão legal, os atos unilaterais
podem criar obrigações – essa exigência está expressa na legislação destes países.
Entretanto, no direito brasileiro não há expressa manifestação legislativa que decida
esta questão. Há discussão no direito brasileiro, neste sentido, se os atos unilaterais são fontes
somente por serem fatos jurídicos, ou se apenas os atos unilaterais previstos no CC/02 geram
obrigações. Há ao menos um ato unilateral de vontade não previsto na lei civil capaz de gerar
obrigações: a confissão de dívida (criada pelo mercado e reconhecida pela jurisprudência3).
São atos unilaterais de vontade fontes de obrigações diretamente previstos no CC/02
(art. 854 a 886):
 Promessa de recompensa
 Gestão de negócios
 Pagamento indevido
 Enriquecimento sem causa
A promessa de recompensa é auto obrigação, isto é, quem realiza o NJ unilateral
assume para si o polo passivo da relação obrigacional (débito); enquanto a gestão de negócios
e o pagamento indevido são alter-obrigações, ou seja, o declarante de vontade se posiciona
como credor (obrigam outrem). Por fim, o enriquecimento sem causa pode ser auto obrigação
ou alter-obrigação, conforme o caso4.
Conceito de ato unilateral de vontade: é negócio jurídico unilateral (não é contrato),
independente da conformação de vontade da outra parte. Falta em sua estrutura o que a
doutrina denomina de o princípio do contrato, mas está apto a criar obrigações. Tanto os
1
Teoria do princípio do contrato: para alguns autores o contrato é a soma de dois atos unilaterais de vontade: a
oferta e a aceitação. Na realidade, o contrato é a comunhão de interesses que gera o contrato, não a oferta e a
aceitação em separado.
2
Na realidade, os atos unilaterais de vontade, em regra, não geram obrigações. Apenas algumas exceções entre
os atos unilaterais possuem essa característica. (Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Civil, vol. 2).
3
STJ, Súmula 300 - O instrumento de confissão de dívida, ainda que originário de contrato de abertura de
crédito, constitui título executivo extrajudicial.
4
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, vol.2: Obrigações e Responsabilidade Civil. 5.ed. São Paulo:
Saraiva, 2012.

51
Direito Civil

negócios jurídicos bilaterais como os unilaterais criam situações jurídicas conduzidas nos
termos da vontade privada, o que implica em autonomia privada, e na possibilidade de
criação de direitos e obrigações (Nelson Neri e Rosa Maria de Andrade Neri).

1.2. Promessa de recompensa


É um ato unilateral de vontade, feito a um número indeterminado ou determinado de
pessoas, comprometendo-se a cumprir uma obrigação como recompensa pelo cumprimento
de determinada condição ou pelo desempenho de certo serviço5:

CC, Art. 854. Aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a


recompensar, ou gratificar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo
serviço, contrai obrigação de cumprir o prometido.

Art. 855. Quem quer que, nos termos do artigo antecedente, fizer o serviço, ou
satisfizer a condição, ainda que não pelo interesse da promessa, poderá exigir a
recompensa estipulada.

Os eventuais casos omissos dos editais são preenchidos pelo promitente, vez que é sua
vontade que gera a obrigação. O Poder Judiciário só se intrometerá, nestes casos, se o
promitente promover abuso de direito ao sanar as omissões em sua promessa de recompensa6.
Da mesma forma, uma promessa de recompensa não pode estabelecer condição
preconceituosa para habilitação, em função de raça, credo, sexo ou outras discriminações
reprováveis7.

1.2.1. Requisitos8
 Que a promessa tenha publicidade (tenha sido feita pública, em rede social, por
correio eletrônico, por edital em periódico, etc.): CC, art. 854: Aquele que, por
anúncios públicos...
 Capacidade do promitente (promessa por menor de idade não gera obrigação)9
 Previsão de uma condição ou serviço que será gratificado: ...a quem preencha
certa condição, ou desempenhe certo serviço...

5
Diferença entre a promessa de recompensa e um negócio jurídico condicionado: no negócio jurídico
condicionado a outra parte cumprirá a condição para obter o benefício, enquanto na promessa de recompensa a
oferta é feita pública, e não há necessidade que o beneficiário manifeste vontade para fazer jus à recompensa.
6
É o caso de pagar um valor irrisório frente ao benefício obtido quando o edital é omisso na gratificação
oferecida.
7
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, vol.2: Obrigações e Responsabilidade Civil, op. cit.
8
Sílvio Rodrigues argumenta que uma promessa de recompensa feita somente a uma pessoa é uma promessa de
recompensa. Porém, nesses casos, fica difícil comprovar a publicidade da promessa de recompensa,
prejudicando a obrigatoriedade da recompensa – caso a parte interessada prove, deverá ficar caracterizada a
promessa de recompensa. Muitos autores não abordam essa possibilidade e a jurisprudência também não é
prolífica nestes casos.
9
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

52
Direito Civil

 Descrição e licitude10 da recompensa: ... comprometer a recompensar, ou


gratificar...11

1.2.2. Prazo
A promessa de recompensa pode ser feita com prazo de realização do serviço ou
cumprimento da condição. Caso a promessa seja feita sem prazo, deve ser analisada uma
razoabilidade (boa-fé objetiva) para determinar se a realização fará jus à recompensa. Apenas
nos concursos abertos com promessa pública a fixação de prazo será considerada essencial.

CC, Art. 859. Nos concursos que se abrirem com promessa pública de
recompensa, é condição essencial, para valerem, a fixação de um prazo,
observadas também as disposições dos parágrafos seguintes.

1.2.3. Natureza jurídica


Correntes:
 Oferta: essa corrente defende que a promessa de recompensa é uma oferta de contrato.
Uma oferta de contrato é o que ocorre quando, por exemplo, um curso de idiomas
oferece algum brinde para quem faça matricula em seus quadros. Assim, na oferta,
não há a intenção de recompensar por um serviço ou uma condição, a intenção é de
atrair para firmar um contrato (a oferta é ato unilateral que visa a concreção de um
contrato). Não é isso que ocorre com a promessa de recompensa.
 Negócio jurídico unilateral: o promitente unilateralmente se compromete a
recompensar um serviço ou condição. É a vertente mais adequada para a promessa de
recompensa, pois os efeitos independem da manifestação de vontade da outra parte, e
o fim da promessa de recompensa não é a contratação.
Promitente (não quer contratar) – recompensar alguém por atender condição ou
realizar serviço.

1.2.4. Revogação da promessa

Art. 856. Antes de prestado o serviço ou preenchida a condição, pode o


promitente revogar a promessa, contanto que o faça com a mesma publicidade;
se houver assinado prazo à execução da tarefa, entender-se-á que renuncia o
arbítrio de retirar, durante ele, a oferta.

Parágrafo único. O candidato de boa-fé, que houver feito despesas, terá direito
a reembolso.
10
Art. 166, II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
11
A condição ou serviço devem ser especificados na promessa de recompensa, porém, a descrição
(especificação) da recompensa não é requisito para a criação de obrigação. Porém, a falta de especificação pode
gerar insegurança, tanto a quem cumpre a condição ou serviço quanto a pessoa que prometeu a recompensa, vez
que o juiz utilizará o princípio da boa-fé para estabelecer a recompensa, o que pode implicar em prestação maior
ou menor do que as partes imaginariam.

53
Direito Civil

Duas situações:
 Prazo determinado: não pode revogar enquanto não decorrido o prazo.
 Prazo indeterminado: a revogação deve ocorrer antes que alguém cumpra a
condição/realize o serviço.

1.2.5. Promessa pública de recompensa

Art. 859. Nos concursos que se abrirem com promessa pública de


recompensa, é condição essencial, para valerem, a fixação de um prazo,
observadas também as disposições dos parágrafos seguintes.

§ 1o A decisão da pessoa nomeada, nos anúncios, como juiz, obriga os


interessados.

§ 2o Em falta de pessoa designada para julgar o mérito dos trabalhos que se
apresentarem, entender-se-á que o promitente se reservou essa função.

§ 3o Se os trabalhos tiverem mérito igual, proceder-se-á de acordo com os arts.


857 e 858.

Art. 860. As obras premiadas, nos concursos de que trata o artigo


antecedente, só ficarão pertencendo ao promitente, se assim for estipulado na
publicação da promessa.

1.2.6. Efeitos
 A obrigatoriedade/exigibilidade da recompensa, que se inicia com o cumprimento
da condição ou do serviço. Porém, o edital/anúncio pode prever que a
exigibilidade seja posterior (artigo publicado somente em edição posterior do
periódico).
 A recompensa torna-se obrigatória, mesmo se for pequena ou com motivação de
caridade.
 Se duas ou mais pessoas realizam o serviço/condição, o que realizar primeiro faz
jus a recompensa, caso não seja possível aferir quem realizou primeiro
(simultaneidade), divide-se a recompensa.

Art. 857. Se o ato contemplado na promessa for praticado por mais de um


indivíduo, terá direito à recompensa o que primeiro o executou.

Art. 858. Sendo simultânea a execução, a cada um tocará quinhão igual na


recompensa; se esta não for divisível, conferir-se-á por sorteio, e o que obtiver a
coisa dará ao outro o valor de seu quinhão.

54
Direito Civil

1.3. Gestão de negócios


1.3.1. Conceito
É a administração, de boa-fé, de negócio alheio, com presunção de consentimento do
proprietário (fora do âmbito de um contrato).
Art. 861. Aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão
de negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o interesse e a vontade presumível de seu
dono, ficando responsável a este e às pessoas com que tratar.

1.3.2. Diferenças em relação ao contrato de mandato


No contrato de mandato os limites de atuação estão especificados no próprio
contrato12, enquanto na gestão de negócios a vontade presumível/boa-fé é que guiará a
atuação do gestor. As duas modalidades são bem parecidas.

1.3.3. Pressupostos
 Assunção de negócio alheio;
 Alienabilidade do negócio;
 Inexistência de proibição;
 Animus gerendi13
 Utilidade/necessidade: o gestor de negócios não deve assumir riscos14 para o
negócio presumindo o comportamento do dono. Deve se ater ao que é
útil/necessário (boa-fé objetiva).
 Espontaneidade: ação espontânea e com boa intenção, sem a vontade de prejudicar
alguém.
 Pronta comunicação ao dono: assim que possível, o gestor deve informar ao
dono todos os atos praticados em seu nome.

1.3.4. Caracterização
 Invasão de negócio alheio (falta de manifestação do dono + situação casuística
que autoriza a gestão);
 Ação no interesse presumido do dono – não é gerir no pensamento do gestor, mas
sim pensar no que o dono faria naquela situação;
 Intenção de agir proveitosamente, agir dentro da situação extraordinária para que o
dono se aproveite dos atos de gestão realizados pelo gestor espontâneo (atos
necessários e úteis, não mais que isso);

12
Havendo extrapolação do contrato de mandato, o gestor estará atuando, nesta extrapolação, como gestor de
negócios.
13
A intenção de gerenciar negócio alheio sem se beneficiar financeiramente.
14
Ao assumir riscos, o gestor de negócios se responsabilizará sozinho pelos riscos assumidos.
Art. 862. Se a gestão foi iniciada contra a vontade manifesta ou presumível do interessado, responderá o gestor
até pelos casos fortuitos, não provando que teriam sobrevindo, ainda quando se houvesse abatido.
Art. 863. No caso do artigo antecedente, se os prejuízos da gestão excederem o seu proveito, poderá o dono do
negócio exigir que o gestor restitua as coisas ao estado anterior, ou o indenize da diferença.

55
Direito Civil

 Atos patrimoniais (não se gere atos personalíssimos – casamento, etc. – apenas os


atos patrimoniais podem ser geridos por outrem)

1.3.5. Obrigações do gestor e do dono


O gestor deverá:
 Responder ao dono e a terceiros pelos atos que pratica;
 Comunicação – tão logo exista a possibilidade de comunicar ao dono (ou a quem
deva ser comunicado), o gestor o deve fazer – não comunicar implica em não
obrigação ao dono;

Art. 864. Tanto que se possa, comunicará o gestor ao dono do negócio a


gestão que assumiu, aguardando-lhe a resposta, se da espera não resultar perigo.

Art. 865. Enquanto o dono não providenciar, velará o gestor pelo negócio, até
o levar a cabo, esperando, se aquele falecer durante a gestão, as instruções dos
herdeiros, sem se descuidar, entretanto, das medidas que o caso reclame.

 Administrar no interesse do dono;


 Diligência15
Art. 866. O gestor envidará toda sua diligência habitual na administração do
negócio, ressarcindo ao dono o prejuízo resultante de qualquer culpa na
gestão.
Enquanto isso o dono deverá1617:
 Indenizar as despesas18;
 Cumprir as obrigações da gestão útil e necessária19;

Art. 869. Se o negócio for utilmente administrado, cumprirá ao dono as


obrigações contraídas em seu nome, reembolsando ao gestor as despesas
necessárias ou úteis que houver feito, com os juros legais, desde o desembolso,
respondendo ainda pelos prejuízos que este houver sofrido por causa da gestão.

15
Zelo, cuidado na realização das tarefas.
16
A ratificação pelo dono transforma a gestão de negócios em contrato de mandato, e nesta situação:
Art. 873. A ratificação pura e simples do dono do negócio retroage ao dia do começo da gestão, e produz todos
os efeitos do mandato.
17
Em caso de não ratificação:
Art. 874. Se o dono do negócio, ou da coisa, desaprovar a gestão, considerando-a contrária aos seus interesses,
vigorará o disposto nos arts. 862 e 863, salvo o estabelecido nos arts. 869 e 870.
Art. 875. Se os negócios alheios forem conexos ao do gestor, de tal arte que se não possam gerir separadamente,
haver-se-á o gestor por sócio daquele cujos interesses agenciar de envolta com os seus.
Parágrafo único. No caso deste artigo, aquele em cujo benefício interveio o gestor só é obrigado na razão das
vantagens que lograr.
18
Não se confunde com remuneração – ato típico de contrato. É mera indenização das despesas.
19
Quando o gestor agir de boa-fé, a gestão útil e a gestão necessária implicam nas mesmas consequências. Na
gestão de má-fé (proibição de agir daquela forma), apenas a gestão necessária é ressarcida (opinião da Débora).

56
Direito Civil

§ 1o A utilidade, ou necessidade, da despesa, apreciar-se-á não pelo


resultado obtido, mas segundo as circunstâncias da ocasião em que se fizerem.

§ 2o Vigora o disposto neste artigo, ainda quando o gestor, em erro quanto ao


dono do negócio, der a outra pessoa as contas da gestão.

 Prestação de alimentos (art. 871): reaver a importância paga a título de obrigação


alimentícia não depende da ratificação – limitação no parágrafo único do artigo
872;
 Funeral (art. 872)

Art. 871. Quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por


ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância,
ainda que este não ratifique o ato.

Art. 872. Nas despesas do enterro, proporcionadas aos usos locais e à


condição do falecido, feitas por terceiro, podem ser cobradas da pessoa que teria a
obrigação de alimentar a que veio a falecer, ainda mesmo que esta não tenha
deixado bens.

Parágrafo único. Cessa o disposto neste artigo e no antecedente, em se


provando que o gestor fez essas despesas com o simples intento de bem-fazer.

1.3.6. Multiplicidade de gestores

Art. 867. Se o gestor se fizer substituir por outrem, responderá pelas faltas do
substituto, ainda que seja pessoa idônea, sem prejuízo da ação que a ele, ou ao
dono do negócio, contra ela possa caber.

Parágrafo único. Havendo mais de um gestor, solidária será a sua


responsabilidade.

1.4. Pagamento indevido


O pagamento devido extingue a relação jurídica obrigacional, entretanto, o pagamento
indevido gera a obrigação de restituir.
Dessa forma, o pagamento indevido é matéria comum ao direito civil e ao direito do
consumidor. O pagamento, em si, é um ato unilateral. Quando o pagamento gera um
enriquecimento sem causa – todo pagamento indevido é um enriquecimento sem causa - (sem
razão que justifique o pagamento), fica a parte beneficiária obrigada a restituir a parte que
realizou o pagamento indevido (empobrecimento sem causa).
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a
restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de
cumprida a condição.

57
Direito Civil

1.4.1. Conceito de indébito


O indébito é a junção de um enriquecimento de uma parte com o empobrecimento de
outra sem causa que justifique esta ocorrência. A restituição do indébito é chamada de
repetição do indébito.
Portanto, o indébito é causa de enriquecimento ilícito.

1.4.2. Hipóteses (espécies)


 Pagamento excessivo
 Pagamento de dívida condicional antes do implemento da condição suspensiva
(exemplo: mercadorias que dependem da venda para gerar pagamento ao
fornecedor).
 Pagamento indevido (art. 881): dentro de uma obrigação de fazer ou não fazer,
uma das partes extrapola sua obrigação (contrato de advocacia em que só há
previsão de representação em primeira instância, mas o escritório acaba
realizando também a segunda instância, atendendo aos requisitos de
pagamento indevido), gera direito a pagamento pela obrigação adimplida em
excesso.
Art. 881. Se o pagamento indevido tiver consistido no desempenho de
obrigação de fazer ou para eximir-se da obrigação de não fazer, aquele que recebeu
a prestação fica na obrigação de indenizar o que a cumpriu, na medida do lucro
obtido.

1.4.3. Requisitos
 Existência de pagamento feito (cobrança indevida não é pagamento indevido)
 Ausência de causa
 Animus solvendi – a intenção de pagar20 - (art. 877 – pagamento voluntário21)
 Erro22

Art. 879. Se aquele que indevidamente recebeu um imóvel o tiver alienado em


boa-fé, por título oneroso, responde somente pela quantia recebida; mas, se agiu de
má-fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos.

Parágrafo único. Se o imóvel foi alienado por título gratuito, ou se, alienado por
título oneroso, o terceiro adquirente agiu de má-fé, cabe ao que pagou por erro o
direito de reivindicação.

20
O pagamento realizado não deve ter sido feito com intenção de fraude, dolo, simulação, etc.
21
Art. 877. Àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro.
22
O requisito do erro é somente para as relações do âmbito civil, ou seja, não é um requisito nas relações de
consumo – o pagamento indevido nas relações de consumo (decorrente de cobrança indevida), independe de
erro e gera direito a restituição em dobro.

58
Direito Civil

1.4.4. Exceções (não há direito à repetição)23


 Pagamento de obrigação natural inexigível: por exemplo, pagamento de dívida
prescrita.
 Pagamento com fins ilícitos: a ilicitude do objeto prejudica o direito à
repetição do indébito (drogas, etc.).
 Art. 88024

1.5. Enriquecimento sem causa


Consiste em enriquecimento sem causa qualquer vantagem patrimonial auferida da
qual não corresponda uma fundamentação jurídica. Na maioria das vezes, o enriquecimento
sem causa está amparado no empobrecimento de outrem, mas essa não é uma condição
necessária à ocorrência de enriquecimento sem causa25.

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será
obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores
monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem


a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se
fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que
justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao


lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.

B.2. Responsabilidade Civil

A responsabilidade se compõe sempre de uma conduta com nexo causal (relação de


causa e efeito) para um dano (patrimonial ou extrapatrimonial).

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,
fica obrigado a repará-lo.

23
Em verdade, essas são situações que se assemelham ao pagamento indevido, mas não o são. Portanto, não se
tratam de verdadeiras exceções.
24
Art. 880. Fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o como parte de dívida
verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a pretensão ou abriu mão das garantias que asseguravam seu
direito; mas aquele que pagou dispõe de ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador.
25
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, vol.2: Obrigações e Responsabilidade Civil, op. cit.

59
Direito Civil

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de


culpa1, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos
de outrem.

Fundamentos da responsabilidade civil: culpa, risco e garantia (estabilização social).

2.1. Evolução histórica da responsabilidade civil


 Primeiro estágio: da vingança coletiva – surgiu da necessidade de
responsabilizar alguém por um dano. Neste ponto a responsabilização não é
somente civil. A vingança se dava em forma de guerra entre os clãs.
 Segundo estágio: da vingança privada (lei de Talião) – passa a existir a noção
de culpa individual. O Estado2 (autoridade) passa a substituir os particulares na
consecução da vingança. Percebe-se que a vingança costumeiramente
ultrapassava o dano causado.
 Terceiro estágio: da composição voluntária – primórdio da resolução de
conflitos, algo parecido com uma mediação.
 Quarto estágio: da composição obrigatória (Lei das XII Tábuas) – não cabe
mais às partes envolvidas estabelecerem a relação da responsabilidade com a
culpa. Tal função passa a ser exercida pelo Estado. Não acaba com a vingança
pessoal, nem com a responsabilização pessoal (corporal).
 Lex Aquilia de Damno: necessária a demonstração de culpa 3, para
responsabilização por: danos pela morte de escravos e de animais; dano entre
credores (concurso de credores – fraude contra credores); Damnum injuria
datum – delito relacionado à danificação de propriedade.
 Direito francês: elaboração de uma teoria da culpa mais rigorosa;
responsabilidade extracontratual (não advém de uma relação jurídica anterior)
e responsabilidade contratual (existência de um vínculo obrigacional anterior).

2.1.1. Evolução histórica no direito brasileiro


 Ordenações do reino: reparação do dano, através de reparação, multa e/ou
pena; a distinção entre a responsabilidade civil e a responsabilidade penal
passa a ser mais clara após o código criminal de 1830 (uso do direito penal
como ultima ratio).
 Esboço de Teixeira de Freitas (Código Civil Argentino) – distinção entre
responsabilidade contratual e extracontratual, com necessária comprovação de
culpa.

1
No direito civil a conduta culposa ou dolosa não é tão relevante, frente ao prejuízo gerado.
2
Em verdade, neste ponto, o Estado não está delineado ainda.
3
Responsabilidade aquiliana: é a responsabilidade fora do âmbito contratual, quando causa-se dano ao
patrimônio de outrem.

60
Direito Civil

 CC/16: é um código liberal tardio, acompanha o Esboço de Teixeira de Freitas


na responsabilidade civil (seguindo modelo francês). Era complexo a
comprovação da culpa em casos de massa (ferrovias, indústrias, etc.)4.
 CF/88: sem mudança no contexto civil de responsabilidade (continuava o CC/
16, com responsabilidade contratual e extracontratual e com a comprovação
necessária de culpa, nexo de causalidade e dano). O descompasso entre a
legislação e a sociedade era mitigado pela jurisprudência que presumia a culpa
em alguns casos (trabalhistas, por exemplo)5.
 CDC e Microssistemas: legislações ordinárias que trazem a regulamentação da
responsabilidade civil no âmbito das relações que esses sistemas regulam. O
CDC acaba criando duas formas de responsabilidade civil, a subjetiva, geral ao
direito civil (com conduta, culpa, nexo causal e dano); e a objetiva no âmbito
do direito do consumidor (conduta/atividade, nexo causal e dano6).
 CC/02: Teoria geral da responsabilidade civil (art. 186-188); parte geral da
responsabilidade civil (art. 927 e seguintes). A regra geral continua sendo a
responsabilidade aquiliana, com exceções responsabilizadas objetivamente7.

2.2. Conceito
Responsabilidade civil é a incidência patrimonial da responsabilidade pelo
descumprimento de uma obrigação ou um dever. A responsabilidade é instigada por:
 Inadimplemento, ou no campo das relações jurídicas obrigacionais, ou no
campo de um dever (exemplo: todo empregador deve responder pelos
acidentes de trabalho) – no sentido de uma obrigação não voluntária.
 Patrimonial (salvo inadimplemento de relação de prestação de alimentos).

2.2.1. Modalidades de responsabilidade civil


Quanto à culpa Responsabilidade subjetiva Responsabilidade objetiva
– necessária a presença e a (art. 927) – não é necessário
comprovação de culpa a comprovação de culpa
Quanto à origem Responsabilidade contratual: Responsabilidade
o adimplemento depende de extracontratual: não há
vínculo contratual8 anterior. vínculo anterior.

4
Por exemplo, um trabalhador que sofresse uma amputação em decorrência de seu trabalho deveria comprovar
negligência, imperícia ou imprudência do empregador. Outras legislações surgiram para criar situações de
responsabilidade independe de prova de culpa.
5
Inversão do ônus da prova. Não é responsabilidade objetiva, pois a culpa é elemento da responsabilidade,
mas o ônus da prova é invertido.
6
Não é necessário provar a culpa, mas não há problema na culpa está presente. Pelo contrário, por vezes, a
culpa aumenta a responsabilização no âmbito da responsabilidade objetiva.
7
Alguns autores argumentam que já não se pode mais falar em regra geral e exceção, uma vez que a maior parte
das relações jurídicas judicializadas no âmbito da responsabilidade civil são de responsabilidade objetiva
(relações consumeristas).
8
Fernando Noronha argumenta que há insuficiência da classificação tradicional de responsabilidade civil,
propondo uma nova, que será estudada posteriormente.

61
Direito Civil

2.3. Fundamentos
O que leva à responsabilidade civil? O que faz com que o causador do dano seja
responsável?
 Culpa: elemento mais óbvio, presente há mais tempo nos ordenamentos (único
fundamento até o fim do século XIX).
 Risco: busca dar a vítima maior acesso à responsabilização.
 Garantia: Viu-se que somente a culpa e o risco não eram suficientes para
proteger as vítimas. Com isso passou-se a adotar também a garantia como
fundamento da responsabilidade civil.
Os fundamentos da responsabilidade civil estão intimamente relacionados com
princípios tais quais: ética; moral social; justiça.

2.3.1. Princípio da culpa


A obrigação de reparar o dano surge quando o causador age com dolo ou culpa (não
há diferenciação de dolo e culpa no ramo do direito civil). A ideia de culpa se desenvolveu na
Idade Média, atrelada ao pecado e à tradição católica. Entretanto, a culpa no direito civil tem
origem no direito romano: obrigação de prestar; “Lex aquillia de damno”; decorrente do
princípio geral do direito romano “neminem ladere” – não viole o direito alheio. Construção
acadêmica no século XIX (pandectística) – formulação da teoria da responsabilidade civil
subjetiva, advinda de culpa. Atualmente, art. 186 do CC/02.
Emergência de fatos novos (sociais) a partir do fim do século XIX – processo de
industrialização acelerado, massificação de produção de serviços e de bens, prova de culpa se
torna insuficiente para alcançar a justiça nas relações sociais desequilibradas, insuficiência da
culpa para atribuir responsabilidade.

2.3.2. Princípio do risco


Decorrente da Decreto Legislativo 2681/1912 (art. 179), presunção “juris et de jure”
de culpa (admite apenas a exclusão do nexo causal). A crise da teoria da culpa se deu pela
crise do Estado liberal e com ela a crise do dogma da autonomia da vontade (individualismo e
vontade – o industrial só era responsável pelo dano em que teve culpa/vontade; não protege o
trabalhador de profissão insalubre e periculosa – cenário de irresponsabilidade civil).
A quem atribuir responsabilidade? Foco na causa (e não na conduta e na vontade);
Risco e atividade (o risco não está relacionado com o proveito econômico).
Teoria do risco criado: toda vez que o exercício de uma atividade gera um risco, se
responde por ele.

9
O art. 1º é uma responsabilidade subjetiva com presunção de culpa.

62
Direito Civil

2.3.3. Princípio da garantia (corrente minoritária)


Boris Starck (1947) – França.

63
Direito Civil

B.3. Responsabilidade civil extracontratual subjetiva


(responsabilidade aquiliana)

3.1. Introdução
Se a responsabilidade é extracontratual, houve um contato lesivo com a vítima,
causando-lhe dano, decorrente de um dever genérico de não causar prejuízo alheio (não há
contrato anterior violado).
Pressupostos:
 Conduta culposa
 Nexo causal
 Dano

3.2. Conduta culpável


CC/16:
 Art. 159 – responsabilidade subjetiva como regra.
 Art. 1521 – culpa presumida.
 Art. 1527 a 1529 – risco.
A responsabilidade objetiva no CC/16 é um pano de fundo, somente com a norma
possibilitando isso (se a lei não trata de responsabilidade objetiva, deve-se usar a
responsabilidade subjetiva).
CC/02:
 Cavalieri: cláusula geral de responsabilidade civil subjetiva (art. 927 e art.
1861).
 Transformação da responsabilidade no Século XX: Código de Defesa do
Consumidor, CF/88 – assim, a responsabilidade objetiva alcançou patamar
mais relevante antes mesmo no novo código.
 Há regra? Não se pode retirar a discussão de culpa do ordenamento, pois em
alguns casos a discussão de culpa é essencial, enquanto em outros a
responsabilidade não deve se basear em culpa. Assim, é o caso que refletirá a
responsabilidade subjetiva ou objetiva (a análise é casuística).
 Qual o espaço da responsabilidade civil subjetiva no CC/02?

3.2.1. Conduta
Conduta é o ato humano voluntário (ação ou omissão).

1
O art. 186 é praticamente o artigo 159 do código anterior.

64
Direito Civil

Elementos: físico e psicológico. O elemento físico é a própria ação ou omissão. O


elemento psicológico é a vontade.
A responsabilidade pode ser por ato próprio (é a regra), por ato de outrem, ou pelo ato
de coisas/animais. Porém, enquanto no âmbito da responsabilidade subjetiva, apenas o ato
próprio responsabiliza.

3.2.2. Imputabilidade
O agente pode se responsabilizar sozinho pelo dano que ocasionou? A resposta
decorre da maturidade (maioridade civil2) e da sanidade do sujeito.
A responsabilização de incapaz é possível (responsabilidade subsidiária):

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por
ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios
suficientes.

Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser


eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele
dependem.

Mudança trazida pelo estatuto dos deficientes: os deficientes respondem, em regra,


como capazes (art. 927 e 186) e não subsidiariamente.

3.3. Culpa latu sensu


Culpa como pressuposto da obrigação de indenizar na responsabilidade civil
subjetiva.
O que significa? Socialmente, esperava-se que o indivíduo atuasse de maneira
diferente.
Acepções (todas no sentido de reprovabilidade da conduta):
 Culpabilidade
 Culpa latu sensu
o Dolo: intencional
o Culpa: tencional
o Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as
perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes
por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei
processual.
 Culpa strictu sensu

2
Capacidade e incapacidade civil, art. 3º, 4º e 5º do código civil.

65
Direito Civil

3.3.1. Dever de cuidado


Convívio social; critério aferir falta de cuidado: homem médio e elementos concretos
(critérios aplicados em conjunto).
Conduta: nasce lícita, mas a falta de cuidado a torna ilícita.
Violação de uma norma?
Elementos da conduta culposa:
 Conduta voluntária com resultado involuntário;
 Previsão de previsibilidade
 Falta de cautela, cuidado ou atenção
o Imprudência
o Negligência
o Imperícia

3.3.2. Culpa grave, leve e levíssima


Definições:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da


culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.

3.3.3. Outras modalidades


Culpa concorrente: não existe culpa concorrente em responsabilidade civil subjetiva.
O que existe é concausa (mais de uma causa para o dano, ver as teorias no nexo causal).
Culpa in vigilando: culpa decorrente da obrigação de vigiar (pais em relação aos
filhos pequenos).
Culpa in eligendo: culpa decorrente da eleição de uma pessoa para ser representante
(funcionários, etc.).
Culpa in custodiando: culpa decorrente da custódia de animais e coisas.
Estas últimas três hipóteses não tratam de fato de culpa, mas de responsabilidade
objetiva, tal qual disposto no artigo 933 da codificação civil. As jurisprudências, mesmo após
a entrada em vigor do código civil, ainda incorrem em discussão de culpa, mesmo nestes
casos.

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua
companhia;

66
Direito Civil

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas


mesmas condições;

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos,


no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se


albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes,
moradores e educandos;

V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a


concorrente quantia.

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda


que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros
ali referidos.

3.4. Nexo causal


Culpabilidade vs. Causalidade: a culpabilidade é um elemento subjetivo de
caracterização da imputação da culpa a alguém. O elemento de culpabilidade é analisado
anteriormente à análise da causalidade (se não há imputabilidade não se vai inquerir sobre o
nexo causal), que é a análise se a conduta é suficiente para dar origem ao resultado danoso.
Relevância: o nexo causal é o elemento de responsabilidade civil mais relevante, pois
não é lógico ser responsabilizado por um dano quando a conduta praticada não se relaciona
com o dano em questão.
Conceito: liame entre a conduta e o resultado (evento danoso).

3.4.1. Teorias
3.4.1.1. Teoria da equivalência dos antecedentes
Condição vs. Causa: condição é qualquer circunstância anterior ao evento que é
necessária (colabora) à ocorrência do evento (danoso). Já a causa é a condição eficiente e
eficaz na ocorrência do evento danoso, sendo o antecedente que de modo único contribui para
o resultado (toda causa é condição, mas é “A” condição).
A teoria da equivalência dos antecedentes não faz distinção entre condição e causa, de
maneira que se mostra uma teoria inadequada para a responsabilização civil.

3.4.1.2. Teoria da causalidade adequada


Dentre as condições que antecedem o evento danoso, há alguma (ou algumas) que de
forma mais adequada contribui ao dano. É a teoria mais utilizada na responsabilização civil.

67
Direito Civil

3.4.1.3. Teoria da causalidade imediata


Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e
danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e
imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.
A redação do artigo 403 leva à teoria da causalidade imediata, que profere que a causa
é a última condição que leva ao dano. Esta teoria não é utilizada desta forma (muito
simplista). Porém uma vertente desta teoria, a teoria da causalidade imediata eficiente, é mais
utilizada na responsabilidade civil que a teoria pura (esta vertente é muito parecida com a
causalidade adequada).

3.4.2. Excludentes do nexo causal


3.4.2.1. Culpa exclusiva da vítima

3.4.2.2. Fato de terceiro3

3.4.2.3. Caso fortuito ou força maior

3.5. Dano
O conceito de dano não se confunde com ilicitude dos atos praticados, é perfeitamente
possível que o agente aja licitamente e acabe por produzir dano em outrem.
No contexto atual, a percepção do dano com as novas tecnologias tem gerado desafios
aos operadores do direito4.

3.5.1. Linhas evolutivas


3.5.1.1. Dano como violação de direito subjetivo e a teoria da diferença
No período moderno, com forte relação religiosa, o dano estava intimamente ligado ao
ato ilícito, em que a culpa obrigava a pessoa à reparação. Com o fortalecimento do indivíduo
no Estado Liberal, bem como a valorização da propriedade enquanto bem da vida mais
importante a ser protegido, o inadimplemento do pagamento de uma dívida passou a ser
considerado dano ao patrimônio alheio. Nessa linha, a teoria da diferença sumarizava o dano
enquanto sendo a diferença entre o patrimônio anterior e o patrimônio atual do lesado. As
incoerências desta teoria, de caráter puramente patrimonial (não há dano pela perda de um
membro? Dano moral? Etc.), levou a doutrina a considerar novas vias para elaborar
teoricamente a estruturação do dano.
3
Representa, na verdade, a imputação da responsabilidade a outrem.
4
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/04/16/tecnologia/1523911354_957278.html

68
Direito Civil

3.5.1.2. Dano enquanto lesão a interesse protegido


No século XX, por influência do direito italiano, o dano passou a ser visto como lesão
a algum interesse protegido pela ordem jurídica.

3.5.1.3. Dano como violação à situação jurídica subjetiva da pessoa humana


Conforme a pessoa humana passou a ser o centro da ordem jurídica no contexto do
pós-guerras, de forma que a proteção jurídica se deslocou de aspectos patrimoniais para
abranger o centro de interesses da solidariedade e da dignidade da pessoa humana (a
dignidade se torna o centro do ordenamento, sub-rogando o indivíduo).
Assim, passou-se a prover ressarcimento amplo também quanto às relações jurídicas
da pessoa humana, não apenas nos aspectos patrimoniais.

3.5.2. Classificação de dano


a) Pela obrigação violada: o dano pode ser contratual, se advém de relação
contratual, ou extracontratual, caso contrário5.
b) Pelo resultado do dano: patrimonial ou extrapatrimonial.
c) Pela certeza do dano:
1. Emergente/certo.
2. Eventual: associado à perda de uma chance.
3. Lucro cessante: o dano causa prejuízo na medida em que a pessoa
deixa de ganhar.

3.6. Dano moral e seu arbitramento


O dano moral tem natureza compensatória, vez que o status quo não é passível de ser
retornado.

3.6.1. Legitimidade ativa


A legitimidade cabe ao ofendido, porém, há discussão quanto a limitação de parentes/
pessoas próximas quando ocorre falecimento da vítima.
 1ª corrente: não há limite desde que se comprove o vínculo emocional forte. O
alcance da justiça não pode ser limitado por simples parentesco.
 2ª corrente: deve ser estabelecido um limite, baseado no vínculo emocional6.
Em outros países (Portugal, por exemplo), a legitimidade é taxativamente trazida na
lei civil, não é o caso do Brasil. O STJ adota a segunda corrente.

5
Há, no momento, um limbo jurídico na fase pré-contratual, quanto a expectativas legítimas das partes.
6
As duas correntes não são contrárias, a segunda complementa a primeira.

69
Direito Civil

Não há litisconsórcio ativo necessário quando pedido o dano moral pelo mesmo fato
por mais de um legitimado.

3.6.2. Dano reflexo ou por ricochete


Pode ocorrer tanto no dano material como no dano moral. O dano reflexo ocorre
quando o dano ultrapassa a esfera da vítima, atingindo outras pessoas.
Contudo, o dano por ricochete não pode ser ilimitado, de forma que a
responsabilidade civil se torne muito alta. Os limites tendem a ser estabelecidos conforme as
correntes do dano moral.

3.6.3. Transmissibilidade causa mortis


Não havendo manifestação da vítima quanto ao dano moral em vida, seu direito passa
a alguém?
 Intransmissibilidade: apenas o titular pode requerer o dano moral, salvo o dano
por ricochete, em decorrência da intransmissibilidade dos direitos
personalíssimos.
 Transmissibilidade condicionada: não se transfere o direito personalíssimo,
mas a possibilidade de indenização que aumentaria o patrimônio da vítima.
Neste aspecto, só é possível a transmissibilidade se o falecido já tiver proposto
a ação por dano moral.
 Transmissibilidade incondicionada: o direito à compensação já existe quando
do dano, de forma que é esse o direito transmitido, não havendo limitação para
que o dano moral seja transmitido, desde que se consiga provar o dano mesmo
com a morte da vítima (inequívoca prova do dano moral).
A jurisprudência brasileira tem acompanho a corrente da transmissibilidade
condicionada (a intransmissibilidade está superada), com poucos casos aceitando a terceira
corrente.

3.6.4. Dano moral coletivo


É aceito há relativo pouco tempo no direito brasileiro (praticamente desde 2008).
Algumas estruturas/imagens da moral social são internalizadas pelas pessoas. Desta forma, o
dano a estas estruturas ou imagens é capaz de provocar dano moral nas pessoas (direitos
difusos e coletivos, principalmente7).

3.6.5. Punitive damages


Indenização punitiva, vez que uma função da reparação por dano moral é punir
pedagogicamente. É originário do direito inglês e do direito americano.

7
Em especial o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

70
Direito Civil

Além da indenização por dano moral, principalmente em uma relação de consumo, o


direito deve se preocupar com o estabelecimento de uma condição mínima de qualidade nas
relações de consumo. Assim, o punitive damages é um valor muito alto de indenização,
visando a melhoria dos serviços e dos produtos de consumo em massa.
No Brasil, não há regulamentação expressa ou específica sobre o punitive damages.
Porém algumas decisões judiciais já reconhecem o instituto, apesar da barreira no direito
brasileiro do enriquecimento sem causa.

3.6.6. Dano estético


O dano estético não se confunde com o padrão de beleza social. O belo toma aqui
caráter personalíssimo, conforme o dano também seja personalíssimo.
Defende-se, atualmente, que o dano estético seja independente do dano moral, porém,
a jurisprudência ainda, majoritariamente, concede dano estético como agravamento do dano
moral.
Elementos do dano estético:
 Lesão corporal que gera, permanentemente (ou por período muito longo),
sequela à pessoa.
 Perda funcional (não relacionada ao mero dano visível – externo ao corpo).
Natureza do dano: patrimonial e extrapatrimonial. Patrimonial quando o dano estético
gera também um dano material.

3.6.7. Arbitramento do dano moral


Não há no dano moral a objetividade do dano material para o estabelecimento do
quantum indenizatório.
A priori, o arbitramento é de livre convencimento do magistrado. Há critérios, porém,
apontados para o arbitramento:
 Gravidade do dano;
 Gravidade da culpa (art. 944, parágrafo único);
 Situação econômica do ofensor;
 Situação econômica da vítima8.

3.6.8. Dano por abandono afetivo


Os pais têm dever de assistência para com seus filhos, tanto material, quando moral,
quanto intelectual.

8
A tendência é de se afastar esse critério, pela noção de injustiça que ele gera.

71
Direito Civil

3.7. Considerações quanto à redução da capacidade laborativa para fins de


pensionamento
É interessante a discussão de alguns casos, sobre os quais o Poder Judiciário teve/tem
sido acionado, quanto à possibilidade de se exigir o pensionamento decorrente da
responsabilização civil quando o dano causado afeta a capacidade laborativa.

3.7.1. O dano é causado a quem recebe benefício do INSS quanto à própria redução da
capacidade laborativa9
Em um primeiro momento, a jurisprudência brasileira considerou que conceder
pensão na esfera civil a quem já, em virtude do dano causado, recebe benefício específico do
INSS seria equivalente ao enriquecimento ilícito, ou seja, conceder duas rendas em virtude do
mesmo fato.
Mais recentemente, porém, este entendimento foi superado. Assim, atualmente, o
entendimento pacífico é de que cabe sim a responsabilização civil nestes casos, vez que o
segurado do INSS só é segurado em virtude de sua contribuição, de forma que negar o
pensionamento civil por existência de benefício previdenciário seria um ônus ao segurado.

3.7.2. Revisão do pensionamento indenizatório


Há correntes divergentes quanto à possibilidade de alteração do valor da pensão em
decorrência de aumento ou diminuição do dano que afetou a capacidade laborativa. A
primeira corrente não admite a revisão. Enquanto a segunda garante esta possibilidade10.
Aplica-se a mesma lógica se a pessoa se adapta a outro trabalho, passando a auferir
renda, que possibilita a redução do valor da pensão.

9
Auxílio-acidente ou aposentadoria por invalidez.
10
É necessário, porém, que o agravamento ou abrandamento do dano já tenha se concretizado, a mera
possibilidade de melhorar ou piorar não pode ensejar revisão do valor da pensão.

72
Direito Civil

B.4. Responsabilidade civil objetiva

4.1. Introdução
O código civil de 1916 não trazia previsão geral de responsabilidade objetiva, porém,
a jurisprudência, ao longo dos anos, passou a estabelecer critério de culpa presumida em
casos de difícil comprovação da culpa (transporte e acidentes trabalhistas).
O tempo tratou de ampliar as hipóteses de culpa presumida com a massificação das
relações. Desta forma, e com a promulgação de diplomas específico (CDC), a culpa
presumida deixou de ser a exceção da responsabilidade civil, correspondendo atualmente à
maiorias das demandas judiciais de responsabilização no âmbito civil.
O código civil de 2002 tratou da responsabilidade objetiva no parágrafo único do
artigo 927, estabelecendo finalmente cláusula geral para a matéria:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,
fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,


independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade1 normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco2 para os direitos de outrem.

Também é importante ressaltar, nesta linha evolutiva, a atribuição pela Constituição


de responsabilidade civil do Estado na modalidade objetiva:
CF, art. 37, § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

4.2. Teorias do risco


O risco, enquanto fundamentação da responsabilidade civil, apareceu no direito
francês, servindo de inspiração para outros países de tradição romanística.

1
A atividade aqui é o conceito de atividade na definição de empresário no direito empresarial (art. 966). É
necessário continuidade e habitualidade no exercício da atividade.
2
Faz-se aqui necessário dividir os casos fortuitos em interno e externo: o caso fortuito interno está diretamente
relacionado com a exercício da atividade (infecção contraída em um hospital, por exemplo), nestes casos, por
mais que se tenha tomado todas as providências cabíveis de cuidado com relação a este risco, a
responsabilização acontecerá sem culpa; por sua vez o fortuito externo é o fortuito que não está relacionado à
prática normal da atividade, é, portanto, excludente do nexo causal, a menos que se comprove que o responsável
faltou com seu dever de cuidado. Neste último caso, tem-se aproximação com a responsabilidade objetiva.

73
Direito Civil

4.2.1. Teoria do risco integral


No Brasil, o risco integral se aplica fundamentalmente. quanto aos danos ao meio
ambiente (natural, artificial ou do trabalho). Nestes casos, na eventualidade de não se
determinar o verdadeiro causador do dano, mas se determinando que o dano advém de
determinada atividade3, todos os exploradores desta atividade responderão solidariamente
pelo dano. Outra hipótese de risco integral está no direito das obrigações, quanto ao devedor
em mora, que responde mesmo em casos fortuitos.

4.2.3. Teoria do risco administrativo


Corresponde à responsabilidade civil do Estado, que a rigor é matéria do direito
administrativo.
A pessoa jurídica de direito público ou a pessoa jurídica de direito privado que prestar
serviço público estará sujeita à responsabilização objetiva pelo dano causado por conduta
ativa. A omissão do poder público é responsabilizada subjetivamente no Brasil.

4.2.4. Teoria do risco proveito


A teoria do risco proveito se baseia em uma suposta compensação ao proveito
econômico que algumas atividades têm, sendo balanceado pela responsabilidade objetiva.
É a teoria adotada pelo CDC, embora a teoria seja falha no que diz respeito ao uso do
termo proveito. O termo leva à falsa impressão de que o fornecedor que comprovar prejuízo
financeiro estaria dispensado da responsabilidade objetiva, em virtude da ausência de lucro
(proveito). Tal situação não corresponde à realidade, e a responsabilidade objetiva é utilizada
para exploradores da atividade econômica independentemente de lucro ou prejuízo em sua
atuação.
Há, porém, relativização em jurisprudência do STJ, que não aplica o CDC em planos
de saúde fechados (associações que não possuem finalidade lucrativa). Parece haver relação
entre essa jurisprudência e o risco proveito.

4.2.5. Teoria do risco criado


É a teoria do risco adotada pelo código civil de 2002.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,
fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de


culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem.
3
Há quem, na teoria do risco integral, defenda a responsabilização mesmo sem analisar o nexo causa. No Brasil,
entretanto, essa via extrema não é aceita. Portanto, não será responsabilizada, por exemplo, em caso de dano
natural por contaminação de mercúrio, a mineradora de determinada área que não explorar o garimpo de ouro
(atualmente, o garimpo de ouro não utiliza mais este método – ao menos não deveria – mas foi o exemplo dado
em sala).

74
Direito Civil

A teoria do risco supõe falha no dever de segurança na atividade desenvolvida para


que seja concretizado o nexo causal. Essa exigência não se confunde com análise de culpa.

4.3. Responsabilidade pelo fato de outrem


Há situações em que a lei determina a responsabilidade de alguém pelos fatos de
outrem, independentemente de culpa, sendo irrelevante nesta discussão a cautela de quem a
lei prevê como responsável.

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua
companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas


mesmas condições;

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos,


no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se


albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes,
moradores e educandos;

V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a


concorrente quantia.

Neste ponto, é relevante a controvérsia quanto a responsabilidade civil dos pais poder
variar de acordo com o modelo de guarda. Cabe dizer que o poder familiar não se confunde
com a guarda. O poder familiar se aplica aos pais independente da guarda, que representa a
responsabilidade pela rotina da criança/adolescente.

4.4. Responsabilidade sobre fato de coisas


O conceito de coisas deste tópico abrange tanto objetos quanto animais. Nos objetos,
são comuns os imóveis e os automóveis enquanto coisas que geram responsabilidade
objetiva. Assim, o proprietário do imóvel ou do automóvel responde objetivamente pelos
danos provocados por quem aluga ou pega emprestado os objetos.
O locatário ou quem pega emprestado responde na modalidade aquiliana.
Há, nesses casos, possibilidade de excluir o nexo causal no caso de roubo ou furto do
automóvel.
Também por seus animais, os proprietários respondem objetivamente.

75
Direito Civil

C. Contratos
C.1. Introdução aos contratos

1.1. Definição
O que é? Relação jurídica consensual, no mínimo, bilateral. A vontade das partes fixa
tanto o acordo quando as consequências do acordo. Todo contrato é negócio jurídico, um
contrato compreende um conjunto de obrigações. Não tem como origem o direito romano
(Orlando Gomes). Histórico:
 Canonistas: consenso e fé jurada (rito contratual semelhante ao casamento).
 Escola do direito natural: razão, individualismo e livre consenso. Direito
natural à livre manifestação de vontade.

1.2. Histórico contratual


“O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença.” Através das
palavras de Érico Veríssimo, é possível captar o humor das
influências recíprocas entre a Constituição e o direito privado. Com o
advento do Estado Liberal, a convivência foi marcada pela total
indiferença.
A começar pela edificação quase simultânea de um
constitucionalismo liberal e do Código Civil Francês de 1804,
alastrou-se pela Europa e, posteriormente pelo Brasil, a epidemia da
clivagem entre Estado e sociedade. A dicotomia público-privado se
insere em um contexto em que a Constituição era a ordem jurídica
fundamental do Estado, enquanto o Código Civil traduzia a ordem
jurídica fundamental da sociedade. Indivíduos formalmente iguais
perante a lei buscavam a satisfação de seus interesses sem a
interferência do poder público. O Estado era o inimigo a ser
combatido, pois a classe social emergente desejava um espaço de
autonomia para desenvolver suas atividades econômicas, infensas a
controles externos.1

Profundas mudanças ao longo do tempo:


 Primeiro ponto evolutivo: codificações oitocentistas (em especial França e
Alemanha). Dicotomia público e privado, universos diversos, não intervenção
nas relações privadas. Neste contexto o Código Civil funciona como
Constituição de direito privado. Abstração normativa, ou seja, ausência de
cláusulas gerais no Código. “Luzes da liberdade do indivíduo e do contrato”
Igualdade formal e não intervenção estatal (temor de volta ao absolutismo)
1
FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil, v.4: Contratos – Teoria Geral e
Contratos em espécie. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 5.

76
Direito Civil

como legados da Revolução Francesa. Pouca intervenção estatal. Autonomia


privada.
o Reflexos (busca pela superação das desigualdades acentuadas pela não
intervenção):
 Limite à soberania da vontade individual
 Restrições à liberdade contratual
 Ampliação do conceito de ordem pública
 Regimes excepcionais de tutela
o Fatores de superação:
 Desequilíbrio
 Intervenção do Estado
 Relação jurídica e relações sociais
 Se

77
Direito Civil

D. Do direito das coisas

D.1. Noções iniciais

1.1. Introdução
O direito das coisas, dentro da sistemática do direito civil brasileiro cuida da
propriedade, enquanto aspecto fundamental das relações privadas.
A propriedade é a grande causa das maiores guerras e crimes realizados ao longo dos
tempos. Além disso, as grandes revoluções políticas do Século XX tiveram como tema
principal a propriedade (Revolução Russa, Revolução Chinesa, etc.). Estas Revoluções
tiveram por objetivo a extinção da propriedade privada, objeto principal do direito das coisas.
A propriedade se desdobra em vários outros aspectos, sendo o eixo principal do
direito das coisas, mas não o único.

1.2. Sistematização
O direito das coisas é parte do direito civil, e, portanto, do direito privado. O direito
privado moderno é decorrente do direito romano, que se desenvolve através da racionalidade
humana1, enquanto o direito público se desenvolve a partir da vontade do Estado.
Portanto, há uma lógica fundamentalmente diferente entre o direito público e o direito
privado.
O direito privado diz respeito à autonomia da vontade, regulando as relações privadas.

1.3. Divisão
O direito privado se divide em direito empresarial e direito civil.
O direito civil, por sua vez, se divide em outros ramos, como o direito das coisas e o
direito obrigacional. O direito obrigacional se caracteriza por ter eficácia interpartes, sejam
elas obrigações lícitas ou ilícitas. Já no direito das coisas, o vínculo é com o próprio bem, de
forma que a eficácia se estende a todos, ou seja, há eficácia/oponibilidade erga omnes do
direito das coisas.
Para que a oponibilidade seja respeitada, é necessário que exista publicidade dos
direitos reais, pois somente assim se poderá cobrar que todos respeitem o direito à
propriedade.
Assim, um contrato de compra e venda de imóvel não transfere a propriedade do
imóvel, pois o contrato é um direito obrigacional com eficácia somente entre as partes. O
direito à propriedade só será pleno com o registro da escritura no Cartório de Registro de
Imóveis competente, dando publicidade e eficácia erga omnes ao direito real adquirido.
1
Por exemplo, quando se estende a proteção matrimonial aos casais homoafetivos.

78
Direito Civil

Há ainda no direito civil o direito de família, que se caracteriza por uma relação
jurídica formada pelo vínculo afetivo.
Por fim, o direito das sucessões, que ocorre a partir de uma ficção jurídica,
transferindo ao espólio alguns direitos decorrentes do fim da personalidade de uma pessoa.

1.3.1. Diferenças e características


Direito das coisas Direitos obrigacionais

Eficácia Erga omnes Interpartes

Sujeito passivo Todos Devedor

Ação Contra quem esbulha, turba e/ Devedor


ou ameaça a propriedade

Limite Numerus clausus (somente os Numerus apertus (há


direitos expressos na autonomia para estabelecer
legislação) contrato atípico)

Modo de gozar do direito / Direto É necessário um


Exercício do direito intermediário, por ser
exigível apenas um
comportamento

Abandono Possível de ser abandonado Não é possível abandonar o


direito, embora o direito
possa deixar de ser exercido
(o que pode ocasionar a
prescrição)

Usucapião Só existe no direito das coisas Não existe

Posse Só existe no direito das coisas Não existe

Sequela Submissão do bem ao direito Não ocorre


real (aderência do direito real
ao bem) – ver tópico abaixo

Sub-rogação Pode ocorrer2 Pode ocorrer

2
Sub-rogação real: o pai doa ao filho um apartamento mas grava o imóvel com inalienabilidade. O filho,
entretanto, resolve se mudar para outra cidade, e pleiteia judicialmente a venda do imóvel doado, para que o
valor seja utilizado na compra de novo imóvel na outra localidade. É possível o pleito, mas o novo imóvel
também virá gravado de inalienabilidade no valor correspondente ao do imóvel doado.

79
Direito Civil

1.4. Divisão dos direitos das coisas


• Propriedade (bens materiais e imateriais)
◦ Direitos reais sobre coisas alheias: por exemplo, os bens dados em garantia
de cumprimento de uma obrigação (penhor3, para os bens móveis;
hipoteca; alienação fiduciária; anticrese). Da mesma forma os direitos de
uso e gozo, como o usufruto, enfiteuse, servidão, superfície, uso e
habitação, e o direito de laje. Ainda os direitos de aquisição (promessa
irretratável e irrevogável de compra e venda e a alienação fiduciária).
• Posse

1.5. Institutos similares


Há direitos que se parecem com direitos reais, mas não o são, vejamos alguns.

1.5.1. Ônus reais


Um bem dado em garantia é um bem sobre o qual cai o ônus do comportamento do
proprietário, ou seja, ônus real é uma construção judicial com limitações de fruição da
propriedade que garantem uma dívida ou uma obrigação.
Também constituem ônus real: CC, arts. 1.487, 1.417; CPC, art. 828 c/c art. 247 da
Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos).
Sobre bens imóveis é obrigatório o registro do ônus real, sobre bens móveis, é
possível o registro ou a posse direta do bem garantidor.

1.5.2. Obrigação com eficácia real4


A obrigação com eficácia real é a obrigação que se caracteriza por eficácia erga
omnes, sem perder o seu caráter de prestação, é o que ocorre, por exemplo, quando o contrato
é celebrado com cláusula de vigência, ou seja, uma cláusula que impede a denunciação do
contrato antes do período por ele estipulado, estendendo, inclusive, os efeitos do contrato
contra todos (eficácia erga omnes).
Para que isto seja possível, porém, é necessário dar publicidade ao contrato, através de
registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Exemplos: cláusula de vigência de contrato de locação (art. 8º, Lei 8.245/1991); art.
167, II, alínea 16 da LRP (Lei 6.015/1973); Compromisso de compra e venda registrado
(direito real de aquisição).

1.5.3. Direito de retenção e de preferência


Ambos são direitos personalíssimos, que não podem ser transferidos a terceiros.
3
O penhor é um direito real, a penhora é uma constrição judicial afetando um ou mais bens do patrimônio do
devedor para a satisfação do crédito do credor.
4
Não configura direito real.

80
Direito Civil

O direito de retenção é a posse legitimada de um bem que, nos expressos casos legais,
permitem que uma obrigação recaia sobre o bem garantidor. Arts. 319, 1.219 e 1.433, II.
O direito de preferência (CC, art. 513 a 520; arts. 27 a 34, em especial o 33 da lei de
locações c/c art. 167,II, 16 da LRP; art. 1.322; art. 504, art. 1.794 também do CC), é o direito,
legalmente previsto, a determinadas pessoas de, tanto por tanto, ter para si a coisa alienada.
Ambos estes direitos são obrigações, mesmo que recaiam sobre o bem.

1.5.4. Ônus jurídico


Ônus é o encargo, de forma que ônus jurídico é o encargo previsto em norma, que
obriga alguém a um comportamento para ter ou aperfeiçoar determinado direito. Registrar a
escritura de compra e venda, por exemplo, é um ônus jurídico, outros exemplos constam dos
arts. 1.437 (extinção do penhor pelo registro); 1.245 (registro do título para aquisição da
propriedade); 1.492 (registro de hipoteca obrigatório).

1.5.5. Dever jurídico


Ao contrário do ônus, o dever é algo que, se não cumprido, resulta em uma sanção.
Exemplo: o dever geral de não causar dano a ninguém. É um comando imposto pelo direito
objetivo para que se observe determinada conduta, sob pena de determinada sanção.
Ex: dever de abstenção (art. 1.228); dever de respeitar a posse alheia (art. 1.210)

1.5.6. Sujeição
Sujeição é a possibilidade de ter sua esfera jurídica alterada por outra pessoa, através
de manifestação potestativa.
Ex: art. 682 (direito do mandatário de renunciar do mandato, ou do mandante de
revogar o mandato); art. 8º da lei de locação (poder de denunciar o contrato de locação); CF,
art. 226, §6º (divórcio).

1.5.7. Obrigação propter rem


É a obrigação por conta da coisa, ou seja, é uma obrigação que recaí sobre o titular da
posse ou sobre o titular do direito de propriedade, independente de quem seja.
São obrigações sui generis, pois transmitem-se de um sujeito passivo a outro, por
força das circunstâncias previamente descritas em lei.
Exemplos: IPTU, IPVA, taxas condominiais, art. 1.336 e 1.337 c/c art. 3º da Lei
8.009/1990).
Não é um direito real.

81
Direito Civil

1.6. Patrimônio
Patrimônio é o conjunto de ônus e direitos apreciáveis economicamente (em dinheiro),
encarado como uma universalidade de direitos, excluídos os direitos políticos, sociais e da
personalidade. Assim, o patrimônio é mais do que a mera somatória dos bens, por isso se diz
que o patrimônio é universalizado, pois o somatório dos bens, considerados em seu
conjunto, vale mais que a mera soma algébrica de seus valores.
Capitis diminutio: quando era possível a responsabilização do corpo pela obrigação,
era possível a diminuição da pessoa a escrava. A partir de certo momento (lex papiria), o
patrimônio passou a responder pelas obrigações, e não mais o corpo do devedor.
Em uma provável evolução do direito, poderá se tornar possível a negociação jurídica
entre dois patrimônios, sem o envolvimento dos sujeitos (negociação entre duas fundações de
direito privado).
Atualmente tem-se a figura do patrimônio de afetação, em que um patrimônio é
separado da pessoa jurídica de forma a ser destinado à consecução de uma finalidade
específica (exemplo: a construção de um prédio), uma vez cumprida a finalidade, o que restar
do patrimônio será revertido para a pessoa jurídica (art. 31-A da Lei 4.591/1964; art. 11, II,
III, VI, art. 13, II e art. 15, I da Lei 9.514/1997).

1.7. Bem e coisa


A diferenciação entre bem e coisa não é incontroversa no direito. A posição do
professor é diferente da de uma grande parcela dos doutrinadores. O CC/16 adotava o modelo
alemão, copiado do BGB. Entretanto, ao docente parece que o CC/02 trouxe um conceito
mais abrangente de coisas do que de bens, ou seja, há coisas que não são bens. É o caso, por
exemplo das coisas abandonadas, ou sem proprietário, por exemplo, um animal silvestre.
Esta é a adoção do sistema francês de diferenciação de bem e coisa. Nesta linha, o
conceito de coisa não exclui os bens imateriais, como a informação.
A partir desta adoção, se conseguiria adotar uma proteção maior a estes bens, que na
linha alemã não são coisas, através de institutos como o interdito proibitório (a despeito de
Súmula 228 do STJ que impede esta ação para defesa de direito autoral).

1.8. Direitos reais x direito das coisas


A expressão direitos reais não é equivalente à expressão direito das coisas. O direito
das coisas compreende os direitos reais, a posse e os direitos de vizinhança5.
O direito das coisas dispõe sobre as relações jurídicas possíveis entre um sujeito de
direito (indivíduo) e um bem da vida. É controversa a alegação de que um bem imaterial seja
regulado pelo direito das coisas em uma relação jurídica patrimonial. Isto é, alguns autores
defendem que somente bens materiais podem ser objeto da relação jurídica de direito real,
enquanto outros alegam que também os bens imateriais o poderiam ser. Apesar disto, é

5
Ibidem.

82
Direito Civil

notório que o direito das coisas se desenvolveu para regular as relações jurídicas que versem
sobre os bens materiais, corpóreos, em especial os bens imóveis.
Os direitos reais estão elencados, principalmente, no artigo 1.2256 do CC.

1.8. Características
1.8.1. Absolutismo7
Os direitos reais podem ser classificados como poderes jurídicos, uma vez que o
titular de um direito real possui verdadeira dominação sobre o bem, oponível erga omnes8, de
sujeição universal.
Não se deve confundir, contudo, a oponibilidade erga omnes dos direitos reais com a
sacralidade do direito à propriedade, vez que em os direitos fundamentais não são absolutos,
mas plurais e sujeitos à ponderação. Assim, o exercício da propriedade é limitada, por
exemplo, por sua função social.

6
Art. 1.225. São direitos reais:

I - a propriedade;

II - a superfície;

III - as servidões;

IV - o usufruto;

V - o uso;

VI - a habitação;

VII - o direito do promitente comprador do imóvel;

VIII - o penhor;

IX - a hipoteca;

X - a anticrese.

XI - a concessão de uso especial para fins de moradia;                         (Incluído pela Lei nº 11.481,
de 2007)

XII - a concessão de direito real de uso; e                      (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

XIII - a laje.                        (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

7
FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil; v.5, op , cit. p. 10-14.
8
Os direitos reais se diferem dos direitos obrigacionais pois estes são oponíveis apenas à outra parte da relação
jurídica (são relativos), enquanto os direitos reais são oponíveis a toda a sociedade (oponibilidade erga omnes).
Além disso, nos direitos reais há um direito sobre a coisa (jus in re), enquanto nos direitos obrigacionais há um
direito do credor a uma coisa (jus ad rem).

83
Direito Civil

1.8.1.1. Relação jurídica personalista x relação jurídica realista


A teoria personalista afirma que apenas as pessoas podem figurar em um polo da
relação jurídica9. Desta forma, a relação jurídica de direito real será formada pelo titular do
direito (sujeito ativo), e por toda a coletividade (sujeito passivo), enquanto o bem é o objeto
da relação.
Por sua vez, a teoria realista estabelece uma relação direta entre o titular (sujeito
ativo) e a coisa (sujeito passivo). Tal teoria é vista como filosoficamente inferior, pois o
direito existe para as pessoas, não sendo aceitável que uma coisa seja sujeito em uma relação
jurídica.

1.8.1.2. Jus in re x jus ad rem


As relações de direito real são caracterizadas por um poder do titular em relação ao
bem, é um direito efetivamente sobre a coisa (jus in re), enquanto os direitos obrigacionais se
caracterizam pela possibilidade de exigir do devedor o cumprimento da prestação
obrigacional, um direito a uma coisa (jus ad rem).
As obrigações são transitórias e efêmeras, findas com a satisfação do crédito,
enquanto os direitos reais tendem a ser mais duráveis e estáveis.

1.8.1.3. Relativização da dicotomia entre direitos reais e direitos obrigacionais


Diz-se que está relativizada a dicotomia entre os direitos reais e os direitos
obrigacionais uma vez que já não se trata mais a obrigação como um direito puramente
relativo, oponível apenas ao devedor.
A função social e econômica, bem como o interesse público tendem a ampliar a
oponibilidade dos direitos obrigacionais, conferindo maior unidade entre os direitos
subjetivos patrimoniais, sejam reais ou obrigacionais.

1.8.1.4. Absolutismo e princípio da publicidade


Em corolário ao caráter absoluto dos direitos reais surge a necessidade de publicidade
da publicidade, por instituição registral, de forma a tornar a coletividade capaz de estar ciente
da titularidade do direito, resguardando a boa-fé. Mesmo quando a propriedade é adquirida
por outra via que não a transação imobiliária (sucessão, acessão, usucapião, etc.), é apenas
com o registro que se tem a aquisição.

9
Immanuel Kant.

84
Direito Civil

1.8.2. Sequela10
O direito real é inerente ao objeto, aderindo imediatamente a ele. Com a sujeição da
coisa ao titular do direito. Em decorrência do caráter absoluto do direito real, seu titular o
pode perseguir mesmo contra terceiros, em razão de sua oponibilidade erga omnes.
A sequela demonstra a submissão do bem em favor do titular do direito real,
independente de quem esteja na posse do bem.
Pelo princípio da sequela, o titular de direito real não necessita de ação pauliana ou
revocatória para recuperar a coisa em poder de terceiros. Qualquer transação posterior é
ineficaz perante o direito de sequela, devido à aderência instantânea do direito real à coisa,
vinculando-a ao titular.
Exemplo (direito obrigacional): A é devedor insolvente, B e C são credores. A se
obriga a entregar em 20 dias um veículo a B, mas o faz em favor de C que recebe o veículo.
Havendo os elementos subjetivo e objetivo para a ação pauliana em fraude contra credores, B
poderá pleitear o adimplemento da obrigação em tal ação. Se C agir em boa-fé, o veículo não
será dado a B, que poderá pleitear apenas a restituição financeira11.
Exemplo (direito real): A é devedor insolvente, B e C são credores. B promove a
oneração do imóvel de A em hipoteca (direito real) de titularidade de B. A entrega do imóvel
a não evitará o direito de B sobre o imóvel, sem necessidade de comprovar o elemento
subjetivo da fraude.

1.8.3. Preferência12
O credor que tiver garantia em direito real terá preferência sobre os credores
quirografários em relação ao bem gravado em direito real.
Trata-se de uma decorrência da sequela.

1.8.3.1. Relatividade da preferência


A preferência do direito real não é, entretanto, absoluta. Há uma série de casos em que
a lei estabelece créditos que preferem ao direito real, por exemplo:

CTN, Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o
tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do
acidente de trabalho.            (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)

 Parágrafo único. Na falência:               (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

I – o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de


restituição, nos termos da lei     falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor
do bem gravado;              (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
10
FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil; v.5, op, cit. p. 14-15.
11
Exceto em caso de fraude à execução:
CPC, art. 792, § 1o A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao
exequente.
12
FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil; v.5, op , cit. p. 16-17.

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Direito Civil
II – a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da
legislação do trabalho; e               (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

III – a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados.             (Incluído pela Lcp nº 118,
de 2005)

CLT, art. 449, § 1º - Na falência constituirão créditos privilegiados a totalidade


dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver
direito.                    (Redação dada pela Lei nº 6.449, de 14.10.1977)

1.8.4. Taxatividade13
Os direitos reais se limitam aos direitos previstos em lei como tais, seja pelo rol do
artigo 1.225 do CC seja na legislação extravagante, como a alienação fiduciária de imóveis
(Lei 9.514/1997).
A autonomia da pessoa não é suficiente para a criação de direito real oponível a toda a
sociedade sem a previsão legal.

1.9. Comparação entre os direitos reais e os direitos obrigacionais14

13
Idem, p. 17-18.
14
Idem, p. 22.

86
Direito Civil

D.2. A posse

2.1. Esboço
A posse é uma circunstância fática juridicamente protegida.

2.2. Natureza jurídica


A posse é um fato, um direito, um fato e um direito, tal qual a união estável. O caráter
jurídico da posse decorre de que o ordenamento jurídico confere ao possuidor ações
específicas, com o que se defender contra quem quer que o ameace, perturbe ou esbulhe.
Com isso, tem-se uma inflexão de uma pessoa sobre um bem.
A posse pode ser oposta, quando justa, inclusive contra o proprietário do bem.
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e
o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Então, percebe-se que o possuidor é aquele que tem o exercício de um dos poderes da
propriedade, ou seja, usar, gozar, dispor ou reaver a coisa.
Exemplo: Ao contrair uma dívida, o devedor penhora um relógio. O credor, uma vez
inadimplida a obrigação, tem o poder de excutir a coisa, isto, é, publicamente leiloar o bem.
Assim, o possuidor direto (credor) possui o direito, com o inadimplemento, de dispor da
coisa, poder inerente à propriedade.

2.2.A. Evolução histórica


A posse é um instituto do direito romano.
A posse, no direito romano, era vinculada à propriedade. O proprietário, por sua vez,
só era proprietário se capaz de defender a posse, o que se fazia pela força (corpus + animus).
A propriedade, portanto, era um instituto muito peculiar, aplicável somente aos patrícios.
Com o tempo, o direito romano cresceu tanto que passaram às compilações, que
resultaram no Corpus Juris Civilis (Justiniano). Passado muito tempo, Carlos Magno, para
unir os povos conquistados, recorre aos estudiosos de Bolonha para unir o direito civil, com
base no direito romano.
Posteriormente, os pandectistas fizeram o “usus modernus pandectarum”, unificando
o direito alemão e consolidando a Alemanha enquanto país.
Savigny, debruçando-se sobre a posse, escreve o Tratado da Posse, corpus é então a
inflexão física sobre o bem. E o animus é o animus domini, ou seja, a vontade/percepção de

87
Direito Civil

que se é dono da coisa. Com isso, a caracterização da posse ficou em um caráter subjetivo, ou
seja, no animus domini. Surgiu, assim, a teoria subjetivista.

2.3. Teorias
2.3.1. Subjetivista
Savigny – posse = inflexão física sobre o corpo + animus domini.
O corpus, elemento material é a faculdade real e imediata de dispor fisicamente da
coisa, e de defendê-la das agressões de quem quer que seja. É o poder físico da pessoa sobre a
coisa.
O animus, por sua vez, elemento interior ou psíquico, é a intenção de ter a coisa como
sua (animus domini).

2.3.2. Objetivista
Jhering – mantém a inflexão física como aspecto objetivo, mas põe como elemento
subjetivo a affectio tenendi, ou seja, o comportamento em relação à coisa como se dono fosse.
A posse, portanto, é a exteriorização do domínio (demonstrar ser dono), o que só é
possível através da ótica de um observador.
É a teoria adotada em regra, pelo artigo 1.196 do CC.
Existe, entretanto, no direito pátrio, a posse de estado, a qual adota a posse segundo a
teoria de Savigny.
Corpus é a relação exterior que há, normalmente, entre o proprietário e a coisa, ou a
aparência da propriedade e a coisa. O elemento material é a conduta externa da pessoa. E se
apresenta de uma relação semelhante ao procedimento normal do proprietário.
Animus, não se situa na intenção de dominus, mas, tão somente, na vontade de
proceder como procede habitualmente o proprietário, independente de querer ser dono
(affectio tenendi).
Posse, portanto, é a visibilidade do domínio.

2.3.3. Eclética
Saleilles, doutrinador francês, pensou o direito de propriedade e o direito de posse
traçando elementos que atualmente resultam na função social da propriedade. Ou seja, a
posse só era possível através da função econômica do bem. Assim, não basta a exteriorização,
é necessário dar uma destinação econômica para o bem, o que varia conforme o tempo e o
espaço (a destinação econômica da França em 1900, não é a mesma do Brasil de hoje1).
Através da destinação econômica, o possuidor passa a poder contar com o aparato do
Estado para defender a posse.
1
Exemplo: destinar uma propriedade ambiental a reserva legal. Hoje é uma destinação correta, não o era em
1900.

88
Direito Civil

2.4. Posse de Estado


Na posse de estado o animus é essencial para a configuração da posse, portanto, tem-
se a adoção da teoria de Savigny. As verdades, externas e internas, nesse caso, devem ser
coincidentes.
Ex: posse de estado de paternidade (socioafetiva); posse de casados; posse de
companheiros em união estável.

2.5. Detenção
O detentor é aquele que exerce atividade sobre o bem seguindo o comando do
possuidor. Portanto, o detentor é o possuidor na visão de Saleilles, ou seja, é quem dá função
econômica para o bem, externalizando a terceiro a posse/propriedade.

Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de


dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento
de ordens ou instruções suas.

Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve


este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que
prove o contrário.

Terminado o vínculo de conservação da posse, o detentor pode se tornar possuidor,


desde que prove não ser mais mero detentor (parágrafo único transcrito acima).
Exemplo: X é proprietário e possuidor de uma fazenda no Mato Grosso, mesmo
domiciliado em Viçosa. Y exerce a posse em nome de X (Y é detentor), recebendo ordens e
instruções, auferindo salário, repassando lucros, etc. Em determinado momento, X para de se
comportar como possuidor, isto é, para de instruir e dar ordens a Y, para de recolher os lucros
e para de cumprir com as obrigações trabalhistas. Y continua a exercer a posse da fazenda,
mas sem a figura de X, ou seja, Y passou a ser o possuidor, e não mero detentor da fazenda.

2.6. Domínio e condomínio/ posse e composse


Da mesma forma que mais de uma pessoa (física ou jurídica) pode ser proprietária de
um bem, formando condomínio, mais uma pessoa pode exercer a posse de um bem, situação
de composse.
É o que acontece com o casal que mora junto no mesmo apartamento, exteriorizando
o domínio do bem.
Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma
exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros
compossuidores.

89
Direito Civil

2.7. Fundamentos
Os pensadores do direito começaram a se perguntar sobre a fundamentação da tutela
da posse, uma vez já existente a tutela da propriedade.
Percebe-se que o direito da propriedade independe da utilização econômica do bem,
enquanto a posse protegida depende justamente do uso constante do bem (pro labore ou pro
moradia).

2.7.1. Fundamentos da posse


Assim, uma das concepções possíveis é de que o direito protege a posse, pois é o
possuidor que efetivamente dá destinação econômica à coisa, pois simplesmente para ter a
posse é necessário dar destinação econômica à coisa.

2.7.2. Fundamentos da tutela da posse


Além disso, é necessário perceber que possuidor e proprietário nem sempre são a
mesma pessoa, e que a posse deriva de um vínculo (contrato, por exemplo) ou de uma
aquisição originária.
Desse modo, conceberam-se teorias sobre a tutela da posse:
• Teoria absoluta:
◦ Bruns: a posse, por si só, enseja a tutela, pois o possuidor deve ter mais direitos
que o não possuidor.
◦ Roder: a posse é tutelada para manutenção do status quo, para que o possuidor
seja mantido na posse.
◦ Savigny: a posse é tutelada para se evitar a violência, ou seja, impedir que as
pessoas briguem pela posse.
• Teoria relativa (Gans): a posse é um domínio incipiente, assim, sua tutela deve se dar
como tal.
A teoria de Gans, entretanto, não diz respeito a todas as posses.
Há posses em que o possuidor detém as 4 faculdades típicas da propriedade (usar,
gozar, dispor e reaver), ou seja, uma posse qualificada, denominada ius possessionis, capaz
de ensejar usucapião (posse ad usucapionem).
Entretanto, há posses, decorrentes de vínculos (contratos), que não ensejam as 4
faculdades típicas da propriedade, e não enseja a aquisição por usucapião. Esta posse,
denominada ius possidendi, pode se tornar ius possessionis.
A teoria de Gans, entretanto, não considera a ius possidendi, mas esta também é
tutelada pelo ordenamento.

90
Direito Civil

Para o docente, a posse, enquanto situação jurídica 2, permite que o possuidor seja
mantido na posse, privilegiando a circunstância mais provável (de que o possuidor tenha a
melhor posse), evitando o duplo erro do judiciário, ou seja, evitando que o judiciário seja
obrigado a restituir a posse de quem o próprio judiciário retirou a posse.

2.8. Classificação
2.8.1. Justa e injusta
É justa a posse não injusta.
É injusta a posse violenta (ato de força), clandestina (ocultada) ou precária. A posse
precária é uma posse inicialmente justa, fundada em direito obrigacional (com obrigação de
restituir), mas que se torna injusta na medida em que a outra parte obrigacional adimple a
obrigação e o possuidor direto mantém o bem precariamente (não adimple a restituição).
É necessário o cumprimento da obrigação pelo devedor, em virtude da exceção do
contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus3)
Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.
Cabe purgação da posse violenta e da posse clandestina, isto é, são posses injustas que
podem se tornar justas, por serem vícios relativos.

2.8.2. Direta e indireta


Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,
temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de
quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o
indireto.
A posse direta é a posse verdadeiramente dita, é a posse de quem tem a coisa em seu
poder, o possuidor indireto (normalmente proprietário) é aquele que não tendo a coisa em seu
poder, pode exercer os direitos inerentes à posse em face de terceiros.
O possuidor direto pode defender sua posse diante, inclusive, do proprietário.

2.8.3. Boa-fé e má-fé

Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que


impede a aquisição da coisa.

Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé,
salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta
presunção.

2
A noção de situação jurídica ficará mais clara futuramente.
3
Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o
implemento da do outro.

91
Direito Civil

A boa-fé é caracterizada por ignorância do possuidor quanto ao vício que impeça a


aquisição da coisa.

2.8.4. Justo título


Presume-se a boa-fé do possuidor com justo título (parágrafo único do art. 1.201).
O conceito de justo título, entretanto, varia no tempo. À doutrina antiga, justo título
era somente o título translatício (destinado à alteração da propriedade) que por defeito não
podia ser registrado. Trata-se de uma interpretação inerentemente restritiva, adotada para
evitar usucapião.
Atualmente, a configuração de justo título depende da subjetividade do indivíduo.
Justo título é o documento que o possuidor, enquanto pessoa concreta, acredita ser capaz de
transferir-lhe a posse ou a propriedade do bem.

2.8.5. Nova e velha


É nova a posse iniciada até um ano e dia, e velha a posse iniciada a tempo maior que
ano e dia. A diferenciação já não possui relevância apurada no direito civil, mas continua
importante no direito processual civil4.

2.8.6. Ad interdicta e ad usucapionem


A posse ad interdicta é a posse demonstrada com fins de utilizar os interditos
possessórios, enquanto a posse ad usucapionem é a posse qualificada (elementos essenciais +
o decurso do prazo legal), para que o direito de propriedade se constitua. A posse ad
usucapionem varia conforme as circunstâncias.

Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os


mesmos caracteres.

Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao


sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.

Há a possibilidade de que o possuidor una sua posse a de outrem, sucessor 5 ou não, de


forma a conseguir usucapir o bem (acessio possessionis).
A acessio possessionis é facultada ao sucessor singular.

4
Conferir: o possuidor só pode intentar interditos possessórios contra um possuidor de posse nova, ao possuidor
de posse velha é necessário o percurso do procedimento comum?
5
Há sucessão ab intestado (sem testamento) e sucessão ad intestado (com testamento). No primeiro tipo, haverá
herdeiros universais (sucessores que dividem todos os bens), enquanto no segundo haverá, provavelmente, tanto
legatários (sucessores singulares, que herdam um bem em específico), quanto herdeiros (universais).

92
Direito Civil

2.9. Aquisição da posse


A aquisição da posse pode ser originária ou derivada. Será originária se a posse se der
de coisa que nunca foi possuída por ninguém (res nulius), ou se a posse se originar de coisa
abandonada.
Derivada é a posse de coisa que está em posse de outrem. O possuidor, mesmo que
não proprietário, pode transferir a posse a outrem. Para bens imóveis, a transferência se dá
normalmente por cessão (há inclusive a possibilidade do novo possuidor utilizar a posse
alheia para fins de usucapião – acessio possessionis).
Todas as posses podem ser adquiridas por transferência pelo próprio possuidor, por
representante ou por gestor de negócios. No último caso, ou no caso do representante
extrapolar o mandato (ato ultra vires), a transmissão fica sujeita a ratificação.

Art. 1.205. A posse pode ser adquirida:

I - pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante;

II - por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação.

2.9.1. Traditio (tradição)


Já para os bens móveis, a transferência da posse se dá por tradição, ou seja, só ocorre
transferência da posse com a transferência do bem.
Contudo, a tradição também é forma de aquisição da propriedade de bens móveis.
Desta forma, a um terceiro é difícil identificar se a tradição do bem móvel representou apenas
a transferência da posse ou também a transferência da propriedade.
Em se tratando de negócio jurídico gratuito, a interpretação correta é de ocorreu
apenas a transferência da posse, vez que os negócios benéficos se interpretam estritamente6.
Nem sempre a tradição se dá com a entrega real da coisa, há tradição fictícia, e
tradição decorrente da lei.
Exemplo de tradição ficta: A, necessitando de dinheiro, empenha (penhor) um anel
junto a B. Neste ponto, A (devedor pignoratício) é proprietário e possuidor indireto do bem, e
B (credor pignoratício) é possuidor direto do bem. Se vendo na incapacidade de promover o
pagamento, ou seja, adimplir a obrigação original, A sabe que a lei veda o pacto comissório
para o penhor (que B simplesmente assuma a propriedade do bem7), e sabe que será mais
prejudicado pela necessidade de excutir o bem, pois o leilão gerará custos que serão

6
Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.

7
Art. 1.428. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou
hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.

Parágrafo único. Após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento


da dívida.

93
Direito Civil

suportados por A. Desta forma, A pode buscar uma transação com B, em que promoverá o
adimplemento da obrigação por outro meio, suponhamos, a compra por B do anel por valor
intermediário entre o que sobra do valor do bem diminuído pelo valor do empréstimo. Dessa
forma, a transação resultará na transferência da propriedade e da posse indireta do bem para
B, que já tem a posse direta. Não acontece, portanto, tradição no sentido tradicional, tratando-
se de tradição ficta. Esta tradição ficta é denominada brevi manu (mão curta), pois a posse
direta já estar com o credor pignoratício.
Outro exemplo de tradição ficta ocorre no constituto possessório (ou cláusula
constituti). O constituto possessório ocorre quando o proprietário e morador de um bem
imóvel (ex: apartamento), aliena o bem a terceiro, mas o aluga ao mesmo tempo. Assim, o
proprietário (A) transfere a propriedade e a posse indireta ao comprador (B), mas permanece
com a posse direta do bem, de forma que um terceiro desavisado não tem noção de que houve
mudança na situação jurídica do bem. Percebe-se que neste caso também não há tradição,
apenas ficta.
Há ainda a tradição longa manu (braço longo), que também é ficta, ocorrendo pela
demonstração dos limites de um imóvel a ter a posse transferida. Por exemplo, imagine a
transferência da posse de uma fazenda, ocorrerá quando o possuidor demonstrar os limites da
fazenda para quem adquire a posse.

2.9.2. Ope legis


É a transferência que se opera por força de lei, por exemplo, no artigo 1.784 do CC:

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros
legítimos e testamentários.

Trata-se de uma ficção jurídica necessária, em virtude da extinção da personalidade


pela morte, faz-se necessária a transmissão dos direitos mesmo antes de saber se existem e
quem são os herdeiros (saisine juris).
Também são exemplos de transmissão da posse por força da lei o tesouro direto e as
ações.

2.10. Perda da posse


Ocorre perda da posse pela aquisição de outra pessoa (não composse), pela destruição
da coisa (consumo ou perda da utilidade), pela perda da coisa 8, pelo abandono (res
derelictia), ou pela coisa colocada fora de comércio (doação de sangue).

8
A coisa perdida não é necessariamente despossuída. A perda da posse se dará somente se a destinação
econômica e as diligências em reaver a coisa permitirem auferir que o antigo possuidor não mantém viva a
relação jurídica da posse.

94
Direito Civil

2.11. Posse de direitos


Embora seja difícil a exteriorização da posse de direitos, esta é possível, embora não
seja possível usucapião de direito.
(Neste ponto ele falou sobre venire contra factum proprio9, mas eu não consegui
identificar se existe uma lógica em falar isso aqui ou se foi aleatório).

2.12. Efeitos da posse


2.12.1. Efeitos gerais
Sendo a posse uma exteriorização do domínio, o primeiro efeito da posse é uma
presunção relativa (juris tantum) de propriedade.
Um segundo efeito geral diz respeito aos frutos, seguindo-se a literalidade do código
civil:
Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos
percebidos.

Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser
restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser
também restituídos os frutos colhidos com antecipação.

Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo


que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia.

Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e


percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o
momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e
custeio.

Outro efeito geral da posse diz respeito ao desforço incontinente10, que diz respeito à
possibilidade de utilizar a força para manter ou reaver a posse:

Art. 1.210, § 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se


por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço,
não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
Também é efeito geral da posse o direito de retenção pelas benfeitorias:

9
Criar uma expectativa de comportamento legítima face a atuação reiterada, acabando por conferir o direito à
outra parte de ter o comportamento repetido.
10
Na opinião do docente, foi o que ocorreu no Estado de São Paulo durante as ocupações estudantis de escolas
públicas. A partir de certo momento, o Estado passou a utilizar sua própria força (polícia) para fazer cessar
“imediatamente” as manifestações invasoras, fazendo uso do desforço incontinente. Na opinião do docente, esta
possibilidade jurídica é plenamente válida. O docente não entrou no mérito, porém, da atuação do Estado não
ser guiada em linhas gerais pelo direito administrativo, e não pelo direito civil, os quais, como o próprio afirma,
têm lógicas diferentes. Não examinou se a autoexecutoriedade do ato se dá diante de impossibilidade e risco no
aguardo de decisão judicial, ou se a autoexecutoriedade deste ato se refere a uma posição de império do Poder
Público, incompatível com a noção de cidadania, voltando a tratar o povo enquanto súditos.

95
Direito Civil

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias


necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a
levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de
retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.
Além destes, há um efeito muito específico da posse, que é a invocação de interditos
possessórios.

2.12.2. Interditos possessórios


Interditos é o nome dado pelo pretor romano para designar a medida defensiva com
que se paralisava a penetração de terceiro na esfera do possuidor.
São três as espécies de interditos:
• Interdito voltado à manutenção da posse (ação da manutenção de posse), voltado a
defender a posse contra sua turbação.
• Interdito voltado à restituição da posse (ação de reintegração de posse), voltado a
defender a posse esbulhada. É cabível quando da posse precária.
• Interdito voltado a assegurar a posse (ação de interdito proibitório), voltado a
defender a posse ameaçada. Normalmente os interditos proibitórios resultam na
determinação de astreintes, caso a ameaça a posse se concretize.
Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação,
restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de
ser molestado.
Os três interditos, embora diversos, podem se converter nos outros, uma vez que mude
a situação fática (fungibilidade dos interditos), em face da eficácia processual11.
A propriedade não obsta o interdito, uma vez que este é uma defesa da posse, não
examinando, em regra, a propriedade (exceptio proprietatis):
Art. 1.210 § 2o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de
propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.
Assim, o interdito busca determinar qual a melhor posse sobre a coisa:
Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,
temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de
quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o
indireto.
A propriedade pode ser examinada no interdito se a propriedade for utilizada como
fundamento da posse (querela proprietatis), súmula STF 487 (trata-se na verdade, de ação
reivindicatória):
Súmula 487

11
CPC, Art. 554.  A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do
pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.

96
Direito Civil
Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada.

As ações possessórias possuem dois possíveis ritos, na posse nova (força possessória
nova), segue-se um procedimento específico (especial12), enquanto na posse velha (força
possessória velha), segue-se o rito ordinário.
O que mais interessa no rito especial dos interditos de posse nova é o seguinte
dispositivo do CPC:
Art. 562.  Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem
ouvir o réu13, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração,
caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se
o réu para comparecer à audiência que for designada.
Daí a necessidade de instruir bem a petição, de forma a convencer imediatamente o
magistrado, da presença de verossimilhança nas alegações do autor. Desta verossimilhança o
juiz poderá sempre antecipar total ou parcialmente a tutela possessória (inclusive na posse
velha, conforme art. 300 do CPC).
No procedimento comum, os processos de reintegração de posse são bem mais lentos.
O procedimento especial é mais objetivo, rápido, ágil e direto.
As ações possessórias têm caráter dúplice, isto é, uma ação possessória ajuizada
contra posse justa do requerido, nasce no requerimento uma ameaça/turbação à posse justa do
requerido (melhor posse), que tem a possibilidade de alegar esta ameaça em sua contestação:
CPC, Art. 556.  É lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido
em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos
resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor.

12
CPC, Art. 558.  Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse
as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta dentro de ano e
dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial.

Parágrafo único.  Passado o prazo referido no caput, será comum o procedimento,


não perdendo, contudo, o caráter possessório.
13
Inaudita altera pars.

97
Direito Civil

D.3. Propriedade

A propriedade é o direito real mais completo, correspondendo a ter, de forma


exclusiva, as quatro faculdades inerentes a si (usar, gozar, dispor e reaver).
Na usucapião, o proprietário é o possuidor indireto, enquanto existe um possuidor
direto, que conforme o decurso do tempo, adquirirá a propriedade através da prescrição
aquisitiva1.
Em um panorama, a propriedade não é um instituto único, variando no tempo e no
espaço. A propriedade no código civil francês é dita jus abutendi, ou seja, corresponde a um
direito mais amplo sobre a coisa, inclusive de abusar da propriedade.
No Brasil, o CC/162 refletiu a propriedade agrária dominante no país, em que a terra
era vista como reserva de valor (enquanto a moeda é uma ficção monetária).
Com a CF/45 vem pela primeira vez a ideia de função social da propriedade imóvel 3.
A propriedade, então, continua protegida, mas desde que o proprietário destine o bem a um
fim social, ou seja, a proteção da sociedade (Estado) deve vir acompanhada de um retorno à
própria sociedade.
Assim, começa a aparecer para o proprietário uma série de obrigações, como a
proteção do meio ambiente, a proteção dos animais contra maus tratos, etc.
Com isto, tem-se um impacto forte no direito civil, mudando a fundamentação de um
ramo do direito fundado em relações pessoa a pessoa (relação mecanicista 4 da estrutura
credor devedor), para mais relações relativas5 e fundadas na complexidade humana6.
Com esta mudança de paradigma, tem-se o fracionamento do sistema civil em
microssistemas (o direito processual civil, o estatuto da criança e do adolescente, o CDC,
etc.), atendendo às complexidades das relações humanas. Conforme amplia-se a
complexidade, aumenta-se também a importância dos princípios, que não se destinam a um
direito em si, mas a legitimidade do interesse protegido pelo direito.
O proprietário então, é um polo no qual recaem inúmeros deveres sem existir um
credor, no sentido da relação jurídica tradicional. A situação jurídica vem acomodar a
situação do proprietário em relação a estes deveres, trazendo o instituto da propriedade ao
século XX.

1
A prescrição, em geral, é extintiva. Na usucapião, a prescrição é aquisitiva para quem adquire a propriedade e
extintiva para o antigo proprietário.
2
Um código voltado ao proprietário rural, ao testador e ao pai de família.
3
Funcionalização dos bens imóveis.
4
Comparação entre a ação e reação de Newton e a relação personalista de Savigny. É desta lógica que decorre as
codificações no direito.
5
Na física, a relatividade de Albert Einstein.
6
A psicanálise de Sigmund Freud.

98
Direito Civil

A situação jurídica é todo dever que cabe ao proprietário, inclusive as relações


jurídicas obrigacionais. Nesta situação, há sujeições, há direitos potestativos, há as
obrigações, mas há também deveres sem o respectivo credor.
Percebe-se que cada vez mais as pessoas estão sujeitas a estas situações, em
decorrência de sua propriedade.
Os direitos reais são todos os direitos pertinentes à possibilidade de utilização, no todo
ou em parte, das faculdades (de uma delas, pelo menos) inerentes à propriedade.

3.1. Fragmentação ou elasticidade


Conforme a gradação das faculdades inerentes à propriedade, tem-se um direito real
ou outro. Fragmentação ou elasticidade é a característica dos direitos reais de serem definidos
pela gradação em que se valem das faculdades inerentes à propriedade (que é o direito real
por excelência).
Exemplo: A habitação é um direito real sobre o uso de pequena escala, enquanto a
enfiteuse7 é um direito real sobre o uso de grande escala (o direito de usar mais do que existe
na habitação, intensidades diferentes de uso do bem).
Jus in re propria x jus in re aliena: o direito real pode ser sobre o bem próprio
(propriedade é o direito real por excelência) ou sobre bem alheio.
A posse é exercida independente da propriedade, podendo ser exercida sobre bem
próprio ou sobre bem alheio. A posse é, portanto, sui generis8.

3.2. Teorias sobre a propriedade


As teorias sobre a propriedade são equivalentes às teorias sobre a posse:
• Teoria realista: o proprietário tem uma inflexão sobre a coisa (“relação” entre a
pessoa e a coisa).
• Teoria personalista: não se pode ter relação com uma coisa, as relações jurídicas se
dão entre pessoas. Assim, os direitos reais seriam obrigações com sujeito passivo
universal (obrigação de não turbar a propriedade alheia, obrigação negativa).
Portanto, é uma teoria que se esquece do objeto.
• Teoria eclética: identifica duas facetas do direito real, uma interna que corresponde à
inflexão do proprietário sobre o bem e uma faceta externa que corresponde à
obrigação de abster-se da turbação da propriedade alheia. Esta divisão é puramente
didática, mas o direito é um só (propriedade).

7
A enfiteuse é, atualmente, prevista na Constituição (art. 49 do ADCT), só sendo possível para a propriedade
pública (há ainda os contratos realizados no âmbito do código de 1916 que continuam valendo).
8
Daí alguns autores afirmarem que o direito das coisas é compreende os direitos reais e a posse. O docente,
porém, segue a linha do direito português, considerando a posse um direito real.

99
Direito Civil

3.3. Características
As características da propriedade são as características típicas dos direitos reais, como
a tipicidade (ser prevista em lei, pois os direitos reais são numerus clausus); publicidade; e a
especialidade (a propriedade recaí sobre coisa determinada9).

3.4. Classificação dos direitos reais


Ver item 1.4.
Além disso, em que pese os direitos reais serem numerus clausus, os negócios
jurídicos vão criando novas formas de propriedade (sem criar direitos reais, pelo requisito da
tipicidade).
Entre elas existe a multipropriedade (regulamentada em 2018 no código civil – arts.
1.358-B a N), consistindo em uma estrutura de condomínio geral, em que o condômino não é
dono de um bem, mas de uma fração ideal de um bem, que não dá direito à coisa, mas direito
ao uso e gozo da coisa por certo tempo.
O instituto da multipropriedade tem sido muito utilizado em hotéis, em que as
empresas compram frações ideias para que seus funcionários utilizem quartos de hotel (sem o
pagamento de diária).
Outro instituto importante na propriedade consiste na criação dos fundos imobiliários.
Os fundos imobiliários funcionam por ações, dividindo cotas, para fins de permitir que
prédios caros e grandes sejam construídos (exemplo: shopping higienópolis em São Paulo).

3.5. Terminologia
Domínio e propriedade são sinônimos, porém, no direito domínio é mais utilizado
para bens corpóreos.
Jus possidendi: o direito de possuir. Faculdade da pessoa de pujar ser titular de uma
situação jurídica de exercer a posse sobre determinada coisa. Ex: locatário, usufrutuário,
comodatário.
Jus possessionis:é o direito originário da situação jurídica da posse e independe da
preexistência de uma relação. Ex: quem encontra e utiliza uma coisa; quem cultiva terra
abandonada. É a jus possessionis é a que dá direito a usucapião.

3.6. Da função social


A função social da propriedade está positivada nos parágrafos do artigo 1.228:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o
direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

9
A propriedade não pode se dar sobre coisa determinável. A quantidade pode ser determinável, mas a coisa deve
ser determinada.

100
Direito Civil

§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas


finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada
a poluição do ar e das águas.

§ 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou


utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

§ 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por
necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição,
em caso de perigo público iminente.

§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado


consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco
anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em
conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse
social e econômico relevante.

O §1º consagra a visão de Saleilles sobre a função social. Enquanto o parágrafo


segundo trata dos atos defesos ao proprietário.

3.7. Descoberta/invenção
A descoberta (anteriormente chamada de invenção), corresponde a encontrar bem sem
saber a quem pertence, podendo-se, das circunstâncias, inferir que o bem foi perdido10.
O dever do descobridor é tentar localizar o proprietário desapossado (ao menos da
posse direta).
Art. 1.233. Quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono ou
legítimo possuidor.

Parágrafo único. Não o conhecendo, o descobridor fará por encontrá-lo, e, se não o


encontrar, entregará a coisa achada à autoridade competente.

Art. 1.234. Aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo antecedente,
terá direito a uma recompensa não inferior a cinco por cento do seu valor, e à
indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da
coisa, se o dono não preferir abandoná-la.

Parágrafo único. Na determinação do montante da recompensa, considerar-se-á o


esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono, ou o legítimo
possuidor, as possibilidades que teria este de encontrar a coisa e a situação
econômica de ambos.

A autoridade competente (p.u. do artigo 1.233) é normalmente o delegado.

10
Há outras circunstâncias em que se pode deduzir o abandono do bem.

101
Direito Civil

A recompensa em valor não inferior a 5% do valor do bem de que trata o artigo 1.234
é denominada achádego.
Art. 1.235. O descobridor responde pelos prejuízos causados ao proprietário ou
possuidor legítimo, quando tiver procedido com dolo.

Art. 1.236. A autoridade competente dará conhecimento da descoberta através da


imprensa e outros meios de informação, somente expedindo editais se o seu valor
os comportar.

Art. 1.237. Decorridos sessenta dias da divulgação da notícia pela imprensa, ou


do edital, não se apresentando quem comprove a propriedade sobre a coisa, será
esta vendida em hasta pública e, deduzidas do preço as despesas, mais a
recompensa do descobridor, pertencerá o remanescente ao Município em cuja
circunscrição se deparou o objeto perdido.

Parágrafo único. Sendo de diminuto valor, poderá o Município abandonar a


coisa em favor de quem a achou.

Decorre dos artigos transcritos que a descoberta não é, em regra, forma de aquisição
da propriedade. Apenas excepcionalmente, no caso do parágrafo único do artigo 1.237.

3.8. Aquisição da propriedade imóvel


Existem formas originárias e derivadas de aquisição da propriedade imóvel. Neste
momento, nos interessa as formas de aquisição originária, ou seja, a usucapião11 e a acessão.
As formas de aquisição derivada, por sua vez, decorrem da faculdade de dispor que o
proprietário tem do bem. Segundo o art. 1.24512, esta se dá com o registro do título translativo
da propriedade no CRI.

11
Embora a usucapião seja, tradicionalmente uma forma de aquisição originária da propriedade, alguns
doutrinadores já têm considerado a usucapião uma forma derivada de aquisição, considerando-a uma prescrição
aquisitiva. Esta mudança de paradigma se destina a evitar algumas fraudes, como se verá adiante.

12
Art. 1.235. O descobridor responde pelos prejuízos causados ao proprietário ou
possuidor legítimo, quando tiver procedido com dolo.

Art. 1.236. A autoridade competente dará conhecimento da descoberta através da


imprensa e outros meios de informação, somente expedindo editais se o seu valor
os comportar.

Art. 1.237. Decorridos sessenta dias da divulgação da notícia pela imprensa, ou do


edital, não se apresentando quem comprove a propriedade sobre a coisa, será esta
vendida em hasta pública e, deduzidas do preço as despesas, mais a recompensa
do descobridor, pertencerá o remanescente ao Município em cuja circunscrição se
deparou o objeto perdido.

Parágrafo único. Sendo de diminuto valor, poderá o Município abandonar a coisa


em favor de quem a achou.

102
Direito Civil

Lembrando, sempre, do princípio do saisine juris, que constitui exceção a esta regra.

3.8.1. Usucapião
A usucapião é a forma originária (ou derivada, dependendo da corrente adotada) de
aquisição da propriedade imóvel a partir de uma posse qualificada de uma situação jurídica
legalmente determinada. Ela atribui definitividade e certeza jurídica pela utilização do bem
protraída do tempo.
A usucapião decorre da posse, com a destinação econômica contínua do bem, pelo
tempo necessário (ictus tempus) para adquirir a propriedade do bem.
Com a usucapião, o antigo proprietário perde a posse ad interdicta do bem,
consolidando a propriedade do possuidor ad usucapione.

3.8.1.1. Efeitos
Primeiramente, por óbvio, a usucapião resulta na aquisição do bem imóvel
(consolidação da propriedade).
Um segundo efeito importantíssimo é a denominada usucapio libertatis, que consiste
na extinção de todos os direitos reais existentes sobre o bem quando da usucapião.
A usucapio libertatis é decorrência direta da usucapião ser considerada forma
originária de aquisição da propriedade. Um problema relacionado a este efeito é que este
instituto do direito é muito utilizado para fraudes. Ou seja, utiliza-se a usucapião como forma
de prejudicar direito alheio13.
Para Penteado, considerar a usucapião uma forma derivada de aquisição da
propriedade, decorrente da prescrição aquisitiva é uma forma de mitigar os efeitos da
usucapio libertatis, evitando fraudes.

3.8.1.2. Tipos (casos)


3.8.1.2.1. Usucapião extraordinária
A usucapião extraordinária é o caso que necessita de maior tempo para a aquisição da
propriedade por usucapião (15 anos), independendo de fatores subjetivos (boa-fé ou justo
título).
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir
como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-
fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de
título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

13
Exemplo: há, nas proximidades do trevo de Amparo do Serra, indo para Ponte Nova, uma fazenda
originariamente muito maior que a atual. Um litígio se arrastou por anos versando sobre a propriedade, e
enquanto isso, a usucapião foi utilizada para diminuir a propriedade, lesando o vencedor da lide, em virtude da
usucapio libertatis.

103
Direito Civil

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o


possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado
obras ou serviços de caráter produtivo.

3.8.1.2.2. Usucapião ordinária


Reduz-se o tempo da usucapião extraordinária para 10 anos, se o possuidor tiver
situações subjetivas favoráveis (boa-fé e justo título):
Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e
incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel
houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo
cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem
estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e
econômico.

3.8.1.2.3. Usucapião constitucional urbana


A Constituição trouxe uma usucapião com tempo reduzido, obedecidos critérios
específicos:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados,
por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou
rural.  (Regulamento)

§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a


ambos, independentemente do estado civil.

§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

O código civil repetiu o texto constitucional:


Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta
metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a
para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à


mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2o O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo


possuidor mais de uma vez.

104
Direito Civil

3.8.1.2.4. Usucapião constitucional rural


Na mesma linha do casso anterior, mas para imóveis rurais:
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco
anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares,
tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a
propriedade.

Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Neste caso, não há limitação que a pessoa só seja beneficiada uma única vez pela
usucapião, como ocorre na usucapião constitucional urbana.
O CC também repetiu o texto constitucional neste caso:
Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua
como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural
não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua
família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

3.8.1.2.5. Usucapião conjugal


Em regra, entre herdeiros a usucapião só é obtida pela via extraordinária (15 anos).
Contudo, foi estabelecida uma exceção em caso de abandono do lar (usucapião conjugal):
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem
oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m²
(duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge
ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua
família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural.                          (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

§ 1o  O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor


mais de uma vez. 

§ 2o  (VETADO).                 (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

Embora o legislador tenha tido boas intenções com a criação desta regra, a exigência
de posse direta do imóvel para obter a usucapião em 2 anos se mostra um distanciamento do
legislador com a realidade. Na maioria dos casos, o abandono conjugal é praticado pelo
homem que sustenta a família, obrigando o cônjuge abandonado a se mudar, normalmente
com os filhos, para junto de um parente, para fins de subsistência. Assim, a posse direta como
requisito acaba tornando difícil a ocorrência de usucapião conjugal para quem mais precisa.
Diante deste distanciamento do legislador com a realidade, a interpretação dada à lei
acabou sendo diversa da literalidade, de forma a permitir a efetivação do direito pretendido:
CJF, V Jornada de Direito Civil - Enunciado 502

O conceito de posse direta referido no art. 1.240-A do Código Civil não coincide com a acepção
empregada no art. 1.197 do mesmo Código.

105
Direito Civil

Outro ponto importante a se notar é que o abandono não é o mesmo que a mera
ausência, ou se mudar mas continuar contribuindo com pensão para a família.

3.8.1.2.6. Usucapião coletiva


O Estatuto das Cidades trouxe um novo tipo de usucapião:
Lei 10.257, Art. 10.  Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e
cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros
quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os
possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.                  (Redação dada pela
lei nº 13.465, de 2017)

§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à
de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

§ 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a
qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.

§ 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente
da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos,
estabelecendo frações ideais diferenciadas.

§ 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo
deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de
urbanização posterior à constituição do condomínio.

§ 5o As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de
votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.

3.8.1.3. Requisitos
São requisitos da usucapião (em qualquer tipo):
1. A posse: mansa, pacífica, ininterrupta, contínua14, inconteste (seja judicialmente ou
extrajudicialmente), affectio tenendi (com atitude de dono), com exteriorização do
domínio (exteriorização pública, sem violência e se clandestinidade) e utilização
econômica. A intenção do possuidor é irrelevante neste aspecto.
2. Res habilis: a coisa possuída deve ser capaz de sofrer usucapião. Em geral, todas as
coisas são usucapíveis, mas há exceções15:
1. Bens públicos16 (CF, art. 183, §3º e art. 191, parágrafo único; CC, art. 102).

14
Sem interrupção ou suspensão da exteriorização do domínio. Ou seja, sem lapso de tempo sem exteriorização
do domínio. A descontinuidade faz o prazo temporal voltar a correr do zero. A detenção por terceiro não é causa
de descontinuidade.
15
Dentre as exceções não consta: bens de família, usufruto, enfiteuse, servidão, ou outros direitos reais, que são
todos usucapíveis.
16
Entretanto, é comum que os magistrados concedam a usucapião de bens públicos.

106
Direito Civil

2. Bens fora do comércio (por exemplo, obras de arte de interesse nacional).


3. Bens tornados indisponíveis por força judicial 17 (Lei de Registros Públicos, art.
247).
Observação: terras devolutas – as terras devolutas correspondem às terras sem
registro, que passaram a pertencer à União. Desta forma, levando em conta ser
bem público, em tese as terras devolutas não deveriam sofrer usucapião. Mas não
cumprindo sua função social (terra sem uso), ao direito civil parece que as terras
devolutas sejam capazes de sofrer usucapião. O registro das terrar devolutas é
feito por ação discriminatória de terras públicas, o que é normalmente feito pelos
Municípios (a União passa as terras aos Estados-membros, e estes firmam acordo
com os municípios). A partir da regularização, os Municípios distribuem títulos,
permitindo o registro da propriedade, o que, por sua vez, aumenta o acesso ao
crédito (pois o imóvel passa a ser garantia para os empréstimos), permitindo o
desenvolvimento econômico da região, portanto, fazendo com que o imóvel
cumpra sua função social.
3. Ictus tempus: corresponde ao decurso de tempo necessário à aquisição da propriedade
por usucapião, ou seja, para a prescrição aquisitiva, considerados os outros requisitos.
Como visto, depende do tipo de usucapião aplicável. São pontos importantes:
1. Acessio temporis: a possibilidade do possuidor, para totalizar o tempo necessário a
usucapião, unir o tempo de sua posse ao tempo de posse de seu antecessor (art.
1.243; lembrar também dos artigos 1.206 e 1.207, que se referem aos sucessores).
2. Causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição 18 também afetam, da
mesma forma, a usucapião (art. 1.24419).
Observação: justo título, ver item 2.8.4.

3.8.1.4. Exceptio ad usucapione


Como visto no estudo da posse, a alegação de propriedade, em regra, não é defesa em
ação possessória (exceto no caso da Súmula 487 do STF).
Em regra, o registro em cartório é constitutivo do direito de propriedade (art. 1.245),
ocorre que na usucapião, o ictus tempus é que constitui a propriedade, observados os outros
requisitos. Assim, a sentença que reconhece a usucapião é meramente declaratória 20. É o que
se percebe da letra da lei:
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição,
possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de

17
Tem por objetivo impedir o uso do instituto de usucapião para fraudar a indisponibilidade de bens.
18
Caso não saiba a diferença entre interrupção e suspensão da prescrição, estudar direito civil II.
19
Art. 1.244. Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das
causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se
aplicam à usucapião.
20
Não há imposto de transmissão da propriedade por usucapião, por ser, majoritariamente aceito, como
aquisição originária.

107
Direito Civil

título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual
servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Trata-se de uma transmissão da propriedade ope legis, parecida com o que acontece
com a saisine juris.
A exceptio ad usucapione consiste justamente na possibilidade do proprietário (em
decorrência de usucapião), alegar a propriedade como forma de defesa na ação possessória
contra si. Cabe, neste caso, a alegação de propriedade tanto em ação possessória quanto em
ação reivindicatória. Súmula do STF abaixo:
Súmula 237

O usucapião pode ser argüido em defesa.

3.8.2. Acessão
A acessão é forma originária de aquisição da propriedade pela qual fica pertencendo
ao proprietário “tudo” que se une ou se incorpora a seu bem.
A acessão pode ser natural ou industrial. A acessão natural ocorre sem a ação humana,
enquanto a industrial presume o esforço humano para acrescentar ao bem.
Há quatro formas de acessão natural, enquanto a acessão industrial se dá por plantação
ou construção:
Art. 1.248. A acessão pode dar-se:

I - por formação de ilhas;

II - por aluvião;

III - por avulsão;

IV - por abandono de álveo;

V - por plantações ou construções.

1. Formação de ilha: a propriedade de ilha formada se distribui da seguinte forma:


Art. 1.249. As ilhas que se formarem em correntes comuns ou particulares
pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros, observadas as regras
seguintes:

I - as que se formarem no meio do rio consideram-se acréscimos sobrevindos


aos terrenos ribeirinhos fronteiros de ambas as margens, na proporção de suas
testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais;

II - as que se formarem entre a referida linha e uma das margens


consideram-se acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado;

108
Direito Civil

III - as que se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio


continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais se
constituíram.

2. Aluvião
Art. 1.250. Os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por
depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo
desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem
indenização.

Parágrafo único. O terreno aluvial, que se formar em frente de prédios de


proprietários diferentes, dividir-se-á entre eles, na proporção da testada de cada um
sobre a antiga margem.

3. Avulsão
Art. 1.251. Quando, por força natural violenta, uma porção de terra se
destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a
propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem
indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado.

Parágrafo único. Recusando-se ao pagamento de indenização, o dono do


prédio a que se juntou a porção de terra deverá aquiescer a que se remova a parte
acrescida.

4. Abandono de álveo (mesma regra da ilha):


Art. 1.252. O álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários
ribeirinhos das duas margens, sem que tenham indenização os donos dos
terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os
prédios marginais se estendem até o meio do álveo.
Por sua vez, a acessão industrial ocorre pela imobilização de bens pelo labor humano
(construção, plantação, frutos pendentes, etc.). O proprietário do bem é presumido como
dono das coisas a ele acrescentadas, contudo, esta é uma presunção juris tantum, vez que o
trabalho sobre o bem é mais valorizado que o domínio puramente dito, principalmente
quando ocorre de boa-fé.
Art. 1.253. Toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se feita
pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário.

Art. 1.254. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno próprio com sementes,
plantas ou materiais alheios, adquire a propriedade destes; mas fica obrigado a
pagar-lhes o valor, além de responder por perdas e danos, se agiu de má-fé.

Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em
proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-
fé, terá direito a indenização.

109
Direito Civil

Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor


do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do
solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver
acordo.

Art. 1.256. Se de ambas as partes houve má-fé, adquirirá o proprietário as


sementes, plantas e construções, devendo ressarcir o valor das acessões.

Parágrafo único. Presume-se má-fé no proprietário, quando o trabalho de


construção, ou lavoura, se fez em sua presença e sem impugnação sua.

Art. 1.257. O disposto no artigo antecedente aplica-se ao caso de não pertencerem


as sementes, plantas ou materiais a quem de boa-fé os empregou em solo alheio.

Parágrafo único. O proprietário das sementes, plantas ou materiais poderá cobrar


do proprietário do solo a indenização devida, quando não puder havê-la do
plantador ou construtor.

Art. 1.258. Se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo alheio
em proporção não superior à vigésima parte deste, adquire o construtor de boa-fé a
propriedade da parte do solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa
parte, e responde por indenização que represente, também, o valor da área perdida
e a desvalorização da área remanescente.

Parágrafo único. Pagando em décuplo as perdas e danos previstos neste artigo, o


construtor de má-fé adquire a propriedade da parte do solo que invadiu, se em
proporção à vigésima parte deste e o valor da construção exceder
consideravelmente o dessa parte e não se puder demolir a porção invasora sem
grave prejuízo para a construção.

Art. 1.259. Se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo alheio exceder a


vigésima parte deste, adquire a propriedade da parte do solo invadido, e responde
por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à construção, mais
o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente; se de má-fé, é
obrigado a demolir o que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados, que
serão devidos em dobro.

A última prova da OAB trouxe uma questão interessante deste tema:

2019 XXVIII Exame 37 Eduarda comprou um terreno não edificado,


em um loteamento distante do centro, por R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
Como não tinha a intenção de construir de imediato, ela visitava o local
esporadicamente. Em uma dessas ocasiões, Eduarda verificou que Laura, sem
qualquer autorização, havia construído uma mansão com 10 quartos, sauna,
piscina, cozinha gourmet etc., no seu terreno, em valor estimado em R$
2.000.000,00 (dois milhões de reais). Laura, ao ser notificada por Eduarda,
antes de qualquer prazo de usucapião, verificou a documentação e percebeu
que cometera um erro: construíra sua mansão no lote “A” da quadra “B”,

110
Direito Civil

quando seu terreno, na verdade, é o lote “B” da quadra “A”. Diante do


exposto, assinale a afirmativa correta. 

A) Eduarda tem o direito de exigir judicialmente a demolição da mansão


construída por Laura, independentemente de qualquer indenização. 

B) Laura, apesar de ser possuidora de má-fé, tem direito de ser indenizada


pelas benfeitorias necessárias realizadas no imóvel de Eduarda. 

C) Laura, como é possuidora de boa-fé, adquire o terreno de Eduarda e a


indeniza, uma vez que construiu uma mansão em imóvel inicialmente não
edificado. 

D) Eduarda, apesar de ser possuidora de boa-fé, adquire o imóvel construído


por Laura, tendo em vista a incidência do princípio pelo qual a superfície
adere ao solo.

Através do parágrafo único do artigo 1.255, percebe-se que a resposta correta é a letra
C.

3.9. Aquisição de propriedade móvel


A regra é que a aquisição da propriedade móvel se dê pela tradição (art. 1.267), sendo
a regra a transmissão da propriedade (aquisição derivada).
Há, contudo, exceções, entre elas a ocupação que é forma de aquisição originária da
propriedade móvel:
Art. 1.263. Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a
propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.
Além disto, há regras específicas para o achado de tesouro:
Art. 1.264. O depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja
memória, será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o
tesouro casualmente.

Art. 1.265. O tesouro pertencerá por inteiro ao proprietário do prédio, se for achado
por ele, ou em pesquisa que ordenou, ou por terceiro não autorizado.

111
Direito Civil

Art. 1.266. Achando-se em terreno aforado 2122, o tesouro será dividido por igual entre
o descobridor e o enfiteuta 23, ou será deste por inteiro quando ele mesmo seja o
descobridor.

3.9.1. Especificação
A especificação consiste na criação de nova espécie de coisa, através do trabalho em
matéria-prima alheia. Mais uma vez, a regra é que o trabalho seja mais valioso na
determinação da propriedade do que a propriedade da matéria-prima.
Art. 1.269. Aquele que, trabalhando em matéria-prima em parte alheia, obtiver
espécie nova, desta será proprietário, se não se puder restituir à forma anterior.

Art. 1.270. Se toda a matéria for alheia, e não se puder reduzir à forma precedente,
será do especificador de boa-fé a espécie nova.

§ 1o Sendo praticável a redução, ou quando impraticável, se a espécie nova se


obteve de má-fé, pertencerá ao dono da matéria-prima.

§ 2o Em qualquer caso, inclusive o da pintura em relação à tela, da escultura,


escritura e outro qualquer trabalho gráfico em relação à matéria-prima, a espécie
nova será do especificador, se o seu valor exceder consideravelmente o da matéria-
prima24.

Art. 1.271. Aos prejudicados, nas hipóteses dos arts. 1.269 e 1.270, se ressarcirá o
dano que sofrerem, menos ao especificador de má-fé, no caso do § 1 o do artigo
antecedente, quando irredutível a especificação.

3.9.2. Confusão, comistão e adjunção


A confusão, nos direitos reais, não se confunde com a confusão do direito
obrigacional. Este consiste na satisfação da obrigação através de situação em que a mesma
pessoa venha a ocupar os dois polos da relação obrigacional. Enquanto isso, a confusão no
direito das coisas consiste na mistura acidental de dois bens em estado líquido, de forma que
seja difícil ou dispendioso sua separação.
Por sua vez, a comistão (no código está escrito comissão, de maneira errônea),
consiste na mistura acidental de bens sólidos.
Por fim, a adjunção é a mistura por sobreposição de duas coisas.
Art. 1.272. As coisas pertencentes a diversos donos, confundidas, misturadas ou
adjuntadas sem o consentimento deles, continuam a pertencer-lhes, sendo possível
separá-las sem deterioração.
21
Terreno aforado = bem sobre enfiteuse.
22
O dono do terreno aforado é denominado senhorio direto, embora tenha posse indireta do bem (a posse direta é
do enfiteuta = senhorio útil).
23
Enfiteuta é quem tem o direito real de enfiteuse.
24
Não locupletamento, ou seja, não enriquecimento às custas de outrem.

112
Direito Civil

§ 1o Não sendo possível a separação das coisas, ou exigindo dispêndio excessivo,


subsiste indiviso o todo, cabendo a cada um dos donos quinhão proporcional ao
valor da coisa com que entrou para a mistura ou agregado.

§ 2o Se uma das coisas puder considerar-se principal, o dono sê-lo-á do todo,
indenizando os outros.

Art. 1.273. Se a confusão, comissão ou adjunção se operou de má-fé, à outra parte


caberá escolher entre adquirir a propriedade do todo, pagando o que não for seu,
abatida a indenização que lhe for devida, ou renunciar ao que lhe pertencer, caso
em que será indenizado.

Art. 1.274. Se da união de matérias de natureza diversa se formar espécie nova, à


confusão, comissão ou adjunção aplicam-se as normas dos arts. 1.272 e 1.273.

3.9.3. Tradição
É a forma em regra de transmissão da propriedade móvel. A tradição é para a
propriedade móvel o que o registro é para a propriedade imóvel. A coisa não transferida não
tem a propriedade transmitida.
Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos
antes da tradição.

Parágrafo único. Subentende-se a tradição 25 quando o transmitente continua a


possuir pelo constituto possessório; quando cede ao adquirente o direito à
restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro 26; ou quando o adquirente
já está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico 27.

Art. 1.268. Feita por quem não seja proprietário 28, a tradição não aliena a
propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento
comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé,
como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono.

§ 1o Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade,


considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição.

§ 2o Não transfere a propriedade a tradição, quando tiver por título um negócio


jurídico nulo.

Assim como dito na posse, a tradição implica tanto na transferência da posse quanto
da propriedade de bens móveis. De modo que um terceiro desavisado pode se confundir
quanto ao instituto transferido com a tradição (é necessário perquerir o animus do negócio,
conforme Savigny).
25
Portanto, tradição ficta.
26
Brevi manu. Transferência apenas da posse indireta.
27
Brevi manu. Transferência apenas da posse indireta.
28
Venda a non domino (aliena a non domino).

113
Direito Civil

3.9.4. Usucapião
Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente
durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade.

Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá
usucapião, independentemente de título ou boa-fé.

Art. 1.262. Aplica-se à usucapião das coisas móveis o disposto nos arts. 1.243 e
1.244.

3.10. Registro (transmissão de bens imóveis)


O registro é fundamental para a aquisição da propriedade imóvel (o proprietário é
quem está registrado).
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos29 a propriedade mediante o registro do título
translativo no Registro de Imóveis.

§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser


havido como dono do imóvel.

§ 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de


invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a
ser havido como dono do imóvel.

Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao


oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.

Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado


reclamar que se retifique ou anule.

Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel,


independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente.

O registro é, portanto, a forma principal de aquisição ou regularização da propriedade


imóvel, para fins de publicidade e de alienação.
O registro então, tem eficácia constitutiva, exceto para usucapião e saisine juris
(eficácia declaratória).

3.10.1. Regulamentação
O registro é regulamentado pela Lei 6.015/197330 (Lei de Registros Públicos).

29
Entre mortos, saisine juris (artigo 1.784).
30
É a lei de maior vacatio legis da história do direito brasileiro.

114
Direito Civil

Os registros são públicos, ou seja, plenamente disponíveis a quem quer que deles
queira saber.
Estes registros estão ligados à segurança jurídica, necessário para que a população
faça operações com imóveis de forma segura.
Assim, não é necessário só o registro de imóveis, mas também o registro de pessoas
naturais (saber, por exemplo, se a pessoa é casada); o registro de pessoas jurídicas (muitas
vezes feito na junta comercial, e não em cartório); e o registro de títulos e documentos
(competência residual – art. 127, p.u. da LRP). Conjuntamente, formam o sistema público de
informações (informações totalmente públicas, acessíveis a todos31).
O registro de imóveis se destina a todas as informações pertinentes à esfera jurídica
dos titulares sobre os bens imóveis.
As informações são acessíveis por certidão. Como a informação representa maior
confiabilidade ao comprador, diz-se que o custo da informação é custo da transação (tudo que
sai do bolso do comprador e não vai para o bolso do vendedor é custo de transação), de forma
a remunerar a informação prestada (informação vale dinheiro). Quanto menor o custo de
transação maior será a quantidade de negócios feitos, uma vez que garante o valor dispendido
pelo comprador32.
Até a CF/88, os operadores dos cartórios eram funcionários públicos, ligados ao TJ.
Após a CF, passaram a ser delegatários, ou seja, alguém com função pública (funcionário
público latu sensu), mas sem cargo público.
A função do registro imobiliário é registrar e averbar os títulos ou atos constitutivos,
declaratórios, translatícios e extintivos de direitos reais sobre imóveis.

3.10.2. Procedimentos
Todo documento que chegue ao CRI é protocolado conforme a sequência do Livro 1
do cartório. A partir deste protocolo, o direito fica garantido (o direito retroage a data da
prenotação, embora o registrador tenha 30 dias para fazê-lo, em regra):
Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título
ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.
O Livro 2 consiste do registro geral, em que ficam as matrículas dos imóveis, com
toda a cadeia dominial do bem.
O registrador tem 30 dias para realizar o registro, porém tem até 15 dias (Provimento
260/CGJ/2013) para notificar as partes de eventual erro (irregularidade) do título apresentado,
citando os dispositivos legais cabíveis, caso não façam a correção, o registrador emitirá nota
devolutiva. As partes poderão fazer uma suscitação de dúvida ao juiz, se não concordarem
com o registrador. O juiz então acatará a exigência ou mandará registrar o título33.
31
Algumas informações, entretanto, não são públicas (mas no registro imobiliário todas são públicas), como
adoção, testamento de pessoa viva, entre outras. Por seu caráter, só são acessíveis por ordem judicial.
32
Exemplo: CDC – baixo custo de transação, devido a garantia e à possibilidade de devolução do bem em até 7
dias.
33
Não cabe ao juiz, porém, sanear o título.

115
Direito Civil

Se o imóvel for um apartamento em condomínio, a convenção de condomínio deve ser


registrada no livro 3 (registro auxiliar34).
Obs: Posse não vai a registro. A posse titulada pode ser levada a registro. A posse se
revela pela exteriorização do domínio (fato), não pelo registro.
Existem ainda os livros 4 e 5, que são indicadores. O livro 4 é de indicadores reais, e o
livro 5 de indicadores pessoais. Os indicadores reais são a enumeração dos imóveis por
logradouro. Os indicadores pessoais registram todos os CPF’s e CNPJ’s que já realizaram
atividade no cartório.
Há, ainda, um livro extra (sem número), destinado ao registro de imóveis rurais de
estrangeiros.
Obs: registro e averbação: os registros se destinam a alteração de direito (art. 167, I da
LRP), enquanto a averbação altera característica do bem ou da pessoa (art. 167, II da LRP).

3.10.3. Princípios
Princípio da instância: o registrador só age quando provocado, o registrador não atua
de ofício, exceto quando a lei expressamente permitir, por exemplo, em caso de erro material
e em mudança de nome de rua.
Princípio da prioridade: o registrador dá prioridade aos registros conforme o tempo de
apresentação – conforme o número de prenotação - (antes de registrar uma penhora judicial, o
registrador deverá proceder a alteração da propriedade, se esta foi apresentada antes daquela;
o registro deve obedecer a ordem cronológica).
Princípio da publicidade: o registro tem por objetivo dar publicidade ao direito, dando
eficácia erga omnes a partir da disponibilização da informação ao público.
Princípio da disponibilidade: apenas o último proprietário pode dispor do bem
35
imóvel . Na França e em Portugal, o registro imobiliário não é constitutivo, mas meramente
declaratório. Servindo o registro imobiliário apenas para fins de continuidade e
disponibilidade. No direito brasileiro, o registro é meramente declaratório somente na
usucapião e na transmissão causa mortis (sentença declaratória ou formal de partilha,
respectivamente). O princípio da disponibilidade, no nosso sistema, só se aplica a estas
exceções.
Princípio da continuidade: reflete a história dominial do bem e a concatenação dos
domínios.
Os princípios da disponibilidade e da continuidade estão intimamente relacionados.
Princípio da concentração: todas as informações pertinentes a uma determinada
pessoa ou imóvel deve estar em um único local. Sobre o imóvel, em uma única matrícula

34
Registra os direitos sobre os imóveis que não são direitos reais. Os direitos reais estão todos registrados no
livro 2.
35
Não impede o domínio superveniente. Domínio superveniente é quando ocorre a venda a non domini, mas
posteriormente a situação é regularizada, ou seja, o non domini inicial se torna dono, tornando a venda perfeita.

116
Direito Civil

(princípio da unicidade da matrícula). Os registros funcionam por circunscrição (semelhante a


jurisdição).
Princípio da unicidade da matrícula (folio real36): cada imóvel terá uma matrícula
correspondente, e cada matrícula terá um imóvel correspondente.
Princípio da concentração da matrícula: todas as informações de importância jurídica
de um imóvel devem constar da matrícula do imóvel.
Princípio da fé pública: a fé pública é característica do funcionário público, sendo uma
presunção de veracidade do que atesta o funcionário público (presunção juris tantum). A
falsidade de fé pública é crime. Entretanto, nenhum órgão do Estado pode recusar a fé
pública de outro funcionário público (trata-se de caráter absoluto da fé pública 37, que não se
confunde com presunção absoluta de veracidade). O registrador e notário confere fé pública
aos documentos38.
Princípio da especialidade: diz respeito à relação entre o título e o registro, tanto
quanto ao sujeito como quanto ao objeto, ou seja, quem está vendendo o imóvel no título de
transmissão deve ser o mesmo sujeito que ocupa o posto de proprietário no registro. Além
disso, deve-se ter o mesmo estado civil (se for diferente, deve-se fazer a averbação para
modificar). O objeto entre o título e o registro também deve ser o mesmo. Há ainda a
especialidade da tipicidade, ou seja, os atos que podem ser levados a registro correspondem
aos atos do art. 167, I da LRP. Esta especialidade de tipicidade (ou especificidade) já não é
aceita (o elenco do dispositivo legal não é mais taxativo39).
Princípio da legalidade: o notário atua pelo Estado para garantir a legalidade/isonomia
das negociações.

3.10.4. Escrituração
A escritura de compra e venda pode ser pública ou particular, nos termos do artigo
108 do CC (valores mais altos exigem escritura pública).
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos
negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais
sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

36
Descrição do imóvel, e dos direitos que recaem sobre o imóvel descrito. Este modelo foi adotado após a LRP.
Antes era adotado o registro pessoal, em que se registrava a pessoa e o direito da pessoa. Ainda existem muitos
imóveis no folio pessoal, visto que a LRP é de 73 com vigor a partir de 76 (e muitos imóveis não foram
transferidos de lá para cá).

37
CF, Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

II - recusar fé aos documentos públicos;

38
      Lei, 8935/94, Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são
profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da
atividade notarial e de registro.
39
Por exemplo, sentença arbitral, procuração em causa própria, transferência de potencial construtivo, etc. Não
constam do elenco, mas podem ser registrados.

117
Direito Civil

Obs: Tabelião (notário) x registrador: o notário trabalha com contratos (cartório de


notas, tabelionato ou notariado), não registra. Apenas com o registro se dá a eficácia erga
omnes. O registro é feito pelo registrador (cartórios de pessoas naturais, títulos e
emolumentos, pessoas jurídicas e imóveis).

3.10.5. Presunção do registro imobiliário


O que está registrado no CRI é presumido como verdadeiro. Trata-se de presunção
relativa, ou seja, que admite prova em contrário.
Existem duas verdades, entretanto. Há a verdade registral, constante dos registros, e
há a verdade dos fatos.
Toda vez que o registrador perceber que há erro no registro deve proceder a
retificação do registro, a vista dos documentos.
O sistema registral brasileiro, a princípio, foi inspirado no sistema alemão. No sistema
alemão, a presunção do registro é juris et de juris, ou seja, absoluta, que não admite prova em
contrário.
Clóvis Beviláqua, elaborador teórico do CC/16, alterou esta presunção para uma
presunção relativa, entendendo que a presunção absoluta não funcionaria em um país como o
Brasil, em que a grande maioria da população na época não sabia ler.
Entretanto, buscou-se do direito australiano um registro de presunção absoluta,
denominado Registro Torrens, que é fruto de um processo judicial. Trata-se de jurisdição
voluntária, que depende de procedimento próprio (com perícias). A partir de conseguido o
registro, todos os registros posteriores serão da mesma natureza.
Assim, o sistema registral brasileiro é intermediário entre o sistema português
(meramente declaratório) e o sistema alemão (presunção absoluta), correspondendo ao
sistema espanhol.

3.10.6. Atos
O registrador atua por dois atos: o registro (art. 167, II da LRP) e a averbação (art.
167, I da LRP).
As leis tratam ainda de inscrição e transcrição. São termos usados no antigo sistema
registral (folio pessoal). A transcrição era a transcrição de todo o documento para o registro.
A inscrição é o registro por extrato do título (registro apenas das partes essenciais do ato).
Atualmente os termos são usados como sinônimos, correspondendo à necessidade de ato do
registrador, devendo o registrador proceder conforme o caso (um registro ou uma averbação).

3.11. Condomínio
A característica da propriedade é exercer exclusivamente as faculdades de usar, gozar,
dispor e reaver.

118
Direito Civil

Esta característica não é afastada pelo condomínio, que consiste na propriedade


dividida por mais de um sujeito. Qualquer condômino, entretanto, terá as faculdades totais do
proprietário para utilizar contra terceiro. Ou seja, as quatro faculdades são exercidas por
inteiro, seja propriedade simples ou em condomínio.
Logo, existem duas relações diversas, uma dos condôminos entre si, e outra dos
condôminos (proprietários) em relação a terceiros.
A lógica do condomínio, portanto, se assemelha a de obrigações solidárias e
obrigações divisíveis.
A ideia de condomínio é que vários titulares do direito de propriedade podem exercer
por inteiro as faculdades inerentes à propriedade40.
No direito romano, o condomínio era concebido como um condomínio geral, dividido
em frações ideais, com a faculdade de dispor do bem a qualquer momento (independente dos
demais condôminos41), respeitado o direito de preferência dos demais condôminos.
Os visigodos, entretanto, instituíram o chamado condomínio germânico, em que o
bem era vendido totalmente, ou não poderia ser vendido (o condomínio só seria vendido se
todos os condôminos concordassem com a venda). Neste caso, não existe fração ideal.
No direito brasileiro, há apenas um exemplo atual do condomínio germânico, que
ocorre no casamento (sociedade conjugal). A sociedade conjugal possui um conjunto de
regras patrimonial, consistindo no regime de bens42. Na sociedade conjugal, portanto, não
existe fração ideal (existe a meação) - comunhão. Desta forma, a disposição do bem é total ou
não pode ser realizada (venda a quatro mãos).
O divórcio não altera somente o estado civil dos cônjuges, mas também pode, através
da partilha, transformar o condomínio germânico em condomínio romano 43, criando fração
ideal.

3.11.1. Condomínio geral


É a titularidade da propriedade de um bem exercida por mais de uma pessoa sob a
totalidade da coisa.
O condomínio geral se dá por vários tipos:
• Pro indiviso: a posse e a propriedade é exercida por todos na sua totalidade e por
inteiro. Neste tipo de condomínio geral, a verdade jurídica (frações registradas na
matrícula) corresponderá à verdade dos fatos.
• Pro diviso: a verdade jurídica (registral) não corresponde a verdade dos fatos.
Factualmente, cada condômino exerce a posse de apenas uma área do condomínio.

40
Exemplo: defender o bem por inteiro, independente de ser proprietário apenas de uma fração ideal, por mais
ínfima que seja esta fração ideal.
41
Existe, atualmente, a faculdade de estipular, por no máximo 5 anos, que não haverá alienação para terceiros
(art. 1320, §1º).
42
No silêncio dos cônjuges: comunhão parcial.
43
Esta não é a única opção, mas é uma opção.

119
Direito Civil

A usucapião entre condôminos, no caso de abandono do bem, é a extraordinária.


São características do condomínio geral:
• Solidariedade não presumida (nem em relação às dívidas feitas em benefício comum),
ver artigos 1.31844 e 1.51745; Há, contudo, solidariedade tributária, em razão de
expressa previsão legal (CTN, art. 12446);
• Possibilidade de estabelecimento de indivisão por prazo máximo de 5 anos47;
• Direito de preferência contra terceiros em igualdade de condições, tanto para
aquisição quanto para locação48;
• A administração é decidida pela maioria dos quinhões (somatório das frações ideais).
Ver artigos 1314 a 1317.

3.11.1.1. Extinção
Sabendo que a situação de condomínio é favorável ao aparecimento de litígios, o
legislador tenta possibilitar e facilitar o desaparecimento dos condomínios.
São formas de extinção do condomínio:

44
Art. 1.318. As dívidas contraídas por um dos condôminos em proveito da
comunhão, e durante ela, obrigam o contratante; mas terá este ação regressiva
contra os demais.
45
Diz respeito ao casamento antes de atingida a maioridade. Checar se não anotei errado.

46
Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato


gerador da obrigação principal;

Art. 1.320, § 1o Podem os condôminos acordar que fique indivisa a coisa comum
47

por prazo não maior de cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior.


48
Art. 1.322, Parágrafo único. Se nenhum dos condôminos tem benfeitorias na coisa
comum e participam todos do condomínio em partes iguais, realizar-se-á licitação
entre estranhos e, antes de adjudicada a coisa àquele que ofereceu maior lanço,
proceder-se-á à licitação entre os condôminos, a fim de que a coisa seja adjudicada
a quem afinal oferecer melhor lanço, preferindo, em condições iguais, o condômino
ao estranho.

Art. 1.323. Deliberando a maioria sobre a administração da coisa comum, escolherá


o administrador, que poderá ser estranho ao condomínio; resolvendo alugá-la,
preferir-se-á, em condições iguais, o condômino ao que não o é.

120
Direito Civil

• O distrato: todos os condôminos acordam entre si o fim do condomínio, dividindo a


coisa.
• Usucapião (pro diviso) na modalidade extraordinária (15 anos para imóveis).
• Ação judicial de divisão de condomínio.
• Estremação (escreve-se realmente com s): analisada em separado.
• Confusão de condôminos: por hereditariedade o condomínio passa a ter um único
proprietário.
• Alienação dos quinhões a uma só pessoa.

3.11.1.2. Estremação
A estremação é forma de extinção do condomínio por via administrativa, que visa a
retirada de ações do Poder Judiciário. Buscando que a verdade registral se aproxime da
verdade dos fatos, passou-se a permitir que o registrador promovesse a retificação da área de
propriedade imóvel, pelo procedimento descrito no Provimento 26049 de 2016 da CEJ (em
Minas Gerais). Esta medida foi então adaptada ao condomínio geral, para possibilitar a
extinção do condomínio, em relação a um condômino de forma mais fácil que o distrato.
A estremação é espécie de regularização fundiária e forma de extinção de condomínio
geral rural por posse qualificada em caráter pro diviso, exigindo:
• Ocupação pro diviso por mais de 5 anos;
• Existência de condomínio geral;
• Legitimidade ativa do proprietário da fração ideal;
• Respeito a fração mínima de parcelamento.
O procedimento está descrito nos artigos 997 e seguintes do Provimento 260. Atentar
principalmente ao artigo 999, cai na prova.

3.11.2. Condomínio edilício


O condomínio edilício é a construção (edificação) em que há unidades de
pertencimento exclusivo (propriedade/unidade autônoma em termos jurídicos), e parte de
pertencimento comum. É, portanto, um meio termo entre o condomínio geral e a propriedade
exclusiva.
Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e
partes que são propriedade comum dos condôminos.
Assim, há regime de propriedade individualizada (unidade autônoma), e há regime de
condomínio geral (parte comum). A unidade autônoma pode ser alienada sem as regras
concernentes ao condomínio geral.

49
https://www8.tjmg.jus.br/institucional/at/pdf/cpr02602013.pdf

121
Direito Civil

É um condomínio que não obedece à regra do condomínio geral, ou seja, que não
tende à extinção pela vontade do legislador (não há vislumbramento de problemas tão
grandes quanto o condomínio geral).
A unidade autônoma está obrigatoriamente vinculada a uma fração ideal da parte
comum.
A parte comum inclui: os dutos (água, eletricidade, internet) até o tronco de entrada da
unidade autônoma, as paredes de estremação, a estrutura da edificação, garagem, depósito,
etc.
Há ainda um condomínio por lotes (por exemplo, o Acamari), regulado pelo artigo
1.358-A, que é diferente do chamado chacreamento (que é um condomínio geral).
A natureza jurídica do condomínio edilício é misto entre o direito real de propriedade
da unidade autônoma e o direito obrigacional de eficácia erga omnes (obrigação com eficácia
real) de um condômino para com os outros em relação a parte comum (não é direito real),
desde que a convenção de condomínio seja tornada pública, pelo registro no CRI.
Art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos
titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo,
obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre
elas tenham posse ou detenção.

Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção do


condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

Exemplo: João da Silva constrói um prédio do qual é o único proprietário, dividindo


em diversos apartamentos. João da Silva não necessita criar convenção de condomínio, vez
que não há condomínio mas propriedade exclusiva. Para vender uma unidade autônoma,
entretanto, deverá proceder a criação de um condomínio edilício. Caso venha a falecer,
deixando diversos herdeiros, a morte gerará um condomínio geral, mas nada impede que os
herdeiros extinguam o condomínio geral e estabeleçam (instituam) um condomínio edilício,
estabelecendo unidades autônomas.
Obs: a instituição de condomínio é obrigatória para estabelecer unidades autônomas,
vez que gera direito real. A instituição de condomínio só pode ser alterada por unanimidade
dos condôminos.
Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento,
registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além
do disposto em lei especial:

I - a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva,


estremadas uma das outras e das partes comuns;

II - a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao


terreno e partes comuns;

III - o fim a que as unidades se destinam.

122
Direito Civil

As regras do condomínio são estabelecidas na convenção de condomínio, que, se


registrada, é oponível a terceiros. Obriga, em todos os casos, proprietários, detentores e
possuidores. A convenção de condomínio só pode ser estabelecida após a instituição de
condomínio (embora a documentação seja, na prática, entregue conjuntamente).
Existe a possibilidade de se utilizar um terceiro instrumento, que é o regimento
interno, destinado a regular coisas corriqueiras do condomínio, altera-se pela maioria das
frações ideias.
Ou seja, o funcionamento do condomínio é determinado pela convenção de
condomínio e pelo regimento interno, se houver.
As sanções aos condôminos são possíveis, desde que previstas em convenção de
condomínio, ou, no caso de omissão, conforme regulação do CC (por exemplo, §1º do artigo
1.33650)
A alienação das unidades autônomas, no condomínio edilício, se dá livremente, sem
direito de preferência, atentando-se ao artigo 1.339:
Art. 1.339. Os direitos de cada condômino às partes comuns são inseparáveis de
sua propriedade exclusiva; são também inseparáveis das frações ideais
correspondentes as unidades imobiliárias, com as suas partes acessórias.

§ 1o Nos casos deste artigo é proibido alienar ou gravar os bens em separado.

§ 2o É permitido ao condômino alienar parte acessória de sua unidade


imobiliária a outro condômino 51, só podendo fazê-lo a terceiro se essa faculdade
constar do ato constitutivo do condomínio, e se a ela não se opuser a respectiva
assembléia geral.

Assim, é possível a venda de uma garagem de uma unidade autônoma a outra por
direito potestativo do condômino, mas para alienação para terceiro, é necessário modificar a
instituição do condomínio, necessitando de 100% de aprovação.
A extinção do condomínio edilício pode se dar:
• Consolidação de todas as unidades em um único proprietário;
• Por destruição (desabamento, incêndio5253, etc.) - complicado o valor da indenização;
• Desapropriação (complicado o valor de indenização);
Art. 1.357. Se a edificação for total ou consideravelmente destruída, ou ameace
ruína, os condôminos deliberarão em assembléia sobre a reconstrução, ou venda,
por votos que representem metade mais uma das frações ideais.

50
§ 1o O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou,
não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.
51
Direito potestativo.
52
Todo prédio deve ter seguro contra incêndio, sendo responsabilidade pessoal do síndico.
53
Art. 1.346 e 1.348, IX.

123
Direito Civil

§ 1o Deliberada a reconstrução, poderá o condômino eximir-se do pagamento das


despesas respectivas, alienando os seus direitos a outros condôminos, mediante
avaliação judicial.

§ 2o Realizada a venda, em que se preferirá, em condições iguais de oferta, o


condômino ao estranho, será repartido o apurado entre os condôminos,
proporcionalmente ao valor das suas unidades imobiliárias.

Art. 1.358. Se ocorrer desapropriação, a indenização será repartida na proporção a


que se refere o § 2o do artigo antecedente.

Aluguel de garagens:
Art. 1.338. Resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos, preferir-
se-á, em condições iguais, qualquer dos condôminos a estranhos, e, entre todos, os
possuidores.
Incorporação imobiliária: empreendedor (incorporador) recebe um mandato do
proprietário para aprovar o projeto de incorporação junto ao poder público municipal (o
incorporador passa a ser responsável por um patrimônio afetado), é comum que o
incorporador contrate uma construtura para promover a infraestrutura. A venda é feita,
normalmente, na planta. É crime realizar a venda na planta sem registrar a incorporação no
CRI. Art. 1.358-A, §3º.

3.12. Multipropriedade imobiliária


Os conceitos da multipropriedade não se aplicam somente aos bens imóveis, sendo
perfeitamente possível a multipropriedade de bens móveis. Entretanto, o legislador regulou
somente a multipropriedade de bens imóveis.
Também é interessante notar que a existência da multipropriedade não se deu somente
com a regulação (em 2017), existindo, faticamente, há muito tempo.

3.12.1. Conceito
A multipropriedade consiste no condomínio edilício em que a fração ideal pode ou
não recair sobre unidade autônoma, na multipropriedade, a fração ideal está ligada,
fundamentalmente, a um período de tempo de uso. Ou seja, é o regime de tempo que é
fundamental na multipropriedade (time sharing).
Exemplo: casa de praia com 4 proprietários, um com direito de uso de janeiro a
março, outro de abril, um terceiro de maio a julho e um quarto de agosto a dezembro.
A forma de divisão do tempo de uso é determinado claramente na convenção de
condomínio, estabelecendo o regime para todos os condôminos.
É muito comum a multipropriedade em hotéis, em que a fração ideal dá direito ao uso
de um determinado número de diárias. Neste caso, não há isenção de pagamento de taxa de
condomínio, somente da diária. Caso o proprietário de fração ideal não utilize todas as diárias
a que tem direito a administradora repassará o valor condizente com as diárias de terceiros.

124
Direito Civil

O síndico, nestes casos, é um profissional (trustee).

3.12.2. Natureza jurídica


A multipropriedade não é um direito real novo, consiste, somente, em nova forma (na
verdade nova forma regulada) de aplicação da propriedade.

3.12.3. Objeto
Apesar de não regulada, a multipropriedade também é possível em bens móveis,
sendo muito comum em semoventes (bois, para venda de sêmen).

3.12.4. Regramento
A multipropriedade imobiliária é regulada dos artigos 1.358-B a U.

3.12.5. Características
O fracionamento não se pode dar em período inferior a 7 dias (a fração ideal não pode
dar direito a uso por menos de 7 dias).

3.12.6. Registro
O registro é feito nos moldes do condomínio edilício, com cada fração ideal em uma
matrícula. O tempo de uso não é registrado (uma vez que não é direito real), constando da
convenção de condomínio, que deve ser referenciada na matrícula de todas as frações ideais.

3.12.7. Extinção
Normalmente, o condomínio geral se extingue quando uma pessoa concentra toda a
propriedade (confusão ou aquisição das demais cotas). Na multipropriedade, entretanto, a
concentração da propriedade em uma só pessoa não extingue a multipropriedade.
A extinção da multipropriedade só se dá quando se renuncia a multipropriedade para
formar um condomínio edilício simples.

3.13. Fundo imobiliário


O fundo imobiliário, assim como a multipropriedade, é uma forma de exercício da
propriedade. Contudo, o fundo imobiliário é mais complexo que a multipropriedade.
Alguns empreendimentos são simplesmente muito grandes para que apenas uma
pessoa os realize, ou ainda, para a alçada de uma sociedade limitada.
A evolução histórica da realização destes empreendimentos se deu a partir da
expulsão dos judeus da Itália. Em um contexto de uma sociedade ainda medieval e
fundamentalmente religiosa, os judeus eram negados do direito de propriedade na Europa

125
Direito Civil

(quando a propriedade ainda era um privilégio de poucos). Com isso, passaram a emprestar
dinheiro, fundando o mercado financeiro (Ghetto de Veneza 54). A guerra religiosa, entretanto,
levou à expulsão dos judeus do território italiano (fundamentalmente católico), que se
realocaram na Holanda. Pensando em um sistema que permitisse a propriedade sem o risco
de perseguição sofrida na Itália, esses judeus criaram a sociedade anônima, dando anonimato
aos sócios e permitindo o investimento com menor risco de perda dos ativos.
A partir de então tem-se os grandes empreendimentos.
O Brasil, um país extremamente dependente do setor agrário e do setor da construção
civil, possuía uma legislação extremamente restritiva para imóveis ainda na década de 1980.
Esta legislação tornou inócua a indústria de construção civil, prejudicando a economia
nacional.
A partir de então, passou-se a permitir a divisão dos empreendimentos imobiliários
em frações, aplicando a lógica das sociedades anônimas aos empreendimentos imobiliários.
Caracterizou-se, então, o fundo imobiliário.
Trata-se de um fundo em que 95% da receita é repassada aos cotistas (sem ser devido
Imposto de Renda sobre estes rendimentos).
Há dois tipos de investidores nos fundos imobiliários: as pessoas físicas e os
investidores institucionais (fundos de pensão, por exemplo – como o Agros).

3.13.1. Conceito
São fundos que visam formar comunhão de recursos captados por um sistema que visa
de distribuição de valores imobiliários, para realizar empreendimentos imobiliários na forma
de condomínio fechado.
Estes condomínios não se extinguem, a saída de um cotista se dá pela venda das cotas.

3.13.2. Objetivo
Fomentar o desenvolvimento do mercado imobiliário brasileiro.

3.13.3. Natureza jurídica


Ente despersonalizado instituído na forma de condomínio fechado com afetação de
patrimônio, obrigação fiduciária do gestor e responsabilidade limitada dos cotistas do fundo.

3.13.4. Regramento
Lei 8.668/93 e CVM, IN 472/08.

54
Recomenda-se a leitura de “O mercador de Veneza” de W. Shakespeare e/ou o filme que adaptou a obra
literária.

126
Direito Civil

3.13.5. Características
Obrigação fiduciária, ou seja, fundada na fé (fides), na confiança. É da administração
o dever de cuidado com o dinheiro gerido.

3.13.6. Dica
Visitar o site: fundsexplorer.com.br

3.14. Função social da propriedade


A função social da propriedade é um termo inexato no direito, ou seja, um termo
vago, que deve ser materializado, para evitar que os termos vagos sejam utilizados
arbitrariamente pelos operadores do direito.
A função social da propriedade se desenvolveu conforme a evolução da propriedade e
das teorias que a justifiquem e a regulem.
A propriedade, desde Roma até quase os tempos atuais (Revolução Francesa), não era
um direito de todos, mas um privilégio de poucos.
“O Leviatã” de Hobbes defende o direito de propriedade garantido pelo soberano,
encerrando o estado de natureza. Enquanto isso, para Locke, a propriedade era uma extensão
da sua própria personalidade, ou seja, por origem divina, as pessoas teriam o direito ao fruto
de seu trabalho, ao próprio corpo (incluindo a liberdade de expressão), e o direito de defender
sua vida e o fruto de seu trabalho (a propriedade, enquanto fruto do trabalho – a propriedade
herdada não é extensão da personalidade).
Nesta linha, a propriedade é vista como uma relação interna de posse e propriedade,
ou seja, uma inflexão sobre a coisa (thing-ownership). Que se ajusta bem ao liberalismo
clássico, em uma estrutura de ataque ao feudalismo (ou seja, da propriedade enquanto
privilégio da nobreza e do clero)55.
À Revolução Francesa sucedeu-se o Código Napoleônico, que consagrou o jus
abutendi em relação à propriedade, ou seja, a propriedade voltada para dentro, para a relação
entre o dono e a coisa, sem levar em conta as relações sociais.
A partir da obra de Rousseau, surgiu a ideia de que a propriedade era uma fonte de
desigualdade entre os homens (ideia anterior à Revolução Francesa).
Um anarquista francês chamado Proudhon escreveu uma obra denomina “A
propriedade é um roubo”. Em um suposto Estado anarquista, há uma descentralização do
poder, sem governo central, com a gestão realizadas pelas comunas. Não há, nesta forma de
governo, garantia da propriedade pelo Estado.
No século XIX, Marx e Engels defendem o fim da propriedade privada, sendo a base
ideológica das Revoluções comunistas do século XX.

55
Deste ataque ao feudalismo, os judeus do Ghetto de Veneza fundaram o sistema financeiro, como visto no
tópico anterior.

127
Direito Civil

3.14.1. Teorias da propriedade


Teoria da emissão corpórea (Roma): impossibilidade de se emitir na propriedade
alheia, corporeamente (a emissão incorpórea era possível, pelos odores, por exemplo). Já há,
portanto, uma consideração com o outro, embora muito incipiente.
Uso normal (usus modernus pandectarum): uso normal e receptividade normal, ou
seja, dever de utilizar a propriedade de maneira normal e de que o uso normal não atrapalhe
abusivamente incômodo nas outras propriedades (incômodo razoável). É uma evolução na
consideração do outro, embora ainda não em moldes muito desenvolvidos.
Necessidade (Bonfante): a propriedade deve ser utilizada de forma normal, ou seja,
seja utilizada conforme as necessidades sociais, respeitado o interesse público (que pode ser
visto como a medida da elevação geral do bem-estar).

3.14.2. Da evolução do modelo de propriedade no liberalismo


O modelo liberal percebeu que a ação de um pode ter consequência na vida de outros,
são as externalidades, percebidas a partir da economia.
As externalidades podem ser positivas ou negativas. A maioria das externalidades,
infelizmente, são negativas. Todo uso da propriedade, assim, gera externalidades, sendo a
maioria destas, negativas.
O modelo jurídico liberal, então, adotou como alternativa a funcionalização da
propriedade, criando uma situação jurídica ao proprietário que abrange os deveres laterais de
conduta. Entre estes deveres, o uso da propriedade deve gerar mais externalidades positivas
que negativas.
O modelo de sucesso na economia mundial é o modelo da propriedade privada (os
modelos socialistas não funcionaram). Só o Estado pode promover a igualdade de direitos,
evitando a anarquia da lei do mais forte.
Da mesma forma, a funcionalização da propriedade se mostra um modelo de sucesso,
que tende à diminuição das externalidades negativas, evitando que a propriedade seja
utilizada como reserva de valor e especulação.
Assim, define-se cada termo da função social da propriedade:
• Função: ação ou omissão que influencia na esfera de terceiros.
• Social: externalidades guiadas pelo interesse público.
• Propriedade: situação jurídica, que corresponde a um fardo de deveres e direitos
(brandle of rights).
Assim, a força do Estado na defesa da propriedade é, na propriedade funcionalizada,
destinada a dar o máximo bem-estar às pessoas.
É nesta linha que se encontram as seguintes frases de Jean-Baptiste-Henri Dominique
Lacordaire: “Entre os fortes e os fracos, entre ricos e pobres, entre senhor e servo, é a
liberdade que oprime e a lei que liberta.”; “Honrado é o homem que subordina o direito ao
dever”.

128
Direito Civil

3.15. Situações jurídicas vicinais


As situações jurídicas vicinais (direitos de vizinhança) abarcam as múltiplas
dificuldades relacionais acarretadas pela proximidade com que vivem as pessoas.
O vizinho não é somente o confrontante (confrontante é somente aquele cujo imóvel
faz divisa, enquanto o vizinho é qualquer um que esteja ao alcance de uma ação ou omissão,
ou seja, qualquer um que se possa incomodar).

3.15.1. Teorias
Emissão corpórea e incorpórea (imissio): não emitir elemento, corpóreo ou
incorpóreo, na propriedade alheia. Inclui ondas sonoras.
Uso normal e receptividade normal (Jhering): devem ser suportadas as interferências
que: a) trazem incômodo ou prejuízo que não ultrapassem a receptividade ordinária; b)
derivam do uso normal da propriedade. Há dois aspectos, o aspecto passivo, no polo de quem
sofre a pertubação (receptividade normal), e o aspecto ativo, no polo de quem perturba (uso
normal). Na teoria de Jhering, o critério de apuração do normal é o homem médio, sendo, no
caso do polo ativo, apurado o critério da normalidade do uso conforme a origem ou a
produção da interferência.
Necessidade (Bonfante): é a evolução econômica que, ao criar novas necessidades
sociais, define quais são as interferências toleráveis. Propõe que seja usado o termo
necessidade geral do povo.
No Brasil, estas teorias foram unificadas por Santiago Dantas, criando uma teoria
mista, que abrange a ordinariedade, a normalidade e a necessidade de evolução econômica,
adicionando ainda o elemento do interesse público.
O legislador brasileiro, a partir do artigo 1.277, fala do uso anormal da propriedade:
Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar
as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o
habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da


utilização56, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as
edificações em zonas57, e os limites ordinários de tolerância58 dos moradores da
vizinhança.

Art. 1.278. O direito a que se refere o artigo antecedente não prevalece quando as
interferências forem justificadas por interesse público 59, caso em que o
proprietário ou o possuidor, causador delas, pagará ao vizinho indenização cabal.

56
Ordinariedade.
57
Zoneamento urbano.
58
Normalidade.
59
Interesse público e necessidade de evolução econômica.

129
Direito Civil

Art. 1.279. Ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências,
poderá o vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando estas se tornarem
possíveis60.

Art. 1.280. O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio


vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que
lhe preste caução pelo dano iminente61.

Art. 1.281. O proprietário ou o possuidor de um prédio, em que alguém tenha direito


de fazer obras, pode, no caso de dano iminente, exigir do autor delas as
necessárias garantias62 contra o prejuízo eventual63.

Coming to a nuisance (indo de encontro ao incômodo): se há a instalação em área já


perturbada, não há que se alegar a turbação provocada.
Reductio ad unum (redução a um): incorporação das teorias em uma apenas. No
direito de vizinhança não tem como fazer isso, por ser muito ampla a gama de situações
complexas, de forma que o legislador teve que incorporar todas as teorias em separado. Por
isso, no caso do direito de vizinhança, os casos não dependem basicamente da lei, mas da
jurisprudência (que deve se basear na alteridade). Dessa forma, a evolução do direito de
vizinhança depende do rol de casos já julgados, e o juiz, para bem julgar, tem que se colocar
na posição das partes.

3.15.2. Atos lícitos e ilícitos


O código civil disciplina os atos lícitos e os atos ilícitos da seguinte maneira:
Art. 185. Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as
disposições do Título anterior.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente
os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo


iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o
tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do
perigo.

60
Exemplo: indústria poluente e lavanderia.
61
Dano infecto: ainda não apareceu, mas está presente e ocorrerá a qualquer momento. Atualmente, qualquer
ameaça de uso anormal é passível de ser tratada por dano infecto. Direito de vizinhança atualmente = dano
infecto.
62
Caução.
63
Nunciação de obra nova. Obra em desrespeito as leis civis ou a regulamentos públicos.

130
Direito Civil

Quanto ao direito de vizinhança, a normalidade dos atos (uso normal), a receptividade


normal (nem sempre medida pela métrica do homem médio, dependendo da pré-ocupação, ou
seja, de quem estava lá primeiro 64) é que determinam a licitude ou não dos atos (art. 1.277).
Também o zoneamento urbano é definidor da licitude e da ilicitude das instalações.
O uso anormal é um uso lícito, que normalmente estaria dentro do exercício regular de
direito, mas que, em virtude da presença de terceiros, gera incômodo além do razoavelmente
suportável.

3.15.3. Princípio dominante


O princípio dominante do direito de vizinhança é o princípio da conciliação de
interesses, ou seja, o direito de um vai até o início do direito alheio.
Assim, todos podem usufruir de sua propriedade, desde que não diminua a utilidade
do bem alheio.

3.15.4. Análise econômica do direito e direito de vizinhança


A AED vê o direito de vizinhança conforme a utilidade. Isto é, os bens devem
proporcionar o máximo de utilidade (maior somatório de bem-estar) possível.
Além disso, a AED enxerga na definição do direito de propriedade que os titulares da
situação jurídica de propriedade tendem a respeitar o direito alheio, desde que estabelecidos
os parâmetros necessários. Assim, a segurança jurídica advém da conciliação de interesses.

3.15.5. Natureza jurídica


Alguns autores enxergam no direito de vizinhança uma limitação ao direito de
propriedade, que pode ser de ordem pública ou de ordem privada. Dentro da ordem privada,
pode-se dividir ainda em direito obrigacional e direito real.
Outros autores entendem que o direito de vizinhança é uma responsabilidade geral
(obrigação de não fazer), porém, o uso anormal não é um ato ilícito.
Há outras teorias, porém o direito de vizinhança consiste na obrigação de não turbar o
uso regular do imóvel do vizinho.

3.15.6. Critérios de aplicação


Uso normal da própria coisa (Jhering).
Uso necessário (uso normal para Bonfante).
Teoria da pré-ocupação (Demolombe).

64
Exemplo: criança com síndrome de Down que já residia próxima a local em que foi estabelecido bar com
pertubação sonora.

131
Direito Civil

Coming to a nuisance (common law): entretanto, essa teoria não pode ter um caráter
absoluto. A anterioridade da ocupação não pode paralisar toda propriedade nova. Por isto,
inclusive, tem-se o zoneamento urbano.
Proibição dos atos de emolução (critério de inutilidade da ação do proprietário): art.
1.228, §2º. A inutilidade desvirtua a função econômica da propriedade.

3.15.7. Casos
Das árvores limítrofes: a árvore com o tronco na linha divisória pertence em comum
aos donos dos imóveis confinantes (condomínio necessário). As raízes e os ramos que
ultrapassarem o plano do imóvel poderão ser cortados pelo dono do imóvel invadido (1.282 a
1.284)
Da passagem forçada: necessário ter saída para a rua. O direito de passagem é
garantido, mas o direito de indenização também (art. 1.285). É diferente da servidão 65. Na
servidão, uma propriedade tem uma utilidade da outra (direito de uso ou direito de gozo –
direito real sobre coisa alheia), a servidão se liga ao imóvel, não a pessoa. Como direito real a
servidão deve ter publicidade nas matrículas dos imóveis. A passagem forçada não precisa
estar em registro (é uma regra de direito de vizinhança, embora oponível a terceiros). A
passagem forçada pode ser comprada (inclusive pode-se compelir a compra), situação em que
se torna servidão. A posse da passagem forçada não gera usucapião (a mera passagem,
entretanto, com a aparência de domínio, gera usucapião). Obrigação de eficácia real,
obrigação propter rem ou situação jurídica? Qualquer opção pode ser argumentada.
Da passagem de cabos e tubulações (art. 1.286 e 1.287).
Dos limites entre prédios e direito de tapagem (art. 1.297 e 1.298, em especial §3º do
1.297).
Águas (art. 1.288 a 1.296): as regras sobre águas se baseiam em dois princípios, o
primeiro é a necessidade biológica de todos à água, o segundo princípio vem da física, de que
a água corre sempre para baixo. Por estes motivos, das águas naturais, o prédio 66 de cima não
pode negar passagem para o prédio de baixo (art. 1.288), a permissão para passagem de águas
naturais independe de custos. Já quanto a águas não naturais (esgoto, por exemplo), a saída é
a compra de uma servidão do lote do prédio de baixo para a passagem de esgoto.
“Regulamentos administrativos ou utilização do bem não podem impedir a passagem de
águas naturais do terreno mais alto para o mais baixo” (art. 1.288); art. 1.289: águas
artificiais, necessidade de indenização. O vizinho, na zona rural, não pode impedir o outro de
entrar em seu imóvel para pegar água para sua subsistência. Além disso, não se pode alterar o
curso d’água (é permitido represar, desde que não altere a utilização pelos vizinhos a jusante),
nem poluir. Existe um código próprio para a matéria (Código de Águas – Decreto
24.643/1934).
Direito de construir (art. 1.299 a 1.313): dentro do código de posturas do município
deve-se auferir a taxa de ocupação, de impermeabilização, a altura máxima e o zoneamento
65
Ambas são diferentes da servidão administrativa, em que não há prédio dominante e prédio serviente. A
servidão administrativa tem apenas prédios servientes (portanto, é uma quase servidão).
66
Prédio, no direito civil, significa imóvel, não sendo sinônimo de edificação.

132
Direito Civil

da área em que será construída (requisitos do direito público). Dentro do direito civil, há
limitações do direito obrigacional (regras do condomínio edilício – principalmente
condomínio de lotes art. 1.358-A) e limitações de direito real (com eficácia erga omnes) –
como a servidão sobre um imóvel para impedir a construção acima de determinada altura,
impedindo o fim da vista de outro imóvel, esta é uma servidão negativa. Há ainda as regras
de limitação do direito de vizinhança, já estudados.
Art. 1.299. O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito
dos vizinhos e os regulamentos administrativos67.

Art. 1.300. O proprietário construirá de maneira que o seu prédio não despeje águas, diretamente,
sobre o prédio vizinho68.

Art. 1.301. É defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de metro e meio do
terreno vizinho69.

§ 1o As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como as perpendiculares, não
poderão ser abertas a menos de setenta e cinco centímetros.

§ 2o As disposições deste artigo não abrangem as aberturas para luz ou ventilação, não maiores
de dez centímetros de largura sobre vinte de comprimento e construídas a mais de dois metros
de altura de cada piso.

Há a possibilidade de que se gere servidão do imóvel vizinho para iluminação ou


ventilação (servidão contínua não aparente – normalmente não gera usucapião, mas pode
gerar).
Art. 1.302. O proprietário pode, no lapso de ano e dia após a conclusão da obra, exigir que se desfaça
janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu prédio; escoado o prazo, não poderá, por sua vez,
edificar sem atender ao disposto no artigo antecedente, nem impedir, ou dificultar, o escoamento das
águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho.

Parágrafo único. Em se tratando de vãos, ou aberturas para luz, seja qual for a quantidade, altura e
disposição, o vizinho poderá, a todo tempo, levantar a sua edificação, ou contramuro, ainda que lhes
vede a claridade.

Art. 1.307. Qualquer dos confinantes pode altear a parede divisória, se necessário reconstruindo-a, para
suportar o alteamento; arcará com todas as despesas, inclusive de conservação, ou com metade, se o
vizinho adquirir meação também na parte aumentada.
Art. 1.311. Não é permitida a execução de qualquer obra ou serviço suscetível de provocar
desmoronamento ou deslocação de terra, ou que comprometa a segurança do prédio vizinho, senão
após haverem sido feitas as obras acautelatórias.

Parágrafo único. O proprietário do prédio vizinho tem direito a ressarcimento pelos prejuízos que
sofrer, não obstante haverem sido realizadas as obras acautelatórias.

Art. 1.311: responsabilidade objetiva pelas obras suscetíveis de gerar


desmoronamento ou deslocação de terra mesmo sendo realizada obra acautelatória.

67
Cabe Nunciação de Obra Nova (ação).
68
Estilicídio: despejar água em imóvel alheio.
69
Portanto uma janela não pode estar a menos de 3 metros uma da outra (exceto §1º do mesmo artigo – Súmula
STF 414).

133
Direito Civil

3.16. Propriedade intelectual


Denomina-se propriedade intelectual a proteção dada a bens incorpóreos, permitindo
que se aplique a estes as 4 faculdades típicas da propriedade (podendo tornar o bem
excludente), apesar da ausência de inflexão física. É possível a exteriorização do domínio de
bens incorpóreos, mas a jurisprudência pátria não permite ações possessórias destes bens.
Há, basicamente, duas formas de proteção da informação: pública, através do INPI,
protegendo a informação por 20 anos, e privada, através de segredo industrial (obrigação
contratual).
Observação: Sinal distintivo – é qualquer elemento do produto que angarie clientela (o
nome e o formato da garrafa coca cola; o barulho de uma motocicleta Harley Davidson; as
denominações de origem, como champagne e queijo canastra, por exemplo).

3.16.1. Origem
A propriedade intelectual se desenvolveu primordialmente na common law, sendo a
primeira manifestação a do Rei Irlandês Dermot (Diarmait), se deparando sobre a cópia de
um livro sem autorização, aplicou a Lex fabia ex plagiaris de maneira extensiva, ou seja,
utilizou a regra de que se o bezerro pertencia ao dono da vaca a cópia do livro pertencia ao
autor do livro.
No início do século XVIII, a Rainha Ana estabeleceu proteção legal à propriedade
intelectual como forma de incentivar a educação do povo (Statute of Ana – copyright, sob
forte influência do pensamento de Locke sobre a liberdade de expressão).
Posteriormente, as constituições dos estados americanos começaram a consagrar o
direito de propriedade intelectual (a partir de 1783).
Na civil law a primeira manifestação sobre a propriedade intelectual data de 1880,
quando uma corte francesa reconhece o direito autoral enquanto direito patrimonial. Trata-se
da figura do portrait de dame, ou seja, tentava-se obrigar um artista (pintor) a assinar um
retrato de uma dama francesa por ele pintado. A corte decidiu neste caso que é direito moral
do autor vincular ou não seu nome à obra.

3.16.2. Espécies
Patentes (Lei 9.279/1996);
Marcas (art. 139 da Lei 9.279/1996);
Direito autoral (Lei 9.610);
Cultivares (Lei 9.456);
Softwares (Lei 9.609);
Desenhos arquitetônicos (art. 7º, Lei 9.610).

134
Direito Civil

Mais importante que saber as espécies, é saber que não há proteção à ciência básica,
ou seja, à ciência sem aplicação (o conhecimento, em si, não tem dono, é uma forma de
garantir o progresso da ciência, deixando que a ciência básica seja de amplo acesso). Assim,
não pode ser protegido uma fórmula matemática ou um conhecimento jurídico. São, portanto,
matérias de domínio público.

3.16.3. Direitos autorais


É a proteção legal concedida ao titular70 de um direito sobre uma criação artística,
literária ou científica.
A Lei 9.610 trata do direito patrimonial do autor, protegido por 70 anos contados do
dia primeiro de janeiro do ano seguinte ao que o autor falecer (tempo muito longo, que não se
justifica por uma visão da função social da propriedade). A violação de um direito autoral
patrimonial implica em contrafação. A mesma lei trata ainda do direito moral do autor, que
consiste no direito do autor de ter ou não seu nome vinculado à sua obra. A violação da
situação jurídica do direito moral do autor (vez que não há, após a morte, credor da
obrigação de não violar), implica em plágio.
São correntes com relação ao direito autoral:
• Monista: há apenas um direito autoral, com faceta patrimonial e outra moral (esta, a
princípio indisponível). Esta é a corrente adotada no Brasil.
• Dualista: há dois direitos autorais, uma moral (ligada a direito da personalidade) e
outra patrimonial.
É possível contrato sobre obra futura (Paulo Coelho), ou seja a compra de direitos
patrimoniais de uma obra antes dela estar pronta71. O direito moral não pode ser negociado
desta forma.
O juiz que for decidir caso em que verse direito autoral deve aplicar o modo menos
gravoso (por exemplo, estabelecer um usufruto temporário para sanar obrigação quando esta
for opção alternativa a determinar a venda do direito para o mesmo fim).

3.16.4. Eficácia/eficiência
A proteção da propriedade intelectual (naturalmente não excludente) se justifica para
incentivar a produção de conhecimento, tendo eficácia dinâmica e estática. Eficácia dinâmica
trata-se de que quanto mais informação é transferida maior informação será gerada –
externalidade positiva. Enquanto isso, a eficácia estática se destina à proteção da informação
(tornando-a bem excludente).

3.16.5. Externalidades
A justificativa para o uso da força do Estado para manter a propriedade privada é a
função social (o retorno à sociedade da propriedade privada). A função social é uma
70
Nem sempre será o criador, que pode ter realizado negócio jurídico sobre o direito autoral patrimonial.
71
No Brasil, por até 5 anos.

135
Direito Civil

externalidade positiva (produção de alimentos em uma fazenda, bem como o pagamento de


verbas trabalhistas, previdenciárias e o seguro de vida dos funcionários).
Obviamente, também existem externalidades negativas (rompimento de barragem).
Nos direitos autorais, a proteção da informação, tornando-a bem excluível é uma
externalidade negativa, a princípio, mas que se revela uma externalidade positiva, uma vez
que a proteção da informação permite que o descobridor/inventor aufira lucros, de forma que
essa proteção enseja a criação de novas informações.
A grande questão é qual a medida entre a eficácia dinâmica e a eficácia estática que
garante a maior externalidade positiva – equilíbrio razoável entre as eficiências estática
(tempo de excluibilidade) e dinâmica (tempo da informação para domínio público) -
(conforme já dito, a lei brasileira de proteção ao direito autoral por 70 anos do primeiro dia
do ano seguinte a da morte do autor, parece ser exageradamente protetora da eficácia
estática).

3.16.6. Informações pessoais e de governo


Informação pessoal é a informação de caráter íntimo, sendo protegido pelo direito de
privacidade. Dessa forma, o indivíduo pode impedir a divulgação destas informações
(pessoas públicas: medida da relevância pública da informação).
STF: biografia do Roberto Carlos. STF tinha dois caminhos: common law (liberdade
de expressão) e a civil law (em que a liberdade de expressão é mitigada por outros valores –
Mitterand72). O STF tomou a linha da common law para afirmar politicamente a inexistência
de censura. Apesar disso, prevalece culturalmente a postura do direito continental.
Já a informação de governo é uma informação sigilosa (pertencente ao governo), até
para a defesa dos agentes do Estado.

3.16.7. Direito de sequência


Os grandes pintores de vanguarda, muitas vezes, morrem pobres. Isto ocorre pela
demora em valorizar a obra vanguardista.
O direito de sequência (saisine) consiste no direito de 5% sobre o valor acrescido na
revenda de um quadro do autor. É uma obrigação do vendedor, mas pela qual o comprador
também responde.
Gera um novo tipo de direito real, oponível erga omnes, e com sequela (aderente ao
bem). É um direito patrimonial, e, portanto, se extingue 70 anos do dia primeiro de janeiro do
ano subsequente à morte do autor. Não é um direito disponível.

72
Enterrado com amante e filha sem a divulgação de quem eram.

136
Direito Civil

3.16.8. Sucessão
Os direitos autorais patrimoniais sucedem como qualquer outro direito. Já o direito
moral do autor se torna uma situação jurídica (não há credor definido), podendo qualquer
pessoa alegar o plágio.

3.16.9. Comunicabilidade
Os frutos dos direitos autorais se comunicam, assim, com a sociedade conjugal, os
direitos autorais são divididos meio a meio, até o fim da sociedade conjugal, quando os
direitos autorais retornam inteiramente ao autor (fim da comunicabilidade).

3.16.10. Tradução/arranjo musical


Assim como a autoria, a tradução também é protegida, ou seja, sobre a tradução há
direito autoral.
Na mesma linha, o arranjo musical também é protegido por direito autoral. Cenário de
teatro, conjunto de obras musicais de peças teatrais, coreografia de balés, são todos
protegidos.

3.16.11. Paródia e paráfrase


A paródia e a paráfrase são permitidas, uma vez que a paródia é tida como uma forma
de arte em si mesma, desde que não se utilize o mesmo arranjo do autor. Enquanto isso a
paráfrase deve ter a fonte referenciada (citada).

3.16.12. Recolhimento dos direitos autorais


O recolhimento de valores de direitos autorais musicais pela radiodifusão é feito por
um escritório privado (não estatal), o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e
Distribuição). No âmbito do cinema é a ANCINE que tem este papel.

3.16.13. Natureza jurídica


A propriedade intelectual tem natureza de propriedade, embora com particularidades.
A oponibilidade erga omnes depende da publicidade, que se dá com o registro no INPI
(Instituto Nacional de Propriedade Intelectual), embora, na maioria das vezes, a propriedade
intelectual não seja registrada73.
Também é possível que a publicidade se dê pelo registro no Cartório de Registro de
Títulos e Documentos, uma vez que este tem competência residual. Entretanto, é uma solução
cara, raramente adotada.
O registro, no caso, é tem natureza meramente declaratória, com presunção juris
tantum.
É plenamente possível a cessão de direito autoral.
73
Caberá, nestes casos, ao autor provar sua autoria anterior em caso de violação.

137
Direito Civil

3.17. Perda da propriedade


Assim como acontece com a posse, perde-se a propriedade pelos meios que outra
pessoa adquire a propriedade, além de outros tipos de perda da propriedade, que funcionam
de modo sui generis. São tipos de perda de propriedade:
• Desapropriação: perda da propriedade para o Poder Público ou alguém por ele
autorizado. Deve existir um interesse público comprovado que possibilite a
desapropriação. É um instituto de origem no direito dos EUA, como uma devolução
ao direito de propriedade (a propriedade como sendo um instituto permitido pelo
Estado, e, uma vez atendido o interesse público, passível de ser restituído ao Estado).
É quase uma sujeição (sujeição não inteiramente potestativa), uma vez que o
particular somente poderá alegar alguma irregularidade formal, indenização injusta ou
falta de interesse público. Fora estas três defesas, não há nada que o particular possa
fazer para evitar a desapropriação. Sujeito a indenização prévia. É uma limitação geral
ao direito de propriedade, vez que todas as propriedades se sujeitam a esta limitação
(domínio iminente do Estado). Sob o viés do direito administrativo, a desapropriação
é o ato do Poder Público, fundado em lei, por meio do qual se retira, total ou
parcialmente, o direito de um bem inerente ao patrimônio individual em benefício de
um empreendimento público. A desapropriação é regulada pelo Decreto-lei
3.365/1941 – exige um decreto que declare a utilidade do bem – em especial o art. 5º,
que trata de rol exemplificativo do interesse público; art. 1.228, §3º 74 do CC; art. 182,
§3º75 da CF, o §4º faz menção a requisitos para desapropriação municipal, sob pena de
arbitrariedade do Estado. Pode-se desapropriar o imóvel rural que não atenda a sua
função social para reforma agrária (art. 184 da CF), caso em que a indenização se dará
em título da dívida agrária (e não em dinheiro), na prática, esta indenização acaba
sendo insignificante e demorada, de forma que é quase uma expropriação. Há ainda a
desapropriação judicial (CC, art. 1.228, §4º76), em que o juiz fixa a indenização (art.
1.228, §5º). Critica-se esta opção do legislador, uma vez que o juiz não deveria ter
esta ingerência no orçamento dos entes públicos (municípios), uma vez que o
orçamento público é aprovado pelo Poder Legislativo e elaborado e executado pelo
Poder Executivo. O resultado é que esta disposição legal nunca foi aplicada de fato,
tratando-se de letra morta de lei. A desapropriação, em todas as formas apresentadas,
podem recair não somente sobre imóveis, mas também sobre bens móveis (exemplo:
Lei 5.772/197177 art. 39 e 46).
• Expropriação: penalidade aplicada pelo Estado retirando a propriedade. Via de regra é
proibida a expropriação. Só é permitida nos casos previstos constitucionalmente:

74
§ 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou
utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.
75
§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em
dinheiro.
76
§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa
área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas,
e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados
pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
77
Esta lei foi revogada em 1996.

138
Direito Civil

redução a trabalho em condição análogo a de escravidão e uso da propriedade para


cultivo de tóxicos. Não se sujeita a qualquer indenização.
• Requisição: não se trata, de fato, de perda da propriedade, mas de perda da posse,
enquanto durar situação de necessidade em que o Estado precise atuar, se dá de modo
unilateral e autoexecutório. O Estado deve indenizar posteriormente os danos
causados pela medida (art. 5º, XXV e art. 139, VII da CF), e, uma vez finda a
necessidade que autoriza a requisição, a posse deve ser devolvida ao particular.
• Arrecadação (art. 1.276): propriedade imóvel abandonada, passa após 3 anos para o
Estado (se urbano, para o Município; se rural, para a União - §1º), é quase uma
usucapião estatal. Presunção absoluta pela não exteriorização da posse e sem
satisfação dos ônus fiscais (IPTU ou ITR) - §2º. Mesmo o abandono por pessoa com
distúrbio mental passageiro está abrangido por esta presunção. A presunção é relativa
se houver desapossamento mas continuar a adimplência dos ônus fiscais. A mera
inadimplência fiscal não gera presunção pela arrecadação, dotando o crédito tributário
de forma própria para sua cobrança.
• Renúncia (art. 1.275, II): não é abandono, sendo cabível em bens imóveis, que não se
tornam res derelicta. Assim, a renúncia torna o bem imóvel sem dono,
correspondendo a qualquer ato registrado pelo qual o proprietário se livra do direito
que possui.

139
Direito Civil

D.4. Propriedade resolúvel

A denotação resolúvel, em direito civil, remete a uma condição resolutiva, ou seja, a


uma condição em que a eficácia se dá até o implemento da condição (com o implemento da
condição, perde-se a eficácia do negócio jurídico). A condição suspensiva, por sua vez, é a
condição que suspende o direito (eficácia) até seu implemento.
Assim, na propriedade resolúvel, o proprietário tem a propriedade até o implemento
da condição (adimplemento da obrigação). A partir deste momento a propriedade passará a
outro.
Art. 1.359 e 1.360:
Art. 1.359. Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo,
entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em
cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha.

Art. 1.360. Se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o possuidor, que a tiver
adquirido por título anterior à sua resolução, será considerado proprietário perfeito, restando à pessoa,
em cujo benefício houve a resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a
própria coisa ou o seu valor.

4.1. Alienação fiduciária


A alienação fiduciária é um direito real de garantia. O empréstimo junto ao banco para
aquisição de um bem (automóvel ou imóvel, comumente) é garantido pelo próprio bem. A
propriedade resolúvel, durante o financiamento, é do banco (credor; fiduciário), mas a posse
direta é do indivíduo que realizou o empréstimo (fiduciante).
Com o adimplemento da última parcela do financiamento, a propriedade se resolve
em favor do indivíduo, ou seja, é o implemento da condição resolutiva, por si só. Desta
forma, o adimplemento da última parcela resolve a propriedade do banco, sendo parecido
com o efeito da usucapio libertatis. É o efeito a que se refere o art. 1.359 já transcrito.
A alienação fiduciária foi introduzida no Brasil na década de 1970, inicialmente
apenas a bens móveis (Lei 9.514/1997 – introdução da alienação fiduciária sobre imóveis),
permitindo uma correção do sistema jurídico, uma vez que o Poder Judiciário havia parado de
promover a destituição da coisa hipotecada em caso de inadimplemento (e a hipoteca, em
consequência, caiu em desuso). Assim, a alienação fiduciária, com a garantia sobre a própria
coisa adquirida, permitiu o desenvolvimento econômico do país.
O fiduciário (banco) tem uma obrigação fiduciária, ou seja, a obrigação de tomar
conta da coisa alheia (propriedade resolúvel). O fundo de pensão também é uma obrigação
fiduciária.
A executividade do procedimento de alienação fiduciária, em caso de
inadimplemento, é muito mais rápido que o procedimento de hipoteca. Há problemas que
vem sendo causados pela jurisprudência (STJ), entretanto, ainda é muito mais seguro para o
banco que a hipoteca, por exemplo.

140
Direito Civil

4.1.1. Alienação fiduciária de bens móveis


A definição legal da alienação fiduciária de bens móveis consta do art. 1.361 do CC (o
código só trata de alienação fiduciária de bens móveis, uma vez que os imóveis são matéria
da Lei 9.514/1997).
Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o
devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

É obrigatório que o contrato contenha as matérias listadas no art. 1.362, sendo que o
adimplemento da última parcela transfere a propriedade ipso facto e ipso legis.
Em decorrência do dispositivo legal transcrito acima percebe-se que a alienação
fiduciária é tanto um direito real de garantia quanto de aquisição (garantia ao credor de
satisfação do crédito e direito de aquisição ao fiduciante pelo adimplemento do
financiamento).
Sendo direito real, a alienação fiduciária deve ser registrada, ou no DETRAN
(automóveis), ou no CRI (imóveis) ou, residualmente, no Cartório de Títulos e Documentos.
A alienação fiduciária é exceção ao artigo 108 do Código Civil, uma vez que o bem
de qualquer valor pode ser transferido por alienação fiduciária por instrumento particular (o
artigo 108 exige instrumento público para transferência de bens imóveis em valor superior a
30 salários-mínimos).
Art. 1.361, § 1o Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por
instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do
domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento,
fazendo-se a anotação no certificado de registro.

Se a dívida não for paga a propriedade será consolidada para o credor, possibilitando
que o bem seja excutido (é vedado o pacto comissório), sendo possível a dação em
pagamento (art. 1.365).
Art. 1.365. É nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada
em garantia, se a dívida não for paga no vencimento.

Parágrafo único. O devedor pode, com a anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa em
pagamento da dívida, após o vencimento desta.

4.1.2. Alienação fiduciária de bens imóveis (Lei 9.514/1997)

4.1.3. Execução da alienação fiduciária de imóveis


A alienação fiduciária é um direito real sobre coisa alheia, a alienação fiduciária é
registrada. Em caso de inadimplemento do fiduciante, o proprietário resolúvel pode
comunicar a inadimplemento ao cartório, que deverá notificar o devedor para o pagamento
em prazo de 15 dias. Não sendo feito o pagamento, o credor pode pedir a averbação da
consolidação da propriedade em seu nome, tendo o registrador 30 dias para fazê-lo.

141
Direito Civil

Nos 15 dias subsequentes a averbação o imóvel irá a leilão. Recomenda-se que os


advogados aconselhem a dação em pagamento ou a venda do bem a terceiro, evitando o
pagamento de aluguel (normalmente superior ao valor de mercado – 1% do valor do bem) e
os custos com o leilão.
O terceiro que adquira o imóvel tem duas opções, sub-rogar no papel do credor, caso
pague ao banco a totalidade da dívida, ou assumir o papel do devedor (pagamento mensal das
parcelas do financiamento). Neste último caso, ocorre a cessão do direito real de aquisição
(sendo comum que o banco exija um “plus” para aceitar1).

4.2. Situações semelhantes (não são direitos reais)


4.2.1. Arrendamento mercantil
O arrendamento mercantil (ou leasing) é o contrato pelo qual determinadas máquinas
ou imóveis são alugados, sem a transferência da propriedade, mas com um valor residual
previsto em contrato pelo qual os bens poderão ser adquiridos ao fim do contrato.
É muito comum que empreiteiras adquiram as máquinas necessárias aos
empreendimentos neste sistema. Uma instituição financeira compra o maquinário necessário
à realização de um contrato pela empreiteira, tendo o próprio contrato como garantia, e aluga
os bens à empreiteira, que ao fim pode pagar o valor residual para obter a propriedade sobre
os bens.
O valor residual costuma ser bem abaixo do valor do bem, de forma que a aquisição
quase sempre acontece.
Trata-se de relação puramente obrigacional.

4.2.2. Compra e venda com reserva de domínio (art. 521 a 528)


O contrato de compra e venda com reserva de domínio é um contrato com cláusula
que impede a transferência da propriedade até o adimplemento da última parcela
obrigacional. Ou seja, é uma compra e venda em que só se transmite, a princípio, a posse
direta do bem móvel. A propriedade é assim retida2.
A reserva de domínio só se aplica a bens móveis.
O remédio processual para o inadimplemento da obrigação pode se dar de duas
formas:
• Como em qualquer contrato de compra e venda, uma ação de cobrança (não é uma
ação sobre o bem, vez que na compra e venda convencional já houve transferência da
propriedade pela tradição, vez que se trata de bens móveis);

1
Em virtude desta realidade, muito frequentemente as pessoas não comunicam a cessão ao banco, promovendo
um “contrato de gaveta”, que consiste em uma procuração em causa própria (art. 685), com título deambulante.
Assim, o imóvel ó será registrado ao fim (primeiro em nome do devedor que se tornou inadimplente, e
posteriormente ao terceiro que efetivamente adimpliu o financiamento).
2
Distinção entre este caso e os outros estudados, na alienação fiduciária a propriedade é resolúvel e no
arrendamento mercantil há a opção de compra ao fim, enquanto na reserva de domínio a propriedade é retida.

142
Direito Civil

• Ação de busca e apreensão: necessário constituir o devedor em mora ex personae


antes, ou seja, o mero termo da parcela não constitui o devedor em mora 3. É
necessário, com a busca e apreensão realizada com sucesso, a devolução dos valores
parcialmente adimplidos pelo devedor em mora, descontada a depreciação do bem.
Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o
preço esteja integralmente pago.

Art. 522. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no
domicílio do comprador para valer contra terceiros4.

Art. 523. Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de
caracterização perfeita, para estremá-la de outras congêneres5. Na dúvida, decide-se a favor do
terceiro adquirente de boa-fé.

Art. 524. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço


esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de
quando lhe foi entregue6.

Art. 525. O vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio após constituir
o comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação judicial7.

Art. 526. Verificada a mora do comprador, poderá o vendedor mover contra ele a competente
ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas e o mais que lhe for devido; ou poderá
recuperar a posse da coisa vendida8.

Art. 527. Na segunda hipótese do artigo antecedente, é facultado ao vendedor reter as


prestações pagas até o necessário para cobrir a depreciação da coisa, as despesas feitas e o mais que
de direito lhe for devido. O excedente será devolvido ao comprador; e o que faltar lhe será cobrado,
tudo na forma da lei processual9.

Art. 528. Se o vendedor receber o pagamento à vista, ou, posteriormente, mediante


financiamento de instituição do mercado de capitais, a esta caberá exercer os direitos e ações
decorrentes do contrato, a benefício de qualquer outro. A operação financeira e a respectiva ciência do
comprador constarão do registro do contrato10.

3
Art. 525. O vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio após constituir o
comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação judicial.
4
Necessidade de dar publicidade para tornar os efeitos oponíveis contra terceiros.
5
É necessário, portanto, a especificação perfeita da coisa.
6
A tradição transfere a posse direta e os riscos.
7
Mora ex personae.
8
Possibilidade da cobrança ou da ação de busca e apreensão.
9
Devolução das parcelas pagas descontada a depreciação. Se a depreciação for maior que o valor pago, possível
a cobrança do restante.
10
Sub-rogação

143
Direito Civil

D.5. Direitos reais sobre coisas alheias

5.1. Teoria geral


A possibilidade de se ter direitos sobre coisas alheias deriva de duas características da
propriedade:
1. As 4 faculdades inerentes à propriedade: usar, gozar, dispor e reaver.
2. A elasticidade/fragmentariedade da propriedade.
Assim, a possibilidade de direitos reais sobre coisas alheias deriva justamente da
possibilidade de se transferir total ou parcialmente uma ou mais das faculdades inerentes da
propriedade, sem, contudo, a transferência da propriedade. E, desta forma, o direito real sobre
coisa alheia é o direito de utilizar alguma(s) faculdade(s) inerente(s) à propriedade sobre bem
alheio.
Embora duas pessoas não possam, ao mesmo tempo, exercer o direito de uso ou gozo
plenamente sobre a mesma coisa (princípio da exclusividade do domínio – art. 1.231 1), é
possível a transferência de parte das faculdades (princípio da elasticidade). São outros
princípios inerentes aos direitos reais sobre coisas alheias:
• Temporariedade: o uso da mesma coisa por diversas pessoas é uma fonte de conflitos,
tendendo a ser uma situação temporária (tendendo terminar), enquanto a propriedade
tende a ser perpétua.
• Unicidade: possibilidade de que dois ou mais bens respondam pela mesma dívida
(todo o patrimônio responde pela dívida).

5.1.1. Constituição de direito real sobre coisa alheia


A constituição de direito real sobre coisa alheia pode se dar:
• Intervivos: através de contrato (exemplos: penhor, doação com usufruto, alienação de
enfiteuse, alienação de servidão).
• Causa mortis (exemplo: Nacif mantém tias em asilo apropriado e teme que, caso
morra antes delas, os seus filhos não tenham o mesmo cuidado com elas, desta forma,
estabelece usufruto de dois apartamentos para as tias, destinando seus frutos civis à
manutenção destas no asilo, após a morte das tias a propriedade dos filhos se torna
plena).
• Por lei (exemplo: art. 1.467 – penhor legal; art. 1.489 – hipoteca legal; art. 1.689 –
usufruto; art. 1.831 – habitação): não é necessário registro, pois a publicidade se dá
pela própria lei.
• Judicial: CPC, art. 8052 - o juiz deve atender a execução do modo menos gravoso (é
melhor estabelecer um usufruto sobre os frutos civis de um imóvel que determinar sua
alienação em hasta pública, por exemplo).
1
Art. 1.231. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário.

144
Direito Civil

5.1.2. Tipos
Os direitos reais sobre coisas alheias (jus in re aliena) podem ser: de uso e gozo; de
garantia; ou de aquisição.

5.2. Direitos reais de uso e gozo


5.2.1. Enfiteuse (aforamento)
Prevista no CC/16, a enfiteuse foi excluída do CC/02 uma vez que seu caráter de
perpetuidade passava a ideia de um feudalismo entre o senhorio direto e o senhorio útil.
Assim, não é mais possível estabelecer a enfiteuse entre particulares, continuando válidos
os contratos feitos no âmbito do código antigo.
A enfiteuse é a transferência, pelo senhorio direto, das faculdades de uso, gozo, dispor
e reaver o bem ao senhorio útil, mantendo o senhorio direto pequena fração do direito de
gozo. O objeto da enfiteuse são terras nuas (terras sem acessões).
O senhorio direto (proprietário) tem a posse indireta do bem, enquanto o senhorio útil
tem a posse direta da coisa.
No âmbito do CC/16, o senhorio útil deve pagar ao senhorio direto um Canon (aluguel
anual) e um laudêmio pela venda do domínio útil (2,5% de cada venda da enfiteuse). A
enfiteuse é perpétua.
Grande parte da cidade de Petrópolis é propriedade da família real, sendo o domínio
útil adquirido por meio da enfiteuse.
Atualmente é possível a enfiteuse entre particulares e o Poder Público (comumente a
Marinha3). Assim, permanecem válidos e são possíveis novas enfiteuses neste sentido por
permissão constitucional.
Não sendo mais possível, a enfiteuse foi substituída por outro direito real de uso e
gozo, que consiste no direito de superfície, também aplicável a terras nuas, tendo por
característica a temporalidade (não é perpétuo).

5.2.2. Superfície (art. 1.369 a 1.377)


O direito de superfície é o direito real destinado às terras nuas que podem ter acessões.
O prazo máximo de duração do direito é de 30 anos.

2
Art. 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se
faça pelo modo menos gravoso para o executado.

Parágrafo único. Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar
outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já
determinados.

3
A marinha é proprietária de todas as terras até 33 metros de distância da preamar média.

145
Direito Civil

O direito de superfície exige o pagamento de contraprestação (aluguel) que pode ser


mensal, anual, ou feito em pagamento único por todo o período do contrato (art. 1.370 e
1.375).
Ao fim do tempo estipulado o bem retorna ao proprietário que adquire também as
acessões realizadas (art. 1.375).
Observação: não confundir o direito real de superfície com o built to suit, ou seja, a
construção pelo proprietário de imóvel que se adéqua às necessidades do locatário, este
último é um contrato apenas (natureza obrigacional) sendo disciplinado pela Lei 8.245/1991
(Lei de Locações), art. 54-A.
Conceito: o direito real de superfície consiste no direito de construir ou plantar em
solo alheio.
A constituição se dá sempre por escritura pública (exceção ao art. 108 do CC)4.
A formação do direito de superfície pode se dar onerosamente ou gratuitamente.
São características do direito de superfície:
• Tanto o direito de propriedade quanto o direito de superfície são alienáveis, porém, a
alienação deve ser feita dando preferência ao titular do outro direito (o proprietário
tem preferência para aquisição do direito de superfície e o titular do direito de
superfície tem preferência para aquisição da propriedade) – art. 1.373.
• Os direitos são sucessíveis (art. 1.372).
• Não se pode alterar a natureza da acessão sem consentimento do proprietário – art.
1.374.
• Os tributos e encargos ficam a cargo do superficiário enquanto este estiver na posse
do bem (art. 1.371).
A extinção se dá por fim do prazo contratual, por destinação diversa sem
concordância do proprietário, por confusão, ou por desapropriação do imóvel (indenização na
forma do art. 1.376, ou seja, considerando o tempo restante ao fim do contrato.
Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu
terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de
Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao
objeto da concessão.

Art. 1.370. A concessão da superfície será gratuita ou onerosa; se onerosa, estipularão as partes
se o pagamento será feito de uma só vez, ou parceladamente.

Art. 1.371. O superficiário responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel.

Art. 1.372. O direito de superfície pode transferir-se a terceiros e, por morte do superficiário, aos
seus herdeiros.
4
Observe que tanto a alienação fiduciária quanto o direito de superfície são exceções ao art. 108, contudo, a
alienação fiduciária pode ser sempre feita por instrumento particular enquanto o direito de superfície exige
sempre escritura pública, independente do valor do bem.

146
Direito Civil
Parágrafo único. Não poderá ser estipulado pelo concedente, a nenhum título, qualquer
pagamento pela transferência.

Art. 1.373. Em caso de alienação do imóvel ou do direito de superfície, o superficiário ou o


proprietário tem direito de preferência, em igualdade de condições.

Art. 1.374. Antes do termo final, resolver-se-á a concessão se o superficiário der ao terreno
destinação diversa daquela para que foi concedida.

Art. 1.375. Extinta a concessão, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre o terreno,
construção ou plantação, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o
contrário.

Art. 1.376. No caso de extinção do direito de superfície em conseqüência de desapropriação, a


indenização cabe ao proprietário e ao superficiário, no valor correspondente ao direito real de cada um.

Art. 1.377. O direito de superfície, constituído por pessoa jurídica de direito público interno, rege-
se por este Código, no que não for diversamente disciplinado em lei especial.

5.2.3. Servidão
A servidão é o direito real de uso e gozo sobre coisa alheia em que um imóvel
transfere a outro imóvel uma utilidade.
O imóvel que pega parte da utilidade é dito imóvel dominante, enquanto o que
empresta parte da utilidade é um imóvel serviente.
A servidão se liga ao imóvel e não a pessoa do proprietário. Em decorrência, e sendo
direito real, há necessidade de registrar a servidão nas matrículas dos imóveis (tanto do
dominante quanto do serviente).
A servidão não se transfere de um imóvel a outro sem a anuência do proprietário do
imóvel serviente, sendo comum neste caso a onerosidade de um negócio jurídico para que o
proprietário permita.
Contudo, a servidão não é indivisível, ou seja, se um imóvel dominante passa a ter
vários proprietários (sucessão, por exemplo), dividindo-se em vários imóveis, todos os
imóveis decorrentes terão a servidão anterior (continuando o imóvel serviente no mesmo
estado em que se encontrava – não há ampliação da servidão, apenas sua divisão).
A ampliação da servidão também deve contar com a anuência do proprietário do
imóvel serviente.
A forma de se realizar o negócio jurídico da servidão atende à regra do art. 108 do CC
(a servidão não é exceção à regra), assim:
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos
negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais
sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

A servidão não se confunde com a passagem forçada. Esta é um direito de vizinhança


aplicável a circunstância inesperada que deixa um prédio sem acesso à via pública (prédio
encravado). Aquela é direito real in re aliena baseada na utilidade passada do prédio
serviente para o prédio dominante.

147
Direito Civil

O requisito da servidão é a publicidade dada pelo registro ao direito real instituído em


dois imóveis diversos.
Não é requisito, ao contrário do que afirmam vários doutrinadores, que os imóveis
tenham proprietários diferentes, pois sendo o mesmo proprietário só se extingue a servidão
com a ação deste (a extinção não é automática)5.
Via de regra, a servidão é perpétua (semelhança com a enfiteuse), acompanhando a
transferência dos imóveis. Pode, contudo, ser instituída com prazo, termo ou condição.
A servidão não pode ser presumida:
Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio
serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários,
ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de Imóveis.

O custo de manutenção, via de regra, pertence ao prédio dominante, sendo possível


acordo em contrário das partes (normalmente só se dá quando o proprietário do imóvel
serviente também faz uso da utilidade).
Art. 1.380. O dono de uma servidão pode fazer todas as obras necessárias à sua conservação
e uso, e, se a servidão pertencer a mais de um prédio, serão as despesas rateadas entre os respectivos
donos.

Art. 1.381. As obras a que se refere o artigo antecedente devem ser feitas pelo dono do prédio
dominante, se o contrário não dispuser expressamente o título.

Art. 1.382. Quando a obrigação incumbir ao dono do prédio serviente, este poderá exonerar-se,
abandonando, total ou parcialmente, a propriedade ao dono do dominante.

Parágrafo único. Se o proprietário do prédio dominante se recusar a receber a propriedade do


serviente, ou parte dela, caber-lhe-á custear as obras.

Art. 1.383. O dono do prédio serviente não poderá embaraçar de modo algum o exercício
legítimo da servidão.

Art. 1.384. A servidão pode ser removida, de um local para outro, pelo dono do prédio serviente e
à sua custa, se em nada diminuir as vantagens do prédio dominante, ou pelo dono deste e à sua custa,
se houver considerável incremento da utilidade e não prejudicar o prédio serviente.

Art. 1.385. Restringir-se-á o exercício da servidão às necessidades do prédio dominante,


evitando-se, quanto possível, agravar o encargo ao prédio serviente.

§ 1o Constituída para certo fim, a servidão não se pode ampliar a outro.

§ 2o Nas servidões de trânsito, a de maior inclui a de menor ônus, e a menor exclui a mais
onerosa.

§ 3o Se as necessidades da cultura, ou da indústria, do prédio dominante impuserem à servidão


maior largueza, o dono do serviente é obrigado a sofrê-la; mas tem direito a ser indenizado pelo
excesso.

Art. 1.386. As servidões prediais são indivisíveis, e subsistem, no caso de divisão dos imóveis,
em benefício de cada uma das porções do prédio dominante, e continuam a gravar cada uma das do
prédio serviente, salvo se, por natureza, ou destino, só se aplicarem a certa parte de um ou de outro.

5
Apesar desta manifestação do docente, o art. 1.378 em sua literalidade vai contra a sua opinião.

148
Direito Civil

A constituição da servidão pode se dar:


• Inter vivos: na forma do art. 108 do CC.
• Causa mortis: a própria divisão do imóvel já deverá ser acompanhada das respectivas
servidões necessárias (trabalho do serventuário no registro de imóveis conferir e
exigir isto).
• Usucapião

5.2.3.1. Usucapião
Via de regra, a servidão só pode ser usucapida pelo exercício contínuo e aparente da
servidão, isto é:
• Continuidade: servir-se da utilidade do prédio vizinho sem qualquer intervenção
humana para a utilidade.
• Aparência: exteriorização da servidão. É conseguida através de obras (o proprietário,
para evitar a usucapião, deve impedir ou destruir as obras realizadas).
Caso a utilidade seja conseguida apenas com a autorização reiterada do proprietário
do imóvel “serviente”, não há usucapião, tratando-se de mera tolerância:
Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos
termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis,
valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião.

Parágrafo único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte anos.

A servidão com título é dita titulada, tendo prazo de 10 anos para usucapião. Já a não
titulada tem prazo de 20 anos para usucapião (extraordinária).
Há exceção a regra de necessidade de continuidade e aparência (STF, súmula 415):
Súmula 415

Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras
realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória

É a denominada servidão de passagem, que é uma servidão descontínua.


Exemplos:
• Contínua e aparente: aqueduto, iluminação, ventilação.
• Descontínua e não aparente: passagem sem marca visível (não gera usucapião).
• Contínua e não aparente: sem exemplo factível.
• Descontínua e aparente: passagem com obras (passagem de trânsito), cabe usucapião
(Súmula 415 do STF).

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Direito Civil

5.2.3.2. Quase servidão (servidão administrativa)


Quase servidão é uma situação em que há transferência da utilidade de um prédio sem
que exista um imóvel dominante especificado.
É o que acontece com a passagem de linha de transmissão de energia elétrica,
minerodutos, linhas de transmissão de telefonia, etc.
Os imóveis em que passam os cabos ou dutos são servientes, porém não se pode
identificar um imóvel dominante.

5.2.3.3. Extinção da servidão


Via de regra, a extinção da servidão ocorre por contrato (distrato), resgatando a
utilidade ao imóvel serviente.
Há necessidade de publicidade do ato, através do registro que cancele a servidão nas
matrículas dos imóveis.
São também forma de extinguir a servidão:
• Renúncia
• Fim da utilidade
• Confusão (unificação das matrículas dos imóveis com um proprietário apenas)
• Prescrição extintiva (perda da servidão por usucapião)
• Supressão das obras
Art. 1.387. Salvo nas desapropriações, a servidão, uma vez registrada, só se extingue, com
respeito a terceiros, quando cancelada.

Parágrafo único. Se o prédio dominante estiver hipotecado, e a servidão se mencionar no título


hipotecário, será também preciso, para a cancelar, o consentimento do credor.

Art. 1.388. O dono do prédio serviente tem direito, pelos meios judiciais, ao cancelamento do
registro, embora o dono do prédio dominante lho impugne:

I - quando o titular houver renunciado a sua servidão;

II - quando tiver cessado, para o prédio dominante, a utilidade ou a comodidade, que determinou
a constituição da servidão;

III - quando o dono do prédio serviente resgatar a servidão.

Art. 1.389. Também se extingue a servidão, ficando ao dono do prédio serviente a faculdade de
fazê-la cancelar, mediante a prova da extinção:

I - pela reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa;

II - pela supressão das respectivas obras por efeito de contrato, ou de outro título expresso;

III - pelo não uso, durante dez anos contínuos.

150
Direito Civil

5.2.4. Usufruto
O usufruto é a transferência para o usufrutuário do direito de uso e gozo sobre a coisa,
sendo que o proprietário continua com o direito de dispor e reaver o bem, assim como
permanece com a substância da coisa.
Normalmente o usufruto é vitalício (utilizado para evitar problemas na sucessão).
O usufrutuário é responsável pela manutenção do uso do bem, não sendo necessário
restituir o desgaste natural das coisas. As reformas que interfiram na substância do bem,
contudo, ficam a cargo do proprietário (semelhante aos art. 22 e 23 da Lei de Locações).
Não existe regra fixa sobre o que interfere ou não na substância do bem, normalmente
se considerando o uso comum como ordinário e acrescer a substância do bem como
extraordinário.
É possível o usufruto em bens imóveis, bens móveis, semoventes, valores mobiliários,
propriedade intelectual, títulos de crédito, ações, quotas, florestas, jazidas, etc.
O usufruto é dito próprio quando sobre bens não consumíveis, e impróprio quando
sobre bens consumíveis. No caso de usufruto impróprio, deve ser estabelecido o quantum
pode ser consumido.
Exemplo: usufruto sobre 1000 cabeças de gado por 20 anos. A boiada vai ser
modificada (mortes, nascimentos, etc.), ao fim do tempo, devolve-se o uso e gozo de 1000
cabeças ao proprietário, e o eventual excedente é fruto civil do usufrutuário.
Exemplo: o fruto civil do dinheiro é dinheiro (juros). Porém, os juros têm tanto o
caráter de restituição de poder de compra (correção da inflação) quanto de remunerar o
capital (fruto civil propriamente dito).
Pode ser estabelecido usufruto como bem de família, desde que os frutos do usufruto
sejam utilizados para a manutenção do locus familie (não tenho certeza se a escrita é desta
forma).

5.2.4.1. Extinção
O usufruto se extingue com o termo, prazo ou condição. Na maioria das vezes o
usufruto é vitalício, se extinguindo com a morte da pessoa natural.
Também é possível a extinção do usufruto pela desapropriação 6 ou destruição7 da
coisa.
Extingue-se ainda:
• Pelo resgate (“compra” do usufruto pelo nu proprietário).

6
A indenização sub-roga no usufrutuário (ou seja, o valor da indenização recaí o usufruto nas mesmas condições
do usufruto sobre a coisa).
7
Seguro sobre a coisa também se sub-roga no usufrutuário, da mesma forma que a indenização de
desapropriação.

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Direito Civil
Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de
Imóveis:

I - pela renúncia ou morte do usufrutuário;

II - pelo termo de sua duração;

III - pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela
perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer;

IV - pela cessação do motivo de que se origina;

V - pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos arts. 1.407, 1.408, 2ª parte,


e 1.409;

VI - pela consolidação;

VII - por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes
acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às
importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;

VIII - Pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai ( arts. 1.390 e 1.399).

Usufruto inter vivos - Art. 1.411. Constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas,
extinguir-se-á a parte em relação a cada uma das que falecerem, salvo se, por estipulação
expressa, o quinhão desses couber ao sobrevivente.

Usufruto testamentário: Art. 1.946. Legado um só usufruto conjuntamente a duas ou


mais pessoas, a parte da que faltar acresce aos co-legatários.

Parágrafo único. Se não houver conjunção entre os co-legatários, ou se, apesar de conjuntos, só
lhes foi legada certa parte do usufruto, consolidar-se-ão na propriedade as quotas dos que faltarem, à
medida que eles forem faltando.

O usufrutuário não pode vender o bem, mas pode vender o usufruto. Neste caso, a
8
cessão do usufruto vitalício será um contrato aleatório (a morte do usufrutuário original
extingue o usufruto – o termo, condição ou prazo não pode ser alterado).

5.2.4.2. Rente viagére


Instituto do direito francês, aliena-se um imóvel ao banco reservando o direito de
morar no bem até a morte. Já se tentou copiar este instituto no Brasil (espécie de usufruto),
mas não funcionou.

5.2.5. Uso e habitação


O usufruto é a transferência de 100% do direito de uso e gozo sobre a coisa.

8
A cessão de usufruto não era possível no código de 1916.

152
Direito Civil

O uso, por sua vez, é um usufruto diminuído, ou seja, um usufruto sem 100% do
direito de uso e gozo sobre a coisa. O uso é o direito de usar e gozar da coisa tanto quanto
baste para as necessidades9 próprias e da família:
Art. 1.412. O usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as
necessidades suas e de sua família.

§ 1o Avaliar-se-ão as necessidades pessoais do usuário conforme a sua condição social e o


lugar onde viver.

§ 2o As necessidades da família do usuário compreendem as de seu cônjuge, dos filhos solteiros
e das pessoas de seu serviço doméstico.

Art. 1.413. São aplicáveis ao uso, no que não for contrário à sua natureza, as disposições
relativas ao usufruto.

Se os frutos civis forem superiores às necessidades da família 10, o restante deve ser
entregue ao nu proprietário.
Por força do artigo 1.413, os demais aspectos são iguais ao usufruto.
A habitação, por sua vez, é um uso ainda mais restrito. Retira-se a faculdade de gozar
do bem, podendo o titular habitar o bem de raiz e não podendo impedir que outros com igual
direito também o façam.
Todo cônjuge que não herdou o imóvel único da família tem o direito real de
habitação (sem poder impedir que os filhos também tenham este direito).
Art. 1.414. Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste
direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família.

Art. 1.415. Se o direito real de habitação for conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que
sozinha habite a casa não terá de pagar aluguel à outra, ou às outras, mas não as pode inibir de
exercerem, querendo, o direito, que também lhes compete, de habitá-la.

Art. 1.416. São aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições
relativas ao usufruto.

Extingue-se uso e habitação pelas mesmas formas que se extingue o usufruto.

9
Quantum fuzzi, ou seja, não determinado. O direito real de uso não é para melhoria de vida, mas para
manutenção do padrão de vida.
10
Colaterais até o quarto grau (primo direto ou sobrinho-neto), para o direito civil. Mas, neste artigo, é mais
próxima da definição tributária de família, correspondendo aos cônjuges, filhos até 21 anos (24 se
universitários) ou de qualquer idade, se incapazes. Acrescentando a este grupo as pessoas do serviço doméstico.
A nova visão de família, enquanto núcleo de afetividade, não tem implicações aqui.

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Direito Civil

D.6. Regularização fundiária

Princípios da disponibilidade e da continuidade (do registro) não funcionam na reg.


fundiária. Quebra dos princípios da especialidade objetiva e subjetiva.
Art. 108 do CC também não funciona na reg. fundiária (é a prefeitura que dá o título).
O município transfere para outros tanto terras próprias (devolutas) quanto de terceiros.
Não é necessário autorização judicial (procedimento feito pelo Executivo). O
Judiciário só entra se houver dúvida no registro público.
Quem domina a expansão urbana no Brasil é a iniciativa privada, quando deveria ser o
Poder Público. Deve ser criada uma situação jurídica nova, única no mundo, para
regularização dos imóveis dos interessados.
Forma aquisitiva originária da propriedade.
Judiciário é um controlador legal, um fomentador das ações, pressionando o
Município.

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Direito Civil

D.7. Direitos reais de aquisição

É o direito de aquisição sobre coisa alheia que não se confunde com uma opção de
compra (arrendamento mercantil).
O contrato de promessa de compra e venda, dotado de cláusulas de irrevogabilidade e
de irretratabilidade, faz surgir para o promitente comprador o direito de adquirir o imóvel
mediante o pagamento de todas as parcelas. Trata-se, portanto, de direito real de aquisição,
desde que se proceda o registro, conferindo publicidade.
Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento,
celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis,
adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor,
ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e
venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a
adjudicação do imóvel.

O contrato, em si, não transfere o imóvel (que normalmente tem valor maior que 30
salários-mínimos). Assim, a transferência do imóvel teria que ser feita por documento
público. Entretanto, o documento particular é apenas a promessa de transmissão
(compromisso de compra e venda – irretratável e irrevogável – é uma obrigação 1). É uma
obrigação com eficácia real a partir do registro.
Adimplidas as parcelas, torna-se exigível a prestação contrária (transmissão do bem),
evitando a exceptio non adimpleti contractus.
Cláusula de adjudicação compulsória: adimplida toda a obrigação do promitente
comprador, pede-se judicialmente a adjudicação (ordem ao cartório para fazer a escritura de
compra e venda suprindo a assinatura do devedor, que será multado).
Atualmente é regido pela Lei 6.766/1979.
A promessa de compra e venda gera direito real de aquisição quando trouxer as
cláusulas de irrevogabilidade e de irretratabilidade. Atualmente, deve ser irrevogável e
irretratável e ter cláusula de adjudicação compulsória.
Quando do loteamento, é obrigação do loteador entregar um contrato padrão que será
utilizado para as alienações daquele loteamento (empreendimento). É obrigação do
registrador para aceitar o loteamento verificar se o contrato padrão contém as cláusulas de
irrevogabilidade, irretratabilidade e de adjudicação compulsória. Penalidade: art. 52 e 53 da
Lei 6.766, crime contra a economia popular vender lotes em desacordo com as exigências
desta lei.

1
Obrigação de fazer consistente em assinar o contrato de compra e venda. Este contrato de compra e venda é que
transmite a propriedade (instrumento público, se imóvel com valor maior de 30 salários-mínimos).

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Direito Civil

D.8. Direitos reais de garantia

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