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ARTIGO ARTICLE 1243

Processo de trabalho e riscos para


a saúde dos trabalhadores em uma
indústria de cimento

Fátima Sueli Neto Ribeiro 1 The work process and occupational


Simone Oliveira 2
Marcelo Moreno dos Reis 3
health risks in a cement factory
Célia Regina Sousa da Silva 4
Marco Antônio Carneiro Menezes 2
Ana Elisa Xavier de Oliveira e Dias 2

Josino Costa Moreira 2


Gisele Sayuri Kuryiama 2

1 Programa de Saúde do Abstract The authors evaluate the work process and its effect on workers’ health in a cement
Trabalhador, Secretaria
factory in the State of Rio de Janeiro. The interactive methodology consisted of different ap-
de Estado de Saúde.
Rua México 128, 4 o andar, proaches to assessing the workplace through the incorporation of various institutions working
Rio de Janeiro, RJ in the field of Workers’ Health, professionals from different backgrounds, and the trade union,
20031-142, Brasil.
2 Centro de Estudos da Saúde
valorizing the workers’ experience and actively contributing to the surveillance process under
do Trabalhador e Ecologia the Unified National Health System (SUS). Levels of particulate matter and noise were mea-
Humana, Escola Nacional sured. The mean level of free crystalline silica in the particulate matter was 2%, resulting in a
de Saúde Pública,
tolerance limit as specified under Brazilian legislation (NR-15), or 2.0mg/m3. The concentration
Fundação Oswaldo Cruz.
Rua Leopoldo Bulhões 1480, of particles both in samples collected in the workers’ respiratory zone and in area samples varied
Rio de Janeiro, RJ from 3.59 to 52.44mg/m3. Noise varied from 83dB to 110dB. The majority of the values were high-
21040-210, Brasil.
3 Secretaria Municipal de er than the maximum limits set by Brazilian legislation. These results, together with the opin-
Saúde de Volta Redonda. ions expressed by the workers themselves, showed an unhealthy workplace and work process,
Rua 566 31, Volta Redonda, RJ placing the workers’ health at risk.
27091-390, Brasil.
4 Departamento de Key words Ocupational Health; Particles; Cement Industry; Occupational Noise
Físico-Química, Instituto
de Química, Universidade Resumo A avaliação do processo de trabalho sobre a saúde de trabalhadores de uma fábrica de
Federal do Rio de Janeiro.
Centro de Tecnologia, cimento, localizada no Estado do Rio de Janeiro, é relatada. A metodologia interativa utilizada,
Bloco A, sala 408, constou de distintas formas de avaliação do ambiente de trabalho através da incorporação de
Cidade Universitária,
várias instituições, com atribuição na área de Saúde do Trabalhador, de técnicos de diversas for-
Rio de Janeiro, RJ
21949-900, Brasil. mações, do sindicato e da valorização da experiência do trabalhador, contribuindo ativamente
no processo de vigilância do SUS. Os níveis de material particulado e de ruído foram medidos. O
porcentual médio de sílica livre cristalina encontrado no material particulado, foi de 2%, o que
resultou em um limite de tolerância, determinado como especificado na Legislação Brasileira
(NR-15), de 2,0mg/m 3 . A concentração de partículas, tanto em amostras coletadas em nível da
zona respiratória dos trabalhadores, quanto às amostras de área, variou de 3,59 a 52,44mg/m3, o
nível de ruído situou-se entre 83dB e 110dB. A maioria dos valores encontrados superam o valor
limite estabelecido pela Legislação Brasileira. Esses resultados, somados ao registro do olhar dos
trabalhadores, revelaram um ambiente e processo de trabalho insalubre, colocando em risco a
saúde dos operários.
Palavras-chave Saúde Ocupacional; Material Particulado; Indústria do Cimento; Ruído Ocu-
pacional

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1244 RIBEIRO, F. S. N. et al.

Introdução à possibilidade de exposição de trabalhadores


a material particulado devido ao fato de traba-
A introdução de inovações tecnológicas e orga- lharem com material sólido, onde a possibili-
nizacionais nos processos de trabalho, têm tra- dade de geração de poeiras é elevada, expondo
zido uma maior complexidade às relações pro- o trabalhador a riscos. Outra característica da
dutivas, bem como ao seu entendimento. No exposição ao cimento, é que não restringe-se
Brasil, a heterogeneidade dos processos de mu- aos muros das fábricas, atingindo especial-
dança, observada nos vários setores industriais mente os trabalhadores da construção civil, e
nos últimos anos e, às vezes, dentro de uma também o fato de que, dependendo do proces-
mesma unidade industrial, exige para o seu en- so produtivo, outras substâncias como por
tendimento, a adoção de uma abordagem mul- exemplo, metais, podem estar presente no pro-
tidisciplinar adequada à esta realidade. duto final, como destaca o relatório técnico so-
Tradicionalmente, os estudos realizados pa- bre as indústrias cimenteiras de Cantagalo (Rio
ra a compreensão da relação processo de tra- de Janeiro), realizado por uma equipe do Cen-
balho e saúde, se fundamentam em práticas tro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Eco-
convencionais da Medicina do Trabalho e da logia Humana (CESTEH, 2000). No entanto,
Engenharia de Segurança, onde o entendimen- pouco se conhece da realidade das indústrias
to dessa relação é resultante exclusiva da ação brasileiras de cimento, pois, é pequeno o nú-
isolada de agentes patogênicos sobre o corpo mero de estudos disponíveis na literatura (San-
do trabalhador ou, no máximo, pela multiplici- tos, 1997). Alguns estudos internacionais, indi-
dade e interação de grupos de agentes em que cam uma alta correlação entre o nível de expo-
a ênfase é voltada para a proteção “contra” os sição ao material particulado e doenças respira-
riscos (Vasconcellos, 1994). tórias dos trabalhadores (Alvear-galindo, 1999;
Essa abordagem limitada encobre os con- Vestbo, 1990; Yang, 1996).
flitos das relações sociais existentes nos pro-
cessos de trabalho. A apreensão dessa dinâmi-
ca social é fundamental para um enfoque glo- Material e métodos
bal do processo de trabalho e o processo de
desgaste dele decorrente, que impõem aos tra- No intuito de contemplar as muitas questões
balhadores uma série de riscos provenientes presentes no trabalho, as ações de Vigilância,
das relações sociais de produção, Tambellini desenvolvidas pelo Sistema Único de Saúde –
(1988). SUS/Rio de Janeiro, vêm construindo uma me-
Neste contexto, investigar a saúde dos traba- todologia de intervenção interativa. Tal inter-
lhadores é condição sine qua non para a cons- venção, sob o horizonte da mudança tecnoló-
trução de um novo modo de entendimento e gica e/ou da reorganização do processo de tra-
análise do binômio saúde-doença coletiva en- balho, busca dar conta dos princípios de ações
quanto processo social (Laurell & Noriega, 1989) interdisciplinares e pluriinstitucionais, contan-
É a partir dessa perspectiva, que o trabalho do com a participação da representação dos tra-
de Vigilância em Saúde do Trabalhador deve balhadores em todas as etapas (Ribeiro, 1996).
utilizar metodologias interativas capazes de A ação da vigilância se inicia a partir de
identificar e compreender os problemas de uma denúncia do Sindicato dos Trabalhadores
saúde dos trabalhadores, bem como o desen- da Indústria da Construção Civil de Volta Re-
volvimento e a implementação de ações que donda/Rio de Janeiro, com relação às condi-
objetivem a transformação dos ambientes in- ções nocivas de trabalho na indústria de cimen-
salubres e perigosos de trabalho. Em geral, o to. Para a realização da ação, através do Conse-
entendimento desses problemas exige uma ar- lho Estadual de Saúde do Trabalhador do Rio
ticulação complexa, envolvendo conhecimen- de Janeiro (CONSEST), associaram-se aos Pro-
tos interdisciplinares e que não pode desprezar gramas de Saúde do Trabalhador (PSTs) o CES-
o saber operário, sistematizado a partir do re- TEH/Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), a
gistro do olhar dos trabalhadores sobre seu Faculdade de Psicologia da Universidade Fede-
ambiente e sua percepção de adoecimento, de ral Fluminense (UFF), a Comissão Estadual de
risco e de acidentes. Assim, é necessário cons- Pneumopatia Ocupacional do Rio de Janeiro e a
truir-se uma metodologia de intervenção inte- Universidade Federal do Rio de Janeiro.
rativa, que conte com a participação dos traba- A fábrica de cimento estudada, localiza-se
lhadores em todas as suas etapas (Vasconcelos numa área densamente povoada do município
& Ribeiro, 1997). de Volta Redonda, região do Médio Paraíba do
A indústria de produção de cimento é poten- Estado do Rio de Janeiro, conta com 134 traba-
cialmente, uma das mais preocupantes quanto lhadores, sendo que 38 trabalham na adminis-

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TRABALHO E RISCO PARA TRABALHADORES DE INDÚSTRIAS DE CIMENTO 1245

tração, incluindo 4 mulheres, 29 na manuten- ra respirável, que é expresso em número de


ção e 67 na produção. contagens por minuto.
A ação de vigilância efetivou-se em três mo- Para a determinação do nível de ruído utili-
mentos, a saber: zou-se um medidor do nível de som modelo
1) O primeiro momento, consistiu no reco- La-220S (ONO SOKKI).
nhecimento técnico das condições de trabalho A determinação da massa de poeira mine-
e de controle da saúde dos trabalhadores, rea- ral coletada em cada papel de filtro foi feita por
lizados pela empresa, através de inspeções téc- gravimetria. Dividindo-se a massa encontrada
nicas mensais, realizadas pelos técnicos da Se- pelo volume de ar amostrado, foi obtida a den-
cretaria de Estado de Saúde (SES) e da Secreta- sidade de massa de poeira, expressa em mg/m3.
ria Municipal de Saúde (SMS), pelas institui- As amostras coletadas também foram analisa-
ções que acompanham a Câmara Técnica da das pela técnica de difração de raios-X, permi-
Construção Civil do CONSEST, o CESTEH/FIO- tindo assim, que o porcentual de sílica livre
CRUZ, além de diversas assessorias incorpora- cristalina contido na poeira fosse quantificado.
das em várias fases da avaliação, tais como a 3) Registro da percepção dos trabalhadores
Comissão Estadual de Pneumopatia Ocupacio- a cerca das condições, do processo de trabalho
nal e a Faculdade de Psicologia da UFF. Em to- e dos riscos dele decorrentes. Esta etapa foi fei-
dos os momentos o sindicato participou do ta através da aplicação de um questionário,
processo. Para o registro das informações foi contendo tanto questões que envolviam respos-
utilizado, além dos relatórios individuais, as in- tas diretas (questões fechadas), quanto ques-
formações prestadas pela empresa por meio de tões abertas que permitiam uma maior flexibi-
preenchimento do documento Declaração do lidade nas respostas e na análise dos dados co-
Processo de Produção Relacionado às Ques- letados.
tões de Saúde e Meio Ambiente (DEPRO), ins- Essa etapa do processo de vigilância é fun-
trumento de registro de dados epidemiológi- damental, pois além da incorporação da pers-
cos utilizado pela SES/Rio de Janeiro. pectiva dos trabalhadores, fornece subsídios
2) Mensuração dos riscos, através da deter- para um diagnóstico situacional da organiza-
minação da concentração de poeira mineral ção do trabalho e das condições ambientais da
presente no ambiente de trabalho e pela deter- empresa. O questionário foi aplicado em 66
minação do nível de ruído. Foram empregadas trabalhadores, destes 75% funcionários da Em-
as metodologias recomendadas pelo Ministé- presa de Cimento e 25% de empresas contrata-
rio do Trabalho do Japão, ( Japan Association das por esta (empreiteiras).
for Working Environment Measurement, 1991) A amostra utilizada para fins de aplicação
e pelo Ministério do Trabalho do Brasil, (Minis- do questionário, não se prendeu a parâmetros
tério do Trabalho, 1996). Duas formas de amos- de seleção estatística, mas visou registrar o má-
tragem foram realizadas para a avaliação da ximo de impressões no dia em que foi aplica-
concentração de poeira mineral: a amostragem do, contando com a relação de confiança, já
individual (Soto et al., 1990), feita com Airchek conquistada pelas sucessivas visitas da equipe
Sampler model 224-PCXR4 da SKC com fluxo de inspeção, e incluiu os trabalhadores dos três
constante de 1,9 L/min e a amostragem de área turnos.
adotada pela Japan Industrial and Health Asso-
ciation – JISHA (1985). Nesse caso, foram em-
pregados três sistemas diferentes: (1) coleta Resultados
realizada com bomba Sibata, modelo IP-20T,
com fluxo constante de 15L/min, acoplada a A interpretação dos resultados, foi feita conco-
um seletor do tamanho das partículas do tipo mitantemente com o entendimento geral do
multi-estágios (amostrador HE-horizontal elu- processo de produção utilizado por essa em-
triator), que permite a coleta de poeira respirá- presa, cuja organização é mostrada, em linhas
vel sobre papel de filtro T60A20; (2) coleta feita gerais, na Figura 1.
com Bomba Sibata, modelo IP-20T, com fluxo Além do calcário e da argila, materiais bási-
constante de 20L/min, acoplada a um amos- cos utilizados na produção de cimento, esta
trador de poeira Roken TR (TR-Total and Res- empresa utiliza também no seu processo de fa-
pirable), no qual a poeira respirável é coletada bricação, a escória siderúrgica e o gesso.
sobre papel de filtro T60A20 e a não respirável O gesso é adicionado à mistura pois atua
sobre uma placa de acrílico recoberta com sili- como regulador do tempo de endurecimento.
cone (Kimura, 1978a, 1978b); (3) Contador di- A escória adicionada ao cimento, serve para di-
gital de partículas Sibata, modelo P-5H (Dust minuir o calor de hidratação e confere maior
Indicator P-5H), para avaliação do nível de poei- resistência. Esta peculiaridade difere a empre-

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Figura 1

Diagrama esquemático do processo de produção de cimento utilizado em Volta Redonda, Rio de Janeiro.

Depósito de Ensacagem Produto final


Moinhos Silos de cimento

v
matérias-primas v Carregamento ensacado

sa estudada das demais indústrias típicas deste de carregamento dos caminhões transportado-
setor. res. Essa operação é executada por dois traba-
As matérias primas são transportadas atra- lhadores, sendo um responsável pelo controle
vés de uma ponte rolante, dos galpões de de- das mesas transportadoras e o outro pelo ajus-
pósito até o local onde é feita a moagem. Esta te dos sacos nas carrocerias. O operador ajusta
ponte é dotada de comandos elétricos e opera- o saco de cimento apoiando-o com a coxa e
da por quatro operários, que trabalham em deixando-o tombar pela ação da gravidade,
turnos diferenciados de seis horas diárias. De- formando assim, pilhas nos caminhões. Alcan-
vido à sua condição precária, os trabalhadores ça-se uma média diária de carregamento de
que a operam ficam expostos constantemente, 120 a 130 caminhões com 300 a 500 sacos de ci-
a vários fatores de risco à saúde, tais como por mento cada.
exemplo, a alta concentração de partículas em
suspensão (poeiras) devido à falta de isola-
mento da cabine de operação; falta de equipa- Avaliação ambiental
mentos de proteção, segurança e comunicação.
Além disso, este trabalho é monótono e solitá- De acordo com os resultados obtidos pela aná-
rio. Do total de trabalhadores entrevistados, lise por difração de raios-X, o porcentual mé-
20% considerou ser este um dos locais de tra- dio de sílica livre cristalina (SiO 2) encontrado
balho mais perigosos em toda a fábrica. nas amostras coletadas, foi de 2%. Para este ti-
A pesagem e a mistura dos componentes po de exposição, não é adotado um valor fixo
são feitas nas balanças dosadoras. Em seguida, para o limite de tolerância (LT), pois este va-
essa mistura é transportada para os moinhos lor depende do porcentual de SiO 2 presente
de cimento, que são moinhos de bolas rotati- no material particulado. Conforme estabele-
vos, que funcionam em circuito fechado e com cido na Norma Regulamentadora 15, anexo 12
granulometria controlada por um separador. do Ministério do Trabalho do Brasil, o valor de
Os silos de cimento são os depósitos do pro- LT pode ser calculado empregando-se a Equa-
duto final da moagem, antes do ensacamento. ção 1.
De acordo com a opinião de 11% dos trabalha-
dores entrevistados, estes silos são os locais 8,0
LT (mg/m3) = (Equação 1)
que mais oferecem riscos à integridade física %SiO2 + 2
dos operários, devido à altura dos mesmos.
O ensacamento é feito por três ensacadei- Desse modo, com base na Legislação Brasi-
ras rotativas com capacidade variando de 1.600 leira, o valor de 2,0 mg/m3 foi adotado como li-
a 1.800 sacos/hora. O cimento é transportado mite de tolerância para a exposição ocupacio-
dos silos através de um sistema mecânico, até nal à poeira mineral respirável, contendo 2%
as ensacadeiras, onde é injetado nos sacos por de sílica livre cristalina.
meio de bicos. Os sacos de papel são colocados De acordo com a metodologia de cálculo
manualmente nos bicos das ensacadeiras por adotada pela JISHA, a concentração média de
um operador, posicionado em frente ao equi- poeira, contendo 2% de sílica livre cristalina
pamento. Essa tarefa é realizada em sistema de permitida em um ambiente de trabalho fecha-
revezamento por dois operadores, em períodos do, seria de 2,01 mg/m3.
de uma hora. Os resultados das avaliações individuais são
Depois de ensacado, o cimento é transpor- mostrados na Tabela 1.
tado por esteiras rolantes até as mesas móveis Todos os valores encontrados nestas amos-
transportadoras, onde é realizada a operação tragens pessoais, foram superiores àquele re-

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TRABALHO E RISCO PARA TRABALHADORES DE INDÚSTRIAS DE CIMENTO 1247

comendado como limite de tolerância pela le- Além da poeira abundante, sobressai a qual-
gislação brasileira (2,0mg/m3). quer observador, o intenso nível de ruído em vá-
A média geométrica dos valores obtidos rios pontos da fábrica. As medições realizadas
nos trabalhadores ECC1 a ECC3 (ensacamento durante este trabalho são mostradas na Tabela 3.
fechado), foi de 21,63mg/m 3 com um desvio Pode-se observar que o nível de ruído, ou
padrão de 3,83. A exposição medida no assis- supera o limite permitido pela Legislação Bra-
tente de ensacamento foi inferior à dos ensa- sileira, 85dB, ou se situa em valores muito pró-
cadores, devido à sua maior mobilidade. ximos deste limite.
No caso de ensacamento aberto (amostras
ECC4 e ECC5), a média geométrica foi de 10,76
mg/m3 e o desvio padrão de 1,12mg/m3. Avaliação técnica
Mesmo a amostragem realizada no carrega-
dor, embora menos exposto à poeira, apresen- Os resultados das avaliações técnicas (inspe-
tou valor da concentração de material particu- ções) realizadas nesta fábrica, demonstram
lado de 3,59mg/m 3, ainda superior ao limite que a empresa possui um parque tecnológico
recomendado pela legislação. obsoleto e poluidor, com altos níveis de conta-
Os valores das concentrações de material minação individual que se reflete em casos de
particulado encontrado em três setores, são pneumoconioses, dermatites de contato e irri-
apresentados na Tabela 2. tações diversas das vias aéreas superiores, al-
A média geométrica dos valores das concen- tos índices de incidentes críticos e acidentes
trações encontradas no setor de ensacamento leves, ainda que subnotificados. O serviço mé-
fechado, é de 4,81mg/m3 (σ = 1,90), enquanto dico não atende à demanda dos exames e a in-
que no setor de ensacamento aberto, este valor
foi de 1,9mg/m 3 (σ = 6,42). Essa grande varia-
ção observada na concentração de sílica neste
ambiente, é devida ao fato de se tratar de uma Tabela 1
área coberta mas aberta lateralmente.
Utilizando a metodologia proposta pela Resultados da avaliação individual de trabalhadores expostos à poeira, por função,
JISHA, para classificação dos locais de traba- de ensacamento em uma empresa de cimento. Volta Redonda, Rio de Janeiro.
lho, os ambientes monitorados são classifica-
dos como classe III, o que significa dizer que Amostra* Função Horário inicial Concentração de
são ambientes com elevado grau de contami- e final (horas) partículas (mg/m3)

nação.
ECC1 Ensacador 12:22-16:23 41,87
Os níveis de emissão, observados durante a
ECC2 Ensacador 12:20-16:24 52,44
operação de carregamento, variaram de 0,24 a
ECC3** Assistente 12:22-16:26 04,61
10,85mg/m3. A grande variação verificada po-
ECC4 Ensacador 13:00-16:37 09,95
de ser explicada pela influência da direção do
ECC5 Ensacador 13:00-16:38 11,63
vento no ponto amostrado, uma vez que o ca-
ECC6*** Carregador 13:00-16:15 03,59
minhão de transporte fica estacionado em uma
área aberta. Esses valores mostram que o nível * Setor de Ensacamento, amostra por Ensacador de Cimento e Carregador (ECC).
** Controla o painel e a reposição de embalagens vazias.
de exposição ainda é elevado, mesmo em se *** Carrega o caminhão com sacos de cimento cheios.
tratando de área externa, não coberta.

Tabela 2

Resultados da avaliação ambiental da concentração de poeira, nos setores de ensacamento fechado e aberto
e no carregamento de caminhão de uma fábrica de cimento. Volta Redonda, Rio de Janeiro.

Setor Tempo (minutos) Número de Valores extremos Concentração Desvio padrão (σ)
pontos avaliados da leitura (cpm) de particulados
(mg/m3)

Ensacamento fechado 10 13 225 a 1.520 1,57 a 11,88 1,90


Ensacamento aberto 10 09 21 a 3.433 0,11 a 24,34 6,42
Carregamento de caminhão 10 03 41 a 1.520 0,24 a 10,85 –

cpm = contagens por minuto

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Tabela 3 O trabalho é organizado em jornadas mis-


tas de 8 horas diárias e em sistema de rodízio
Resultados da avaliação ambiental do nível de ruído, em decibéis, em setores de seis horas diárias. A maioria dos trabalha-
críticos de uma fábrica de cimento. Volta Redonda, Rio de Janeiro. dores (66,7%), relatou trabalhar em jornadas
superiores a oito horas diárias, especialmente
Setor LA máximo (dB) Posto avaliado o pessoal da produção, com destaque para 100%
dos que trabalham nas ensacadeiras e 77% dos
Ensacamento fechado 85 Carregamento
que atuam na manutenção.
Ensacamento aberto 86 Ensacadeira
Em relação à capacitação para o exercício
Ensacamento fechado 83 Carregamento
das atividades, constatou-se que em 57,6% dos
Ensacamento aberto 85 Ensacadeira
casos, o treinamento foi feito de maneira infor-
Silo 4 95 Controle
mal na própria empresa, e uma pequena par-
Moinho 4 84-95 Próximo ao compressor
cela (21,1%), pelas instâncias de formação pa-
Moinho 4 101 Área interna
tronal, como por exemplo, o SENAI (Serviço
Moinho 5 88-90 Área externa
Nacional de Aprendizagem Industrial). Esta
Moinho 5 110 Área interna
precariedade do processo de capacitação, exer-
ce um papel fundamental na ocorrência de si-
tuações de quase-acidentes, pois 35% dos tra-
balhadores relataram já ter se acidentado e
vestigação clínica se restringe a parâmetros 22,4% já foram atores em situações de quase-
sintomatológicos, e não estabelece rotinas de acidentes ou incidentes críticos.
acordo com o posto, a função ou os problemas A precária formação, tanto no que tange à
ambientais presentes no setor de trabalho. capacitação para o exercício da função quanto
A gerência de riscos se limita à identificação na informação dos riscos decorrentes do traba-
de pontos grosseiros e recomendação de equi- lho, aliada à atuação punitiva da (CIPA) e à dis-
pamento de proteção individual. Esta atitude é tância, do movimento sindical ou de qualquer
também incorporada pela Comissão Interna de outra forma de organização, redundam em es-
Prevenção de Acidentes (CIPA), que acaba por tratégias de sobrevivência isoladas. Decorre
se tornar uma reunião de cobranças mútuas, desta conjunção de situações, a redução na lei-
ao invés de momentos de reflexão conjunta. tura dos acidentes, responsabilizando o traba-
A esses resultados, deve-se acrescentar as lhador. Leitura muitas vezes consensual, ab-
questões ligadas à organização do trabalho, co- sorvida pelo próprio trabalhador e refletida na
mo as situações de penosidade, o trabalho em atribuição das causas correntes dos acidentes:
turnos, a supervisão permanente, o trabalho • erro humano (40%);
repetitivo, a submissão à pressão do tempo e • falta de manutenção e conservação de equi-
ritmo da máquina e o trabalho em altura. É re- pamentos (40%);
conhecido que estes fatores contribuem signi- • falta de política de segurança da empresa
ficativamente para um aumento do risco de (10%);
acidentes, agridem o organismo por desrespei- • uso de equipamento de proteção individual
tar os ritmos biológicos, além de contribuirem (EPI) inadequado (10%).
para a desorganização na vida familiar e social As condições de trabalho, num parque in-
do trabalhador, impossibilitando-o de um con- dustrial antigo e, em alguns casos obsoleto, foi
vívio tranqüilo e planejado na vida domiciliar. bastante criticada pelos trabalhadores, que con-
sideraram as máquinas de má qualidade em
21,4% das respostas, barulhentas para 55,46%
As impressões dos trabalhadores e sem manutenção para 21,4%.
A Tabela 4, descreve os fatores mais relata-
Todos os 66 trabalhadores entrevistados, que dos como incômodos para os trabalhadores em
compreendem o universo amostral da terceira seus ambientes de trabalho.
etapa da vigilância, eram do sexo masculino, Em setores críticos como nas ensacadeiras
predominantemente jovens. A maioria, 63%, e nos moinhos, o ruído, o calor, o ritmo e a
tem menos de quarenta anos. O grau de esco- poeira foram apontados por todos como fato-
laridade é baixo, sendo que 44% possui o pri- res geradores de incômodo. Estas respostas es-
meiro grau completo e 35% incompleto. Ses- tão de acordo com os níveis medidos nas ava-
senta e cinco por cento dos trabalhadores co- liações ambientais.
meçou a trabalhar antes dos 18 anos, o que re- A Tabela 5, mostra as queixas mais comuns
monta ao contato bastante precoce com a rea- de problemas de saúde nos diversos setores
lidade industrial. desta fábrica. A forte concordância entre as

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queixas relacionadas e a exposição ao ruído a a saúde dos trabalhadores. A tecnologia utiliza-


que os trabalhadores são submetidos, por pe- da na fábrica é obsoleta e contribui para a alta
ríodos freqüentemente superiores a 8 horas concentração de poeiras minerais e para o ele-
diárias, não têm sido registrados ou mesmo vado nível de ruído, observados nos ambientes
percebidos pelo serviço médico da empresa. de trabalho. Estes parâmetros por si só, nos ní-
Os exames periódicos e demissionais dos tra- veis observados, já são capazes de causar danos
balhadores em atividade, não registram quais- à saúde dos trabalhadores. Entretanto, outros
quer investigação diagnóstica relacionada aos fatores de risco foram também identificados,
riscos; explica-se esta ausência de nexo pela contribuindo para uma maior insalubridade, o
não realização de exames específicos no con- que faz com que seja necessária a adoção de
junto de procedimentos periódicos, admissio- ações imediatas por parte dos empresários pa-
nais ou demissionais, como exames audiomé- ra uma solução definitiva destes problemas.
tricos, dermatológicos ou neurológicos. Mes- Revela-se importante a mudança no papel
mo o raio X de tórax, elementar na avaliação da CIPA dessa fábrica, que de equipe punitiva,
individual de trabalhadores expostos conti- deveria passar a assessora e orientadora dos
nuamente à poeira, não se mostrou de boa trabalhadores e da empresa, no que tange às
qualidade nem atualizados. questões de saúde no trabalho.
Dentre as áreas consideradas mais perigo- Algumas alterações nos procedimentos da
sas pelos trabalhadores, destacam-se a ponte vigilância estão em curso nesta empresa, e de-
rolante (20%), os moinhos (20%), os silos (11%) las constam o aprimoramento do diagnóstico
e as ensacadeiras (8%). clínico e radiológico e a implementação das
Constata-se, em claro acordo com a avalia- modificações sugeridas pela SES, que consiste
ção ambiental realizada, que os trabalhadores na reorganização ampliada da área industrial,
desses setores têm plena consciência dos ris- a partir da substituição completa do maquiná-
cos aos quais estão expostos, o que pode ser
evidenciado também, quando se compara as
queixas de problemas de saúde dos mesmos
com os fatores que os incomodam em seu am- Tabela 4
biente de trabalho.
Freqüência percentual de situações que causam incômodos, segundo
os trabalhadores de uma fábrica de cimento. Volta Redonda, Rio de Janeiro.
Conclusões
Situações geradoras de incômodo Freqüência percentual
A ação de vigilância pluriinstitucional e inter-
Calor 24,4
disciplinar, acompanhada do sindicato e sub-
Ruído 21,2
sidiada pelo olhar dos trabalhadores sobre suas
Ritmo de trabalho 13,5
condições ambientais, propiciou a identifica-
Posição de trabalho 12,8
ção de questões sutis e muito abrangentes, in-
Iluminação 11,5
viável por métodos de avaliação isolados.
Poeira 9,0
Pelos resultados obtidos neste trabalho, fi-
Supervisão 6,4
ca patente que o ambiente e o processo de tra-
Esforço físico 5,8
balho são insalubres e podem colocar em risco

Tabela 5

Freqüência percentual das queixas de saúde mais freqüentes por trabalhadores, segundo setores
específicos de uma fábrica de cimento. Volta Redonda, Rio de Janeiro.

Setor Queixas de saúde, em freqüência percentual


Irritação Agressividade Nervosismo Cefaléia Audição Ansiedade

Carregamento 50 50 50 50 – –
Ensacamento 60 30 75 75 30 50
Operador de moinho 50 70 20 35 – 50
Manutenção 40 20 25 20 12 20

Os setores de ensacamento e de manutenção apresentaram significância estatística para p < 0,005.

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1243-1250, set-out, 2002


1250 RIBEIRO, F. S. N. et al.

rio do setor de ensacadeira, a modernização da ma de mudanças e na transformação paulatina


ponte rolante e dos moinhos. da cultura de segurança, estabelecendo novas
O atendimento a este propósito pressupõe formas de diálogo entre os trabalhadores e a
a adoção de um Termo de Compromisso, onde gerência industrial, reservando ao Estado uma
cabe à empresa a mudança dos aspectos orga- atuação pontual em casos extremos.
nizacionais do trabalho, a modernização do par- Muitas etapas no processo de vigilância
que tecnológico, uma completa reformulação na ainda carecem de suporte teórico. Questões
gerência de risco, adotando técnicas e conceitos como o sofrimento psíquico, as repercussões
mais modernos, abrangentes e eficazes acom- orgânicas resultantes de pressões conjugadas
panhado por uma comissão composta de tra- de riscos variados, os reflexos da subjetividade
balhadores, técnicos do Serviço de Engenharia na percepção e na resposta individual a riscos,
e Segurança e de técnicos do poder público. carecem de sistematização metodológica pela
A etapa seguinte à assinatura do Termo, academia e estão completamente invisíveis aos
consiste no estabelecimento de um cronogra- Serviços de Saúde do Trabalhador.

Referências

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