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O DEUS (IN)VIS{VEL Como se relacionar com um Deus que ndo podemos ver, ouvir e tocar Como E POSSiVEL ME RELACIONAR COM UM SER QUE AS VEZES PARECE DISTANTE? PHILIP YANCEY AVIDA.COM DEUS nunca acontece do jeito que pensamos, Grandes expecta- tivas chocam-se violentamente com a realidade das nossas fraquezas. Além disso, ‘ie 0 Deus que anseia por nossa companhia pode parecer alheio e inalingfvel * sa Deus esta brincando? Quando podemos contar com ele? Como vamos saber com certeza? Como podemos conhecer a Deus? ‘= sah Como funciona-o rélacionamento comsum Deus que wan padeaue wen eee ou tocar? O Deus (in)vistvel oferece reflexdes profundas e encorajadoras que confirmam e valorizam perguntas que as vezes temos medo de fazer. O escritor Philip Yancey explora seis dreas fundamentais: a sede por Deus, a fé em Deus nos momentos em que ele parece inacessfvel, a natureza propria de Deus, nosso relacionamento pessoal com Deus, etapas ao longo do caminho e 0 objetivo maior da transformagao espiritual. Essa obra € uma conversa franca, honesta e profundamente pessoal sobre a vida crista dirigida aqueles que ndo se contentam com respostas prontas as questdes cruciais da vida. A partir de nossas diividas Yancey nos conduz.ao que se oferece pessoalmente em resposta: o Deus que nos convida a buscé-lo... ea encontra-lo Esse livro apaixonante, de uma franqueza exemplar, edificard stia f€ e 0 ajueard a enfrentar corajosamente suas duividas, Junte-se a Philip Yancey nesta busca e aproxime-se ainda mais do Deus invisivel, mas muito real, Lee Strobel Jornalista e autor dos livros Inteligéneia espiritual e Em defesa de Cristo ISBN 85-7367-564-0 | | 788573675 ; Como disse o poeta, existe uma pedra oe ‘caminho, Quando estamos certos de compreender a Deus, as vezes: ‘o chiio desaba sob nossos pés. Perdemos “uma pessoa querida, a savide se debilita ‘ow 0 intelecto comega a gritar objegdes _queantes apenas sussurrava, Onde ests Deus com as respostas? Por que ele fica tio longe com tanta freqtién- cia? Como compensar esse vazio? Afinal, se Deus nao é um ser fisico como nés, co- mo devemosnos relacionarcom ele? Se asede que voce tem de Deus pare- ce quasenunea sersaciada... Se vocé percebe uma distincia pertur- badora entre a teologia e a experiéncia, entre as promessas de Deus e a realidade davida,. Ou, se voce jé experimentou as pro- messas divinas em sua vida, e quer voltar acrer entio este livro é para vocé. (© premiado eseritor Philip Yancey responde a algumas perguntas cruciais que todos fazemos, Como € realmente a vida com Deus? Como posso me comu- nicar com ele? Se Deus cura, por que mo curou aquele meu familiar? Como Deusajee como operaem mim? Yancey nos conduz em uma jomada de fécreflexdo onde ndoha assuntos proi- bidos que nao possam ser tratados. Diivi- das, softimento, riscos, tempos difceis, providencias enigméticas, os ri parldoxos da vida. seine ! ihahg Obras de Philip Yancey publicadas pela Eclitora Vida A Biblia que Jesus lia Maravilhosa graca CO Jesus que eu munica conheci ‘Deus sabe que sofremos Qutras obras do autor Decepcionade com Deus (Mundo Cristo) Tereja: por que se importar (Sepal) Perguntas que precisam de respostas (Textus) Obraem co-autoria com o dt. Paul Brand As maravithas do corpo (Vida Nova) Dados Intemacionss de Catalogagio na Publicagio (cr) (Camara Brasileira do Livro, sr, Brasil) Yancey, Philip po Deus inisvel: como se relacionar com um. Deus que nio podemos ver, ouvir © cocat / hilip Yancey ; tradugio de Yolanda M. — Sao Paulo : Editora Vida, 2001. ule original: Reaching for she invisible God fat can we expect to find? ISBN 85-7367-564.0 1. Vids espirinaal - Cristianismo 1, Titulo. 01-4745 cpp-248.4 ‘ara catdlogo sistemitico 1 Vida pica = Cris Cristianismo 8.4 van Corporation ne cote on for coe iuibe God, ‘ieulo do 01 edigio publicaca por Zonoesvan PURLUSHING HOUSE (Grand Rapids, Michigan, RUA) | Taos diretosem lingua portuguesa reservades por Rua Jilio de Castilhos, 280 Belenzinho, Sao Paulo, SP. cer « 03059-000 Telefitx «0 xx 11 6096-6814 wwweditoravida.com.br Proton & RE>RODUCAO POR UAISQUER MEIOS, ‘SALVO EM BREVES CITAQOES, COM INDICACAO DA FONTE, Impresso no Brasil / Printed in Brazil . Categoria» Teologia ‘Todas as citagbes bfblicas foram extraidas da Nova versio internacional '(yvi), 2001, publicada por Editora Vida, salvo indicagio em conteério, Gerencia evorial "Reginaldo de Soura Aisén edvoral Fabiani S, Medeiros Prepare de texto Denise Avalone ¢ Fabiani i Res dete ite Alone ¢ Fabiani S. Medeiros Judson Canto, Rosa M. Ferreira « Sergio Pavarini Copa® Douglas Liscas . TRA AD 4 apec cat == Clmara Brasileira do Livro. SumARIO ms QuaRTA PARTE Uniao — L (13) A reforma (14) Fora de controle (15) Paixao e deserto (14) Amnésia espiritual Jma parceria desigual QUINTA PARTE , Crescimento — Estdgios ao longo do caminho (17) Crianga (18) Adulto (19) Pai ‘SEXTA PARTE Restauracdo — O fim do relacionamento. (20) 0 paraiso perdido (21) A ironia de Deus (22) Um casamento arranjado (23) O fruto do penoso trabalho da Sexta-Feira Se pentht wpm aioe SNe i pee tag oe loan, ac me, John consegue , mas 0 Meu editor, John S tortuasa que de costur trabalho para ser core! speranga. Um bom editor I porice a ee Bob Hudson ¢ muitos outros profissionais da jente social. d a mnharam o manuscrito nas etapas eletrénicas posteriores. ea Nebel 1, também prestou uma contribuigao valiosa. a janie am rascunho inicial deste livro a diversos leitores impressao, € 08 manu ritos cheios de anotagdes que recebi de vo je que um relacionamento com Deus é tao sul apontar falhas que exigem . tal forma que me enche de me convenceram di nto as p i ; rank, David Graham, Kathy Helmers, Rob Muthiah, Catheri Stafford, Dale Suderman e¢ Jim Weaver por suas respostas reley; ajudaram nao apenas com 0 contetido, mas também com a concepgao geral da obra. Nos primeiros esbogos, sentia-me labirinto. Os brados de orientacdo dessas pessoas me ajude saida. Um desses leitores escreveu: “Tenha bom animo, meu am ja 0 que todo livro religioso deve ser: um dedo impel ao para Alguém a quem nao podemos tornar presente ¢ indicador, mas em quem, nao obstante, encontramos permis frageis,rdiculos, receosos”. A isso digo um sincero amémn. essoas no outro extrema. Quero agradecer a Mark Bo ompanhou-me numa trajetoria editorial como jd descobri, tem um pouco de psig (1) Novo nacinna nes de nadegas _ i regia . aah Sis © Deus (in)visive! * Umar de satisfacdo estampou-se em sey yp fio os meios ferramentas.... mas ndO 08 7 queimado de sol ‘Je, confusos, esperanclo mais explicagdes, mas g Ficamos olhando parse Para ele, essa resposta enigmiatica resol ane em resposta a outras perguntas, ele repet i eado que nos escapava. Depois que satay adeira constante entre o grupo. Sempre a tarde, outro respondia com go 10.08 Meio pross Jeuas costas € prosseg : os clias segul a-cabega. No s dete panacea um sii Cuzco, 0 fato tornou-se wna brine mee » perguntava, digamos, Se ia cho oe espanhol: “Bem conhecemos as ferramentas, mas i joa mente ha pouco tempo, quando éstive p ‘ssa frase enigmatica me ve x , eae nrreyo cam diversos colegas dc uma faculdade crista. Embora em uma reuniiio co vinte anos que no nos encontrivamos, rapidamente pas para tuma conversa mais descontraida, Todos tinhamos enfrentado divi relacdo a fé, mas felizmente ainda nos considerdvamos cristaos. Todos tin experimentado sofrimento. Colocamnos a conversa em dia, falando p filhos, da carreira, das mudangas geogrificas ¢ das especializagoess conversa se tornou mais sombria: pais com mal de Alzheimer, colegas d enfermidades erdnicas, declinio moral, filhos molestados por lideres No final, conchafmios que Deus é muito mais importante em nossa Idade. Quando relembramos, pot expresses que usivamos na €poca em referencia experiéneia espirit hos afiguraram quase sem sentido, Nas aulas de teologia, 25 anos antes, na vida cheia do Espirito, o pecado e a natureza carnal, a santificagé dante. Contudo, nenhuma dessas doutrinas funcionou como imagit Explicar uma vida de ardor espiritual a uma pessoa que passa o dia intelto conta um pai ou mae desconjuntado, que molha a cama por eausal Alzheimer, é como explicaras ruinas incas dizendo: “Conhecemos as fer Gee a aie se diz simplesmente no transmite 0 que se quer Gite pee Os na Igteja costumam confundir. O' pastor a despertg os € somos mais que vencedores”, Embora essas pala “spertar um anseio profundo, no caso de muitas pessoas dificil mente s '. O viciado em sexo as ouve, ora pedindo a cura es pam’ encontrado em sua eaixa de entrada de e-mails; algu quena época em que estivamos na experiencia cotidia cede a mais um sp Na lingu, n da Internet, spam @ tm alti especificamente, Terme ted commercial email, ‘cited bulk email lea ente So pesso N.do E, mensagem enviada a varios destinatans ' equivalentes, também comuns ni Int email [ou mensagem| comercial nao-soliell™ mail [ou mensagem| em massa icitado”). Quew ‘ve adquiriram ou receberam uma lista de ender pam ge e-mail Novo nascimento de nadegas por uma tal Sabrina ou Jéssica , que promete satisfazer suas fantasias mais picantes, Uma mull her sentada no mesmo banco da igreja pensa no filho adolescente internaclo em uma clinica de desintoxicagao por causa do vicio das drogas, Fez 0 melhor que qualquer mae poderia fazer, mas Deus nao atendeu as suas oragoes. Sera que Deus nao ama seu filho tanto quanto ela? Muitos outros abandonaram a igrefa, entre os quais os cerca de trés milhes de americanos que se consideram cristaos tradicionais, mas nunca vio a igreja. Talver tenham sido incendiados por um pouco de tempo com um grupo da Alianga Biblica Universitéria ou da Cruzada Estudantil, mas depois se apagaram e nunca mais foram reacendidos. Como uma das personagens de John Updike comenta em A month of Sundays [Um més s6 de domingos]: “Nao tenho {é. Ou melhor, tenho, mas ela parece que nao se aplica a minha vida”? Escuto pessoas como essas ¢ recebo cartas de muitas outras. Contam que a vida espiritual nao mudotia vida delas de maneira definitiva, O que experimentaram na pratica parecia contrariar fer tanita seg pulpito. Para minha surpresa, n ‘ ic tibet Deus obviamente nao sao nada realistas. Acho que me decepcionei ta vezes que oro pedindo cada vez menos, simplesmente para ndo viver decepcionado, wa ‘final, como deve sero relacionamento com Deus? O que devemos esperar de umm Deus que nos chama de amigos? Essa pergunta desconcertante sobre relacionamento continua aparecendo nas cartas. Como manter um relacionamento com um ser tao diferente dos outros, imperceptivel aos cinco sentidos? Recebo cartas de intimeras pessoas atormentadas por esas perguntas — movidas, acredito, por livros que eserevi com titulos como Deus sathe que sofremos ¢ Decepcionado com Deus. Outra pessoa escreveu: Nos tiltimos anos, venho enfrentando grandes dificuldades. As vezes, parece que vou desmoronar sob tanta pressdo. Tudo isso abalou minha fé em Jesus Cristo e ainda estou tentando. juntar os pedagos de uma erenga que um dia foi 2New York, Fawcett Crest, 1975, p. 203. ea ando nao se Deus ou Jesus 50 realy : i estion a 3 e que amento” S20 realmente genuinos, Flagro-m' inabalavel. agro relacion : ¢ minha féco¢ it em telagao a Deus e me pergunto: “Sera que fj nz €1 -: Ee tudo 0 gue disse € suier dizer, como Posse dizer que tenho fé em Deus quande "Quer dizer, zt mente existe? AS pessoas dizem que oram pe arose teen, mas Yeo Ne, and relat , tr apenas tentando impressionar alguém ou sendo jj Se f.lgo, Fico revoltado sé de pensar nisso. Continuo me pergun} eae i er finalmente? Quando as coisas fardo sentido pat sincero? me pergunt coisas € que gadamen ‘Quando vou en! O que hd de cerrado comigo? - tor escreveu com o mesmo tom de desolagao, pergur expressiio “relacionamiento com Deus” tinha afinal algum significado, de seu avo: homem consagrado que passou avida inteira orando, lend elivros cristaos, ¢ ouvindo sermoes gravados. O velho mal anda ou omy nara aliviar as dores do quadril causadas pela artrite; Outro lei medicamentos f morte da esposa, vive sozinho em um es causa das contas atrasadas ¢ das luzes que so esquecidas acesas, para ele”, escreve seu neto, “nao vejo um homem santo e feliz, em com Deus. Vejo um velho cansado e solitério, esperando ir logo Fle cita uma passagem de Garrison Keillor sobre a velha tia Mari que a morte era apenas uma porta para o reino em que Jesus Ihe'd vindas, onde nao haveria mal-humorados e andava com dificuldade dentro de uma pequena cheia de bibelds chineses ¢ ntimeros antigos do jomal Tribune de Outro leitor foi ainda mais incisivo: i mando se, na metafor denovo, nao nasci de nédegas” 1 HA ALGUMAS Diicar parte decidiu como alevaria reunii AS, os membros de um grupo de debates do q mo exercicio que cada um escreveria uma carta sin ao seguinte. E “xamin a $ papel: e soe rando alguns papéis recentemt Querido Deus: ‘Voce cert ‘ amente nio amigas de Pattie disse casio, K age como se Deus fosse vivo”, fol © 99 aclaem tom de acusaga et, ajo.com 19-como se estivesses vive Novo nascimento de nadegas ou ae com ela. Outras vezes, fujo deste mundo caindo num mundo invisivel imaginarto; ¢ na maior parte das vezes realmente creio que ele existe, tio real quanto este mundo de oxigénio, plantas e 4gua. Mas como fazer o inverso deixar que a realidade de teu mundo, ou tu, entre ¢ transforme a mesmice entorpecedora de minha vida didria, do meu eu didrio? Sinto Progrésso, admito. Vejo-te agora como alguém que, mais do que temer, Cll Tespeito, @ alé reverencio. Agora tua misericérdia € tua graca me impressionam mais que tia santidade € majestade. Jesus fez isso por mim acredito, Ele te amansou, pelo menos o suficiente pata podermos viver juntos na mesma gaiola sem que eu tenha de me encolher assustado em um cantoo tempo todo. Ele te tornou interessante, amavel. Ei digo para mim mesmo que ele me tomou interessante € amavel também para ti, Eu jamais cor iri chegar a esse estigio sozinho; tenho de aceitar tua palavra quanto-a isso. Na maior parte do tempo, eu mal acredito. Portanto, c¢ ‘minha natureza, para que que isso € mesmo possivel? = ‘Engragado, acho mais facil crer no impossivel abertura do mar Vermelho, na Pascoa — que crer no que deveria parecer mais possivel: 0 lento e constante raiar de tua vida em pessoas como eu e Janet, Dave e Mary, Bruce ¢ Kerry, Janis ¢ Paul. Ajuda-me a crer no possivel, Deus. ‘Lembro que meu amigo Paul ficou confuso quando li minha carta ao grupo. Parecia tao impessoal, ele disse, to distante e cheia de hesitacao. Tudo a que me referi ndo correspondia ern nada a intimidade que ele tinha com Deus. Alembranga da reacdo dele ressuscita minhas dvividas, fazendo-me parar para perguntar o que ‘me qualifica pata eserever um livro sobre o relacionamento com Deus, Um editor, certa yez, encomendou-me um livro mais “pastoral”, mas ndo consegui satisfaze- Jo, Nao sou pastor, mas um peregrino contagiado por diividas. Posso apenas oferecera perspectiva de um peregrino retratanclo o que Frederick Buechner chama de “alguém que esté no eaminho, embora nao necessariamente muito avangado w7 = 18 0 Deus findvisivel ama dei vagaeinacabada SObTEa pessona gy soni na trajetor deve agrad Passei a ™ e evangélico, que reall livro porque quer? mostta funciona de verdade, evangélica — uma pessoa busc outros mediadores — € por es tum escritor, Embora possa con no final as informagées sao pond das folhas brancas de papel sobre o cristo nao deve ficar s Joa tradigao do protestantismo hist aseguind aa e inalmente decidi escreyer @ Jacionamento, € f vesmo como o relacionamento com como se imagina que funciona. A postura da tr hrscando a Deus sozinha, sem sacerdotes, fon anho que parega compativel com a indole sultar outras fontes entrevistar pessoas jeradas na solidao, de forma introspectiva, as quais registro meus pensamentos, ozinho o dia inteiro p aorel ar a mim 7 1a seus riseos, porque sobre a vida crista. / Cuando escrevo um lvro, pego a faca de mato e comego a abrir o eam inata adentro, nfo para fazer uma trilha para os outros, mas para enon ¢aminho para mim mesmo. Alguém me seguira? Desviei-me do cami crevo, apenas uso © macl consigo responder a essas perguntas quando Contudo, essa imagem nao € de todo nitid seguindo um mapa deixado por muitos outros, a “grande nuvem de tes que me precedeu. Minhas lutas com a fé tém apenas isto a seu favor uma longa e bem definida linhagem. Descubro expresses andlogas de confusao na propria Biblia. Sigmund Freud acusou a igreja de ensinar questies a que pode responder. Algumas igrejas podem agir assim, certamente nao. Eim livros como J6, Eclesiastes e Habacuque, a Bibliaap sem todeios perguntas sem respostas. Ao pesquisar, descobri que grand ee antos também encontraram ™ 'aculos, desviose becos sem sada como os que enfrento e meus COrrespo acenam. As ign i a = Asigrejastendem hojea mostrar testemunhos de vitorias espirituals, le Tracassos, o que S pes i i A Fa ot ae fas pessoas em confito no banco da igreja se sent Po Ostives ides também fala dos runfos, Mas v4 um poueo mals @ Nstria de ireja everd uma historia diferente: pe MS o ‘ ss como o salmao na desova. in Confissdes P n Confissoes, Agostinho relata em detall queria apenas ter certeza das co Ut Sio der”, ele escreve, El oe peel Wlutoue dehoje: crerno invisivel ¢y lhes precisos seu lento despé sas invisiveis tanto quanto tenho de que © munca alcangou essa certe; estudios0! ontra as mesmas dtividas que atormentamn 056% encera insistente desconfianca em tomo dai letick BuecuNer, Wish ful thinking, New York, Harper & Row, 1973 Bl Novo nascimento de nédegas Hannah Whitall Smith, eujo livro O segredo de uma vida feliz sinalizou a milhares de leitores da era vitoriana um plano de vida mais elevado, nunca encontrou muita felicidade, Seu marido, famoso evangelista, criou uma nova formula para o éxtase que satisfazia os anseios espirituais por meio da excitagao sexual, Posteriormente, veio. a cometer varios adultérios ¢ negou a fé. Hannah. permaneceu aseu lado, cada vez mais desiludida e amargurada. Nenhum de seus: filhos guardou a fé. Uma filha casou-se com o fildsofo Bertrand Russell ¢ tornou- se atéia como.o marido, As descrigdes que o proprio Russell fez de sua sogra nao retratam uma mulher vitoriosa. Na adolescéncia, Eugene Peterson, escritor contemporaneo, participava de uma conferéncia crist que reunia as pessoas a beira de um lago durante 0 verao._ Elas eram. muito fervorosas e usavam express6es como “vida mais profunda” ¢ “segunda béngaio”. Contudo, ao conhecera v s coeréneia entre o ent Ie para oferecer a0 mun sociedade preocupada com o sucesso, admiti sempre. A igreja do ano 3000 d.C. estar tao cl 2000 ou 1000 «.G. Por isso, buscamos a Deus tao d “O cristo tem grande vantagem sobre os demais homens”, disse C. “nio por ser menos decaido que eles, nem por ser menos condenado a viverno mundo caido, mas por saber que é um homem caido num mundo caido”. Esse reconhecimento sera meu ponto de partida nesta jornada para conhecera Deus. QUANDO COMECEL A ESCREVER ESTE LIVKO, procurei amigos que respeito como cristdos, Alguns sao lideres de igrejas, e alguns poucos, conhecidos nos Estados Unidos como um todo. Outros ainda sao cidados comuns no mundo secular que levam a fé asério. Fiza eles a seguinte pergunta: “Se um nao-cristao 0 procurasse € perguntasse por que vocé, cristao, é diferente dele, que nao € cristo, mas € uma ‘Bugene PrrERSON, The wisdom of each other, Grand Rapids, Zondervan, 1998, p. 29. The world’s last night, New York, Harcourt Brace Jovanovich, 1959, p. 7. aon 19 the diviat”. Eu quena ae sea fe que i alec dos fracassos e son pers realig, rmofereceria EWM” vez, Sendio, que importaria? ‘ a de transformacte nudangas espectficas: Por causa de Dy enciona de grandes conflitos nao resolvidos® apo também muclout Muito; Procerg p revs nos mncus GeSE}OS ado: do terrivel e fez uma ei pe ee Nio consigo deixar de me preocupar, crete possibilidade de me euupacao nao resolve, me preocupo mi + Deus, Embora possa estat errada, creio tino controle. Aloumas pessoas chamam 1ss0 de ‘muleta’ aleijado, uma muleta é melhor que nenhuma ma ntira presenga de Deus, sentir que nao esta s 4e me esforgar para ouvir a vor de Deus, fala mais pelo siléncio, mas fala”. Um homem disse que conseguia progres espirtual apenas olhando para tds. “Eu sei que, se minal fogo, vou comendo salvar meu didrio. Eo bem mais precioso qu registro de meu relacionamento com Deus. Houve poucass exttaordinrios, mas houve momentos de intimidade. Quando leto agora em retrospectiva, vejo a mao de Deus em minha vida.” \ enfermeira de um hospital para doentes terminais relatow' evidentes da f€ na cama de pacientes moribundos. “Percebi umal forma em que as familias com fé lidam com a morte. Naturalis choram, mas tambéin se abragam, oram e cantam hinos. Hé menos quem no tem f@, a morte € o fim; acaba tudo. As pessoas em volta pasado, Os ctistios se lembram de que hé também um futuro.” 9 lalver-a teagao mais pungente tenha sido a de umn amigo cujo mt conhecido nos efreulos cristios. Ele apresenta um programa de radio n® Unidos e seman; 4 aan aaa: 2 ee conselhos biblicos bem fundaments tus Balad os ins anos, depois de uma ef PeTBuntas com rapide sa de sia experiéncia no radio, geralmente ™ Ver conta abide, como se esvesse espondendo a umm ouvite nat ‘ Pouco e depois disse: que voce pessan esi prof ping espera ean Aguas pessoas mene a jesisti de meu case He Me aformade aplicarmenS” a forma¢ sem vez de pensat aplic apena’ por um perior um. ajudar os ca Uma mulher q p Jou de seus recelos- mama fal preocupav desviarem. eocupo com a preocut a.com 0 can! Sei quea preocup: Ainda tenho certa confiangaem que Deus de fé. Afinal, para 0 Outra pesoa falou de de inclinar minha cabeg Pensou umn, Nao acho ne de que bond, sraham est Patentes er que Deus é bom. Minha dav Ouvi hé pouco tempo que #70 4S conjugais, por isso a fam#lia é encontro do casal na Europa P3™ tim pouco dificil er ade estamos falando? ava tendo “tava tendo problem, r * abinidade foram aq Nove nascimento de nédegas disso, o divéreio acabou acontecendo, Se as oragdes de Billy Graham nao foram atendidas, que dizer cas minhas? Vejo minha vida, meus problemas de satide, as Iutas de minha filha, meu casamento. Peco a Deus que me ajude, mas é dificil saber exatarnente 0 que ele vai fazer. Diga-me, quando poderos contarcom Deus? ssa pergunta final meatingiti eomo uma flecha ¢ ficou dentro de mim, Conlhego tedlogos que ririam dessa frase como se fosse mais um sinal de uma fé egocéntrica Mas creio que ela se encontra no ceme da maior parte das desilus6es em relagaoa Deus. Fim todos os nossos relacionamentos — com pais, filhos, balconistas, frentistas, pastores, vizinhos —, temos uma idéia daquilo que podemos dar como certo, E com Deus? Com o que pademos contar no relacionamento com ele? MEU COLEGA DE QUARTO POR DOIS ANOS na faculdade de teologia foi um alemao chamado Reiner. De volta a Alemanha depois da formatura, Reiner deu uma aula num acampamento para deficientes em que fez. um discurso emocionante sobre a vida crista vitoriosa, usando o material “Apesar da eadeira de rodas em que voce esta sentado, vocé pode ser ter vida plena. Deus vive dentro de voee!”, disse ele a um ptiblico de paray yas com paralisia cerebral e problemas mentais. Achou desconcertante | ee com descontrole muscular. A cabega deles balangava, ¢ eles escorregavam das cadeiras, babavam. Os acampados também acharam desconcertante ouvir Reiner. Alguns procuraram Gerta, que dirigia o acampamento, e se queixaram de que nao conseguiam entender o que ele estava querendo dizer. “Muito bem, entio falem para ele!”, disse Gerta. in Mibemie ‘Uma mulher reuniu toda a coragem ¢ enfrentou Reiner. “F; como se vocs falasse do sol para quem esté num quarto escuro € sem janelas”, ela disse. “Nao ‘compreendemos nada do que voce diz. Vocé fala de solugses, de flores do lado de fora, de superacao € vit6ria. Essas coisas nao se aplicam a nés, a nossa vida.” — Meu amigo Reiner ficou arrasado. Para ele, a mensagem parecia tio clara, Estava citando direta- mente as epistolas de Paulo, ndo estava? Com o orgulho ferido, pensou em adotar uma espécie de tratamento de choque espiritual: “Qual o problema, gente? Vocés precisam crescer no Senhor. Voc@s precisam vencer a adversidade”. Os conceitos criam os idolos; somente a incerteza compreende alguma coisa. £ Garcorio pr Nissx? “Ap. Jrgen MOLIMANY, History and the triune God, New York, Crossroad, L992, p, 89. 2 oracao, Reiner voltor disse: “Nao sei 0 que diz jo que dizer”. F ficou en depois de uma noite de te. Na manha seguinte, de vit6ria, nao se! im ver disso, mensagem diferen onfuso, Sem a mensager acidades fisicas e mentais, de cabega baixa la cheia de pessoas com ineap: ‘Agora compreendes Em uma sal queanteso havia desafiado finalmente diss estamos promtos para ouvit”. ,amasmorra que seria de outro Modo, cio a je sujeira acumulada no tecinto, os edes belos casticais dalam Tc tempo a tnica da Russia em avam para realizar um), Com sede junto a fonte 2 Eu oe queo itmao Bonifato nao era um mistico extravagante, pois vio culto aie Tanah Patt os criminosos mum lugar que «6 poderia ser chamado masmorra an ae havia the ensinado, contudo, que nao podemos nos aproximar do fssGautare aproximamos de alguém do nosso grupo. O ritual ajudowo a ormar o espirito de urgéncia e imediatismo — as exigéncias do ministério no presidio — num ambiente de calma, cujo ritno era o mesmo da eternidade Se voce no teve dificuldade para encontrara Deus, afirmou Thomas Merton, talvez nao seja Deus 0 que voce encontrou. pela, naquel ; Fes dem mosteito viajavam Pa a que 0S prisioneiros saissem desdaem om priblico: prnta moa ade ate qe haa Ca atencao para 0 icone da capela da prisdio: “Ne CO on Nikkcl, da comunidade carcerdria, ue ane entre aquelas paredes, entao voltou-se_ i fizesse uma oragao pelos prisioneiros, naturalmen! irmio Bonifal do devia haver muita t ; Ortsico Jonn PoLKINGHORNE, que renunciou ao cargo ‘ocupava em Cambridge Bonifato e pediv-the oe ein vide desua ordenacao como sacerdteanlicane,destaca ' i ade epetiu , 3 i : ee, a ee iene once —Osenhot a 1 eg — Uma oragio? Vocé quer uma oragao: — perguntou 0 inmac confirmamos Ele desapareceu por tras do altar no fundo da capela. Apar 0 do ¢ imagem de Nossa Senhora do Alivio das Tristezas € colocou-a sobre conhecimento a respeito de De , rT [oo pecans Depois trouxe dois casticais ¢ dois incensarios, que pendurou é individual, ; lugar devido eacendeu. A doce fragrancia imediatamente se espalhi Tirou o barrete da cabega e as vestes exteriores € amarrou pu reluzentes sobre as mangas negras. Em volta do pescogo, pendt dourada e drapeada, ea seguir um crucifix de ouro. Colocou, barrete diferente, mais formal, na cabega. A cada movirnento, pa cruz ou fazer uma genuflexao. Finalmente estava pronto pata 0 ‘oragao inclu ia mais uma série de formalidades. O irmao Bonifal 8S ofagdes; ele as entoava, seguindo a partitura de um livro Ii sobre outro console. Finalmente Vinte minutos depois de Ron soli pelos prisionei ai f : Pnsionciros, o irmao Bonifato disse “Amém”, e saimos aa TeVigorante ar livre. mensageiro, rpretado no filme por Jodic Foster, realmente faz contato e, quando volta, vé relatério ser desprezado pelos cientistas ¢ aceito pelo povo. O romance de Sagan revela mais do que ele talvez pretendesse. Os cristaos afirmam haver momentos, embora menos freqiientes do que talvez juciramos demonstrar, em que de fato fazemos contato com o Criador do universo, inhas obras so como palha perto de coisas que vi", escreveu’Tomas de Aquino sobre um desses encontros.* No filme Contato, Jodie Foster ficava o tempo todo ao lado de uma série de ntenas parabdlicas gigantes, até que um dia ouvin um padrdo de som diferente 10 fone de ouvido ¢ levou um sobressalto. “Tem alguma coisa l4!” Também para ; Em todo lugar pela Réssia, iramente a [py =e tale 1a Ortodoxa. Reveréncia, submis tain essas *s qualidades de maneira extraordindria no cult, adi © Deus del § Celes € distante: 56 pena 86 ¢ Preparativos ¢ poe ‘onse| encontrei-me com ¢1 com a cony Tegime com ‘mos algo que aprender com 0S © can tanedida #0 deixava lugar para Deus, no qual 08 Wa Sas, a igreja mussa continuo Col *alor atague ateista da histéria. *lrad, Donaldson M. Garschagen, Sio Paulo, Cia. das Letras, 424 p. Ap. Frederick Bucur, Wishful thinking, cit, p. 65. © Deus (in)visivel 0s cristdos, 0 contato pode proporcionar uma espécie de choque. Veja o que diz, C.S, Lewis: E sempre assustador encontrar vida quando achdvamos que estivamos, 56s, ‘Cuidado!”, gritamos, “esta vivo atamente 0 momento em que muitos retrocedem — eu mesmo faria isso se pudesse — € nao continuam no cristianismo, Um “Deus impessoal” — nao basta, Um Deus subjetivo de: beleza, verdade ¢ bondade dentro de nossas cabegas — melhor. Uma forga vital sem forma, que se intensifica dentro de nds, um poder imenso que pocemos: deixar fluir — perfeito. Mas o préprio Deus, vivo, puxando a outra ponta da 1 assim esse € corda, talvez se aproximando a uma velocidade infinita, 0 cagadot, 0 tei, 6 marido — af sao outros quinhentos. Chega 0 momento em que as eriangas que estavam brineando de ladrao de repente silenciam: 0 que ouvimos foram passos de verdade no corredor? Chega 0 momento em que as pessoas que ("A busca de Deus por parte do homem!”) subitamente retrocedem, E se o encontramos de verdade? Nunca imaginamos que isso pudesse acontecer! Pior ainda: e se ele nos encontrou?” 7 estavam brincando de religid Também sinto um puxdo as vezes, um puxao bastante forte para acabar com minha descrenga e rebeldia, bastante forte para desviar minha vida em uma nova) direcaio, Mas em alguns perfodos longos, dolorosamente longos, também sentei) com meus fones de ouvido, desesperado para ouvir uma mensagem do oul) mundo, ansioso por um contato consolador, mas tudo que ouvi foi estatica- Como pode algo tao fundamental como 0 Deus que nos criou pata conhece= lo e mado se tornar tao rarefeito? Se Deus “fez isto”, como disse Paulo a uma ‘0 instruida de céticos em Atenas, referindo-se a toda a criagao, para que mos aleancé-lo e encontré-lo, por que nao se torna mais perceptivel? Osautores da Biblia viveram na “terra santa”, onde sargas arderam em chatnasy rochas e vule@es expeliram metiforas sagradas e estrelas falaram da grandeza de Deus. [sso acabou. O mundo sobrenatural parece ter se escondido, deixando-n0s apenas com 0 visivel. A sede de Deus, contudo, de contato com 0 inyisivel, a fome pelo amor de um Pai césmico que possa de alguma forma dar significado a este mundo fragmentado, persiste desafiadoramente. Qs que viyemos num mundo material, em corpos protegidos por pele, compreensivelmente desejamos que Deus entre em contato conosco em Noss? mundo, Certa yez visitei o impressionante santudrio da Virgem de Guadalupe, nos arredores da Cidade do México. Em uma sala de museu, letreiros explicavam multi¢ pudés ‘Milagres, S40 Paulo, Mundo Cristio, 1984: Com sede junto a fonte ! a que a Virgem apareceu milagrosamente a umn indio da regiao em 1531, deixando sua imagem sobre o casaco dele, uma peca esfarrapada agora exposta de modo marcante, O olho da Virgem supostamente retém a imagem do indio, ¢ os turistas examinam cuidadosamente a ampliagao das particulas da fris da Virgem em busca da mintiscula imagem do homem. Outras ampliagdes exibem 0 lébulo da orelha dela, no qual se alega estar inscrito 0 Cantico dos Canticos de Salomao, Milhares de peregrinos uniram-se a mim aquele dia para observara estatua da Virgem em um piso rolante que lentamente nos transportava pelo santudrio, enquanto os sacerdotes realizavam a missa do outro lado de uma parede de vidro. Nao sei se Carl Sagan ja visitou 0 santudrio de Guadalupe, mas posso imaginar «qual seria sua reagao: as pessoas imaginam o que desejam numa espécie de projecio ou realizagao de desejos. Desejamos a possibilidade de ver, esperando trazer 0 sobrenatural para nosso nivel de materialidade. Em 1999, uma imagem de Jesus apareceu em um edificio comercial envidragado na Flérida, perceptivel pelo menos de determinado angulo, No dia seguinte, uma procissao de carros de um quilémeto emeio complicou o trifego naquela rua, Nos, criaturas de carne € 0550, perdemos a paciéncia com qualquer coisa que ndo se manifeste em nossos termos. Alan Turing, um dos pioneiros em computacao e inteligéncia artificial, propos um método para responder & pergunta “Os computadores podem pensar?”. Coloque um teclado € um monitor em uma sala e x (uma pessoa ou maquina) na sala ao lado. Faga aX uma série de perguntas e espere as respostas aparecerem no monitor. Por favor, escreva-me um soneto sobre o seguinte tema [fornega um tema). Some 34957 a70 764. Voce joga xadrez? [depois proponha uma série de problemas de xadrez). Turing afirmou que seria possivel dizer que uma maquina pensa se quem faz as perguntas ndo fosse capaz de identificar pelas respostas se X era umia pessoa ou uma maquina. Quando escreveu o artigo, em 1950, a probabilidade de acerto da maquina era pequena. Agora a inteligéncia artificial avangou a tal ponto que os computadores podem derrotar os melhores jogadores de xadrez do mundo e os programas de aconselhamento psicolégico podem manter didlogos longos com seus “pacientes”. Uma maquina bem programada certamente poderia enganar um interrogador por algum tempo. Como Deus continua invisfvel, as pessoas tém a tendéncia de refazé-Jo 4 imagem. delas, O fendmeno Conversations with God |Conversas com Deus] compreende trés livros. Sao best-sellers com milhares de leitores dvidos que o autor afirma terem sido especificamente indicados a ele por Deus. Recentemente, conheci um £3 dos livros e pedi que deserevesse o Deus em que ele cré. “Deus ndo existe além dends", ele disse. “Ele é composto de toda a boa energia do mundo. N6s formamos Deus; todos nds.” Em outras palavras, Deus nunca passaria no teste de Turing. O Deus (in)visivel Os cristios, ao contrario, eréem que Deus detém todas as qualidades da pessoalidade: imprevisivel, relacional, livre, inteligente, emocional, algumas vezes ber como fazer Deus do outro a outras resistente. O problema é lado da parede responder as nossas perguntas. Ele nao vai digitar as respostas, Deus ndo é, como dizem os cientistas, empiricamente verificavel. Precisamos crerem alguma coisa — esse instinto € tao forte quanto a sede ou.a fome —, mas nao sabemos mais em que crer. A teologia tradicional, para algumas pessoas, é como ler receitas de alimento para os famintos — é como uma sede msaciavel. O rim Dorminnoco, br Woopy ALLEN, apresenta uma cena em que Woody, criogenicamente congelado ¢ descongelado depois de duzentos anos para acordar em um século futuro, revé fotos antigas e tenta explicar sua era aos habitantes do) futuro. Kile fala sobre Richard Nixon e Norman Mailer e, em seguida, mostra @ foto de um famoso evangelista e diz: “Billy Graham. Afirmava conhecer a D As pessoas que assistiam ao filme sempre riam, e quem pode cull las por isso? Essa idéia parece mesmo um bocado absurda — e, ainda assim, melhor expressao da promessa que nos foi feita. Deus € pessoal, Grande parte da teologia crista, criada na atmosfera rarefe da filosofia grega, obscurece esse fato simples, usandoem referénciaa Deus term: impessoais como “fundamento de todo ser” ou “inferéneia inevitavel” descrevé-lo.* Mas a Biblia, tanto no Antigo quanto no Novo ‘Testaments, ret um Deus que exerce influéncia sobre nése nao fica impassivel em rélagio am “Q Senuor agrada-se do seu povo”, diz o salmista (SI 149.4). As vezes, Di também se opée fortemente a seu povo, dizem os profetas, A personalidade de Deus chega a saltar em quase todas as paginas da Biblia. “Todo aquele que permanece no amor permanece em Deus, & pessoalmente” apéstole Joao Deus nele.”* Nao da para ser mais pessoal que isso. Por que entao achamos tao dificil nos relacionar com esse Deus? Em diversas €poeas, as pessoas oravam aos santos de sua regido, pois pareciam mais acessiveis ssustadores. Contuclo, os re formadores protestantes € os misticos catélieos nos desafiaram a nos relacionar com Deus diretamente, sem intermediarios, Eo movimento evangélico de hoje convida-nos a conhecera Deus, a falarcom ele de forma coloquial, a amd-lo como a um amigo. Veja os “louvores” das igrejas de hoje, que mais parecem cangdes de amor de um programa pop de radio, com Deus ou Jesus em lugar da pessoa amada e menos a 5Q filésofo William James comentou sarcasticamente: “Os rndrtires cantariam em) meio as chamas movides por mera inferéncia, por mais inevitivel que fosse?”. Jodo 4.16. “Deus € amor”, diz 0 Com sede junto a fonte A mesma tradigao evangélica que nos incita a ter mais intimicdade também € um convite ao abuso, “Perguntei ao Senhor sobre o que deveria falar, ¢ ele respondeu: nao fale de orgulho, fale de mordomia.” “O Senhor me disse que desejava um novo centro médico nesta cidade.” “Deus esta me sussurrando neste exato momento que alguém deste auditério esta sofrendo com um casamento desfeito.” Tenho certeza de que algumas declaragdes exatamente assim sao falsas, proferidas de maneira leviana ou com intengao de manipular. As palavras sugerem um tipo de conversa pessoal que nao aconteceu, e 0 discurso vazio se prope a criar uma casta espiritual que deprecia experiéncias alheias. Martin Marty, famoso ministro luterano e escritor, confessau: “Posso contar nos dedos 6 niimero de vezes em minha vida em que o ‘contato direto’ [com Deus] moveu-me o suficiente para que eu falasse a respeito A pessoa mais proxima, mas nao me lembro de nenhuma vez.em que wales a pena: eontar ao ptiblico”,” Em vez disso, ele fala periodo de desolagio que : esposa, Frederick Buechneréum circ ma asin op sua habilidade quanto por seu eomprometim carreira promissora de romaneista para freqiientar 0 ministro presbiteriano, mas precisou: sItar ¢ fazer da folha branca ti principal. Em suas memorias, Buechner narra uma cena de grande ‘expectativa em que, sob 0 calor do sol, pediu um milagre, um sinal claro do Senhor. Exatamente nesse lugar € nesse dia, deilei-ine sobre a grama com essas loucas expectativas. Crer em Deus, em parte, pelo menos para mim, também significa crer na possibilidade de milagre, e, por varies motivas, acreditei fortemente naquelé momento que a hora era propicia para um milagre: minha vida estava pronta para um milagre, ¢ a prépria forga desse sentimento era uma espécie de prentincio de um milagre. Algo ia acontecer, algo extraordindrio que eu poderia talvez até ver ou ouvir. E estava tao crente nisso que agora, lembrando os fatos, fico surpreso de nao ter feito algo acontecer sé pelo poder da auto-sugestio. Mas a luz do sol era forte demais, 0 ar puro demais e os resquicios de ceticismo intensos demais para ver as macieiras ganharem vida ou as vespas [alarem, nada do que eu esperava aconteceu." O que elc ouviu foi o murmutio do vento eo muido de dois galhos de macieira que se rogaram, Deus havia falado ou nao? Por que Deus no podia usar um 1A ery of absence, Grand Rapids, Eerdmans, 1997, p. 25. “The alphabet of grace, New York, Seabury, 1970, p. 6. 2 30 | 0 Deus (injvisive! 5 ad vocabulario menos suscetivel a diividas ¢ a falsas interpretagoes? Para Buechner, pelo menos, Deus nao falou. J&com mais de cingiienta anos, Buechner lecionou um semestre na Wheaton College, onde, pela primeira vez, adquiriu familiatidade com a linguagem ” evangélica. “Ficava atonito de ver os alunos passarem de conversas casuais sobre - 6 vento e sobre cinema para um debate acerca do que Deus estava fazendo na. vida deles. Se alguém dissesse uma coisa dessas no meu mundinho, o teto teria oe cafdo, a casa teria se incendiado eas pessoas enlouqueceriam.” Embora admira o fervor dos alunos, no principio parecew-lhe que, Morro de sede, aqui junto a fonte, Richard Wipur™® enganamos uma sede que nao pode ser sati Exatamente na semana passada, minha igreja “Quero conhecer-te melhor./ Quero tocarte./ Quero ver tua face”? Em n lugar da Biblia encontro a promessa de que tocaremos Deus ou veremos pelo menos vida. Areligido americana de nossos dias fala de modo “amigavel” com Deu que, como destaca C. S. Lewis em Os quatro amores, a amizade s amor menos adequada para explicar a verdade do encontro da erial Criador. Como entao podemos ter um “relacionamento” com um De se nunca estamos absolutamente certos de que ele esté:porperto? °Reftao de In the secret, de Andy Park (Mercy Vineyard, 1995). \ojp. Dan Waksrtsip, Returning, New York, Penguin, 1988, p. 152. escreyer romance suas personagens no e ‘De uma carta a Otis Lord de 30 de abril de 1882. Thomas H. Jonson, org, ‘The Emily Dickinson, Cambridge, Belknap, 1958, p. 728. The blood of the Lamb, New York, Penguin, 1961, p. 237. 34 | © Deus (in)visivel explicam muito a obra de De Vries, mareada por uma obsessiio em telagao q) Deus. Seu romance The blood of the Lamb [O sangue do Cordeiro] conta g historia de Don Wanderhope, pai de uma menina de onze anos de idade com Jeucemia. Exatamente quando a medula éssea comega a reagir ao tratamento @ ela experimenta uma melhora, uma infecgao se espalha pela ala do hospital eng que a menina se encontra ¢ a mata. Wanderhope, que havia trazido um bol decorado com o nome da filha, deixa o hospital, retorna a igreja em que hat orado pedindo a cura dela € joga o bolo no crucifix pendurado na frente d igreja. O bolo é arremessado exatamente embaixo da coroa de espinhos, €g de glacé de cores vivas escorrem pela abatida face de pedra de Jesus, Identifico-me com aqueles que, como Russell, acham impossivel crer: como De Vries, acham impossivel manter a fé diante de uma tr i ]4estive em situagdo semelhante, ¢ fico espantado por Deus ter me concer tum dom inesperado de fé. Pensando nas minhas fases de falta de f€, vejo todas as formas da ineredulidade, As vezes, retraio-me por falta de evidem encolho-me diante do sofrimento e da desilusdo ou me desyio em obsti desobediéncia. Alguma coisa, contudo, sempre me atrai de yolta para De qué? Nem eu sei “Dura € essa palavra. Quem pode suporté-t em palavras que ecoam nos ouvidos de todo aquele que duvida. Os ouyin Jesus sentiam-se atraidos ¢ repelidos ao mesmo tempo, como a agulha da bt atraida pelo ima Quando suas palavras foram entendidas, a multida observadores ¢ de discipulos pouco a pouco foi se afastando desanima ficarem apenas os doze. “Vocés também nao querem ir?”, Jesus perguntow tom melancélico ¢ resignado, E, como de costume, Simao Pedro responded “Senhor, para quem iremos?”.* Para mim, essa € a principal razdo de minha persisténcia, Para minha vergo! admito que um dos motivos mais fortes de eu permanecer no rebanho €a fal boas alternativas, muitas das quais {4 experimentei. “Senhor, para quem i nenhum. Deus MUITAS VEZES REALIZs SUA OBRA por meio de “santos inocentes”, sonhada que se langam com uma fé disparatada, enquanto eu chego as minhas conclus Joao 6.60. “Joao 6.67,68. Um espaco para a divida depois de muito pensar ¢ me refrear. Alias, a lei da contradigao curiosamente parece se aplicar As questées de fé. O mundo moderno respeita inteligéncia, boa aparéncia, confianga e sofisticagio. Deus, ao que tudo indica, nao. Para realizar sua obra, Deus geralmente conta com pessoas simples, sem cultura, que tudo 6 que sabem fazer é confiar nele, e, por meio delas, opera maravilhas. ‘A pessoa menos capacitada pode se transformar em um especialista em oragao, porque a oragao exige apenas o desejo intenso de passar tempo com Deus. Minha igreja em Chicago, com uma bela mistura de grupos raciais € econdmicos, programou certa vez uma vigilia de oragdo para uma noite inteira em meio a uma grande crise. Diyersas pessoas se mostraram preocupadas. Seria seguro, por causa do bairro em que éstavamos, no centro da cidade? Sera que nao deyerfamos contratar guardas ou segurangas para 0 estacionamento? Ese ninguém: aparecesse? Discutimos detalhadamente: a noite de ora afinal, moravam em ur lo, em meio abre s Fie anga pueril no poder da orag? “Quanto tempo vocés querem ficar? Uma ou di is?", perguntamos pensando na logistica dos traslados da perua. “Ah! Vamos ficar a noite inteira”, responderam. ith Uma mulher afro-americana, na faixa dos noyenta anos, que andava com a ajuda de uma bengala ¢ mal podia enxergar, explicou a um membro da equipe por que queria passar toda a noite sentada nos bancos frios de uma igreja em um bairro pouco seguro: “Veja, nao tem muita coisa que a gente possa fazer nesta igreja. A gente ndo tem estudo e nao tem tanta energia quanto voces que so mais jovens. Masa gente pode orar. A gente tem tempo ¢ fé, Alguns de nésnem dormem muito mesmo. A gente pode orar a noite inteita, se for necessdrio”. § foi o que fizeram. Com isso, um bando de yuppies de uma igreja do centro da cidade aprendeu uma ligio importante: a fé surge onde € menos esperada € falta onde deveria vicejat. Apesat de meu ceticismo nato, anseio pelo tipo de fé tao natural a esses idosos, uma fé infantil que pede a Deus 0 impossivel. Tenho uma raz3o para isso: Jesus elogiou essa fé, como deixam claro as hist6rias de milagres no evangelho, “A sua féa curou”,’ Jesus diria, desviando a atengdo dele mesmo para a pessoa curada. O ‘Mateus 9.22. ES) w © Deus (injvisivel poder milagroso nao vinha apenas dele, mas de algum modo dependia ¢, beneficiario Lendo todas as histérias de milagres de uma s6 vez, percebo que a fé se revel 1 em diferentes graus. Poucas pessoas demonstraram uma fé corajosa, inabalayel, como o centurido que disse a Jesus que este nao precisava compar tT pessoalmen| stava para curar seu servo a distiincia. “Nem em Israel enconty tamanha fé”," disse Jesus, surpreso. Em outra ocasiao, uma mulher estrang importunou a Jesus quando ele es e sossego, Primeiro J nao disse nada. Depois respondeu asperamente, dizendo-lhe que fora enviad ovelhas perdidas de Israel, nao aos “ces”, Nada pode deter essa cananéia teim e sua perseveranga conquistou Jesus, “Mulher, grande é a sua fel”, disse, estrangeiros, os menos provaveis de demonstrar fé sdlida, impressionaram Por que um centuriao e uma cananeia, a mbos sem taizes judaicas, deveriam em um Messias rejeitado pelos préprios concidadaos? Em gritante contradicgao, o povo que deveria crer tinha falta de fé. Até mi que estavam proximos a Jesus duvidaram dele: Joao Batista, seu primo e pret mais tarde questionou sua autentici jade. Dos doze discfpulos, Tomé duvidou, blasfemou ¢ Judas traiu, depois de conviverem trés anos com Jesus. a palavra dele k a procurando A mesma lei da contradi¢ao que observei em minha igreja, em Chicago, presente nos evangelhos: a fé surge onde € menos esperada ¢ falta onde dt vicejar. O que me da esperanca, contudo, é que Jestis opetava com q vestigio de fé que uma pessoa pudesse juntar. 1, ele respeitava a fé de qui um que pedisse, desde o centuriao ousado ¢ o incrédulo Tomé até 0 pai desesy que clamou: “Creio, ajuda-me a vencer a minha ineredulidade!”.* Observando o amplo espectro de fé apresentado na Biblia, imagino pessoas se encaixam naturalmente nos diversos “tipos de fé” da mesma fa que se eneaixam em tipos de personalidade. Como um introvertido qu aproxima das pessoas com cuidado, assim me aproximo de Deus. E, assim ¢ costumo pesar minhas decisdes, considerando todas as possibilidades, tamt experimento a maldigao da sindrome do “mas” sempre que leio uma prom gloriosa na Biblia. Costumava me sentir culpado porcausa de minha falta ¢ ainda anseio por mais, mas a cada dia me conformo com o que tenho, Ne todo mundo € timido, melancélico ou introvertido; por que achar que terfamos o mesmo tipo de fé? "Lucas 7.9. "Mateus 15.28. Marcos 9.24 Um espago para a divida A DUVIDA & COMO UM FSQUELETO NO ARMARIO da [é, € nado conhego jeito melhor de tratar um esqueleto que trazé-lo.4 luz e mostrar o que ele é; uma estrutura rija, sem nada para esconder ou recear, sobre a qual o tecido vivo pode erescer. Se cada pessoa cuja fé vacilou — por uma tragédia, um encontro com a ciéncia ou com outra religidio que abalou sua confianga, uma desilusio em relagio a igreja ou a alguns cristios — parasse de ler, eu poderia muito bem acabar o livro com essa frase. Por que, entao, a igreja encara a diivida como inimiga? Certa vez me pediram que assinasse a declaragao de fé da revista Christianity Today |Cristianismo Hoje] “sem dividas nem equivocos”. Tive de responder que mal posso assinar meu préprio nome sem diividas nem equivoces. “Nao sei que tipo de fé 0 cristo do século xx deve ter se ela nao estiver fundamentada na experiéncia da ineredulidade”, escreveu a romancista Flannery O'Connora um amigo. “Pedro disse: ‘Senhor, eu ereio. Ajuda minha Fa oragao mais ul, NainBinaia, ha com que se | imagino se o autor crise de desencorajam: Os amigos de Jo fi ¢ de se sentir assim! Vocé nao deveria ter pensamentos tio ignor a enfaticamente. Deus, que tinha ele mesmo suas diferengas com J6, mesmo assim elevou a ele, nao aos amigos, a posigao de herdi. Livros como J6, Eclesiastes, Salmos ¢ Lamentagdes certamente demonstram que Deus compreende o valor das diividas humanas, retratando-as amplamente nas Sagradas Escrituras. A psicologia modema ensina que, s¢ vocé nao conseguir stiperar seus sentimentos, deve expressé- los abertamente, € a Biblia parece concordar com essa tese. Aqueles que sempre enfrentam suas dtividas com franqueza véem a fé crescer e transcendé-las. Basta mencionar alguns cristdos intrépidos para confirmar a predominancia ou, talyez, inevitabilidade da diivida. Martinho Lutero lutou constantemente contra a divide e contra a depressio. Certa vez escreveu: “Cristo esteve totalmente perdido para mim por mais de uma semana. Entao fui tomado pelo desespero e blasfemei “Em carta a um amigo, em Sally Frrzceratp, org., Letters of Flannery O'Connor: the habit of being, New York, Vintage, 1979, p. 476, 3 contra Deus”."" O puritano Richard Baxter tinha sua fé na “probabilidade, nao py, certeza absoluta”; o também puritano Increase Mather registrou em seu didirj palavras como: “fortemente atormentado pela tentagao do ateismo”.!' Uma j de Boston adiou o pedido do evangelista Dwight L. Moody de se filiara ela porgn acharam stia crenca duvidosa. O missionario C. F. Andrews, amigo de Gandhj Jo era capaz de instruir sua congregacdo indiana no Credo de! Atandsio por causa de suas diividas. A britinica Evelyn Underhill reconhe situagdes em que “todo o plano espiritual parece incerto”.'* Ao vera biografia de pessoas de fé famosas, € dificil encontrar uma euja fé ng tenha crescido sobre o esqueleto da diavida, conseguindo oculti-lo. Em: romance The flight of Peter Fromm [O véo de Peter Fromm |, Martin Gardne: 7 de um professor para quem o cristo intelectualmente honesto de hoje pr escolher entre ser um traidor sincero ou um mentiroso leal. Adao, Sara, Jac Jeremias, Jonas, ‘Tomé, Marta, Pedro e muitas outras personagens da representam uma terceira categoria: o traidor leal, que questiona, se contoi rebela e, ainda assim, permanece leal. Deus parece muito menos ameaga divida que a igreja. ‘ \ igreja tem uma grande divida com os traidores leais. Eim diversos mon autoridades eclesisticas insistiram em defender uma terra com apenas’ anos de idade, rejeitaram medicamentos por considera-los uma negagao: de Deus, apoiaram a escravidao e consideraram determinadas ragas (€ mulheres) inferiores. Os que tinham dtividas e questionaram esses € outros) com freqiiéncia atraiam para si condenagao e perseguigao. Em A prayer for Owen Meany (Uma oragdo por Owen Meany), 0 rom John Irving apresenta um professor que tornou a fé interessante por val divida. Irving provavelmente referia-se ao professor que teve no internata, Fi Buechner, a quem agradece no preficio do livro, Buechner reconhee relacionamento entre um Deus invisivel e os seres humanos visiveis sempre o elemento da diivida: “De que modo Deus, sem me destruir, poderia se para que nao houvesse lugar para a diivida? Se nao houvesse lugar pata 4 nao haveria lugar para mim”.'* percebeu que i Ap. Thomas G. LoNG & Cornelius PLanrinaa, orgs., A chorus of witnesses, Grand Rapi¢ Eerdmans, 1994, p. 114 "bid., p. 114 Ap. Hugh 'T. Kura & John M. Mutper, orgs., Conversions, Grand Rapids, Herth 1983, p. 187 Alphabet of grace, cit., p. 47. Um espago para adiivida | 39 Depots DE TANTOS ELOGIOS A DUVIDA, também preciso reconhecer que ela pode afastar ern vez de aproximar da fé, No meu caso, a diivida me fez questionar rmutitas coisas que precisavam ser questionadas e investigar os substitutos da fé, embora nenhum tenha servido. Ainda sou cristio hoje por causa de minhas diividas. ara muitos, coritudo, a diivida teve o efeito contrario ¢ transformou-se em doenga degenerativa que lenta e dolorosamente causa a paralisia espiritual, Quase toda semana, recebo uma carta de alguém atormentado pela drivida. Trata-se de sofrimento tao forte e debilitante quanto qualquer outro. Embora nao possamos controlar a dtivida, que geralmente nos ataca de modo sorrateira, sem aviso, podemes aprender a canalizé-la e a transformé-la em algo proveitoso, nao desastroso. Para comegar, procuro encard-la com a humildade necessdria A minha condigao de criatura. ‘ 4 Pense na salvagilo de eriangas. Muitos tedlogos encontraram indicios| stificientes para se convencer de que Deus recebe todas as criangas “abai idade da responsabilidade”, embora nao haja provas disso. E se Deus tivesse | um pronunciamento claro: “Assim diz. 0 SENHOR: receberet no céu toda crianga abaixo de dez anos de idade”, € ficil imaginar os cruzados do séculoxt organizando uma campanha para matar todas as criangas com até nove anos € assim thes garantir a salvagdo eterna — o que naturalmente significa que nenhum de nés estaria aqui, um milénio depois, examinando a questao. Da mesma forma, os zelosos conquistadores da América Latina poderiam ter exterminado os povas Ronald DuNcAN & Miranda Weston-Smrrn, orgs., A enciclopédia da ignordneta, trad. Carlos Alberto Lamback et al,, Brasilia, Ed. Universidade de Brastlia, 1982. | © Deus (in)visivel nativos se a Biblia tivesse declarado explicitamente que a visio de Deus no “tempo. da ignorancia” servia a todos os que nao ouviram © nome de Jesus: Lera historia da igreja, ainda mais, refletir sobre minha propria vida € de fatg um exerefcio de humildade. Tendo em vista a bagunga que fizemos com mandamentos claros como cristal — a unidade da igreja, 0 amor como mareg dos cristaos, a justia racial e econémica, a importancia da pureza pessoal, 95 perigos da riqueza —, tremo s6 de pensar o que farfamos se algumas doutring ambiguas fossem mais claras. A maneira de lidar com questoes dificeis deveria condizer com nossa condligae de criaturas finitas. Pense na doutrina da soberania de Deus, ensinada na Bibl de tal maneira que permanece em tensio irresoluta com a liberdade huma idéia de Deus como ser todo-poderoso, que enxerga toda a histéria de uma: ndo momento a momento, deixa e sempre deixard os tedlogos perpl simplesmente porque essa concepgao € inacessivel ou mesmo inimaginay nds, Os melhores fisicos do mundo esforgam-se para explicar os ca multidirecionais do tempo. Uma abordagem humilde aceita a possibillid diferenca e adora um Deus que transcende nossas limitagoes.. Os hipercalvinistas mostram 0 que acontece quando nos aproprial prerrogativas que o ser humano nao ¢ capaz de sustentar. Assim, os mall opuseram-se a vacinagao contra a yariola por acreditar que fosse contraria a yon soberana de Deus. As igrejas cal inistas desencorajaram os primeiros missional “Meu jovem [...], quando for da yontade de Deus converter os pagios, ele 0 sem a minha ou a sua ajuda”, disseram a William Carey, desconsiderando inegdvel de que nds somos os escolhidos por Deus para levar as boas nova mundo inteiro. Quando Calvino tragou uma linha divisoria clara entre eleil réprobos, seus seguidores concluiram que os seres humanos so capazes de discet a que grupo cada pessoa pertence. O Livro da Vida pertence 4 categona “ignorancia teol6gica” algo que nao podemos conhecer, area em que (felizme deyemos confiar em Deus.'* Naturalmente, é mais que recomendavel investigar algumas questoes/q circundam a doutrina. Encontrei consolo, por exemplo, na descrigaio que G8 Lewis faz do inferno em O grande abismo: um lugar que as pessoas escolhemé continuam escolhendo mesmo quando vao para 14, Como o Satands de Milto? disse: “I; melhor reinar no Inferno que servir no céu”.'° Ainda assim, devo isi em que as questes mais importantes sobre céu ¢ inferno — quem vai para onde Mark Gaus, The man, who wouldn't-give up; Christian History, 20.36.) 1a John Mu:rox, O paraiso perdido, trad. Conceigao G. Sotto Maior, Rio de Janes Taconite 1082. Um espaco para a divida e hd ou nao egunda chance, como sio 0s julgamentos e as recompensas, estados intermedidrios apés a morte — sao, na melhor das hipoteses, muito obscuras. ‘Cada vez mais, sou grato por essa ignorancia e grato porque 0 Deus quese revelou em Jesus 6 quem determina as respostas. Cow 0 TEMPO, COMECEI A ACEITAR melhor o mistério que a certeza. Deus nao nos torce o brago'¢ nunca nos deixa de castigo em um canto até termos fé nele. Nao podemos encontrarnem apresentara prova definitiva a ninguém. Sempre haverd, como disse Pascal, “muita coisa para negar e pouca da qual ter certeza...”.'7 Vejo a Jesus, o Deus exposto diante do homem, como prova de que 0 Pai se recusa anos torcer o brago. Muitas vezes, Jesus dificulta a crenga das pessoas em ver de facilitar, Nunca violou a liberdade de um individuo para decidir, mesmo quea decisio Ihe fosse contréria. Fico maravilhado com a benevoléncia com que oSenhor pound di ee eo declaragao magistral, porque conclui que o inverso tamb ” que nao liberta nao é verdade. Os que ouviram Jesus: sas palavras quiseran atirar-lhe pedras, Nao estavam preparados para essa liberdade, nem a igreja esta. Se vocé ler Os deménios de Loudon, de Aldous Huxley, a biografia de Joana! ou um relato sobre os julgamentos das feiticeiras de Salém, verd os extremos.a que chegowa igreja quando se sentiu ameacada pela liberdade. © ambiente da igreja na qual fui criado nao deixava lugar para dtividas. “Simplesmente creial”, diziam. Qualquer um que se afastasse da verdade assim definida arriscava-se a ser punido como desviado. Na faculdade teolégica, meu irmao recebeu nota baixa em um trabalho que, na década de sessenta, teve a dlesfacatez de afirmar que o rock nao € inerentemente imoral, Embora meu irmao fosse um musico classico e, na verdade, nao gostasse nem um pouco de rock, nao encontrou fundamento biblico para os argumentos apresentados naquela faculdade a respeito do rock. Jd vi meu inmao falarmuitas vezes era um forte debatedor —, vi suas anotagdes para esse trabalho ¢ ndo tenho chividas de que recebeu essa nota ruim por um tinico motivo: 0 professor discordava de suas conclusées. Mais que isso, 0 professor conchuiu que Deus discordava de suas conclusdes. Uma nota \VAp. Kelly James Ciank, When faith iy not enough, Grand Rapids, Kerdmans, 1997, p, 38. NMoao 8.32, 4a O Deus (in)visive! baixa no pentiltime ano nao se compara ao castigo infligido pelos juizes de Saléy ou Loudon, Meu irmio nao perdeu a vida; abandonou a faculdade. Contud, também largou a fé e nunca mais a recuperou, em grande parte, creio, porg nao viu a verdade libertar as pessoas e nunca encontrou uma igreja que di lugar aos filhos prédigos ‘Tive uma experiéncia muito diferente da de meu irmao, Em min] petegrinacdo, encontrei uma igreja cheia d ae uma comunidade de crista que aceitaram minhas dtividas. Vejo no evangelho que Tome, discipulo de Je continuiow na companhia dos outros disefpulos mesmo depois de nao acre nos telatos sobre a ressurreicao de Jesus — o sine qua non de qualquer dela doutrindria —, ¢ foi a essas pessoas que Jesus apateceu para fortalecer a fé ‘Tomé possuia. De maneira semelhante, meus amigos € colegas da revista Life (Vida Estudantil], da Christianity Today |Cristianismo Hoje] eda igreja Street Church, em Chicago, criatam um ambiente de aceitagao que me on lo minha fé vacilava. Pud + diante da classe da igreja para a qual Ie Sei que deveria erer nisso, mas na verdade esta dificil agora”. Fico triste ao que duvidam isolados; todo mundo precisa de amigos dignos de confia momentos de diivida. Aigreja tem por obrigagao criar um espaco forte ¢ seguro para a fé dia cm vez de chegar com a fé completamente formada, come um bi entrada. Quando comecei a escrever abertamente sobre a diivida € q alguns dogmas da igreja tradicional evangélica, esperava a rejeigao € @ como recebi na adolescéncia. Em vez disso, reeebi dos leitores'¢ confirmavam minhas dtividas ¢ meu direito de questionar, muito mai: cartas furiosas e condenatdrias. Gradualmente, as dividas foram diminuin dissipando, e creio que isso aconteceu porque o medo se esvaiu, Descobr oposto da fé nao é a divida, mas o medo. ‘ Um dos Sonetos de meditagdo"’ de John Donne contém um verso miste “As melhores igrejas para a oragao sao as que tém menos luz”. A frase po entendida de diversas maneiras, e a mais literal refere-se as catedrais lumi apenas por velas, Contudo, considerando a histéria pungente de Donne © igreja, muitos leitores veem outro significado: as igrejas que dao lugar ao mu que nao pretendem declarar o que 0 préprio Deus nao deelarou, eriam “John Donnt Philobiblion, 198 John Donne, Hymn to Christat the author's last going into Germany, Donme: the comp! - English poems, London, Penguin, 1987, p. 346 netos de meditagdo, trad. Afonso l'élix de Sousa, Rio de Jane Um espago para a duvida ambiente mais propicio a adoragdo. Afinal, nds nos. apoiamos em Deus por causa da necessidade, nao do excesso. Por que entao tantas igrejas querem se mostrar brilhantes e bem iluminadas? NUM FAMOSO DILEMA ALEGORICO, tm monge francés do século xiv fala de um jumento que se defronta com dois fardos de feno igualmente atraentes e igualmente distantes. O animal fica olhando, hesita, olha mais um pouco e, finalmente, morte porque nao encontra justificativa légica para se aproximar de um ou de outro. Sem um elemento de risco, nao ha fé. Nathaniel Hawthome conta a historia de Herman Melville: “Ele nao pode crer nem se satisfazer com sua inicredulidade”. Coino 0 jumento dividido entre os dois fardos, esse terreno intermediario pode representar 0 grande petigo, porque elimir i i ento com Deus, A fé torna-se u 4a € nunca uma fé biblica. elimina a paix de nunca se aleance daluz, Certa ver, recebi a visita de um : © propésito especifi icalar ' idee rrais fi Ene Normalmente, 0 mont : seguir uma trilha agradavel que vai dar no topo visivel. Contudo, depois do inicio da tntha, percebernos que uma tempestade veranil de neve mudava tudo. As vezes as nuvens se afastavam o suficiente para ayistarmos o que achavamos ser o topo, mas entdo o céu ficava completamente encoberto ¢ misturava-se 4 neve, formando uma massa branca uniforme.. Os falsos cumes, que existem em muitas montanhas, sdo uma provagao para o montanhista. Por trés horas, olha-se para o topo a cada segundo. Os olhos sao atraidos por uma forca como a da gravidade; nao se tesiste ¢ olha-se para o topo macigo que atrai para cima, Entao, exatamente quando se aleanga a topo, percebe- se que nao € 0 topo coisa nenhuma. A perspectiva de baixo era enganosa. Percebe- se que o verdadeiro topo esté um quilémetro a frente, Ou sera outro falso topo? Ao subir o monte Sherman, comecgamos com neve ¢ nuvens, terminamos com neve e nuvens ¢ vimos pouea coisa no eaminho. Quando uma verdadeira nevasca ‘1Ap. Locxersié, Dismissing God, Grand Rapids, Baker, 1998, p. 89. 43 4a | © Deus (imvisivel se estabelece, perde-se toda nogio do horizonte € nao dé para dizet se se eg subindo, descendo ou andando de eabeca para baixo. Perde-se a visio, que, em montanhas tao ingremes como as Rochosas, pode ser fatal, Eu e meu amigo pensamos em voltar, mas decidimos 0 contrario. Sentivamos para esperaras nuvens se dissipar win pouco,, escolhiamos um ponto, trag Thos uma rota ¢ entdo prosseguiamos. Quando as nuvens se fechavam, sentavamos na neve derretida e aguardavamos nova brecha. Conscientes do perigo de uma avalanche, deliberadamente escolhemos um caminho longo que circundaya as encostas menos fngremes da montanha, Aciing do teto de nuvens, podiamos ouvir o barulho dos estalos sinistros das avalanches nos picos ao redor. O ar pesado fazia cada estalo soar como se estivesse acontecendo bem em cima de nds, embora logicamente soubéssemos que nao era erdade, ou assim pensivamos. Ficar sentado na neve, no meio de uma nuvem, ouvindo estrondos sonoros por todos os lados, faz a gente questionar mapas, buissolas, os sentidos do corpo e a propria razio. Contudo, nosso julgamento estava correto e nao houve nenhuma avalanche perto de nés. As nuvens afastaram-se o suficiente para vishumbrarmos uma saliéncia que conduzia diretamente ao verdadeiro topo, e com cuidado conseguimos chegar la. O cilindro sinalizando 0 topo, coberto pela neve, indicava que éramos os Primeiros montanhistas da estago a escalaro monte Sherman. Entdo aconteccu algo engracado, As nuyens dissiparam-se, ¢ pudemos enxergaras encostas. O caminho que levamos horas para subir foi percorrido em menos de uma hora na descida — de costas, escorregando como em um toboga sobre as encostas cobertas pela neve recente. A escalada, conforme refleti mais tarde, lembrou-medo queaprendi sobrea peregrinagio da fé. Inclui erros de calculo, grandes emogdes fowen Oconae ¥en pers despe n caminhada cansativa. Por mais que se estei conecsnaiee i preparado ¢ se tomem as precaugoes, nunca i Sones mee = a riscos, Sempre hd momentos de tempestade em que ™ Ousnde ee oe ae que as avalanches ressoam por todo lado, _ ie de conaanne sues eee topo, nada no mundo se compara ao seamen? mona eae fe - Mas o monte Sherman, afinal, nao passa de 4! ‘alto mil metros no Colorado, Ha outras 52 para escalar, Quando nossa casa espiritual estiver em ordem, morreremos. E assim prosseguimos, Chega-se a uma razoével certeza a respeito do caminho a trilhar, mas € um percurso no escuro. Nao conte que a fé tornara as coisas mais claras. Trata-se de confianca, nao de certeza. “Ap. Chank, When faith... cit, p. 94. a A fé sob ataque Nao é como crianga que creio em Jesus Cristo € 0 confesso. Meus hosanas nasceram de uma fornatha de duividas. _Flonor Dostoevski [! Concorno com A POETISA ANNE SEXTON quando disse que amava a fé, mas nao tinha muita. Adquiri minhas qualidades céticas principalmente na igreja, ouvindo “testemunhos” que depois percebi screm falsos, vendo a hipocrisia de lideres espitituais, ouvindo pessoas louvar a Deus por curas milagrosas uma semana antes de morrer. Por sinal, descobri que qualquer “resposta de oragio” tinha de ter outra explicacdo, e apressei-me em encontréla. Finalmente superei a fase de querer achar defeitos na fé alheia, mas o habito do ceticismo permanece, ao lado de umm forte desprezo pela exploragao da fé. Como escrevi sobre dor ¢ softimento, tenho uma gaveta de arquivo cheia de cartas dos mais sinceros cristios, que oram — pelo filho que nasceu com algtin problema, poreausa de um tumor cerebral inoperivel, pela teversdo da paralisia —, que fazem ungao com dleo, seguem todos os conselhos biblicos e, ainda assim, nao encontraram alivio para o sofrimento, nem recompensa para a ff. Também pergunto a intimeros médicos cristiios se ja testemunharam um milagre médico inegivel. A maioria, depois de pensar um pouco, lembra-se de um ou dois casos possiveis. Curiosamente, escrever sobre a fé crista ndo a toma mais facil. Um amigo fez | uum comentirio sobre os cristdos em geral: “Se repetimos algo muitas vezes para © Deus (in)visivel nés mesmos, passamos a crer no que repetimos”, ee ue fago 0? Passo ¢ repasso as palavras, tentando apresenté-las corretamente, Mas como posso sabe, sep talmente crcio nelas ou se simplesmente as estou repetindo para rim mesmo, como um operador de telemarketing recitando um roteiro de venda? Quando se trata de um Deus invisivel, ¢ inevitdvel que as dtividas aparegam, Por eave motivo, sempre hesito em escrever sobre fé, com medo de fazer ouiry pessoa perdé-la. Embora nao queira desencorajar a fé de ninguém, também a6 quero oferecer expectativas irreais quanto ao que a f€ possa realizar. “Tent ae Deus significa procurar obter mais certeza do que a que Deus ja deu”, disse o sabio bispo Leslie Newbigin. Tenho de encarar 0 simples fato de que os cristaos vivem na pobreza, ficam doentes, perdem o cabelo € os dentes e usam dculos quase na mesma proporgiio que os demais, Os cristéos morrem exatamente na mesma proporgao: 100%. Vivemos num planeta decaido, cheio de sofrimento, no qual nem mesmo 0 Filho de Deus foi excecao. Em vida, Jesus € 0 apéstolo Paulo? oraram por carninhos mais faceis para suportar este mundo, e nenhum deles obteve alivio. O sociélogo Bronislay Malinowski mostrou a diferenga entre magia e religiao: na magia, as pessoas tentam convencer os deuses a realizar a yontade delas, ao passo que, na religido, tentam se conformar a vontade dos deuses. A fé crista é uma conformagio a vontade de Deus, seja ela qual for. Jesus orou no Getsémani: “Meu Pai, se for possivel, afasta de mim este calice”. Nao foi possivel, e ele acrescentou, resignado: “Contudo, nao seja como eu quero, mas sim como tu queres”.* George Everett Ross diz 0 mesmo que Malinowski em outras palavras: Servi no ministério 30, quase 31 anos. Gonsegui compreender que existe’ dois tipos de fé. Uma diz “se”, a outra, “ainda que”. Uma diz: “Sc tudo estiver bem, se minha vida prosperar, se eu for feliz, se nenhum ente querido morter. se cu tiver sucesso, entdo crerei em Deus, farei minhas oracdes, irei a igreia ¢ darei do que disponho”. A outra diz, no entanto: “Ainda que a causa dom! prospere, ainda que eu sofra no Getsémani, ainda que eu beba do célice ™ Calvario, ainda assim, e principalmente entao, confiarei no Senhor que ™ ction”. Por isso, J6 exclamou: “Ainda que ele me mate, confiarei nele”.” ‘The household of God, New York, Friendship, 1954, p. 29. “Paulo relata suas cireunstancias calamitosas em IGorintios 4,1 1-13: “Até agora esta" passando fome, sede ¢ necessidade de roupas, estamos sendo tratados brutalmente, nae!" ncia certa |...], At€ agora nos tornamos a escéria da terra, lixo do mundo”. Nac! Se eee suas oragdes infrulfferas para a remogdo de um “espinho na carne ping, Conard E: Sweet, Strong in the broken places, Akron, University of Ako resi 199 A fé sob ataque Tenho amigos que véem deménios atras de cada arbusto ¢ anjos atras de cada vaga de estacionamento. As vezes, fico maravilhado com o que a simples fé deles é capaz de realizar. Contudo, quando nao hé milagres, quando precisam de algo mais préximo da fidelidade duradouta que das maravilhas imediatistas, veio que se voltam para pessoas com uma fé mais cautelosa ¢ resignada A Biblia mostra nao s6 a fé simples, mas a fidelidade que persiste em meio a todas as desventuras. J6, Abrado, Habacuque ¢ os profetas de sia época, além dos muitos herdis da fé citados em Hebreus 11, suportaram longos periodos de seca em que os milagres nao aconteciam, quando as oragdes urgentes voltadas a terra ficavam sem resposta, quando Deus nao parecia sirnplesmente invisivel, mas totalmente ausente. Nés, que seguimos seus passos hoje, as vezes experimentamos petiodos de grande intimidade, nos quais Deus parece atender as nossas necessidades; experimentamos também periocdos em que Deus permanece em silencio ¢ todas as promessas da Biblia parecem claramente infundadas. EM MINHAS VIAGENS AO EXTERIOR, vejo uma diferenca gritante nos tipos de ora Os eristaos dos paises ricos costumam orar: “Senhor, afasta de nés esta provagaol” Ja os prisioneiros, cristaos perseguidos e pessoas que vivem em paises muito pobres costumam orar: “Senhor, dé-nos forcas para suportar esta provacao” Paradoxalmente, os momentos dificeis podem ajudar a alimentar a fé © a fortalecer lagos. Isso acontece nos relacionamentos humanos, que costumam se Ssolidificar em periodlos de crise. Eu e minha esposa tivernos ayés que viveran mais de cem anos (no ano 2000, entraram em seu tercciro século!). Conversando com eles e seus amigos, percebo uma tendéncia quase universal das pessoas mais idosas: tecordam-se dos periodos dificcis ¢ tumultuados com um toque de nostalgia. Os idosos contam histérias da Segunda Guerra Mundial e da Grande Depressao e falam com entusiasmo de periods diffceis como as tempestades de neve, ir a0 banheiro fora da casa quando criangas e, na faculdade, comer sopa enlatada ¢ pao amanhecido durante trés semanas seguidas. Pergunte a uma familia unida ¢ estivel onde obteve sua forga e, com toda certeza, ouvird a histéria de um momento de crise, de pessoas se abragando na sala de espera de um hospital, esperando ansiosamente noticias de um filho afastado, procurando o que restou nas ruinas deixadas por um tornado, consolando uma filha cujo noivado foi desfeito. Os relacionamentos ganham forga quando chegam perto do rompimento e nao se dissolvern: Ao abservara concretizagao desse principio entre as pessoas, consigo entender melhor um dos mistérios do relacionamento com Deus. A fé, em sua expresso questio de confianga em determinado mais simples, resume-se em um \ eee Cee sclacionamento. Tenho confianga naqueles a oo oh ou sea conforme aac je memo sobre um aicerce deconfianga, nema pior das eircunstincig - relacionamento. des airy Mors com seu filho;J6, ao, cogat as feridas sob 0 so escaldante; Davi, ao esconder-se em tma caverna; Elias, deprimido no deserto; Moisés, rogando poratribuigdes diferentes — todos esses heréis experimentaram momentos de crise que dolorosamente os tentaram a considerara Deus indiferente, sem poder ¢ até hostil. Confusos e nas. trevas, chegaram a um momento critico; afastarse amargurados ou prosseguir com fé. No fim, todos escolheram 0 caminho da fé, c por isso os chamamos herdis da fé. Infelizmente, nem todos passam por essas provas de fé com grande éxito. A Biblia esti civada de histérias de pessoas, como Caim, Sansao, Salomao e Judas, que foram reprovadas. A vida deles contém um toque de tristeza e remorso: Ah, como poderia ter sido diferente! Soren Kierkegaard, pensador cristo, passou a vida inteira examinando os questionamentos da fé que também punham em diivida a lealdade de Deus, Homem extravagante, de personalidade dificil, Kierkegaard viveu em constante conflito interior. Repetidas vezes, voltou-se para personagens biblicas como J6 ¢ Abraao, que sobreviveram a excruciantes provas de fé. Nos perfodos de provagio, Jo ¢ Abraao acharam que Deus estava se contradizendo, “Deus certamente nao agiria dessa forma, mas est4 agindo”. Kierkegaard finalmente concluiu que a fé mais puta nasce exatamente nessas provagées. Embora eu nao compreenda, confiarei em Deusassim mesmo. Aprendi bastante com Kierkegaard e sua visio desequilibrada da fé. Digo desequilibrada porque ele concentra-se intensamente nos grandes questionamentos da f€ © tem pouco para dizer sobre os aspectos cotidianos que mantém 0 telacionamento com Deus. Ele faz referéncia aos “cavaleiros da £6”, individuos scolhidos por Deus para algum feito extraordingrio, Foram testados como hoje s¢ ‘cstaria um avidio a jato: ndo para destruir, mas para medir os limites de sua utilidade Entio nao seria melhor nao ser um escolhido de Deus?”, Kierkegaard questionot certa vez a tespeito de Abraao,° Sem diivida, o proprio Abraio fez essa pergunta ¢™ suas Provagoes, mas duvido que a fizesse no final de sua vida. Para o crente, a f€ gira mais em torno de uma crise no relacionamento que de questionamentos racionais. Deus merece nossa confianga, seja qual for a situaga *Soren Kirkia Ediouso, 1993 f ct, KD, Temor e tremor, trad. e pref. Torrieri Guimardes, Rio de Jane Afésobataque | 49 UM ESCRITOR CRISTAO QUE: APREGIO ESCREVEU: “A maneira de Deus planejar as coisas as vezes parece unicamente destinada a nos frustrar caminho do hospital, a pia entope uma hora antes de as visit jantar, um amigo o abandona no momento em que vocé ma vocé pega uma laringite de repente, bem no dia em que tem de receber clientes importantes”, Para os cristios de lugares como 0 Paquistio ¢ 0 Sudao, essas provagées devem parecer chocantemente insignificantes. Contudo, sei muito bem que uma série de problemas exatamente como esses pode plantar tuma semente dediivida no meu relacionamento com Deus ¢ minar minha confianca nele Entretanto, sempre deparo com a expressdo dese meu amigo: “A maneira de Deus planejar as coisas”. Serd que Deus realmente colocaria um prego na rua pata eu passar por cima dele a caminho do hospital? Sera que ele entupiria 0 ralo com fios de cabelo bem no dia que vou receber visitas? Instintivamente, também acuso Deus quando coisas ruins acontecem, questionando qualquer relacionamento de confianga. Deveria? Deus planeja pneus estourados, panes no computador e viroses em minha vida em provas corriqueitas de fé como as provas de f6 que Abraao ¢ Jo enfrentaram? Duvido. Seo livro de Jé tem algo para ensinar, especialmente no discurso de Deus no final, é que os seres humanos nao devem se intrometer nem tém competéncia pata tentar desvendar todos os detalhes que explicam por que as coisas acontecem Pelo contrario, Deus desafiou Jé a fazer coisa melhor: Um pnen estoura a as chegarem parao ais precisa de ajuda, Seu brago é como o de Deus, € sta voz pode trovejar como a dele? Adomese, entao, de esplendor e eléria, e vista-se de majestade ¢ honra Derrame a ftiria da sua ira, ale pata todo orgulhoso ¢ lance-o por terra, olhe para todo orgulhoso € humilhe-, esmmague os fmpios onde estiverem.* Deus evita interferir continuamente no que acontece na terra, recusando-se a humilhar todo orgulhoso ¢ a esmagar o perverso onde estiver, por motivos que ainda deixam perplexas suas vitimas. Como J6, presumimos que Deus planejou, de alguma forma, todos os acontecimentos ¢ tiramos conclusées clare infundadas: “Deus nao me ama, Deus nao é justo”. A fé oferece a opgao de continuar confiando em Deus mesmo enquanto aceitamos os limites de nossa humanidade, o que significa aceitar que nao podemos saber os “porqués”. mente "J6 40.958, ee © Deus (inlvisivel Quando a princesa Diana more em nee opie © telefonema de um produtot de programas de televisio. ee I i ee EM nosso programa”, perguntou. “Queremos que explique como Deus pode permitir um acidente to terrivel.” Sern pensar, respondi; “Nao teriaalgoa ver com um motorista bébado correndo a mais de cem quilémetros por hora em um tinel estreito? Q que, exatamente Deus tem que yercom isso? ‘ is Nao participei do programa de televiséo, mas a pergunta me incentivou a consultar uma pasta de arquivo em que guardo anotagoes sobre coisas pelas quais Deus costuma ser acusado. Encontrei a citagao do boxeador Ray “Boom-Boom” Mancini, que havia acabado de matar um oponente coreano com um violento golpe de dircita, Na entrevista a imprensa, depois da morte do boxeador coreano, Mancini disse: “As vezes, fico imaginando por que Deus faz esse tipo de coisa”, Em uma carta ao dr. James Dobson, uma jovem fez a angustiante pergunta: “Quatro anos atras, namorei um homem e fiquei gravida, Fiquei desesperadal Perguntei a Deus: por que permitiu que isso acontecesse comigo?”. Susan Smith, a cidada da Carolina do Sul que jogou seus dois filhos no lago para afogé-los ¢ depois culpou um seqiiestrador imaginario pelo acontecido, escreveu em sua confissio oficial; “Pulei no ponto mais baixo ¢ depois deixei meus filhos descerem sem mim poraquela rampa até a agua. Sai correndo e gritando: ‘Meu Deus! Meu Deus! Nao! Que foi que eu fiz? Por que deixou isso acontecer?”, Eu pergunto: que papel Deus desempenhou quando 0 boxeador esmurrou 0 oponente, o casal de adolescentes perdeu o controle no banco de tras ou a mae afogou os filhos? Sera que Deus plane jou esses incidentes como provas de fé? Acho © contririo: sao demonstragoes terriveis da liberdade humana praticada em um planeta decaido. Nesses momentos, em que somos desmasearados como seres frageis € mortais, atacamos violentamente quem nao € assim: Deus. Examinando cada exemplo de sofrimento humano registrado na Biblia, cheguel a conclusao de que muitos cristaos que enfrentam uma. proya de fé tentam responder a uma pergunta diferente da que Deus estd fazendo, Instintivamente, fugimos das Perguntas que retrocedem no tempo; O. que causou essa tragédia? Deus estava envolvido? O que Deus esté tentando me dizer? Julgamos o relacionamento co™ evidéncias incompletas. ate muitos exemplos de sofrimento que, como 0 de J6, on ide ate : te de Deus. Fim todos os milagres de cura, Jesus st Dp Scie eee go sites Babee aie tbate sobre pessoas que o merecem, Jesus entristecet! oa fade oN neste mundo, sinal certo de que Deus as Jamenta i macacuete oe a ver Jesus aconselhou alguém a aceitar 0 sofrimento * antes, continuo curando doengas e incapacidades. A fé sob ataque A Biblia nao fornece respostas sistematicas’ persunta “Po a evita totalmente. Um pneu furado, uma pia entupida, uma laringite — essas provagoe embora menores, podem muito bem provocaruma crise de confianea em nosso relacionamento com Deus, Contudo, nao nos atrevemos a invadir as Areas restritas a0 dominio de Deus. A providéncia divina é um mistério que apenas Deus compreende e pertenice ao que chamei de “enciclopédia da ignorincia teoligica” por umsimples motivo: nenhum ser humano preso ao tempo, vivendo em um mundo cm rebelido, cego as realidacles do mundo invisivel, tem capacidade para compreender essas respostas — em poucas palavras, é 0 mesmo que Deus disse a Jo. or qué?” ecom freqiiéncia OS CRISTAOS COM FREQUENCIA LizM a Biblia de tal maneira que exageram as promessas de Deus, criando terreno para desilusoes futuras, “Observe as aves do céu”, disse Jesus certa vez; “nao semeiam nem colhem nem armazenam em celeiros; contudo, o Pai celestial as alimenta. (...] Veiam como crescem os lirios do campo. [les nao trabalham nem tecer ‘coneluem que Deus sempre provera, o que pode criar uma grande crise de fé no momento da seca e da fome. Mas como o Pai celestial alimenta as aves ¢ faz os litios crescer? Ele nao faz parecer magicamente no chao sementes pretas de girassol como 0 mand no deserto. He alimenta as aves providenciando florestas, flores silvestres e lagartas no planeta; ¢ nos, seres humanos, sabemos muito bem que nossas construgées ¢ entros comerciais podem causar um impacto desastroso na populagao das aves. Oslitios do campo podem crescersem trabalhar, mas o crescimento deles também depende dos ciclos regulares das estagdes. Nos anos de grandes secas, eles nem trabalham, nem fiam, tampouco sobrevivem “Nao se vendem dois pardais por uma moedinha?”, Jesus também perguntou. “Contudo, nenhum deles cai no chao sem o consentimento do Pai de vocés. Até 05 cabelos da cabeca de vocés estiio todos contados. Portanto, nao tenham medo, yocés valem mais do que muitos pardais!”* Alguns tomam essa passagem como um consolo: “Seus olhos esto sobre o pardal...”, diz o hino, “.. ¢ sei que ele ctiida de mim”, Ironicamente, Jesus disse isso fazendo a corajosa adverténcia a seus disefpulos de que enfrentariam agoites, prisGes € até execugdes, 0 que dificilmente serviria de consolo.” Jacques Ellul adverte quanto a um erro comum Com esses versiculos, os leitores “Mateus 6.26,28. "Mateus 10.29-31 "Uma das personagens de Doris Belts tem uma visi pardais caem, mas nao param de cair. A criagio ndo € justamente um pissaro morto apds Gur6?”, (Ap, entrevista com W. Dale Brown, Of fiction and faith, Grand Rapids, Wierda 1997, p, 21.) Jo mais realista: “Deus sabe que os | © Deus (in)visivel ne f i “ ‘ ai”, nada ‘i de tradugao. O texto grego diz. apenas “sem 0 vosso Pai dizendo sobre vontade de Deus: Foi na esperanga de tornat 0 texto mais claro que a palavra “vontade” fo; acrescentada, Mas 0 acréscimo muda completamente o sentido, Ein um caso, Deus deseja a morte do pardal; no outro, a morte nao acontece sem que Deus esteja presente. Em outras palavras, a morte segue as leis naturais, mas Deus ni permite que nada em sua criagao morra sem ele estar presente, sem oferecey consolo, forga, esperanga € apoio para quem morte. A questao € a presenca de Deus, ¢ nao sua vontade."" Costumamos entender que a interagao divina nos fatos terrenos origina-se “de cima”, como raios ou granizo, raios de Zeus langados do céu a terra. Assim, Deus estende a mao do céu para intervir na terra em acontecimentos como as dez pragas. Talvez fosse melhor delineara interagao diyina como um lengol subterraneo on rio que chega 4 superficie por fontes ou nascentes. O padre Robert Farrar Capon, em The parables of judgement [As pardbolas de jutzo), apresenta essa mudanca de perspectiva de cima para baixo, dizendo que os atos de Deus sao “afloramentos, emergéncias claras das pontas de um tinico ¢ continuo iceberg em toda a histéria. Assim, quando tomamos a mestna cadeia de acontecimentos grandiosos, nao se transformam em ineursdes na hist6ria de uma presenga estranha vinda de cima, mas em afloramentos da histéria de uma presenga permanente vinda de baixo”.'! Em outras palayras, Deus nao governa apenas de cima, porém muito mais de baixo. Sua presenga sustenta toda a criacao a cada momento. “Nele [em Cristo] tudo subsiste”,"? disse Paulo. Sua presenga também flui nos individuos que se alinham com ele; o Espirito de Deus, companheiro invisivel, opera de dentro para extrair o bem do mal. Mutros cxistios ctram Romanos 8.28: “Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam”, sugerindo que, de alguma forma, tude acabara bem. O texto original em grego seria mais bem traduzido da seguinte forma “Em tudo o que acontece, Deus opera para o bem daqueles que o mam”. Descobri a verdade dessa promessa em todos os inforttinios e dificuldades que experimentei. As coisas acontecem: algumas boas, outras ruins ¢ muitas além 4° Jacques Bux, Wi ee Beis 1986. ons > What belive, tra. inglesa Geoffrey Bromiley, Grand Rapids, Berd" "Robert Farrar Carow, ‘Th . 92. "Colowtenees | [oH Parables of judgment, Grand Rapids, Eerdmans, 1989, P A {é sob ataque nosso controle. Him todas elas, sinto a presenga confidvel de um Deus desejoso de operar em mim € por mim para produzir algo bom. A f6 nesse proceso, estou convencido, ésempre recompensada, ainda que os “por qué?” fiquern sem resposta Uma historia em Joao 9 explica a diferenga de perspectiva. A historia inicia-se no ponto em que muitos doentes também comegam as perguntas: na questdo das causas. Quando encontram um homem cego de nascenga, os discipulos olham no passado para descobrir por qué. Quem pecou para provocar tal castigo: o homem cego ou seus pais? (Pense nas implicagées disso; o homem teria pecado in utero?) Jesus responde inequivocamente: “Nem cle nem seus pais pecaram, mas isto aconteceu pata que a obra de Deus se manifestasse na vida del Chamando a atengao deles para o futuro, Jesus faz uma pergunta diferente: “Com que finalidade?”. Aresposta de Jesus, creio, fornece um resumo conciso da solugao biblica para o problema do sofrimento. Thornton Wilder escreveu A ponte de Sdo Luis Rey'* para inyestigar o motivo da morte de cinco pessoas por ocasiao da queda de uma ponte. Quando indagado sobre uma tragédia semelhante — Por que dezoito pessoas morreram em umacidente de construgio? —, Jesus se recusou a responder. Em vez disso, fez outra pergunta para os que perguntavam: Vocés estariam preparados para morrer se uma torre cafsse sobre vocés? Na visio de Jesus, até mesmo a tragédia poderia ser usada para levar alguém a Deus. Em vez de olhar para 0 passaclo em busca de explicacao, ele olhou para o futuro a fir de encontrar uma finalidade redentora. As perguntas que buscam os “porqués” no passado, a Biblia nao oferece respostas conclusivas. Mas dé esperangas para o futuro de que mesmo o sofrimento pode set transformado para produzir bons resultados. As vezes, como no caso do cego, a obra de Deus manifesta-se em um grande milagre. Outras vezes, como no caso de Joni Eareckson e de muitos outros que oram pedindo uma cura que nunca chega, isso nao acontece. Em todo caso, osofrimento oferece a oportunicdade de tevelar a obra de Deus, quer na fraqueza, quer na forga. O “milagre” de Joni Eareckson — adolescente atingida pela paralisia que se lornon profetisa aos invalidos da igreja — mostra bem isso. Conhecendo Joni desde a adolescéncia, creio firmemente que a transformagdo ocorrida nela é mais impressionante do que seria, caso ela subitamente recuperasse a capacidade de andar. “As tempestades Sdo os triunfos de sua arte [de Deus]”,"° disse o poeta George Herbert. "Jono 9.3 : ‘Trad. Monteito Lobato, 3. ed., So Paulo, Ed, Nacional, 1983. NG. A. Parnibes, ore, The English poems of George Herbert, Totowa, Rowman & Littlefield, 1974, p. 159. © Deus fin)visiver evendo estas palavras exatamente depois da tragédia do Colegio ittleton, Colorado, nao muito distante de minha casa. Todos o, i $ ‘ouramas de televisio daqui dissecam 0 caso com detalhes ins oa ee eras dos doze estudantes ¢ do professor foram transtnitida, ut antes pais, administradores escolares € todos os que foram tocados — dia perguntaramsporqué2”,eninguém span nips. Oclernen, do mal _ adolescentes cheios de 6dio, racistas, metralhando colegas com armas attomaticas — assoma de tal forma nessa tragédia, que ninguém relaciona publicamente Deus ao fato. Alguns perguntam por que Deus nao interveio em tum momento como esse, mas ninguém insinua que Deus tenha provocado essa explosio de violencia. - ‘Voce teria de morar no Colorado para entender totalmente a resposta Aoutra questio levantada pela tragédia: Poderia resultar algum beneficio de tal horror? Poderia tal fato ser redimido? Uma semana depois das mortes, visitei a colina, em Clement Park, sobre a qual se encontravam quinze cruzes, cobertas pela pilha de buqués, uniformes eseolares, animais de pelticia € outras Jembrangas. Entao li alguns bilhetes escritos com mensagens de amor e apoio vindas de todo 0 mundo. Li também os bilhetes escritos pelos dois assassinos, bilhetes de outros desajustados ede pirias lamentando que Erie Harris e Dylan Klebold nao tivessem encontrado amigos em quem confiar e que pudessem aliviar seu sofrimento, Visitei igrejas que espontaneamente se encheram de centenas de crentes entristecidos nos dias ¢ semanas seguintes ao ocorrido, Assisti ao programa ‘Today Show, em que Craig Scott, irmao de uma das vitimas, colocou a mao sobre © ombro do pai de um aluno afro-americano morto ¢ 0 consolou, ¢ Katie Couric caitt em prantos no meio do programa, Ouvi os amigos dos alunos referirem-se a coragem dos colegis quando um pistoleiro Ihes apontou a es na cabeca e perguntou: “Voce cré em Deus! « Fiquei sabendo de outras conseqiiéncias oda a cidade que se reuniram, professores que pedira” deseulpas aos alunos por nao terem se identifieado como cristos, convidando-e* para reunides de aconselhamento. aps as aulas, o pai de uma das vitimas ape s transformou em evangelista e 0 pai de outro que organizou uma eruzada pa"! Estou escrt Columbine, em L Se a5 respostas &s perguntas da vida sdo absolutamente necessarias para voc, entso esquega a viagem. Vocé nunca chegaré la, pois esta é uma viagern de incégnitas, de perguntas sem respasta, de enigmas, de coisas incompreensiveis e, principalmente, injustas. MapaMe Jeanne Guron' grupos de jovens de ti “Spiritual torrents, Augusta, Christian Books, 1984, A fé sob ataque controle do uso de armas. Do mal, até mesmo de um to terrivel como 0 massacre de Columbine, pode vir o bem, Algumas pessoas precisam ser abaladas por tragédias, enfermidades ou mortes, para experimentar uma crise existencial de f€, Em momentos assim. queremos clareza; Deus quer nossa confianga. Um pregador escocés do século xix perdeu a esposa repentinamente , depois da morte dela, pregou um sermao fora do comum. Na mensagem, admitiu que nao compreendia a vida. Mas compreendia muito menos Como as pessoas que enfrentam perdas podiam abandonara fe. “Abandoné- la em troca de qué?”, exclamou. “Voces que estdo a luz do sol podem crer na £6, mas n6s que estamas nas sombras precisamos crer nela. Nao temos outra escolha.” (2) Uma fé de mao dupla tudo 0 que jd se passou, digo obrigado. Ao que est por vir, digo sim. ara bever eaminade, algucm -comandou 0 “ataque de Pickett” Flava podido! Ble ajcitou-um que os ianques tiveram algo a ver com sleto, devo mostrar outro jeito de entender a (ol fora. A Biblia afirma que vivemos em dedicados ao bem, e outros, ao mal, Se ade de questionar Deus em pessoa sobre rante nossa permanéncia no planeta ‘Terra, Deus snso que os rebeldes tiveram algo a ver com isso”. nte, no auge do Movimento de on na trevistei uma banda dex rock que se apresentou em um festival crista, Elles me mostraram uma visao do mundo que eu nunca havia 58 © Deus (invisivel vicho, realmente fomos atacados. O Senhot estava conosco oy, Sim, bicho. (errr tose expalhou pelo ligat Foi entio que Satanas desea, Indianépols 4 cae estrada e soltou o engate do trailer de nosso énibus, | i ea plificadores ¢ instrumentos. A viagem poderia ter terminad Deus entrou em cena. Ele guiow o carango de tal Maneiry simplesmente parou no acostamento. Estamos 4, enquanto est se foram nossosamp! exatamente ali, Mas que nao bateu em nada p ' volta, bicho. No trabalho do Senhor! Nolinguajar daquela época, 0s muisicos apresentaram i a Deuse Satands competindo em um cabo-de-guerra em: cada inci ae a vida Z Depoisde entrevistar a banda, comecei a prestar atengao. a inguagem utilizada pelos cristios. Uma familia parte para uma viagem a0 Oriente Médio em um periodo de grande tensio: “Estamos nas maos de Deus”, dizem. Um homem enfrenta um divércio contencioso: “Deus esté me ensinando a olhar para ele”. Alguns seminaristas contatam uma anedota sobre um homem que vai atravessar a mua ¢ quase € atropelado por um carro em alta velocidade. "4 Providéncia estava cuidando dele”, diz um transeunte. No dia seguinte, o homem vai atravessar a mesma mua e desta vez € atropelado. Depois de muitos meses, cle se recupera dos sérios ferimentos. “Nao é maravilhoso como Deus 0 poupou?”, um observador comenta. Mais tarde, ele atravessa a mesma rua ¢é atropelado novamente, mas dessa vez morre por causa dos ferimentos. “Bem, Deus achou por bem leva-lo para casa”. ) " Asvezes, pensamos assim. O grande Leon Tolstéi lutou para entender o sentido da participacao de Deus na invasio de Napoledo. Em Guerra e paz, ele examint cada ataque e investida do inimigo que marcha pela Ruissia. Certamente nao € vontade de Deus que aquele corso arrogante conquiste a Santa Riissia! Deus estar dormindo? As forcas do mal podem prevalecer sobre as forgas do bem? Enquante 6 exército francés avanga para Moscou, Tolst6i busca fervorosamente compreende! a providéncia, de modo que pudesse explicar tal catastrofe. Nao encontra nada exceto a “fatalidade do destino”, a Quem cré em Dens tem uma nogao basica de como Deus age em relagaoan® O romancista francés Flaubert disse que um grande escritor deve tratar seu romance como Deus na criagdo: sem ser visto, sem ser ouvido. Deus esti em todo na ainda que seja invisivel, silencioso, aparentemente ausente ¢ indiferente. EW" intelectuais podem cultuar esse Deus ausente, mas a maioria dos cristios Pr Jesus. aimagem de Deus como pai amoroso, Nao precisamosapenas de um rel01%7 nes € 0 deixe seguir seu curso. Precisamos a on No cae as pore aidilidessue apenas um Deus pessoal ee & desalentadors ont? Mas Pessoal 0 conceito que tivermos de Dev i ‘entadoras sao as quest6es sobre ele, Umm Deus de amor nao deveria ferece Uma fé de mao dupla com mais freqtiéncia em nosso favor? E como podemos confiarem um Deus que nunca podemos saber com toda certeza se vird em nosso auxilio? CERT VEZ, ENCONTREI UMA parandica sincera, uma jovem tot de que o mundo estava contra ela. Em tudo o que acontecia, encontrava uma forma de aludir 8 sua teoria da conspiragio de um mundo hostil. Se tentasse consoli-la dizendo algo como: “Acho que vocé entendeu aquele comentario de maneira errada, Marta estava apenas querendo ajudar. Ela nao odeia vocé", meu esforgo para acalmé-la apenas alimentaya mais sua paranoia. “Ola af, este é um deles. Marta provavelmente pediu isso a cle. Ele esta tentando me amolecer quebrar minha resisténcia.” Nada que alguém dissesse ou fizesse podia atravessat sua armadura parandica protetora. Uma pessoa parandica orienta a vida em torno do medo. Minha esposa t ‘oll para um supervisor que estava convencido, erradamente, de que Janet tinhaa intencao de roubar seu emprego. Cada sugestao que Janet favia no trabalho ) supervisor entendia como uma tentativa de derrubé-lo. Cada clogio ele ‘Intetpretava como uma tentativa subversiva de derroté-lo. Nada que Janet dissesse podia convencé-lo do contrario e, finalmente, ela teve de sair da empresa para preseryar a propria sanidade. Estouaprendendo que a fé amadurecida, que inclui a fé simples ¢ a fidelidade, Operam de maneira oposta 4 parandia. Ela retine todos os fatos da vida em torno da confianga em um Deus amoroso. Quando as coisas boas acontecem, eu as aceito como presentes de Deus, dignas de agao de gragas. Quando acontecem Coisas tuins, nao as aceito necessariamente como enviadas por Deus — vejo evidéncias contrarias na Biblia — e nao encontro nelas nenhum motivo para que me facam abandonar a Deus. Pelo contrario, acredito que Deus pode usar até TMesmo as coisas ruins em meu beneficio. Pelo menos, € isso o que tento fazer, A pessoa que tem fé enxerga a vida sob a perspectiva da confianga, ¢ nao do _ medo, A fé inabalavel permite crer que, apesar do caos do momento, Deus reina; que, apesar de eu me sentir indigno, realmente sou importante para um Deus de amor; que nenhum sofrimento dura para sempre e nenhum mal triunfa no fim. A fé enxerga até o lado mais negro da histéria, a morte do Filho de D. prehidio necessario da gloria O cético dina que fiz. apenas uma racionalizagao clissica: comecei com uma Premissa ¢ agora estou manipulando todas as evidéncias para apoiar essa premissa O cético esta certo. Comecei com a premissa de que um Deus bom e amoroso é © prinefpio biisico do Universo; 0 que nao estd de acordo com essa premissa tem uma explicagao, Na politica, diz William Safire, “o candidato que recebe crédito jalmente convencida como | 59 0 © Deus (in)visivel pela chava seré acusado pla seca"? Como, ent, peso ors Deas de for em vista das terriveis coisas que acontecem as Sea 0 a Os i i Como jéafirmei, nao devernos presumir que tudo a ie oe nis pan ‘AGA de Deus, Se dois adolescentes al ienados entram em wm col ego, fogs bombas ¢ dag rocecents tiros conta os colegas, € porque Deus planejou? Um amigo me contoy entusiasmado sobre os muitos “milagres” que aconteceram no Colégio Columbine Gu ssansinos colocaram 95 explosivos na escola e poucos detonaram, Um estudante reeebeu duas balas a queima-roupa diretamente no rosto, mas, milagrosamente”, as balas se alojaram na parte mais resistente do maxilar em cada lado da face ¢ ele sobreviveu. Outro estudante voltou para casa naquele dia porque estava doente, ¢ seus pais Iowvaram a Deus pelo cuidado providencial. Otago essas historias e me alegro com os resultados, mas fico imaginando como elas soam aos ouvides dos parentes que perderam os filhos no massacre. Muitas coisas acontecem no mundo que claramente nao sao da vontade de Deus. Veja os profetas, os porta-vozes designados por Deus, que bradam contraa idolatria, a injustica, a violencia e outros sintomas do pecado e da rebeldia humana. Veja as narrativas do evangelho, em que Jesus perturba a organizagao religioss livrando as pessoas de incapacidades fisicas que os clérigos consideravam “da vontade de Deus”. A providéncia pode ser um grande mistério; no entanto, nao ha motivo para acusar a Deus de coisas que ele claramente condena. Contudo, a pergunta dos céticos nem sempre se dissipa. Como louvar a Deus pelas coisas boas da vida sem eensuré-lo pelas mas? Apenas estabelecendo uma atitude de confianga — o contrério da paranéia — , com base no que aprendemos sobre Deus. Encontro um exemplo em meus relacionamentos humanos. Se estiver esperando meu amigo Larry em um local de encontro e ele atrasar uma hora, nao comega®! a maldizer sua iresponsabilidade ou falta de consideracao. Anos de amizade me ensinaram que Larry € pontual e confiavel. Presumo que algo — um pneu furado ou un acidente — sobre o que ele nao tem controle atrapalhou seus panos.” °° queamo, dou crédito pelas coisas boas ¢ tento nao acusd-los das mas, presumindo, em ver disso, que outras forcas estao em acdio, Juntos, desenvolvemos um padrao de confianga e amor com discernimento, William Saake, The first dissident, New York, Random House, 1992, p. xxit- Na misteriosa passagem de Daniel 10.13, a Biblia apresenta uma cena CO aie semelhantes. Daniel nao consegue entender por que uma de suas oragoes 10 no eae aces ara exicat 0 que acontece no mundo invisivel: por Us drake de Donel ea neni do “pricipe do seino da Péria” a fim de be va hamada Miguel. Donor SPER pouico tempo eonseguira reforgos de uma for Miguel. Depois disso, duvido'que Daniel fizesse algurna oragao inadvel rm _paralel® foi atendid earls he der? sil pon cle’ Uma fé de mao duple Com o passar do tempo, gracas 2 minha experiéneia ¢ ao estudo biblico, também pude conhecer algumas qualidades divinas. O estilo de Deus com freqiténcia me deixa frustrado: ele mio tem pressa, prefere 0s rebeldes e os prodigos, reptime seu poder € fala com sussurros ¢ com o silencio. Mas, mesmo nessas qutalidades, enconitro a prova de sua paciéncia, misericérdia e desejo de persuadir em vez da intengao de compelir. Quando encontro a diivida, penso em Jesus, a tevelagaio mais inequivoca do proprio ser de Deus. Aprendi a confiar em Deus ¢, quando acontece alguma tragédia ou mal que nao consigo explicar com 0 Deus que aprendi a conhecer ¢ a amar, procuro outras explicagoes. Pins NOS APUROS Di: UM ESPIAO em territério inimigo, que subitamente pcrde todo contato com as forcas aliadas de retaguarda em seu pafs de origem. Elas 0 abandonaram, 0 exclufram? Se ele confiar plenamente no goyerno de seu pais achard o contrario, que a linha de comunicacao ficou cornprometida ¢ os contatos foram interrompidos para suia propria seguranga. Se foi capturado ou se tornou refém em Beirute ou Teera, nao teré nenliuma prova de que alguém em casa se importa com cle. Um espiao leal, contudo, confiara que o governo esta petcorrendo 05 canais diplomaticos, oferecendo recompensas aos informantes e talvez organizando secretamente uma equipe de resgate. Ele eré, contrariando todas as evidéncias, que o governo de seu pais o valoriza e quer seu bem-estar. .S. Lewis oferece outros exemplos de momentos em que a confianga compensa, mesmo em condicdes que parecem contradiz Na hora de tentar libertar um cao de uma armadilha, extrair um. espinho do dedo de uma erianca, ensinar um menino a nadar ou salvar alguém que nao sabe, conduzir um principiante assustado em um local perigoso nas montanhas, 0 unico obstaculo fatal talvez seja a desconfianga deles. Pedimos que confiem ‘em ns, desafiando seus sentidos, sua imaginacao sua inteligéncia. Estarnos pedindo que ereiam que 0 que € doloroso aliviard seu sofrimento ¢ 0 que parece perigoso 6 sua tinica salvagdo. Pedimos que aceitem aparentes impossibilidaces: que mover a pata de volta para a armadilha é a tinica maneira de sair, que machucar muito mais o dedo acabarsi com a dor, que a dgua, inegavelmente permedvel, resistird ¢ suportari o corpo, que se agarrar ao tinico apoio a scu €0 jeito de evitar o afogarnento, que subir um pouco mais até uma aleance na saliéncia maior € 0 caminho para nio eair. Para explicar todas essas incredibilidades, podemos contar apenas com a confianga do outro em ns, tima conflanca certamentesem fundamentos aparentes, claramente prejudicada pela emogao. E, talvez, se forms estranhos a cles, ndio poderemos contar com nada além da confianga que podem tansmitir a express tom de nossa voz ou, no caso do cio, nosso cheiro. As vezes, por causa da incredulidade, no conseguimos grande coisa, Mas, se tivermos sucesso, sera de nosso rosta ¢ 0 | o 62 we eus (eee acreditaram em nés, contra todasas evideneias. Ninguém pode nos cup, Ninguém pode culpi-los por tela. Ninguém vai 4 be depos que o co, a etianga ou. garoto foram tolos por confiarem em ngs, Ora, aceitar proposigdes cristas € acreditar ipso facto que, pata Deus, somo, rianga, o banhista ou 9 montanhista foram para nds, mas ey, porque " por pedirmos essa fé 0 que 0 cao, ac grau muito maior.* Em uma carta surpreendentemente reveladora aseu amigo padre John Calabria, Lewis aplicou esse principio de forma bastante pessoal. Em seu qitinquagésimo ano, sentiu que estava perdendo o talento para eserever. Estava cuidando da mae doente ¢ também da de um amigo, em uma casa cadtica e devastada por brigas, “Até quando, Senhor?”, Lewis escreve. Ele explica a perturbagao a Calabria, pede oragdes, conta que as interrupgdes o esto impedindo de produzir varios livros ¢ acrescenta: “Se Deus quiser que eu escreva mais livros, seja bendito. Se nao quiser, seja bendito do mesmo jeito. Talvez seja melhor para minha alma que eu perca a fama ea capacidade para nao sucumbir a doenga maligna da wangloria”.* Acarta de Lewis penetrou como uma flecha em meu coracio porque vivo de escrever livros; até estou escrevendo este livro em meu qitinquagésimo ano, ¢ tenho uma idéia do que significou para Lewis pisar no terreno da confianga e da submissio. O que parecia um grande sacrificio e perda, ele interpretou como uma béngao em potencial, pelo simples fato de que confiava em Deus. Lewis acreditava que qualquer coisa que acontecesse em sua vida, mesmo que contraria a seus desejos, Deus poderia transformar em beneficio e lucro. Gregorio de Nissa, certa vez, chamou de “ambidestra” a fé de Basilio porque este recebia, de bom grado, os prazeres com a mao direita © as afligdes com a esquerda, convencido de que ambos seguiam 0 desfgnio de Deus para ele. O lidet espiritual do séculoxvmi Jean-Pierre de Caussade repetiu o que disse Basilio: “Uma f€ viva nao é nada mais do que a busca obstinada de Deus em tudo o que o disfarca, desfigura, destr6i e procura, por assim dizer, suprimi-lo”.’ De Caussade tentav aceitar cada momento como uma revelagao de Deus, crendo que, apesat as aparéncias do momento, a historia afinal servird para realizar 0 propésito de Deus na terra. Ele aconselhou: “Ame e aceite o presente como o melhor, com toda # confianga na bondade universal de Deus, {...] Tudo, sem excecao, éum instrument cum meio de santificacao, |...) O propésito de Deus é sempre o melhor para n° ‘World's last night, cit., p. 23, In:C. S. Lewis & Don Gio The sacrament of the prese bid,,.p. 77. wanni CaL asin, Letters, Ann Arbor, Servant, 1988, p. 93 7 nt moment, San Francisco, HarperSanF'rancisco, 1989. P Uma fé de mao dupla Para mim, € 1sso que a fé ambidestra, ou “de mao dupla”, significa na teoria quando nao na pratica. Aceito “tudo, sem excecao” como ato de Deus ao me fazer perguntaro que posso aprender com isso e a0 orar pedindo que ele redima tudo me aperfeigoando. Nao penso em nenhum ato de Deus julgando seu carater. pois aprendi a aceitar minha insignificante condigao de criatura, 0 que significa ter uma perspectiva limitada que obscurece as forgas invisiveis do presente e também do futuro conhecidas apenas por Deus, O cético pode alegar que nio é justo deixar Deus fora da situagao, mas talvez ter fé seja exatamente isto: confiar na bondade divina apesar das evidéncias em contrario, como um soldado eonfia nas ordens do general, ou melhor, como uma crianga confia em pais amorosos, Uma amiga que luta contra a depressio escreveu: “Nao posso explicar minha depressao a ninguém. Ella nao ¢ racional e atrapalha minha vida. Ela influencia minha visio de tudo no mundo e eu a abrigo como uma perspectiva secreta que ninguém mais partilha ou pode compreender. Tudo fica mais real quando estou deprimida. As trevas definem minha vida”. Ela continuou contando que desde sua conversa0, a qual, por ser judia, ainda esconde da familia, a depressio a acomete com menos freqiiéncia. “Na realidade, comeco a enxergar a fé como 0 oposto da depressao. Ela também influencia tudo. Nao posso nunca explicd-la aos Outros, e, contudo, gradualmente ela iluminaa escuridao erm minha vida” PARANOIA AO CONTRARIO, reverso da depressio — penso em imagens da fé mais faceis de entender quando ilustradas, em vez de analisadas. Penso nos trés amigos de Daniel que desafiaram um tirano, declarando; “Se formos atirados na fornalha em chamas, 0 Deus a quem prestamos culto pode livrar-nos, ¢ ele nos livrard das tas mos, 6 rei. Mas, se ele ndo nos livrar, saiba, 6 rei, que nao prestaremos Culto aos teus deuses nem adoraremos a imagem de ouro que mandaste erguer” Penso em Jesus na cruz que, em dado momento, clamou: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” e em outro disse: “Pai, nas tuas maos entrego ‘meu espirito”."” Os amigos de Daniel encontraram um alivio milagroso, Jesus, nao; todos, entretanto, confiaram em Deus, Penso também na exaltacdo do apéstolo Paulo descrita na epistola aos Filipenses, Seus valores pareciam confusos. As limitagdcs na prisio ele considerava desejaveis, pois essa “provagio” resultou em muitas coisas boas, Riqueza ou pobreza, conforto ou sofrimento, aceitagdo ou rejeicao, até mesmo a morte ou a Vida, nenhuma dessas circunstincias importava muito para Paulo, “Aprendi 0 "Daniel 3.17, grifo do autor "Mateus 27.46. "Lireas 23.46. ef | © Deus (in)visivel viver contente em toda e qualquer situagdo, seja bem alimentado, Seja ce 1 asS¢ scessidade”.'! 3 do muito, ou pas sando neces: : comm fome, ten rants Cee a John Yonne, poeta do seculo xvi € dedo d. a Penso ainda em : ara ; Cathedral, em Londres. Grande parte do que creio sobre Deus ¢ sobre 0 sofriment, aprendi com Donne, que é para mim um oe aie oe a me John Donne era um homem habituado ao sofrimen 2 i abalho ng maior igreja de Londres, trés epidemias de peste bubénica levastaram a cidade, atiltima matando quarenta mil pessoas, Os londrinos vinham aos montes pedir ag deo Donne uma explicagao ou pelo menos uma palavra de consolo. Enquanto isso, 0 proprio Donne ficou doente com o que os médicos inicialmente diagnosticaram como a referida peste (soube-se afinal que era uma febre com erupgdes, semelhante ao tifo). Por seis semanas, ele ficou acamado, tremendo j beira da morte, ouvindo os sinos da igreja tocarem a cada nova fatalidade ¢ imaginando se nao seria 0 préximo (“Nunca procures saber por quem 98 sinios dobram, pois eles dobram por ti"), Nesse perfodo negro, Donne, proibido de ler ou estudar, mas tendo permissdo para escrever, produziu a obra Devotions [Devogdes], uma meditagao sobre o sofrimento. Como disse, estava afinando seu instramento 4 porta — a porta da morte. Em Devotions, John Donne invoca a Deus. Ora zomba dele, ora se retratae pede perdio, ora se defende ferozmente. Masem nenhum momento Donne exelui Deus desse processo. Ele estd presente em cada pensamento, em cada frase. Muitas vezes, Donne perguntou: “Por que eu?” O calyinismo era relativamente novo; por isso, ele interpretou as pestes ¢ as guertas como “anjos de Deus’. Logo iudou de idéia: “Certamente nao és tu, ndo sao tuas mis. A espada que destrdi, © fogo que consome, os ventos do deserto, as enfermidades do corpo, tudo o que afligiu J6 € produto das maos de Satands, e nao das tuas”.!° No entanto, ele nunc? teve certeza, ¢ a ignorancia o atormentava interiormente. O livro de Donne na0 consegue responder ao “por qué?”, da mesma forma que nenhum de nds consegue explicar as questoes que ultrapassam o aleance da humanidade. Mas, apesar de Devotions nao explicar as questoes da mente, registra © sentimentos de Donne. De inicio, confinado A cama, revolvendo-se em orace® sem resposta, contemplando a morte, remoendo a culpa, ele nao encontra alivio para o medo sempre presente. Obcecado, recorda cada ocorréncia da paleve “medo” na Biblia. Ao fazé-lo, percebe que a vida sempre apresentara situage’ que incitam o medo: se nao for a enfermidade, serao dificuldades financeiT™>, segredo de a 08 ipenses 4.12. oa ‘John Dow itati «an, 199 y aoe Dosw, Meditation xvu, in: Devations, Ann Arbor, University of Michiga” : “Ibid., p. 15. Uma fé de mao dupla nao for a pobreza, sera a rejeicio, se nao for a solidio, sera o fracasso, Neste mundo, para Donne as opgdes sao claras: temer a Deus ou temer todas as coisas confiar em Deus ou nao confiar em nada, : Nessa quebra-de-brago com Deus, Donne muda a pergunta. Antes, perguntava sobre a origem: ‘Quem provocou esta enfermidade? EB) por q Mas nao encontrou resposta. Entio o enfoque de sua reflexdo passou gradualmente da pergunta paraa resposta. A questao crucial que as pessoas que passam por provagdes enfrentam esta na reagao de cada uma a essas perguntas dor, minha fraqueza e meu medo? Ou me afastarei dele com amargura ¢ raiva? Donne conclui que, na verdade, nao importa se a enfermidade for castigo de Deus ou simples conseqiiéncia natural, De qualquer maneira, ele confiara em Deus, pois, afinal, a confianga represe xatamente o temor ao Senhor. Donne atribui a esse processo a mudanga de sua atitude em relagao aos médicos Antes, quando examinavam seu corpo em busea de novos sintomas e discutiam suas descobertas aos sussurros fora do quarto, nao podia deixar de sentir medo, Depois, vendo a preocupagdo compassiva deles, achou que mereciam sua confianga, mesmo que os tratamentos causassern dor, O mesmo raciocinio aplica- se a Deus. Embora na maioria das vezes nao entendamos seus métodos ¢ motivagoes, a questao que subjaz é se Deus é um “meédico” digno de confianca. Donne actedita que sim. Em uma passagem que lembra a litania de Paulo em Romanos 5 — “Pois estou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos nem deménios nem qualquer outra coisa |...] serd capaz de nos separar clo amor de Deus”* —, Donne elimina possiveis temores. C srandes inimigos? Iles nao apresentam ameagas, pois Deus pode vencer qualquer inimigo. Fome? Nao. Deus pode prover 0 alimento. Morte? Mesmo ela, o maior dos temores humanes, nao € nenhum obstaculo permanente para os que temem a Deus, Donne conclui que a melhor altitude é cultivar o devido temor ao Senhor, pois esse temor suplantara todos os outros. & entio ora: “Como me deste um arrependimento do qual nao me arrependo, dé-me, 6 Senhor, um temor que eu nao precise temer™.!° “Confiarei a Deus minha Seja o que for a fé e sejam quais forem as respostas que ela possa dar a quem quer que seja, cada respasta confe- re a exist€ncia finita do ho mem um significado infinito um significade que nao pode ser destruido pelo sofrimento, pelas privagées ou pela morte. LEAD ToLsTol "Romanos 5.38. 24 ‘John Donne, Devotions , cit., p. , i io confession, in: John Baer, org., The portable Tolstoy, New York, Penguin, 1978, p. 704, (6) aie ma ages exjeichans Uma vida de fé wigge oh dena penis peak: WTAE whehaper tape wostinljecem mulmetias Ser set: alee masaet Stance ga ties ” Se a ad ees inlets penne Chicago, Bill Leslie, disse que com de Agua a manivela que ainda existem procurava buscando ajuda bombeava go de dentro dele. Finalmente, sem ter nada para dar. Sentiu-se exaurido, uma semana e desnudou sua alma para o freira. Esperava que ela lhe oferecesse sacrificial ¢ desprovida de egoismo que ele ‘uma licenga-prémio. Em vez disso, ela disse: quando o reservatorio seca: ir mais fundo”. Ele sua fé nao dependia tanto de sua jornada ‘mas de sua jornada interior em busca do s Rochosas, onde moro, foi preciso perfurar a a. a vies fo pommel jaar eye tora — 2 Yaad omer enfiet ann enenperrenees PAM iii ed dK? beef igh maple atm Seoceealt indol ire ganieeo) Lancelot, New York, Farrar, Strauss & Gitoux, 1977, p. 235. 68 | © Deus (in)visivel casa, Mesmo assim, a vazio da agua era bem fraca, até que empregamos yp, Ae ca chamada hidrofratura ou fratura pela agua. Bombeando gua para o poo, com pressio muito forte, os tecnicos estilhagaram 0 granito transformando-o en, aancatho e abriram novos veios para a agua fluir. Enquanto eu observava, a pres, que parecia capaz de destruir o poco na realidade abriu novas fontes de jpn, Tenho certeza de que Bill Leslie apreciaria a analogia: pressOes extrema, aparentemente destrutivas, forgaram-no a buscar novas fontes de forga, exatament. 0 motivo que o levour a buscar uma orientagao espiritual. Numa metafora semelhante, o profeta Jeremias fala de um arbusto que lang as taizes sob o solo estorricado do deserto. Em época de chuva ¢ prosperidade, a planta floresce, mas na seca as ratzes superficiais secam e morrem. Jerernias faz tima comparagao com aquele que vive na fé: .. bendito é 0 homem cuja confianga est no SexHor, cuja confianga nele esta. Ble sera como uma drvore plantada junto as aguas e que estende as suas raizes para o ribeiro. Ela nao temerd quando chegar 0 calor, porque as suas folhas estado sempre verdes; nao ficara ansiosa no ano da seca nem deixard de dar fruto.? A Biblia nao faz belas promessas sobre uma vida s6 de primaveras. Ela aponta para a f@ que nos ajuda na preparacdo para as estagdes dridas. Vird o inveno tigoroso seguido do verdo escaldante, Mas, se as raizes da f€ se aprofundarem 0 suficiente ¢ aleangarem a Agua da Vida, sobreviveremos a perfodos de seca ¢ floresceremos em perfodos de fartura, De ACoRDO Com StaNLey HAUERWAS, a vida de fé consiste em paciéncia e esperang# Quando alguma coisa aparece para provar nosso relacionamento com Deu Contamos com estas duas virtudes: a paciéncia adquirida com o tempo ea exper"? de que nossa fidelidade demonstre que vale a pena arriscar. Judeus ¢ cristie® sempre ressaltaram essas virtudes, observa Hauerwas, pois créem em wm Dew bom ¢ fiel que controla o Universo; a paciéncia e a esperanga mantém a fé nesses perfodos de diividas ¢ incertezas, Gostaria de parafrasear Hauerwas, dizendo que a vida de {é consiste € ma a = Spurs. Vito no passado para encontrar fundamentos p™ /, para ganhar a confianga de que ele pode fazer 0 mesmo de * n vive? oque nove Jeremias 17.7,8, Uma vida de fé Relacionarse com um Deus invisivel tem certas desvantagens: sem nenhuma prova perceptivel no presente, devemos olhar para o passado a fim de nos lembrar de quem € aquele com quem estamos nos relacionandlo. Sempre que Deus se apresentava como “o Deus de Abraao, Isaque e Jaco”, fazia 0 povo eleito lembrar- se de sua hist6ria com eles, uma histéria que, para esses trés antepassados, teve periodos de provagdes e dtividas. Também aprendo a respeito da fé olhando para Abtaio, Isaque € Jacé, pois Deus atuou de maneira muito surpreendente com todos eles. Depois de prometer criar um poyo to numeroso quanto as estrelas do céu, o que acabou acontecendo de fato servia mais para um estudo de caso da infertilidade familiar. Abrao ¢ Sara tiveram de chegar aos noventa anos para ter o primeiro filho; esse filho (chamado apropriadamente Isaque, ou: “riso”) casou-se com uma mulher estéril; o neto, Jac6, teve de esperar catorze anos pela mulher de seus sonhos, para depois descobrir que ela também era estéril. Hsse caminho tortuoso para criar uma grande nagao mostra que Deus opera segundo uma programagao diferente da que esperam encontrar os seres humanos impacientes, Com Abraao, Isaque ¢ Jaco — e também com José, Moisés, Davi e muitos outros —, aprendi que Deus age por meios que eu jamais preveria ou desejaria, Mas cada uma dessas petsonagens do Antigo ‘Testamento viveu © morreu na fé, afirmando até o fim que Deus de fato havia cumprido suas promessas. Em Salmos, Davi ¢ outros poctas olham por tras dos ombros ¢ enxergam os tempos primevos em que Deus parecia impotente, mas no final triunfou, quando a confianga parecia temerdria, mas se mostrou prudente, Os salmos que recordam ahistéria do livramento de Deus com freq} ‘evelam o anseio do escritor em saber se Deus intervira novamente de maneira tao espetacular. Nortes lembrangas acalmam a agitagao do presente, como certo ntimero de salmos pode cdemonstrar. ‘As cartas do Novo Testamento aconselham o mesmo: estude as Escrituras diligentemente, como mapas rodovidrios indispensaveis as provas de fe. Além Biblia, a palavra de toda a igreja é um testemunho da fidelidade a Deus. Onde éstaria minha fé, pergunto, sem Agostinho, Donne, Dostoievski, Jiirgen Molt mann, Thomas Merton, C. 8. Lewis? Muitas vezes, apdio-me nas palavras deles como um viajante exausto se recosta em um monumento a beira da estrada “Descobri queanseio pela luz como um sedento anseia por 4gua”, escreven © comandante Richard Byrd ao passar seis meses numa barraca de metal no Pélo Sul. No inverno da Antértida, o Sol no apareceu em quatro desses meses. “Hé uma luz sombria no horizonte crepuscular. E 0 espaco entre a vida e a morte. E assim que o tiltimo homem na terra enxergard o planeta quando este morter,” Trés semanas antes de 0 Sol reaparecer, ele escreveu em seu didrio “Tentei imaginar como seria, mas a idéia era muito sobre retorno do astro: s m | Odes (indvisivel cesta para imaginar’.? Como esas palavras deve ter parecido estranhas quan ga, vals tarde Byrd editow esse didrio para ser publicado em uma latitude que s do Sol todos os dias. Via og ral 0 formal, minhas anotagdes seguem o mesmg émbora nao tenha um dir hd 25 anos e fico maravilhado com a paigay padrdo. Pego um artigo que eserevi 1 pa que sentia em relagao a um assunto sobre ° qual mal penso desde entao. 1 ira, diivida, ceticismo desmedido! Encontro gritos de lamento rabiseados ha muitg tempo as margens de minha Biblia e dou gragas porque consegui superar esses obstaculos. Quando estou exultante, examino minhas obras passadas € fico espantado com os lamagais de desénimo em que chafurdei; quando estou deprimido, fico assustado com a fé exuberante que tinha. E principalmente no pasado que ganho a perspectiva de que 0 que sinto e aquilo em que ereio no presente nem sempre sentirei e crerei, € isso me impulsiona a langar rafzes mais profundas nos lengdis do subsolo que nao foram afetados pelo El Nifto ¢ outros caprichos climaticos. Lembrarde meu relacionamento com Deus exige esforgo e determinagao. Nao posso pegar uma fita de video para assistir & nossa hist6ria € ao nosso crescimento juntos; nao existem Albuns de fotos do viver na fé. Devo conscientemente me esforcar para recordar os progressos da dor € os progressos da cura. ’ Refletindo sobre a vida, o apéstolo Paulo escreveu: “Esta afirmagao € fiel digna de toda aceitagao: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o pior. Mas por isso mesmo alcancei misericérdia, para que em mim, opior dos pecadores, Cristo Jesus demonstrasse toda a grandeza da sia paciéncia”. Imagino que muitas pessoas contestariam esse titulo de Paulo: “o pior dos pecadores”. Paulo olha para tras 0 suficiente para lembrar de seu estado anterior e fazer sua alegacao, entao se volta para o futuro: “Ao Rei eterno, o Deus tinico, imortal ¢ invisivel, sejam honra e gloria para todo o sempre. Amém”.? O regato ao lado de minha casa sempre congela no inverno. Contudo, se me inclino o suficiente, posso ouvi-lo fluindo por baixo do gelo, em um som abafado, mas inconfundivel. Nunca para. Sob as eamadas frigidas do inverno est a pro? deum verao inevitavel, A VIDA DE FE CONSISTE EM PACIENCIA E que classificou metade dos salmos co que 149 dos 150 afinal fa -SPERANGA, passado ¢ futuro, Matin Matt mo “hibernais” no torn, também abselv" lam de esperanca. ‘Richard E. Byrn, Alone, » ‘ITiméteo 1,15, ‘IWiméteo 1.17 ew York, Putnam, 1938, p, 104, 280, Uma vida de fé Jtirgen Moltmarn, tim dos principais tedlogos do século xx, narra no pequeno livro Experiences of God [Experiéncias de Deus] sua jornada pessoal rumo & esperanga. Recrutado ainda adolescente na Segunda Guerra Mundial, foi enviado para o front alemao, onde os britanicos logo o capturaram. Os trés anos seguintes passou detido, enviado de tm acampamento de prisioneitos pata outro na Belgica, Escécia ¢ Inglaterra, Quando o império de Hitler entrot em colapso, demmciando a podridao moral no centro do Terceiro Reich e de todos a volta, Moltmann viu outros alemaes “entrarem em colapso interiormente, desistirern de toda esperanca eadoecerem, e alguns até morrerem. A mesma coisa quase aconteceu comigo. O que me livrou disso foi o renascimnento para a nova vid A parte os inevitaveis adornos culturais do Natal e de outros feriados, Moltmar nao tinha antecedentes cristaos. Levou apenas dois livros para a guerra: os poemas” de Goethe ¢ as obras completas de Nietzsche, em edigdes que Hitler havia distribufdo as suas tropas. Nenhum deles alimentava a esperanca, para nao dizer coisa pior. Mas um eapelao lhe deu uma versao do Novo Testamento que incluia os Salmos em apéndice. “Se eu fizer minha cama na sepultura, tambérn la estas”, 0 prisionciro Moltmann lia, Poderia Deus estar presente naquela noite negra? “Estava aturdido com 0 silencio, eu me calava, ¢ era um viajante, como todos as meus antepassados foram.” Enquanto lia, Moltmann encontrou palayras que captavam perfeitamente seus sentimentos de desolacao. Ficou convencido de que Deus “estava presente mesmo por tras dos arames farpados... nao, principalmente por tras dos arames farpados”. Enquanto Moltmamn continuava lendo, também encontrou uma coisa nova nos Salmos: esperanga. Caminhando junto ao perimetro do arame farpado a noite para se exercitar, margeava uma pequena colina no centro do acampamento sobre a qual havia uma cabana que servia de capela. Para ele, a cabana se tomou um simbolo da presenga de Deusa langar uz em meio ao sofrimento e, desse simbolo, hasceu a esperanga. 7 Depois de solto, Moltmann abandonou seu plano de estudlar fisica quintica ¢ voltou-se para a teologia, encontrando um movimento chamado, “teologia da esperanga’. Existimos aqui na terra, concluiu, em estado de contradicao entre a cruz ea ressurreigaio, Rodeados pela decadéncia, ainda assim esperamos a perfeigao, a testauracdo do cosmo, Nao temas prova de que isso possa ser alcangado urn dia apenas um sinal da historia, um “viskumbre” da ressurrei¢ao de Cristo dentre os mortos, Mas, se mantivermos a fé nesse futuro glorioso, ela transformars o presente — exatamente como a esperanga do proprio Moltmann de ser finalmente liberto periéncia didria. do campo de prisioneiros transformou sua ex Jidrgen Mouraann, Experiences of God, Philadelphia, Fortress, 1980, p. 7, 8 n 72 © Deus (in)visivel A fé no fataro pode alterar presente, pelo menos permitindosnos adiar Uma pessoa sem fé no futuro logicamente admite que g te planeta refletem alguma coisa de Deus; portanto, Dey nao énem todo-bom, nem todo-poderoso. A fé no futuro permite cret que Dey, também nao est satisfeito com este mundo e planeja restaurar 0 Universo segundy seu plano original. Assim como Moltmann chegou a cret na possibilidade de viver fora do campo de concentragao um dia, podemos crerem um tempo futury no qual Deus reinaré com justiga perfeita. pxiny “Chega de desconfianga: meu Deus prometen, ele é justo”, escreveu George Herbert. Preciso desse lembrete diariamente, Com a fé no futuro, posso confiar na justica ainda incerta, apesar de todas as claras contradigGes e gemidos deste planeta sofredor. julgamento de Deus. sofrimento ¢ 0 caos nes! NELSON MANDELA, NA AUTOBIOGRAFIA A Tong walk to freedom [Uma longa caminhada rumo é liberdade}, relembra o momento em que, pela primeira yez, viu sua neta. Nessa ocasiao, estava sob trabalhos forgados em Robben Island, em condigdes quase insuportveis, cavando calcdrio sob sol tio forte que quase 0 deixava cego. Apenas uma coisa mantinha os prisioneiros livres do desespero, conta ele; cantar enquanto trabalhavam. As cangdes lembravam a familia, o lar, a tribo eo mundo |é fora que, de outra forma, esqueceriam. Em seu décimo quarto ano de encarceramento, a filha de Mandela teve pemmissao para visité-lo (em geral, estava proibido de receber visitas). Ela corre pelo recinto eo abracou, Mandela nao abragava a filha desde que ela era crianga. ¢ foi uma emocao pungente ¢ estonteante abracar a menina, agora uma mulher Entao, ela entregou a filha dela, recém-nascida, neta de Nelson, nas maos grossis ¢ calejadas. “Segurar um bebé recém-nascido, tio fragil e delicado em minhus mos tudes, maos que por tanto tempo seguraram apenas picaretas e enxadas, fl uma grande alegria. Acho que nenhum homem se sentiu mais feliz por segura uum bebé do que eu aquele dia.”® Acul: aS tribal de Mandela tinka uma tradicao que permitia que oav6 escolhes® hens wee a Ele escolheu Zaziwe, que significa esperanga. “O ae 3 cota aie eee ara mim, pois em todos aqueles anos de Deg Cae E - andonou. E agora nao me abandonaria jamais. ist A ae oy S crianga faria partede uma nova geracao de sul-africano’ pa ipartheid seria uma Jembranga distante, Fisse era meu sonho.” “English poems, cit, p. 155, Nelson MaxDria, Long walk to freedom, New York, Little, Brown, p. 495-5: Uma vida de fé Na época, Mandela havia cumprido menos da metade de sua senten seria liberto treze anos mais tarde. Contudo, esd a visio da esperanga — Zaziwe — 0 sustentou, Apesar de poucas evidéncias naquele momento, ele acreditava que a realidad do apartheid na Africa do Sul um dia desmoronaria. Chegaria um tempo, quer durante a existéncia dele, quer na vida da neta, em que haveria um novo tipo de justiga. A fé no futuro determinava seu presente. Até para os que, diferentemente de Mandela, nao vivem para coneretizar a esperanga nesta vida, a {é no futuro traz a esperanca da ressurreicao. Dallas Willard conta que conheceu uma mulher que se recusavaa falar sobre a vida aps a morte porque nao queria que seus filhos ficassem desapontados se a vida depois da morte niio existisse. Como Willard destaca, se a vida apés a morte nao existe, ninguém tera consciéncia para se sentir desapontado! Por outro lado, se ha vida apés a morte, nao deverfamos nos preparar para ela? Quando morava em Chicago, acompanhei a rapida deterioragio fisica de uma moga, membro da igreja, chamada Sabrina. Jovem, esguia, bela e clegante, Sabrina atrafa os olhos de todos os homens ¢ era invejada por todas as mulheres. Entio, um tumor cerebral inoperavel comecou nela a sua obra cruel. Todos os meses, nossa igreja tinha um momento de oracao por curas, e Sabrina com seu marido iama frente todas as vezes. Em pouco tempo, ela comecou a usar echarpes coloridas na cabega pata esconder os efeitos da quimioterapia. Logo depois, comegou a mancar, precisando de ajuda para conseguir andar pela fileira de bancos da igreja. Em seguida, ela perdeu o uso dos membros ¢ vinha a igreja em uma cadcira de rodas. Depois ficou cega ¢ confinada a cama. Quando o fim estava prdximo, nao podia mais falar ¢ comnicava-se piscando os olhos em Tesposta as perguntas de seu marido. Todo mundo que conhecia Sabrina clamava a Deus por ela. Os pastores a ungitam com 6leo. Queriamos um milagre € orivamos por isso. Sentimo-nos desamparados e zangados quagdo nossas oragdes ficaram sem resposta € observamos‘o inexonivel avanco da enfermidade. No enterro de Sabrina, realizado na mesmna igreja, parte dos presentes era da congregagto ¢ parte do local em que ela trabalhava. Suas colegas de trabalho ficaram olhando para os hindrios ¢ para a liturgia do programa como se estivessem escritos em lingua estrangeira. Nos, apesar dos antecedentes religiosos ou de fé, sentiamos dor e frustragaio pelo que havia acontecido a Sabrina. Mas seu marido, os pastores ¢ amigos da igreja também sentiam algo que era incompreensivel para os outros que estavam presentes: a esperanga de que a Vida de Sabrina nao havia realmente terminado, a esperanga de que um dia a verfamos de novo. 73 | © Deus (in)visivel 52”, perguntou Simao Pedro em um momento qe -onfusao. Suas palavras me tocam profundamente em todo funeral q que corsa Sema féna resurteigao,a fem um futuro akém do que conheceng a ultima palavra e proclama sua vitéria zombeteira, Um “vishumbrer mente nao acaba com as sombras, mas as banha em nova luz “Senhor, para quem iremo: comparego. Ser agora, amorte é da ressurreigao cert de esperanga Lao ToLstol, QUE SEMPRE ACRESCENTAVA uma ligdo de moral a suas historias, conclui o conto Three questions [Trés perguntas] da seguinte forma: “Lembres entio: hé apenas um momento importante — agoral BE o momento mais importante porque € 0 tinico sobre o qual temos algum poder”.!” Um registro da fidelidade de Deus no passado combina com a esperanga em um futuro melhor que abrange uma finalidade: preparar-nos para © presente, Como disse Tolstoi, nao temos controle sobre nenhum outro momento. O passado éimutavel, o futuro, imprevisivel. Podemos apenas levar a vida que esta diretamente a frente. Os cristdos fiéis oram: “Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu’,'! e entdo agem segundo a vontade de Deus — com amor, justiga, paz, miscricérdia, perdao — no presente, na terra. Aprendi a importincia do presente, por analogia, no processo da escrita, Se focalizar livros ¢ artigos escritos anteriormente, aborrecendo-me com meus fracassos c desfrutando de meus sucesyos, ou se me concentrar no futuro, preocupando-me com prazos € carregando 0 livro inteiro em minha cabega, ficarei paralisado no presente. Tenho de me dedicar a palavra e a frase diante de mim, no momento presente. Meus amigos que participam de grupos de reabilitagdo vivem segundo wn lcma indispensavel: “um dia de cada ver”. O historiador dos Aleodlatras Anonitmos intitulou seu livto Not-God {Ndo-Deus] porque, segundo ele, o-mais importante obsticulo que um dependente quimico tem pela frente € o reconhecimento 40 fundo da alma de que ele nao é Deus, Nenhuma tentativa de manipulagae rontrole, no que os alcodlatras sao especialistas, pode vencer a raiz. do problem® pelo contririo, o alcoslatra tem de reconhecer sua propria incapacidade e enttes#” « nas mos do Todo-Poderoso, “Em primeiro lugar, temos de parar de brincat¢ s Deus”, concluitam os fundadores dos AA, Depois, temos de permitir, com” Joao 6.68 Fables & fairy tales, New York, Signet Cle pedi ork, Signet Classics, 1962, p. 87. "Ap, Eest Kuntz, Not-God. tazelden Foundation, 199], », vii sey Tne a history of Alcoholics Anonymous, Center City, | Uma vida de fe e 0 proprio Deus “banque Deus” quo préprio Deus “banque Deus” em nosea vida, 0 que significa a submissio didria ou mesmo a cada momento Quandbo reflito sobre todaa minha Peregrinaga saudade dos momentos em espiritual, muitas vezes sinto sud que Deus parecia mais proximo. A fé, como descobri, niio é algo em que nos firmamos, habilidade que aprendemos € temos sob controle. Elaé como um dom de Deus, e é Preciso orar para recebé-la todos os dias, assim comio oramos pelo pao de cada dia, Uma amiga minha que softe de paralisia por causa de um acidente recorda seu ponto critico na fé relacionado a esse mesmo prinefpio. lla nfo podia enfrentar todaa vida paralisada, mas podia enfrentar um dia de cada vez, com a ajuda de Deus. A Biblia contém 365 mandamentos que dizem: “Nao tema”, a ordem mais repetida na Biblia, para nos lembrar diariamente que enfrentaremos dificuldades que podem naturalmente causar medo. “No amor nao ha medo”, escreve 0 apdstolo Joao, “ao contririo, o perfeito amor expulsa 9 medo...”."" Ele continua apontando para a fonte desse perfeito amor: “Nos amamos porque cle nos amou primeiro”.! Em outras palavras, a cura do medo nao é uma mudanga de circunstincias, mas um profirndo enraizamento no amor de Deus. Pego a Deus que revele seu amor diretamente a mim ou por meio de meu relacionamento com aqueles que também 0 conhecem — oracaoa que, acredito eur, Deusse deleita grandemente em atender. Quando fico deprimido por causa de meus fracassos atuais, pego a Deus que me lembre de minha verdadeira identidade: alguém que serd perfcito ¢ ja foi perdoadb. “Voce tem de ir mais fundo’, disse a freira a meu pastor esgotado. Faca 0 poco em um lencol Agua que nunca seque. ‘Thomas Merton concordava que tudo na vida da cidade moderna conspira contra tal submissao, Preocupamo-nos com dinheiro, com o que precisamos ter € saber, com quem competir ¢ com o que foge a nosso alcanee. No final, essa agitacdo, a que Merton chamou “neurose”, levowr-o a um mosteiro, Inigarem que finalmente encontrou tempo para a quietude € a meditagdo. Na realidade, a autobiografia de Merton relata o dia em que decidiu entrar para 0 mosteiro em vez de ir para o exército, Ele acreditava que em qualquer um dos caminhos se fosse o caminho que Deus desejava para cle. “Hé penas uma tristeza: desagrads-lo [...]."" encontraria a felicidade se apenas uma felicidade: agradé-lo. / ! Merton encontrou 0 segredo da verdadeira liberdade: se vivermos apenas para agradara Deus, libertamo-nos das preocupagGes € apreensGes que nos pressionam. preocupagoes esto relacionadas a outras pessoas: se atendo as Muitas de minha “VYodo 4.18. "Joao 4.19. ~, 37 here Merron, ‘The seven ston’ mountain, New York, Harcourt, Brace & Co., 1948, p. 370. 75 6 © Deus (in)visivel jas gostam de mim. Viver apenas para Deus Tequey sao de tudo que possa me desviar do alvo principal jue euragrade a Deus muito mais do que expectativas delas, se eli teorientacdo radical, a exclusao det que € agradara Deus. Viverna fé exige q Deus tenha de me agradar. oa Conhego um cirurgido que opera mao: especializado em costurar dedos pareja) ou completamente arrancados em acidentes. Quando cle Se la de cinargia, sabe que vai olhar fixamente em um microscépio de seis aoito horas, separandg ecosturando o emaranhado de nervos, tenddes e vasos sangitineos mais finos que fios de cabelo, Um simples erro, eo paciente pode perder para sempre movimentos ousensagdes. Ele nao pode fazer uma interrupgao para tomar um café ou mesmo, ir ao banheiro, Uma vez, meu amigo foi chamado para uma emergéncia as trés horas da manha e, com dificuldade, conseguiu enfrentar a perspectiva de iniciar um procedimento tao arduo. Para ganhar incentivo e concentracao, decidiu dedicar acirurgia aseu pai, que havia falecido recentemente, Nas horas que se seguiram, imaginow seu pai em pé a seu lado, com a mao sobre seu ombro, dando-the encorajamento. ‘\técnica funeionou tao bern que ele comecou a dedicar suas cirurgias a pessoas conhecidas. Ele telefonava para elas, com freqiiéncia acordando-as, e dizia: “Tenho uma tarefa muito dificil pela frente e gostaria de dedicar essa cirurgia a yoce, Se pensar em voce quando estiver trabalhando, vai me ajudara conclui-la”. Fi entio cle teve uma idéia: nao poderia oferecer sua vida a Deus da mesma forma? Os detalhes do que ele fazia cada dia — atendendo a telefonemas, contratando equipes, lendo jornais médicos, reunindo-se com pacientes, programando cirurgias — mudaram pouco, mas de alguma forma a conscientizagao de viver para Deis progressivamente iluminou cada uma daquelas tarefas mundanas. Ble passou4 tratar as enfermeiras com mais atencao € respeito, gastar mais tempo com os pacientes, preocupar-se menos com as finangas. Connect Cancura, Na inpia, lugar de pobreza, morte e problemas humane irremedidveis. L.4, as freiras treinadas por madre Teresa servem as pessoas My pobres ¢ miserdveis do planeta: moribundos recolhidos nas ruas de Caleuté 0 mundo fica boquiaberto diante da dedicacdo das inmas e dos resultados 4es* ministério, mas essas freiras tm uma coisa que me impressiona ainda 12" serenidade. Se enfrentasse um projeto tao assustador como esse, provavelimett ficaria correndo de um lado para outro, enviando fax para doadores, implorant ‘ pormais recursos, tomando tranqiiilizantes, agarrando-me a tudo que dimin meu desespero crescente. Mas ndo essas freiras, Ko A serenidade delas procede do que acontece antes de seu dia de t3bt comegar. Asquatro horas da manha, muito antes do nascer do sol, as irmasleva"™ Uma vida de fé se, acordadas por um sino e pelo chamado: “Vamos bendive sejam dadas.a Deus”, elas respondem. Ve idas com saris imaculadamente brane elas lotam a capela, onde se assentam no chao, 4 moda indiana, orate cnn juntas. Na parede da capela simples ha um erucfino com a ines ctece sede”, Antes de encontrarem Seu primeiro “cliente”, elas se ent ened ao amor de Deus. ea dee Nao velo panico nas irmas que dirigem o Lar dos Moribundos e Destituidos de Galeutd, Vejo preocupacao ¢ compaixao, mas nao obsessao pelo que precisa ser feito. Na realidade, logo no inicio de seu trabalho, madre ‘Teresa instituiua regra de que suas irmas reservem as quintas-feiras para a oragdo ¢ 0 descanso. Trabalho sempre existiré, mas, se nio descansarmos e orarmos, nao teremos condigé sdde executé-lo’,' explicou. As irmas nao estio trabalhando para cumprir uma félha cheia de consultas agendadas em uma agéncia do servico social. Estao trabalhando para Deus. Comecam o dia com ele e terminam o dia com ele, retornando a capela para as oragGes da noite; ¢ tudo o que acontece entre os dois momentos elas apresentam como oferta a Deus. Apenas Deus determina seu valor € mede seu sucesso. Quando a obra de vida de Inacio de Loyola foi ameacada, indagaram a ele o que faria se o papa Paulo w dissolvesse a Sociedade de Jesus, a qual havia dedicado sua energia e dons. Ele respondeu: “Eu oraria por quinze minutas e depc pensaria mais nisso”.” Nao pretendo fazer nada parecido com a atitude magistral de Indcio ou das freitas de madre Teresa. Admiro e até reverenicio a atitude deles e oro para um dia conseguir um pouco da santa simplicidade que cles incorporam. Por enquanto, tudo 0 que consigo é 0 processo didrio (e erritico até agora) de “centralizar” minha vida em Deus. Quero que minha vida seja integrada na verdadeira realidade de um Deus que sabe tudo a meu respeito ¢ deseja para mim apenas 0 bem. Que- ro considerar todas as distracdes de meu dia sob a perspectiva da etenidade. Quero me entregar a um Deus que possa me elevar acima da tirania de meu préprio ser. Nunca me libertarei do mal ou das distragdes, mas oro para que possa ser liberto da ansiedade e da inquietagao que se acumulam com eles. De manha, pego a graga de viver para Deus apenas; mas, quando 0 telefone toca e traz uma mensagem que abala meu ego ou quando abro a carta de um leitor revoltado, fico constrangido ¢ acabo retormando — nao, tropecando de volta — a um estado em que outras pessoas ou circunstincias determinam meu valor e minha serenidade. Percebo minha necessidade de transformagao ¢ sigo To Senhor”, “Gragas ao Ap. David Ankstan, Great souls, Nashville, Word, 1998, p 233. Ap, Alan Paton, Instrument of thy peace, New York, Seabury, 1968, p. 41 7

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