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RECENSIONES
Leila Dias
Universidade Federal da Bahia –UFBA
Salvador, Bahia. Brasil
leidias@yahoo.com
Introdução
As experiências vividas, enquanto coordenadora de um Projeto de Extensão que abrigava
simultaneamente cinco corais de diferentes faixas etárias em uma universidade brasileira, por
mais de vinte anos, motivaram-me a desenvolver estudos doutorais voltados para a Educação
Musical através da Prática Coral. Com essas experiências, aprendi que além dos exercícios de
técnica vocal e a execução dos arranjos, materializava-se também um outro conjunto de
exercícios relacionais, de ordem psicossocial, como diferentes tipos de interações que poderiam
resultar em práticas de vida social.
Os corais comumente dito “amadores”, dado que os seus integrantes não são profissionalizados,
nem sempre são constituídos de um número equilibrado de vozes em cada naipe. Também há
coros em que a maioria das pessoas não lê partitura musical. Assim, o modo de ensaiar o
repertório precisa ser administrado diante dessas circunstancias, recorrendo a mecanismos de
apoio diversos, como gravação de CDs e ensino por oralidade. Esses coros são constituídos por
adesão voluntária de seus integrantes.
Desse modo, o educador musical ou regente se vê diante do desafio de, ao mesmo tempo,
encontrar modos de atender a essas expectativas, de produzir um resultado artístico importante e
estar atento às questões psicossociais dos sujeitos envolvidos em cada prática coral.
Assim, além dos aspectos musicais e artísticos, a prática coral deve ser vista como um
fenômeno social, tornando-se necessário que os regentes possam olhar para as questões de
grupo, as subjetividades dos envolvidos e, ao mesmo tempo, as sociabilidades que são
construídas a partir das interações vividas nessa experiência musical.
Este texto, portanto, é resultante de uma revisão de literatura realizada em função da pesquisa de
doutorado1 sobre a Prática Coral enquanto processo de Educação Musical que se desenvolveu
entre os anos de 2007 a 2011. Assim, esta revisão serviu de base para a delimitação do objeto de
estudo, qual seja as interações que se dão na Prática Coral e seus possíveis desdobramentos na
vida cotidiana dos coristas. Assim, entre os anos de 2007 – início da pesquisa e 2009 até o
Exame de Qualificação, a pesquisa teve como uma das metas investigar autores brasileiros e
estrangeiros que tratavam da Prática Coral com ênfase nos aspetos psicossociais dos sujeitos
envolvidos na experiência coral, além dos aspectos estético-musicais, como é próprio da área de
Educação Musical.
1Pesquisa realizada junto ao Programa de Pós-graduação em Música – Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
UFRGS - na área de concentração de Educação Musical e orientada pela Professora Dra. Jusamara Souza.
Diante desse panorama, a revisão de literatura baseou-se na produção acadêmica que trata da
Regência Coral sob o olhar da educação musical que tem uma perspectiva voltada para os
sujeitos participantes do coro. Para isso, recorreu-se ao banco de teses e dissertações da CAPES
e aos acervos disponibilizados pelos programas de pós-graduação em música no Brasil, assim
como a artigos e teses elaboradas no exterior, cujas referências estão disponíveis em redes
eletrônicas. Também foram consultados sites e revistas especializadas em música e em
Educação Musical, periódicos de associações de professores e pesquisadores das áreas de
regência coral e Educação Musical para a prática coral. Abaixo, serão apresentadas as
referências consideradas importantes, na sequência em que foram recolhidas.
Embora não tenha realçado os aspectos sociais do coro, Figueiredo (1990), regente e educador
musical, desenvolveu sua dissertação investigando o ensaio coral como momento de
aprendizagem numa perspectiva de Educação Musical. Para ele, o ensaio coral é um momento
de aprendizagem e de Educação Musical e, em consequência, o planejamento do ensaio já deve
ser elaborado na perspectiva da Educação Musical. Do mesmo modo, a técnica vocal também é
exercitada como recurso na aprendizagem musical.
Sampaio de Souza conclui seu estudo apontando o momento histórico de inserção da música
popular brasileira no repertório de corais, destacando a sua importância como recurso educativo,
e alertando, finalmente, sobre a necessidade de escolhas criteriosas na elaboração dos arranjos, a
importância do canto coral como meio de Educação Musical e como forma de humanização,
proporcionando o contato e a reflexão sobre a própria cultura.
Por sua vez, Assumpção (2003) desenvolveu seu trabalho a partir de uma análise da disciplina
Canto Coral inserida no curso livre de Formação Musical da Fundação das Artes de São
Caetano do Sul, com base em autores da área musical e de áreas afins: Edgar Morin, Jean
Piaget, Howard Gardner, Keith Swanwick, Émile Dalcroze, Zoltan Kodály e Doreen Rao. A
autora buscou identificar elos entre as ideias destes autores e sua importância na construção do
conhecimento, no agir e no compreender o figurativo e o formal, na intuição e na análise. O
conhecimento musical é compreendido como uma construção própria que cada indivíduo realiza
a partir da experiência e na qual as capacidades humanas de intuição e análise entrelaçam-se
para integrar diversos níveis de conhecimento. A autora destacou a importância do Canto Coral
Por sua vez, desenvolvendo seus estudos em práticas religiosas, Schleifer (2006), afirmou que a
atividade do canto coral em instituições religiosas pode configurar-se como um cenário de
educação não-formal, já que consiste na socialização dos cantores proporcionando lazer,
educação vocal/musical e resgate cultural, sem regras rígidas e cobranças de desempenho dos
coristas. Acrescenta que existem requisitos mínimos para que esta atividade apresente qualidade
musical, preserve a voz dos integrantes e seja agradável aos ouvidos daqueles que os assistem.
Diante da observação de que muitos coristas religiosos estavam despreparados para cantar de
modo saudável realçou o papel do regente como condutor do grupo, e do seu conhecimento para
realizar o exercício da regência como fundamental para o bom andamento do trabalho e para a
saúde vocal dos participantes. O pesquisador realizou entrevistas com regentes de corais
evangélicos da Igreja Assembléia de Deus e concluiu que o regente é o profissional responsável
pela técnica e cuidados vocais dos coristas, mas que faz isso de forma secundária, já que a
valorização maior está em seu papel de líder de um grupo de fiéis, reconhecendo o coral como
um canteiro de amizades, recreação e, acima de tudo, prática da fé.
Coro cênico
Acredita-se que o acréscimo de outras artes à prática coral promove ainda mais elementos de
agregação dos sujeitos. Portanto, para uma melhor compreensão das contribuições que o coro
cênico pode trazer para as propostas de Educação Musical mais contemporânea, e ainda nessa
visão conjugada da regência coral com a Educação Musical, tornou-se relevante acrescentar
também uma revisão de literatura sobre o coro cênico.
Oliveira (1999), baseado em relatos de experiências com coros envolvidos com a linguagem
cênica, defendeu a ideia de que o canto coral, antes uma linguagem unidirecional, volta-se à
concepção múltipla de expressão artística. Após a observância e análise de assuntos específicos,
tais como técnicas desenvolvidas e processos de comunicação, ele observou as possibilidades,
tendências e limites do coro-cênico.
Na mesma linda de pensamento, Santos (2000), afirmou que com essa tendência à expressão
cênica do coro, vêm-se possibilitando uma postura de palco diferente daquela vinda dos moldes
tradicionais mantida durante muitos anos nos corais eruditos do Brasil e do mundo. Estas
práticas, segundo ela, têm como objetivo ampliar o nível de expressão e motivação dos coristas
através da integração entre as linguagens artísticas, além de provocar um maior interesse e
envolvimento da plateia.
Pereira e Xavier (2009) defendem a ideia de que o coro cênico proporciona a formação humana
e musical numa perspectiva sócio musical, por meio de atividades que são desenvolvidas nos
ensaios, de modo a buscar a formação da sensibilidade e integração coletiva. Argumentam que
esta experiência também educa e interage com o ouvinte de forma lúdica, fazendo com que seja
criado um elo entre o coro e a plateia.
Santa Rosa (2006) estudou a interdisciplinaridade das artes na prática coral através de filmagens
realizadas durante período de construção de um espetáculo musical e de questionários
respondidos pelos coristas. O processo avaliativo do estudo considerou as visões dos alunos, da
professora e de três especialistas independentes aos quais foram submetidas as filmagens para
que pudessem fazer suas observações. Esses dados foram analisados e a partir deles foram
destacados resultados significativos nos aspectos artísticos, musicais e humanos. Tanto no que
diz respeito à percepção, execução rítmica, melódica e harmônica, expressão corporal,
interpretação teatral, desenvoltura de palco e coordenação motora, como os aspectos
psicossociais de entrosamento no grupo, superação de bloqueios emocionais e de timidez assim
como elevação da auto-estima e dos aspectos cognitivos relacionados com a criatividade e
memorização, além da aquisição de conteúdos culturais.
Em 2009, dando prosseguimento aos seus estudos anteriores, Santa Rosa, recorrendo a
procedimentos metodológicos participativos, dialógicos, recorrendo mais uma vez à
interdisciplinaridade artística dentro da Educação Musical, mantendo como proposta estimular a
abertura da Prática Coral para outras linguagens artísticas, como o teatro e a dança, dentro do
ensino da música, através do Teatro Musical. Ela conclui, mais uma vez, que a união dessas
artes como recurso pedagógico tem contribuindo fortemente para o desenvolvimento de
educandos nos aspectos psicossociais, cognitivos e artísticos, além de contribuir para o
desenvolvimento da autonomia dos sujeitos.
Mathias (1986), em seu livro Coral, um Canto Apaixonante, expressa uma visão mais ampliada
da prática coral, considerando que a música intervém em cinco partes principais da dimensão
humana: pessoal, grupal, comunitária, social e política. Para ele, a música atravessa as estruturas
de nossas identidades, harmonizando-nos nas dimensões pessoal, interpessoal, e comunitária.
Propõe ainda que “cada maestro deve sentir as necessidades de seus cantores e propiciar-lhes
momentos de descoberta, fazendo com que cada um se perceba uma peça importantíssima
dentro da engrenagem social” (Mathias, 1986, p 18).
[...] com isso pretendemos reunir e unir as pessoas para fazerem música,
cantar e sentir o grande poder de comunicação que vem dentro de cada um,
através do CORAL – um canto apaixonante. Para tal é necessária
competência humana e técnica, curiosidade de criança, coragem de
astronauta e vontade de se lançar [...]. (Mathias, 1986: 17)
O autor acentua que o regente ideal é aquele que faz com que as pessoas cresçam em suas
múltiplas dimensões, que valoriza o esforço de cada indivíduo através das suas inter-relações
pessoais, buscando a união dentro do grupo, estimulando a fraternidade, propiciando um melhor
conhecimento de si e dos outros, de nossas aspirações e ajudando-nos a compreender melhor
nossas limitações. (Mathias, 1986)
Fucci Amato (2007), em seu artigo “O canto coral como prática sócio-cultural e educativo-
musical”, também aborda aspectos como a motivação, a inclusão social e a integração
interpessoal, que podem ser desenvolvidos a partir da participação em coros de diversas
formações. Ela ainda afirma que o canto coral se constitui em uma relevante manifestação
educativo-musical e em uma significativa ferramenta de ação social.
Em 2009, Fucci Amato volta a escrever sobre canto coral, acrescentando outros aspectos, dessa
vez abordando a motivação envolvendo as áreas de gestão de recursos humanos, música,
Educação Musical e psicologia tendo como campo empírico estudantes do bacharelado e da
licenciatura que freqüentaram as disciplinas Regência Coral da Faculdade de Música Carlos
Gomes (São Paulo) para delinear a relevância da motivação na prática coral e fatores
motivacionais que influem nesse contexto.
Portanto, pode-se perceber, através dos aspectos levantados pelos autores acima, que um olhar
mais contemporâneo voltado enquanto seres sociais, já começa a fazer parte da literatura sobre
regência coral e Educação Musical.
Além desses autores nacionais, também já se pode notar nas teses de doutorado e artigos da
literatura internacional2, o interesse de alguns estudiosos americanos e europeus pelos trabalhos
de investigação científica também voltados para a construção dos sujeitos, assim como para os
diversos contextos onde o coro acontece.
Sharlow (2006), por exemplo, investigou aspectos comportamentais dos pontos de vista
psicológicos, sociológicos e antropológicos presentes no coro que estão relacionados com a
interação e o desenvolvimento das formações de grupos através da análise e do acesso à
percepção do regente na comunidade da prática coral. Para a pesquisa, ao buscar compreender
como os regentes pensam sobre os aspectos da confiança, compromisso, comunicação e
relacionamento entre eles e os seus coristas, o autor entrevistou 295 regentes de coros
americanos incluindo regentes de coros do ensino elementar, secundário, colegial, de
comunidade, profissional, e de coros de igreja.
Conway e Hodgman (2008), por sua vez, publicaram um artigo, na revista Journal Research of
Music Education, sobre um projeto destinado a observar o desempenho colaborativo
intergeneracional entre os membros de um coro de colégio aberto à comunidade. Entrevistando
os coristas e o regente, eles investigaram e descreveram as experiências vividas pelos
2 Tradução da autora.
Betty e Davidson (2005) estudaram os efeitos do canto em grupo formado por indivíduos à
margem da sociedade, sem formação musical ou experiência coral. Os resultados da pesquisa
mostraram que os efeitos emocionais trazidos pela prática coral são semelhantes se não se levar
em conta as questões sócio-econômicas, embora tenham sido percebidos diferentes significados
entre os coristas que estão à margem e os que são de classe média. Enquanto os primeiros
experimentam tudo que o grupo pode oferecer, os da classe média se inibem, prevalecendo as
expectativas estético-musicais. Os autores afirmam que esses resultados são relevantes para os
educadores musicais, terapeutas e regentes que desejam criar um ambiente de coral com os
benefícios do canto sob as regras da elite.
Richards e Durrant (2003) partem da ideia que cantar é um valor e um desejo presente em todas
as culturas do mundo e que, frequentemente no contexto musical elitista das sociedades
ocidentais, isso é tido como uma escolha. Os pesquisadores observaram e entrevistaram, por
sete meses, adultos que não se consideravam cantores e que freqüentavam aulas de Educação
Musical para aprenderem a cantar. Os pesquisadores, através dessas observações, concluíram
que o desenvolvimento do canto depende da sensibilidade e do cuidado do regente ou professor,
pois as pessoas só precisam de oportunidade. 3
3 Tradução da autora.
Na consulta ao banco de teses da CAPES, os resultados foram obtidos com a utilização das
palavras chaves: Prática Coral - Canto Coral - Coral e Educação Musical. Das teses de
doutorado, pôde-se constatar que apenas cinco teses, até aquele momento, aproximavam-se da
prática coral na visão também da Educação Musical.
Para isso, estive apoiada por alguns desses autores até esta data referenciados e que tratam com
mais propriedade dos processos sociais subjacentes às práticas corais. Eles foram retomados
com maior profundidade no capítulo do referencial teórico na expectativa de que, juntamente
com outros autores que têm refletido sobre a crise da modernidade e sobre o campo da
Educação Musical, ajudaram tanto no aclaramento do objeto como na definição do foco do
estudo. No entanto, à luz da literatura consultada, percebo que as preocupações com as questões
pedagógico-sociais estavam em fase inicial de abordagem científica na esfera do canto coral.
Referências
Assumção, S. R. M. de. (2003) O canto coral sob a perspectiva da educação musical formal.
São Paulo: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
Azevedo, J. (2003). Coro Cênico: Estudo de um processo criador – Dissertação de Mestrado.
Goiás.
Bellochio, C. R. (1994). O Canto Coral Como Mediação Ao Desenvolvimento Socio Cognitivo
Da Criança Em Idade Escolar. Universidade Federal de Santa Maria.
4 Tradução da autora.
Recibido 06/11/2014
Aceptado 30/03/2015