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Disciplina de Teoria e Método em Antropologia

Profª Draª Carla Delgado de Souza

PROVA BIMESTRAL

1. Disserte, com base na discussão feita por Roberto Cardoso de Oliveira, sobre
como os atos de olhar, escutar e escrever são fundamentais para o exercício
da antropologia.
Os atos de olhar, ouvir e escrever são três vertentes utilizadas em diversos
aspectos de nossas vidas. No campo da antropologia e das ciências sociais,
essas três ferramentas são imprescindíveis para pesquisas de diversos feitios. O
autor Roberto Cardoso de Oliveira afirma que o olhar, ouvir e escrever são
consideradas faculdades do entendimento sociocultural, e que são inerentes ao
modo de conhecer as ciências sociais. Esses três atos são algo que fazemos ao
longo de nosso dia a dia, mesmo que não estejam voltados para a pesquisa.
Neste caso, Oliveira os chama de “atos cognitivos de natureza epistêmica”.

Na antropologia, o “olhar” é utilizado como primeira ordem para realizar a


investigação do local, objeto ou qualquer que seja o foco da pesquisa de campo.
Oliveira utiliza o termo “domesticação teórica do olhar”, que basicamente significa
treinar o olhar para agregar mais valor ao foco da análise. Ou seja, utilizamos do
olhar para “carregar” as informações necessárias do ambiente que iremos
estudar, podendo a realidade sofrer um processo de refração.

No entanto, as pesquisas de campo não são realizadas somente pelo olhar. O


autor destaca a questão do “ouvir” como sua segunda ordem na investigação, o
que significa que o ouvir serve de complemento para o olhar e é uma ferramenta
necessária para distinguir as informações necessárias das desnecessárias da
investigação. O ouvir serve também como um diferenciador entre “idiomas
culturais”, as diferenças culturais como comportamento, ambiente, linguagem,
costumes e outros aspectos que possam diferenciar o pesquisador do indivíduo a
ser estudado. O “ouvir”, para o antropólogo, se torna algo único para definir as
limitações entre pesquisador e informante e de uma exposição não-dialógica. É
neste sentido que aparece o termo “entrevista” no texto, algo em que não ocorre
discussão, sem debates.
Na pesquisa antropológica, Oliveira frisa a necessidade da chamada “observação
participante”, abordagem de pesquisa em que o pesquisador deve ser o mais
neutro possível, em que o pesquisador e o informante devem ter diálogos iguais
para não “contaminar” o discurso de um com os elementos do outro, pois é nesse
momento em que ocorre a interação social entre pesquisador e pesquisado.

Entretanto, o foco principal de Roberto Cardoso de Oliveira foi a escrita, terceira


e mais importante ferramenta para a pesquisa em campo e etapa final do
antropólogo. É nesta fase que o trabalho adquire aspecto crítico. Oliveira afirma
que é o escrever que cumpre a função cognitiva da pesquisa. Isso ocorre porque
é nesse momento em que juntamos os processos de “olhar” e “ouvir” para
textualizar os fatos, argumentá-los e comunicá-los. É através do “escrever” que
ocorre a autonomia do pesquisador, pois é nesse momento que ocorre a sua
interpretação sobre o que foi analisado ao longo da pesquisa de campo.

Em conclusão, apesar de serem ferramentas utilizadas diariamente, o olhar, o


ouvir e o escrever são ferramentas que podem, mais ainda, facilitar a pesquisa
de campo. Estes fundamentos estão diretamente ligados com o sistema de ideias
e valores de cada um e a aplicação dos mesmos poderá ser útil não só para a
antropologia, mas para qualquer área. São as investigações empíricas, a partir
do olhar, ouvir e escrever, que definem estes atos cognitivos em campo.

2. Tim Ingold defende que os antropólogos devem "levar os outros à sério".


Explique por que isso é importante para a proposta de antropologia defendida
pelo autor.
No primeiro capítulo da obra “Antropologia: para que serve” de Tim Ingold, o
autor cria uma reflexão acima da pergunta “Como devemos viver” em que afirma
que talvez o próprio ato de refletir seja o que nos faça humanos. Ele explica
ainda, que os modos de viver dos seres humanos, “os modos de fazer e de
comunicar, de pensar e de saber”, são resultados dos caminhos que tomamos ao
longo de nossas vidas. No entanto, não percorremos esses caminhos sozinhos,
mas sempre na companhia de outros, e é por isso que afirmamos que a vida
humana é social: “é o processo contínuo e coletivo de descobrir como viver.
Dessa forma, todo processo de vida representa uma experiência comunitária
acerca do viver.
Ingold afirma, ainda que a antropologia sempre será uma disciplina “em aberto”,
pois ela não pode se constituir de forma mais definitiva do que a vida social da
qual ela ocupa. Isso significa que a antropologia nunca poderá ser narrada como
uma história com início e fim. Assim, o autor compara a Filosofia e a Antropologia
na questão acerca a que área o problema do viver pertence. Finalmente, ele
chega à conclusão de que “a antropologia é a filosofia com as pessoas dentro”.

O tipo de antropologia defendida por Tim Ingold é aquela em que não se trata de
interpretar e explicar o comportamento de outros indivíduos e outras culturas,
mas sim de compartilhar das experiências, compartilhar de sua presença e
aplicar o conhecimento concebido em nossas próprias concepções da vida
humana. Ele afirma que a antropologia prospera entre a interação da imaginação
e da experiência. Esse tipo de antropologia não se dedica, apenas, à produção
de conhecimento, pois, para ele, o mundo não é um objeto de estudo, e sim o
meio de estudo.

Os antropólogos são cientistas conhecidos por sua disposição em aprender com


aqueles que podem ser, muitas vezes, rejeitados pela sociedade, considerados
como incultos, analfabetos e ignorantes, devido às suas diferentes formas de
cultura. São povos cujas vozes, na maioria das vezes alheias aos meios de
comunicação dominantes da sociedade ocidental, permaneceriam, sem a
antropologia e o antropólogo, silenciadas. No entanto, como já demonstrado
diversas vezes, esses povos são, diversas vezes, mais sábios do que seus
superiores, supostamente mais instruídos.

Entretanto, todos os métodos da pesquisa antropológica foram desenvolvidos


para manter esses povos à distância. Os métodos são objetivos, utilizados para
garantir que os resultados da pesquisa não sejam “contaminados” por um
envolvimento muito íntimo entre pesquisadores e pesquisados. Para a
antropologia, contudo, esse envolvimento é essencial. Todo estudo demanda
observação, porém, na antropologia, a observação se dá prestando atenção aos
pesquisados, vendo o que fazem e ouvindo o que dizem. É a prática essencial do
“ver, ouvir e escrever”. Os antropólogos estudam com os indivíduos e não sobre
eles. Esse modo de trabalho de campo é chamado de “observação participante”.
Assim, a observação participante deve ser considerada um método de coleta de
dados qualitativa, pois ela ocorre no campo, onde é preciso esperar para que as
coisas aconteçam, e aceitar o que é oferecido quando lhe é oferecido, ao
contrário do laboratório, um lugar engenhosamente construído, equipado com
instrumentos por meio dos quais as coisas são forçadas a “revelar seus
segredos”, considerados, por sua vez, como “dados” pela ciência. A observação
participante é uma forma de estudar com as pessoas. Ela não se trata de
descrever vidas, mas de unir-se a elas na tentativa de encontrar formas de viver.
É aqui que reside a principal diferença entre a etnografia e a antropologia, para o
antropólogo, a observação participante não é um método de coleta de dados,
mas sim um compromisso de aprender fazendo com os indivíduos que ele está a
estudar.

Finalmente o autor chega à regra que ele chama de levar os outros a sério, que
significa não apenas atentar para que os pesquisados fazem e dizem, mas
encarar os desafios que eles colocam às nossas concepções sobre como as
coisas são, o tipo de mundo em que vivemos e como nos relacionamos com ele.

Contudo, a história da antropologia não oferece muitos exemplos do levar os


outros a sério. Muitos antropólogos têm o pensamento retrógrado de que os
povos a serem estudados são irracionais ou incapazes do pensamento lógico, de
que são reféns da superstição ancestral, de que seus pensamentos e
comportamentos são característicos à uma inocência infantil e determinados pela
tradição e que estes não sabem diferenciar o fato da imaginação. No entanto,
estes povos não podem ser classificados com base numa escala de razão,
inteligência e maturidade que possam justificar seus pensamentos e práticas.
Esses antropólogos participam do trabalho de campo de forma análoga à
frequentadores de teatro, que, durante uma performance, se permitem serem
levados ao mundo da fantasia. Essa prática consiste, basicamente, em negar
que as palavras e ações dos outros, especialmente quando contrariam o nosso
tradicional entendimento, tenham qualquer relação com a realidade. Essa prática
funciona também como um mecanismo de defesa do antropólogo, que nos
convence de que a realidade como conhecemos não muda. Mesmo com todas
essas novas informações, nossa realidade permanece intacta.
Declaramos, dessa forma, que o mundo percebido e “encenado” pelos povos
estudados, e que para eles é totalmente real, é, na verdade, uma construção
feita por conceitos, crenças e valores que compõem o que eles chamam de
“cultura”. Os diversos microcosmos de uma sociedade são construídos
culturalmente, exceto, o nosso, já que podemos ver o que eles não podem, pois
estamos cobertos pela luz da razão, ao contrário deles. Enquanto a visão deles
está suspensa em uma teia de significados, a nossa está fundada no fato
objetivo.

Essa estratégia é reproduzida sempre que tratamos o que outros povos fazem e
dizem, não como lições com as quais podemos aprender, mas sim como
evidências a partir das quais podemos construir um caso. Essa “estratégia”
certamente trai a regra número um da antropologia, de levar os outros a sério.
Levar os outros a sério significa abrir-se para imaginações enriquecidas pela sua
experiência no campo.

Em conclusão, Tim Ingold não afirma que os chamados povos “nativos” tenham
todas as respostas certas sobre como viver. Tampouco está afirmando que os
chamados “ocidentais” também tenham todas as respostas, ou que estejam
100% errados sobre elas. Ninguém possui todas as respostas. No entanto,
possuímos abordagens diferentes, baseadas na experiência pessoal das nossas
vivências e no que aprendemos com os outros, e é válido compará-las. A
antropologia, como disciplina, é motivada pelo exercício de comparação entre
esses dois povos. No entanto, comparar não significa justapor formas pré-
estabelecidas de pensamento e práticas, como se elas já estivessem formadas
em nossas mentes e nos corpos de povos de determinada tradição. O
pensamento não se restringe à replicação do que já foi pensado, assim como a
prática não se limita apenas ao que já foi realizado. O que comparamos são
modos de pensamento e de ação. Não se trata de “catalogar” a diversidade dos
modos de vida humanos, de cada sociedade cultural, mas de unir-se à esse
diálogo.

O propósito da antropologia é estabelecer um diálogo da vida humana entre si.


Esse diálogo não é apenas sobre o mundo. Em certo sentido, ele é o mundo. O
único mundo em que todos habitamos, povos “nativos” e “ocidentais”.
2020
LONDRINA

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