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GESTÃO E AÇÃO GERENCIAL NAS

ORGANIZAÇÕES CONTEMPORÂNEAS:
PARA ALÉM DO “FOLCLORE”
E O “FATO”

Gelson Silva Junquilho


Departamento de Administração
Universidade Federal do Espírito Santo – UFES
v.8, n.3, p.304-318, dez. 2001 E-mail: gelson@npd.ufes.br

Resumo

Este artigo introduz o conceito de gestão como uma prática social (REED, 1989). O objetivo
principal é demonstrar que essa é uma abordagem muito importante para a compreensão da gestão e
da ação gerencial. Também apresenta uma reflexão crítica a respeito das proposições da Gestão da
Excelência nas organizações contemporâneas, um modelo de gestão que tem sido implementado no
mundo ocidental a partir das idéias de PETERS & WATERMAN (1982). A idéia da prática social cria
uma oportunidade para se pensar algumas questões não tratadas pelo modelo da Excelência tais
como a indissolubilidade entre a ação de atores organizacionais e elementos da estrutura social. Por
essa via é possível incrementar outros aspectos significantes no domínio dos estudos organizacionais
como gestão e comportamento gerencial e que se colocam além do “folclore” e o “fato”
(MINTZBERG, 1990).

Palavras-chave: prática social, gestão, ação gerencial.

1. Introdução conseqüente ação cotidiana dos gerentes era


caracterizada de forma bem distinta do que

C onhecido no início dos anos setenta pela sua


obra The Nature of Managerial Work,
Henry Mintzberg, mostrou como a gestão e a
pregava Fayol, no início do século XX, por meio
de suas famosas funções administrativas –
planejar, comandar, controlar, avaliar e
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organizar. Em um artigo mais recente o mesmo a) A técnica − a gestão é vista como instrumen-
MINTZBERG (1990), reafirma que aquelas to tecnológico neutro e racional que objetiva o
funções devem, na verdade, ser caracterizadas alcance de resultados coletivos, preestabelecidos
como o “folclore” da gestão, pois, de “fato”, os e não atingíveis sem sua aplicação. Pressupõe-se
gerentes não só têm dificuldades para o exercício a gestão a partir de estruturas racionais formali-
de atividades sistematizadas por intermédio do zadas de sistemas de controle, capazes de
planejamento, bem como tomam decisões nem garantir eficiência sobre a coordenação das ações
sempre baseadas em sistemas formalizados de humanas. As estruturas organizacionais são
informações, estando envolvidos em ambientes conceitualmente concebidas como organizações
dinâmicos em que são imperiosos os contatos formais, tomadas essas como determinantes de
informais. comportamentos dos atores organizacionais.
Entretanto, ainda que trazendo uma marcante
e reconhecida contribuição ao campo dos estudos b) A política − em resposta ao determinismo da
sobre gestão e ação gerencial, MINTZBERG perspectiva técnica, a política concebe a gestão
(1973, 1990) não discute questões que possam como um processo social. Daí a ênfase na
explicar o vínculo daquelas duas temáticas a questão do conflito de interesse entre grupos nas
possíveis condicionamentos de estruturas sociais organizações, caracterizando-se o ambiente como
mais amplas de uma sociedade, deixando vago a de grandes incertezas no qual os resultados orga-
compreensão de significados mais profundos nizacionais são buscados. Os pressupostos de
daquilo que ele descreve como “fato”, ou seja, o base são construídos a partir da noção de que as
vínculo do dia-a-dia gerencial a aspectos organizações são palcos de conflitos entre grupos
histórico-sociais de uma dada realidade. ou coalizões (CHILD, 1972; MINTZBERG,
Assim, o primeiro objetivo deste artigo é 1983) que disputam, entre si, processos de
apresentar e problematizar as abordagens sobre escolha decisória, apoiando-se, para a resolução
gestão e ação gerencial, de uso mais corrente na desses conflitos, no exercício de relações de poder.
literatura organizacional, enfocando-se suas A organização é tomada como uma “arena” de
limitações ao não abranger contextos macros- disputas de grupos dotados de interesses
sociais e suas articulações com os cenários divergentes em busca do controle das decisões.
microssociais das organizações. Como alternati- A contribuição dessa perspectiva é que ela
va é proposto o conceito apresentado por REED rejeita a concepção mecanicista e determinista da
(1984, 1985, 1989, 1995) da gestão como gestão, em troca de uma visão desta última como
“prática social”. Por fim, discute-se, criticamen- resultante de uma dinâmica advinda da ação
te, a proposta da chamada Gestão da Excelência, humana, à medida que considera os indivíduos,
preconizada por PETERS & WATERMAN em particular os gerentes, como dotados de
(1982), naquilo que se refere, principalmente, à cognoscitividade suficiente para influenciar
sua idealização do gerente “super herói”, meios e resultados organizacionais. Percebe-se
apostando-se naquilo que MINTZBERG (1990) aqui a ênfase na ação do ator organizacional.
chamou de “folclore” da gestão. Assim, uma noção central é de que a gestão
constitui-se como um sistema político em que
2. Gestão, Ação Gerencial e suas Abordagens: imperam transações negociadas, pela constitui-
a Alternativa da “Prática Social” ção de coalizões que representam diferentes
interesses do conjunto dos membros de uma

N o entender de REED (1984, 1985, 1989),


três perspectivas de análise podem ser
identificadas quanto aos estudos sociológicos
dada organização.
As estruturas organizacionais deixam de
representar o aspecto determinante dos compor-
sobre gestão nas últimas décadas: tamentos humanos, definido pela perspectiva
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técnica, em troca de uma concepção que as toma estruturas econômicas pode ser tomada de
como resultante de processos dinâmicos e formas variadas e complexas nas organizações.
contínuos de negociações entre interesses,
advindos de interpretações distintas dos seus Essas três abordagens, segundo REED (1989)
atores, no que tange às regras e objetivos configuram problemas que, no seu entender, não
organizacionais. Logo, por meio de processos de se encontram resolvidos, dentre eles: a) a não-
negociação entre interesses políticos divergentes, contemplação, nos modelos de análise, de uma
as estruturas organizacionais são modeladas e proposta que integre, numa mesma perspectiva,
até mesmo transformadas. as idéias de contexto institucional, estrutura
organizacional e comportamento gerencial;
c) A crítica − segundo REED (1989), essa b) a ênfase ora no determinismo das estruturas,
perspectiva é, de certa forma, uma alternativa à ora na ação humana estratégica, ambas posições
perspectiva política no sentido de que essa mutuamente excludentes.
última, ao enfatizar a ação humana, promove A proposta, segundo REED (1989), passa por
uma espécie de negligência dos chamados pensar uma abordagem que possa incorporar, ao
aspectos institucionais inerentes às estruturas de mesmo tempo, à análise da gestão os níveis
poder e de controle da economia política de uma institucional, organizacional e comportamental,
dada sociedade. Assim, na perspectiva crítica, a permitindo as interseções entre a ação gerencial,
gestão, influenciada pela abordagem organiza- a dinâmica da organização e o contexto
cional marxista, é vista como mecanismo de macroestrutural. Entende-se daí a intenção de
controle social, atrelada a imperativos de ordem vincular ação e estrutura, concebendo-se esta
econômica, impostos por uma ordem capitalista última como inerente ao que GIDDENS (1984)
de produção. denominou de dualidade estrutural. Essa
Nessa perspectiva, a questão dos conflitos alternativa é, então, a perspectiva da gestão
políticos entre grupos organizacionais não é como “prática social” capaz de integrar, em seu
negada, mas o que se acentua é que esses bojo, questões inerentes aos dilemas éticos e
processos têm que ser entendidos como estando políticos aos quais as organizações e os seus
vinculados a determinadas estruturas capitalistas gestores são submetidos no dia-a-dia.
de produção, das quais a organização é parte, e Dessa forma, aqueles atores passam a ser
que definem imperativos para a própria vistos não só como agentes responsáveis pelo
sobrevivência do sistema econômico como tal. exercício da disciplina e dos interesses organiza-
Os gestores são concebidos como representantes cionais, mas também como vivenciadores de
da ordem capitalista a qual reproduzem por meio conflitos e contradições, muitos deles inerentes
das estruturas organizacionais. Os estudos, sob às formas de atingimento daqueles mesmos
essa perspectiva, enfatizam as contradições da objetivos, dado que as organizações são, por
gestão organizacional, ressaltando-se, entre elas, outro lado, tomadas como “locus” de contradi-
a questão da necessidade do exercício do controle ções estruturais e processuais que se refletem na
e cooperação no trabalho; o papel da gestão na prática gerencial. O conceito de prática social
regulação de conflitos entre capital e trabalho; utilizado por REED (1989), é tomado empresta-
bem como os conflitos de papel dos gerentes, do de HARRIS (1980, p. 29) como sendo o
enquanto responsáveis pela manutenção da ordem engajamento num conjunto de
capitalista, mas também subordinados a ela. A ...ações inteligíveis através de conceitos que
perspectiva crítica também permite o estudo de as informam, as quais devem ser entendidas
questões inerentes às resistências dos trabalhado- como dirigidas a fins específicos comparti-
res aos processos de controle capitalista, a partir lhados por todos os membros de uma
da percepção de que a determinação das comunidade, conjunto de ações este que é
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definido através dos meios adotados para o omite as relações sociais a partir das quais ela
alcance daqueles fins, entendidos estes emerge e é dependente.
como determinados pelas condições sob as A gestão como prática social pode ser identi-
quais a prática é empreendida. ficada a partir de cinco fatores distintos, porém
Em GIDDENS (1979, 1984), o conceito de inter-relacionados (REED, 1989, p. 22):
prática social ganha ainda mais relevo no sentido 1. a classe de ações nas quais os pratican-
de que ele reafirma a sua preocupação em tes estão engajados como membros de
destacar que a vida social, diferentemente das uma comunidade ou prática;
coisas da natureza, ocorre a partir de “skilled 2. os conceitos através dos quais certos
performances” dos agentes humanos. Daí a objetivos ou problemas compartilhados
prática social tem a ver com procedimentos, são identificados de um modo significa-
métodos e técnicas, executados e manejados de tivo pelos praticantes como base para o
forma apropriada por esses mesmos agentes engajamento em interações recíprocas;
sociais, tomando como base a consciência que 3. os objetivos ou problemas através dos
eles detêm sobre os procedimentos de uma ação, quais a prática é tomada e como é co-
isto é, aquilo que o autor chama de conhecimen- municada através do vocabulário con-
to mútuo (“mutual knowledge”), ou seja, um tipo ceitual dos seus praticantes;
de conhecimento que é compartilhado por todos 4. os meios ou recursos (material ou
aqueles atores sociais cognoscitivos que, em simbólicos) através dos quais o alcance
outras palavras, sabem como se comportar ou de projetos importantes é buscado;
prosseguir em determinadas situações cotidianas. 5. as condições situacionais ou limitadoras
A prática social concilia condutas e atos de sob as quais atividades recíprocas, os
agentes humanos cognoscitivos sem, por outro recursos que elas requerem e as relações
lado, desconsiderar as estruturas sociais que são que elas engendram entre os seus prati-
referências para aqueles mesmos agentes em cantes são configurados e conduzidos.
processo de interação social (GOFFMAN, Da noção de prática social, REED (1995,
1983), tornando possível a dualidade macro e p. 79) define o conceito de gestão “como uma
microssocial, sem privilégio de um nível sobre o configuração frouxamente integrada de práticas
outro ou até de sua independência mútua, mas sociais dirigidas à junção de e controle sobre
sim como pólos complementares. diversos recursos e atividades requeridos à
ALVESSON & WILLMOTT (1996), anali- produção”. As organizações são pensadas então
sando criticamente os conceitos sobre gestão, como conjunto de práticas nas quais seus
também a classificam como uma prática social indivíduos estão rotineiramente engajados na
no sentido de que seu conteúdo deve ser tomado manutenção ou reestruturação dos sistemas de
como inerente a relações histórico-culturais de relações sociais nas quais eles estão coletiva-
poder que, ao mesmo tempo, facilitam e mente envolvidos (REED, 1985).
restringem tanto sua existência como sua Assim, pode-se inferir que os gerentes não
evolução numa dada sociedade. Nesse sentido, devem ser tomados exclusivamente como
os autores afirmam que não se deve tomar a agentes imparciais e defensores dos interesses
gestão como simples instrumento para a busca organizacionais. O trabalho gerencial deve ser
de compromissos comuns e de alcance de percebido como dotado de tensões que são
produtividade organizacional. Ou seja, sua inerentes às relações de produção que pressu-
redução a uma técnica neutra, imparcial, dotada põem conflitos de interesses quanto à distribui-
de habilidades profissionais, pela qual se atinge ção de recursos e gestão do trabalho, conflitos
a eficiência. Negligencia-se aí o seu aspecto esses que perpassam todo o universo organiza-
político, isto é, a gestão como atividade técnica cional, incluídos aí também os gerentes.
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3. A Ação e o Trabalho Gerenciais sob a WILLMOTT (1984, 1987), WHITLEY (1989),


Ótica da Prática Social nas Organizações HARROW & WILLCOCKS (1990), reafirmam
Produtivas essa tendência no sentido de que por esse viés
muitos desses estudos deixam a desejar, pois
• negligenciam o vínculo entre as atividades
N a interpretação de REED (1989), o papel
dos gestores costuma assumir, nas
abordagens sobre gestão por ele criticadas,
dos gerentes e os arranjos institucionais nos
quais eles atuam (regras e recursos produzi-
distintas caracterizações, a saber: a) na perspec- dos institucionalmente);
tiva técnica, cabe aos gerentes a busca de resul- • focam, em geral, as diferenças do comporta-
tados eficientes, obtidos pelos instrumentos e mento individual dos gerentes e não o traba-
técnicas formais que, em determinados momen- lho gerencial como expressando arranjos
tos, impõem-se às suas ações; b) na perspectiva institucionalizados que, ao mesmo tempo, são
política, o corpo gerencial é considerado como condição e conseqüência da ação gerencial;
agente calculador que utiliza espaços de poder • não exploram, de forma crítica, as distinções
em ambientes de grandes incertezas, sob os entre elementos técnicos e políticos do traba-
quais têm pouco controle, buscando fazer valer lho gerencial;
seus objetivos e interesses nas “arenas” organi- • privilegiam a abordagem do relato descontex-
zacionais; c) na perspectiva crítica, os gestores tualizado da atividade gerencial sem uma
são portadores e defensores da transmissão de perspectiva crítica.
uma ordem econômica que é dissimulada por Evidências desse tipo de abordagem podem
meio de instrumentos ideológicos. ser demonstradas a partir de obras clássicas
O entendimento da gestão como prática social sobre o trabalho gerencial: TAYLOR (1960),
permite a ampliação dos focos de estudos sobre FAYOL (1970), BARNARD (1938), DALTON
as diversas práticas que os gerentes desenvolvem (1959), MINTZBERG (1973) e KOTTER (1982).
em seu trabalho cotidiano, visando ao controle da Resumindo esses trabalhos, WILLMOTT (1984,
atividade produtiva, num contexto de complexi- 1987) aponta suas limitações:
dade e diferenciações em que eles operam. Assim, • TAYLOR (1960): caracteriza o trabalho
essas mesmas práticas devem ser consideradas gerencial como elemento funcional das orga-
como instáveis e até certo ponto contraditórias, nizações, sendo os gerentes responsáveis pela
tendo em vista que mecanismos de controle per- apropriação das habilidades (“expertise”) dos
passam diversos níveis organizacionais, dotados trabalhadores, traduzindo-as e padronizando-
de distintas lógicas e interesses, criando-se, a as, expandindo o papel de controle e poder
partir daí, dificuldades para o exercício daquele dos primeiros;
mesmo controle. Por outro lado, determinadas • FAYOL (1970): os gerentes são encarregados
soluções para esses conflitos podem, do mesmo do desenho racionalizado de estruturas admi-
modo, gerar novas instabilidades e demandar nistrativas responsáveis pela organização do
distintas outras tantas alternativas (REED, 1995). trabalho. Seu papel tem a ver com o zelo das
Mais ainda, pela noção de prática social, é chamadas funções administrativas, destacan-
possível, no entender de REED (1995), ultrapassar do-se a sua autoridade formal para alcance de
o dualismo entre a estrutura e a ação no que diz objetivos organizacionais;
respeito ao estudo da agência dos gerentes nas • BARNARD (1938): define a importância da
organizações, já que grande parte da literatura autoridade superior do executivo na manu-
que versa sobre a análise do trabalho gerencial não tenção da cooperação organizacional;
leva em consideração a inserção dos processos • DALTON (1959): observa os conflitos psico-
histórico-sociais que são subjacentes aos compor- lógicos em nível individual dos gerentes,
tamentos dos gerentes. Outros autores, entre eles, abstraindo do seu papel as tensões estruturais;
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• MINTZBERG (1973): preocupa-se em Opondo-se a essas três abordagens, no


descrever o que os gerentes fazem, negligen- sentido de que são reducionistas, WILLMOTT
ciando o como e o porquê do trabalho geren- (1987) afirma que o trabalho gerencial deve ser
cial, como se esse fosse determinado de uma classificado como político à medida que os
forma mecânica e não condicionado por gerentes não só desenvolvem habilidades
circunstâncias histórico-sociais; interpessoais específicas para conseguirem que
• KOTTER (1982): ressalta a questão do resultados sejam alcançados pela ação de tercei-
poder e das relações sociais, mas não faz ros, mas também porque envolvem a produção e
uma discussão sobre as estruturas sociais reprodução de propriedades institucionais que
que suportam a legitimidade do trabalho atuam como mediadoras na relação conflituosa
gerencial. entre capital e trabalho.
Assim, esses estudos separam o trabalho HARROW & WILLCOCKS (1990) também
gerencial do seu contexto histórico-social, insistindo nas falhas dos estudos clássicos sobre
privilegiando, de maneira geral, aspectos o trabalho gerencial, naquilo em que não
comportamentais em flagrante desconsideração consideram seus contextos institucionais, deixam
ao seu aspecto político ou, quando muito, clara a necessidade de serem realizados mais
identificando o político como habilidades e estudos sobre o tema, com o objetivo de enfocar
estratégias utilizadas pelos gerentes para o as características das funções exercidas, os
alcance de seus objetivos. Em suma, não comportamentos em relação a resultados e o
mostram as bases institucionais, isto é, os porquê e como o trabalho é executado, mostran-
elementos da dimensão da estrutura, às quais se do, enfim, que a ação dos gerentes não ocorre
vincula o trabalho gerencial. Continuando sua isolada dos contextos macrossociais nos quais
apreciação crítica, WILLMOTT (1987), assim está inserida.
como REED (1989, 1995), identifica ainda três O trabalho gerencial, de acordo com os
correntes preponderantes no estudo do trabalho primeiros estudos clássicos sobre o tema
gerencial: (FAYOL, 1970, GULICK, 1937), vem sendo
a) a abordagem unitária: aquela em que as descrito como composto de uma série de funções
relações sociais na organização são conside- básicas. Em FAYOL (1970), são definidas as
radas como racionais e giram em torno da conhecidas funções administrativas: planejar,
eficiência e alcance de resultados otimizados. coordenar, controlar, comandar e organizar. Em
Nela o trabalho gerencial expressa a divisão GULICK (1937), elas são reforçadas e amplia-
do trabalho necessária ao atingimento de das por aquilo que ele denominou ser a essência
objetivos da organização; do trabalho gerencial: o POSDCORB, isto é,
b) a abordagem pluralista: a idéia de que o planejamento, organização, assessoramento
resultado da divisão do trabalho nas organi- (“staffing”), direção, coordenação, informação
zações nada mais é do que a caracterização (“reporting”) controle contábil-financeiro
de grupos e coalizões em eterna disputa por (“budgeting”).
interesses distintos e em luta pelo poder; MINTZBERG (1973, 1990), constatando que
c) a abordagem radical: caracterizada por uma essas duas concepções clássicas têm sido
crítica as duas primeiras no sentido de que dominantes na literatura gerencial, afirma que,
elas não vinculam a natureza político- na realidade, elas dizem muito pouco sobre o
econômica da divisão do trabalho ao papel que os gerentes realmente fazem no seu
dos gerentes. Em contraposição, essa corrente cotidiano, dado que suas pesquisas revelaram
sustenta que os gerentes são condicionados e que elas podem, no máximo, significar alguns
defendem interesses exclusivos do sistema objetivos que são muito vagos em relação àquilo
capitalista de produção. que, na verdade, é o trabalho gerencial. No seu
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entender, aquelas visões clássicas não respon- 1. os gerentes têm no planejamento sistematiza-
dem à pergunta fundamental sobre o conteúdo do uma ferramenta indispensável e freqüente
desse trabalho. A partir dessa constatação, em seu trabalho. Suas pesquisas mostraram
desenvolve uma proposta distinta, chegando à que a realidade é bem distinta e que, na maior
conclusão de que o trabalho gerencial, no plano parte do tempo, eles são submetidos a uma
empírico, apresenta as seguintes características sobrecarga de atividades inerentes a visitas
(MINTZBERG, 1973): externas, atendimento a telefonemas, conver-
1. grande parte do trabalho gerencial, apesar de sas e reuniões informais, continuamente
desafiador e não programado, proporciona ao pressionados por demandas de última hora,
seu praticante compartilhar de uma certa configurando um indivíduo que está mais
porção de obrigações mais constantes e inclinado à ação de cunho imediato e pontual
regularizadas, tal como, o manejo de infor- do que àquela planificada e relacionada com
mações; médio e longo prazo;
2. o gerente é, ao mesmo tempo, um generalista 2. o gerente é aquele que não se envolve com
e especialista, no sentido de que tem que lidar atividades repetitivas. Essa afirmação não é
com fluxos de informações diversas e incer- sustentável na prática, tendo em vista que o
tezas generalizadas, mas, por outro lado, é trabalho do gerente, via de regra, comporta
forçado a dominar determinados papéis e atividades rotineiras, envolvendo reuniões
habilidades específicos; constantes, negociações, obtenção e proces-
3. grande parte do poder que o gerente detém é samento de informações do ambiente onde a
originado na sua capacidade de acesso e organização atua.
domínio de informações que nem sempre 3. o gerente tem como fonte para a tomada de
estão disponíveis às demais categorias de decisão um sistema formalizado de informa-
uma dada organização; ções estratégicas. Contrastando essa afirma-
4. o trabalho gerencial é caracterizado por uma ção folclórica, MINTZBERG (1990) escreve
grande diversidade e complexidade, tendo em que os gerentes preferem buscar informações
vista que, devido à sua natureza ilimitada, por: contatos verbais, reuniões formais ou
bem como pela necessidade de o gerente não, telefonemas, boatos, especulações;
processar uma quantidade grande de informa- relatórios rotineiros; correspondências e
ção para a tomada de decisão, torna-se neces- inspeções “in loco”.
sário o desenvolvimento de atividades nem Vários outros autores realizaram estudos,
sempre planejadas, bastante fragmentadas e procurando demonstrar a fragilidade dos
variadas, aliadas às demandas de contextos preceitos clássicos sobre o trabalho gerencial,
que exigem respostas imediatas a problemas; reafirmando, em linhas gerais, que as definições
5. muito freqüentemente, o trabalho gerencial é de FAYOL (1970) e seus seguidores, apesar de
mais baseado na intuição do gerente, bem contribuírem para o reconhecimento de aspectos
como ancorado em informações verbais do distintos do trabalho gerencial, são imprecisas e
que em processos formalizados de gestão. demasiadamente generalizantes, ao mesmo tempo
Em outro trabalho, MINTZBERG (1990), em que não permitem a percepção da relatividade
dando prosseguimento à identificação da das cinco funções administrativas em diferentes
natureza do trabalho gerencial em contraposi- funções gerenciais. A partir dessas considera-
ção aos preceitos clássicos, aponta que há ções, são inauguradas várias linhas de pesquisa
algumas pressuposições folclóricas sobre esse que passaram a tratar a natureza do trabalho
trabalho que, dificilmente, podem resistir a uma gerencial, levantando-se em conta aspectos que
observação de cunho empírico-científica, a não deixam dúvidas a respeito da diversidade e
saber: complexidade das funções gerenciais:
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• a fragmentação da atividade gerencial – processo de tomada de decisão, os gerentes


estudos empíricos, baseados em levantamen- estão sujeitos a uma gama de pressões
tos e anotações diárias, demonstraram que os advindas de coalizões de poder dotadas de
gerentes gastam seu tempo de diversas ma- interesses divergentes em relação a objetivos
neiras e em distintas atividades, inclusive organizacionais (MARCH & SIMON, 1958;
contatos informais com outros colegas SIMON, 1970; CYERT & MARCH, 1996).
(CARLSON, 1951; MINTZBERG, 1973; Dessa abordagem, fica a noção de que o
STEWART, 1976); trabalho gerencial, distintamente de outros
• o caráter político da atividade gerencial – nas organizações, é mais complexo, sendo
que, segundo DALTON (1959), é dado pela difícil considerá-lo como pré-programado,
necessidade dos gerentes de influenciar pois está sempre sujeito a ambientes incertos,
terceiros, em busca de alcance de objetivos informações não totalmente alcançáveis,
predeterminados; caracterizando-se mais pela flexibilidade,
• a importância do gerente como líder – vasta sujeito a revisões e mudanças incrementais a
linha de estudos que passou a identificar as todo momento que permitam ajustes em
características comuns inerentes a líderes busca das condições mais satisfatórias.
gerenciais, evidenciando os componentes da Essas diferentes correntes sobre o trabalho
liderança e as qualidades necessárias a um gerencial demonstram a difícil tarefa de
bom desempenho como líder (HOMANS, generalização quanto à sua definição universal.
1950; FLEISHMAN, 1953); STEWART (1997) coloca bem essa questão ao
• as características empreendedoras do gerente perguntar-se, inclusive, sobre o que significa,
– abordagem que preconizou o gerente como antes de tudo, o termo gerente (“manager”),
tomador de decisão (“decision-maker”) tendo em vista o seu uso tão comum. A autora,
racional, maximizando benefícios, avaliando então, fazendo referências à definição clássica de
conseqüências, riscos e avaliando a melhor FAYOL (1970) e acentuando as três caracterís-
solução (COLLINS & MOORE, 1970); ticas elencadas por MINTZBERG (1973) sobre
• as características não totalmente programá- os papéis gerenciais – a interpessoalidade, a
veis da decisão gerencial – perspectiva de capacidade para receber e processar informa-
estudos que, de certa forma, questiona a visão ções, a tomada de decisão – chega à conclusão
do gerente racional, assumindo o pressuposto de que os gerentes são aqueles responsáveis pelo
de que a tomada de decisão é um fato com- alcance de objetivos e resultados organizacionais
plexo e de difícil compreensão em todos os por meio de outras pessoas, reforçando, ainda
seus aspectos, levando o gerente a nem nessa consideração, que o trabalho gerencial é
sempre poder utilizar métodos predetermi- bem menos racional, ordenado, planejado do que
nados ou programados para a solução de dito por diversas correntes teóricas.
problemas, dado que não é capaz de conhecer Ampliando ainda mais essa discussão,
todas as variáveis que o cercam. É inaugu- WHITLEY (1989) escreve que o trabalho
rado, então, o conceito da “racionalidade gerencial é distinto dos demais por apresentar,
limitada”, a partir do reconhecimento de que em sua natureza, duas distinções básicas: ser
o contexto em que os gerentes atuam é discricionário, isto é, envolver escolhas e
extremamente complexo e incerto, de difícil seleções de possibilidades por partes dos
conhecimento de todas as alternativas e gerentes sobre emprego e transformação de
conseqüências. Assim, o gerente não maxi- recursos, bem como de resultados a alcançar
miza objetivos, mas escolhe alternativas mais para o cumprimento de objetivos, em condições
satisfatórias, dentre várias possíveis. Há que de incerteza sobre a melhor maneira de
se agregar também a tudo isso que, no consegui-los; ser organizacional, ou seja, estar
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vinculado a sistemas administrativos de controle indissociabilidade entre o trabalho gerencial e o


e coordenação. Com base nessas duas condições, trato com pessoas.
o autor identifica cinco grandes características De acordo com as perspectivas apresentadas
do trabalho gerencial: até aqui sobre o trabalho gerencial, fica claro que
a) interdependência e contextualidade – envolve a preocupação central de grande parte delas é
não só necessidade de interconexão entre identificar o que o gerente faz, enfatizando suas
diversos recursos e unidades organizacionais, tarefas e ainda como utiliza seu tempo, circuns-
bem como é estreitamente ligado e, de certa crevendo o campo de análise ao aspecto
forma, limitado a contextos organizacionais microssocial, abstraindo o campo macrossocial,
específicos, deixando claro que soluções de ou seja, a vinculação daquilo que o gerente faz
problemas organizacionais dificilmente podem às características maiores da sociedade em que
ser abstraídas de questões como tempo, está situado. À exceção de WHITLEY (1989),
espaço e culturas, por exemplo; que dá um certo destaque ao contexto no qual se
b) não-padronização – decorrente dos contextos enquadra a organização, os demais autores estão
diversos, bem como das várias formas nas mais preocupados com o comportamento gerencial
quais os recursos podem ser arranjados e como descolados e/ou sem condicionamentos
organizados; externos. Faz-se necessário então, afirmar-se que
c) mutabilidade e dinamicidade – as tarefas e os atores organizacionais não agem somente de
problemas gerenciais não são resolvidos de acordo com normas e interesses organizacionais,
acordo com procedimentos rigidamente mas, por participarem de uma sociedade, trazem
preconcebidos, tendo em vista as incertezas consigo, ao entrar no mundo do trabalho,
às quais o gerente é submetido, exigindo diferentes expectativas e interesses derivados de
respostas nem sempre constantes e rotineiras; suas experiências ou de status sociais de suas
d) manutenção e mudanças de estruturas vidas extra-organizacionais.
administrativas – têm a ver com a idéia de Dito de outra maneira, é preciso resgatar a
que a atividade gerencial está inserida numa contribuição de SILVERMAN (1970) que
dualidade, isto é, envolve, ao mesmo tempo, afirma que, se a sociedade define o homem, essa
continuidade de ações administrativas mesma sociedade é também definida por esse
corriqueiras, bem como sua inovação, ou mesmo homem. Trata-se de referendar-se uma
seja, sua transformação ao longo do tempo. característica essencial da ação humana, qual
Essa afirmativa permite a aproximação da seja a capacidade do ator em poder agir
atividade gerencial à idéia da re/produção diferente, proposta inclusive por GIDDENS
das práticas sociais definidas em GIDDENS (1984), que, em conjunto com outros conceitos
(1984); de sua Teoria da Estruturação, permite a visuali-
e) dependência de ações coletivas – tendo em zação, no dizer de WHITTINGTON (1994,
vista que o trabalho gerencial não é atividade p. 61), de “um mundo que possui estrutura, mas,
ou desempenho de uma única pessoa, mas não é nem monolítico e nem tampouco determi-
sim inerente à soma de esforços coordenados nado no que tange ao impedimento da ação
de diversos recursos em contextos organiza- deliberada e efetiva”.
cionais específicos. Desse modo, a idéia da gestão como uma
Assim, WHITLEY (1989) enfatiza que os prática social (REED, 1989) permite o estudo da
resultados só são alcançados de forma coletiva, ação gerencial como ligada a estruturas mais
ou seja, numa inter-relação contínua entre todos amplas à medida que, conforme escreve CLEGG
envolvidos em determinados objetivos. Essa (1994), a idéia de “prática” oferece uma
ênfase é também ressaltada por outros autores, estratégia analítica que torna viável a superação
por exemplo, STWEART (1997) que mostra a da divisão entre objetivismo e subjetivismo nos
GESTÃO & PRODUÇÃO v.8, n.3, p.304-318, dez. 2001 313

estudos organizacionais, integrando os dois Segundo CARVALHO NETO (1996, p. 93) essa
pólos, dado que o engajamento “numa prática conjuntura marcou
social envolve engajamento em ações que são “uma acirrada competição internacional
inteligíveis através dos conceitos que a infor- que levou à reestruturação produtiva da
mam e que têm que ser entendidos como economia, com a tendência à redução dos
dirigidos a fins que indivíduos estratégicos da tempos de projeto e fabricação de produtos,
organização especificam como estruturas à substituição da mão-de-obra pela crescen-
objetivas” (CLEGG, 1994, p. 34). Dentro dessa te automação e à racionalização organiza-
lógica, as organizações são concebidas como cional que traz o enxugamento das estrutu-
pontos de interseção de um conjunto de práticas ras empresariais, trazendo ainda políticas
sociais compartilhadas por atores sociais e de abertura e de privatização”.
passíveis a arranjos e rearranjos, dentre uma Surgem daí, as iniciativas inerentes às cha-
gama de estratégias de cunho institucional, isto madas novas tecnologias de gestão organizacio-
é, que dizem respeito ao campo das propriedades nais que passam a pregar a flexibilização dos
estruturais de uma dada sociedade. processos de produção, constituindo-se como
A partir dessas considerações é possível palavras de ordem a busca da qualidade total,
problematizar-se a aplicação das chamadas gestão democrática, terceirização, redução de
novas tecnologias de gestão nas organizações estoques, defeito zero, polivalência do trabalho,
contemporâneas, como a denominada Gestão da multiqualificação do trabalhador etc. (MELO,
Excelência (PETERS & WATERMAN, 1982), 1996; ANTUNES, 1995). Essas idéias foram
em que se preconiza um tipo ideal de gerente, reforçadas com o lançamento da “onda” da
generalizando-se suas potencialidades, em detri- Gestão da Excelência, preconizada por PETERS
mento de contextos institucionais mais amplos & WATERMAN (1982), como um modelo
das sociedades, bem como das organizações em capaz de conter, em seu bojo, um cabedal de
que estão inseridos. preceitos necessários ao alcance do sucesso
competitivo das organizações produtivas ociden-
4. A Gestão da Excelência e o seu Tipo Ideal tais nos mercados mundiais. Esses autores, a
de Gerente: o “Super Gerente” Versus a partir de uma pesquisa em sessenta e duas
Prática Social organizações nos Estados Unidos, definiram oito
atributos caracterizadores de empresas inovado-

N o entender de MELO (1996), o final dos


anos 60 marca o início de grandes
transformações no sistema capitalista de
ras e excelentes:
• a determinação para a experimentação cons-
tante do novo, a vontade para a inovação;
produção mundial que passa a afetar sobrema- • a proximidade junto ao cliente: a prática da
neira o chamado mundo do trabalho. Neste escuta, do conhecimento e respeito ao cliente;
último, dadas mudanças em nível macrossocial – • a busca da autonomia e do espírito empreen-
crise do dólar americano, desestabilização das dedor dos líderes e demais membros organi-
economias mundiais, aumento da inflação, zacionais;
elevação das taxas de juros nas economias • alcance de ganhos de produtividade através
centrais, a discussão sobre o papel do Estado das pessoas, tendo como base o maior envol-
como agente econômico produtivo, a saturação vimento e participação destas no trabalho;
de mercados de certos bens de consumo duráveis • compromisso com valores organizacionais e
no Primeiro Mundo, a emergência dos países do resultados esperados;
sudeste asiático e a grande competitividade de • a posição firme em torno da manutenção dos
seus produtos nos mercados internacionais – negócios que devem ser bem conhecidos por
levam à crise do modelo fordista de acumulação. todos da organização;
314 Junquilho – Gestão e Ação Gerencial nas Organizações Contemporâneas

• a procura por estruturas organizacionais O gerente é tomado então como um ser


enxutas e simples que possam dar agilidade descolado de sua realidade organizacional, bem
às decisões e processos; como dos contextos histórico-socias específicos
• equilíbrio entre centralização e descentraliza- de cada sociedade em que as organizações
ção que possa garantir a distribuição de estejam inseridas, criando-se, assim, um tipo
níveis de autonomia decisória em toda a ideal a priori, que já nasceu para liderar,
organização. independentemente dos demais atores organiza-
A partir daí, estava definido o que AUBERT cionais, concebido para aquilo que
& GAULEJAC (1991) chamaram de ascensão do MINTZBERG (1990) chamou do “folclore” da
denominado sistema gerencial que passou a pre- gestão e, mais ainda, asséptico a qualquer
ponderar em nossa sociedade. A retórica daquele condicionamento estrutural de uma sociedade
sistema produziu o homem gerencial, ou seja, qualquer em que esteja atuando. É construído,
aquele que busca na organização a sua satisfação, assim, um “super herói”, avesso a interferências
as respostas às suas angústias, sobre a qual são de qualquer ordem, típico daquele preconizado
projetadas suas necessidades, suas realizações, na abordagem técnica da gestão.
seus valores e crenças. O ideal do indivíduo A problematização desse perfil do “super
confunde-se com o ideal organizacional na gerente” é possível pelo seu confronto com a
medida em que ele a identifica como o meio de idéia da gestão como “prática social”, apresen-
satisfazer uma necessidade interna de superação. tada por REED (1989), da qual podem ser
A organização passa a ser vista como um resultantes alguns fatores que desmistificam o
locus possível para alcançar vitórias e realizar “folclore” em torno daquele super herói, à
desejos. Daí que se pode caracterizar o homem medida em que os cotidianos organizacionais
gerencial como fanático, absorvido pela idéia de implicam em construção e reconstrução de
se que deve suplantar a todo momento – o gestor sistemas de relações sociais que se configuram
de combate; narcisista que se vê como absoluto como decorrentes de aprendizados coletivos
em si mesmo e apegado a uma ética que coloca a rotineiros, oriundos esses dos saberes dos
organização como o meio único de preencher o indivíduos, isto é, daquilo que GIDDENS
vazio da sua vida interior, proporcionando-lhe (1979, 1984) definiu como cognoscitividade
um status profissional e social, pela conquista (“knowledgeability”) dos atores sociais, ou seja,
suprema de uma carreira no trabalho. Assim, pode suas capacidades de saber como prosseguir na
alcançar o sucesso e vencer a todo momento o vida social, a partir dos conhecimentos que
fracasso, tendo a satisfação da necessidade de dispõem de contextos institucionalizados em
viver como um ganhador, buscando, a todo que atuam.
momento, suplantar desafios, vencer obstáculos, Como se vê, as proposições da retórica da
superar a si mesmo (AUBERT & GAULEJAC, Excelência estão localizadas nas abordagens que
1991). percebem a gestão como uma técnica neutra e
AKTOUF (1994) enfatiza que na Gestão da cabível em qualquer organização, independen-
Excelência prevalece a figura do líder organiza- temente de qualquer sociedade na qual esteja
cional como um rei, um Deus onipotente e inserida, bem como formata um gerente que já
imortal, capaz de levar a organização ao sucesso, nasce líder, detentor de um atributo individual –
dado que, por outro lado, existem os trabalhado- carisma – capaz de “seduzir” quem quer que
res, seres passivos que não são capazes de seja. Assim, são afastadas quaisquer possibilida-
gerenciar a si próprios e, por isto, necessitam do des de se pensar as organizações como arenas
líder. Desses líderes derivam-se características em que imperam conjuntos diversos de
como auto-suficiência e obsessão quanto a interesses – a abordagem política e, mais ainda,
controles organizacionais. descoladas de arranjos institucionalizados aos
GESTÃO & PRODUÇÃO v.8, n.3, p.304-318, dez. 2001 315

quais estejam condicionadas – abordagem crítica. desempenho organizacional, necessita de ter


Do mesmo modo, os gerentes são imaginados sensibilidade para identificar e compreender
como seres imunes aos contextos macro e significados de práticas sociais existentes
microssociais. O trabalho gerencial, alheio a numa organização, articulando significados
complexidades dos universos organizacionais, é atribuídos pelos atores envolvidos naquelas
definido como um somatório das funções mesmas práticas, podendo, a partir daí,
administrativas – planejamento, comando, redefinir, coletivamente, novas e possíveis
organização, controle e organização. conjugações de práticas e significados que
Percebe-se assim, a difícil sustentação empí- possam estar em sintonia com pressupostos
rica dos pressupostos da Excelência se a eles não da Excelência, bem como com qualquer outro
for agregada a percepção da “prática social”. modelo de gestão que se queira implantar em
Dito de outro modo, não há como alcançar uma organização;
resultados “excelentes” nas organizações sem c) o trabalho gerencial não pode ser tomado
conceber-se: como alijado de sua natureza interdependen-
a) a gestão como uma construção social em que te, contextual, mutável, não-padronizada e
tanto as estruturas sociais condicionam as dinâmica, como fica implícito nos pressupos-
ações humanas, bem como essas últimas tos da Gestão da Excelência nos quais é visto
podem, no seio daquelas mesmas estruturas, como um conjunto de ferramentas de controle
transformá-las, redefinindo novos conjuntos e precisão, necessários ao alcance de metas e
de regulamentos sociais. Logo, a Excelência, resultados positivos para as organizações.
preconizada por PETERS & WATERMAN e Assim, a noção da gestão como prática
requerida pelas organizações contemporâ- social é de fundamental importância para a
neas, não existe “a priori”, mas sim como ampliação do campo de análise de estudos
resultado de processos dinâmicos e comple- organizacionais que buscam a compreensão da
xos entre organizações e seus entornos insti- ação gerencial, à medida em que permite a
tucionais externos, bem como entre elas e vinculação daquilo que é de cunho institucional
seus atores internos, definindo-se daí, conjun- aos aspectos comportamental e organizacional,
tos diversificados de práticas sociais que como sugere REED (1989). Ou seja, a idéia da
conferem conceitos, comunicação de signifi- prática social supera a fragmentação das análises
cados e guias para a ação dos membros de sugeridas pelas abordagens técnica, política e
uma dada realidade; crítica, ao mesmo tempo em que as incorpora,
b) os gerentes não podem ser concebidos como enriquecendo a compreensão das realidades
líderes inatos, prontos para atuar em defesa organizacionais nas quais os gerentes atuam.
dos negócios empresariais, tendo em vista Logo, fica evidenciado que o tipo ideal de
que a gestão é constituída de práticas sociais, gerente preconizado por meio de modelos
envolvendo a utilização de regras e recursos, preconcebidos de gestão, como o da Excelên-
materiais e/ou simbólicos, pelos atores cia, é muito mais que um “folclore”, pois sua
organizacionais em busca de seus objetivos. ação no mundo empírico é construída social-
A aceitação dessa condição é imprescindível. mente e decorrente da conjugação de fatores
Sem ela torna-se muito questionável pensar-se institucionais e organizacionais e que, ao
que um líder organizacional (preconcebido), mesmo tempo em que condicionam, permitem a
possa utilizar seus poderes mágicos em prol aquele mesmo ator prosseguir como gerente nas
de transformações daquelas mesmas práticas, organizações contemporâneas, definindo e rede-
isolando-se da ação de outros atores de seu finindo distintos perfis de atuação, impossíveis
entorno social. Assim, o gerente, para de serem predeterminados por qualquer modelo
tornar-se um líder, necessário ao melhor de gestão.
316 Junquilho – Gestão e Ação Gerencial nas Organizações Contemporâneas

5. Considerações Finais mais relevante, pois permite ainda assinalar-se


que a ação gerencial embora refletindo estruturas

B uscou-se neste “paper” a problematização


dos conceitos de gestão e da ação gerencial
na literatura organizacional, elegendo a alter-
institucionalizadas, não são exclusivamente de-
terminadas por essas últimas, pois, por meio de
suas próprias ações os atores podem ser capazes
nativa da “prática social” (REED 1984, 1989, de transformar aquelas mesmas estruturas.
1995) como capaz de preencher lacunas Essa contribuição torna-se ainda mais valiosa,
importantes naqueles mesmos conceitos. Assim, tendo-se em vista o contexto de mudanças pelo
a intenção foi mostrar, em primeiro momento, qual passam as organizações contemporâneas,
que a gestão, bem como a ação gerencial não assoladas por modelos de gestão que trazem,
podem ser analisadas sem a incorporação dos embutidos em seus pressupostos, receituários sobre
níveis institucional, organizacional e comporta- como tornar aquelas últimas, mais produtivas. A
mental. Desse modo, não há como se pensar, nos Gestão da Excelência é um desses modelos. Ao
modelos de gestão contemporâneos, como o da tratar a gestão de uma forma asséptica, defende
Excelência, a idealização de tipos de gerentes soluções ideais para qualquer organização,
“super dotados”, desvinculados de seus independente de suas realidades cotidianas. Do
contextos cotidianos, capazes de transformar as mesmo modo, os gerentes são colocados acima
organizações por meio de super poderes. do bem e do mal, onipotentes, meros técnicos a
A noção da prática social permite, portanto, serviço do bem-estar organizacional, ou seja,
desmistificar o folclore dos “super heróis” organi- adequados a qualquer contexto organizacional,
zacionais, à medida em que possibilita pensar-se independentemente de onde ela esteja localizada.
os cenários organizacionais como dotados de Chamar a atenção para a impropriedade desses
significados diversos, produtos da ação dos seus pressupostos foi uma intenção maior deste
atores, ação aquela que, por outro lado, é reflexo artigo. Da assimilação da gestão organizacional
de regras e convenções sociais de uma dada socie- como prática social pode-se, enfim construir, de
dade. A contribuição dessa perspectiva é ainda “fato”, um futuro com mais excelência.

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318 Junquilho – Gestão e Ação Gerencial nas Organizações Contemporâneas

MANAGEMENT AND MANAGERIAL ACTION AT CONTEMPORARY


ORGANIZATIONS: BEYOND “FOLKLORE” AND “FACT”
Abstract

This paper introduces the concept of management as a social practice (REED, 1989). The main
objective is to demonstrate that its a very important approach for the comprehension of management
and managerial action. It also presents a critical reflection in respect of the propositions of the
Management of Excellence in contemporary organizations, a model of management that has been
improved in the occidental world since the ideas of PETERS & WATERMAN (1982). The idea of
social practice creates an opportunity to think some questions uncovered by the Excellence Model
such as the indissolubility between the action of organizational subjects and elements of the social
structure. This way it is possible to increase other significant aspects in the domain of organizational
studies such as management and managerial behavior that stand beyond “folklore” and “fact”.

Key words: social practice, management, managerial action.

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