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CORPO - CORPOREIDADE E OS JOGOS:

UMA REFLEXÃO PRELIMINAR


Body - Corporality and Games: a preliminary reflection

José Gilvane Lauer1


Paulino Eidt2

Recebido em: 06 jun 2015


Aceito em: 22 mar 2016

RESUMO
O ser humano desde os primeiros anos de vida é essencialmente mo-
vimento. As escolas tanto de educação básica como esportivas, ao
receber esse corpo, devem considerar o desejo de movimento que
o acompanha e devem proporcionar experiências significativas de
acordo com a faixa etária, experiências que desencadeiam o fortale-
cimento e a estruturação da identidade do aluno e que potencializam
e respeitam as diferentes habilidades, gerando interações positivas,
desafiadoras, reveladoras de autonomia, criticidade e criatividade. A
linguagem corporal precisa ser o centro da educação, principalmente
na iniciação esportiva, pois não existe aprendizagem que não esteja
relacionada ao corpo. Na criança, essa linguagem do movimento é a
própria forma de expressão e comunicação do ser criança. Para ser
construtivo, o jogo no processo ensino aprendizagem precisa conci-
liar as duas funções, a lúdica e a educativa, assegurando que o lúdico
do jogo não anule a dimensão educativa, nem que esta se constitua
na única razão da utilização do jogo na escola. Nesse sentido, além
de pensar o conhecimento como algo inseparável da vida, já que este
permite vivenciar a experiência de ressignificar os sentidos, contribui
para semear a reflexão sobre uma educação que possa integrar o Ser e
o Saber. O objetivo deste artigo de natureza teórica é contribuir para

1 Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação


(PPGEd) da Universidade do Oeste de Santa Catarina. E-mail: divalauer@
yahoo.com.br
2 Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, Brasil. Professor titular da Universidade do Oeste de Santa Catarina.
E-mail: paulino@unoescsmo.edu.br

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uma reflexão que busque compreender a importância da linguagem


corporal para o processo de conhecimento. Resultados preliminares
dão conta que o jogo na sua dimensão lúdica e educativa possibilita
uma relação mais solidária, amiga e humana entre os alunos. Nesta
acepção, diminui a competição e o pensamento positivista, provocan-
do um olhar mais sensível e humano na Educação Básica.
Palavras-chave: Jogo. Educação Básica. Linguagem corporal. Apren-
dizagem.

ABSTRACT
The human being since his first years of life is essentially movement.
Schools - basic education and sports-, to get to this body should con-
sider the desire to move that follows it and should provide meaningful
experiences according to age, experiences that trigger the strengthen-
ing and structuring of the identity of the student and potentiate and
take into account the different skills, generating positive interactions,
challenging, revealing autonomy, criticality and creativity. Body lan-
guage must be the center of education, especially in sport initiation,
since there is learning that is not related to the body. In children, this
language of movement is the very form of expression and commu-
nication of being a child. To be constructive, playing in the learning
process needs to reconcile the two functions, the playful and educa-
tional, ensuring that the playful game does not cancel the educational
dimension, or become the only reason to use the game at school. In
this sense, and taking knowledge as something inseparable from life,
as this allows live the experience of reframing the way, it contributes
to sow reflection on education that can integrate Being and Knowing.
objective of this article is to contribute to a reflection that seeks to un-
derstand the importance of body language to the knowledge process.
Preliminary results show that the game in his playful and educational
dimension enables a more harmonious relationship, friendship among
students. In this sense, games reduce competition and positivist think-
ing, leading to a more sensitive and humane perception in Basic Edu-
cation.
Keywords: Game. Basic education. Body language. Learning.

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INTRODUÇÃO

Os primeiros anos de vida dos seres humanos são marcados por


descobertas, experiências e aprendizagens que se dão, principalmente,
por meio das interações como meio e com o outro. Por isso, cuidar,
orientar e educar são ações que se complementam para promover um
crescimento saudável.
Os jogos, brinquedos e as brincadeiras proporcionam uma
variedade de experiências lúdicas fundamentais para o desenvolvimento
cognitivo, motor, emocional, e social das crianças. Os jogos têm sido
utilizados como recursos pedagógicos que por sua vez acenam para o
desenvolvimento infantil.
Nesta fase de desenvolvimento, os estímulos dos pais, professores
da iniciação esportiva, bem como os professores da educação infantil
são fundamentais para a vivência de novas descobertas, apresentando
para criança o máximo possível de experiências, para que ela possa
aguçar todos seus sentimentos em diferentes atividades e oportunidades
de ação. Cabe aos profissionais envolvidos na educação infantil ou na
iniciação esportiva enriquecer ao máximo o universo das crianças. É
importante que a criança tenha liberdade para se expressar e criar. O
jogo, no processo ensino aprendizagem, não precisa acontecer de forma
dissociada dos conteúdos escolares - a criança pode aprender brincando
ou jogando.
Pautado nesta concepção, atribuímos um papel importante às
escolinhas de iniciação esportiva para o desenvolvimento cognitivo e
social infantil. O desenvolvimento das crianças na iniciação esportiva
depende das oportunidades de aprendizagem oferecidas pela mesma.
São nos jogos que elas expressam suas emoções, seus desejos, seus
sentimentos, agindo de forma natural no espaço.
É sabido que ao usar os jogos e brincadeiras no cotidiano das
atividades realizadas em escolinhas esportivas e na sala de aula, podemos
perceber uma relação de interação social, em que a criança aprende
naturalmente, desperta o interesse pelas atividades realizadas, contribui
na formação de atitudes solidárias, que demonstram a importância da
valorização da cidadania. Desde a antiguidade os jogos foram adotados
por alguns educadores - estes já reconheciam o valor pedagógico do

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jogo e aproveitavam-no como meio educativo. O jogo é, nas mãos de


um educador, uma excelente forma de contribuir para a formação da
criança; por essa razão, todas as pessoas envolvidas com a formação
das crianças em fase da iniciação esportiva devem não só fazer jogar,
como utilizar a força educativa do jogo.
Através do jogo a criança expressa, assimila e constrói a sua
realidade. É através dos jogos e das brincadeiras que ela consegue
resolver seus conflitos e problemas do cotidiano, aprendendo a conviver
socialmente, respeitando regras e refletindo sobre seu papel social.
Vygotsky (1988, p. 127) afirma que
A importância do brincar para o desenvolvimento infantil reside no fato
de esta atividade contribuir para a mudança na relação da criança com
os objetos, pois estes perdem sua força determinadora na brincadeira. A
criança vê um objeto, mas age de maneira diferente em relação ao que
vê. Assim, é alcançada uma condição que começa a agir independente-
mente daquilo que vê.

A ludicidade estimula uma aprendizagem com enriquecimento


de experiências, pois possibilita um trabalho interdisciplinar em que
se desenvolvem habilidades de reflexão, cooperação, enfatizando os
valores e conhecimentos. Através dos jogos e brincadeiras produtivas,
estimulamos o imaginário do aluno, transformando o momento de
ensino em agradável, prazeroso, divertido e ao mesmo tempo rico em
conhecimentos.
Os jogos são um mundo em que a criança está em constante
exercício. Através dos jogos e brincadeiras ocorre a descoberta de si
mesmo e do outro, isto é, aprende-se. É no jogar que a criança tem a
liberdade para desenvolver, para criar e é pela criatividade que aflora
durante os jogos que descobre que ela é e existe. Nos jogos como
ambiente de aprendizagem percebemos o quanto é eficiente e ao mesmo
desafiador o uso de atividades lúdicas esportivas como aliadas do
desenvolvimento cognitivo, físico e emocional. Isso acontece porque as
experiências proporcionadas às crianças podem ser planejadas a partir
de momentos prazerosos e significativos.
A aprendizagem de qualquer habilidade motora requer a
seleção de informações que podem estar contidas no meio ambiente

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e fornecidas pelo professor. Para haver um ensino eficiente, professor


deve lançar mão de diferentes estratégias de atuação, tendo como base
os fatos concretos dos alunos, que poderão gerar o entendimento de
tudo aquilo que está distante de si, no espaço e no tempo. Dos fatos
concretos surgirão de forma compreensível e interessada, princípios,
leis e normas que serão incorporadas ao mundo abstrato de cada
aluno. Dessa forma, a criança amparada, orientada e incentivada pelo
professor gradativamente deverá passar a ser o agente de sua própria
aprendizagem. Os profissionais devem compreender o esporte e os
jogos cooperativos, buscar interações e inter-relações para auxiliar o
processo de inclusão. Sua atuação pedagógica deve ser eficaz, não se
esquecendo da sua função como agente pedagógico e sua importância
no processo educacional.
O jogo no processo ensino aprendizagem, para ser construtivo,
precisa conciliar as duas funções, a lúdica e a educativa, assegurar
que o lúdico do jogo não anule a dimensão educativa, nem que esta
se constitua na única razão da utilização do jogo na escola. Nesta
concepção, convém pensar o conhecimento como algo inseparável da
vida, já que este permite vivenciar a experiência de ressignificar os
sentidos que contribuem para semear a reflexão sobre uma educação
integradora do Ser e do Saber. Sendo assim, o objetivo da presente
pesquisa teórica é buscar compreender a importância das escolinhas
de iniciação esportiva no processo de conhecimento, disciplina e no
rendimento escolar.
O problema central consiste das seguintes questões: de que forma
as escolinhas de iniciação esportiva podem impactar no processo ensino
e aprendizagem da escola? Como o regramento, a disciplina esportiva,
a solidariedade e a competição se refletem na educação regular?
Com intuito de atender ao problema de pesquisa, o estudo teórico
apresenta a corporeidade e sua função ao longo da história. Nesse
entendimento, a pesquisa apresenta o corpo trabalhado e a serviço
do poder. Em seguida, a produção teórica enfatiza a importância
da Educação Física para o desenvolvimento, por meio de jogos
cooperativos, de uma orientação baseada em princípios de acolhimento,
solidariedade, e inclusão e cidadania.

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CORPO, HISTÓRIA E SOCIEDADE

O processo evolutivo do homem aponta que nossa origem


provém de um corpo coberto de pelos: andávamos em quatro “patas”,
presas muito grandes. Nós nos movíamos em função da superação das
necessidades básicas. Quando se esgotaram as frutas e ervas comestíveis,
em determinado espaço geográfico, migrávamos para outros espaços onde
a colheita de alimentos disponíveis na natureza. Esgotaram-se aquelas
frutas, aquelas raízes - agora era necessário, para sobreviver, buscar
outras possibilidades – caçar, pescar; percebemos então que, na superação
das nossas necessidades, fomos criando movimentos diferenciados. É o
corpo que vai se transformando – torna-se bípede, perde os pelos, perde
as presas, descobre elementos da e na natureza que, em inter-relação com
o corpo, mudam o próprio corpo.
No advento das grandes civilizações, muda substancialmente
a relação homem/homem e homem/natureza. Na Grécia antiga o
homem estava no centro do pensamento. A descoberta do homem,
entretanto, não é a do eu, mas é a consciência gradual das leis gerais que
determinam a essência humana, o princípio espiritual dos gregos. Que
significou a educação do homem de acordo com a verdadeira forma
humana. Os gregos dão atenção aos gestos e à delicadeza; poetizavam
em cada momento da vida, inclusive na dor. A beleza física significava
superioridade.
Para Gonçalves (1994, p. 80),
o movimento da história como uma totalidade não se deve exclusiva-
mente a ideias, desligadas da vida social, nem a uma sociedade des-
ligada de ideias, pois a sociedade é composta de homens que possuem
ideias, e essas se enraízam num determinado contexto social. A com-
preensão do processo histórico só é possível se o ser humano for visto
como um ser não somente racional, mas possuindo necessidades e im-
pulsos, que transforma a si mesmo como um todo, ao mesmo tempo em
que se transformam as relações entre os homens. Da teia de entrelaça-
mentos dos planos e ações humanas, surge uma força totalizante mais
forte do que os desejos e as ações singulares, que impulsiona a marcha
da história. Os múltiplos universos do homem [...] são totalidades parci-
ais e possuem sua própria dialética, não se constituindo, entretanto, em
estruturas autônomas, mas, sim, interdependentes, que estão em mútua
conexão.

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Desta forma, ao longo da história humana, o homem apresenta


inúmeras variações na concepção e no tratamento de seu corpo, bem
como nas formas de comportar-se corporalmente, que revelam as
relações do corpo com um determinado contexto social.
Portanto, variam as técnicas corporais relativas a movimentos
como:
a) andar, pular, correr, nadar, etc.;
b) os movimentos corporais expressivos (posturas, gestos, ex-
pressões faciais), que são formas simbólicas de expressão
não-verbal;
c) a ética corporal, que abrange ideias e sentimentos sobre a
aparência do próprio corpo (pudor, vergonha, ideais de beleza
etc.);
d) o controle de estrutura dos impulsos e das necessidades.
Esses quatro aspectos não só diferem, em sua ordenação e em
sua coordenação, de sociedade para sociedade, como também, dentro
da mesma sociedade, conforme o sexo, a idade, a religião, a ocupação,
a classe social e outros fatores socioculturais.
Nas civilizações orientais, a experiência do corpo é vista como a
chave para a experiência do mundo e para a consciência da totalidade.
O conhecimento do mundo baseia-se na intuição direta da natureza das
coisas, numa relação com o mundo que envolve intensamente o homem
como ser corporal e sensível.
A civilização ocidental, com suas raízes na Antiguidade Grega,
tem uma visão dualista do homem como corpo e espírito. Seu processo de
desenvolvimento, realizado por meio de tensões e oscilações históricas,
caracteriza-se por uma valorização progressiva do pensamento racional
em detrimento do conhecimento intuitivo, da razão em detrimento do
sentimento, e do universal em detrimento do particular.
Na Idade Média, as ações do homem, em sua vida cotidiana,
estavam diretamente ligadas a seu corpo, o que fazia com que esse
estivesse no centro dos acontecimentos. Nas sociedades tradicionais
a ação real do homem submetia-se ao desenrolar natural do tempo, às
estações do ano, ao crescimento das plantas e ao ritmo de reprodução
dos animais. A ideia de personalidade orientava-se no sistema de

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castas, uma muralha dentro da qual o indivíduo nascia e não tinha


condições de sair. A pessoa, como corpo e espírito, submetia-se à
ordem dada, havendo poucas possibilidades para impulsos individuais.
A identidade, no sistema feudal, era garantida por um sistema de
relações fundado em um princípio de unidade entre trabalho, domínio
e prazer. A economia era orientada para a subsistência, uma economia
para viver e sobreviver.
A partir do Renascimento, o homem descobre o poder da razão
para transformar o mundo e produzi-lo conforme suas necessidades.
Com o progresso das ciências, a partir do século XVII, o homem passa
a considerar a razão como único instrumento válido de conhecimento,
distanciando-se de seu corpo, visualizando-o como um objeto que
deve ser disciplinado e controlado. O corpo passou a ser um objeto
submetido ao controle e à manipulação científica. As reduções do
universo físico a elementos mensuráveis predominam no pensamento
científico, “fechou progressivamente a compreensão dos homens aos
elementos qualitativos e sensíveis do mundo natural”.
Sobre a evolução histórica do processo de civilização nas
camadas sociais mais altas revelam que a transformação da estrutura
psíquica do homem ocidental, no sentido de uma crescente repressão
dos afetos, caminha passo a passo com a criação do Estado Moderno,
com seu monopólio dos aparatos de controle e vigilância.
As análises históricas de Foucault (1975) revelam a existência
de um poder – diferente do poder do Estado, mas a ele articulado, bem
como ao modo de produção capitalista – que Esse poder surgiu a partir
do século XVII – ele agia nas mais diversas instituições sociais – escolas,
hospitais, prisões, fábricas e quartéis –, com o objetivo de submeter o
corpo, de exercer um controle sobre ele, atuando de forma coercitiva
sobre o espaço, o tempo e a articulação dos movimentos corporais.
O objetivo dessa forma de poder é tornar os homens eficientes como
força de trabalho, diminuindo a sua capacidade de revolta e resistência
e tornando-os dóceis em termos políticos.
Ao longo do processo histórico da civilização ocidental,
constatamos, assim, a crescente ação de um poder que atua sobre o corpo:
de um lado, diminuindo suas potencialidades de empatia e comunicação
e determinando-lhe formas específicas de comportar-se; de outro lado,

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com o avanço da ciência e da tecnologia, investindo-o, também, de um


poder que abre possibilidades de aperfeiçoamento quase ilimitadas de
suas habilidades, de conservação da saúde e prolongamento da vida.
Esse processo tem suas raízes históricas a partir das situações concretas
determinadas pela expansão do sistema capitalista, com a qual caminha,
passo a passo, a concepção da natureza como um objeto de domínio e
manipulação.

CORPO E CIÊNCIA

O corpo do homem ocidental moderno, marcado pelas ideologias,


é, à maneira do corpo dos anatomistas, esfacelado, desintegrado, com
diferentes regiões que se articulam e cada uma delas sob o domínio de
uma especialidade do conhecimento. O exemplo da medicina é patente:
o cardiologista, o gastroenterologista, o oftalmologista, o psiquiatra,
etc. nos falam de universos que parecem estar a milhões de anos-luz
de distância entre si, e mais distantes ainda de nossa vivência concreta.
Preocupamo-nos em perder a barriga, aumentar o bíceps, diminuir o
nariz, como se as partes do nosso corpo estivessem fora de nós mesmos
e como se as modificações sofridas por uma delas não fossem, na
verdade, modificação do todo.
Porém, o homem é seu corpo e, quando age no mundo, age como
uma unidade. Nessa ação não se separam os movimentos do braço
do piscar dos olhos, dos batimentos cardíacos, dos pensamentos, dos
desejos, das angústias.
A ciência, assim como os meios de comunicação de massa,
com sua pretensa neutralidade e a objetividade e pela eficácia de suas
aplicações tecnológicas, penetram em todos os recantos do planeta,
em todas as consciências individuais. Além do esquadrinhamento do
corpo, tem investido na organização de ambientes voltados ao trabalho
sobre o corpo; mais do que com saúde, esses ambientes objetivam o
desenvolvimento de uma aparência de saúde, identificada com um
determinado padrão de beleza.
Podem-se citar vários exemplos; os mais ilustrativos seriam,
talvez, as academias de ginástica, as clínicas de estética, que, ao lado dos
modernos salões de beleza, atuam no trabalho de remodelamento dos

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corpos. Indústria e ideologia são voltadas a esse trabalho, subsidiadas


por uma ciência e uma tecnologia que, concomitantemente desprezam
os limites da materialidade e exaltam a noção moderna do indivíduo
livre. A resistência do corpo e o limite da materialidade humana
tornaram-se o centro das investidas da ciência, como já não era para o
mercado, aspirando a concretização de divindade.

CONCEITO DE CORPOREIDADE

O que marca o ser humano são as relações do materialismo


histórico entre o corpo, essa alma e o mundo no qual se manifesta
relações que transformam o corpo humano numa corporeidade, ou seja,
numa unidade expressiva da existência.
Para Merleau-Ponty (apud FREITAS, 1999, p. 52): “Eu só posso
compreender a função do corpo vivo realizando-a, eu mesmo e na
medida em que sou um corpo que se levanta em direção ao mundo”.
Atesta Barral (apud FREITAS, 1999) que o homem existe em
um corpo que se comunica no mundo com outros sujeitos. Esse corpo
expressivo e significativo não é uma simples coleção de órgãos, não
é uma representação na consciência, não é um objeto exterior cuja
presença eu posso explorar: ele é uma permanência que eu vivencio.
Corporeidade leva à necessidade de superar a noção de homem
apenas técnico, homo faber, associando a essa noção o conceito de
homem imaginativo, aquele capaz de criar e destruir fantasmas, de
sonhar, de criar e destruir mitos. No conceito de corporeidade concorrem
em iguais condições o homo sapiens e o homo demens, pois aquele que
produz sabedoria técnica e ciência é o mesmo que produz poesia e arte.
É necessário conceber imbricados os conceitos de trabalho e ócio, não
como oposições onde o primeiro é valorizado e o segundo desprezado,
mas ambos compondo o modelo de homem vivo, existencializado.
Segundo Gonçalvez (1994, p. 13), “A forma de homem lidar com
sua corporalidade, os regulamentos e o controle do comportamento
corporal não são universais e constantes, mas, sim, uma construção
social, resultante de um processo histórico”.
A corporeidade implica, portanto, a inserção de um corpo humano
em um mundo significativo, ou seja, relação dialética do corpo consigo

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mesmo, com outros corpos expressivos e com os objetos do seu mundo


(ou as coisas que se elevam no horizonte de sua percepção).
O corpo torna-se a presença, manifesta-se para mim a sua
perspectiva, torna-se o espaço expressivo por excelência, que marcam
o início e o fim de toda ação criadora, o início e o fim de nossa condição
humana. Mas ele, como corporeidade, como corpo vivenciado, não é
início nem o fim: ele é sempre o meio no qual e por meio do qual o
processo da vida se perpetua.
Entende-se assim que as constantes trocas de informações, sejam
elas culturais, sociais, econômicas, políticas, são delineadas através
da corporeidade e transformadas em padrões culturais. Afirmar que há
como se desvincular da cultura é impossível. Alguns tentam quebrar
as barreiras estabelecidas em uma sociedade, mas poucos conseguem
mudar a situação.
A saída é tentar, mesmo com tantas influências, perceber que o
movimento do corpo é um conjunto de costumes, crenças e dogmas, mas
que não deixa de ter características próprias do homem. A sociedade
consegue historiar nos corpos os costumes sociais e isso é demonstrado
através dos modismos que se iniciam em um pequeno grupo e, logo em
seguida, são adaptados pelo grande grupo.

CORPOREIDADES E A EDUCAÇÃO FÍSICA

Dentro da Educação Física existem questões muito importantes


relacionadas ao corpo. O corpo é responsável por todas as expressões do
ser humano e, através dele, é possível detectar o estado emocional e físico
da pessoa. Não obstante, a forma física estereotipada está amplamente
relacionada com os resultados que esta, aliada à corporeidade, podem
obter em sociedade.
Destaca Castellani Filho (apud FREITAS, 1999) que no Brasil
a Educação Física iniciou-se seguindo o modelo do corpo disciplinado
e dócil. Assim, foram modelados os corpos masculino e feminino por
meio de práticas diárias e atividades físicas diferenciadas segundo, por
exemplo, a fragilidade da mulher e sua função materna).

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Durante o Estado Novo eram necessários corpos disciplinados e


submissos ao trabalho nas fábricas, aos gestos mecânicos, eficientes e
eficazes. Os princípios militares adentraram, assim, a escola, por meio
de duas disciplinas propagadoras da ideologia hegemônica: a Educação
Moral e Cívica e a Educação Física. Ambas serviram à construção de
um modelo de homem brasileiro, para o qual convergiam os ideais do
herói militar – forte, corajoso, obediente, defensor glorioso da pátria,
salienta Castellani Filho (apud FREITAS, 1999).
A Educação Física, por outro lado, reproduzia as relações sociais,
inculcando nas classes trabalhadoras um ideal de corpo burguês, ou
seja, formando e mantendo uma cultura corporal abstraída da práxis
materialista histórica.
Na Educação Física, que durante tanto tempo tão bem se
incorporou ao modelo capitalista, começaram a surgir indícios não
apenas de críticas a esse modelo, mas também de sua superação.
Segundo Silva (apud Freitas, 1999), corpos disciplinados, obedientes
a regras e horários, imóveis em suas cadeiras aprenderão exatamente a
disciplina, a calar-se, a não serem notados e nem se exporem.
O corpo deixa de ser análise para se tornar síntese: o conceito
de corporeidade situa o homem como um corpo no mundo, uma
totalidade que age movida por intenções. É só por meio do corpo que a
manifestação se dá, e esse corpo, aliado a essa manifestação no mundo,
é o significado da corporeidade.

CORPOREIDADES E A FORMAÇÃO DE DOCENTES NA


EDUCAÇÃO FÍSICA

No campo da Educação Física a forma que se trata a corporeidade


também sofre a influência de paradigmas que norteiam as ciências do
conhecimento de uma forma geral, que é o paradigma cartesiano que
trata o corpo humano e suas formas de manifestação e expressão, de
forma objetiva e mecânica.
Com esta base, as formas de tratamento e observação da
corporeidade geralmente buscam referências nas ciências naturais e
exatas (biologia, física, química, matemática, etc.) alicerçadas em uma

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visão mecanicista de onde o corpo humano é visto como uma máquina


em funcionamento.
Esta compreensão e forma de tratamento do corpo possuem a
sua base teórica e epistemológica no tradicional dualismo cartesiano,
onde o corpo é visto como partes isoladas, corpo-prisão da alma, corpo
enquanto instrumento corpo-máquina, corpo como objeto físico, corpo
enquanto sistemas, reforçando a dicotomia corpo-mente.
Esse processo estreita a formação de professores visto que exclui
a possibilidade de fazermos relações entre as diversas interferências e
cruzamentos que constituem as relações estabelecidas entre os sujeitos,
seu “objeto de estudo” homem/movimento e o contexto em que estão
envolvidos. Segundo Merleau-Ponty (apud KUNZ, 1994, p. 168) “o
corpo é uma realidade que é, simultaneamente, corpo e espírito, [...]
devíamos construir novos conceitos para podermos realmente expressar
o corpo-sujeito”.
A busca e a intenção são para a superação da forma dicotômica de
pensar e agir sobre este corpo. Para isto, buscam-se algumas reflexões
que possivelmente poderão auxiliar numa “nova” forma de pensar e
agir sobre o corpo e a corporeidade.
Na primeira o corpo é visto como unidade isolável, o corpo
humano se torna objeto analisável a partir de modelos clássicos de
pesquisa empírico-analítica, baseados somente nas ciências naturais e
exatas. O que chamamos atenção é para a separação do objeto – corpo
– do contexto no qual ele está inserido.
Este pensamento está relacionado com o pensamento tradicional
oriundo da filosofia grega que se atrela ao conceito de substância, muito
importante no pensamento grego-ocidental, concebido como algo em
si, fechado. Assim, o homem é também o isolamento de substâncias:
corpo-alma, corpo-mente. Como se fosse possível delimitar claramente
esta divisão.
Nesse entendimento existe uma parte exterior e uma parte interior
em nosso campo fica muito clara quando estudos tratam do Homem/
atleta estudado pelos campos da anatomia, da fisiologia, biomecânica,
sociologia, psicologia, etc. Esta fragmentação do homem reforça ainda
mais o dualismo, dividindo-o em componentes internos e externos.

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O mundo fica dividido, nesta visão, em mundo físico externo e


mundo interno – o corpo serve de mediador entre estes dois mundos.
O corpo, como mediador, é utilizado e concebido e definido como:
prisão, instrumento, aparelho locomotor, meio de expressão, etc. Esta
concepção de corpo se aproxima daquilo que os filósofos chamam de
“corpo-objeto”.
Nossa concepção de corpo se aproxima do conceito de corpo-
sujeito. Nesta perspectiva o corpo é visto em uma relação intrínseca
com o mundo e está diretamente relacionada ao sentido/significado
que é estabelecido na relação específica, ou seja, é na intencionalidade
que se manifesta na inter-relação entre homem e mundo que o sentido/
significado se estabelece, ficando muito mais próximo ao “eu posso” do
que ao “eu penso” (cartesiano); nesta concepção de corpo-corporeidade
a subjetividade entra como elemento essencial, pois se compreende o
mundo pela ação (MERLEAU-PONTY apud KUNZ, 1994).
Nesta concepção busca-se a acentuar a intencionalidade e as
possibilidades de agir do homem em sua relação direta com o contexto
em que ele se encontra inserido, rico em interações significativas, o que
não pode ocorrer de forma neutra e isolada e sim em um horizonte aberto
às possibilidades, levando-se em consideração as particularidades de
cada contexto e de cada sujeito da ação.
Ademais, é através do corpo que o homem pode impor questões
que a fala não consegue transmitir de maneira abrangente. Exatamente
por isso que é possível afirmar que o corpo fala e muitas vezes demonstra
muito mais do que as palavras, tem efeito mais enfático e incisivo,
abrange questões amplamente objetivas e complexas.

O LUGAR DO CORPO NA APRENDIZAGEM

A principal característica das atividades na faixa etária da


iniciação esportiva ou na pré-escola é o desempenho, o corpo e a mente
em sintonia. É pelo corpo e com o corpo que o ser humano se percebe e
percebe os objetos que o cercam. Quanto mais conhecimento do próprio
corpo o sujeito tiver, maiores serão as possibilidades de perceber,
diferenciar e sentir o mundo ao seu redor. É pela interação com objetos

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que se vai estabelecendo relações afetivas e emocionais com seu meio.


Desta forma, como projetam Strieder e Zimmermann (2012, p. 122) “O
desenvolvimento integral do ser humano reconhece a necessidade da
cooperação entre as dimensões material, mental, afetiva e espiritual de
cada um e de todos”.
É interessante ressaltar que corpo e organismo tomam aqui um
significado diferenciado; o corpo adquire expressão de individualidade,
por onde é possível expressar emoções e estados interiores. Em todo
processo da aprendizagem estão implicados os quatro níveis: organismo,
corpo, inteligência, desejo, e não se poderia falar de aprendizagem
excluindo qualquer um deles. O corpo seria o mediador entre o organismo
e o mundo. Toda e qualquer aprendizagem é vivenciada, registrada,
guardada e memorizada pelo corpo. É com esta memória corporal
que se torna possível continuar aprendendo. Novas aprendizagens vão
sendo conquistadas e memorizadas pelo corpo através dos sentidos,
percepções e relações que se estabelecem todo o tempo, e que vão
criando novas aprendizagens, construindo conhecimentos.
O corpo é um instrumento de aprendizado, pois é através dele
que a primeira noção do mundo é formada. É com ele que se aprende a
respirar, a mamar, chorar, rir; é através do corpo que se vai construindo
a noção do objeto, e o objeto aqui é tudo que está fora do corpo, é
manipulado; é provando e sentindo que se vai mapeando o corpo e
suas sensações. Descobrindo-se. É no movimento, necessidade vital e
essencial do ser humano, que a noção de objeto se desenvolve; é através
da ação motora que se chega à representação mental.
No movimento corporal é possível se descobrir, pois é pela ação
do corpo sobre os objetos que se consegue aprender as qualidades deste
objeto e descobrir o outro limitador do meu espaço e companheiro de
descoberta. Percebe-se, sente-se e só depois disso se pode internalizar
o objeto para mais tarde representá-lo e futuramente abstraí-lo. Assim,
o movimento interfere na inteligência mesmo antes dela se manifestar;
ele organiza o real a partir das estruturas mentais, espaço temporal e
causal.
O corpo é instrumento de comunicação e com ele e possível
comunicar-se, desenvolver uma linguagem. É pelo corpo que o ser
humano se comunica, recebe e envia mensagens do mundo para o

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mundo. Com o corpo conhece-se a si e ao mundo, estabelece-se um


vínculo afetivo com o aprender, experimenta-se o desejo e o prazer de
conhecer se transformando em alegria.
No processo aprendizagem o uso do corpo sempre está presente.
Do começo até o fim desse processo, usa-se o corpo para aprender e
através do dele se percebe o mundo, interioriza-se os objetos, constrói-
se e estabelece-se relações, cria uma visão de mundo através da qual se
pode ler e significar o mundo. E através dessa leitura se vai guardando
experiências, sensações, e elas passam a ter um significado - assim,
com o correr do tempo, cria-se uma memória corporal. As experiências
por que passamos ficam registradas no nosso corpo, e com o passar
do tempo novas relações serão estabelecidas e novas aprendizagens
construídas.
Usa-se o corpo desde cedo para aprender, mais cedo do que
se costuma pensar. Antes de se chegar à escola, local sagrado do
conhecimento, cultuando como a sociedade de aprender, o processo de
aprendizagem já se iniciou. Uma das primeiras coisas que o ser humano
aprende a fazer, fora do útero, é respirar. Fica claro o uso do organismo.
As primeiras aprendizagens corporais começam quando o ser humano
começa a provar o universo ao seu redor, e o faz de maneira espetacular
com a boca, ele começa a interioriza-lo, colocá-lo dentro de si.
O movimento ajuda a criança a construir conhecimento do
mundo que a rodeia, pois através das sensações e percepções que ela
interage com a natureza. É através da sua ação no meio ambiente que
a criança pode formular os primeiros conceitos lógicos matemáticos,
pois o sentido de tempo e espaço é constituído primeiramente no corpo,
corpo este que media a aprendizagem. Assim, brincando com seu
corpo, a criança constroi diferentes noções. Segundo Caudaro (2002,
p. 83), para uma boa elaboração do esquema corporal, é necessário
que a criança receba o máximo possível de estimulações que a levem a
perceber e sentir o corpo.
Um corpo organizado possibilita diversas formas de ação, sejam
elas psicomotoras, emocionais, cognitivas ou sociais. O esquema
corporal é a noção de corpo que a criança tem do seu próprio corpo, é a
representação de suas experiências, de suas aprendizagens. Já a imagem
corporal é subjetiva, é simbólica, marcada pelo desejo, é inconsciente.

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Segundo Caudaro (2002, p. 83),


O resultado de um esquema corporal mal estruturado acarreta trans-
tornos nas áreas motora, perceptiva e social. Na área motora apresenta
dificuldades como: coordenação deficiente, lentidão e má postura. Na
área perceptiva, dificuldades de estruturação espaço-temporal e na área
social, problemas nas relações com outras pessoas, originadas por per-
turbações afetivas.

O conceito de corpo não pode ser ensinado, não depende de


treinamento, ele vai se organizando na medida em que o corpo é usado.
Quando a criança brinca, explora e usa seu corpo, ela vai elaborando
uma memória corporal. Assim sendo, conforme Piaget (1990), o
esquema corporal passa por três fases distintas, o corpo vivido, corpo
percebido e o corpo representado.
CORPO VIVIDO - corresponde à fase conhecida como sensório-
motora de Piaget; começa nos primeiros meses de vida, quando o bebê
ainda não tem noção, consciência do eu. Nesta fase ele se confunde com
o meio, se encontra em total simbiose e não é possível se perceber. As
atividades motoras não são pensadas para serem executadas, pensa-
se fazendo. A criança quando nasce não tem noção do seu corpo; seu
conhecimento de corpo vai se construindo ao ser tocado, acariciado ou
mesmo quando se machuca. Vai percebendo, sentindo, lendo o mundo
com seu corpo; vai aos poucos organizando-o. A ação motora nos
primeiros anos de vida se torna extremamente importante para esta troca
com o meio. Enquanto brinca, ela observa seus pares, se olha no espelho,
vai aprendendo. Nesta fase é através da experiência que é possível
aprender, tem-se uma necessidade grande de movimento e é através
dele que se vai poder ampliar a experiência motora, ocorrendo assim um
processo de desenvolvimento satisfatório onde se pode experimentar o
corpo, o espaço e o tempo, onde o processo de individualização ocorre,
quando é possível se perceber a criança entra na outra fase.
CORPO PERCEBIDO - conhecido como a fase pré-operatória
de Piaget. Começa aproximadamente por volta dos dois anos, quando
a criança passa a perceber-se, onde tem início a tomada de consciência
do “eu”. Nesta fase começa a se diferenciar do meio. É aqui que é
possível se perceber; é quando ocorre a organização corporal, quando
se organiza o espaço levando em conta o seu próprio corpo, ou seja,

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o espaço é determinado pela posição na qual o corpo ocupa. O corpo


passa a ser agora ponto de referência. A criança associa seu corpo aos
objetos do meio. Jogar é o verbo da criança, jogando é a maneira como
ela conhece, experimenta, aprende, vivencia, expõe emoções, coloca
conflitos, elabora-os ou não, interage consigo e com o mundo. O corpo
é um brinquedo para a criança; através dele ela descobre sons, descobre
que pode rolar, dar cambalhotas, saltar, manusear, apertar, que pode se
comunicar e transformar certas coisas.
A mesma bola para uma criança pode servir de fonte de
exploração e conhecimento, para uma criança de dois anos pode ser
fonte de interesse com relação ao tamanho, a cor e para uma criança de
seis anos o interesse pode ser mais relacional: jogar, receber a bola do
outro, chutar e fazer o gol. É de suma importância que a criança possa
brincar sozinha e em grupo, preferencialmente com crianças de idade
próxima, ampliando assim a possiblidade de consciência de si mesma,
pois pode saber como ela é num grupo que é mais receptivo, num outro
mais agressivo, num outro que ela é líder, num outro que é liderada.
Lidando com suas diferenças, ela amplia o seu campo de vivências.
O jogar deve ser divertido, prazeroso e não tarefa, e o jogo deve
ser apresentado de acordo com o interesse da criança. Assim, a noção
de tempo e espaço começa a ser estruturada nesta etapa. Os conceitos
espaciais como perto, longe, em cima ou embaixo começam a serem
discriminados, noções temporais aparecem e é possível entender a
duração dos intervalos de tempo, de ordem e sucessão de eventos.
Nessa fase ocorre um domínio corporal maior do que na fase
anterior, já é possível uma adequação de seus movimentos no espaço
circundante. Assim, essa fase é caracterizada pelo egocentrismo, o mundo
está organizado sob o ponto de referência bastante individualizada, a
noção do “eu” está mais estruturada.
CORPO REPRESENTADO - corresponde à fase do período
operatório de Piaget. Começa por volta dos sete anos de idade, quando
a criança já tem noção do todo e das partes de seu corpo, fala, usa e o
desenha de forma elaborada, assume seus movimentos e os controla, se
locomove no espaço com autonomia e independência.
A imagem mental adquire movimento e a noção temporal
começa a estruturar-se. No final dessa fase a criança já tem imagem

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do corpo operatório, ou seja, usa o corpo para efetuar e programar


mentalmente ações, isto é, o corpo é estruturado em pensamento e
não precisa necessariamente que a ação motora esteja presente; ela
programa, projeta, imagina e executa com o pensamento a ação do
corpo. O ponto de referência já é mais o corpo; ela pode executar,
operar no nível mental e se orientar agora por objetos exteriores a si e
os pontos de referências podem ser escolhidos. Nos jogos onde se cria
um espaço onde o corpo pode ser manifestar em sua plenitude, com
alegria e prazer, grandes aprendizagens ocorrem, pois este é um espaço
criador, acolhedor.
Ao jogar a criança vai percebendo as diferentes dimensões,
descobre seus atributos, sua utilidade, classifica-os, podendo mais
tarde modificar sua estrutura. É através do jogo que a criança vai
descobrindo o que pode e o que não pode. Assim à criança para a qual
tudo é permitido e da qual todos os obstáculos são removidos por outras
pessoas, principalmente os pais, não se dá condições de se estruturar
logicamente a realidade e consequentemente de representá-la.
O processo de construção do conhecimento passa necessariamente
pela afirmação e pela negação do conhecimento. A realidade impõe
limites; são esses limites que geram as condições para as estruturas
mentais. É através dessa relação sujeito-jogo que se pode criar
conhecimento. Sendo assim, sempre se aprende mais do que se pensa,
do que se pode demonstrar verbalmente ou declarar conscientemente.
O jogo contribui de forma espetacular para a construção da
autoimagem positiva - através dele as crianças experimentam várias
funções sociais, condutas, estabelecem vínculos, exercitam sua
autonomia, experimenta emoções, criam e recriam, seus corpos
expressam realidade externa. Vivem intensamente a sua realidade.
Para jogar, para exercer a capacidade de criar, é preciso um espaço
rico e diversificado. Piaget (1990) nos diz que “o desenvolvimento
moral da criança se constitui de três fases: Anomia, Heteronomia e
Autonomia”.
ANOMIA – caracterizam-se por brincadeiras individuais, as
crianças brincam com um grupo de amigos, porém individualmente.
Mesmo estando no mesmo espaço físico, cada uma dessas crianças

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brinca consigo mesma. O jogo é com seus objetivos internos e sua


visão de mundo é bastante egocêntrica; somente o seu ponto de vista é
percebido.
HETERONOMIA – nessa fase as crianças aceitam as regras do
jogo, aqui já se jogo em grupos, porém as regras do jogo não podem
sofrer modificações propostas pelos participantes do próprio grupo; as
regras são vistas como imutáveis; a criança ainda não se concebe como
um criador de regras – fixa-se como uma executora, aquela se segue
as regras. A regra é algo sagrado. No decorrer desta fase a criança vai
mudando sua posição no que diz respeito às regras. A criança ainda
nesta fase percebe o mundo apenas segundo o seu ponto de vista.
AUTONOMIA – a criança já abandonou sua fase egocêntrica
e agora já começa a entender o sentido social da regra: regular e
harmonizar as ações coletivas. Torna-se um legislador, aceitando e
acatando decisões coletivas. Assim, antes do jogo começar, as regras
são discutidas e aceitas e o jogo inicia-se tendo por base as regras
combinadas anteriormente.
O jogo proporciona ao aluno ritmo, harmonia, ordem, estética,
tempo, espaço, tensão, contraste, variação, solução, equilíbrio e
união. A criança brinca com o seu corpo descobrindo suas próprias
possibilidades e descobre, assim, o tempo e o espaço. O jogo faz parte
da cultura de um povo. Jogar é inerente ao ser humano. Caracteriza-se
um povo pelas brincadeiras, pelos jogos de suas crianças.
Ao jogar uma partida de qualquer jogo pode-se observar as
operações requeridas do sujeito. É importante observar que nos jogos e
na vida, no dia a dia, as mesmas operações são requisitadas; assim, ao
jogar o sujeito exercita-se cognitivamente, socialmente e afetivamente,
pois o seu desejo de jogar é determinante para que o possa fazer.
O jogar não implica apenas a questão de regra, da competição,
da brincadeira em si. O jogo envolve muito mais, a forma como se vê
e entende. O olhar psicopedagógico sobre o sujeito que joga, se liga às
modalidades de sua atuação, levando em conta a forma de utilização de
sua inteligência.

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ENSINO E APRENDIZAGEM LÚDICOS

Em relação à iniciação esportiva, a mesma deverá ser uma forma


de lazer e de trabalho para as crianças. Com isso, os jogos tornam-se
recursos didáticos de grande aplicação e valor no processo ensino-
aprendizagem. A criança aprende melhor jogando e todos os conteúdos
podem ser ensinados através de atividades predominantemente
lúdicas. As atividades com os jogos devem sempre ter objetivos
didático-pedagógicos e visarão propiciar o desenvolvimento integral
da criança.
Os métodos de educação exigem que seja fornecido às crianças
um material conveniente a fim de que, jogando, elas, cheguem a
assimilar as realidades intelectuais, que, sem isso, permanecerão
exteriores à inteligência infantil (PIAGET, 1990).
Os jogos deverão representar desafios para as crianças e devem
ser adequados ao seu interesse e suas necessidades criativas, pois eles
são convites para o jogar desde que a criança tenha vontade de interagir
com os colegas e com o próprio jogo.
Geralmente, ao ser iniciada na escola de esportes, a criança
enfrenta uma situação inédita que lhe provoca sempre um desequilíbrio,
uma insegurança para atuar. É nesse contexto que se apresenta a
importância do professor como estimulador da curiosidade, da
iniciativa, e da autoconfiança, um profissional que proporciona
aprendizagem, desenvolvimento da linguagem corporal, do pensamento,
da concentração e da atenção. Por isso CAUDURO (2002, pag. 32)
afirma que “é evidente que a tarefa do professor é servir como agente
renovador e transformador desse contexto, já que são em suas ações
concretas que se podem mudar determinadas situações socioculturais”.
Jogar é indispensável para a saúde física, emocional e
intelectual da criança. É um estímulo cultural que, quando bem
cultivado, irá contribuir no futuro para a eficiência e o equilíbrio do
adulto. A criança que joga acostuma-se a ter seu tempo livre utilizado
criativamente. Esse hábito, se desenvolvido de forma saudável, além
de trazer satisfação, com o passar do tempo irá se transformando em
atitudes de predisposição para o trabalho. É natural que a criança sinta
interesse em desenvolver qualquer atividade, e por isso mesmo é de

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extrema importância que a mesma desperte interesse para atividades


diferentes. O jogo é fundamental para que sejam alcançadas a atuação
e a concentração.
Assim, o jogo passa a ser visto como algo sério, consequente e
não apenas o instrumento que as crianças utilizam para se divertir e
ocupar o seu tempo - é uma atividade capaz de educá-las e transformá-
las ao mesmo tempo. A ludicidade é muito importante para a saúde
do ser humano, principalmente a mental já que o espaço do exercício
da relação do ser é o espaço do exercício da relação afetiva com o
mundo, com as pessoas e com os objetos. O jogo estimula a inteligência
porque faz com que a criança desenvolva a imaginação, a criatividade,
possibilitando o exercício da concentração, da atenção e do engajamento.
É um convite ao lúdico, proporcionando desafios e motivação.
essa forma, a imaginação e as habilidades da criança se
desenvolvem. Ao jogar a criança é tocada pela sua proposta, reconhece
certas coisas, descobre outras, experimenta e reinventa, compara e
cria. A criança pode jogar só, com companheiros, alcançando ou não
um grau elevado de cooperação para atingir um objetivo comum. O
interesse da criança e ação de jogar envolvem, conforme sua faixa
etária o seu desenvolvimento sócio-afetivo e seus hábitos culturais.
As variedades de situações que o jogo possibilita podem favorecer a
aquisição de novos conceitos. Ao contrário de que muitos pensam, o
jogo não é uma simples recreação ou passatempo, mas a forma mais
complexa que a criança tem de se comunicar consigo mesma e com
o mundo.
Ao jogar em grupo ou sozinhas, as crianças fazem de suas
brincadeiras uma verdadeira prática social e nessa prática aprendem
a jogar, a contar, a distinguir e organizar suas ideias e suas vidas. É
na magia do jogo que ela desenvolve a autoestima, a imaginação, a
confiança, o controle, a criatividade, o senso crítico, percepção, a
cooperação e o relacionamento interpessoal. Já vai longe o tempo em
que jogar era considerado somente uma recreação ou um passatempo.
Atualmente, graças ao trabalho de psicólogos e educadores, há uma
forte convicção de que jogar é de fundamental importância para
o desenvolvimento social, afetivo e cognitivo da criança. Sendo
assim, o jogo propicia o desenvolvimento de aspectos específicos de

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personalidade, afetividade, motricidade, inteligência, o raciocínio


lógico, sociabilidade, criatividade.
Os jogos também estimulam a percepção, as capacidades sensório-
motoras, condutas e comportamentos socialmente significativos nas
ações infantis. Nos dias atuais, percebe-se que o papel do jogo, com
apoio das atividades lúdicas que são muito importantes, favorece
a construção dos valores e formação do indivíduo, pois ao mesmo
tempo em que joga o sujeito está aprendendo de maneira prazerosa e
significativa e o jogo estará lhe propiciando meios que venham ajudá-lo
psicologicamente.
As crianças em idade de iniciação esportiva precisam de atividade
e materiais simples; estes permitirão que a crianças deem livre curso à
sua imaginação, deixando que a riqueza derive do eu próprio acervo de
imagens.
O caráter de uma pessoa se forma nos primeiros anos de vida
principalmente, e nada melhor para ajudar nesse desenvolvimento do
que o jogo. Os jogos devem ser realizados de acordo com a idade, a
capacidade e o interesse da criança. Os jogos tradicionais têm a função de
perpetuar a cultura infantil, desenvolver formas de convivências sociais
e permitir o prazer de brincar. É através dos jogos e brincadeiras que
a criança tem oportunidade de desenvolver um canal de comunicação,
uma abertura para o diálogo com o mundo dos adultos, onde ela
restabelece seu controle interior, sua autoestima e desenvolve relações
de confiança consigo mesma e com os outros.
Aos poucos, a criança vai se permitindo um desenvolvimento
também emocional, pois o contato com os jogos faz com que ela
encontre um senso de dignidade e respeito próprios. Obtendo essa
confiança e segurança, ela passa a estar apta a aceitar e respeitar outras
pessoas em seu mundo, perdendo o medo de si mesma.
É fundamental saber que os jogos são tão importantes ao jogar
quanto um livro ao estudar. Jogando as crianças constroem seu próprio
mundo – aquele que querem e gostam. Os jogos são ferramentas
que contribuem para esta construção, pois proporcionam à criança
demonstrar e criar situações de acordo com as vivências e experiências
motoras que possuem.

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É preciso que pais, educadores e profissionais que atuam na


iniciação esportiva repensem o conteúdo e a sua prática pedagógica,
substituindo a rigidez e a passividade pela vida, pela alegria, pelo
entusiasmo de aprender, pela maneira de ver, pensar, compreender e
reconstruir o conhecimento, e este também será conseguido através da
interação entre o jogo, o brinquedo e a criança.
Sendo assim, o jogo pode ser visto como uma das formas
mais puras da inserção da criança na sociedade, estando presente em
todo desenvolvimento nas diferentes formas de modificação de seu
comportamento, pois na formação da personalidade, nas motivações,
necessidades, emoções, valores, as interações criança-família e criança-
sociedade estão associadas aos efeitos do brincar.
O jogo torna-se um instrumento importante para facilitar o
desenvolvimento da criança. Isso não significa que os jogos acelerem o
comportamento, mas se nada for oferecido na área lúdica, a criança terá
sérios problemas. Tanto o ato jogar como o ato criativo estão centrados
na busca do eu – uma busca constante para descobrir algo novo.
É no jogar que se pode ser criativo e desenvolver-se no todo.
O jogar tem a função de colaborar com criança nos seus processos de
crescimento e de remoção dos bloqueios do desenvolvimento. O jogar
é a própria saúde – facilita o crescimento, conduz aos relacionamentos
grupais, é uma forma de comunicação consigo mesma e com os outros.
No jogar a criança pode exteriorizar seus medos, angústias, problemas
internos e revelar-se inteiramente, resgatando a alegria, a afetividade,
a felicidade o entusiasmo. O jogo é um acontecimento social. Segundo
Greco (1997), é resultado da interação entre criança-meio ambiente-
percepção-movimento. É uma situação de conflito e cooperação entre
indivíduos, almejando determinados objetivos, comuns ou não.
O jogar revela-se como uma estratégia poderosa para a criança
aprender. Nos dias de hoje os jogos vêm sendo cada vez mais utilizados
na educação, constituindo-se peça importante na formação da
personalidade, nos domínios da inteligência, na evolução do pensamento
e de todas as funções mentais superiores, transformando-se num meio
viável para a construção do conhecimento. Sob os diferentes enfoques,
podemos dizer que o jogar está em presente em todas as dimensões da

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existência do ser humano e muito especialmente na vida das crianças.


Jogar é viver: as crianças jogam por necessidade.
O desenvolvimento das inteligências se processa de maneira mais
acentuada quando há o recebimento de estímulos e depende também
da qualidade desses estímulos. Independente da época, cultura e classe
social, os jogos fazem parte da vida das crianças, pois elas vivem
num mundo de fantasia, de encantamento, de alegria, de sonhos, onde
realidade e faz-de-conta se confundem. O jogo está no pensamento, na
descoberta de si mesmo, na possibilidade de experimentar, de criar e de
transformar o mundo.
Jogar não é ficar sem fazer nada, é necessário estar atento a esse
caráter sério do ato de jogar, pois esse é o seu trabalho, atividade da
qual a criança desenvolve potencialidades, descobre papeis sociais,
limites, experimentam novas habilidades, forma um novo conceito de
si mesma, aprende a viver e avança para novas etapas de domínio do
mundo que a cerca. A criança se empenha durante as atividades do jogar
da mesma maneira que se esforça para aprender qualquer outra coisa.
A criança que joga não percebe o mundo à sua volta, como um jogador
de futebol num campo, mas mergulha fundo em seu jogo porque ele
é coisa séria. Essa seriedade do jogo infantil é, entretanto, diferente
daquela que consideramos, por objeção ao jogo, à vida séria.
Essa seriedade de jogo implica um afastamento do ambiente real
– a criança parece esquecer o real e se torna personagem. Tudo acontece
como se o jogo operasse um corte no mundo, destacando no ambiente o
objeto lúdico para apagar todo o resto.
O jogo constitui um mundo à parte, um outro mundo, distante
do mundo dos adultos, o seu mundo lúdico. No jogo a criança cresce,
liberando-se do domínio sob o qual ela era nada mais que um submisso,
e como se sente pequena, tenta se realizar no seu mundo lúdico,
evadir-se. O adulto também procura no jogo de aposta de bilhar o
esquecimento dos seus problemas, o alívio de suas tensões. Portanto,
brincar/jogar é o trabalho da criança, um ato muito sério; e por meio de
suas conquistas no jogo, a criança afirma seu ser, proclama o seu poder
e a sua autonomia, explora o mundo, faz pequenos ensaios, compreende
e assimila gradativamente suas regras e padrões, absorve esse mundo
em doses pequenas e toleráveis.

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Dessa forma, nenhuma criança brinca ou joga somente para


passar o tempo – sua escolha é motivada por processos íntimos, desejos,
problemas, ansiedades. O que está acontecendo com a mente da
criança determina a atividade lúdica – brincar e jogar é sua linguagem
secreta, que se deve respeitar mesmo se não a entende. Assim, faz-se
necessário que o professor educador fique atento no sentido de oferecer
possibilidades e situações de jogos/brincadeiras. É imprescindível que
as crianças tenham muitas atividades lúdicas gozar a oportunidade de
provar sua superioridade, de expressar-se, de evadir-se do mundo real,
de serem sérias no seu mundo lúdico.
Mas, apesar do jogo ser uma atividade espontânea nas crianças,
isso não significa que o professor/educador não necessite ter uma atitude
ativa sobre ela, inclusive uma atitude de observação e intervenção
quando for o caso; sua atitude não passará por apenas deixarem as
crianças jogarem, mas, sobretudo, ajudar as crianças nesse ato e
compartilhar com elas, ou até mesmo a ensiná-las a jogar e brincar.
O jogo é um processo de educação pelo qual os integrantes
de uma sociedade atingem as capacidades para se desenvolverem
individualmente, cuja aprendizagem lhes permita integrar-se ativamente
ao meio em que vivem; que a compreensão da realidade externa e a
integração ao meio social são um contínuo processo de aprendizagem
que se inicia muito cedo através do jogo; este resulta ser um meio
privilegiado para a educação e as aprendizagens da infância.
O prazer que emana o jogo lúdico guarda em si o sentido de prazer pelo
viver, o prazer em ver, contemplar, investigar, sentir, tocar, discutir, en-
contrar alternativas, viver com o outro, vibrar com as próprias vitórias
e reconhecer a vitória do outro. Em suma, existe o prazer em viver in-
tensamente as ações, o tempo e o espaço (MONTANDON, 1992, p. 28).

Pelas contribuições que o jogo pode trazer à educação em geral,


pela possibilidade motivacional que as situações lúdicas propiciam a
pedagogia infantil, pode-se considerá-los uma verdadeira instituição
educativa espontânea.
As escolinhas esportivas surgem para resgatar a infância e
proporcionar à criança o acesso ao mundo do jogar, reconhecendo
a importância desse direito e a valorização do esporte como fonte

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de desenvolvimento e equilíbrio. As escolinhas esportivas devem


ser instituições recreativas e culturais especialmente planejadas
para crianças, cuja função principal é auxiliar o desenvolvimento da
personalidade do usuário através de jogos. Para Oliveira (1998, p. 56),
o jogo na iniciação esportiva ajuda no processo de desenvolvimento
motor, na compreensão do próximo e na educação geral da criança.
Existem diferentes tipos de escolinhas esportivas, com diferentes
funções e objetivos, assim como o professor técnico exerce não só a
função pedagógica, mas organizacional, recreativa e informativa.
O ser humano vive grandes transformações no decorrer da sua
vida, e cada etapa tem características próprias e sofre influências das
relações sociais vividas, esse desenvolvimento se dá de forma gradual
e contínua porque cada ser humano é único e o seu desenvolvimento
depende da maturação de cada sujeito. Nesse entendimento, a educação,
nas suas diferentes formas e áreas do conhecimento, exerce importância
grande na formação da personalidade dos estudantes, tornando-os
responsáveis socialmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível, através do modo como uma criança joga, constatar


o seu modo de aprender, pode-se notar a forma como vê o mundo,
percebe-se como ela utiliza a inteligência, se pode jogar ou quer ocultar,
pode-se observar a sua relação com a aprendizagem, a sua capacidade
de argumentar, de organizar, construir e significar.
Ao instrumentalizar o jogo no tratamento, criando-se um espaço
compartilhado de confiança, pode-se modificar a rigidez ou estereotipia
das formas sistemáticas de aprendizagem. Assim, a criança pode ir
transformando seu modo de agir e pensar, pode recuperar o prazer de
jogar, experimentar, estabelecer confiança e criar o seu próprio tempo
e espaço.
Incialmente foi abordado o tema procurando estabelecer a
construção do saber através do seu corpo, transformando assim o seu
conhecimento. A criança aprende, constrói e usa o que aprendeu em
diferentes situações, agindo e modificando a si e o meio. O sujeito que

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aprende, que constrói conhecimento é um ser social, afetivo e cognitivo.


Para aprender, para construir conhecimento, o sujeito precisa eleger um
objeto e agir sobre ele.
O jogar é um espaço privilegiado que proporciona à criança,
como sujeito, a oportunidade de viver entre o princípio do prazer e
o princípio da realidade. Jogando, a criança estabelece vínculos com
os objetos externos e internos num processo de trocas intensas com a
realidade e com a fantasia.
Os educadores devem possuir plena consciência do valor do
jogo para um aprendizado significativo. Desta forma, jogando a criança
aprende de maneira prazerosa e significativa; o jogo é um estímulo para
a aprendizagem. Nesta contextualização, afirmamos que é através do
brincar que a criança representa a realidade e com isso vai construindo
seus próprios valores, ideias e conceitos.
Portanto, constata-se que o jogo tem um valor significativo na
vida da criança, já que a mesma está num processo de construção de
sua vida. Vale ressaltar que é nesse período, na iniciação esportiva, que
a criança começa a fazer pequenos ensaios para se descobrir e descobrir
o meio em que vive, e sem o jogar isso não seria possível.
Enfim, não se pode falar em brincadeiras e jogos sem as crianças,
pois ambos estão interligados, favorecendo-se mutuamente, ou seja,
sem um e outro não haverá desenvolvimento.
O jogo e a brincadeira implicam uma relação cognitiva e
representam uma potencialidade capaz de interferir no desenvolvimento
infantil. Se estes são instrumentos importantes para desenvolver a
criança, são também instrumentos para a construção do conhecimento
infantil.
Vale ressaltar que o jogo permite ainda aprender a lidar com as
emoções. Pelo jogar, a criança equilibra as tensões provenientes do seu
mundo cultural, construindo sua individualidade, sua marca pessoal,
sua personalidade, enfim o jogo e o brincar são fundamentais na vida
das crianças para que as mesmas se desenvolvam de forma física,
intelectual, emocional, social, afetiva e cognitiva. O jogo com bola,
principalmente, é um brinquedo para todas as idades, vale por um
companheiro para uma criança que está só. Porque pula, rola... é um

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eterno convite à ação e ao jogo. Em todas as situações, há ludicidade


e desenvolvimento da coordenação dos movimentos amplos e da
sociabilidade. A bola é um brinquedo básico e indispensável a qualquer
criança que possa movimentar-se.
Finalmente, concluímos que as brincadeiras, o jogo e o ato
de brincar são fenômenos terapêuticos, e prazerosos, e o prazer é o
ponto fundamental da essência do equilíbrio humano e há nele uma
aprendizagem significativa. Pode-se dizer que a ludicidade é uma
necessidade interior, tanto da criança como do adulto. Por conseguinte,
a necessidade de jogar é inerente ao desenvolvimento humano como
um todo. Para a criança, jogar é viver. Enquanto joga a criança tem a
oportunidade de organizar seu mundo, seguindo seus próprios passos
e utilizando seus recursos. Então, jogar é uma necessidade do ser
humano - quando joga ele pode aprender de um modo mais profundo,
pode flexibilizar pensamentos, pode criar e recriar seu tempo e espaço,
consegue se adaptar melhor às condições da vida, incorporando novos
conhecimentos e atitudes.
Jogando a criança tem oportunidade de experimentar o objeto
de conhecimento, explorá-lo, descobri-lo, criá-lo. Durante as atividades
lúdicas as crianças podem pensar livremente, podem ousar imaginar.
Nas horas de brincadeira as crianças são livres para criar, não têm medo
de errar, jogam com a possibilidade, com a a capacidade de imaginação.
Jogar pode ser entendido como a mudança de significado, como
movimento, tem uma linguagem, é um projeto de ação. Jogando molda-
se a subjetividade do ser humano, cunha-se a realidade, estabelece-se
um tempo e espaço. Jogar é criar - criar uma forma não convencional de
utilizar objetos, materiais, ideias, imaginar. É inventar o próprio tempo
e espaço.
Poder participar de escolinhas de iniciação esportiva é um
processo terapêutico; joga-se com o que não se pode entender, joga-se
para poder entender melhor e joga-se para ressignificar a vida. No jogo
a criança exercita-se cognitivamente, socialmente e afetivamente.
Assim, pode transformar seu modo de agir e pensar, pode
recuperar o prazer de jogar, experimentar, estabelecer confiança e
criar o seu próprio tempo e espaço. O “papel do professor, por vezes
exigente, por vezes com muita flexibilidade, de forma a permitir um

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‘ir e vir” na busca a construção do conhecimento e não somente passar


informação, podendo o aluno estabelecer a construção do saber quando
o sujeito age sobre o seu conhecimento. Ele aprende, constrói e usa
o que aprendeu em diferentes situações, agindo e modificando a si e
ao meio. O sujeito que aprende, que constrói conhecimento é um ser
social, afetivo e cognitivo. Para aprender, para construir conhecimento,
o ser precisa eleger um objeto e agir sobre ele.
Jogar é um espaço privilegiado, proporciona à criança, como
sujeito, a oportunidade de viver entre o princípio do prazer e o princípio
da realidade. Jogando a criança vai, lentamente, estabelecendo vínculos,
brincando com os objetos externos e internos num processo de trocas
intensas com a realidade e com a fantasia. Assim, é preciso que a
escolas de iniciação esportiva considerem a relação da corporeidade e
da motricidade humana como possibilidades, aos alunos, de ampliação
da visão de mundo.
Ao abordar a pedagogia do esporte, procurou-se ressaltar as
contribuições que a proposta de uma boa iniciação esportiva pode
oferecer para esse campo das ciências do esporte, focalizando os
princípios socioeducativos da cooperação, aplicados ao processo de
ensino do esporte, na perspectiva de ser um campo para a descoberta
pessoal e promoção do encontro, ao invés de confronto.
É bom reaprender a amar, jogando cada partida da nossa vida
diária como se fosse a primeira, a única e a mais essencial de todas.
Através das escolinhas esportivas, podemos ir despertando essa
semente, reativando a consciência da cooperação e reconhecendo
a importância do exercício de convivência para ajudar a solucionar
problemas, harmonizar conflitos, superar desafios e realizar objetivos
comuns a toda a humanidade. De um modo geral, as escolinhas
esportivas não são uma novidade, nem uma tendência, nem tampouco
uma alternativa milagrosa para resolver o que não se resolveu até
agora. Talvez sejam um caminho para despertar as competências
humanas necessárias para construir um mundo melhor para todos,
sem exceção.

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REFERÊNCIAS

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