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Año 3 nº 1 Abril 2015. Registro de la propiedad intelectual nº 5088097.

Propietario: Departamento de Artes


Musicales y Sonoras, UNA. ISSN 2314-2847. http://artesmusicales.org/web/index.php/tapa/149-tapa.html pp. 82-95
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RECENSIONES

REGENCIA CORAL COMO EDUCAÇÃO MUSICAL: UMA


REVISÃO DE LITERATURA

Leila Dias
Universidade Federal da Bahia –UFBA
Salvador, Bahia. Brasil
leidias@yahoo.com

Introdução
As experiências vividas, enquanto coordenadora de um Projeto de Extensão que abrigava
simultaneamente cinco corais de diferentes faixas etárias em uma universidade brasileira, por
mais de vinte anos, motivaram-me a desenvolver estudos doutorais voltados para a Educação
Musical através da Prática Coral. Com essas experiências, aprendi que além dos exercícios de
técnica vocal e a execução dos arranjos, materializava-se também um outro conjunto de
exercícios relacionais, de ordem psicossocial, como diferentes tipos de interações que poderiam
resultar em práticas de vida social.

Os corais comumente dito “amadores”, dado que os seus integrantes não são profissionalizados,
nem sempre são constituídos de um número equilibrado de vozes em cada naipe. Também há
coros em que a maioria das pessoas não lê partitura musical. Assim, o modo de ensaiar o
repertório precisa ser administrado diante dessas circunstancias, recorrendo a mecanismos de
apoio diversos, como gravação de CDs e ensino por oralidade. Esses coros são constituídos por
adesão voluntária de seus integrantes.

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Há que se considerar que cada corista tem sua história de motivação particular que o leva a
procurar a prática coral seja pela aptidão e necessidade de ampliar a sua bagagem musical assim
como atender suas expectativas de constituir relações grupais como meio de superar o
isolamento em que vive, promovendo assim o seu desenvolvimento artístico e humano.

Desse modo, o educador musical ou regente se vê diante do desafio de, ao mesmo tempo,
encontrar modos de atender a essas expectativas, de produzir um resultado artístico importante e
estar atento às questões psicossociais dos sujeitos envolvidos em cada prática coral.

Assim, além dos aspectos musicais e artísticos, a prática coral deve ser vista como um
fenômeno social, tornando-se necessário que os regentes possam olhar para as questões de
grupo, as subjetividades dos envolvidos e, ao mesmo tempo, as sociabilidades que são
construídas a partir das interações vividas nessa experiência musical.

Este texto, portanto, é resultante de uma revisão de literatura realizada em função da pesquisa de
doutorado1 sobre a Prática Coral enquanto processo de Educação Musical que se desenvolveu
entre os anos de 2007 a 2011. Assim, esta revisão serviu de base para a delimitação do objeto de
estudo, qual seja as interações que se dão na Prática Coral e seus possíveis desdobramentos na
vida cotidiana dos coristas. Assim, entre os anos de 2007 – início da pesquisa e 2009 até o
Exame de Qualificação, a pesquisa teve como uma das metas investigar autores brasileiros e
estrangeiros que tratavam da Prática Coral com ênfase nos aspetos psicossociais dos sujeitos
envolvidos na experiência coral, além dos aspectos estético-musicais, como é próprio da área de
Educação Musical.

Educação musical e regência coral


Educadores musicais que trabalham com a Prática Coral estão ampliando sua atuação para
outras faixas etárias além dos coros infantis. Eles têm sido mobilizados também para atuar junto
a adolescentes e jovens em escolas regulares, junto a coros de adultos em cursos de extensão
universitária e em empresas, junto a coros intergeracionais em condomínios fechados, ou ainda
junto a coros de idosos institucionalizados ou não, e em diversos outros espaços como hospitais,
orfanatos e igrejas.

1Pesquisa realizada junto ao Programa de Pós-graduação em Música – Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
UFRGS - na área de concentração de Educação Musical e orientada pela Professora Dra. Jusamara Souza.

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Ao observarmos as características dos coros emergentes, notamos a expansão em termos de
repertório, de arranjos, de performances e da utilização de acompanhamento instrumental. Por
isso, outras artes e outros campos de conhecimento, têm sido convocadas ao trabalho do coro a
exemplo da encenação, utilizando textos para os coristas interpretarem, dos movimentos
corporais, das coreografias mais complexas, das trocas de figurinos, da utilização de adereços de
palco, da iluminação e até da produção, chegando-se, desse modo, até à montagem de
espetáculos musicais que, aos poucos, vêm se tornando presentes nas escolas de música,
especialmente em coros, conforme os estudos de Santa Rosa (2006).

Diante desse panorama, a revisão de literatura baseou-se na produção acadêmica que trata da
Regência Coral sob o olhar da educação musical que tem uma perspectiva voltada para os
sujeitos participantes do coro. Para isso, recorreu-se ao banco de teses e dissertações da CAPES
e aos acervos disponibilizados pelos programas de pós-graduação em música no Brasil, assim
como a artigos e teses elaboradas no exterior, cujas referências estão disponíveis em redes
eletrônicas. Também foram consultados sites e revistas especializadas em música e em
Educação Musical, periódicos de associações de professores e pesquisadores das áreas de
regência coral e Educação Musical para a prática coral. Abaixo, serão apresentadas as
referências consideradas importantes, na sequência em que foram recolhidas.

Embora não tenha realçado os aspectos sociais do coro, Figueiredo (1990), regente e educador
musical, desenvolveu sua dissertação investigando o ensaio coral como momento de
aprendizagem numa perspectiva de Educação Musical. Para ele, o ensaio coral é um momento
de aprendizagem e de Educação Musical e, em consequência, o planejamento do ensaio já deve
ser elaborado na perspectiva da Educação Musical. Do mesmo modo, a técnica vocal também é
exercitada como recurso na aprendizagem musical.

O ensino e a aprendizagem da prática coral estiveram associados, pelo autor, às ideias de


treinamento, de organização e de planejamento. A aprendizagem da técnica vocal e dos
conceitos musicais são relacionadas ao repertório, alegando que desta forma não haveria
fragmentação dos diversos aspectos envolvidos na prática coral. As referências bibliográficas
consultadas estavam focadas nas questões estético-musicais do coro. Para meu estudo,
Figueiredo (1990) contribui na medida que viu o ensaio coral como um veículo de Educação
Musical e não apenas sob a ênfase da execução vocal.

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Bellochio (1994), educadora musical, desenvolveu seus estudos sobre o coro baseados nas
ideias de Vygotsky e Gardner. Abordou em sua dissertação o canto coral como uma atividade
que proporciona o desenvolvimento musical do corista, buscando entendê-la como uma forma
de ensino organizado e formal que auxilia o desenvolvimento sócio cognitivo amplo daqueles
que nela estão envolvidos.

Sampaio de Souza (2003) investigou possibilidades educativas presentes no canto coral,


utilizando como instrumento o arranjo vocal de música popular brasileira. Foi motivada pela
constatação da presença significativa dos arranjos no repertório dos corais não
profissionalizados, que se constituíram no foco do seu trabalho. A utilização de arranjos é vista
pela autora como resultado da diversidade que compõe a cultura brasileira, nas suas múltiplas
formas, e que vem se desenvolvendo ao longo do tempo. Apresentou um levantamento do
percurso do canto coletivo no Brasil e discutiu sobre educação musical pelo canto coral, apoiada
na teoria educacional de Paulo Freire. Baseou-se nos depoimentos de oito regentes que
escrevem e utilizam arranjos para os grupos que dirigem e as relações entre tal prática e as
possibilidades de aplicação do método Paulo Freire no canto coral. Analisou nove arranjos,
abordando as estruturas musicais utilizadas em suas elaborações e suas relações com o caráter
educativo presente no canto coral, e indicando peculiaridades do canto coral brasileiro.

Sampaio de Souza conclui seu estudo apontando o momento histórico de inserção da música
popular brasileira no repertório de corais, destacando a sua importância como recurso educativo,
e alertando, finalmente, sobre a necessidade de escolhas criteriosas na elaboração dos arranjos, a
importância do canto coral como meio de Educação Musical e como forma de humanização,
proporcionando o contato e a reflexão sobre a própria cultura.

Por sua vez, Assumpção (2003) desenvolveu seu trabalho a partir de uma análise da disciplina
Canto Coral inserida no curso livre de Formação Musical da Fundação das Artes de São
Caetano do Sul, com base em autores da área musical e de áreas afins: Edgar Morin, Jean
Piaget, Howard Gardner, Keith Swanwick, Émile Dalcroze, Zoltan Kodály e Doreen Rao. A
autora buscou identificar elos entre as ideias destes autores e sua importância na construção do
conhecimento, no agir e no compreender o figurativo e o formal, na intuição e na análise. O
conhecimento musical é compreendido como uma construção própria que cada indivíduo realiza
a partir da experiência e na qual as capacidades humanas de intuição e análise entrelaçam-se
para integrar diversos níveis de conhecimento. A autora destacou a importância do Canto Coral

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na formação do músico, realçando o fato de a disciplina poder funcionar, efetivamente, como
uma forma de prática pedagógico-musical mais significativa na formação do músico.

Já Szpilman (2005) investigou questões relacionadas ao repertório enquanto perspectiva


potencializadora das práticas corais, particularmente dos corais iniciantes, onde está
acontecendo a possível gênese de um novo grupo coral, mas é extensiva, em sua abertura de
perspectivas, às atividades corais em geral. Afirma que o canto coral é uma excelente atividade
em termos de saúde (física, social e mental) e tem qualidades para se inserir no que propõem
autores como Edgar Morin, Félix Guattari, Paulo Freire e Leonardo Boff com relação à criação,
respectivamente, de mais: cidadãos protagonistas; grupos-sujeito e ressingularização; homens
direcionados para uma pedagogia da autonomia; e também para um paradigma do cuidado.

Por sua vez, desenvolvendo seus estudos em práticas religiosas, Schleifer (2006), afirmou que a
atividade do canto coral em instituições religiosas pode configurar-se como um cenário de
educação não-formal, já que consiste na socialização dos cantores proporcionando lazer,
educação vocal/musical e resgate cultural, sem regras rígidas e cobranças de desempenho dos
coristas. Acrescenta que existem requisitos mínimos para que esta atividade apresente qualidade
musical, preserve a voz dos integrantes e seja agradável aos ouvidos daqueles que os assistem.
Diante da observação de que muitos coristas religiosos estavam despreparados para cantar de
modo saudável realçou o papel do regente como condutor do grupo, e do seu conhecimento para
realizar o exercício da regência como fundamental para o bom andamento do trabalho e para a
saúde vocal dos participantes. O pesquisador realizou entrevistas com regentes de corais
evangélicos da Igreja Assembléia de Deus e concluiu que o regente é o profissional responsável
pela técnica e cuidados vocais dos coristas, mas que faz isso de forma secundária, já que a
valorização maior está em seu papel de líder de um grupo de fiéis, reconhecendo o coral como
um canteiro de amizades, recreação e, acima de tudo, prática da fé.

Matos (2007) buscou compreender as razões que levaram à implantação de um projeto


educacional através da montagem de uma ópera que contaria a história do Ceará assim como
refletir sobre a relação que o conhecimento musical estabelece com as elites que dele se
apropriam em busca de legitimação social, bem como as estratégias e possibilidades de
formação humano-musical para as pessoas oriundas das camadas menos favorecidas
economicamente. O trabalho apontou para as possibilidades de uma Educação Musical realizada
através do prazer e do rigor advindos da montagem de espetáculos de canto coral coletivamente
pensados e realizados a partir do cancioneiro popular do Brasil. Assim, procurou compreender

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as implicações do Projeto Ópera Nordestina, seus primeiros ensaios e encenações; como
também os efeitos das montagens de espetáculos do Coral da UFC frente aos processos
formativos humano-musicais das pessoas que deles participam, tomando como base a História
de Vida.

Referindo-se ao coro de empresa, Teixeira (2005) desenvolveu sua dissertação na área de


Educação Musical investigando a atuação e formação de regentes de coros, tentando
compreender como os regentes lidam com os diversos aspectos do repertório em coros de
empresas já que os cantores trazem expectativas diversas e os regentes têm de adaptar os
arranjos existentes para a realidade de seus coros, onde faltam vozes para compor os naipes, ao
mesmo tempo em que têm de atender aos desejos dos coristas e dos gestores das empresas.

Ela afirmou que os regentes consideram importante para as apresentações do coro o


envolvimento dos cantores e demais funcionários que constituem o seu público mais imediato.
Observou que os regentes preferem levar em conta as músicas que fazem parte da vivência dos
cantores, músicas que as pessoas têm mais ou menos no ouvido e que não estão distantes de sua
realidade experiencial, Teixeira (2005). Assim, observou também que, na escolha das músicas,
o regente leva em conta aquilo que tenha “potencial de transformação” ou seja, aquelas músicas
que, transformadas em arranjo coral, permaneçam interessantes, “com algum sentido”, para eles.
Para a autora, alguns gêneros musicais não se prestam à realização de arranjos corais, perdendo
seu significado.

Em sua revisão de literatura, Teixeira (2005) fez um levantamento de diversos trabalhos


acadêmicos que abordam diferentes aspectos do canto coral tais como: coro de empresa, coro
adulto, repertório para coro adulto, prática de coro adulto, repertório musical para coro adulto,
questões mais amplas referentes ao regente coral e aspectos gerais da formação do regente.
Além disso, a autora levantou também uma considerável literatura sobre o coro cênico como
mais um dos aspectos presentes na prática coral (TEIXEIRA 2005).

Coro cênico
Acredita-se que o acréscimo de outras artes à prática coral promove ainda mais elementos de
agregação dos sujeitos. Portanto, para uma melhor compreensão das contribuições que o coro
cênico pode trazer para as propostas de Educação Musical mais contemporânea, e ainda nessa
visão conjugada da regência coral com a Educação Musical, tornou-se relevante acrescentar
também uma revisão de literatura sobre o coro cênico.

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Valendo-se de mais uma das demandas da sociedade atual, eminentemente visual, a exemplo
dos clipes dos artistas contemporâneas outros recursos, na busca por novos modelos de coro,
impulsionaram alguns regentes de coros a pesquisarem e escreverem sobre os outros elementos
artísticos presentes em alguns coros que rompem mais incisivamente com a tradição
acrescentando gestos, cenas, movimentos, textos e até coreografias. Este é o caso do coro
cênico.

Oliveira (1999), baseado em relatos de experiências com coros envolvidos com a linguagem
cênica, defendeu a ideia de que o canto coral, antes uma linguagem unidirecional, volta-se à
concepção múltipla de expressão artística. Após a observância e análise de assuntos específicos,
tais como técnicas desenvolvidas e processos de comunicação, ele observou as possibilidades,
tendências e limites do coro-cênico.

Na mesma linda de pensamento, Santos (2000), afirmou que com essa tendência à expressão
cênica do coro, vêm-se possibilitando uma postura de palco diferente daquela vinda dos moldes
tradicionais mantida durante muitos anos nos corais eruditos do Brasil e do mundo. Estas
práticas, segundo ela, têm como objetivo ampliar o nível de expressão e motivação dos coristas
através da integração entre as linguagens artísticas, além de provocar um maior interesse e
envolvimento da plateia.

Azevedo (2003) desenvolveu um estudo intitulado “Coro Cênico: estudo de um processo


criador” e constata a importância desse coro na Educação Musical dos indivíduos, bem como os
benefícios gerados por ele. Ele avalia a exposição do sujeito durante esse processo criador, em
que se acredita que a introdução do elemento cênico à performance coral providencia um
melhor rendimento vocal no resultado final do processo. Em sua pesquisa, utilizou um júri que
avaliou sessões de vídeos à procura de elementos que fundamentassem a argumentação dessa
pesquisa. Os resultados revelaram que houve modificação significativa no rendimento dos
sujeitos. Foi contada a história do Coral da Cidade, semente do movimento de coro cênico em
Goiânia, para registrar e documentar sua importante participação artística e cultural da cidade. A
partir deste experimento, o pesquisador propõe o Coro Cênico como uma modalidade de coro,
definindo-o como atividade interdisciplinar entre cena e voz, desenvolvida de forma lúdica, com
dimensões psicológicas, que visam a auto-realização, e um melhor rendimento vocal.

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Costa (2009), também lidando com o coro cênico, defende a ideia de que a expressão cênica
atua como um veículo facilitador do canto coral - sobretudo para adolescentes por oferecer uma
gama de possibilidades criativas e soluções originais para o desenvolvimento da linguagem
coral, além de instigar os envolvidos ao exercício do autoconhecimento. Ela afirma que a
acuidade musical pode ganhar novos coloridos, a partir da proposta teatral envolvendo os
participantes de forma lúdica e prazerosa.

Pereira e Xavier (2009) defendem a ideia de que o coro cênico proporciona a formação humana
e musical numa perspectiva sócio musical, por meio de atividades que são desenvolvidas nos
ensaios, de modo a buscar a formação da sensibilidade e integração coletiva. Argumentam que
esta experiência também educa e interage com o ouvinte de forma lúdica, fazendo com que seja
criado um elo entre o coro e a plateia.

Santa Rosa (2006) estudou a interdisciplinaridade das artes na prática coral através de filmagens
realizadas durante período de construção de um espetáculo musical e de questionários
respondidos pelos coristas. O processo avaliativo do estudo considerou as visões dos alunos, da
professora e de três especialistas independentes aos quais foram submetidas as filmagens para
que pudessem fazer suas observações. Esses dados foram analisados e a partir deles foram
destacados resultados significativos nos aspectos artísticos, musicais e humanos. Tanto no que
diz respeito à percepção, execução rítmica, melódica e harmônica, expressão corporal,
interpretação teatral, desenvoltura de palco e coordenação motora, como os aspectos
psicossociais de entrosamento no grupo, superação de bloqueios emocionais e de timidez assim
como elevação da auto-estima e dos aspectos cognitivos relacionados com a criatividade e
memorização, além da aquisição de conteúdos culturais.

Em 2009, dando prosseguimento aos seus estudos anteriores, Santa Rosa, recorrendo a
procedimentos metodológicos participativos, dialógicos, recorrendo mais uma vez à
interdisciplinaridade artística dentro da Educação Musical, mantendo como proposta estimular a
abertura da Prática Coral para outras linguagens artísticas, como o teatro e a dança, dentro do
ensino da música, através do Teatro Musical. Ela conclui, mais uma vez, que a união dessas
artes como recurso pedagógico tem contribuindo fortemente para o desenvolvimento de
educandos nos aspectos psicossociais, cognitivos e artísticos, além de contribuir para o
desenvolvimento da autonomia dos sujeitos.

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Outras dimensões da prática coral
Além desse olhar panorâmico na literatura que conjuga a regência coral e a Educação Musical e
a abertura para outros coros a exemplo do coro cênico, muitos autores, além de se apropriarem
das diversas possibilidades educacionais oferecidas pela prática coral, começam a dirigir o seu
olhar também para outras dimensões da prática coral como o desenvolvimento sócio interativo
musical presentes nessa experiência musical coletiva.

Mathias (1986), em seu livro Coral, um Canto Apaixonante, expressa uma visão mais ampliada
da prática coral, considerando que a música intervém em cinco partes principais da dimensão
humana: pessoal, grupal, comunitária, social e política. Para ele, a música atravessa as estruturas
de nossas identidades, harmonizando-nos nas dimensões pessoal, interpessoal, e comunitária.
Propõe ainda que “cada maestro deve sentir as necessidades de seus cantores e propiciar-lhes
momentos de descoberta, fazendo com que cada um se perceba uma peça importantíssima
dentro da engrenagem social” (Mathias, 1986, p 18).

Efetivamente, Mathias aborda a regência coral como um prolongamento da Educação Musical.


Ainda destacando a dimensão pessoal, grupal, comunitária, social e política presentes na ação
do som ele afirma:

[...] com isso pretendemos reunir e unir as pessoas para fazerem música,
cantar e sentir o grande poder de comunicação que vem dentro de cada um,
através do CORAL – um canto apaixonante. Para tal é necessária
competência humana e técnica, curiosidade de criança, coragem de
astronauta e vontade de se lançar [...]. (Mathias, 1986: 17)

O autor acentua que o regente ideal é aquele que faz com que as pessoas cresçam em suas
múltiplas dimensões, que valoriza o esforço de cada indivíduo através das suas inter-relações
pessoais, buscando a união dentro do grupo, estimulando a fraternidade, propiciando um melhor
conhecimento de si e dos outros, de nossas aspirações e ajudando-nos a compreender melhor
nossas limitações. (Mathias, 1986)

Fucci Amato (2007), em seu artigo “O canto coral como prática sócio-cultural e educativo-
musical”, também aborda aspectos como a motivação, a inclusão social e a integração
interpessoal, que podem ser desenvolvidos a partir da participação em coros de diversas
formações. Ela ainda afirma que o canto coral se constitui em uma relevante manifestação
educativo-musical e em uma significativa ferramenta de ação social.

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Pereira e Vasconcelos (2008), do mesmo modo, desenvolveram um estudo sobre as dimensões
pessoal, interpessoal e comunitária com o intuito de observar o processo de socialização
presente no canto coral. Eles constataram que a prática musical conduz simultaneamente ao
aprendizado e ao desenvolvimento de relações com a música, também com os outros e com a
comunidade.

Em 2009, Fucci Amato volta a escrever sobre canto coral, acrescentando outros aspectos, dessa
vez abordando a motivação envolvendo as áreas de gestão de recursos humanos, música,
Educação Musical e psicologia tendo como campo empírico estudantes do bacharelado e da
licenciatura que freqüentaram as disciplinas Regência Coral da Faculdade de Música Carlos
Gomes (São Paulo) para delinear a relevância da motivação na prática coral e fatores
motivacionais que influem nesse contexto.

Portanto, pode-se perceber, através dos aspectos levantados pelos autores acima, que um olhar
mais contemporâneo voltado enquanto seres sociais, já começa a fazer parte da literatura sobre
regência coral e Educação Musical.

Além desses autores nacionais, também já se pode notar nas teses de doutorado e artigos da
literatura internacional2, o interesse de alguns estudiosos americanos e europeus pelos trabalhos
de investigação científica também voltados para a construção dos sujeitos, assim como para os
diversos contextos onde o coro acontece.

Sharlow (2006), por exemplo, investigou aspectos comportamentais dos pontos de vista
psicológicos, sociológicos e antropológicos presentes no coro que estão relacionados com a
interação e o desenvolvimento das formações de grupos através da análise e do acesso à
percepção do regente na comunidade da prática coral. Para a pesquisa, ao buscar compreender
como os regentes pensam sobre os aspectos da confiança, compromisso, comunicação e
relacionamento entre eles e os seus coristas, o autor entrevistou 295 regentes de coros
americanos incluindo regentes de coros do ensino elementar, secundário, colegial, de
comunidade, profissional, e de coros de igreja.

Conway e Hodgman (2008), por sua vez, publicaram um artigo, na revista Journal Research of
Music Education, sobre um projeto destinado a observar o desempenho colaborativo
intergeneracional entre os membros de um coro de colégio aberto à comunidade. Entrevistando
os coristas e o regente, eles investigaram e descreveram as experiências vividas pelos

2 Tradução da autora.

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participantes desse coro. Os resultados apontaram para um desempenho de alto nível, uma
melhor compreensão do outro e não constataram nenhuma resistência entre as gerações.
Também concluíram que os desafios identificados estavam relacionados à preparação para a
cooperação entre os participantes e às questões relativas ao posicionamento dos cantores no
coro.

Betty e Davidson (2005) estudaram os efeitos do canto em grupo formado por indivíduos à
margem da sociedade, sem formação musical ou experiência coral. Os resultados da pesquisa
mostraram que os efeitos emocionais trazidos pela prática coral são semelhantes se não se levar
em conta as questões sócio-econômicas, embora tenham sido percebidos diferentes significados
entre os coristas que estão à margem e os que são de classe média. Enquanto os primeiros
experimentam tudo que o grupo pode oferecer, os da classe média se inibem, prevalecendo as
expectativas estético-musicais. Os autores afirmam que esses resultados são relevantes para os
educadores musicais, terapeutas e regentes que desejam criar um ambiente de coral com os
benefícios do canto sob as regras da elite.

Titcomb (2000) interessado em Educação Musical informal de amadores, tenta entender os


processos e a interação cultural que acontecem nos aprendizes adultos de um coro, dentro de um
contexto social de igreja. A investigação foi feita com observação participante de 35 ensaios e
43 apresentações públicas do coral durante dez meses. O objetivo foi de fazer uma descrição
detalhada da cultura do coral e do processo de aprendizagem e criação coletiva dos coristas.

Richards e Durrant (2003) partem da ideia que cantar é um valor e um desejo presente em todas
as culturas do mundo e que, frequentemente no contexto musical elitista das sociedades
ocidentais, isso é tido como uma escolha. Os pesquisadores observaram e entrevistaram, por
sete meses, adultos que não se consideravam cantores e que freqüentavam aulas de Educação
Musical para aprenderem a cantar. Os pesquisadores, através dessas observações, concluíram
que o desenvolvimento do canto depende da sensibilidade e do cuidado do regente ou professor,
pois as pessoas só precisam de oportunidade. 3

Enfim, Os autores estrangeiros também se preocupam com as questões da interação no coro e da


conjugação entre a regência coral e a Educação Musical. Sharlow (2006) com interação e o
desenvolvimento das formações de grupos, Conway e Hodgman (2008) com o desempenho
colaborativo intergeneracional. Betty e Davidson (2005) estudaram os efeitos do canto em

3 Tradução da autora.

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grupo formado por indivíduos a margem da sociedade sem formação musical ou experiência
coral. Titcomb (2000) tenta entender os processos e a interação cultural que acontecem nos
aprendizes adultos de um coro, dentro de um contexto social de igreja Richards e Durrant
(2003) argumentam que o desenvolvimento do canto depende da sensibilidade e do cuidado do
regente ou professor, pois as pessoas só precisam de oportunidade. 4 Durran (2000) busca
atividades encorajadoras aos indivíduos para serem introduzidas em escolas, igrejas e
comunidade em geral.

Na consulta ao banco de teses da CAPES, os resultados foram obtidos com a utilização das
palavras chaves: Prática Coral - Canto Coral - Coral e Educação Musical. Das teses de
doutorado, pôde-se constatar que apenas cinco teses, até aquele momento, aproximavam-se da
prática coral na visão também da Educação Musical.

Ao final, o meu estudo pretendeu focar especificamente as interações pedagógico- musicais


desveladas na ocasião dos ensaios e das apresentações públicas, assim como as interações sócio
musicais que eram configuradas a partir dessa prática pedagógica. Além disso, pretendeu-se
entender o efeito que a participação nas práticas corais podia vir a ter na vida social dessas
pessoas.

Para isso, estive apoiada por alguns desses autores até esta data referenciados e que tratam com
mais propriedade dos processos sociais subjacentes às práticas corais. Eles foram retomados
com maior profundidade no capítulo do referencial teórico na expectativa de que, juntamente
com outros autores que têm refletido sobre a crise da modernidade e sobre o campo da
Educação Musical, ajudaram tanto no aclaramento do objeto como na definição do foco do
estudo. No entanto, à luz da literatura consultada, percebo que as preocupações com as questões
pedagógico-sociais estavam em fase inicial de abordagem científica na esfera do canto coral.

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4 Tradução da autora.

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Leila Miralva Martins Dias


Doutora em Educação Musical – UFRGS; Membro do Programa de Pós-Graduação de Música-UFBA;
Professora Associada da Escola de Música-UFBA; Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Musical
e Cotidiano liderado pela Dra Jusamara Souza; Líder do Grupo de Estudos Educação Musical,
Interações e Cotidiano-EMIC; Mestra-Universidade de Manchester. Coordenadora de Projetos Corais –
Extensão- UFBA.

Recibido 06/11/2014
Aceptado 30/03/2015

Enseñar música: Revista panamericana de investigación – Indizada por Latindex 95

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