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CORTESÃO, Jayme. “Mundo Novo e a Idade Nova”.

O Observador Econômico e
Financeiro, ano IV, n.44, p.13-15, setembro 1939. Disponível em:
http://bndigital.bn.br/acervo-digital/observador-economico/123021 . Acesso em: 18
mar. 2020.
P.13 Começa o artigo com a idéia de que um dos momentos mais fascinantes
da história econômica brasileira são os primeiros anos desde a chegada
de Cabral em 1500, nos quais entraram em contato português e
ameríndio, episodio este tão pouco visto na obra, recente na época, de
Roberto Simonsen (História Econômica do Brasil), o que o faz falar mais
sobre tal momento histórico.
Então voltamos até 1501, época em que o português precisava dos
serviços dos gentios para carregar objetos como pau-brasil e araras,
nesse sentido, teria aumentado a dependência do primeiro para com o
segundo entre um ou dois anos, defende o autor. Tal dependência se
materializava, por exemplo, na mandioca como alimento principal do
lusitano, quando fixado na costa, mantimento fornecido apenas pelos
gentios locais, e a qual não findara com o advento da cana de açúcar na
realidade colonial a partir das Capitanias Hereditárias, em 1530.
Esta situação de dependência entre as duas gentes só poderia ser
legitimada e virar base da vida econômica brasileira através das trocas,
que ficariam conhecidas como “escambo”, cujos objetos deveriam causar
certa admiração aos indígenas, os quais eram as ferramentas, vistas aos
olhos dos tupi-guaranis como índice selecionador e grande motivo de
espanto e cobiça em relação aos adventícios (CORTESÃO, 1939, p. 13).
O autor recorre à carta de Pero Vaz de Caminha, na qual são descritas a
curiosidade e o pasmo dos gentios em relação aos usos e efeitos dos
machados, objetos estes que marcavam a diferença entre eles, “presos”
na Idade de Pedra, e os europeus. Também vemos que se eles usassem
outros objetos semelhantes ao machado, “avançariam” de uma época a
outra, algo que os europeus fizerem em séculos, mas foi feita em um dia
pelos aborígenes.
Tal “milagre”, como descreve o autor, foi notado, ainda que confusamente,
pelos índios da época, e existem documentos da época que mostram a
ambição dos indígenas pelas ferramentas, como mostrada na História do
Brasil, escrita por Frei Vicente do Salvador em 1627, em que os gentios
relatam aos portugueses a mudanças pelas quais suas vidas passaram
com a introdução das ferramentas, alterações essas expostas de maneira
positiva.
Em seguida, ele indaga acerca do começo da interdependência
econômica, cuja resposta está nos primeiros anos do século XVI, e desta
maneira, cita o regimento da nau Bretôa, documento este o qual permite
ligar a interdependência aos primeiros anos da colonização: o capitão da
nau, João Lopes de Carvalho, e alguns marinheiros roubaram objetos de
trocas, enquanto estavam atracados na Bahia de Todos os Santos, em
1511. Um inquérito foi aberto para averiguar o caso, ao passo que os
elementos furtados foram machados, machadinhas e cunhas. Estes
objetos seriam usados nas trocas particulares entre os marujos com os
gentios. Com isso, comenta algumas regras do regimento.
P.14 Então, ressalta que o que foi visto anteriormente consistia nos objetos
dentro do quadro de trocas entre portugueses e indígenas, citando
também a descrição de Hans Staden (1525-1576), em que mostra como
os índios cortavam antes dos europeus, e alguns que não cortavam com
as ditas “ferramentas cristãs”- machados, facas e tesouras- estas que
estavam em posse da nau vista anteriormente, assim como vemos a
posição dos jesuítas, que vieram em 1549, que perceberam a admiração
dos gentios pela cultura européia.
Logo após, o autor relata passagens do padre Manuel da Nóbrega sobre o
fascínio dos aborígenes, o escambo realizado entre estes e os lusitanos, e
até mesmo a opção de conversão ao cristianismo para poderem fazer
comércio com os europeus, pois consideravam as trocas vitais. O autor, a
partir de uma carta do padre enviada ao rei D. João III, ressalta o
inconveniente em converter os gentios, importante para mostrar que havia
a interdependência entre ambas as gentes e as motivações econômicas
por trás de suas relações. A estrutura das relações econômicas deles
estava tão solidificada em 1510, que poderia regular as regras de
qualquer regimento, comenta o autor.
O autor, em seguida, cita que o comércio entre ambos começou a ser
perturbado pelo exagero dos portugueses, mencionando uma carta de
Duarte Coelho em 1546, cujo conteúdo ressalta que o pau-brasil está
mais concentrado no interior, assim sua obtenção ficaria perigosa e cara,
sendo que os indígenas estão trabalhando de má vontade nessa tarefa,
bem como os colonos de Itamaracá, que querem a madeira, estão
perturbando os gentios, lhes prometendo coisas grandiosas, mas que
levou ao caos no local. As relações teriam mudado entre locais e colonos,
uma vez que os primeiros já se abasteceram tanto de ferramentas, que
começaram a desempenhar um ritmo pior de trabalho.
Com isso, diz que a história e o fundamento das relações entre as gentes
estão contidas nos relatos anteriores, nos quais o seu autor pede ao rei
João III que puna os traficantes, causadores dos problemas. Porém, o
autor afirma que as relações de produção eram tão concretas, que
qualquer desafeto ou impasse era transcendido: assim cita mais uma vez
Hans Staden, desta vez com seu relato entre a guerra dos Tamoios contra
os colonos de S. Vicente em 1554, na qual os primeiros vão armados
tentar uma negociação com seus inimigos, em que trocam farinha de
mandioca, abundante entre eles e importante para a alimentação dos
escravos das canas de açúcar, por anzóis e facões. As trocas, feitas na
maior distância possível, aconteciam com os portugueses nos navios e os
gentios nas canoas, os segundos em grande número, e findada a
negociação, os índios começavam a atacar os lusitanos, e partiam em
seguida.
Por fim, diz que na visão do gentio, o português era portador de uma
cultura milenar, que o afastava da “Idade da Pedra” ou “atraso”, na qual o
primeiro se encontrava, enquanto que o índio era a representação da
adaptação do homem a um ambiente novo, assim sendo, o português, ao
chegar à terra nova, percebeu que a cultural tropical seria a essência da
vida colonial econômica. Portanto, os índios eram representantes do Novo
Mundo e os lusitanos da Idade Nova, ambas reciprocamente distintas e
separadas uma da outra, e o contato entre ambas as realidades seria,
segundo o autor, o causador de todos os problemas e grandiosidades que
estariam porvir, bem como, é deste embate entre mundos que reside o
fator épico e original da História do Brasil, como diz o autor.

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