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Título: Práticas de cuidado na saúde pública brasileira: cartografando fronteiras e


controvérsias entre tradições orientais e tradições brasileiras em saúde.

Autores: Maria Aparecida dos Santos1; Márcia Moraes2 e Mariana Quinteiro 3


Resumo: Este artigo cartografa parte da rede da saúde pública brasileira, especialmente
o entrelaçamento das Praticas Integrativas e Complementares no uso prevalente das
práticas de origem oriental de saúde em detrimento à utilização das práticas de origem
cultural brasileira, dentro do Serviço Único de Saúde (SUS). Pergunta como se deu,
quais entrelaçamentos e por quais interesses subsistem? A abordagem utilizada para este
mergulho é inspirada na Teoria do Ator-Rede (TAR) a qual facilita seguir um actante na
rede, no entrelaçamento que se faz com os interesses a sua volta. Esta rede é
apresentada através de narrativas que tecem um caminhar das práticas de erveiros,
parteiras, acupunturistas, terapeutas e biomédicos do final da década de 1960 até os dias
atuais e aponta para momentos de controvérsias, lutas por espaços profissionais,
políticas públicas, pesquisas acadêmicas e vigorosos agenciamentos em saúde.

Palavras chaves: Praticas de saúde; Erveiros brasileiros; Pesquisa acadêmica; Políticas


pública.

A sabedoria vai passando de geração em geração. Os netos vão


aprendendo para repassar para seus filhos e assim por diante. Minha vó
passou para mim...eu passei para os filhos e os netos. Ela era parteira,
garrafeira e raizeira. Fazia remédio, garrafada e ensinou tudo o que sabe
[...] (Souza & Loureiro, 2012, Memória Oral e Troca Intergeracional: a
voz silenciosa de mateiros, erveiros e cultivadores do bairro do Sapê,
Niterói, Rio de Janeiro).

Fui criada com apreço ao conhecimento brasileiro sobre saúde. Minha


bisavó era parteira em Belém do Pará, recebeu todos os filhos de sua
filha em casa e por suas mãos; minha mãe quando menina teve crupe
(doença infectocontagiosa grave) e foi desenganada pelos médicos para
ser curada com embrocações (pinceladas direto na garganta e
amígdalas) de óleo de copaíba feitas pela avó [...] (M.A.S. , Niterói, Rio
de Janeiro).

1 Maria Aparecida dos Santos é graduada em Psicologia, Mestre em Psicologia Social pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro, doutoranda em Psicologia da Universidade Federal
Fluminense – RJ-Brasil (2012-2016), é pesquisadora técnica da Fiocruz desde 2012 e atua e
pesquisa as práticas naturais de saúde há trinta anos. Email: mariasantosiris2@gmail.com
2 Márcia Moraes é Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal Fluminense-RJ-Brasil, Coordenadora do Grupo de Pesquisa
‘PesquisarCom’ do CNPq e orientadora da Maria Aparecida dos Santos. Email:
mazamoraes@gmail.com
3 Mariana Martins da Costa Quinteiro é graduada em Biologia, Mestre Especialista em
Etnobotânica, Doutora em Etnobotânica e atualmente faz pós-doutoramento na Universidade
Rural do Estado do Rio de Janeiro – Brasil. Email: marianaquinteiro@gmail.com
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Este artigo cartografa uma rede, rastreando pistas de fronteiras e controvérsias 4 deixadas
pelas atividades de atores e destaca um recorte curioso/espantoso que vem acontecendo
no campo da saúde pública brasileira e que nos faz pensar em condições desafiantes.
Recentemente, produziu-se a entrada no Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS)5 das
Práticas Integrativas e Complementares (PICs), referidas a um grupo de novas terapias
que nos últimos vinte anos vêm sendo introduzidas na cultura urbana dos países latino-
americanos, sendo terapias derivadas de sistemas médicos complexos tradicionais que
têm sua própria racionalidade - seus próprios saberes e paradigmas - como a medicina
tradicional chinesa, a medicina ayurvédica, ou ainda a homeopatia (LUZ, 2005: 5). Tal
acontecimento se fez no intuito de dar uma resposta a demanda da Organização Mundial
de Saúde (OMS)6, no documento Estrategia de la OMS sobre medicina tradicional
2002-2005, de fortalecer o cuidado em saúde com saberes naturais, culturais e
tradicionais, mais próximos a sabedoria de cada povo, referenciadas como
[...] práticas, enfoques, conhecimentos e crenças sanitárias diversas
que incorporam medicinas baseadas em plantas, animais e/ou
minerais, terapias espirituais, técnicas manuais e exercícios aplicados
de forma individual ou em combinação para manter o bem-estar, além
de tratar, diagnosticar e prevenir as enfermidades (OMS, 2002: 7).

Neste caminho, no Brasil , em 2006, se implantou a portaria nº 971, do Ministério da


Saúde no documento denominado Política Nacional das Práticas Integrativas e
Complementares ( PNPICs)7. Nesta portaria, se estabeleceu e organizou quais práticas
naturais seriam implementadas nas policlínicas de assistência e atenção básica de
saúde, que foram: fitoterapia, homeopatia, termalismo social, antroposofia, medicina

4 As controvérsias proporcionam a esta análise recursos necessários para rastrear as conexões


sociais (Latour, 2012:53).
5 O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo.
Ele abrange desde o simples atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos, garantindo
acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país. Amparado por um conceito
ampliado de saúde, o SUS foi criado, em 1988 pela Constituição Federal Brasileira, para ser o
sistema de saúde dos mais de 180 milhões de brasileiros. Para entender o Sistema Único de
Saúde brasileiro SUS ver Paim (2009).
6 Estrategia de la OMS sobre medicina tradicional 2002-2005. Geneva: World Health
Organization; 2002. http://whqlibdoc.who.int/hq/2002/WHO_EDM_TRM_2002.1_spa.pdf
Consultado a 25/09/2014.
7 Ministério da Saúde. Portaria 971 Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde. Consultado a 24/09/2014.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt0971_03_05_2006.html
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chinesa e medicina ayurvédica. Atualmente, depara-se com a utilização e aplicação das


práticas oriundas de culturas orientais deixando de fora saberes e práticas de cuidado em
saúde constituintes da cultura brasileira como a cabocla, mestiça, caiçara, indígena e
caipira.
Como e quais interesses em rede perpassam esta controvérsia, em que o reconhecimento
da cultura de saúde de povos distantes se sobrepuja à sabedoria do povo da floresta
brasileira, ao ponto da primeira ser implantada nos serviços públicos de saúde nacional
e a segunda não?
Neste propósito, cartografar controvérsias 8 é seguir a complexidade do social no seu
estado magmático. Como a pedra em magma, o social é líquido e sólido , ao mesmo
tempo . Em magma, estados sólidos e líquidos existem em uma transformação mútua
incessante; enquanto , nas margens do fluxo, a lava arrefece e cristaliza , algum outro
sólido tocado pelo calor do fluxo derrete e se torna parte do fluxo . A mesma flutuação
entre diferentes estados de solidez pode ser observada nas controvérsias. Através desta
dinâmica o social é construído, desconstruído e reconstruído. Este é o social em ação e é
por isso que não temos outra escolha senão mergulhar no magma (apud, Venturini,
2010: 264).
Tal concepção de social, como verbo e não como substantivo ou adjetivo, remonta à
teoria ator-rede, em especial, às considerações de Latour (2012). Para este autor, a tarefa
da sociologia das associações é justamente a de seguir as associações entre elementos
heterogêneos que irão compor o social. Retomando o sentido etimológico de social –
como associação – Latour (2012) afirma o social como ação de agenciar, verbo a todo
momento em ação, desenhando o que conta e o que não conta no mundo em que
vivemos. Assim, neste trabalho, nos inspiramos na teoria ator-rede (TAR) (Latour,
2001), para seguirmos um actante9 - neste texto foi eleito o erveiro com os saberes da
floresta e as PICs - no entrelaçamento que se faz com as contingências a sua volta,

8 Sobre o assunto ‘cartografar controvérsias’ nos apoiamos nos escritos de Latour (2012),
Pereira (2010) e Venturini (2010).
9 Bruno Latour (2001) esclarece que, ator é tudo que age, deixa traço, produz efeito no mundo,
podendo se referir a pessoas, instituições, coisas, animais, objetos, máquinas. Ator não se refere
apenas aos humanos, mas também aos não humanos. Por esse motivo sugere o termo actante:
“[...] uma vez que, em inglês, a palavra actor (ator) se limita a humanos, utilizamos muitas
vezes actant , termo tomado à semiótica para incluir não- humanos na definição” (Latour, 2001:
346).
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mediante a nova proposta de integrar saberes mais populares aos cuidados em saúde
oficial.
Tal entrelaçamento acontece com os seguintes fios: das pesquisas acadêmicas nacionais;
das ‘visitas’ feitas por pesquisadores a erveiros da floresta; das construções de políticas
públicas sobre saúde, ervas e erveiros; da captura do conhecimento popular pela
indústria química e farmacêutica; dos controles de instituições ‘protetoras’ dos
‘desprotegidos’ humanos e não humanos, dos vivos e não vivos e muito mais. Sem
dúvida, uma extensa rede10 de relações e interesses se dá na criação de uma realidade
local, no caso, a saúde pública brasileira.
A saber, incrementando a caixa de ferramental metodológico que possibilita identificar e
cartografar esta rede, contamos com a participação dos estudos do Grupo de Pesquisas
‘PesquisarCom’11 coordenado pela professora Márcia Moraes, da Universidade Federal
Fluminense, o qual dialoga com autores da TAR, considerados [por alguns] como pós-
latourianos, tais como Annemarie Mol, Isabele Stengers, Vinciane Despret, John Law,
John Urry, Danna Haraway e outros que participam da idéia de pesquisar na ação, na
fronteira existente entre a prática e aquilo que se estabelece momentaneamente, como
no fluxo magmático. E olhar para o ‘como’ são transladados conhecimentos ao ponto de
algumas ideias ficarem evidentes e naturalizadas e outras invisibilizadas, esquecidas ou
atuadas à margem.
Apesar de muito já se ter escrito sobre as PICs no Brasil12, esta controversa questão
precisa ser analisada para que, usando uma metáfora latouriana, se abra a caixa-preta13
(Latour, 2000).

10 Rede para Latour (1997), está relacionada a fluxos, circulações e alianças, devendo ser
compreendida como lógica de conexões e agenciamentos.
11 O Grupo de Pesquisa “PesquisarCom”, primeiramente proposto pela Professora Márcia
Moraes da Universidade Federal Fluminense (UFF), da cidade de Niterói (RJ), Brasil, estuda o
caráter performativo das práticas nas fronteiras entre e ver e o não ver no caso dos deficientes
visuais (Moraes, 2010) e, entre o que conta e o que não conta como realidade no caso das
pesquisas em saúde, construídas a partir de certas práticas. Visa com isto, intervir em tais
fronteiras, movê-las, problematizá-las, repensá-las e fazer ploriferar novas versões de mundo.
12 Therezinha Madel Luz criou em 1991, no Instituto de Medicina Social da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro, o Grupo de Pesquisa do CNPq ‘Racionalidades Médicas’,
promovendo estudos sobre paradigmas, saberes e sistemas complexos tradicionais de saúde que
possuem sua própria racionalidade tais como: medicina chinesa, homeopatia, medicina
ayurvédica, entre outros. Desde então, foram inúmeros artigos indexados, livros, dissertações
de mestrado e teses de doutorado, elaborados sobre esta temática. Contato:
http://racionalidadesmedicas.pro.br/
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Se hoje, as terapias naturais estão oficialmente incorporadas ao sistema público de


saúde brasileiro, como uma complementaridade à biomedicina, isso não ocorreu sem
grande tensão e controvérsias. É um pouco desta história que queremos contar, não o
lado das pesquisas oficiais que falam de um contexto puro, linear, histórico, a tudo
justificado como pesquisa científica que apóia as demandas por políticas públicas, mas
sim, pelo lado de dentro da história, do lado mais impuro (Law, 2004)14, daquele que
sujou as mãos e o corpo inteiro nadando nestas águas turvas. De forma alguma será uma
história pelo viés queixoso, ou mesmo ressentida. O que se pretende é oferecer novas
versões (Despret, 2001), um olhar diferente, tomando como fio condutor as narrativas
de uma das autoras deste trabalho que fez o movimento contrário às pessoas que
publicaram sobre este assunto na academia. Ou seja, primeiro a formação das práticas
naturais de saberes sobre saúde não oficial; para depois entrar oficialmente na formação
acadêmica reconhecida como científica, para encontrar nesta fronteira as controvérsias,
os pontos de tensões, pontes de conexões, os momentos em que tudo parece dar certo e
os momentos onde tudo parece dar errado.
Pretende-se, assim, oferecer a narrativa daquela que foi terapeuta natural, que estudou
várias escolas não oficiais de terapias, de quem cuidou das pessoas e acumulou uma
experiência, de quem sofreu as pressões, viveu as tensões, evidenciou as controvérsias,
para depois entrar para a academia e “de dentro da barriga do mostro” (Haraway, 1995),
fazer deste assunto seu objeto de estudos não para reafirmá-lo como prática, mas sim,
para estudar como se constrói uma verdade científica, como algo que estava fora e
clandestino, se torna oficial e interessante para a academia. Se partimos de uma
narrativa não é no intuito de traçar a história de um “eu”, mas antes, como salientam
Despret e Stengers (2011) para articular um “nós”, isto é, para compor o campo da
saúde no Brasil com histórias que não são contadas nos documentos oficiais, mas que
são histórias de práticas efetivas, de ações de cuidado exercidas nas tensas fronteiras

13 ‘Caixa-preta’ é denominada por (Latour, 2000) como a transformação das indagações,


raciocínios e pensamentos em fatos científicos, que no processo, se tornam indiscutíveis,
eliminando as divergências e controvérsias. Escondendo as incertezas e pontos obscuros para
que algo tenha uma adesão universal.
14 A saber, John Law (2004), argumenta que na prática, a pesquisa precisa ser mais impura,
diversificada, mais variada. Isso porque é dessa maneira como a maior parte do mundo é. Pois,
há múltiplas versões sobre a mesma realidade, muitos termos heterogêneos que comportam as
fronteiras.
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entre a saúde considerada como oficial e o quê, de certo lugar, diz-se alternativo – ou,
como na nomenclatura atual, integrativo e complementar.
Como nos encontramos para escrever este artigo.
Em um dado momento, no doutoramento cursado por uma de nós, houve um encontro
com Mariana15, uma Etnobotânica16 começando o seu pós-doutorado em Biologia
interessada em continuar seus estudos sobre como os erveiros poderiam passar seus
ensinamentos adiante, uma vez que tais ensinamentos, transladados tradicionalmente na
família, estavam se perdendo.
Quando terminara seu doutorado, havia percebido que quando os filhos e sobrinhos dos
erveiros da Mata Atlântica seguiam os estudos formais, logo que acessavam a escola
formal, descredenciavam o saber popular e familiar sobre cuidados em saúde. Uma vez
que a cientificidade, descritas nos livros e cobrada nas provas escolares, indicava que
fora da visão biomédica o que existia era ignorância.
Ao mesmo tempo, Mariana e a doutoranda pesquisavam as terapias naturais e sua
implementação no serviço público de saúde. Isso fazia as autoras se interrogarem : por
quanto tempo o ensino formal vai continuar (des)informando os jovens quanto ao que
vale e ao que não vale como verdade em saúde? Quem decide e ao decidir, colonializa?
A quem se obedece quando se decide o que conta e o que não conta como saber
responsável, autorizável? Será possível transladar saberes culturais dos erveiros antes de
se extinguirem?
Aquelas dúvidas acessavam outras: por que, as terapias orientais estavam tão
fortemente nas policlínicas do SUS e não os saberes, por exemplo, dos erveiros da Mata
Atlântica ou da Mata Amazônica? Neste momento, Mariana se lembrou que no ultimo
congresso sobre as PICs que havia comparecido, o seu trabalho era o único que versava
sobre a prática nacional do cuidado em saúde; o restante todo era sobre as terapias
orientais de saúde.
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Dias mais tarde, em uma conversa com a doutoranda, realizada via skype , Mariana
estava angustiada com sua pesquisa de pós-doutoramento, pois, para falar com os
erveiros do alto da Mata Atlântica, teria que passar por tantos protocolos de ‘proteção’ à

15 Mariana Quinteiro uma das autoras.


16 A etnobotânica é o estudo para a investigação de sociedades humanas, passadas e presentes e
suas interações ecológicas, genéticas, evolutivas, simbólicas e culturais com as plantas
(Fonseca-Kruel e Peixoto, 2004).
17 Mariana vive em Visconde de Mauá na Mata Atlântica e Maria Aparecida vive em Niterói.
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mata e às pessoas dela consideradas ‘desprotegidas’ que já não estava certa se


conseguiria tempo propício para fazer a pesquisa. Estava desanimada. Esses assuntos
nos trouxeram a este texto. Isso provocou em nós escrever sobre essa controvérsia.
“Estou tendo dificuldades em dar continuidade ao trabalho de pesquisa.
Eles (academia) pediram para os informantes assinarem um monte de
papéis, mas a maioria nem sabe escrever, será um constrangimento. Eles
(erveiros) ficam super desconfiados. Os erveiros tem uma relação de
desconfiança com o pessoal que controla o parque, eles acham que sou
do parque.[...] Talvez as pessoas de fora tenham mais acesso ao
conhecimento da nossa medicina natural brasileira do que nós mesmos e
nós tenhamos mais acesso a medicina tradicional de fora...que coisa
mais difícil[...]” (M.Q., Visconde de Mauá, Rio de Janeiro. Divulgação
autorizada).
Para elucidar o que estava acontecendo era necessário entender de qual realidade
estávamos falando. Em seu livro Reagregando o Social, Latour afirma que as conexões
transformam os recursos em uma teia que parece se estender por toda parte (Latour,
2012: 294). Portanto, são os mediadores que performam uma realidade que não existia
antes, e nós pesquisadores, precisamos cartografar as conexões para conhecer uma
realidade, que nunca é dada à priori. A saber, política ontológica é uma expressão
utilizada por Mol (1999), bem como por Law e Urry (2003) para dar visibilidade a esta
versão de que a realidade não é dada de partida e tem relação com a forma como o
“real” está implicado no “político” e vice-versa. A combinação dos termos “ontologia”
e “política” sugere-nos que a realidade não precede às práticas banais nas quais
interagimos com ela, antes sendo modelada por estas práticas. Portanto, a realidade é
modelada pelas práticas, política é ação, processo de modelação; a pergunta é: como
interagem? Era isto que precisávamos saber fazer.
A importância do Brasil no panorama das práticas naturais de saúde
O Brasil pertence a uma minoria de países ditos megadiversos contando com,
aproximadamente, 200.000 espécies registradas (Funari & Ferro, 2005). Além dessa rica
biodiversidade, conta com rica diversidade étnica e cultual que detém um valioso
conhecimento tradicional associado ao uso de plantas medicinais e práticas naturais em
saúde.
Megadiversidade é o termo utilizado para designar a riqueza de países mais ricos em
biodiversidade do mundo. O número de plantas endêmicas – aquelas que só existem no
país e em nenhum outro lugar – é o critério principal para que ele seja considerado ‘de
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Megadiversidade’. Outros critérios são o número de espécies endêmicas em geral e o


número total de mamíferos, pássaros, répteis e anfíbios.
Campeão absoluto de biodiversidade terrestre, o Brasil concentra 55 mil espécies de
plantas superiores [22% de todas as que existem no mundo], muitas delas endêmicas;
524 espécies de mamíferos; mais de 3 mil espécies de peixes de água doce; entre 10 e
15 milhões de insetos [a grande maioria ainda por ser descrita]; e mais de 70 espécies de
psitacídeos: araras, papagaios e periquitos.
Quatro dos biomas mais ricos do planeta estão no Brasil: Mata Atlântica, Cerrado,
Amazônia e Pantanal. Infelizmente, correm sérios riscos. Muitas áreas mantêm apenas 3
a 8% do que existia inicialmente, como a Mata Atlântica, que hoje guarda 7% de sua
extensão original e o Cerrado, que possui apenas 20% de sua área ainda intocadas 18 .
Entretanto, a diversidade sociocultural brasileira se constitui uma “riqueza”, em que
pesem alguns exemplos de comunidades tradicionais como os povos indígenas, os
quilombolas, ribeirinho, caipiras, caiçaras, grupos extrativistas, entre outros.
Igualmente, diversas são as figuras dos curandeiros, parteiras, mateiros, erveiros e
benzedeiros, especialistas locais que recebem seus saberes de formas orais ou através de
contatos com o mundo que a ciência considera como mágico, simbólico e o repassam a
pessoas específicas, escolhidas, que nascem com ou adquirem esses saberes ao longo da
vida. Possuem intensa ligação com os recursos naturais locais, mais notadamente as
plantas, mas também os animais e minerais, sendo a própria natureza o meio primeiro
para o restabelecimento da saúde.
Mariana não entendia como esta riqueza estava desprestigiada na prática, no chão das
policlínicas, nos caminhos das pesquisas e nas dificuldades do pesquisador.
Na conversa que estabeleceu-se entre Mariana e uma de nós, mais experiente nos
caminhos das PICs e com mais idade, buscamos este entendimento contando-lhe
algumas histórias..
Do pessoal ao político
Como já salientado, narrar histórias deixa de ser da ordem do pessoal quando narramos
para fazer conexões com outras histórias, que atualizam um problema da ordem do
coletivo. Para a psicóloga belga Vinciane Despret (2001), fazer proliferar muitas

18 Fonte: Conservação Internacional Brasil, disponível em www.conservation.org.br, acesso em


09/09/2014.
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histórias pode abrir uma quantidade de significações e fazer divergir os sentidos.


Pesquisar nessas condições é produzir versões, por onde
Uma versão se conta, se propõe, entra em acordo ou desacordo com
outras; ela pode transformar, ela pode traduzir, ela pode ser negociada –
tornar às vezes negociável o inegociável. Ela se cultiva no mundo, faz o
mundo existir e se transforma na relação com o mundo (Viégas &
Tssalis, 2011:301).
Assim, na contramão de uma certa concepção de ciência, e de escrita acadêmica,
marcadas por uma concepção de conhecimento iluminista, Despret e Stengers (2011)
afirmam que o conhecimento científico é um dos modos de povoar o mundo, isto é, as
narrativas científicas são narrativas que compõem o mundo em que vivemos. Torna-las
mais ricas, mais densas, mais interessantes é para as autoras a tarefa de um
conhecimento que se afirma como local e situado. A proliferação das versões é uma
ferramenta que nos permite colocar em xeque a história única, isto é, aquela que se
escreve com a gramática de uma racionalidade iluminista que opera separando,
cortando, purificando (Latour, 1997, 2000, 2001). Na perspectiva das autoras – com a
qual nos afinamos – o conhecimento opera produzindo conexões, associações, fazendo
existir certas realidades, tornando mais denso e rico o mundo. A escrita acadêmica,
científica, é pois, uma forma de ação política, é uma forma de compor o nosso mundo 19
(Despret e Stengers, 2011).
Uma das autoras deste artigo, M.A.S., estuda e atua como terapeuta das práticas naturais
de saúde desde a década de 1970. Neste processo, da década de 1970 aos dias de hoje,
passou por diversos fluxos de consolidação e dissolução destas práticas e percebeu os
entrelaçamentos, usos e influências destas práticas com as áreas da saúde biomédica.
Desde menina conviveu com as histórias da bisavó materna, aquela parteira de Belém
do Pará da epígrafe que dá início ao texto, bem como as histórias da bisavó paterna
cabocla da cidade de Goiás Velho [terra da sábia poetiza Cora Coralina], senhora que
em certo momento da velhice escolheu viver sozinha no silêncio de uma casinha à beira
do Rio Araguaia, acocorada, pitando seu cigarro de palha e cuidando das pessoas que a
procuravam, com sabedoria e com as ervas.

19 Nas linhas que se seguem o texto estará escrito, em boa parte, na primeira pessoa do
singular justamente porque a história será narrada a partir do percurso de uma das autoras
deste trabalho.
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Tais entrelaçamentos produziram histórias confusas, tanto no que se refere à promoção


das práticas naturais de atendimento alternativo a biomedicina, como na
desmoralização deste tipo de cuidado.
Ao final da década de 1960 e início da década de 1970, quando o público buscava as
terapêuticas naturais influenciadas pela idéia de uma vida mais integrada à natureza, ao
equilíbrio da energia, aos cuidados mais simples porém eficazes, éramos marcados pelo
período de ditadura civil-militar no Brasil. Naquele momento, na minha família
tínhamos um médico e minha avó fazia a vez de enfermeira dele. Era bem engraçado,
pois o que acontecia na minha família era o que acontecia no Brasil: existia um
conhecimento de cultura nacional sobre saúde, inegavelmente forte e bem sucedido nos
seus efeitos terapêuticos. Por outro lado, meu tio médico também trazia para seu campo
os aprendizados do momento, ou seja, a acupuntura, a hipnose, a ortomolecular da Dra.
Aslan. Ele treinava comigo estas práticas. Às vezes fazia demonstrações em família dos
poderes da hipnose e me fazia inclinar para frente, até a um ângulo provavelmente
impossível de estabilidade. Outras vezes, aplicada agulhas de acupuntura em mim e
mostrava para o meu pai [que temia], como aquilo não doía. Em outros momentos
recebi injeções de polivitamínicos, antibióticos e aqueles recursos da biomedicina que
ele também fazia. O meu tio era um médico multifário, complexo ou era confuso?
Assim era o Brasil, naquela época. Possuía uma imensa sabedoria popular de saúde que
havia dele cuidado até aquele momento e, estava em mudança para o desenvolvimento
que contava com a industrialização dos medicamentos e insumos para esta ‘evolução’
do rótulo do que era considerado como científico.
Nós morávamos em São Paulo, na capital, recheada de novidades e uma delas era a
acupuntura, passada de mestre para discípulo oralmente e, a cidade estava cheia deles.
Mestres oriundos da grande imigração chinesa, japonesa e coreana, fugidos das misérias
do pós-guerra e vendo no Brasil um bom lugar para tudo acontecer. Esses imigrantes
trouxeram e mantiveram fortemente a sua maneira e cosmovisão de saúde e
conseguiram transladar seus conhecimentos para os nacionais.
Entretanto, cada vez mais, era tido como moderno e superior usar medicamentos da
indústria farmacêutica com influências européia e norte-americana. As marcas do
colonialismo se refaziam na demonstração de como a ciência do norte era séria e culta,
separando e impondo um saber fazer de práticas de saúde, onde cada vez mais a imagem
11

do caboclo, do índio, do negro, do caipira estaria vinculada à crendice e ignorância. O


que há de específico na dimensão do colonialismo é a violência apresentada na ideia da
inferioridade do outro (Santos, 2006). Desta maneira, os saberes da cultura nacional
ficariam guardados em casa, nas zonas rurais, nas beiras dos rios e nas matas. As
pessoas que ousavam atender eram tomadas como charlatães, enganadores do povo.
A década de 1980 foi marcada por longos períodos de aprendizagem sobre as práticas de
conhecer e cuidar do corpo inseparado da natureza. O corpo humano vivo inseparado
dos elementos da natureza não vivo. Fazia-se conexão com a terra em cataplasmas, com
as águas em banhos, com as árvores [quem nunca abraçou ou quis abraçar um Jequitibá
centenário?]. Com as ervas aprendendo sobre garrafadas, unguentos e chás; com os
cristais desbloqueando os chakras; com a acupuntura e a energia fluida dos meridianos,
com as benzeduras e impostação das mãos para fazer circular a energia do corpo.
Estávamos muito envolvidos em captar e resgatar estes conhecimentos.
Na década de 1990 fui morar em Colatina, no interior do estado do Espírito Santo. Fui
para aquele local por conta de uma transferência de trabalho do meu marido. Ao me
instalar, com o passar do tempo, iniciei atendimentos em um pequeno consultório de
terapias naturais. Ao passar de pouco mais de um ano, estava ocupando um andar inteiro
de um prédio e trazia da capital [Vitória] profissionais para práticas de Yoga, Tai-Chi-
Chuan, meditação, palestras sobre os benefícios da homeopatia. Não tardou para saber
que o pároco da cidade estava alertando aos fiéis [muitos deles meus clientes] sobre
uma mulher que estava trazendo novas seitas para o local e que aquilo era deveras
perigoso. Foi um tempo muito curioso, em que os embates aconteciam publicamente
nos jornais, rádios e revistas. Por vezes, mostrando como a meditação, o Tai-Chi-Chuan,
a Yoga traziam benefícios para a saúde de estudantes e trabalhadores. Por outras vezes,
tais elogios se contrapunham a um forte lobby da classe biomédica que anunciava em
veículos publicitários, revistas populares e televisão a charlatanização dos terapeutas e
destas práticas. Ao final de três anos de rica atividade e grandes debates a cidade
contava com uma farmácia homeopática, uma loja de produtos naturais e dois médicos
especialistas em homeopatia. Muitos anos mais tarde, em um congresso sobre terapias
naturais e acupuntura, no Rio de Janeiro, encontrei-me com um casal que haviam sido
meus clientes em Colatina e os dois estavam naquele congresso porque haviam
escolhido ser acupuntores e terapeutas naturais e que atuavam naquela cidade.
12

Com o passar do tempo, em outro momento, na década de 2000, estava atuando na


Pousada do Rio Quente, em Goiás, na região central do país, com prestação de serviços
na clínica Biomassagem de serviços e terapias naturais (massagens, iridologia, florais de
Bach, cataplasmas, orientações do uso dos banhos termais e orientação sobre sucos
terapêuticos). Recebia algumas visitas de representantes do Conselho Regional de
Medicina (CRM) de Goiás com ameaças sobre o que fazia como prática. Naquele
momento, ocorria um enfrentamento bem tenso entre a medicina e os praticantes não
médicos da acupuntura, em todo o Brasil. No interior de Goiás não era diferente. Os
representantes do CRM ameaçavam: “A senhora está fazendo uma prática proibida,
clandestina de falsa medicina. Apenas médicos podem fazer acupuntura. A senhora
pode ser presa.” . Eu naquele momento telefonava para São Paulo e pedia orientações
legais para lidar com aquela interferência e baseada no aconselhamento respondia:
“Pois os senhores ponham-se daqui para fora e me processem. Não existe legislação
sobre acupuntura. Ela não pertence à Biomedicina, nem a nenhuma classe. É uma
prática livre”. Os homens iam embora, para voltarem em menos de um ano para uma
nova tentativa de constranger e charlatanizar tais práticas. Aquelas ameaças
representavam outra coisa: a medicina estava querendo a prática da acupuntura como
exclusividade para a sua classe. Não obstante, ainda naquele local, enfrentei a
tensão/intenção de um médico do posto de emergência da Pousada do Rio Quente,
percebendo a intensa movimentação de pessoas/clientes na Biomassagem, quis tomar a
clínica para si.
Assim como, de tempos em tempos naquela década, o Ato Médico 20 ressurgia e se
reforçava, reivindicando para a classe médica os espaços terapêuticos. O Ato Médico foi
e ainda é um movimento da biomedicina que obriga a presença do médico na
acupuntura e em todas as outras formas de terapia. Tal evento continua se atualizando.
A tensão vem desde 2001 quando o Conselho Federal de Medicina (CFM) pediu à
Justiça a anulação de resoluções que autorizavam enfermeiros, psicólogos,
fonoaudiólogos, farmacêuticos e fisioterapeutas a praticar acupuntura. O CFM defendeu
e defende ainda hoje, que a acupuntura é usada para tratar dores que precisam ser
diagnosticadas, atividade exclusiva dos médicos.

20 Lei do Ato Médico atualizada em 2013. Consultado a 24/09/2014.


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12842.htm
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A grande controvérsia que aquece neste caso aparece quando se pergunta: Qual é a base
do diagnóstico que está sendo discutido e postulado? Qual é a ontologia e racionalidade
médica que faz o diagnóstico da acupuntura: biomédica ou energética? Se, o diagnóstico
parte de cosmovisão totalmente diferentes, a biomedicina não possui aptidão para fazer
diagnóstico da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) a não ser que o médico se torne
especialista na MTC. E, para fazer isto, seguindo a tradição do conhecimento ontológico
destes saberes [o Tao], o médico precisa antes de tudo, se despir dos conceitos que
embasam a biomedicina, para então pensar de outro jeito, por outras versões de saúde.
Notadamente é algo muito difícil e angustiante para o profissional que parte para este
desafio de atravessar uma fronteira e rumar para o desconhecido. Deste modo, não há
como não reconhecer uma grande controvérsia nestas justificativas e lutas judiciais de
mais de dez anos.
No ano de 2012, outra luta jurídica foi travada entre os conselhos de medicina e de
farmácia e o resultado foi:
[...] Em primeiro lugar, não existe lei determinando que a acupuntura é
um ato privativo do médico. Em segundo, o Código Brasileiro de
Ocupação prevê a figura do médico acupunturista, ou seja, a medicina
também pode exercer a atividade. Em terceiro, o Ministério da Saúde,
por meio da Portaria 971/06, que trata da Política Nacional de Práticas
Integrativas e Complementares do SUS, inclui a acupuntura, SEM
restrição profissional. E por fim, é preciso esclarecer que a recente
decisão do TRF (1ª Região) não abrange os termos da Resolução nº
516/09, do CFF, que define os aspectos técnicos do exercício da
acupuntura na Medicina Tradicional Chinesa como especialidade do
farmacêutico, disse Walter Jorge João, Presidente do CFF. (Conselhos
profissionais da saúde recorrem ao Ato Médico. Consultado a
24/09/2014. http://www.fenafar.org.br/portal/emprego-e-trabalho/66-
emprego-e-trabalho/1477-conselhos-de-farmacia-e-fisioterapia-vao-
recorrer-de-decisao-que-da-aos-medicos-exclusividade-no-exercicio-da-
acupuntura.html ).

Desta maneira, observamos que as apelações civis sobre o exercício profissional da


atividade de acupuntura no Brasil, desde o ano de 2001 até os dias de hoje, vêm caindo
na mesma sentença.
Diante deste forte embate entre conselhos profissionais de especialistas vindos de
formação acadêmica, outra controversa questão aparece neste tema: sobre o que
acontece com os terapeutas naturais anteriores aos especialistas? Aquele conhecedor de
instruções passadas oralmente de forma familiar, bem como aqueles terapeutas que
estudaram por anos a fio, interessados em um conhecimento abundante para a aquisição
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e manutenção da saúde sem artificialidade? Se, esta tomada para si das terapias naturais
por profissionais formados academicamente não seria uma forma de excluir os
terapeutas não acadêmicos? A quem interessava esta organização das terapias naturais
em compartimentos acadêmicos?
Considerações finais
Dando final a estas histórias por nós contadas, percebemos que as respostas às nossas
questões colocadas neste texto não são tão obvias, mas apontam para linhas que
formam esta rede de saúde. As pessoas estão aos poucos retornando aos cuidados mais
naturais de saúde, uma vez que a medicalização com seus efeitos colaterais não tem
trazido saúde e sim muita dependência a medicamentos que nutrem doenças crônicas,
ou seja, o mal estar difuso continua (Luz, 2005). Não é incomum ver a população
buscando se cuidar mais naturalmente, ou mesmo melhorar seu contato com a natureza,
respirar, meditar, receber uma benzedura, uma energização com impostação das mãos e
buscar os terapeutas naturais e acupunturistas.
No serviço público de saúde as PICs ainda dependem de quem está na gestão. Se for um
adepto à idéia de práticas complementares à biomedicina ou se for um adepto ao Ato
Médico. Isso irá dizer o que pode e o que não pode ser feito dentro da policlínica na sua
gestão ou mesmo terá poder de desfazer serviços que antes eram oferecidos à
população. Sendo assim, o campo da saúde no Brasil, com suas diferentes versões de
cuidado e saude, é uma tensão permanente, desde a década de 1970 até os dias atuais.
No entanto, esta tensão mostra que a rede é performada por vários atores e entre eles
estão os erveiros, os mateiros, as parteiras, os acupunturistas, médicos e não médicos
todos enredados nas políticas públicas de saúde que entremeiam a realidade e a fazem
existir.
As controvérsias não são um mero aborrecimento a evitar, e sim aquilo que permite ao
social estabelecer-se. Os fluxos, conexões e agenciamentos são bem mais complexos do
que conseguimos mostrar. Porém, a partir destas evidências da agregação do social em
torno das PICs, das práticas orientais e das práticas brasileiras de saúde formando redes
e realidades como políticas ontológicas, pudemos mostrar como são momentâneos,
interrompidos, embaraçados, confusos, desviados pelas incertezas e espantos, assim
como o material do magma mencionado no início do texto.
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Assim, o que nos interessou neste texto foi mostrar que é controversa a integração e
complementaridade presentes no nome que se dá oficialmente às práticas de saúde que
passaram a integrar o Sistema Único de Saúde no Brasil. O que se faz presente neste
campo é o embate, a controvérsia por versões de cuidado e de saúde que ora se
articulam ora se sobrepõem, ora uma faz calar a outra. São realidades ainda em disputa.
Há que ser sublinhado que não há universalidade que não tenha sido tecida em algum
local, ou seja, nas palavras de Latour (2012), o global é necessariamente local. Um
local que foi transladado para muitos outros locais, deixando na sombra as suas
condições de produção. E mais do que isso, via de regra, este global, escrito com a
sintaxe da colonização, não cessa de alterizar e exotizar o que lhe é estranho e exterior.
É pois necessário habitar a controvérsia que aí se instala, é necessário entrar no jogo da
política ontológica para redesenhar, de forma mais democrática, o que conta como
saúde e cuidado no Brasi.
Referências
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