Você está na página 1de 256

Desenvolvimento territorial

e agroecologia
Desenvolvimento territorial
e agroecologia

Adilson Francelino Alves


Beatriz Rodrigues Carrijo
Luciano Zanetti Pessôa Candiotto
[organizadores]
Copyright © Grupo de Estudos Territoriais – GETERR

Revisão gráfica Sílvia Regina Pereira


Revisão de língua portuguesa Silvana Spedo
Capa Marcos Cartum
Projeto gráfico e diagramação Maria Rosa Juliani

Impressão Cromosete

Tiragem

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro


pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização da editora.

Editora Expressão Popular Ltda.


Rua Abolição, 197 | Bela Vista | 01319-010 | São Paulo - SP
Tel [11] 3105 9500 | Fax [11] 3112 0941 | vendas@expressaopopular.com.br | www.expressaopopular.com.br
Índice

Apresentação | 7

Reflexões sobre o desenvolvimento à luz do enfoque territorial

Território, Territorialidade e Desenvolvimento:


diferentes perspectivas no nível internacional e no Brasil | 15
Marcos Aurélio Saquet | Eliseu Savério Sposito

Sistema Local Territorial (SLOT): um instrumento


para representar, ler e transformar o território | 33
Giuseppe Dematteis

Desenvolvimento Territorial: algumas reflexões


teórico-conceituais derivadas de estudo monográfico | 47
Luiz Alexandre Gonçalves Cunha

Conhecimentos Convencionais e Sustentáveis:


uma visão de redes interconectadas | 63
Adilson Francelino Alves

Desafios da geração de renda em pequenas propriedades e


a questão do Desenvolvimento Rural Sustentável no Brasil | 81
Antonio Nivaldo Hespanhol

Identidade territorial e desenvolvimento: a formulação


de um Plano Territorial de Desenvolvimento Rural
Sustentável do Território Sudoeste do Paraná | 95
Roselí Alves dos Santos | Walter Marschner

Perspectivas da agroecologia e experiências no Estado do Paraná

Agroecologia: limites e perspectivas | 117


Rosângela Ap. de Medeiros Hespanhol

Reflexões sobre a Agroecologia no Brasil | 137


Adriano Arriel Saquet
Agroecologia: desafios para uma condição de interação
positiva e co-evolução humana na natureza | 155
Valdemar Arl

Agroecologia no Paraná: evolução e desafios | 169


Antonio Carlos Picinatto

Agroecologia: o desenvolvimento no Sudoeste do Paraná | 185


Nilton Luiz Fritz

A Agroecologia e as Agroflorestas no contexto de uma


Agricultura Sustentável | 213
Luciano Zanetti Pessôa Candiotto |
Beatriz Rodrigues Carrijo | Jackson Alano de Oliveira

Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor: experiências


e desafios em agroecologia | 233
Valdir Luchman

Referências em Agroecologia: um olhar sobre a renda e os caminhos


trilhados pela Agricultura Familiar do Sudoeste do Paraná | 243
Serinei César Grígolo
Apresentação

Em sua trajetória de cinco anos, o GETERR (Grupo de Estudos Territoriais)


da UNIOESTE, campus Francisco Beltrão-PR, vem se preocupando com o
debate em torno do desenvolvimento, a partir de abordagens que permitam
avançar com relação à antiga e ultrapassada concepção economicista de de-
senvolvimento. Através da utilização dos termos/conceitos de desenvolvi-
mento de local, sustentável e territorial, governos, órgãos públicos, políticos,
empresas e cientistas, passam a reconhecer a necessidade de se buscar um
desenvolvimento multidimensional, que incorpore para além da dimensão
econômica, questões socioculturais, políticas e ambientais. Apesar de possuí­
rem objetivos distintos, esses atores vêm contribuindo com o debate e cons-
trução de reflexões e experiências empíricas em torno de novas perspectivas
para o desenvolvimento. Dentro desse complexo contexto teórico, concei­tual
e metodológico, a agroecologia, nos últimos anos, vem ganhando adeptos
entre cientistas e pesquisadores, bem como entre os movimentos sociais do
campo, pois busca aglutinar a produção de alimentos sem o uso de agro-
químicos, o equilíbrio de ecossistemas por meio de ações de conservação
ambiental, a segurança alimentar, a reprodução social das famílias rurais,
a partir de uma organização política e ideológica de agricultores e técnicos,
contrária à lógica de desenvolvimento produtivista.
Nesse sentido, a agroecologia se apresenta como uma ciência e um
movimento político, que tem suas bases em usos mais racionais dos recur-
sos naturais, e na qualidade de vida das famílias que vivem e dependem da


Desenvolvimento territorial e agroecologia

agricultura e do espaço rural. No entanto, ela também possui seus limites,


de modo que surgem diversos questionamentos em torno de sua viabilida-
de como alternativa de desenvolvimento.
Este livro traz à tona o debate em torno do desenvolvimento terri-
torial, tendo como foco a agroecologia como uma das estratégias de de-
senvolvimento, sobretudo da agricultura familiar. A partir do III SEET
(Seminário Estadual de Estudos Territoriais), promovido pelo GETERR
em maio de 2007, organizamos este livro, composto por uma coletânea de
textos, que apresentam resultados de pesquisas teóricas e de experiências
empíricas realizadas por profissionais ligados aos temas agroecologia e
desenvolvimento. O livro foi dividido em duas partes, sendo que a primei-
ra, trata de algumas reflexões sobre o Desenvolvimento à luz do enfoque
territorial, e a segunda, das Perspectivas da agroecologia, bem como de
experiências no estado do Paraná, com destaque para a região Sudoeste,
onde se concentram importantes instituições representativas da agricultu-
ra familiar.
No primeiro capítulo do livro, denominado “Território, territoriali-
dade e desenvolvimento: diferentes perspectivas no nível internacional e
no Brasil”, Marcos A. Saquet e Eliseu S. Spósito fazem uma reflexão em
torno dos conceitos de território, territorialidade e desenvolvimento, uti-
lizando obras de autores franceses, italianos e brasileiros, especialmente
da geografia, da sociologia e da economia. Eles revelam alguns caminhos
construídos nos últimos 30 anos, direcionados à incorporação da proble-
mática do desenvolvimento e da questão ambiental no debate acadêmico e
científico, subsidiando a efetivação de abordagens de uma práxis transfor-
madora da realidade centrada na conquista de melhores condições de vida,
tanto no campo como na cidade.
Giuseppe Dematteis, professor da Universidade de Turim – Itália e re-
ferência mundial no estudo de temas relativos ao desenvolvimento territo-
rial, aborda aspectos da aplicabilidade do Sistema Local Territorial [SloT],
desenvolvido de forma interdisciplinar entre pesquisadores italianos. No
texto “Sistema Local Territorial (SLoT): um instrumento para representar,
ler e transformar o território”, sua proposta é apresentada de forma clara e
didática, onde pesquisadores e estudantes encontrarão um rico referencial
para aprofundar as discussões relativas aos estudos territoriais.
No texto “Desenvolvimento Territorial: algumas reflexões teorico-
conceituais derivadas de estudo de caso”, Luiz A. Gonçalves Cunha apre-
senta uma concepção de desenvolvimento territorial, inspirada no estudo
das trajetórias regionais de desenvolvimento rural que foram identificadas
no Estado do Paraná, com ênfase no caso do Paraná Tradicional. O autor
inicia com a discussão sobre o próprio sentido da noção de desenvolvimen-
to, e busca discutir como um determinado conceito de território é básico
na composição desta nova concepção de desenvolvimento, inserindo um


Prefácio

sólido viés espacial na tentativa de renovar análises regionais e propostas


de caráter desenvolvimentistas.
Adilson Francelino Alves lança um olhar metodológico sobre a ques-
tão da formação de redes de conhecimento. Nesse texto, o autor proble-
matiza a existência de duas redes de conhecimento e aprendizagem que
moldam formas de compreender o desenvolvimento territorial: a rede con-
vencional, densamente técnica que exige do agricultor a aplicação de paco-
tes tecnológicos que requerem pouco conhecimento sobre o fazer agrícola;
e a rede agroecológica que necessita de uma intensificação dos saberes dos
agricultores. Sua análise aponta para a necessidade de aprofundar os estu-
dos no entrecruzamento desses dois sistemas de conhecimento.
No texto “Desafios da geração de renda em pequenas propriedades
e a questão do desenvolvimento rural sustentável no Brasil” o geógrafo An-
tonio Nivaldo Hespanhol discute a trajetória da idéia de desenvolvimento
rural sustentável, os problemas de geração de renda na agricultura fami-
liar, a heterogeneidade do campo e a revitalização do rural, bem como, os
desafios para a sustentabilidade na agricultura.
Partindo de uma visão multidimensional de desenvolvimento, Wal-
ter Marschner e Roselí A. dos Santos questionam as políticas públicas de
desenvolvimento territorial e sua aplicabilidade no Sudoeste do Paraná,
protagonizada pelo MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) como
forma de promover o desenvolvimento. No texto “Identidade territorial e
desenvolvimento: a formulação de um plano territorial de desenvolvimen-
to rural sustentável do Território Sudoeste do Paraná”, os autores realizam
uma leitura crítica da construção do Plano de Desenvolvimento Territorial
Rural Sustentável do Sudoeste do Paraná, enfatizando a necessidade de
respeitar os ritmos e tempos do território, e de superar uma abordagem
estritamente econômica e setorial.
Iniciando a segunda parte do livro, o capítulo “Agroecologia: limi-
tes e perspectivas”, da geógrafa Rosangela Hespanhol, aborda o processo
de incorporação tecnológica ocorrido na agricultura ao longo da história
da humanidade, destacando a difusão da Revolução Verde e suas implica-
ções socioambientais. Em seguida, discute o processo de ecologização da
agricultura e as correntes da Agricultura Alternativa, com especial atenção
para a Agroecologia; e discorre sobre as perspectivas e os desafios dos sis-
temas de produção considerados sustentáveis.
Em seu texto “Reflexões sobre a Agroecologia no Brasil”, o agrôno-
mo Adriano Saquet, discute a situação atual da agricultura orgânica no
Brasil e na América Latina; faz um comparativo entre o sistema conven-
cional e o orgânico, com foco no último; e apresenta o que considera serem
os principais limites e potencialidades de uma agricultura fundamentada
em princípios ecológicos. Adriano elabora um texto didático, mostrando
os principais elementos da produção orgânica de alimentos.


Desenvolvimento territorial e agroecologia

O agrônomo e consultor da rede Ecovida e da SDT/MDA, Valdemar


Arl, apresenta uma reflexão sobre a agroecologia enfocando sua dimensão
política, e, a partir da constatação das conseqüências da modernização
agrícola e da Revolução Verde, clama por uma reorientação da agricultu-
ra em busca da sustentabilidade. Para o autor, a agroecologia consiste em
quatro grandes desafios que são discutidos no texto, sendo um desafio so-
ciopolítico e econômico; um desafio científico; um desafio educacional; e
um desafio organizacional.
Com base em sua experiência na formulação e execução de projetos
em agricultura orgânica e agroecologia pelo Instituto Maytenus, o agrôno-
mo Antonio Carlos Picinatto apresenta em “Agroecologia no Paraná: evolu-
ção e desafios”, um panorama da realidade da agricultura orgânica e agro-
ecológica no Estado do Paraná, passando pela produção, comercialização
e organização de entidades e produtores, apontando ainda alguns desafios
que estão presentes na vida cotidiana de agricultores familiares do Sudo-
este do Paraná.
O técnico da EMATER e engenheiro agrônomo Nilton Luiz Fritz
aborda em seu texto “Agoecologia – o desenvolvimento no Sudoeste do Pa-
raná”, o papel da EMATER no incentivo à agricultura orgânica e agroeco-
lógica no Sudoeste do Paraná. Traz também depoimentos de agricultores,
técnicos e entidades sobre os impactos da Revolução Verde, o papel da ex-
tensão rural e a situação da produção e da comercialização de orgânicos e
agroecológicos no Sudoeste do Paraná.
Os geógrafos e membros do GETERR, Luciano Z. P. Candiotto e
Bea­triz R. Carrijo, juntamente com Jackson A. de Oliveira, procuram em
“A agroecologia e as agroflorestas no contexto de uma agricultura susten-
tável” discorrer sobre os fundamentos teóricos da idéia de uma agricultura
sustentável, com destaque para a agroecologia e para os sistemas agroflo-
restais. Os autores também apresentam alguns resultados de um projeto
sobre agroflorestas no Sudoeste do Paraná, indicando os avanços e as difi-
culdades encontradas.
Valdir Luchmann é técnico em agropecuária com ênfase em agroe-
cologia, e seu texto apresenta os princípios e o papel do CAPA (Centro de
Apoio ao Pequeno Agricultor), a partir de sua experiência profissional no
núcleo do município de Verê-PR. No texto “CAPA – experiências e desafios
em agroecologia”, Valdir discute também a assessoria dada pela entidade
para os produtores orgânicos e agroecológicos, tanto no que se refere às
técnicas de produção em manejo como às metodologias e equipamentos
alternativos para a agricultura familiar.
Serinei César Grígolo, técnico da ASSESOAR (Associação de Es-
tudos, Orientação e Assistência Rural) e também engenheiro agrônomo,
apresenta o texto produzido a partir das reflexões feitas pela equipe da
ASSESOAR a partir de um estudo do DESER (Departamento de Estudos

10
Prefácio

Sócio-econômicos rurais). O texto “Referências em Agroecologia: um olhar


sobre a renda e os caminhos trilhados pela Agricultura Familiar no Sudo-
este do Paraná”, parte de um estudo da renda e dos caminhos trilhados
pela agricultura familiar do Sudoeste do Paraná, trazendo reflexões sobre
o uso da terra, o trabalho, o autoconsumo, os custos de produção, entre
outros indicadores, a partir dos depoimentos de um grupo de produtores
sobre suas UPVF’s – Unidades de Produção e Vida Familiares, no Sudoeste
do Paraná.
Ressaltamos que as reflexões e experiências tratadas nesse livro, são
compostas por diferentes vivências, formações e formas de atuação dos au-
tores dos capítulos, que apesar de se traduzirem em textos redigidos com
linguagens heterogêneas, demonstram a diversidade de atores sociais e de
instituições preocupados com a questão da agroecologia como estratégia
de desenvolvimento para territórios com presença de agricultores familia-
res. Buscamos assim, modestamente contribuir para o desafio de diminuir
as lacunas existentes entre a academia e as experiências empíricas, no sen-
tido de promover o diálogo interdisciplinar em torno da agroecologia.

Os organizadores

11
Parte I

Reflexões sobre o
desenvolvimento à luz do
enfoque territorial
Território, Territorialidade e
Desenvolvimento: diferentes perspectivas
no nível internacional e no Brasil

Marcos Aurélio Saquet


Geógrafo, Professor dos cursos de Graduação e Pós-graduação em Geografia da
UNIOESTE­ – Francisco Beltrão-PR, Pesquisador do Cnpq | saquetmarcos@hotmail.com

Eliseu Savério Sposito


Geógrafo, Professor dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Geografia da FCT/
UNESP – Presidente Prudente-SP, Pesquisador do Cnpq | essposito@prudenet.com.br

As controvérsias, os debates e os estudos sobre o desenvolvimento têm se


acentuado bastante a partir dos anos 1990, em virtude de vários fatores,
especialmente do agravamento da degradação ambiental. Oscilam-se entre
uma perspectiva mais radical, que defende o retorno a técnicas produtivas
mais rudimentares, com patamares de produção mais reduzidos e simplifi-
cados evidenciando o lugar e a intensidade de aceleração e fortalecimento
da produção tipicamente capitalista, centrada no avanço tecnológico, na
produtividade, na acumulação de capital, no agravamento da degradação
ambiental e na economia cada vez mais global.
Ao mesmo tempo, substantiva-se uma perspectiva de desenvolvi-
mento na qual tenta-se conciliar a produção de mercadorias com a recu-
peração e a preservação do ambiente, valorizando-se o lugar; porém não
de maneira desarticulada de processos mais gerais e amplos efetivados em
escalas como a nacional e/ou internacional. Para tanto, a organização po-
lítica e o envolvimento dos sujeitos, a formação/educação, o planejamento
e gestão, as redes de cooperação, a valorização das identidades, entre ou-
tros processos, são fundamentais na redefinição da produção e de outros
aspectos da vida cotidiana, numa concepção de desenvolvimento que en-
volve, necessariamente, o rearranjo das relações de poder.

15
Desenvolvimento territorial e agroecologia

É nesse sentido e movimento que ganha centralidade, em países


como a França, a Suíça e a Itália, a partir dos anos 1970, a discussão sobre
o território e a territorialidade, efetivando-se o que se convencionou deno-
minar de abordagem territorial. É uma nova forma de ver e compreender o
espaço, a sociedade e a natureza, ou a dinâmica socioespacial, destacando-
se as redes de circulação e comunicação, as características e a importância
da natureza exterior ao homem, as relações de poder e as identidades his-
toricamente constituídas.
Essa concepção, elaborada por pesquisadores de diferentes áreas do
conhecimento, como da geografia, da sociologia e da economia, incorpora
lentamente um caráter político muito forte e, simultaneamente, uma pers-
pectiva de desenvolvimento em rede, em favor do uso mais apropriado da
natureza, de pequenas e médias empresas, da cooperação, das identida-
des locais, entre outros, o que substantiva o que estamos denominando de
desen­volvimento territorial.
Há uma concepção renovada do território, da territorialidade e do
desenvolvimento, reconhecendo-se as contradições sociais, o movimento, a
dialética socioespacial, a processualidade histórica, a importância dos luga-
res e dos sujeitos locais, da natureza exterior ao homem e a necessidade de
organização e atuação política, numa espécie de práxis revista e renovada
a partir de experiências efetivadas, sobretudo durante o século XX. Há, su-
cintamente, uma forte tentativa de superar as concepções areal e setorial de
análise do território e do desenvolvimento, combinando-se a relação área-
rede ou área-rede-lugar, tanto no que se refere aos instrumentais da pesquisa
científica quanto na elaboração de políticas e projetos de desenvolvimento.

Território e territorialidade
Parece-nos que não há dúvidas, no meio acadêmico, sobre a importância da
renovação de ciências como a geografia, a sociologia e a economia, na efe-
tivação de novos arranjos para a própria ciência e, ao mesmo tempo, para
a compreensão da relação sociedade-natureza. Há uma interação entre a
produção do conhecimento científico e a vida em sociedade (para além des-
sa produção) e isso está na base da reelaboração de concepções, políticas e
projetos, a partir dos anos 1960-70, em países como a França e a Itália.
A incorporação, por exemplo, de aspectos do ideário marxista em
ciên­cias como a sociologia, a geografia e a economia, possibilita o desven-
damento de processos e conflitos até então escondidos, possibilitando no-
vas leituras do mundo da vida. Há uma maior preocupação e conseqüente
intensificação dos estudos, a partir dos anos 1970, por parte de pesquisa-
dores denominados marxistas ou anarquistas ou ainda democráticos, com
as condições da natureza e da sociedade, enfim, com as condições de vida
no planeta e, de maneira especial, com os grupos sociais excluídos, tendo

16
Marcos Aurélio Saquet | Eliseu Savério Sposito

como temática central a justiça social juntamente com processos correlatos,


como a atuação do Estado, o fortalecimento da economia no nível interna-
cional, o uso capitalista do espaço, a metropolização e assim por diante.
A conjugação de fatores materiais e imateriais, no mundo da vida,
condiciona a revisão das metodologias utilizadas nas ciências sociais, a
compreensão mais coerente e completa da atuação do Estado e dos agen-
tes do capital, de processos identitários, das redes de circulação e comuni-
cação e da dinâmica da natureza. Esse processo perpassa, ao mesmo tem-
po, a ciência e a filosofia, a arte, a política e os movimentos sociais, como
resultado e condição de novos arranjos e redefinições societárias.
É nesse sentido que se substantivam as concepções pioneiras e reno-
vadas do território e da territorialidade, na França, na Itália, na Suíça e nos
EUA. Evidentemente, esses conceitos não são fundamentais para todos os
pesquisadores e para todas as ciências, porém assumem centralidade em
algumas delas, como a geografia, a sociologia e a economia. Destacam-se,
inicialmente, autores como Jean Gottmann, Gilles Deleuze, Félix Guattari,
Arnaldo Bagnasco, Francesco Indovina, Donatella Calabi, Giuseppe De-
matteis, Massimo Quaini, Claude Raffestin, entre outros, e, posteriormen-
te, pesquisadores como Robert Sack.
Neste texto, não temos como propósito tratar de todos esses autores
e de suas concepções. Consideramos algumas abordagens mais diretamen-
te vinculadas às perspectivas do desenvolvimento territorial, elaboradas a
partir dos anos 1970-80. Evidenciamos duas perspectivas distintas: uma
inerente ao pensamento e aos estudos efetivados por pesquisadores de lín-
gua inglesa e, outra, vinculada à escola franco-italiana, com destaque para
Claude Raffestin, na Suíça e para Giuseppe Dematteis, na Itália.
Na chamada escola anglo-saxônica, um dos estudos principais é o
de Sack (1986), que tem sido amplamente utilizado em vários países, in-
clusive no Brasil, sobretudo por sua concepção de geografia e de territo-
rialidade humana, considerando as relações de poder que ocorrem tanto
em nível pessoal e de grupo quanto internacional. A territorialidade cor-
responde ao controle sobre uma área ou espaço; é uma estratégia para in-
fluenciar ou controlar recursos, fenômenos, relações e pessoas e está inti-
mamente relacionada ao modo como as pessoas usam a terra, organizam
o espaço e dão significados ao lugar.
A territorialidade é uma expressão do poder social, conformando o
território. Este é entendido como uma área controlada e delimitada por al-
guma autoridade, resultado de estratégias de influência social. Há controle
social: algumas pessoas atuam controlando outras. A territorialidade con-
siderada como um componente de poder significa uma forma de controle
do espaço. Para Sack (1986), assim, o território contém demarcações, cor-
responde a uma área de controle e está diretamente relacionado ao exer-
cício de poder.

17
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Ele faz uma abordagem relacional do território, contribuindo para


o entendimento das dimensões sociais de sua constituição, ou seja, de as-
pectos da economia, da política e da cultura, porém subsidia a elaboração
de uma concepção conservadora de territorialidade, o que Governa (2005)
denomina de territorialidade passiva. Para esta autora, a definição de
territorialidade proposta por Robert Sack é extremamente ‘rígida’, pois in-
dividua e recorta, respectivamente, tendências e efeitos, limitando a abor-
dagem a certas áreas de controle. A territorialidade, para Sack (1986), é
vista como capacidade de separar e excluir, que se exprime de acordo com
as estratégias de controle, coerção e exercício do poder.
Já na outra “ponta” da discussão, um autor considerado clássico
pela importância de sua abordagem em relação ao território e territoria-
lidade, é Claude Raffestin, que tem se dedicado a essa temática desde os
anos 1970, na Suíça, cuja obra basilar é a ‘Por uma geografia do poder’,
publicada originalmente em 1980, na França. Sua atenção tem se concen-
trado nas elaborações teórico-metodológicas, porém com diferentes apli-
cações em países como a Suíça, o Brasil, a Itália, dentre outros.
Raffestin (1993[1980]), como sabemos, destaca o caráter político do
território, destacando, ao mesmo tempo, aspectos e processos econômicos
e simbólicos em sua constituição e na territorialidade, com forte ênfase
para as relações de poder e para as redes de circulação e comunicação.
E essa ênfase é uma de suas principais contribuições, subsidiando novas
abordagens do território, das relações sociais e do desenvolvimento.
Em sua concepção, o território é objetivado por relações sociais con-
creta e abstratamente, relações de poder e dominação, o que implica a cris-
talização de uma territorialidade ou de territorialidades no espaço, a partir
das diferentes atividades cotidianas. Isso, de acordo com Raffestin, assen-
ta-se na construção de malhas, nós e redes, delimitando campos de ações,
de poder, nas práticas espaciais que constituem o território.
Destaca também o que denomina de sistema territorial, resultado
das relações de poder do Estado, das empresas e outras organizações e dos
indivíduos. Esses atores geram as tessituras, mais ou menos delimitáveis
e as territorialidades que se inscrevem nas dinâmicas políticas, econômi-
cas e culturais. Embora trate de delimitações, Raffestin (1993) reconhece e
indica uma transposição dos limites políticos e administrativos através de
atividades econômicas e de vias e meios de circulação e comunicação.
Sucintamente, faz uma abordagem múltipla do território e da terri-
torialidade, relacional e histórica, simultaneamente. Isso tem sido conside-
rado, no meio acadêmico, uma inovação muito importante para a época,
subsidiando muitas pesquisas, debates e interpretações, não somente na
geografia, mas também em ciências como a sociologia.
Destacamos duas contribuições de Claude Raffestin, que conside-
ramos mais relevantes para nossa reflexão: a) a importância da nature-

18
Marcos Aurélio Saquet | Eliseu Savério Sposito

za (recursos naturais) como elemento presente no território. Embora não


aprofunde o estudo dessa questão, enfatiza o uso e a transformação dos
recursos naturais como instrumentos de poder; b) a importância e centra-
lidade da territorialidade na vida cotidiana, como âmbito de tomada de
decisões e de organização política, o que inspirará concepções como a da
territorialidade ativa, descrita e refletida por Governa (2005), por exem-
plo. Para Francesca Governa, a posição de C. Raffestin compreende a ter-
ritorialidade como relações sociais efetivadas para a satisfação de neces-
sidades com o auxílio de mediadores (médiateurs), no intuito de se obter
maior autonomia possível.
A concepção de Raffestin (1993[1980]) sobre território e territoria-
lidade é processual, relacional e múltipla, subsidiando a elaboração de
idéias em favor da organização política e do desenvolvimento local. De
acordo com Governa (2005), o que também fora observado por Saquet
(2003[2001], 2004 e 2006), a concepção de Claude Raffestin sobre o poder
é substancialmente distinta da de Robert Sack, ou seja, para Raffestin, as
relações de poder são multidimensionais e efetivam malhas, nós e redes. A
territorialidade, nesse sentido, significa a capacidade de valorização dos
atores e dos recursos de um certo lugar, através de ações de inclusão e não
de exclusão: “Essa é uma concepção ativa de territorialidade, resultado de
um processo de construção das ações e dos comportamentos que definem
as práticas (também de conhecimento) dos homens em relação à realidade
material” (GOVERNA, 2005, p.57).
Ao mesmo tempo, na Itália, Giuseppe Dematteis, desde os anos 1970,
argumenta em favor do território construído historicamente por sujeitos so-
ciais que se relacionam entre si. Essa compreensão também inovadora e
pioneira aparece mais detalhadamente em sua obra de 1985, posteriormente
ratificada em Dematteis (2001), na qual o território e a territorialidade são
compreendidos como produtos do entrelaçamento entre os sujeitos de cada
lugar, desses sujeitos com o ambiente e desses sujeitos com indivíduos de
outros lugares, efetivando tramas transescalares entre diferentes níveis terri-
toriais. O território é uma construção coletiva e multidimensional, com múl-
tiplas territorialidades interagidas (poderes, comportamentos, ações) que
podem ser potencializadas através de estratégias de desenvolvimento local.
Esta abordagem tem algumas similaridades àquela de Raffestin
(1993[1980]), que também inspirou a elaboração de concepções renovadas
do território, da territorialidade e do desenvolvimento, subsidiando a de-
finição de planos e projetos de desenvolvimento, como ocorre a partir dos
anos 1990 e, sobretudo, a partir de 2000, na Itália, através da elaboração
teórico-metodológica do Sistema Local Territorial (Slot), o qual abordare-
mos no item sobre o desenvolvimento territorial. Há uma operacionalidade
dos conceitos de território e territorialidade, o que vem ocorrendo no Bra-
sil apenas mais recentemente.

19
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Desenvolvimento local
Vamos acrescentar mais alguns argumentos para tornar mais abrangente
este texto. Primeiramente, apresentamos algumas idéias sobre desenvolvi-
mento, partindo da nova ordem que se instaura na escala mundial e, num
segundo plano, das idéias de alguns autores que abordaram o tema de ma-
neira positiva, para posteriormente trabalharmos com o desenvolvimento
local mais especificamente.
Iniciamos com a constatação de que as atividades econômicas ain-
da são proeminentes na constituição da nova ordem mundial que, por sua
vez, rebate-se nos lugares com suas formas de centralização de gestão do
capital, resultado da combinação de diferentes arranjos institucionais e da
força de determinadas áreas geográficas, cujas formas de apropriação e
transformação da natureza se tornaram hegemônicas.
Pela nova lógica que se instaura nos territórios, não há uniformidade
na distribuição das riquezas e mesmo do acesso às novas tecnologias, por-
que a intensidade de coordenação se realiza em áreas bem demarcadas e
definidas pela força das atividades econômicas, gerando áreas excluídas. O
descompasso entre a existência da tecnologia e do acesso a ela pode ser con-
siderado, a grosso modo e sem pretensões de sermos conclusivos, como um
estímulo aos movimentos de população, às tensões entre grupos sociais, à
disputa pela competitividade e, enfim, pelo des-controle dos territórios.
Continuando neste momento, trabalharemos com as idéias de al-
guns autores que trataram da noção de desenvolvimento, como Alain Li-
pietz (1988), que procurou compreender as desigualdades espaciais do de-
senvolvimento a partir da divisão social e territorial do trabalho, tendo
como base a noção de formação econômico-social de Karl Marx.
Para explicar sua noção de desenvolvimento, ele enumera três tipos
de regiões:
1) regiões fortes em tecnologia ligadas aos centros de negócios e/ou de
engenharia, aos centros de pesquisa e ensino tecnológico e científi-
co, destacando como importantes as relações entre os ramos de ati-
vidades e o valor e a qualificação da mão-de-obra;
2) regiões que apresentam densidade de mão-de-obra qualificada (técni-
cos e operários qualificados) que tenham como base uma tradição
industrial, ou seja, que contam com a presença da grande indústria
e com valor médio da força de trabalho;
3) regiões com reserva de mão-de-obra com baixa qualificação e baixo
valor de produção, sendo, em alguns casos, derivadas do declínio
das indústrias.
Esses diferentes tipos de regiões estariam, em tese, aptos a alavan-
car o desenvolvimento em diferentes magnitudes, dependendo não só des-

20
Marcos Aurélio Saquet | Eliseu Savério Sposito

sas características, mas, também, de sua combinação com outros fatores,


conformando a formação econômico-social.
Outro autor, Neil Smith (1988), afirma que as tendências contra-
ditórias para a diferenciação e para a igualização determinam a produ-
ção do espaço. Em outras palavras, as contradições do vaivém do capital,
ao se inscreverem na paisagem, provocam o desenvolvimento desigual,
diferenciando as áreas com altas taxas de lucro, de um lado, e o surgi-
mento de áreas que podem ser consideradas subdesenvolvidas porque
se apropriam de baixas taxas de lucro. O desenvolvimento e o subdesen-
volvimento, nesse sentido, ocorrem em todas as escalas espaciais (da in-
ternacional à urbana), e o vaivém do capital procura sempre as maiores
taxas de lucro nas diferentes escalas, aproveitando-se da desigualdade de
desenvolvimento.
No que se refere à análise das escalas, o autor exemplifica e qualifi-
ca sua argumentação a partir do exemplo da suburbanização que se con-
solidou após a II Guerra Mundial, sobretudo nos Estados Unidos. Esse fe-
nômeno se explica porque a classe média procurou se deslocar das áreas
centrais das cidades para áreas periféricas e mais distantes (os chamados
subúrbios), fazendo com que as áreas centrais se tornassem deterioradas
e tivessem diminuição do preço do solo urbano. Com isso, as novas áreas­,
aquelas procuradas pelas pessoas para fixarem residência, tornaram-se
(metaforicamente) desenvolvidas, propiciando altas taxas de retorno de
capital por causa dos investimentos imobiliários.
Porém, com a desvalorização do solo urbano dessas áreas a ponto
da renda potencial se tornar maior do que a renda real, tem-se um retor-
no do capital a elas, ou seja, surge um processo que Smith chama de re-
desenvolvimento. Assim, pode-se concluir que o desenvolvimento desigual
é produto do desenvolvimento capitalista (nas mais diferentes escalas) e,
ao mesmo tempo, premissa para a exploração das desigualdades geográ-
ficas para determinados fins econômicos e sociais. Enfim, a acumulação
de capital e, por conseqüência, sua expansão geográfica, engendram um
ambiente construído para a produção que ocorre de maneira desigual es-
pacial e temporalmente.
Outro autor, Edward Soja (1993), defende a idéia de que os lucros
auferidos pelos capitalistas se devem, em primeira instância, às desigual-
dades regionais e espaciais, elementos nevrálgicos para a sobrevivência do
capitalismo. As taxas de lucro, a produtividade do trabalho, os índices sa-
lariais são, desse modo, distribuídos de maneira geograficamente desigual.
Dito de maneira diferente, a permanência e a metamorfose do capitalismo
devem ser entendidas, acima de tudo, a partir da produção e da ocupação
de um espaço que, fatalmente, levam à existência de espaços desenvolvidos
e subdesenvolvidos. Isto é, o desenvolvimento geograficamente desigual
advém da dinâmica de diferenciação e igualização espaciais no processo

21
Desenvolvimento territorial e agroecologia

de internacionalização, já que no processo de expansão uniforme do capi-


tal se tem, sincronicamente, um processo de diferenciação.
Frente à polarização do debate entre o estruturalismo global e a teo­
ria das etapas de desenvolvimento, surge a teoria do desenvolvimento en-
dógeno afirmando que, em primeira instância, o desenvolvimento e o cres-
cimento das regiões industriais se devem a aspectos internos. As teorias
do desenvolvimento regional endógeno e do desenvolvimento sustentável
surgem num contexto de crise econômica mundial na década de 1980, mo-
mento em que há fortes mudanças nas regiões industrializadas. Com o de-
clínio de regiões industriais tradicionais, tem-se a emergência de regiões
portadoras de novos paradigmas (BENKO; LIPIETZ, 1994).
Há semelhanças entre o desenvolvimento regional endógeno e o
desenvolvimento local, sendo este último compreendido, sobretudo, num
contexto de globalização e descentralização: “o desenvolvimento local
pode ser conceituado como um processo endógeno de mudança, que
leva ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade de vida da po-
pulação em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos”.
(BUARQUE­, 2002, p. 25).
O desenvolvimento, nessa linha de raciocínio, está ligado tanto à
exploração das potencialidades locais para seu alcance social quanto à
conservação dos recursos naturais. Por isso, pensá-lo requer: a) valorizar
os enraizamentos social, econômico e cultural da sociedade local, indo
além de análises estritamente econômicas; b) priorizar as instituições pú-
blicas locais, a autonomia das finanças públicas e o investimento de ex-
cedentes em setores sociais estratégicos. Em outras palavras, pensar o
desenvolvimento local requer não somente olhar para a eficiência eco-
nômica (agregação de valor), mas, também, procurar contribuir para a
melhoria da qualidade de vida das pessoas, diminuindo a pobreza, por
exemplo (BUARQUE, 2002).
Em resumo, os estudos acerca do desenvolvimento local priorizam
a importância dos agentes locais como as instituições específicas cuja
intervenção visa ao apoio às empresas (centros tecnológicos, escolas de
formação profissional etc.). Por isso, o desenvolvimento deriva de uma
combinação de fatores favoráveis a algumas atividades específicas num
determinado tempo e num determinado território, ou seja, os sucessos al-
cançados em um determinado território não podem ser reproduzidos pelas
políticas de desenvolvimento.
Juntamente com a idéia de desenvolvimento local, têm surgido tra-
balhos defendendo o desenvolvimento a partir da liberdade, da expansão
das capacidades humanas (SEN, 1993, 2000) e da autonomia (SOUZA,
1997, 2000, 2003; CASTORIADIS, 1983, 1987). Amartya Sen (2000) defen-
de a idéia de desenvolvimento associado à expansão das liberdades reais
das pessoas ao associar liberdade e capacidade como sendo meios posterio-

22
Marcos Aurélio Saquet | Eliseu Savério Sposito

res às necessidades, isto é, a necessidade é algo aparentemente temporário


nas pessoas e as capacidades/liberdades representam o que elas podem vir
a ser (estado resultante de uma efetivação).
Em outras palavras, a efetivação é uma conquista das pessoas. Ao es-
tabelecer uma análise humanista, compreende o desenvolvimento como um
processo de expansão das liberdades e, por isso, defende a participação polí-
tica e a liberdade de expressão, além de outras capacidades essenciais para o
desenvolvimento social. Ao mesmo tempo, critica a visão de desenvolvimen-
to associada à riqueza, ou seja, ao crescimento do PIB e da renda per capita,
pois uma pessoa pode ser demasiado rica, mas, ao mesmo tempo, privada
da possibilidade de se expressar livremente ou de participar de debates e de-
cisões políticas. Em suma: a liberdade não é somente o objetivo primordial
para se chegar ao desenvolvimento, mas também é o seu principal meio.
Outros dois pontos favoráveis ao desenvolvimento com liberdade
merecem destaque: 1) a redução da mortalidade e a melhoria da qualidade
de vida que, na perspectiva do autor, serão atingidas somente se o Estado
priorizar os gastos com serviços sociais, saúde e educação básica; 2) a im-
portância das elites locais na promoção dos direitos básicos de cada cida-
dão (saúde e educação) e na difusão do acesso aos aspectos positivos do
desenvolvimento econômico.
Um outro autor, Souza (2000, 1997), defende que o desenvolvimen-
to socioespacial deve ser compreendido a partir da autonomia individual
e coletiva, envolvendo as tomadas de decisões e a participação efetiva das
pessoas numa sociedade marcada pela heteronomia, por sua vez, visível
nos Lebenswelts urbanos (favelas, periferias etc.). O desenvolvimento se
concretizará com a minimização da injustiça social e das desigualdades
no acesso a oportunidades aos meios de satisfação das necessidades. Para
tanto, é necessário compreender o espaço em sua complexidade para evi-
tar apriorismos e reducionismos.
Neste momento do texto, vamos confrontar dois pontos de vista para
completar nossa argumentação sobre o desenvolvimento local. Do ponto
de vista do mercado de trabalho e da capacidade produtiva da sociedade,
algumas características devem ser levadas em conta:
• Incorporação tecnológica em setores de ponta;
• Aumento do número de empresas;
• Variação da capacidade ociosa das empresas como fator de descom-
pressão das tensões políticas relacionadas ao mercado de trabalho;
• Diminuição do tamanho médio das empresas, considerando-se o
número de empregados;
• Diminuição do número de empregos com capacitação sofisticada e
aumento do número de empregos sem grandes especializações ou
precários;

23
Desenvolvimento territorial e agroecologia

• Formação de redes de articulação entre diferentes setores (empresas


e bancos, indústrias e serviços etc.);
• Localização das empresas em eixos de circulação de pessoas e de
mercadorias definidos por estruturas logísticas sofisticadas.

Do ponto de vista do mercado consumidor e levando-se em conta


o papel da rede urbana, deve-se levar em consideração os deslocamentos
para a aquisição de bens e serviços tanto à montante, quando se consi-
deram as cidades maiores (metrópoles, áreas metropolizadas ou grandes
aglomerações), quanto à jusante, quando se destaca o papel das cidades
médias que desempenham o papel de pólos para os quais moradores de ci-
dades menores e de áreas rurais estão dispostos a se deslocar para realizar
o consumo de bens e serviços mais sofisticados do que aqueles a que têm
acesso em suas áreas de residência.
A proximidade tem relevância, mesmo considerando-se que as dis-
tâncias de deslocamento podem se ampliar ou diminuir, dependendo das
formas de transportes e da situação da área de realização do consumo
em relação aos principais eixos de circulação de mercadorias e pessoas,
além de se considerarem as possibilidades individuais e coletivas (dispo-
nibilidade, freqüência, poder aquisitivo etc.) de deslocamento. Neste caso,
os fluxos definem-se no âmbito territorial mais próximo e são marcados
pela continuidade territorial, cuja configuração é, em alguns casos, de uma
área e, em outros casos, de um eixo.
O eixo, entendido aqui como um paradigma cada vez mais marcante
nas dinâmicas territoriais, facilita o consumo de bens à distância, tornan-
do complexa a relação entre as cidades de diferentes portes na rede urba-
na, relacionando-as não mais de forma hierárquica, mas com uma combi-
nação hierárquico-horizontal, o que permite que os fluxos se estabeleçam
entre a metrópole e as cidades pequenas, entre as cidades médias e as ci-
dades pequenas, ou entre as cidades médias e as metrópoles, se conside-
rarmos um território nacional. Isso pode, no entanto, ultrapassar frontei-
ras, fazendo com que os fluxos de pessoas, mercadorias e informações se
façam entre cidades de diferentes portes e com diferentes posições na rede
urbana, consubstanciando aquilo que já é bem conhecido dos geógrafos,
ou seja, a noção de globalização.
Essa dinâmica territorial é definida pela lógica das redes que podem
subverter a relação ordem-tamanho e as relações à montante ou à jusante,
gerando relações de concorrência e complementaridade entre cidades de
mesma importância. Enfim, a configuração se estabelece em forma de re-
des e é conformada pela descontinuidade territorial caracterizada pela
fluidez e pela velocidade nas respostas aos impactos externos e internos.
As dinâmicas territoriais definidas por essa lógica dependem da in-
fra-estrutura e das estratégias espaciais organizadas segundo as possibi-

24
Marcos Aurélio Saquet | Eliseu Savério Sposito

lidades de localização industrial e de serviços, reforçando as diferentes


possibilidades de desenvolvimento local embasado na combinação da ca-
pacidade de articulação interna das forças locais, da sua capacidade de
recebimento e de utilização dos impactos externos e das combinações
possíveis entre os padrões de localização das atividades em áreas e eixos
considerando-se, logicamente, os vários aspectos da continuidade e da
descontinuidade territorial.
Para completar, mesmo que não de forma definitiva, a exposição dos
aspectos que consideramos fundamentais para a compreensão das possi-
bilidades de se conceber o conceito de desenvolvimento, precisamos levar
em consideração, ainda, que há outras características das dinâmicas terri-
toriais. Inicialmente, a tendência à ampliação territorial da competitivida-
de pode ser considerada como uma característica atual e como uma ten-
dência, incorporada como lei universal e como ideologia.
Por outro lado, a seletividade dos lugares provoca o surgimento de
ambientes especializados por causa de sua capacidade de competência,
criatividade e competitividade, associada ao privilegiamento das ativida-
des com grande capacidade de criação e incorporação tecnológica, prin-
cipalmente aquelas exercidas pelas grandes empresas mundiais que se
capilarizam para outros níveis de competição ao se colocarem na proa
das transformações territoriais provocadas pela incorporação tecnológica.
Essa tendência se consolida com o papel da logística (que congrega a infra-
estrutura e as formas de gestão das práticas de deslocamento de pessoas e
mercadorias e na transmissão de informações) que transforma a natureza
e a capacidade dos territórios se definirem por sua capacidade de desen-
volvimento local.
No item seguinte, enfocaremos outra noção de desenvolvimento,
tratando mais especificamente do território e seus componentes e proces-
sos materiais-imateriais.

Desenvolvimento territorial
Na Europa, desde os anos 1970, deu-se um forte movimento direciona-
do ao entendimento dos processos de desenvolvimento local ou regional,
principalmente em países como a França e a Itália. Na Itália, por exem-
plo, há concepções elaboradas por pesquisadores como Calògero Musca-
rà, Giuseppe­ Dematteis, Giacomo Becattini, Gioachino Garofoli, Arnaldo
Bagnasco, Alber­to Magnaghi, entre outros, destacando-se, desde os anos
1960-70, a importância do lugar e do território para a definição de estraté-
gias de desenvolvimento.
Há uma relação muito significativa entre o desenvolvimento econô-
mico do Centro-Norte-Nordeste italiano e estudos feitos por esses e outros
pesquisadores, que elaboram o que o sociólogo Arnaldo Bagnasco denomi-

25
Desenvolvimento territorial e agroecologia

nou, no final da década de 1970, de abordagem territorial. Na Itália, de fato,


diferentemente do que ocorreu no Brasil, o conceito de território teve cen-
tralidade no movimento de renovação de ciências sociais como a sociologia,
a economia e a geografia, inspirando estudos sobre a organização e o uso do
território e a construção de propostas e projetos de desenvolvimento local.
Como não é nosso propósito abordar todas as concepções elabo-
radas na Itália e na França, destacamos aspectos da constituição do Slot
(Sistema Local Territorial), pelo chamado grupo de Turim – Itália. O coor-
denador desse grupo de estudos foi e permanece Giuseppe Dematteis, en-
volvendo pesquisadores importantes como Sérgio Conti, Ana Segre, Fran-
cesca Governa, Egidio Dansero, Carlo Salone, entre outros, do Politécnico
e Universidade de Turim e de outras universidades, como Vincenzo Guar-
rasi, Bruno Vecchio e Paola Bonora. Evidenciamos essa experiência, por
sua importância no meio acadêmico, tanto na Itália como em países como
a Espanha, a França e o Brasil.
Uma das obras clássicas nesse processo, embora o autor não tenha
participado diretamente da construção do Slot, é a de Bagnasco (1977). É
em seu ‘Três Itálias’ que Arnaldo Bagnasco elabora as bases de uma teori-
zação que marcou efetivamente os estudos regionais realizados em dife-
rentes países, especialmente na economia, na geografia e na sociologia.
Bagnasco (1977) compreende o território como área, com caracte-
rísticas econômicas, políticas e culturais específicas, na qual seus agentes
sociais mantêm relações com agentes de outras áreas. Essa conexão entre
diferentes territórios é uma contribuição muito importante do autor, que
a denomina de articulação territorial, ou seja, uma combinação entre di-
ferentes classes sociais que se territorializam. Tratam-se de relações que
ocorrem tanto no nível interno como externamente a cada país, em virtu-
de, especialmente, da ciranda mercantil. O autor, coerentemente, também
aborda elementos políticos e culturais da constituição dos territórios e das
suas articulações, destacando os processos econômicos e políticos.
Os territórios, em sua concepção pioneira, têm características espe-
cíficas que os diferenciam uns dos outros, como produtos da dinâmica so-
cioeconômica, sendo que eles estão em articulação e conexão no mercado
no qual também existem relações políticas e culturais que se efetivam no
tempo e no espaço. Essa articulação assume um caráter central na abor-
dagem desse autor, a ponto de ser considerada, ela mesma, uma das múlti-
plas determinações de uma realidade concreta.
O território, assim, além de área e formas espaciais, significa cone-
xão, articulação, resultado e condição da dinâmica socioespacial. E o de-
senvolvimento é marcado pela especialização produtiva local e, ao mesmo
tempo, pela agregação territorial, por mudanças/inovações e por permanên-
cias sociais e territoriais. Dito de outra maneira há, no território, um de-
senvolvimento desigual e combinado.

26
Marcos Aurélio Saquet | Eliseu Savério Sposito

Posteriormente, em ‘A construção social do mercado’, obra publica-


da em 1988, Arnaldo Bagnasco reforça sua abordagem múltipla do desen-
volvimento regional, ou seja, considera aspectos políticos, econômicos e
culturais e continua reconhecendo diferentes recortes regionais como for-
mações sociais distintas, coexistentes e articuladas em tramas sociais. Bag-
nasco (1988) evidencia quatro mecanismos principais de regulação econô-
mica, presentes na territorialização: a) a reciprocidade entre os indivíduos
ou instituições; b) o mercado, criador de relações e ações sociais; c) a or-
ganização, interna e externa a cada empresa; d) as relações políticas, como
forma de intervenção e tutelamento de interesses de determinados grupos
sociais. Esses mecanismos estão sempre presentes. O que muda no espaço
e no tempo são suas combinações. Fica claro, dessa maneira, sua aborda-
gem processual e relacional de território e de desenvolvimento e a ênfase
para os fatores econômicos e políticos.
No que se refere especificamente à elaboração do Slot, pelo grupo
de Turim, ressaltamos um texto publicado por Giuseppe Dematteis em
2001, por resumir muito bem sua argumentação para o entendimento
do território e da territorialidade, através dos sistemas locais territo-
riais. O Slot, para esse autor, deve ser, ao mesmo tempo, um instrumen-
to de política territorial e uma forma analítica e, por isso, é construído a
partir da realidade.
Dessa forma, Dematteis (2001) propõe os seguintes componentes
analíticos para o Slot: a) a rede local de sujeitos, que corresponde às inte-
rações entre indivíduos em um território local, onde há relações de proxi-
midade e reciprocidade entre os sujeitos do local e de outros lugares. Há a
construção de um ator coletivo; b) o milieu local, entendido como um con-
junto de condições ambientais locais nas quais operam os sujeitos coletiva
e historicamente; c) a interação da rede local com o milieu local e com o
ecossistema, de forma tanto cognitiva (simbólica) quanto material. Há in-
terações entre os domínios do social e do ambiente; d) a relação interativa
da rede local com redes extralocais, em distintas escalas: regional, nacional
e global. Há influências mútuas entre o local e o global.
Cada Sistema Local Territorial, dessa maneira, para Giuseppe De-
matteis, tem aspectos ambientais e uma construção social histórica, pro-
cessual e relacional, na qual se dá uma organização política no sentido da
coesão e da projeção do futuro. E, como há preocupação e intencionali-
dade com a projeção e com o planejamento, é importante que cada Slot
tenha capacidade de se auto-representar e se auto-projetar, sendo o estudo
(análise e interpretação) um meio para a conquista de autonomia, lem-
brando alguns princípios da argumentação de Amartya Sen. Daí o concei-
to de territorialidade ativa, como forma de desenvolvimento e conquista de
autonomia. Isto significa que, nessa concepção, optar por uma geografia
da territorialidade implica uma mudança de paradigma de abordagem dos

27
Desenvolvimento territorial e agroecologia

processos geográficos e de atuação na vida política (para detalhamento da


proposta, ver o texto de G. Dematteis, publicado neste livro).
É nesse sentido e contexto que se elabora o conceito de desenvolvi-
mento territorial, compreendido levando-se em consideração os compo-
nentes de cada território, ou seja, tanto os econômicos, como políticos,
culturais e ambientais. A territorialidade, a partir do conceito (ou noção)
elaborado por Claude Raffestin, é vista como uma possibilidade de media-
ção para a construção de novos projetos de desenvolvimento e a conquista
de melhores condições de vida, com autonomia.
A autonomia não significa, de forma alguma, uma espécie de fecha-
mento do lugar com relação ao restante do mundo. Ao contrário, signifi-
ca a capacidade de controle e gestão de determinados processos políticos,
econômicos, culturais e ambientais, de maneira que os sujeitos envolvidos
diretamente em cada processo possam definir os planos e projetos em con-
sonância com atores e processos de outros lugares. Há uma relação de uni-
dade na diversidade que precisa ser gerida com vistas ao desenvolvimento
com mais justiça social.
Em consonância com Arnaldo Bagnasco e Giuseppe Dematteis, duas
das principais referências no âmbito internacional sobre as questões do ter-
ritório e do desenvolvimento, podemos afirmar que as interpretações do
terri­tório e/ou as iniciativas de desenvolvimento territorial precisam con-
siderar, necessariamente, os seguintes elementos/componentes e processos:
• A articulação de classes e a constituição de redes e tramas locais e
extralocais, que significam relações de poder, efetivadas em cada lu-
gar e entre os lugares, em virtude de suas desigualdades, diferenças
e especificidades.
• O caráter (i)material, conciliando-se os fatores e elementos cultu-
rais, políticos, econômicos e naturais, em unidade.
• A produção de mercadorias (ou excedentes), a recuperação e a pre-
servação da natureza exterior ao homem.
• A valorização das pequenas e médias iniciativas produtivas.
• A valorização dos saberes locais e das identidades.
• A consideração do processo histórico e do patrimônio de cada lugar.
• A produção ecológica de alimentos.
• A organização política local, com vistas à conquista de autonomia.
• A diminuição das injustiças e das desigualdades sociais, dentre outros.

Esses elementos são considerados, por exemplo, no Brasil, em obras


como as de Saquet (2003[2001] e 2006), na análise do território, da terri-
torialidade e do desenvolvimento, no intuito de subsidiar e orientar a ela-
boração de planos e projetos específicos de desenvolvimento, que visem à

28
Marcos Aurélio Saquet | Eliseu Savério Sposito

conquista de autonomia. A título de ilustração, podemos mencionar duas


experiências construídas no Sudoeste do Paraná, a partir dos anos 1990,
com essa inspiração.
As experiências são as seguintes: a) o Projeto Vida na Roça, pensado
e efetivado através da atuação conjunta de várias instituições (públicas e
uma ONG, a Assesoar), entre os anos 1996 e 1998, considerando a intera-
ção de ações voltadas para as atividades econômicas, políticas e culturais
de um grupo de mais de 100 famílias de agricultores familiares e primando
pela recuperação e preservação do ambiente e, b) o Projeto Vida no Bairro,
construído também em parceria e de forma participativa, envolvendo di-
ferentes instituições. Nesse projeto (SAQUET; PACÍFICO; FLÁVIO, 2005)
também trabalhamos com mais de 100 famílias moradoras em um bair-
ro periférico da cidade de Francisco Beltrão (PR). Na sua elaboração e na
concretização das ações, entre 2001 e 2005, tentamos estabelecer novas
relações e atividades, em tramas territoriais centradas na formação/edu-
cação dos sujeitos envolvidos, na organização e participação política na
tomada de decisões, na preservação do ambiente, na valorização da identi-
dade já existente entre os moradores do bairro, enfim, tentamos viabilizar
atividades que possibilitassem melhorias nas condições de vida daquelas
pessoas, com um certo nível de autonomia diante de processos políticos
conservadores e inerentes à dominação social.
Sucintamente, pensar, discutir e estabelecer ações de desenvolvi-
mento territorial significa, num primeiro momento, ter uma compreensão
renovada e crítica do território, da territorialidade e do desenvolvimento.
Não basta substituir o conceito de região pelo de território, como comu-
mente ocorre no Brasil. É necessário conhecer, com clareza, suas diferen-
tes abordagens assim como as de territorialidade e desenvolvimento, como
orientação inicial para a reunião das pessoas que desejam rearranjar sua
forma de vida.
A partir daí, é fundamental considerar os elementos que estão pre-
sentes em cada território que descrevemos anteriormente e, acima de tudo,
os sujeitos que efetivam esses territórios, suas necessidades, seus valores
e patrimônios, as condições da natureza exterior ao homem, enfim, suas
relações e seus lugares de vida cotidiana, historicamente constituídos de
maneira imaterial-material. Em vez de condicionar os lugares às técnicas
e às tecnologias do chamado mundo moderno, é necessário, mais do que
em outros momentos da história da humanidade, ajustar as técnicas e as
tecnologias aos lugares, suas especificidades histórico-geográficas, ou seja,
territoriais, no intuito de concretizar ações de desenvolvimento territorial
com autonomia. Podemos compreender, nesse sentido, o desenvolvimento
como a organização e a luta pela liberdade, pela justiça e pelo conhecimen-
to. Quanto mais conhecimento, mais condições teremos para nossa orga-
nização política e luta pela autonomia.

29
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Referências

BAGNASCO, A. Tre Italie. La problematica territoriale dello sviluppo italia-


no. Bologna: Il Mulino, 1977.
______. La costruzione sociale del mercato. Studi sullo sviluppo di piccola
impresa in Italia. Bologna: Il Mulino, 1988.
BARQUERO, A. V. Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização.
Porto Alegre: UFRGS, 2002.
BENKO, G. Organização do território: algumas reflexões sobre a evolução
no século XX. In: SANTOS, M.; SOUZA, M. A. A.; SILVEIRA, M. L.
(Org.). Território. Globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec,
1996, p.51-71.
BENKO, G.; LIPIETZ, A. O novo debate regional. Posições em confronto.
In. ______. (Org.). As regiões ganhadoras. Distritos e redes os novos
paradigmas da Geografia Eeconômica. Portugal: Celta, 1994, p.3-15.
BUARQUE, S. C. Construindo o desenvolvimento local sustentável. Metodo-
logia de planejamento. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.
CASTORIADIS, C. As entrecruzilhadas do labirinto. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.
______. Socialismo ou barbárie: o conteúdo do socialismo. São Paulo: Bra-
siliense, 1983.
DEMATTEIS, G. Le metafore della terra. La geografia umana tra mito e
scienza. Milano: Feltrinelli, 1985.
______. Per uma geografia della territorialità attiva e dei valori territoriali.
In: BONORA, Paola. Slot, quaderno 1. Bologna: Baskerville, 2001. p.
11-30.
GOVERNA, F. Sul ruolo attivo della territorialità. In: DEMATTEIS, G.; GO-
VERNA, F. (a cura di). Territorialità, sviluppo locale, sostenibilità: il
modello Slot. Milano: Angeli, 2005. p. 39-67.
LIPIETZ, A. O capital e seu espaço. São Paulo: Nobel, 1988.
RAFFESTIN, C. Pour une géographie du puvoir. Paris: Litec, 1980.
______. Por uma geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993.
SACK, R. Human territoriality: its theory and history. Cambridge: Cambridge­
University Press, 1986.
SAQUET, M. Os tempos e os territórios da colonização italiana. Porto Ale-
gre: EST Edições, 2003.

30
Marcos Aurélio Saquet | Eliseu Savério Sposito

______. O território: diferentes interpretações na literatura italiana. In:


SPOSITO, E. S.; SAQUET, M.; RIBAS, A. D. (Org.). Território e desen-
volvimento: diferentes abordagens. Francisco Beltrão-Pr: Unioeste­,
2004, p.121-147.
______. Proposições para estudos territoriais, Geographia, n.15, 2006, p.71-
85.
SAQUET, M.; PACÍFICO, J.; FLÁVIO, L. C. Cidade, organização popular e
desenvolvimento: a experiência do Projeto Vida no Bairro. Cascavel-
PR: Unioeste, 2005.
SEN, A. O desenvolvimento como expansão das capacidades. Lua nova.
São Paulo, n. 28/29, p. 313-333; 1993.
______. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das letras,
2000.
SMITH, N. Desenvolvimento desigual. Rio de Janeiro: Bertrand, 1988.
SOJA, E. W. Geografias pós-modernas. A reafirmação do espaço na Teoria
Social Crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
SOUZA, M. L. de. Algumas notas sobre a importância do espaço para o de-
senvolvimento social. Território, n. 3, p. 13-36, Jul./Dez., 1997.
______. O desafio metropolitano. Um estudo sobre a problemática sócio-es-
pacial nas metrópoles brasileiras. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2000.
______. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento.
In. CASTRO, I. E. de et al. (Org.). Geografia: conceitos e temas. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

31
Sistema Local Territorial (SLOT):
Um instrumento para representar,
ler e transformar o Território 

Giuseppe Dematteis
Geógrafo, Professor de Geografia do Politécnico e Universidade de Turim-Itália |
giuseppe.dematteis@polito.it

Seguidamente se faz um uso excessivamente retórico da palavra “terri-


tório”, sugerindo-se visões parciais ou distorcidas da realidade. Parciais
quando o pensamos como um conjunto material de coisas sem atores, ou
quando cremos, ao contrário, que o agir político, social, cultural e econô-
mico possa ser desligado de sua materialidade. Ou, ainda, quando o ter-
ritório é pensado como simples receptor passivo de “efeitos” derivados de
um agir social, econômico e político que operaria em uma esfera autôno-
ma e distinta da realidade material dos lugares.
Se fosse assim, isto é, se o território fosse somente a superfície so-
bre a qual se projeta alguma atividade, não seria necessário nele intervir:
as políticas territoriais não precisariam existir, ou seja, bastariam políticas
econômicas e sociais que, regulando relações intersubjetivas e abstratas,
regulariam os efeitos e os impactos sobre ele, dando-lhe a forma e a orga-
nização desejada.
Seria, certamente, uma grande facilidade, porém essa visão desma-
terializada do agir humano contrasta com o fato de que todas as coisas que
fazemos, como indivíduos e como sociedade, devem ser efetivadas consi-
derando os bens e os recursos naturais primários, os equilíbrios hidrogeo-


Tradução: Professor Dr. Marcos Aurelio Saquet.

33
Desenvolvimento territorial e agroecologia

lógicos e ecossistêmicos, os solos próprios para as edificações, o patrimô-


nio histórico e artístico, o capital fixo existente (infra-estruturas, edifícios,
construções etc.). São todos esses elementos, solidamente ligados ao solo e
distribuídos no espaço geográfico de maneira variada que, combinando-se
com as nossas exigências de viver, habitar, produzir e sonhar, modelam, no
tempo, a sociedade e a economia. Pode acontecer, também, que o proces-
so co-evolutivo de longa duração passe desapercebido e a nossa percepção
imediata seja que a sociedade modela o território, sem se considerar, tam-
bém, que o contrário ocorre.
Por esse motivo, qualquer política econômica, social e cultural, que
objetiva ser eficaz deve ocupar-se do território, visto não somente como
produto do agir humano, mas também e sobretudo, como meio e matriz
de um futuro, visando à proteção do conjunto de condições necessárias à
vida. Isso equivale a dizer que, para melhorar a qualidade do ambiente e
da sociedade, para produzir cultura e desenvolvimento econômico, preci-
samos agir considerando a territorialidade, entendida como as relações di-
nâmicas existentes entre os componentes sociais (economia, cultura, ins-
tituições, poder) e os elementos materiais e imateriais, vivos e inertes, que
são próprios dos territórios onde se habita, se vive e se produz.

Territorialidade ativa e passiva


Para se compreender o papel da territorialidade nos processos de desenvol-
vimento é necessário esclarecer os principais significados assumidos por
esse termo e suas diferenças essenciais.
De acordo com alguns autores, como R. D. Sack, a territorialidade
“pode ser definida como a tentativa de um indivíduo ou de um grupo de
influenciar ou controlar as pessoas, os fenômenos e as relações, delimitan-
do e exercitando um controle sobre uma área geográfica. Essa área será
chamada território”.
Bem diferente é a posição de outros autores que, juntamente com C.
Raffestin, definem a territorialidade como um “conjunto de relações que
nascem em um sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo, com vis-
tas à maior conquista possível de autonomia, compatível com os recursos
de um sistema”. E ainda: “conjunto de relações que uma sociedade, e por
isso os indivíduos, têm com a exterioridade e com a alteridade para satisfa-
zer os próprios desejos com a ajuda de mediadores, na perspectiva de obter
a maior autonomia possível, tendo em conta os recursos de um sistema”.
Nesse caso, a territorialidade não é o resultado do comportamento huma-
no sobre o território, mas o processo de construção de tais comportamen-
tos, o conjunto das práticas e dos conhecimentos dos homens em relação à
realidade material, a soma das relações estabelecidas por um sujeito com o
território (a exterioridade) e com os outros sujeitos (a alteridade).

34
Giuseppe Dematteis

Essas duas abordagens, diferentes em relação à territorialidade,


indicam dois modos diversos de considerar o local e as relações com o
território dos sujeitos. É possível, assim, distinguir-se uma territorialida-
de passiva e “negativa” que, com estratégias de controle e com o sistema
normativo associado, objetiva excluir sujeitos e recursos, e uma territoria-
lidade ativa e “positiva”, que deriva das ações coletivas territorializadas e
territorializantes dos sujeitos locais e objetiva a construção de estratégias
de inclusão. Nestes territórios, vistos como “ativos”, a territorialidade cor-
responde a mediações simbólicas, cognitivas e práticas entre a materiali-
dade dos lugares e o agir social nos processos de transformação territorial
e de desenvolvimento local.
Cabe destacar que não é sempre que a territorialidade passiva se
realiza com práticas de coerção e com objetivos negativos. Antes disso,
o controle se exercita “com a finalidade do bem”. Este “bem” é, porém,
definido pelos dominadores, enquanto os dominados não têm a possibili-
dade autônoma de juízo e de agir para fazer valer seus interesses. Essa é
uma forma de tratamento e do modo de satisfazer as necessidades típica
da tradição administrativa e do planejamento territorial, entendido como
regulação autoritária das decisões e como estruturação hierárquica dos
conflitos. Na construção das formas passivas da territorialidade, de fato,
aos sujeitos (locais) são transferidos comportamentos pré-definidos pelas
estruturas de controle, de acordo com expectativas externas, sem se prever
que possam agir de maneira própria, com ações autônomas. Já na territo-
rialidade ativa os sujeitos locais efetivam papéis e ações configurando, des-
se modo, estratégias de resposta/resistência com relação às imposições de
controle, contribuindo para realizar mudanças e inovações.

Os Sistemas Locais Territoriais (SLOTs)


Para que a concepção ativa e positiva da territorialidade possa ser, de fato,
operativa nos processos de desenvolvimento, precisamos traduzi-la em um
‘modelo’ conceitual, que sirva antes de qualquer coisa, à analise e descrição
da realidade e das potencialidades sociais e territoriais já existentes para se
construir, a partir disso, os sistemas, ao mesmo tempo, territoriais e sociais,
destinados a se configurar em atores de desenvolvimento local no âmbito
das políticas municipais, estaduais e nacionais. Pesquisas empíricas apli-
cadas a problemas de desenvolvimento local e de projeção integrada por
conta de entidades públicas (municípios, províncias, regiões, ministérios),
juntamente com estudos de caso e com reflexões teó­rico-conceituais re-
centemente desenvolvidas em uma pesquisa nacional PRIN-MIUR, permi-
tiram gerar um modelo simplificado de sistema local territorial (SloT), ao
mesmo tempo, analítico e como meio para o planejamento e concretização
de projetos de desenvolvimento. Um sistema local territorial é construído

35
Desenvolvimento territorial e agroecologia

a partir do que já existe e isso pode garantir a eficácia de projeção do que


será edificado.
Como instrumento analítico, o modelo conceitual SloT é composto
pelos seguintes elementos:
i) A rede local de sujeitos: formada pelo conjunto de relações e intera-
ções entre os sujeitos (individuais e coletivos, públicos e privados,
locais e globais), presentes ou ativáveis em um certo território local.
Aqui, por local, entende-se a escala geográfica que permite intera-
ções típicas de proximidade física: relações baseadas no conheci-
mento e na comunicação direta (face-to-face), na confiança, na re-
ciprocidade, na experiência comum e prática de um certo contexto
ou milieu territorial etc. Por isso, considera-se tanto a dimensão de
uma vila ou de um pequeno bairro como uma província italiana
não muito grande, que é também a dimensão normal de um sistema
territorial urbano de tamanho mediano. Começa-se a falar do SloT
quando esse agregado de sujeitos age de algum modo e em alguma
ocasião como um ator coletivo, isto é, quando se empenha na elabo-
ração e na realização de projetos comuns de transformação, desen-
volvimento e requalificação do próprio território.
ii) O milieu local: indica o conjunto de condições favoráveis ao desen-
volvimento específico do contexto territorial no qual opera uma cer-
ta rede local de sujeitos, da forma como estes percebem estas condi-
ções. Há um referimento objetivo aos “recursos potenciais imóveis”
(o “capital territorial”) próprios do território local, isto é, ao conjun-
to de recursos materiais e imateriais, que estão sedimentados local-
mente como resultado de um longo processo co-evolutivo entre a
sociedade local e o território. O capital territorial não consiste, po-
rém, simplesmente no conjunto objetivo de recursos (assim como
o poderia descrever e avaliar um pesquisador externo). Ele tem um
lado subjetivo que compreende as representações e as atribuições
de valor efetivadas pelos sujeitos locais. Corresponde ao conjunto de
propriedades que a rede local dos sujeitos considera como prises (ex-
pressão do geógrafo francês A. Berque) para transformar e melhorar
o seu ambiente de vida.
iii) A relação de interação da rede local com o milieu e com os ecossiste-
mas locais: consiste na tradução das potencialidades do milieu em
valores – do tipo ambiental, cultural, estético, social e econômico
– através de processos de transformação simbólica e material do
ambiente.
iv) A relação interativa da rede local com redes globais (“redes longas”;
tendencialmente globais): são as ações que modificam tanto a com-
posição da rede local, como o milieu, as relações cognitivas, sim-

36
Giuseppe Dematteis

bólicas e tecnológicas com o ambiente local e os valores exógenos


(cognitivos, culturais, sociais, econômicos). Há uma interação entre
os valores locais e globais.

Essa forma de definir os sistemas locais tem algumas implicações


relevantes. Antes de tudo, a identidade do SloT é definida não somente com
relação ao sentido de pertencimento e à memória do passado, mas tam-
bém, e sobretudo, em termos de organização do sistema, isto é, como coe-
são para o planejamento do futuro. Cada SloT, pelo fato de ter uma organi-
zação específica e um domínio cognitivo próprio, é reconhecido como sede
de elaboração (também conflitual) de racionalidades locais que se expli-
cam através de princípios e regras específicas de uso e de organização do
território. Como conseqüência, para cada SloT se atribui uma capacidade
(mais ou menos explícita) de auto-representação e de auto-projeção; capa-
cidade que interage com aquelas análogas do nível global nas formas de
cooperação, de conflito e de negociação.
Enfim, a auto-organização do sistema local é considerada um recur-
so endógeno que as políticas gerais de desenvolvimento devem conhecer,
orientar e governar. Esse recurso é o verdadeiro objeto de análise para cada
sistema territorial local. A individualização dos sistemas locais, das redes e
dos ambientes como entidades territoriais é somente um instrumento para
se descobrir e descrever as formas locais de territorialidade ativa, ou seja,
as modalidades de organização local, com o objetivo de ativar e orientar
processos de desenvolvimento.
Cabe destacar que, referindo-se a entidades territoriais (com con-
tornos variáveis), o nosso sistema local territorial se diferencia conceitual-
mente da categoria similar utilizada anteriormente por geógrafos, plane-
jadores e outros estudiosos, como o pays da geografia vidaliana, as regiões
homogêneas e funcionais, os sistemas urbanos, os distritos industriais etc.
De fato, nosso sistema local territorial não é um sistema já existente que
funciona com atores coletivos territoriais, mas uma série de indícios (atitu-
des, experiências etc.) e de pré-condições subjetivas e objetivas que, com a
intervenção de estímulos oportunos e com ações de governança, pode ren-
der a construção, em certa área geográfica, de um sistema territorial capaz
de contribuir autonomamente para o desenvolvimento. Enfim, o sistema
territorial mais apropriado é um território onde seja possível fazer boas
políticas e ações eficazes para o desenvolvimento.
Com o SloT se indica uma potencialidade realizável na relação entre
certos componentes objetivos e subjetivos, que são analisados caso a caso,
com êxito somente em parte previsível. A análise SloT não dará jamais cer-
tezas absolutas sobre a realidade e nem sobre a projeção do futuro e do
desenvolvimento. Ela indica, porém, uma possível articulação do territó-
rio, a partir dos indícios estudados, sendo que a governança direcionada ao

37
Desenvolvimento territorial e agroecologia

desenvolvimento territorial será mais eficaz em relação a outros encami-


nhamentos que não consideram a distribuição territorial das capacidades
auto-organizativas dos sujeitos e as suas interações com o “capital territo-
rial” local.
Concluindo, o SloT permite:
i) Delinear a geografia da projeção e do agir coletivo em um território
(regional, nacional, transnacional) com base nas relações sociais e
territoriais existentes;
ii) Individuar o estado atual destas relações que, normalmente, são in-
completas;
iii) Avaliar a possibilidade de ativar as relações que faltam e os proces-
sos de desenvolvimento autocentrados;
iv) Avaliar a existência e as características dos valores territoriais pro-
duzidos;
v) Sugerir a arquitetura mais apropriada para construir, caso a caso,
um sistema de governança eficaz para a implementação de políticas
e para a realização de programas e projetos;
vi) Avaliar a sustentabilidade territorial do desenvolvimento, compreen­
dida como capacidade de reproduzir e enriquecer o “capital territo-
rial” local sem empobrecer o de outros territórios;
vii) Oferecer uma sustentação cognitiva para planos e políticas de vastas
áreas baseados na articulação, em rede, dos sistemas locais territo-
riais.

Alguns problemas
A aplicação do modelo SloT à análise de um território denota alguns pro-
blemas metodológicos que merecem ser ilustrados brevemente, tendo pre-
sente as experiências de pesquisa de campo realizadas no curso de nossos
estudos.

A individualização dos possíveis SloTs


É necessário ter em mente que o nosso modelo não serve para estudar a
subdivisão racional de um território em unidade geográfica de nível local,
mas para explorar e descrever a geografia referente a um recurso particu-
lar, que corresponde à capacidade de auto-organização local e de agrega-
ção territorial voluntária, vista como interface necessária para ativar, e em
uma certa medida também produzir recursos específicos nos processos de
desenvolvimento. Diante do processo de fragmentação e globalização eco-
nômica, esses recursos não são distribuídos uniformemente e também não
existem em todos os lugares. Então, como podemos individualizá-los?

38
Giuseppe Dematteis

Tratando-se de recursos próprios das sociedades locais, a melhor


maneira para descobri-los parece ser a que parte de uma análise das agre-
gações territoriais de sujeitos privados e públicos, que geraram projetos
e ações direcionados ao desenvolvimento local (não somente econômico,
mas também social, cultural etc.). Por exemplo: nas nossas pesquisas em-
píricas foram analisadas redes como as dos pactos territoriais. Cada agre-
gação mais ou menos voluntária corresponde a uma rede de sujeitos locais
(e globais com ancoragens locais) que pode ser cartografada. Sobrepondo
as várias configurações espaciais de redes que emergem dos adensamentos
em certas áreas, podemos definir uma primeira geografia das tendências
auto-organizativas locais etc. Tais adensamentos de projeção e ação co-
letiva são indícios de possíveis SloTs. Num segundo momento, a sua cor-
respondência ao modelo e os seus limites aproximados podem ser melhor
definidos examinando a composição das redes, o papel efetivo dos sujeitos
participantes, os objetivos e os resultados esperados, a estabilidade das
agregações, os âmbitos territoriais dos projetos e das ações, e a distribui-
ção espacial do “capital territorial” ativado.
Nesta fase de análise, um tema particularmente importante é o da
congruência da agregação territorial definida pelos projetos. Tal questão
requer, de um lado, a definição dos parâmetros que fazem com que um
agregado de sujeitos se comporte como um sistema local; do outro lado, a
individualização e delimitação do âmbito territorial no qual agem os su-
jeitos locais. Estes dois aspectos estão estreitamente coligados: em efeito,
somente se e quando o agregado de sujeitos se comportará e agirá como
um sujeito coletivo, o sistema local territorial poderá ser geograficamente
delimitado. Não existe um território “perfeito” e a dimensão “ótima” para
o desenvolvimento local, porém, existem territórios para serem interpreta-
dos a partir dos componentes de cada milieu local. Os territórios não são
rigidamente pré-determinados, mas são definidos durante o processo de
construção do ator coletivo local, a partir de uma hipótese inicial de agre-
gação territorial dos sujeitos participantes.
As pré-condições subjetivas são confrontadas com outras de tipo ob-
jetivo, no intuito de se verificar a estabilidade e a funcionalidade das agrega-
ções precedentes (envolvidas nos projetos). Neste caso, deve-se considerar:
i) As divisões administrativas atuais.
ii) Aquelas que, no curso da história, podem ter contribuído para criar
áreas de particular coesão cultural.
iii) As áreas de contenção dos fluxos locais (mobilidade por serviços e
pelo trabalho, input-output entre unidades dos sistemas produtivos
locais).
iv) Os fluxos correspondentes, rodoviários e ferroviários (inclusas as re-
des locais dos transportes).

39
Desenvolvimento territorial e agroecologia

As análises objetivas permitem traçar os limites (com geometria va-


riável) do hipotético SloT. É nessa fase que aparece o problema da dimen-
são geográfica do sistema local. Essa dimensão pode variar entre um máxi-
mo e um mínimo, a ser determinado caso a caso a partir da nossa definição
do modelo. A dimensão máxima compatível com tal definição requer que
se respeitem as condições necessárias de proximidade geográfica, porque
as redes locais de sujeitos capazes de ações coletivas se formam sobre a
base de relações que implicam conhecimento direto, confiança, interesses
comuns e projetos ligados a um “capital territorial” também comum e que
garanta uma larga participação.
Trata-se de âmbitos territoriais correspondentes ao raio das relações
e da mobilidade cotidiana, com uma dimensão máxima que é certamente
sub-regional. A dimensão mínima, verificada por nós no âmbito urbano, é
aquela de um bairro não muito grande, mas capaz de elaborar e exprimir
projetos autônomos. A forte diferença entre estes dois extremos faz com
que o nível local possa se articular em uma hierarquia de SloT; há sistemas
articulados uns nos outros. Na delimitação de nível superior se respeitam,
normalmente, os limites dos municípios, no entanto os provinciais, regio-
nais e estaduais podem ser transpostos.

A valorização do capital territorial e o valor agregado territorial


como critério de avaliação do território
A relação que a territorialidade ativa institui com os recursos específicos
incorporados estavelmente no espaço local da ação coletiva é a condição
necessária para que se possa falar de desenvolvimento local territorial em
sentido próprio, e é também o motivo para o qual o nível local converge,
reforçado pela globalização. Resumindo, podemos dizer que o desenvol-
vimento local ocorre quando a super-mobilidade em nível global interage
e combina com a fixidez do nível local. De fato, o local, como nível de or-
ganização autônoma, interessa ao global na medida em que sabe produ-
zir valores referentes àquilo que é próprio de seu território. Atualmente,
a globalização é guiada principalmente por forças e por objetivos econô-
mico-financeiros, por isso, tendemos a pensar estes valores em termos de
mercado, mas esta é uma distorção histórica contingente de um processo
que pode e deve considerar também outros gêneros de valores (culturais,
sociais, simbólicos, estéticos), capazes também de derivar das especificida-
des locais e de assumir significados e fruições universais.
O valor que se obtém combinando ações coletivas autônomas,
“recursos imóveis” locais e interações globais, constitui-se no valor agre-
gado territorial do desenvolvimento. É o que se pode obter além, a respei-
to de processos de valorização simples que não mobilizam nem atores
nem recursos locais, mas se limitam a desfrutar de externalidades e de
certos recursos territoriais, com intervenções exógenas diretas.

40
Giuseppe Dematteis

O conjunto dos recursos imóveis locais pode ser considerado como


um capital territorial que se torna gerador de valores de uso e de mercado
nas relações de territorialidade ativa. O capital territorial é um conceito ao
mesmo tempo relacional e funcional, que compreende coisas muito diver-
sas entre si, mas que têm em comum as características que destacamos
a seguir: são estavelmente incorporadas aos lugares (são “imóveis”); são
dificilmente repetíveis em outros lugares com as mesmas qualidades (são
específicas); não são produzíveis em espaços curtos de tempo (são “patri-
mônios”). Podemos agrupá-las da seguinte maneira:
i) Condições e recursos do ambiente natural (renováveis e não renová-
veis).
ii) Patrimônio histórico material e imaterial (não reproduzível enquan-
to tal, mas que pode ser incrementado no tempo).
iii) Capital fixo acumulado em infra-estrutura e construções (que pode
ser incrementado, adaptado, porém, no conjunto, não pode ser pro-
duzido num período breve ou médio);
iv) Bens relacionais, em parte incorporados no capital humano local:
capital cognitivo local, capital social, heterogeneidade cultural, ca-
pacidade institucional (recursos renováveis e que podem ser incre-
mentados, mas que podem ser reproduzidos somente em médio ou
longo prazos).

Como se percebe nessa relação de características, todas têm diferen-


tes graus de estabilidade, tempos de formação e acessibilidade. Os recur-
sos referentes aos três primeiros itens são, pelo menos em parte, conheci-
dos e acessíveis também por parte de um ator externo; os bens relacionais
implicam, necessariamente, na mediação da ação coletiva local e em boa
parte se formam e se incrementam com essa mesma ação.
O conceito de valor agregado territorial, seja referente a um proje-
to singular, a uma ação coletiva ou à modalidade geral de planejamento e
de ações de um sistema local, tem um caráter prático relevante, enquanto
pode ser assumido como critério crucial para se entender se estamos ou
não na presença de desenvolvimento local e, se afirmativamente, em que
medida isso ocorre.
Trata-se de avaliar o nível de ativação dos recursos potenciais espe-
cíficos do território local, ou mesmo o valor agregado territorial em rela-
ção tanto ao valor geral produzido no processo como ao capital territorial
local disponível. A partir, por exemplo, da indústria local tradicional, pode-
se iniciar um processo de reconversão produtiva e competitiva. Neste caso,
as possibilidades são maiores do que no caso da transformação de ativida-
des como as de museus ou turísticas. Outro exemplo: se se mobiliza ape-
nas uma das potencialidades específicas do território (como o patrimônio

41
Desenvolvimento territorial e agroecologia

arqueológico), há menos chances de se obter uma solução alternativa que


envolva outros recursos inerentes ao desenvolvimento (como o patrimônio
paisagístico ou atividades produtivas locais ou o capital social).
Essas avaliações exigem um reconhecimento analítico do capital
territorial local e das suas modalidades. Para alguns dos componentes des-
critos anteriormente, basta a análise de um observador externo, porém,
para outros elementos e em particular para os “bens relacionais”, o ponto
de vista deve ser interno, ou melhor, dialógico interno-externo. Tudo exige,
ao mesmo tempo, mesmo no caso mais simples de avaliação de um projeto
singular, a referência a um território, que possa ser individualizado/anali-
sado com o modelo SloT.

Valor agregado territorial e sustentabilidade


Considerando-se que o desenvolvimento local atinge todos os recursos po-
tenciais de um território, a sustentabilidade não pode ser somente am-
biental. Além da conservação do capital natural, é necessário considerar a
reprodução e o incremento de todo capital territorial, inclusive os compo-
nentes que não apresentam características sustentáveis em curto prazo.
É fundamental que se considere a sustentabilidade territorial do de-
senvolvimento, na qual se pode distinguir os vários tipos de sustentabili-
dade. Dentre elas, além da sustentabilidade ambiental, ganha importância,
para nós, a sustentabilidade política, que A. Magnaghi chama de auto-sus-
tentabilidade, porque comporta processos auto-organizativos nos sistemas
locais. Dela pode derivar não somente a capacidade de reprodução do capi-
tal territorial, mas também e sobretudo, a auto-reprodução do sistema ter-
ritorial em si, ou seja, a capacidade de conservação da própria identidade
(no sentido de organização interna) no tempo através de uma transforma-
ção contínua derivada de inovações locais.
A sustentabilidade territorial do desenvolvimento pode ser definida
como a capacidade autônoma de criar valor agregado territorial (vat) em um
duplo sentido: o da transformação dos recursos potenciais (imóveis e espe-
cíficos) de um território em valor (de uso ou de troca) e o da incorporação
ao território de novos valores sob a forma de incremento do capital territo-
rial. Teríamos, assim, auto-reprodução sustentável de um sistema territorial
quando o processo de desenvolvimento é auto-governado e tem como resul-
tado final de médio ou longo período um vat de primeiro tipo positivo e um
vat de segundo tipo não negativo. Ou ainda, quando o ator coletivo territo-
rial, interagindo com o nível global, cria valor mobilizando o potencial de
recursos específicos do próprio território, sem reduzir o capital territorial:
nem o local, nem o de outros territórios externos envolvidos no processo.
O cálculo da sustentabilidade territorial é mais complexo e difícil
que o da sustentabilidade ambiental. Não se trata, portanto, somente de
avaliar se o projeto, o sistema ou o processo reproduzem o capital territo-

42
Giuseppe Dematteis

rial local, mas também se não destroem o capital territorial de outros sis-
temas locais ligados por interações materiais e imateriais ao que está sen-
do estudado. O problema se complica se, como indicamos anteriormente,
consideramos a sustentabilidade e, por isso, a capacidade auto-reproduti-
va do sistema local. Neste caso, as medidas sempre referidas a um deter-
minado sistema, processo ou projeto de desenvolvimento deveriam con-
siderar: i) o grau de autonomia do sistema territorial e o peso cognitivo,
de planejamento/projeção, de decisão, de financiamento e de atuação dos
sujeitos locais no interior do processo ou do projeto; ii) a capacidade de in-
clusão do ator coletivo local (é uma união restrita de atores “fortes” ou dá
voz e poder a uma multiplicidade de interesses, redes de sujeitos, “fracos”,
marginais e conflituais?). Esta última, ou seja, a capacidade de inclusão,
também significa, indiretamente, a capacidade inovativa do sistema local,
uma vez que requer um certo nível de diversificação e confronto.

A diversificação territorial como recurso


De um ponto de vista não somente local, mas também universal, a diver-
sificação do território por sistemas locais (cultural, social, institucional e
produtivo), como resultado de processos co-evolutivos de longa duração
das sociedades locais com o seu território e ambiente, é considerada como
uma riqueza coletiva por diversos motivos. Dentre eles, o mais geral, é que
as diversidades, no seu conjunto, desenvolvem o papel de pool genético-
cultural, cuja transmissão acresce a capacidade inovativa e a autonomia
dos sistemas territoriais nas diversas escalas. Nesse aspecto, o nosso pro-
blema apresenta semelhança com o da biodiversidade. De fato, há também
os que, a propósito da extinção de línguas, dialetos e patrimônio cultural,
falam de conservar e reproduzir a biodiversidade cultural.
Outros motivos para proteger e reproduzir a diversidade territorial
são: i) o fato de que ela alimenta o sistema econômico global que, por sua
vez, utiliza as potencialidades específicas locais como vantagens competi-
tivas; ii) a escala local reproduz saberes contextuais ambientais que per-
manecem úteis no que se refere às formas produtivas locais; iii) tende-se a
maximizar o uso dos recursos naturais, humanos e as capacidades produ-
tivas globais, diminuindo, ao mesmo tempo, as desigualdades; iv) o fato de
acentuar o nível de fechamento dos circuitos locais, reduzindo as marcas/
efeitos ecológicos; v) responde a uma demanda de usos e consumos diver-
sificados (como demonstra o sucesso das produções típicas locais).
Atualmente, o caráter produtivo dos recursos culturais locais e dos
próprios sistemas locais como sistemas territorialmente diversificados é
uma questão problemática. De maneira particular, questiona-se se ainda é
possível existir relações co-evolutivas na escala local. Com a afirmação pro-
gressiva do conhecimento técnico-científico, incorporado em um processo
de acumulação capitalista tendencialmente global, a interação co-evoluti-

43
Desenvolvimento territorial e agroecologia

va entre sociedade humana e ambiente foi transferida gradualmente do ní-


vel local para o global. Diminuiu o principal mecanismo que, no passado,
gerou a diversificação territorial das sociedades, das culturas e do capital
territorial sedimentado. Permanecem simulacros sob a forma de folclore
e de patrimônio museificado, conservados em função de um uso turístico
espetacular similar ao dos parques temáticos, ou do uso simbólico-identi-
tário ou ainda, do marketing territorial. Onde não há mudanças produtivas
abruptas, permanece o uso reprodutivo dos bens relacionais acumulados
no passado. Há, ao mesmo tempo, uma tendência à perda gradual dessas
especificidades, como se percebe em muitos distritos industriais e sistemas
locais agrícolas que permanecem competitivos.
Um sinal que vai contra esta tendência é verificado onde há afirma-
ção de produções típicas que exigem a reprodução inovativa de tecnologias
apropriadas a certas condições e experiências locais. Porém, perguntamos:
até que ponto este último modelo pode ser generalizado como perspectiva
de conservação e reprodução da diversidade territorial, inovando, conside-
rando-se os objetivos anteriormente indicados?
De um lado, essa perspectiva não é um contraste em relação à evolução
do conhecimento científico. Este pode ser combinado com os conhecimentos
contextuais, permitindo a evolução de tecnologias e a definição de gestões
apropriadas aos diversos ambientes locais. Isto comportaria, também, efeitos
de retorno positivo sobre o conhecimento geral. De fato, a história das ino-
vações tecnológicas nos ensina que elas nascem como inovações locais para
depois se difundirem e se generalizarem em escala mundial. De outro lado,
há o obstáculo constituído pela seleção efetivada sobre ambientes naturais e
culturais por uma competição econômica global não regulada que, em vez de
adaptar aos ambientes locais o conhecimento e as técnicas disponíveis, tende
a adaptar os lugares às técnicas, nivelando-os às tecnologias que, no atual sis-
tema de mercado capitalista, são rotuladas de mais produtivas.
Na realidade, sabemos que se trata de uma concepção muito par-
cial da produtividade, entendida como capacidade dos investimentos de
aumentar a renda financeira em curto prazo, mesmo que diminuam a pro-
dutividade de energia, de capital natural e de capital territorial. Está muito
claro que os investimentos feitos na pesquisa se concentram cada vez mais
nas áreas tecnológicas, que garantem, por sua vez, aplicações universais,
negligenciando-se os conhecimentos e tecnologias para a gestão diversifi-
cada dos ambientes e dos recursos territoriais porque geraria menor retor-
no financeiro e, sobretudo, uma estrutura produtiva mais distribuída e de-
mocrática, capaz de se contrapor ao controle e aos privilégios dos grandes
grupos de poder político-financeiro.
Nesse aspecto, o modelo SloT pode, também, resultar em um mode-
lo de resistência democrática contra as formas distorcidas da globalização
econômica dominada pelo novo totalitarismo econômico-financeiro.

44
Giuseppe Dematteis

Referências

BAGNASCO, A. Tracce di comunità. Bologna: Il Mulino, 1999.


BECATTINI, G.; SFORZI, F. a cura di. Lezioni sullo sviluppo locale. Torino:
Rosenberg & Sellier, 2002.
BECATTINI, G.; CONTI, S.; SFORZI, F. (Dir.). Sviluppo locale, rivista edita
da Rosenberg e Sellier (Torino).
BERTONCIN, M.; PASE, A. (a cura di). Territorialità. Necessità di regole
condivise e nuovi vissuti territoriali. Milano: Franco Angeli, 2007.
CERSOSIMO, D. ( a cura di). Il territorio come risorsa. Roma: Formez-Don-
zelli, 2000.
COLAIZZO, R.; DEDIDDA, D. (a cura di). Progetti e immagini del territorio.
L’esperienza dei PIT nelle regioni del Mezzogiorno. Roma: Formez-
Donzelli, 2003.
CORRADO, F. Le risorse territoriali nello sviluppo locale. Firenze: Alinea,
2005.
DE RITA, G.; A. BONOMI. Manifesto per lo sviluppo locale. Dall’azione di
comunità ai Patti territoriali. Torino: Bollati Boringhieri, 1998.
DEMATTEIS, G., GOVERNA, F.; VINCI, I. La territorializzazione delle po-
litiche di sviluppo. Un’applicazione del modello SLoT alla Sicilia. Ar-
chivio di Studi Urbani e Regionali, in corso di pubblicazione (2003).
DEMATTEIS, G., GOVERNA, F. (a cura di). Territorialità, sviluppo locale,
sostenibilità: il modello SloT. Milano: Angeli, 2005.
GOVERNA, F. Il milieu urbano. L’identità territoriale nei processi di svilup-
po. Milano: Angeli, 1997.
MAGNAGHI, A. Il progetto locale. Torino: Bollati Boringhieri, 2000.
PASQUI, G. Il territorio per le politiche. Milano: Franco Angeli, 2001.
RAFFESTIN, C. Per una geografia del potere, trad. it. Unicopli: Milano,
1981.
______. Il concetto di territorialità. In: BERTONCIN, M.; PASE, A. sopra
citato, 2007, p. 21-31.
ROSSIGNOLO, C., SIMONETTA, C. (a cura di). Una geografia dei luoghi
per lo sviluppo locale. Approcci metodologici e casi di studio. Bolo-
gna: Baskerville, 2003.
SACK, R.D. Human Territoriality: its theory and history. Cambridge: Uni-
versity Press, 1986.

45
Desenvolvimento territorial e agroecologia

STORPER, M. Le economie locali come beni relazionali. Sviluppo locale,


IV, 5, 1997, p. 5-42.
VIESTI, G. Politiche economiche e sviluppo locale: alcune riflessioni. Svi-
luppo locale, VII, 14, 2000, p.55-81.
VINCI, I. Politica urbana e dinamica dei sistemi territoriali. Milano: Angeli,
2002.

46
Desenvolvimento Territorial:
algumas reflexões teórico-conceituais
derivadas de estudo monográfico

Luiz Alexandre Gonçalves Cunha


Geógrafo, Professor Adjunto do curso de Geografia da Universidade Estadual de
Ponta Grossa | cunhageo@uepg.br

O objetivo deste texto é discutir a concepção de desenvolvimento territo-


rial, inspirada no estudo das trajetórias regionais de desenvolvimento ru-
ral que foram identificadas no Estado do Paraná, com ênfase no caso do
Paraná Tradicional (CUNHA, 2003). Nesses termos, inicia-se com a discus-
são sobre o próprio sentido da noção de desenvolvimento, não em termos
gerais, mas, principalmente em relação ao questionamento do enfoque ho-
mogeneizador presente nas concepções tradicionais de desenvolvimento.
Em seguida, busca-se discutir como um determinado conceito de território
é básico na composição desta nova concepção de desenvolvimento, inse-
rindo um sólido viés espacial na tentativa de renovar análises regionais e
propostas de caráter desenvolvimentista. A concepção de desenvolvimento
territorial insere-se num quadro no qual também aparecem as concepções
de desenvolvimento local (CAMPANHOLA; SILVA, 1999) e socioespacial
(SOUZA, 1996), formando um conjunto diverso de concepções, mas que
apresentam um eixo balizador comum, que corresponde à revalorização
do espaço nas teorias sociais, como já havia destacado Soja, o que permite
resgatar a Geografia como ciência central nestas reflexões e acaba criando


Texto baseado em parte do capítulo I da tese de doutoramento do autor, defendida em 2003,
no Curso de Doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, da UFRRJ.

47
Desenvolvimento territorial e agroecologia

um segmento novo na temática desenvolvimentista, ou mesmo nessa disci-


plina, ao qual se propõe a denominação de geodesenvolvimento.
No quadro teórico-conceitual deste texto, a rejeição à defesa da ho-
mogeneização social como pressuposto do desenvolvimento é um ponto
básico devido a uma desconsideração com qualquer visão etapista do de-
senvolvimento. Assim, não se pretende trabalhar com a noção de subde-
senvolvimento, no sentido de que se trata de uma etapa em direção a ou-
tra de desenvolvimento pleno, muito embora o termo possa até aparecer
no texto, mas sem uma conotação etapista. Essa observação, de certa for-
ma, relaciona-se com a preocupação de Maluf, segundo a qual, “rejeitar a
perspectiva da homogeneização não implica desconhecer que a criação de
espaços desiguais e a permanente geração de pobreza têm determinantes
principalmente gerais no sentido de que são comuns – como aqueles que
derivam da natureza desigual do desenvolvimento capitalista – e que estes
fenômenos são uma expressão de injustiça social” (MALUF, 2000, p. 77). O
importante, então, é que, ao se abordar uma região, “[...] é possível e neces-
sário mensurar a desigualdade e a pobreza [...] valendo-se quase que sem-
pre de indicadores comuns [...] sem com isto associar-se a algum conjunto
de valores único e específico” (MALUF, 2000, p. 77). Esse ponto foi con-
siderado quando se abordou o Estado do Paraná a partir da consideração
da sua regionalização mais tradicional (CUNHA, 2003), que divide o Esta-
do em três grandes regiões (Paraná Tradicional; Norte; Sudoeste). Pôde-se
verificar que parte da primeira região apresenta o diagnóstico de quadros
histórico-econômicos de pobreza e desigualdade, que levaram-na a ser
classificada como subdesenvolvida. A rejeição ao termo inclui, portanto,
uma desaprovação ao conceito como etapa, mas não impede de considerar
as relações que possam existir entre os problemas relacionados à pobre-
za e desigualdade e a questão regional. A diferença é que esses problemas
são vistos como influenciados decisivamente por um processo histórico-
geográfico específico. Assim, a preocupação central não é se a região é ou
não subdesenvolvida. O que importa efetivamente é que ela apresente um
processo endógeno de desenvolvimento que deve ser compreendido nos
seus aspectos definidores, para que ações sociais futuras não carreguem os
mesmos vícios das que foram implementadas no passado.
Não é, porém, objetivo deste texto aprofundar a discussão sobre as
teorias do subdesenvolvimento, muito embora a situação social do Paraná
Tradicional, inclusive após os movimentos modernizadores das estruturas
produtivas agropecuárias recentemente ocorridas e as diferentes conjun-
turas de aceleração da industrialização que envolveram a região, indiquem
um agravamento da diferenciação social dos produtores rurais e a elevação
dos níveis de desigualdade social, contrariando aquilo que seria um pres-
suposto do desenvolvimento numa visão tradicional: a homogeneização
social. As intervenções governamentais, territoriais ou não, diretas ou indi-

48
Luiz Alexandre Gonçalves Cunha

retas, que atingiram o Paraná Tradicional participaram, então, dos proces-


sos que “não levaram à homogeneização social, ainda que tenham causado
elevação no nível médio de vida” (MALUF, 2000, p. 58). Dessa forma, esta
região apresenta dinâmicas sociais que até justificariam uma abordagem
vinculada às teorias do subdesenvolvimento, mas não se considera de fá-
cil solução usar a noção de subdesenvolvimento num contexto de rejeição
dos enfoques lineares em evolução social. E aqui é necessário repetir Maluf
quando afirma que subdesenvolvimento e atraso “[...] por definição [...] su-
põe a possibilidade (ou a pretensão) de convergir a uma condição julgada
superior” (2000, p. 75).
As abordagens renovadas, centradas em processos endógenos, bus-
cam escapar dessa armadilha teórica. Como neste texto o que interessa é o
desenvolvimento regionalmente considerado, a variante da renovação que
importa é a que incorpora uma perspectiva espacial nessas concepções. A
concepção escolhida para ajudar a formar o quadro teórico-metodológico
da discussão é a de desenvolvimento territorial. Por exemplo, essa concep-
ção é hoje a base das políticas públicas que emanam da Secretaria de De-
senvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário volta-
das para o espaço rural e a agricultura familiar. Veiga, porém, preocupa-se
com esse uso cada vez mais freqüente da expressão desenvolvimento territo-
rial. O que ele quer saber é se isso realmente “[...] indica uma revalorização da
dimensão espacial da economia, ou se, ao contrário, não passa de mais um
prolongamento da infindável mania de acrescentar adjetivos ao substantivo
desenvolvimento” (VEIGA, 1999, p. 1).
Sua preocupação pode ser superada ao se constatar que a incorpo-
ração de um viés espacial em concepções de desenvolvimento relaciona-se
a uma questão mais ampla, que é a “reafirmação de uma perspectiva es-
pacial crítica na teoria e na análise social contemporânea” (SOJA, 1993, p.
7). Segundo Soja, essa reafirmação surge depois de um longo período de
“submersão [...] do espaço no pensamento social crítico”, período no qual
prevaleceu um “historicismo desespacializante”, iniciado após a queda da
Comuna de Paris, e que só a partir do final da década de 1960 começou a ser
revertido (SOJA, 1993, p. 10-11). Nesse período, as teorias sociais não con-
sideravam o espaço como uma categoria decisiva, porque partiam de uma
idéia de “existência de alguma ordem espacial pré-existente na qual ope-
ram processos temporais ou que as barreiras espaciais foram reduzidas a
tal ponto que tornaram o espaço um aspecto contingente, em vez de fun-
damental, da ação humana” (HARVEY, 1993, p. 190).
A revisão desse posicionamento, percebida por Soja, é explicada por
Cardoso como uma tomada de consciência, pois “o que teve de mudar
com o tempo, ajustando-se à novas realidades, decorreu da necessidade
de levar em conta as maiores complexidades, heterogeneidade e – talvez
– volatilidade das construções espaciais e os seus recortes possíveis neste

49
Desenvolvimento territorial e agroecologia

fim de século, posto que novos fatores, anteriormente menos visíveis como
elementos decisivos, passaram a incidir com muito mais forças nestas últi-
mas décadas” (CARDOSO, 1998, p. 22). É Benko, porém, que expõe o que
estaria fundamentando tal tomada de consciência, em termos de forças
econômicas objetivas, ao afirmar, quando analisa o capitalismo contem-
porâneo e a sua dinâmica espacial, que “a exploração do espaço estará de
novo na origem de uma fase ascendente [do capitalismo]” (1996, p. 39).
Ressalta ainda essa importância do espaço afirmando que “a materializa-
ção das atividades [econômicas] no espaço” é a primeira forma de regula-
ção econômica no capitalismo (BENKO, 1996, p. 59).
Na pesquisa realizada sobre o Paraná Tradicional, tendo claras as
possibilidades advindas da consciência crescente sobre a importância do
espaço, considerou-se indispensável buscar incorporar uma perspectiva
espacial num enfoque de desenvolvimento regional. A referência à região,
ao regional ou ao territorial não garante adoção do viés espacial, como se
pretende discutir neste texto. Acredita-se, então, que tal enfoque renovado
do espacial pode ser garantido pela via da concepção de desenvolvimento
territorial. Então, sustenta-se que, com o quadro conceitual dessa concep-
ção, é possível construir um referencial teórico-metodológico eclético, que
permite um novo enfoque às análises regionais. A partir disso, é preciso,
antes de tudo, analisar essa concepção.

Território e Desenvolvimento
Essa tarefa deve começar pelo conceito de território, que é o ponto de sus-
tentação da concepção de desenvolvimento territorial. Para tal, pode-se co-
meçar com Abramovay, que define território como “uma trama de relações
com raízes históricas, configurações políticas e identidades” (1998, p. 2). De-
fini-lo como uma trama significa dizer que ele é o espaço no qual há uma in-
teração entre aspectos históricos, políticos, culturais e econômicos, e, acres-
centa-se, também uma interação homem/natureza que é indispensável, em
especial quando se trata de comunidades agrárias. Essa interação não é tra-
tada diretamente pelo autor, mas, quando ele faz referências às “raízes his-
tóricas”, considera-se que essa interação homem/natureza faça parte dessas
raízes, e aí melhor seria afirmar que elas são “histórico-geográficas”.
Esse é um ponto importante porque, ao se abordarem processos en-
dógenos, as raízes histórico-geográficas afloram quase que naturalmente
e a interação homem/natureza ou, melhor, sociedade/natureza, ganha em
importância, não obstante ser esse um aspecto negligenciado nas ciências
humanas e sociais. O que se defende, porém, é que se pretende superar essa
desconsideração, e que essa proposta foi testada ao se abordar a formação
territorial e o espaço rural do Paraná Tradicional (CUNHA, 2003). Percebe-
se de imediato que a sociedade de base agrária formada nessa região de-

50
Luiz Alexandre Gonçalves Cunha

pendia do que o ambiente natural tinha a oferecer. É assim que os campos


naturais foram explorados pela criação e invernagem de gado, e as florestas
pelo extrativismo do mate e da madeira, e também dos seus frutos, que ali-
mentavam não apenas os homens, mas também o gado criado à solta.
Ora, essa influência da natureza sobre uma sociedade de base agrá-
ria não é nenhuma novidade e existiu praticamente em todo o lugar. O que
considera-se mais original é a inserção dessa interação como um susten-
táculo e um elemento a mais num conceito de território visto como uma
trama de relações socioculturais influenciadas pelas suas raízes histórico-
geográficas. Assim, nas comunidades rurais a interação homem/natureza
é a base primordial das relações sociais entre homens culturalmente dis-
tintos. É assim que aconteceu no Paraná Tradicional, onde a população
luso-brasileira (ou, quando se pensa na influência jesuítica, talvez fosse
melhor afirmar ibero-brasileira), junto com o negro africano, interagiu so-
cialmente com indígenas locais, criando uma cultura que, num segundo
momento, incorporou elementos culturais de uma população européia de
origens diversas como a germânica (alemães), mediterrânea (italianos) e,
principalmente, no caso do Paraná Tradicional, a eslava (poloneses, rus-
sos e ucranianos). A teia de interações contidas no que se costuma definir
como relações sociedade/natureza assume um caráter específico do Para-
ná Tradicional, muito embora ela se aproxime de outros quadros regionais
observados na região sul do Brasil. Não há, no entanto, identidade absolu-
ta entre esses quadros. É nesse fato que reside a riqueza em resgatar cada
quadro específico, localizados geograficamente, como processos endóge-
nos de desenvolvimento regional, entendendo-se que esse regional, do iní-
cio da colonização da região até bem recentemente, era basicamente rural,
mesmo com a formação de uma rede urbana incipiente ocorrida ainda no
período colonial, porquanto as cidades da época eram originalmente inte-
gradas à sociedade agrária na qual estavam inseridas.
Ao se valorizar a interação homem/natureza nos processos histó-
rico-regionais, como se buscou na análise territorial proposta do Paraná
Tradicional, pôde-se superar lacunas identificadas em outros trabalhos so-
bre a região. É o caso da pesquisa realizada por Silva (2002), que estuda
o processo de verticalização de Guarapuava, uma cidade tradicional e im-
portante dessa região, buscando superar as abordagens meramente eco-
nômicas desse fenômeno, substituindo-as por outra abordagem na qual
aspectos subjetivos também sejam considerados. A expansão vertical da
cidade passa a ser explicada também por símbolos e identidades, que for-
mam representações sociais, as quais respaldam a expansão da verticaliza-
ção para além dos aspectos objetivos e materiais. Como essas representa-
ções sociais são construídas a partir de referenciais socioculturais locais,
a autora buscou reconstituiu-los relacionando a sociedade que lhes deu
origem, no caso, a Campeira, que não é só guarapuavana, mas regional.

51
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Faltou-lhe, entretanto, a consideração da interação sociedade/natureza,


quando as raízes históricas da sociedade lhes pareceram determinantes,
como ela indica ao afirmar que “a construção da realidade socioespacial é
erguida sobre as produções culturais passadas e atuais e, portanto, os
sujeitos que constroem essa realidade devem ser analisados através dessa
perspectiva temporal (sem grifos no original)” (SILVA, 2002, p. 276). Não
apenas temporal, contudo, porque tudo isso é localizado numa determi-
nada fração do espaço geográfico; contém também uma perspectiva espa-
cial que começa a ser resgatada, justamente quando se aborda a sociedade
como resultado de uma interação entre elementos físicos, econômicos, cul-
turais e políticos. É assim que as raízes e os processos históricos se trans-
formam em histórico-geográficos, o que não é apenas uma questão semân-
tica, mas de desobstrução teórico-metodológica.
No caso de regiões relativamente “jovens” na sua ocupação efetiva,
como a do Paraná Tradicional e praticamente todo o resto do espaço bra-
sileiro, se o compararmos ao Velho Mundo, as relações sociedade/natureza
criaram padrões interativos que ainda não se diluíram completamente em
relações sociais de padrões diferentes, muito mais urbanos do que rurais,
muito mais globalizadas do que locais. E isso Silva realmente comprovou
em Guarapuava, o que a levou a concluir que toda a transformação pela
qual passou o espaço urbano guarapuavano – incorporação de população
rural e mudanças no processo produtivo – não conseguiu promover uma
ruptura com os padrões culturais relacionados à estrutura social campei-
ra. Nesse espaço urbano, ainda muito interdependente do espaço rural,
“persistem valores e códigos de comportamentos oriundos do passado e
que se rearranjam na moderna sociedade e estruturam e particularizam a
cidade de Guarapuava” (SILVA, 2002, p. 62). Como o objeto de estudo de
Silva é a cidade, suas conclusões acabam por particularizar um fenômeno
que não é apenas urbano, mas rural também, daí justificar-se uma aborda-
gem muito mais regional do que local (municipal). Considera-se que cada
uma das experiências locais inseridas num determinado território regional
se explica nas suas linhas definidoras pela estrutura territorial na qual está
inserida. Dessa forma, o que se procura valorizar é uma escala meso, in-
termediária entre a estadual e a local, num contexto em que a escolha de
um determinado nível escalar, em termos amplos, pode variar “do espaço
local ao planetário” (CASTRO, 1995, p. 118). Assim, a escolha da escala
deve considerar os objetivos de pesquisas, projetos ou políticas, transfor-
mando a escolha da escala em uma operação teórico-metodológica e não
meramente operacional, buscando considerar a dimensão fenomenológica
e não matemática da realidade construída por processos histórico-geográ-
ficos. O objetivo é abordar a complexidade do real a ser captado através da
opção escalar, de forma que ela seja a mais pertinente possível a essa rea-
lidade (CASTRO, 1994).

52
Luiz Alexandre Gonçalves Cunha

No que se refere ao que é considerado neste texto como relações


sociedade/natureza e a importância que se dá a essa questão, considera-
se o esquema teórico proposto por Santos, para enquadrar essas relações,
questão que, em todos os espaços habitados, evoluiu pela substituição do
meio natural por um meio técnico, o qual, por sua vez, transformou-se em
um meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 1996, p. 186). Quan-
do o meio era basicamente natural, o homem selecionava na natureza os
recursos que se tornavam indispensáveis à sua reprodução, valorizando-os
segundo a sua localização e a cultura. Com isso, uma técnica era desen-
volvida por ele mesmo nesse contato com a natureza, técnica essa que não
tinha uma existência autônoma, porquanto era absolutamente integrada
ao meio natural. Assim, a comunidade “[...] era, ao mesmo tempo, cria-
dora das técnicas utilizadas, comandante dos tempos sociais e dos limites
de sua utilização” (SANTOS, 1996, p. 188). Para Santos, o que se tinha era
uma “harmonia socioespacial [...] respeito da natureza herdada, no proces-
so de criação de uma nova natureza” (1996, p. 188). Ao produzir essa nova
natureza, “a sociedade territorial produzia também, uma série de compor-
tamentos, cuja razão é a preservação e a continuidade do meio de vida”
(SANTOS, 1996, p. 188). Isso o leva a uma conclusão na qual se identifica
o argumento decisivo, para respaldar o posicionamento defendido neste
texto de incluir as relações homem/natureza na trama formadora dos ter-
ritórios regionais, quando afirma que exemplos dos comportamentos “são,
entre outros, o pousio, a rotação de terras, a agricultura itinerante, que
constituem, ao mesmo tempo, regras sociais e regras territoriais (sem
grifo no original), tendentes a conciliar o uso e a conservação da natureza:
para que ela possa ser, outra vez, utilizada” (SANTOS, 1996, p. 188).
Essas regras socioterritoriais permanecem como uma herança na
evolução histórico-geográfica de uma determinada estrutura territorial,
ajudando a moldar o meio técnico e posteriormente o meio técnico-cien-
tífico-informacional, os quais, muitas vezes, não se impõem por completo
às sociedades nas quais a modernidade está muito mais ancorada numa
representação simbólica do que numa realidade vivida. O que mais interes-
sa, contudo, é considerar que a interação homem/natureza gera comporta-
mentos produtivos que se traduzem em regras sociais e territoriais endó-
genas. No Paraná Tradicional, essas regras sociais e territoriais seguiram
padrões combinados de três atividades econômicas específicas: a criação
de animais nos campos e nas matas; a agricultura, muito mais nas matas
do que nos campos; e o extrativismo nas matas. Cada uma delas concreti-
zava-se a partir de relações ambientais, de trabalho e produtivas que lhes
eram características, as quais, no caso específico da região em tela, apa-
reciam, quase sempre combinadas, como na Sociedade Campeira, com a
criação nos campos e a agricultura de subsistência nos capões, e no Siste-
ma Faxinal, com o extrativismo do mate e a criação de suínos nas matas

53
Desenvolvimento territorial e agroecologia

preservadas e a agricultura de subsistência nas capoeiras. Na análise pro-


priamente dita dessa região, mostrou-se que muitos atores envolviam-se
simultaneamente nessas atividades de acordo com as conjunturas econô-
micas e os ciclos sazonais definidos pela natureza. Isso deu à estrutura ter-
ritorial do Paraná Tradicional uma complexidade e uma riqueza que forne-
cem ao processo endógeno de desenvolvimento regional dessa região um
caráter singular. Com esses argumentos, pretendeu-se justificar a inserção
das relações sociedade/natureza no conceito de território definido como
uma trama. Além disso, buscou-se também, a partir dessa inserção, consi-
derar que as raízes históricas presentes na trama territorial não são apenas
históricas, mas também geográficas, o que justifica usar a expressão pro-
cesso histórico-geográfico em lugar de apenas processo histórico. Por últi-
mo, defende-se que o que Abramovay chama de “configurações políticas e
identidades” são realidades que se formam nos processos histórico-geográ-
ficos específicos de determinados territórios, sendo dessa forma elementos
das suas raízes histórico-geográficas. Assim, quando se faz referências às
raízes histórico-geográficas de um território regional, busca-se trazer e va-
lorizar as rugosidades (heranças socioterritoriais ou sociogeográficas) dos
processos nelas presentes, as quais refletem as relações entre elementos
naturais, econômicos, culturais e políticos (SANTOS, 1978, p. 138).
Na verdade, o que se quer destacar é que as raízes histórico-geográ-
ficas são fundamentais quando se analisa um território como sujeito do
desenvolvimento. A proposta de um conceito de território que surge a par-
tir daí naturalmente incorpora esse aspecto. Por isso Abramovay busca no
conceito de capital social alguns elementos que ajudam a relacionar o seu
conceito de território com a questão do desenvolvimento regionalmente lo-
calizado. De fato, o conceito de capital social tem sido incorporado de uma
forma especial nas discussões e debates sobre as diferenças regionais nos
níveis de desenvolvimento. Assim, torna-se indispensável resgatar alguns
temas tratados nessas controvérsias; temas que sejam mais pertinentes às
questões abordadas neste texto.
Nesse caso, deve-se buscar o grande marco desses debates que é o
trabalho de Putnam. Ele define capital social como um conjunto de “[...] ca-
racterísticas da organização social, como confiança, normas e sistemas, que
contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações
coordenadas” (1996, p. 177). Assim, as sociedades podem apresentar mais
ou menos capital social de acordo com a sua trajetória histórica (raízes
históricas). Essa é uma das conclusões de Putnam, que afirma que o “[...]
contexto social e a história condicionam profundamente o desempenho das
instituições”. Além disso, conclui também que a “[...] história institucional
costuma evoluir lentamente” (1996, p. 191-193). Com isso, as dinâmicas re-
gionais apresentariam certa “subordinação à trajetória”. Dito de outra for-
ma, só se pode chegar a determinados lugares dependendo do lugar onde se

54
Luiz Alexandre Gonçalves Cunha

está. Isso leva Putnam a afirmar que “a subordinação à trajetória pode pro-
duzir diferenças duradouras entre o desempenho de duas sociedades, mes-
mo quando nelas existem instituições formais, recursos, preços relativos e
preferências individuais semelhantes” (PUTNAM, 1996, p. 188).
Há muito aqui, justamente, do velho dilema que se quer superar, o
qual pode ser resumido da seguinte forma: Como se explica a existência de
regiões desenvolvidas e subdesenvolvidas? Tudo indica que Putnam pre-
tende transferir a responsabilidade da economia para a cultura, usando
um bem estruturado esquema teórico e analítico. Acredita-se, porém, que,
quando se assume um conceito de território no qual as raízes histórico-
geográficas são decisivas, não se deve objetivar apenas colocá-las como
a causa ou não de uma situação de atraso ou subdesenvolvimento. Mais
importante é considerar essas raízes como um elemento indispensável do
processo endógeno de desenvolvimento regional.
Para Abu-el-Haj, as grandes conclusões de Putnam corroboram cer-
to culturalismo, porque a especificidade cultural passa a ser vista como a
chave para explicar as diferenças nos níveis de capital social de cada so-
ciedade. Esse posicionamento acaba por receber críticas sistematizadas de
um grupo de estudiosos denominados neo-institucionalistas. Esse grupo
acredita que as teses de Putnam se baseiam num “excessivo determinismo
cultural” (ABU-EL-HAJ, 1999, p. 70).
Neste texto, rejeita-se qualquer forma de determinismo, tanto cultu-
ral quanto ambiental. O texto, ao contrário, se alinha às abordagens que
acreditam que ações sociais bem formuladas e implementadas por um
aparelho estatal equipado e competente podem fazer diferença, não obs-
tante níveis baixos de capital social. Esse entendimento se dá porque ain-
da é o Estado que possui a função reguladora da interação social, com a
qual é possível promover um ativismo político-institucional mobilizador
do capital sócia, que teria o poder de incentivar “[...] redes cívicas ador-
mecidas ou historicamente reprimidas a ganharem uma vida autônoma”
(ABU-EL-HAJ, 1999, p. 72). Por isso, a valorização dos processos endóge-
nos não quer tentar ressaltar determinismos culturais, mas, sim, entender
como uma estrutura territorial foi construída e como se poderia agir so-
bre ela para superar os seus problemas ligados à pobreza e à desigualda-
de, sem utilizar receitas com um padrão único e pré-determinado, ou seja,
banidas de uma visão homogeneizadora. Acredita-se que isso é possível
através do referencial teórico-conceitual da concepção de desenvolvimen-
to territorial, não apenas e diretamente, por aquilo que Veiga espera que
seja a maior contribuição dessa “nova” concepção, que é trazer “[...] algo
de realmente novo para um eventual desenvolvimento das regiões sem di-
namismo econômico, que costumam ser chamadas periféricas e atrasa-
das” (1999, p. 19). Com essa concepção, pode-se, antes de tudo, rever a
análise do peso de uma formação territorial numa determinada dinâmica

55
Desenvolvimento territorial e agroecologia

regional. Em outras palavras, acredita-se que o referencial em questão traz


novas possibilidades de análises de processos histórico-geográficos de ter-
ritórios regionais, antes de ser também referencial para políticas públicas
de caráter regional.
Essa crença deriva, principalmente, de um ponto central relaciona-
do à concepção de desenvolvimento territorial, destacado também no texto
de Abramovay, que é o reconhecimento explícito de uma dimensão terri-
torial de desenvolvimento contida nos territórios, pela qual não se visa
apenas “[...] apontar vantagens ou obstáculos geográficos de localização
e sim de estudar a montagem das redes, das convenções, em suma, das
instituições que permitem ações cooperativas [...] capazes de enriquecer o
tecido social de uma certa localidade” (ABRAMONAY, 1998, p. 2-7).
Ao se incluir essa dimensão nos territórios, pode-se considerar que
se atendeu a uma espécie de reivindicação de Barvejillo, citado por Boisier,
que defende haver uma necessidade de “reinvenção do território”, tendo
em vista que, com a globalização, “os territórios são [...] ao mesmo tem-
po questionados e reafirmados enquanto âmbitos e sujeitos do desenvolvi-
mento” (BOISIER, 1999, p. 320). Reconhecer uma dimensão territorial do
desenvolvimento significa, em outros termos, identificar o território como
sujeito do desenvolvimento.
Vista assim ele passa a ter um papel de um “ator”, no qual a proxi-
midade e a aglomeração permitem a diminuição da incerteza, que, por sua
vez, num verdadeiro círculo virtuoso, favorece a proximidade e a aglome-
ração dos atores econômicos e sociais (empresas, produtores, entre ou-
tros). Dessa forma, a visão tradicional neoclássica (e marxista também) de
território como conseqüência é superada pelo reconhecimento da impor-
tância primeva e seminal do território em processos de desenvolvimentos
regionais. O que é colocado em evidência nesse caso são os ativos relacio-
nais e coordenacionais e não apenas os recursos naturais e humanos e os
atributos de localização e setoriais. (STORPER, 1997, p. 27-28).
Para Storper, com esse novo posicionamento está em construção
um paradigma heterodoxo em oposição ao paradigma ortodoxo na geo­
grafia econômica e na economia regional, em especial nos ramos dessas
ciên­cias interessados em desenvolvimento regional ou territorial. Nele, as-
pectos presentes em determinados territórios e relacionados à produção,
à produtividade, à inovação, ao trabalho, entre outros, que eram tratados
como “material assets” pelos ortodoxos, são vistos entre os heterodoxos
como “relational assets”, envolvendo a “holy trinity” desse novo paradig-
ma: território; organização; tecnologia (STORPER, 1997, p. 27-28).
O que se deve destacar é que a proximidade social, nesse novo para-
digma, assume um valor fundamental, porque as relações entre os agentes
sociais são vistas como definidoras do caráter territorial. Abramovay afir-
ma que, nos territórios, se faz presente “o fenômeno da proximidade so-

56
Luiz Alexandre Gonçalves Cunha

cial que permite uma forma de coordenação entre os atores capaz de valo-
rizar o conjunto do ambiente em que atuam e, portanto, de convertê-lo em
base para empreendimentos” (ABRAMOVAY, 1998, p. 2-7). Santos, contu-
do, ressalta melhor o valor desse elemento, ao destacar que a proximidade
social é um dos elementos fundamentais do lugar e do cotidiano, no sentido
de que ela “[...] não se limita a uma mera definição das distâncias; ela tem
que haver com a contigüidade física entre pessoas numa extensão, num
mesmo conjunto de pontos contínuos, vivendo com a intensidade de suas
inter-relações”(SANTOS, 1996, p. 255); acrescentando ainda que “[...] não
são apenas as relações econômicas que devem ser apreendidas numa análi-
se da situação de vizinhança, mas a totalidade das relações” (1996, p. 255).
A maioria dos que consideram as questões ligadas à proximidade
social está interessada nos empreendimentos e nas possibilidades de insta-
lação de círculos virtuosos visando ao futuro. Em outras palavras, pensam
nos modelos de ação que podem ser construídos. Importante, porém, é
tentar aproveitar também as possibilidades teóricas e analíticas resultan-
tes dessa posição, no sentido de analisar e confirmar a importância dos
processos endógenos de desenvolvimento regional e, a partir disso, cons-
truir novo conhecimento sobre um território específico ou, como a da fe-
liz conceituação de Boisier (1999), na formulação de modelos mentais ou
diagnósticos sobre determinada realidade socioterritorial.
Assim, como o território – como uma trama de elementos sociais e
ambientais, possui uma dimensão territorial de desenvolvimento, que o
torna um ator ou sujeito das possibilidades geradas pela proximidade so-
cial dos agentes inseridos no seu espaço geográfico – tem no seu interior
os componentes decisivos que orientam o seu futuro, acredita-se que os do
seu passado também foram decisivos no processo histórico-geográfico que
influenciou a estrutura territorial contemporânea, com toda a sua endoge-
nia, com todas as suas características. Em outras palavras, como a atual
trama territorial é capaz de orientar os rumos que serão seguidos pelo ter-
ritório, as condições interativas que se sucederam no passado também fo-
ram importantes para nortear o caminho formado pelo processo endógeno
que se interessa compreender.
Se esse processo foi basicamente o de uma sociedade de base agrá-
ria, cabe uma adaptação do referencial teórico-conceitual da concepção
de desenvolvimento territorial para abordar a questão do desenvolvimento
regional em si mesma. Essa operação é tentada por Abramovay, mas não se
pode dizer tenha sido totalmente bem sucedida. É verdade que ele, com a
perspectiva territorial contida na concepção de desenvolvimento que assu-
me, assim como outros estudiosos do assunto, busca superar, inicialmente,
as velhas dicotomias que opõem o urbano ao rural, a cidade ao campo, o
desenvolvimento urbano ao desenvolvimento rural. Segundo o autor, essas
categorias ou conceitos são de “natureza territorial e não setorial” (1999,

57
Desenvolvimento territorial e agroecologia

p. 10). Baseado nisso, defende que o “rural é um conceito espacial e multi-


setorial” (1999, p. 11). Por conseguinte, é preciso reconsiderar a unidade
de análise que não deve ser, segundo o mesmo autor, nem “os sistemas
agrários nem os sistemas alimentares”, mas, sim, “as economias regionais”
(ABRAMOVAY, 1999, p. 11).
Nesse argumento verifica-se um problema, porque ele parece aban-
donar os princípios considerados e defendidos em trabalho anteriorde
onde extraiu o conceito de território (ABRAMOVAY, 1998). Baseado nesse
primeiro trabalho esperava-se que ele defendesse, como uma unidade de
análise passível de superar a dicotomia de uma setorialização espacial in-
devida, o território em lugar da economia regional. Ora, se o território é
uma trama envolvendo aspectos sociais e ambientais, e nesse social estão
incluídos elementos econômicos, políticos e culturais, trocá-lo pela eco-
nomia regional, como unidade de análise, é empobrecer esta análise, e, o
que é mais importante, significa também abandonar a perspectiva espacial
atualizada de acordo com o novo paradigma territorial citado por Storper
e assumido pelo próprio Abramovay (1998).
Assim, sua argumentação sofreu algumas modificações entre o tra-
balho de 1998 e o de 1999. Na concepção de desenvolvimento defendida no
primeiro, a unidade de análise é o território, enquanto que, para os adep-
tos do desenvolvimento local, é a economia regional ou local. Isso deve ser
entendido assim porque, justamente, a unidade de análise na primeira é o
território, enquanto na segunda é a economia regional ou local, pelo me-
nos para um bom número de adeptos dessa última concepção. Isso fica cla-
ro quando se recorre aos trabalhos nos quais há argumentos defendendo
que o “corte urbano-rural tem cedido espaço para o enfoque na economia
local” (CAMPANHOLA; SILVA, 1999, p. 2) ou quando Sarraceno lembra
que “[...] the local economy, which has been proposed as an alternative to
the semi-rural or peri-urban [...]” (1994, p. 471).
Centrar o enfoque na economia local ou regional, transformando-a
num ponto de partida, é aceitável, mas também no ponto de chegada é ques-
tionável, pois poderia reavivar certo economicismo já tão criticado pelos que
questionaram a própria noção de desenvolvimento (COWEN; SHENTON,
1996; ABDEL-MALKI; COULERT, 1996). Com esse entendimento, não se
quer sustentar que não sejam possíveis análises importantes centradas na
economia local ou regional. Muito pelo contrário, o que se defende é apenas
que, quando o que importa é o desenvolvimento regionalmente considerado,
o conceito de território analisado permite uma abordagem mais adequada
ao tema, já que a integração das diversas dimensões que formam uma deter-
minada estrutura territorial é central nesse conceito.
Ao se tocar nessa questão da “integração das diversas dimensões”
numa realidade regional específica que corresponde a um território, per-
cebe-se uma analogia ou pontos de semelhança entre dois conceitos, o de

58
Luiz Alexandre Gonçalves Cunha

território (conforme considerado neste texto) e o de região (conforme certa


tradição da ciência geográfica). Nesses termos, na Ciência Geográfica tra-
dicional encontram-se elementos que nos permitem reconhecer que ques-
tões importantes em análises regionais atualizadas e na definição de polí-
ticas desenvolvimentistas territoriais já apareciam na tradição regionalista
da geografia francesa liderada por Vidal de La Blache. Não é sem razão
que o pensamento lablachiano vem sendo reavaliado num contexto muito
mais favorável ao reconhecimento da sua riqueza do que aquele no qual
floresceu a geografia radical ou crítica (GOMES, 1996). A atualidade des-
sas questões acaba por permitir o resgate da tradição lablachiana, com
“muitos dos temas mais inoportunos de Vidal [de la Blache] – encadea-
mento de fenômenos, conectividade, e assim por diante – [que] podem ser
interpretados como tentativas de permitir que o singular ocupe um lugar
na ciência” (THRIFT, 1996, p. 223). Relacionar, porém, o conceito de re-
gião geográfica com os elementos da discussão proposta neste texto é um
desafio que se pretende enfrentar numa outra ocasião.

Referências

ABDEL-MALKI, L.; COULERT, C. (Org.). Les Nouvelles logiques du dévelop-


pement. Paris: L’ Harmathan, 1996.
ABRAMOVAY, R. Do setor ao território: funções e medidas da ruralidade
no desenvolvimento contemporâneo. Rio de Janeiro: IPEA/Projeto
BRA/97013, 1999.
______. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento ru-
ral. Fortaleza: Ministério de Política Fundiária/Governo do Ceará,
1998.
ABU-EL-HAJ, J. O debate em torno do capital social: uma revisão critica.
Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais –
BIB, Rio de Janeiro, n. 47, p. 65-79, 1º série, 1999.
BARVEJILLO, F. Reinvención del território. Um desafio para ciudadonos
y planificadores – agentes del desarrallo. Documento apresentado
no Foro Latino-americano y del Caribe sobre Desarrallo Regional
– Santafé de Bogotá, dez, 1997.
BENKO, G. Economia, espaço e globalização na aurora do século XXI. São
Paulo: Hucitec, 1996.
BOISIER, S. Post-scriptum sobre desenvolvimento regional: modelos reais
e modelos mentais. Planejamento e políticas públicas. Brasília, n. 19,
p. 309-343, 1999.

59
Desenvolvimento territorial e agroecologia

CAMPANHOLA, C.; SILVA, J. G. da. Diretrizes de políticas públicas para o


novo rural brasileiro: incorporando a noção de desenvolvimento lo-
cal. Foz do Iguaçu: SOBER, 1999.
CARDOSO, C. Repensando a construção do espaço. Revista de História Re-
gional. Ponta Grossa, v. 3, n. 1, p. 7-23, verão, 1998.
CASTRO, I. O problema da escala. In: CASTRO, I; GOMES, P.; CORREA,
R. (Org.) Geografia: Conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1995, p. 117-140.
______. Problemas e alternativas metodológicas para a região e para o lu-
gar. In: SOUZA, M. et. al. (Org.). Natureza e sociedade de hoje: uma
leitura geográfica. 2. ed. São Paulo: HUCITEC, 1994, p. 56-63.
COWEN, M.; SHENTON, R. Doctrines of development. London: Routled-
ge, 1996.
CUNHA, L. Desenvolvimento territorial e desenvolvimento rural: o caso do Para-
ná Tradicional. Seropédica: CPDA/UFRRJ, 2003. (tese de doutorado).
GOMES, P. Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1996.
HARVEY, D. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da
mudança cultural. 3. ed. São Paulo: de Loyola, 1993.
MALUF, R. Atribuindo sentido (s) à noção de desenvolvimento. Estudos:
sociedade e agricultura. Rio de Janeiro, n. 15, p. 53-85, out., 2000.
PUTNAM, R. Comunidade e democracia: a experiência da Itália Moderna.
Rio de Janeiro: FGV, 1996.
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo; razão e emoção. 2. ed.
São Paulo: Hucitec, 1996.
_____. Por uma geografia nova. São Paulo: Hucitec-Edusp, 1978.
SARACENO. E. Alternative meadings of spetial differentiation: the rural
versus the local economy approach in Italy. Europeas Review of Agri-
cultural Economies. Berlim: Walter de Gruyter, 21, 1994.
SILVA, J. A verticalização de Guarapuava. (Pr) e suas representações sociais.
Rio de Janeiro: UFRJ/ DEGEO, 2002. (Tese de Doutorado).
SOJA, E. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria so-
cial crítica. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.
SOUZA, M. L. A teorização sobre o desenvolvimento em uma época de fa-
diga teórica, ou: sobre a necessidade de uma “teoria aberta” do de-
senvolvimento sócio-espacial. Território. Rio de Janeiro, n.1, p.5-22,
jul/dez., 1996.

60
Luiz Alexandre Gonçalves Cunha

STORPER.M. The regional world: territorial development in a global eco-


nomy. New York – London: Guilford Publications, 1997.
THRIFT, N. Visando o âmago da região. In: GREGORY, D.; MARTIN, R.;
SMITH, G. Geografia humana: sociedade, espaço e ciência social.
Rio de Janeiro: Zahar, 1996, p. 215-247.
VEIGA, E. A face territorial do desenvolvimento. In: TALLER sobre DE-
SARROLLO RURAL, Madrid. Ministério da Agricultura da pesca Y
alimentación (Espanha) FAO (documentación 3). 1999.

61
Conhecimentos Convencionais e
Sustentáveis: uma visão de redes
interconectadas

Adilson Francelino Alves


Sociólogo, Professor Adjunto da UNIOESTE – Francisco Beltrão-PR, membro do
Grupo de Estudos Territoriais GETERR | adilsonfalves@gmail.com

É possível encontrar, na literatura especializada, uma ampla quantidade


de textos e artigos que procuram dar conta do processo de desenvolvimen-
to sob dois ângulos básicos: o desenvolvimento endógeno e o desenvolvi-
mento exógeno. A abordagem do desenvolvimento exógeno, em que então
se pautava a Revolução Verde, confluía para uma proposta de articulação
subordinada das atividades desenvolvidas no espaço rural pelas desenvol-
vidas nas economias urbanas. Nessa visão, o aspecto dinâmico da econo-
mia (com desenvolvimento de produtos, serviços e pesquisas) ocorreria no
espaço urbano. Ao rural caberia o papel de receptáculo passivo de tecno-
logia e insumos e de fornecedor de matérias-primas e de alimentos para
nutrir a máquina produtiva e as populações. A síntese proposta Ward et. al.
(2005) (Quadro 1) aponta a distinção entre os modelos de desenvolvimento
exógeno e o modelo endógeno.
Na rede de conhecimentos que se conecta ao desenvolvimento
exógeno, encontramos todo o aparato construído pela Revolução Ver-
de ao longo de aproximadamente meio século. Assim, ao seguir esse
processo, é possível localizar, na cadeia de acontecimentos, a paulatina
erosão do conhecimento local e sua substituição por um conhecimento
científico global.

63
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Quadro 1 – Modelos de desenvolvimento rural


Características Desenvolvimento exógeno Desenvolvimento endógeno
Arranjos locais (naturais, humanos e
culturais).
Princípio-chave Economia de escala e concentração
Recursos para o desenvolvimento
sustentável.
Pólos de crescimento urbano. As áreas
rurais são concebidas como fonte de
Força dinâmica Empresas e iniciativas locais
alimentos e de produtos primários para
a expansão das economias urbanas
Produção de alimentos e de produtos
Função das Diversificação das economias e dos
primários para a expansão da economia
áreas rurais serviços
urbana
Limitada capacidade de áreas/grupos
Maiores problemas de
Baixa produtividade e marginalização sociais de participar das atividades
desenvolvimento
econômicas
Construção de capacidades (habilidades,
Foco do Modernização agrícola: estímulo à
instituições e infra-estrutura)
desenvolvimento rural mobilidade de capital e trabalho
Superação da exclusão social
Fonte: Adaptado de Ward et alii (2005).

Deste conhecimento global surgem novas relações entre natureza


e seres humanos, relações nas quais a diversidade de sistemas produtivos
rurais é substituída por modelos construídos em laboratórios. As raciona-
lidades científicas, tecnológicas e financeiras passaram a ocupar boa parte
dos ecossistemas mundiais, transformando-os profundamente. A Revolu-
ção Verde é, fundamentalmente, um sistema altamente dependente de in-
sumos externos, caracterizados pela alta densidade técnica e científica e
pelo alto investimento de capital que conectam entre si complexas redes
mundiais. Além disso, este sistema privilegia a monocultura como forma
de potencializar o uso dos recursos econômicos. Considerando que a tecni-
ficação e a densidade científica são características fundantes da Revolução
Verde, os centros de decisão e de poder tenderam a permanecer afastados
do local de aplicação e passaram a gerar complexas e longas redes verti-
cais de poder. Na modernidade avançada, esses processos são, contudo,
ambivalentes. A racionalidade produtivista da Revolução Verde trouxe um
conjunto de aparatos tecnológicos e conhecimentos que fizeram aumentar
significativamente a produção alimentar.
Contudo, sob o ponto de vista da agricultura, apesar do aumento da
disponibilidade global de alimentos proporcionado pela Revolução Verde,
os impactos gerados com uso intensivo de insumos externos causaram inú-
meros problemas. Pretty (1995) cita alguns deles: distribuição desigual de

64
Adilson Francelino Alves

benefícios, deterioração das condições socioeconômicas de agricultores (so-


bretudo com o aumento do custo de produção e com a conseqüente dimi-
nuição da renda), grande deslocamento populacional com reflexos de mar-
ginalização e de degradação ambiental significativa, dentre outros aspectos.
Tais problemas fizeram aumentar o movimento que questiona o desempe-
nho da agricultura moderna, uma vez que seus efeitos colaterais negativos,
em diversos aspectos superam as positividades. Desse modo, o avanço da
Revolução Verde sobre territórios e sobre sistemas produtivos tradicionais
traz consigo, além da evidência do sucesso da racionalidade científica, ques-
tionamentos sobre os resultados alcançados. Seu sucesso pode ser em parte
explicado pela construção das redes sociotécnicas, como propõe a análise da
Teoria Ator-Rede (TAR) desenvolvida por Callon (1984) e Latour (2000), na
qual o aspecto central do sucesso científico tem a ver com a capacidade da
ciência em construir redes capazes de agir à distância.
A ciência pode fazer afirmações universais porque pode ser estandardiza-
da em tecnologias e pode atingir através delas estabilidade e utilidade fora
dos contextos locais nos quais é produzida. Os cientistas atuam à distância,
através de associações ou redes que possibilitam que determinados atores
localizados num tempo e lugar específicos tenham condições de estabele-
cer vínculos com outros atores em diferentes tempos e lugares (GUIVANT,
1997, p. 17).
Os mecanismos desta construção passam por diversos tipos de alian-
ças, que permitem construir complexos sistemas que conduzem para sua
universalização, ou seja, como um conhecimento cientificamente produ-
zido e validado é reproduzível em toda a parte sem a necessidade de um
profundo conhecimento por quem executa o trabalho nos locais de aplica-
ção. Em outras palavras, a construção da rede de ciência permite que esta
tenha uma ação à distância, ao contrário do conhecimento local, que se or-
ganiza em redes menores e mais restritas, o que limita a difusão dessas ex-
periências. Outro aspecto fundamental das redes científicas refere-se a sua
capacidade de articular redes de poder e controle. Para Guivant (1997), as
práticas da atuação à distância envolvem diversos tipos de relações de po-
der. Esse entendimento está em consonância com o que pensam Giddens
(2003), Callon (1984) e Long (2000), ao constatarem que se tornam pode-
rosos os atores hábeis o suficiente para convencer outros atores a atuarem
alinhados às pré-noções e aos enunciados por eles defendidos. No caso es-
pecífico da Revolução Verde, uma das regras centrais caracteriza-se pela
continuação da tentativa da separação ontológica entre o mundo natural e
o mundo social. Trata-se de uma separação em que há a predominância do
segundo sobre o primeiro, mas cuja visão do natural é de um natural espe-
cífico, identificado com o projeto ocidental de ciência, civilização e poder.
No que se refere ao poder, não é possível determinar sua localização
exata, como o demonstra Norman Long (2002), ao discutir as complexas re-

65
Desenvolvimento territorial e agroecologia

lações que se estabelecem nas interfaces de projetos e processos de desenvol-


vimento rural, ou como o afirma Michael Callon (1986), na sua contribuição
ao problematizar as relações de poder entre os atores envolvidos em redes.
Para Guivant (1997), o poder inclui “uma longa lista de elementos não so-
ciais, como tecnologias, textos e entidades naturais”, articulando-se em tor-
no diversos recursos e construindo uma longa rede de atuação.
Desse modo, podemos inferir que, quanto mais longa essa lista de
elementos que integram o poder e quanto mais recursos estiverem envol-
vidos, maior ele será. Nesse sentido, a problematização da conexão entre
ciência e formas de poder nos permite visualizar uma distinção explicativa
essencial entre ciência e conhecimento local, ou seja, a distinção de que “A
ciência tem mais poder porque pode agir à distância, porque as explica-
ções científicas têm a capacidade de reduzir numerosos elementos numa
lei universal e isto os coloca no topo da hierarquia explanatória” (GUI-
VANT, 1997, p. 17).
Entretanto, como aponta Long (2000), o poder não pode ser acumu-
lado ou estocado para ser utilizado em determinadas situações. Ele próprio
obedece aos aspectos sociais, culturais e naturais, num complexo e contí-
nuo processo de articulação, estabilização e contestação. Assim, dado que
a Revolução Verde gerou uma crescente dependência de insumos externos,
bem como provocou a erosão dos conhecimentos locais, de outro lado,
contudo, isso não se processa de modo pacífico e uniforme. A extensão
rural, por exemplo, que se comportou como um dos vetores fundamentais
para a adoção dos pacotes tecnológicos e dos processos estandardizados
de produção sofre resistência e esses pacotes e processos são ressignifica-
dos pelos agricultores. Outro movimento de resistência ocorre dentro da
academia, onde muitos pesquisadores se posicionam para se contrapor a
esse grande movimento global. Dentre as críticas apresentadas, os aspec-
tos negativos mais recorrentes focam as problemáticas da sustentabilidade
ambiental e social e da erosão dos conhecimentos locais.
Esses insistentes processos de questionamentos bem como os im-
pactos negativos da Revolução Verde fizeram aparecer um grande número
de novos atores sociais. Alguns deles se lançaram na construção do debate
sobre: qual agricultura é possível, qual é social e ecologicamente susten-
tável, qual oferece, para as populações, padrões de segurança alimentar,
ambiental e social?
Além destes temas, uma série de outras controvérsias têm freqüen-
tado as agendas de grupos, governos e instituições ao redor do mundo.
Estes processos geraram uma série de externalidades negativas que per-
mitiram aos cientistas e ambientalistas formular alertas sobre a deteriora-
ção da qualidade dos recursos naturais, como: solos, água, perda da bio-
diversidade, queda abrupta das reservas florestais, aquecimento global e
mudanças nos regimes pluviais. No aspecto da capacidade dos governos e

66
Adilson Francelino Alves

dos cientistas de garantir a segurança da população, a polêmica discussão


sobre o Mal da Vaca Louca – Bovine Spongiform Encephalopaty – (BSE),
bem como a resistência à adoção de alimentos transgênicos são exemplos
comuns da crescente desconfiança social sobre a qualidade dos alimentos
e sobre a capacidade dos sistemas peritos em fornecer padrões de seguran-
ça ao consumo alimentar.
Estas questões obrigatoriamente nos conduzem ao espaço político
e as suas arenas de embate, dentre as quais se pode citar: as relações con-
traditórias e a atuação ambígua do Estado no enfrentamento das questões
referentes à qualidade dos alimentos; passando ao outro extremo das ques-
tões sociais surgidas do deslocamento provocado pelo êxodo rural em paí­
ses em desenvolvimento como o Brasil. Ou seja, as análises dos impactos
da Revolução Verde nos conectam à redes cada vez mais complexas e nos
abrem possibilidades de pesquisas fundamentais para enfrentar os desa-
fios de compreender suas interconexões.
Ocorre, contudo, que a adoção de linhas divisórias claras enfrenta
um obstáculo central, pois, se no mundo conceitual nós podemos sepa-
rar as questões tecnológicas das outras, no espaço empírico a modernida-
de complexificou essa tarefa (LATOUR, 2000). Não há uma separação tão
simples desses universos problemáticos, e o que percebemos é uma intrin-
cada teia conceitual ligando questões econômicas, políticas, culturais, so-
ciais, científicas e naturais. Estes aspectos estão fortemente entrelaçados a
um projeto de ciência e civilização e desafiam constantemente a capacida-
de de compreensão e intervenção nos sistemas.
Nas duas últimas décadas algumas concepções nascidas no am-
bientalismo e em setores da pesquisa científica têm conseguido construir
pequenas e atuantes redes de contraposição ao poder das grandes redes
científicas. Tais experiências têm articulando comunidades locais, atores
vinculados à ONGs, grupos de pressão e consumidores preocupados com a
qualidade dos produtos alimentares.
Morgan e Murdoch (2000), em “Organic vs Conventional Agricul-
ture: knowledge, power and innovation in the food chain”, se propõem a
analisar como se processa a construção do conhecimento nas cadeias ali-
mentares da agricultura convencional e da agricultura orgânica através
do estudo de dois “tipos ideais” de redes: as redes de produção alimentar
industrializada e o que eles denominam de redes tácitas, onde se utilizam
o(s) método(s) orgânico(s) de produção.
Ambos partem do princípio de que o setor de produção de alimentos
passou por uma intensa modificação no período do pós-guerra, onde uma
das evidências mais marcantes foi a aplicação intensiva de ciência, tecno-
logia e logística. Assim, a aplicação de conhecimento (no sentido amplo)
assumiu caráter central também na agricultura e de uma proposição da
economia neo-clássica para compreender a centralidade do conhecimento

67
Desenvolvimento territorial e agroecologia

para as atividades econômicas. Procuram inicialmente considerar o co-


nhecimento em si. Utilizando-se de Lundvall e Johnson (1994), propõem
quatro tipos básicos de conhecimentos que consideram relevantes para a
análise: a) saber o que (know-what), conceito este que estaria próximo ao
que nós identificamos como “conhecimento” ou conhecimento dos “fatos”;
b) saber por que (know-why), conceito correspondente ao conhecimento
científico, ao conhecimento dos princípios e das proposições das leis de
funcionamento da natureza. Esse princípio é fundamental para as mudan-
ças tecnologias. Segundo os autores, a reprodução do know-why é organi-
zada e realizada freqüentemente em instituições especializadas, principal-
mente em universidades e empresas; c) conhecimento (know-how), que se
refere à habilidade de fazer algo. Esse tipo de conhecimento é normalmen-
te construído dentro das empresas e guardado cuidadosamente, contudo
sua crescente complexidade pode conduzir a uma interação entre as orga-
nizações; e d) saber-quem (know-who), considerado como um tipo especí-
fico de conhecimento determinante em função da crescente importância
que este vem assumindo nas economias contemporâneas, e refere-se es-
sencialmente às habilidades sociais. Esse tipo de conhecimento, para ser
eficaz, precisa envolver os outros três tipos anteriores.
Segundo Morgan e Murdoch (2000), apesar de sedutora, a aborda-
gem neo-clássica desconsidera a capacidade desigual dos agentes econô-
micos de produzir, acessar, adquirir e manipular conhecimentos. No mo-
delo contemporâneo, a produção do conhecimento se dá embutida em um
amplo rol de relações de poder e envolve também questões sociais e políti-
cas, que são desconsideradas ou têm uma importância marginal na teoria
econômica neoclássica. Ou seja, na configuração real do mercado não se
verifica uma perfeita distribuição do conhecimento.
Na rede do desenvolvimento endógeno, embora encontremos o pro-
duto da contestação e da crítica ao modelo anterior, bem como a apresenta-
ção de algumas alternativas para sua superação e substituição, o processo é
complexo e desigual, e, embora não tenham uma trajetória de mão única, os
processos técnicos e científicos característicos da globalização e da moder-
nidade possuem uma força incontestável. Nesse sentido, a globalização de-
senvolve, em seu movimento, dois vetores: um processo de homogeneização
e outro de diferenciação (MARSDEN; CAVALCANTI, 2001), onde diversas
redes se entrecruzam num processo de reflexividade, avanços e recuos.
É necessário, contudo, ressaltar que o conhecimento local não deve
ser idealizado como melhor ou superior ao conhecimento científico ou visto
como um conhecimento puro pronto para ser resgatado (GUIVANT, 1997), até
porque, do ponto de vista dos modos de fazer agrícola, o processo da globali-
zação na estandardização da agricultura, a ciência, as empresas, os governos e
a Ater desempenharam e desempenham o seu papel por mais de meio século,
alterando e influenciando profundamente os saberes tradicionais.

68
Adilson Francelino Alves

A emergência da sustentabilidade: rede e conhecimento local


Se de um lado, o contínuo avanço das tecnologias tem propiciado na agri-
cultura um aprofundamento dos mecanismos da globalização e da estan-
dardização dos processos produtivos, de outro, um conjunto expressivo de
experiências e atores focados no local têm surgido.
A globalização é sistematicamente questionada e reconfigurada pe-
los atores e instituições locais. Segundo Mior (2004), seus aspectos são
fragmentados e reinterpretados em nível local. Em outras palavras, os fe-
nômenos globais seriam permanentemente mediados e reconfigurados pe-
los diversos agentes localizados nas múltiplas escalas da vida social e eco-
nômica, construindo complexos elos entre os atores locais e os globais.
Uma das questões centrais dessa reconfiguração passa pela sustentabilida-
de, não de forma específica, mas diluída em redes legais e de pesquisa.
No campo específico do ambientalismo, a questão da globalização é
endógena, e o é de um duplo modo: o primeiro no sentido de que a questão
ambiental é em essência produto do processo de globalização, pois grande
parte do discurso ambiental só é possível se articulada às questões nasci-
das da globalização; de outro lado, o discurso institucional e científico do
ambientalismo tece suas teorias e considerações não a partir do espaço
local, mas do global. Os impactos da degradação ambiental ocorrem, na
maioria das vezes, no espaço local, mas as conseqüências são globais e
apresentadas como teorias globais.
Uma dessas análises, que particularmente nos interessa aqui, foi rea­
lizada por Buttel (1994), que foca o debate na sociologia rural. Para ele, a
sociologia rural oferece duas grandes abordagens referentes à agricultura:
uma centrada na globalização e na internacionalização e a outra, na re-lo-
calização e na diversidade da agricultura. Na primeira, as agriculturas na-
cionais e seus processos dinâmicos, organizativos e reguladores estavam
sendo substituídos pelas estruturas globais.
A abordagem da globalização está essencialmente baseada na pressuposi-
ção de que a agricultura teria perdido seu dinamismo econômico, ideoló-
gico e político e que a estrutura agrícola não é mais a força econômica que
formata o sistema alimentar e a sociedade rural. Assim, a tendência desta
abordagem seria ignorar a estrutura da própria agricultura e enfatizar as
dinâmicas econômico-políticas das cadeias de commodities e sistemas ali-
mentares que seriam pensados como determinando as estruturas agrícolas
(MIOR, 2004, p. 26).
Esta abordagem focaliza a influência dos sistemas localizados fora
do espaço rural, na formatação e na determinação das decisões na agri-
cultura, do que decorre um processo crescente de dependência, de margi-
nalização e de minimização da importância social e política dos espaços
rurais. No que se refere à segunda abordagem, o aspecto central é a crítica

69
Desenvolvimento territorial e agroecologia

dirigida à excessiva ênfase nas qualidades homogeneizadoras da globaliza-


ção, ou seja, o que se passa a questionar seriam os limites do alcance do
processo de estandardização da globalização sobre a agricultura.
Em 1992, Clark e Lowe já haviam sinalizado para os limites de algu-
mas abordagens sociológicas e econômicas da agricultura, que se diferiria
dos processos produtivos pelas suas características intrínsecas de trabalho
familiar e pela natureza refratária e múltipla dos processos biológicos, os
quais exigem atenção individual dos agricultores. O núcleo dessa análise
reside no caráter diferenciador das sociedades rurais em suas mais varia-
das formas.
Estas características da agricultura produzem uma aproximação en-
tre a agricultura familiar e o movimento questionador da globalização, fa-
zendo emergir os aspectos relativos à agricultura sustentável e, conseqüên-
temente, relativos a uma concepção de desenvolvimento rural sustentável.

Box 1 – Princípios da agricultura sustentável


1. A sustentabilidade não pode ser definida de forma precisa: é um conceito altamente contestado e
não representa um conjunto fechado de práticas ou tecnologias, nem um modelo a ser descrito ou
imposto. A questão de definir o que estamos tratando de fazer é parte do problema, devido a que cada
indivíduo tem valores diferentes. A agricultura sustentável é, desta maneira, não tanto uma estratégia,
mas uma abordagem para apreender o mundo.
2. Os problemas sempre estão abertos às interpretações diferentes: como o conhecimento e o enten-
dimento podem ser considerados como socialmente construídos, o que cada um de nós conhece
e acredita está relacionado com o nosso contexto atual e nossa história. Não há, portanto, só uma
interpretação “correta”. Dessa maneira, é fundamental procurar entender as múltiplas perspectivas
sobre um problema para assegurar um amplo envolvimento dos atores e grupos.
3. A resolução de um problema inevitavelmente leva à produção de outro problema porque os proble-
mas são endêmicos. Sempre haverá incertezas.
4. A característica-chave passa a ser a capacidade dos atores de aprenderem continuamente a partir
dessas situações em mudança, de forma a que possa agir rapidamente e transformar suas práticas.
As incertezas devem passar a ser explícitas e reconhecidas como válidas
5. Os sistemas de aprendizagem e interação devem procurar as múltiplas perspectivas das diferentes
partes interessadas e estimular o seu envolvimento. A participação e colaboração são componentes
essenciais de qualquer sistema de pesquisa.
Fonte: Pretty (1995), apud Guivant, 2002.

A agricultura sustentável é parte integrante do desenvolvimento ru-


ral sustentável e pode ser definida como um processo de mudança nos
sistemas rurais de produção, afetando-os de forma multidimensional. En-
volve diversas áreas das atividades rurais, como: crescimento econômico,


Embora não haja uma definição única para desenvolvimento sustentável, esse conceito é o
mais institucionalizado na esfera estatal, bem como nos movimentos sociais.

70
Adilson Francelino Alves

melhoramento de condições sociais, conservação de valores naturais e va-


lores culturais (PUGLIESE, 2001), como também as dimensões de traba-
lho, tecnologia, saberes, políticas institucionais, enfim, fatores que se co-
nectam à diversas dimensões da vida no campo e não são estanques e por
isso não obedecem pacificamente a uma classificação homogênea ou es-
tandardizada de suas definições. Na maioria das vezes estes fatores são
complementados por demandas específicas e por características históricas
das comunidades rurais.
O que se observa, no cenário atual, é que gradualmente a atuação
crítica de atores situados no espaço rural tem possibilitado a construção de
redes e alternativas econômicas para as comunidades rurais. Assim, de um
foco eminentemente setorial e restrito de produção exclusiva de alimen-
tos, a perspectiva do desenvolvimento rural sustentável pode possibilitar a
articulação de novos elementos e, com isso, conectar o rural aos espaços
de crítica à modernidade (no sentido de GIDDENS, 1991). Em alguns ca-
sos, essas críticas se dirigem também às questões ambientais, embora, no
caso brasileiro, o eixo central, devido às questões da formação histórica e
à marginalização da agricultura familiar, tenha sido o da recuperação das
economias rurais e da sustentabilidade social.
A redefinição da agricultura nos moldes propostos pela agricultura
sustentável implica a redefinição do papel dos agricultores e consiste num
apelo para a aquisição de novas habilidades e competências, e, dentre es-
sas redefinições, está a ampliação dos conhecimentos dos agricultores. A
diversificação das formas de produzir e da economia rural (seja com o pro-
cesso da pluriatividade agrícola, seja com a redefinição dos espaços rurais
e urbanos ou a discussão territorial), tem um papel estratégico importante,
pois é preciso reinventar para transformar as fronteiras geográficas urba-
no-rurais em acoplamentos que conectam, cada vez mais, lugares, saberes,
tradições e inovações.
A atuação “geográfica” dos atores necessita ser redimensionada,
pois, na configuração do desenvolvimento sustentável, não se restringe às
relações imediatas da localização espacial da propriedade. A análise do es-
paço rural, em sua perspectiva sustentável, deve ser olhada não como um
espaço de homogeneidades, mas de espaços híbridos constituídos de tem-
pos e territórios distintos, mas que podem compor e constituir o mesmo
espaço, segundo Saquet (2003). Para a TAR, as redes são fundamentais,
pois através delas é possível observar um conjunto estável de relações ou
associações, pelas quais o mundo é construído e estratificado. A TAR vê os
espaços como construções dentro das redes, mas não apenas isso, pois os
próprios tempos são forjados no seu interior.
Utilizando os trabalhos de Callon (1986), Latour (1997), Clark e Lowe
(1992) e Murdoch (1998), podemos observar melhor o conceito de rede, que
são sistemas híbridos, compostos de materiais heterogêneos, inclusive hu-

71
Desenvolvimento territorial e agroecologia

manos, não-humanos, textos, objetos técnicos, dinheiro etc. Em outras pala-


vras, é um sistema complexo que reúne o social, a política e as redes técnicas,
elementos naturais e inanimados e o espaço físico. Assim, o desenvolvimen-
to rural sustentável, ao ser analisado, deve ser percebido como o resultado
da co-evolução e do entrelaçamento destes sistemas de relações.
Na perspectiva da TAR, todos os objetos técnico-científicos, inclusive
os projetos de desenvolvimento, são resultados da mistura de entidades hu-
manas e naturais, sendo que estes últimos têm a capacidade de atuar social-
mente, em função de estarem situados precisamente na articulação entre as
dinâmicas sociais e as leis naturais. Esta conceituação das redes possibilita a
observação dos diversos elementos interconectados sem a atribuição de pa-
péis hierárquicos entre eles, o que permite a cada ator a possibilidade de se
tornar fundamental dentro da construção da rede (CALLON, 1983).
Sobre este pano de fundo, a aproximação dos atores, na perspectiva
da TAR, pode ser usada para entender os processos de incorporação dos
agentes e atores nas redes e suas inter-relações, verificando como os atores
exercitam seus poderes sobre os outros atores, como eles se utilizam dos
materiais heterogêneos a sua disposição para lutar, dominar ou associar
outros (MURDOCH, 1994). Em outras palavras, a análise das redes permi-
te seguir os processos de construção e observar como os atores e sistemas
co-evoluem. Assim, na discussão sobre a construção de redes de conheci-
mento para o desenvolvimento rural, é importante perceber que os produtos
locais não são locais no sentido estrito, mas são espaços locais conectados ao
global pelos agentes, pelas técnicas, pela globalização da política, pela ques-
tão ambiental, dentre outros fatores.
Dentro dessa perspectiva é possível estabelecer diversos recortes na
análise da interconexão entre as atividades rurais e a problemática da sus-
tentabilidade. Um eixo de reflexão possível é pensar as oito dimensões: a)
sustentabilidade ecológica; b) sustentabilidade ambiental; c) sustentabili-
dade demográfica; d) sustentabilidade cultural; e) sustentabilidade social;
f) sustentabilidade política; g) sustentabilidade institucional e h) sustenta-
bilidade tecnológica. Estas dimensões dão à questão do desenvolvimento
sustentável uma maior abrangência e, como conseqüência, ampliam tam-
bém sua complexidade. Uma outra forma de conceber a problemática é a
adoção da agenda proposta pelos movimentos sociais como fio condutor.
Brandenburg (2005), por exemplo, identifica dois eixos para a proposta de
intervenção e análise das ações ecológicas no ambiente rural. São eles: a)
o eixo dos preservacionistas: com a proposta de ações de conservação, de
preservação e de gestão do ambiente natural, e b) o eixo dos técnico-produ-
tivos: cujas ações propostas relacionam-se com mudança de padrão técni-
co de produção, e o respectivo grupo de profissionais propõe a substituição
das práticas e das técnicas agrícolas convencionais por práticas alternati-
vas e ecológicas de produção e consumo.

72
Adilson Francelino Alves

Todas as dimensões e eixos citados acima possuem sua relevância


para a composição de um quadro analítico, entretanto, para os fins deste
artigo, propomos a adoção de alguns fatores que podem constituir em um
eixo para a interconexão entre as questões rurais e ambientais no quadro
analítico e também a discissão da questão da interconexão entre agricul-
tura familiar e sustentabilidade a partir de quatro fatores básicos: inova-
ção, conservação, participação e integração. Esta estrutura é originalmen-
te proposta por Pugliese (2001), agregada à contribuição de outros autores.
Esses quatro fatores congregam uma grande parte da convergência entre
os aspectos da agricultura orgânica e do desenvolvimento sustentável.

Inovação
A inovação é um elemento estratégico para o desenvolvimento dos siste-
mas agrícolas e rurais. O processo de inovação dentro da perspectiva do
rural ambiental articula em torno de si uma cadeia de elementos hetero-
gêneos que podem ser traduzidos não apenas pela adoção de novas tecno-
logias e arranjos produtivos, mas, também e fundamentalmente, por uma
revisão do processo de desenvolvimento vigente. A reflexão social sobre os
rumos do desenvolvimento pode conduzir potencialmente o espaço rural
a novos arranjos e articulações de redes de produção, consumo e conheci-
mento. Nesse sentido, pode-se citar, como exemplo do processo de inova-
ção, a adoção de propostas e de projetos de desenvolvimento territorial e a
construção de certificadoras de produtos orgânicos. A primeira iniciativa
é, por si só, uma complexa interface, entretanto tem aqui apenas o intuito
de mostrar como as discussões em torno de propostas de desenvolvimento
territorial sustentável introduzem na pauta de negociação não apenas ele-
mentos articulados à esfera produtiva, mas trazem à tona diversos outros
elementos da vida social. Uma experiência nesse sentido é a questão da
construção de certificadoras de alimentos produzidos organicamente. Elas
introduzem na pauta de discussões aspectos da construção de sistemas de
confiança que se articulam não apenas com as dimensões territoriais inter-
nas aos espaços da produção e vida social dos agricultores, mas dialogam
fundamentalmente com os consumidores de orgânicos, além de articula-
rem um discurso legal, institucional e científico com a sociedade.
Isto sinaliza para o fato de que as soluções inovadoras não são ape-
nas derivadas do progresso tecnológico, mas também, produto de novos
métodos de organização e administração envolvendo processos e informa-
ções. Este fluxo ocorre por dentro e entre setores e territórios. Segundo a
autora, “Inovação também é identificável na reintrodução de elementos,
espaços e pessoas em posições diferentes, integrados em estratégias rela-
cionais renovadas” (PUGLIESE, 2000, p. 118). Para ela, a agricultura or-
gânica pode representar um elemento importante de inovação em áreas

73
Desenvolvimento territorial e agroecologia

rurais. Sua força inovadora se manifesta em vários aspectos da vida, tan-


to dentro da propriedade como nas relações com o mercado consumidor.
Agricultura orgânica é um processo de inovação complexa, pois requer um
alto nível de informação, podendo exigir ao mesmo tempo uma baixa den-
sidade tecnológica e um elevado conhecimento dos sistemas naturais. As-
pectos inovativos também estão relacionados à administração da proprie-
dade rural, articulação com construção de espaços sociais de negociação,
construção de políticas publicas e fóruns de debate, dentre diversos outros
aspectos que exigem dos participantes a construção de esferas de atuação
antes inexistentes ou o redesenho das já existentes.

Conservação
Na mesma linha de raciocínio, para Pugliese, o desenvolvimento rural
sustentável pode conciliar simultaneamente a interconexão entre o mer-
cado com regulamentações de salvaguarda do equilíbrio e da estabilidade
de sistemas rurais e agrícolas. Desse modo, não haveria necessariamen-
te uma oposição entre elementos de conservação e inovação. Segundo
ela, estratégias conservacionistas adequadas não agem necessariamente
como um obstáculo para mudança e crescimento, “ao contrário, elas po-
dem ajudar a evitar a erosão da vantagem comparativa rural e os limites
das transformações não desejadas” (PUGLIESE, 2000, p. 120). A con-
servação de traços característicos da localidade nos processos de desen­
volvimento pode torná-los sustentáveis em longo prazo. O conceito de
conservação, no espaço rural, a depender do grau de intensidade das
transformações impostadas pela Revolução Verde pode trazer algumas
armadilhas. Existem exemplos possíveis de articulação entre conserva-
ção e inovação, como: agroflorestas, manejo sustentável de matas, reser-
va legal, proteção de fontes, utilização de pastagens orgânicas e, em mui-
tas áreas de floresta, as experiências de extrativismo, todas alternativas
que têm mostrado um relativo sucesso em articular geração de renda e
conservação ambiental, o que implica o aumento do conhecimento sobre
os sistemas locais.

Participação
A atuação dos atores locais, nas arenas e nos processos que envolvem pro-
jetos de desenvolvimento local, desempenha um papel central no paradig-
ma do desenvolvimento sustentável. A capacidade de agência dos atores
em sua interação e articulação com os diversos mundos (simbólico, técni-
co, político, global) desloca-os do eixo da vitimização. Esse deslocamento
recoloca em novos papéis, ou seja, também como agentes protagonistas do
processo e não meros receptáculos vazios à espera de soluções.

74
Adilson Francelino Alves

Entretanto, é necessário considerar os conceitos com o devido cui-


dado. Guivant (1997), ao analisar as propostas de desenvolvimento sus-
tentável, destaca, como sendo uma das tendências mais expressivas dos
defensores de projetos de desenvolvimento rural endógeno, o que ela cha-
ma de populismo participativo, que tem em Robert Chambers (1983, 2002)
um dos autores mais importantes. Essa proposta de desenvolvimento rural
tem como eixo central a valorização do conhecimento local e a participa-
ção dos agricultores em todos os processos como agentes principais do de-
senvolvimento, porém, de certa forma, desconsidera o poder do processo
de enraizamento de práticas e conhecimentos exógenos, desconsideração
essa que pode ser criticada. Outra crítica à Chambers refere-se a uma idea­
lização de que a agricultura praticada no Terceiro Mundo preserva um
saber milenar construído e passado por gerações em um processo qua-
se autônomo de conhecimento. Resumidamente, a crítica é endereçada à
idealização do conhecimento popular, considerado melhor ou superior ao
conhecimento científico, ou como sendo capaz de incorporar práticas e
técnicas tradicionais acriticamente.
O conhecimento produzido e reproduzido no espaço rural é produto
de complexas interações entre os conhecimentos tradicionais de caboclos,
índios, negros e colonos europeus, mas também e, nos dias atuais, funda-
mentalmente, por redes de pesquisas de alto nível que produzem conheci-
mentos científicos validados pela academia, políticas de desenvolvimen-
to rural centralizadas em gabinetes, baixa formação escolar e técnica dos
agricultores, e a atuação de uma competente rede de comercialização de
insumos. Tal cenário só pode produzir híbridos e não tipos puros, como
querem sugerir algumas teorias.

Os eixos da participação política


No papel desempenhado atualmente pelas comunidades rurais, que se pro-
põem a implementar projetos de desenvolvimento endógeno, podemos en-
contrar os três eixos atuando simultaneamente, numa complexa teia con-
ceitual quase nunca pacífica. Na busca de alternativas para a manutenção
de seu modo de vida e na tentativa de inserção no cenário político e deci-
sório, estas comunidades procuram romper o círculo vicioso a que estão
submetidas. Algumas delas estão construindo, por conseguinte, uma nova
história de organização que não obedece necessariamente a uma lógica
apenas, mas à diversas formas organizativas enfeixadas em um amplo rol
de reinvindicações.


Esta mudança na perspectiva no mundo rural é um movimento mundial. Enrique Leff
discute essa questão no texto: “Los nuevos actores del ambientalismo em el médio rural
mexicano”.

75
Desenvolvimento territorial e agroecologia

As diversas questões emergentes que aparecem nestas comunidades,


heterogêneas em sua formação, podem ser caracterizadas pela tentativa de
entender e de romper com a marginalização crescente, pobreza e espoliação
dos meios de produção. Isto se dá na tentativa de encontrar eco na socieda-
de para a solução dos problemas decorrentes da estrutura agrária brasileira,
que se construiu privilegiando os grandes produtores em detrimento da pe-
quena propriedade. Para Scherer-Warren (2002, p. 246), nas últimas décadas
o debate em torno das especificidades do espaço rural começa a tomar cor-
po, agora com uma nova ótica que procura incorporar, para além das ques-
tões de classe, aspectos do mundo cultural, relações sociais do cotidiano e
das identidades coletivas específicas de cada movimento.
A participação política na modernidade traz elementos novos para
a análise da atuação dos atores. Desse modo, a problemática ambiental,
associada às questões de empoderamento de atores ligados à agricultura
familiar, precisa também ser estudada e observada. Embora os desdobra-
mentos sociais não estejam muito claros, os reflexos destas transformações
já se fazem sentir em diversas esferas da produção e consumo de alimentos
e no questionamento do modelo proposto pela Revolução Verde, que nos
conduz a uma possível integração entre a agricultura e a sustentabilidade.
Os questionamentos e críticas dirigidos ao atual sistema de produção agrí-
cola, os impactos ambientais da agricultura agroquímica, seu alto custo e
a crescente dependência de tecnologias produzidas em laboratório, aliados
ao mal-estar causado pela questão da transgenia e o Mal da Vaca Louca
têm fortalecido os defensores de um modelo de agricultura mais limpa.

Integração
O potencial processo de integração entre agricultura e sustentabilidade é
apresentado, por diversos movimentos sociais oriundos do campo como
um dos aspectos centrais do questionamento da Revolução Verde.
Visto sob o ângulo da política européia do Common European Agri-
cultural and Rural Policy, esta política reconhece que a agricultura, dentro
de um pacote amplo, é um dos fatores que afetam o desenvolvimento rural.

É necessário dizer que tal abordagem ocorre fundamentalmente dentro do programa LIE-
DER, cujos princípios norteadores são os seguintes: a) multifuncionalidade da agricultura,
ou seja, as diversas funções que desempenha, para além da produção de alimentos. Isto im-
plica o reconhecimento da vasta gama de serviços prestados pelos agricultores e o incenti-
vo a essas atividades; b) abordagem multissetorial e integrada da economia rural, a fim de
diversificar as atividades, criar novas fontes de rendimentos e emprego e proteger o patri-
mônio rural; c) flexibilização dos apoios ao desenvolvimento rural, baseada no princípio de
subsidiariedade e destinada a favorecer a descentralização, a consulta à escala regional e
local e o funcionamento em associação; e, d) transparência na elaboração e gestão dos pro-
gramas, a partir de uma legislação simplificada e mais acessível (Fonte: http://europa.eu.int/
comm/agriculture/rur/index_pt.htm).

76
Adilson Francelino Alves

Desse modo, aponta para a necessidade de inclusão de políticas agrícolas e


rurais em programas globais que contribuam como um todo para o cresci-
mento do sistema local, apontando para o entendimento conceitual de que
o desenvolvimento rural é multidisciplinar e multi-setorial em sua aplica-
ção, tendo uma dimensão territorial explícita onde o aspecto ambiental
seja uma das dimensões.
Esta estratégia de integração permite conceber, para áreas rurais, a
possibilidade de construção de sistemas de produção baseados em mode-
los flexíveis e endógenos onde haja um papel central para a agricultura em
suas atividades relacionadas ao meio ambiente. Isso aponta para uma di-
versificação das economias rurais onde a reorganização do setor agrícola é
altamente importante, pois teria a capacidade de fornecer impulso e dina-
mismo dentro do sistema local, que é variável de acordo com os aspectos
territoriais e permitiria a articulação com outros territórios.
Neste cenário, a agricultura orgânica poderia, segundo Pugliesi
(2000, p. 122): “proporcionar oportunidades interessantes e uma capaci-
dade intrínseca de integração do território e com outros setores da eco-
nomia. De um ponto de vista estritamente agrícola, a agricultura orgânica
representa um forte estímulo para a reorganização das propriedades ru-
rais”. Além disso, segundo ela, no que concerne à produção orgânica, exis-
te uma possibilidade interessante para a integração horizontal do espaço
local. Com isso, uma nova dinâmica com a articulação e a construção de
cadeias de conhecimento e de produção, pode se estabelecer na proprie-
dade rural.
Obviamente tal processo exigiria que uma nova base tecnológica e
um profundo processo de articulação da ampla capacidade de pesquisa
fossem instalados em universidades e centros de pesquisas agropecuárias
com as práticas agrícolas solidificadas por mais de 50 anos disseminadas
por uma competente extensão rural.
No aspecto institucional, apenas recentemente as propostas de po-
líticas públicas adotadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA) apontam na direção de incorporar alguns conceitos oriundos do
debate ambientalista. Um exemplo é a criação da Secretaria da Agricultura
Familiar (SAF), que tem, como um de seus objetivos principais a tentativa
de promover, no conjunto da agricultura familiar, o conceito de desenvol-
vimento local sustentável.
O foco do desenvolvimento sustentável, no caso da SAF, refere-se,
contudo, muito mais aos aspectos sociais que aos ambientais. Nesse sen-

No documento da Política Nacional de Ater (2004, p. 23), o desenvolvimento sustentável é de-
finido como “processo de mudança social e elevação das oportunidades da sociedade, com-
patibilizando, no tempo e no espaço, o crescimento, a conservação ambiental, a qualidade
de vida e a eqüidade social, partindo de um claro compromisso com o futuro e a solidarie-
dade entre gerações”.

77
Desenvolvimento territorial e agroecologia

tido, os aspectos políticos e de valorização social da agricultura familiar


aparecem como objetivo explícito, além do desenvolvimento econômico
como tentativa de agregar valor aos produtos da agricultura familiar, na
tentativa de possibilitar o acesso desses agricultores de forma competitiva
ao mercado cada vez mais restrito e exigente. Além disso, a proposta de
desen­volvimento sustentável na agenda do MDA aponta para a necessida-
de da geração de renda a partir de atividades não agrícolas.
O foco da valorização social e econômica da agricultura familiar
é bastante compreensível dadas as condições da formação do Brasil em
sua vocação para o agronegócio exportador. Este fato pode ser notado
inclusive na pequena presença da chamada agricultura familiar em mo-
vimentos de cunho ambiental. As preocupações dos movimentos sociais
oriundos do campo geralmente giravam em torno da própria sobrevi-
vência econômica, o que é também legítimo. Esse setor, entretanto, por
não contar com uma base ambiental crítica, desenvolveu e ainda desen-
volve sua atividade orientada pelo paradigma produtivista da Revolu-
ção Verde.
A questão da recolocação ou relocação da problemática ambiental
na estrutura da pesquisa agropecuária e o questionamento dos impactos
da Revolução Verde por parte dos movimentos sociais nos conduzem aos
aspectos da construção das redes de conhecimento que se formam a partir
da adoção de matrizes tecnológicas específicas. A construção de conheci-
mentos e de interesses dentro da produção agroalimentar mundial torna-
se cada vez mais complexa. A inclusão de pontos de vista dos novos atores
oriundos dos movimentos de contestação ecológica e dos movimentos so-
ciais coloca em xeque a atuação dos atores que atuavam de forma hegemô-
nica dentro das cadeias produtivas.
A incorporação das questões ecológicas dentro da temática da agri-
cultura tem possibilitado a emergência de novas redes de conhecimento
ainda não totalmente delineadas e diagnosticadas, entretanto, sua atuação
e prática localizam-se em um território amplamente dominado pela técni-
ca, pelo conhecimento tecno-científico e por poderosos interesses econô-
micos. O estudo para detectar as emergências e o funcionamento dessas
redes é uma tarefa necessária que se coloca na agenda.

Referências

ALVES, Adilson F. Análise de propostas de desenvolvimento, na perspecti-


va de Norman Long. In: ALVES, Adilson Francelino; FLÀVIO, Luiz
Carlos; SANTOS, Roselí Alves dos (Org.). Espaço e território: inter-
pretações e perspectivas do desenvolvimento. Francisco Beltrão:
Editora da UNIOESTE, 2005, p. 96-106.

78
Adilson Francelino Alves

______. Impactos da agroindústria integradora na agricultura familiar do


Sudoeste do Paraná. In: ALVES, Adilson Francelino; FLÀVIO, Luiz
Carlos e SANTOS, Roselí Alves dos (Org.). Espaço e território: in-
terpretações e perspectivas do desenvolvimento. Francisco Beltrão:
Editora da UNIOESTE, 2005. p. 141-164.
ABRAMOVAY, Ricardo. O tortuoso caminho da sustentabilidade: tendên-
cias recentes da agricultura na Região Sul. Agricultura Sustentável-
AGENDA 21. São Paulo,1999.
BECK, U. (1992). Risk society: towards a new modernity. Londres: Sage
Publications.
BRANDENBURG, Alfio. Socioambientalismo e novos atores na agricultu-
ra. IX Congresso Brasileiro de Sociologia. Porto Alegre; UFRGS, 30
ago. a 3 set. 1999.
CALLON, Michel. Some elements of a sociology of translation: domestication
of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. First published
in J. Law: Power, action and belief: a new sociology of knowledge?
London, Routledge, 1986. p. 196-223. Disponível em: <http://www.
vub.ac.be/SOCO/tesa/RENCOM/Callon%20(1986)%20Some%20 elem
ents%20of%20a%20sociology%20of%20translation.pdf>.
CHAMBERS, Robert. Relaxed and participatory appraisal: notes on prac-
tical approaches and methods for participants. In: PRA/PLA-related
familiarisation workshops. Participation Group, Institute of Devel-
opment Studies, University of Sussex, Brighton BN1 9RE, United
Kingdom Jan 2002.
CLARK, Judy; LOWE, Philip. Cleaning up agriculture: environment,
technology­ and social sciences. In: Sociologia Ruralis, vol. XXX (1),
1992. p. 11-29.
GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Ed Unesp,
1991.
______. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
GUIVANT, Julia S. Reflexividade na sociedade de risco: conflitos entre lei-
gos e peritos sobre agrotóxicos. In: HERCULANO, Selene C.; POR-
TO, Marcelo F. de S.; FREITAS, Carlos M. de. (Org.). Qualidade de
vida e riscos ambientais. Niterói: EdUFF, 2000.
______. Contribuições da sociologia ambiental para os debates sobre de-
senvolvimento rural sustentável e participativo. Estudos Sociedade e
Agricultura, Rio de Janeiro, v. 19, p. 72 - 88, 2002.
______. A trajetória das análises de risco: da periferia ao centro da teoria so-
cial. Cadernos de Pesquisa, 14 julho de 1998.

79
Desenvolvimento territorial e agroecologia

LAW, John. Notes on the theory of the actor network: ordering, strategy and
heterogeneity. Centre for Science Studies, Lancaster University, Lan-
caster LA1 4YN, at <http://www.comp.lancs.ac.uk/sociology/papers/
Law-Notes-on-ANT.pdf>.
MORGAN, Kevin; MURDOCH, Jonathan. Organic vs conventional agricul-
ture: knowledge, power and innovation in the food chain. Pergamon:
Geoforum, 2000. p. 159-173.
PUGLIESE, Patrizia. Organic farming and sustainable rural development:
a multifaceted and promising convergence. Sociologia Ruralis, vol.
41, Issue 1, Page 112-130, Jan 2001.
SAQUET, Marcos. Os tempos e os territórios da colonização italiana. Porto
Alegre: EST Edições, 2003.
SCHNEIDER, Sergio; SILVA, Marcelo Kunrath; MARQUES, Paulo Eduar-
do Moruzzi (Org.). Políticas públicas e participação social no Brasil
Rural. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2004.
SCHERER-WARREN, Ilse. Redes de movimentos sociais. São Paulo: Loyo-
la, 1996.
______. A atualidade dos movimentos sociais rurais na nova ordem mun-
dial. In: SCHERER-WARREN, Ilse e FERREIRA, José Maria Carva-
lho (Org.). Transformações sociais e dilemas da globalização: um diá-
logo Brasil/Portugal. São Paulo: Cortez, 2002. p. 243-257.
WARD Neil et al. Universities, the knowledge economy and ‘Neo-Endogenous
Rural Development. Centre for Rural Economy, University Of New-
castle Upom Tyne Discussion Paper Series No. 1 November 2005.
VERSCHOOR, Gerard. Identity, network, and space new dimensions in
the study of small-scale enterprise and commoditization. In: Long,
Norman e Long, Ann. Butterfields of knowledge: the interlocking of
theory and practice in social research and development. London:
Routleged, 1992.

80
Desafios da geração de renda em
pequenas propriedades e a questão do
Desenvolvimento Rural Sustentável no
Brasil
Antonio Nivaldo Hespanhol
Geógrafo, Professor Adjunto da FCT/UNESP – Presidente Prudente-SP |
nivaldo@fct.unesp.br

A trajetória da agricultura brasileira nas últimas décadas foi marcada pela


sua modernização entre 1965 e 1980; pela crise econômica dos anos 1980
e conseqüente esgotamento do padrão de financiamento da modernização
e pelo estabelecimento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agri-
cultura Familiar (PRONAF) no ano de 1996, a partir do qual se passou a
reconhecer a importância desta.
Apesar das mudanças de enfoque da política pública a partir da ins-
tituição do PRONAF e do rompimento, ainda que parcial, com a visão pro-
dutivista e setorial, os desafios da geração de renda e da reprodução social
dos pequenos agricultores persistem e não há indicações claras de que tais
desafios serão superados a curto e médio prazo.
Há diferentes perspectivas no que concerne ao desenvolvimento ru-
ral sustentável. Para alguns a aplicação racional de técnicas já disponíveis
na exploração dos recursos naturais é suficiente para se atingir o desenvol-
vimento rural sustentável, enquanto que para outros a sua concretização
requer alterações significativas no padrão de desenvolvimento existente.

Dinâmica da agricultura e renovação do discurso associado


ao desenvolvimento rural

As políticas públicas voltadas ao desenvolvimento rural ainda se restrin-


gem basicamente ao apoio à produção, principalmente aos segmentos

81
Desenvolvimento territorial e agroecologia

vinculados a complexos agroindustriais, voltados à exportação e ao for-


necimento de matérias-primas agroindustriais, tendo, portanto, caráter se-
torial e cunho essencialmente produtivista.
A modernização da agricultura desencadeada no país nos anos 1950
tornou-se expressiva principalmente a partir da instituição do Sistema Na-
cional de Crédito Rural (SNCR) no ano de 1965. O governo federal, além
de fornecer grande volume de crédito rural destinado ao investimento,
comercialização e custeio das safras, construiu e modernizou armazéns,
apoiou a expansão do cooperativismo empresarial, criou facilidades para a
instalação de indústrias químicas e mecânicas e estimulou a implantação
e expansão de indústrias processadoras de matérias-primas provenientes
do campo.
Assim, o ritmo da modernização da agropecuária foi acelerado e
sua abrangência espacial ampliada em razão da implantação de indústrias
de bens de produção e de insumos básicos para a agricultura, ao mesmo
tempo em que
[...] desenvolve-se ou moderniza-se, em escala nacional, um mercado para
produtos industrializados de origem agropecuária, dando origem à forma-
ção simultânea de um sistema de agroindústrias, em parte dirigido para o
mercado interno e em parte voltado para a exportação. (DELGADO, 1985,
p. 34-35).
A modernização da agricultura se processou de forma bastante rápi-
da, especialmente nas Regiões Sul e Sudeste do país, por meio do estímulo
à alteração da base técnica das explorações agropecuárias.
O crédito rural oficial, principal instrumento utilizado para promo-
ver a modernização da agricultura, foi altamente seletivo, pois a sua oferta
se restringiu aos médios e grandes produtores rurais. Os pequenos arren-
datários, parceiros e meeiros, com reduzido ou nenhum patrimônio, não
tiveram acesso a ele em razão de não disporem das garantias exigidas pelo
sistema financeiro.
No início dos anos 1980, o padrão de financiamento da agricultura
brasileira se esgotou em decorrência do aprofundamento da crise fiscal do
Estado. A partir de 1984, as taxas de juros reais do crédito rural oficial se
tornaram positivas.
O período que se estende de 1980 até o início dos anos 1990 foi mar-
cado pela instabilidade macroeconômica. O Estado se voltou para a gestão
da crise, não sendo estabelecidas políticas públicas com horizontes de mé-
dio e longo prazo.


Complexo Agroindustrial pode ser definido “[...] como o conjunto de processos tecno-econô-
micos que envolvem a produção agrícola, seu beneficiamento e transformação, a produção
de bens industriais para a agricultura e os serviços financeiros e comerciais corresponden-
tes” (MÜLLER, 1982, p. 48).

82
Antonio Nivaldo Hespanhol

No ano de 1994 foi lançado o Plano Real, por meio do qual a econo-
mia foi estabilizada, a inflação controlada e a moeda sobrevalorizada.
Nos anos 1990 intensificaram-se os processos de desregulamenta-
ção e de abertura da economia à competitividade internacional. Com isso,
as margens de lucro foram reduzidas e os termos de troca entre indústria
e agricultura continuaram desfavoráveis a esta.
A combinação de fatores como baixos preços agrícolas, sobrevalori-
zação da moeda e reduzidos rendimentos de algumas lavouras em decor-
rência de condições atmosféricas desfavoráveis provocaram a ampliação
do nível de endividamento dos agricultores.
No ano de 1996, o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) ins-
tituiu o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF), voltado ao atendimento de produtores rurais com áreas não
superiores a quatro módulos fiscais e que possuissem até dois trabalhado-
res contratados. Desde então tais produtores passaram a usufruir de tra-
tamento diferenciado, tendo acesso ao crédito oficial com taxas de juros
menores do que as vigentes para os agricultores comerciais.
No decorrer dos anos 1990 também ocorreram mudanças importan-
tes na maneira de se entender o campo, pois passaram a ser consideradas,
pelo menos em tese, as especificidades locais na formulação de políticas
públicas. Com isto se procurou favorecer a representação dos atores so-
ciais por meio das suas formas de organização coletivas na elaboração e
implementação de políticas voltadas ao meio rural.
Os mecanismos de participação foram instituídos principalmente
após a Promulgação da Constituição Federal de 1988 quando passaram a ser
constituídos os Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural (CMDR),
que apresentaram problemas em seu funcionamento quanto à participação
dos agricultores e à manipulação de técnicos e prefeitos, que tiveram pouco
interesse em seu funcionamento efetivo (ABRAMOVAY, 2001).
Apesar das dificuldades de democratização das políticas públicas, os
documentos oficiais sobre desenvolvimento rural romperam com a visão
produtivista e setorial e passaram a adotar a perspectiva territorial.
A Secretaria de Desenvolvimento Territorial, vinculada ao Ministé-
rio do Desenvolvimento Agrário, foi criada com a incumbência de estimu-
lar e coordenar projetos de desenvolvimento de territórios rurais, os quais,
de acordo com os documentos oficiais, devem dirigir “[...] o foco das polí-
ticas para o território, destacando a importância das políticas de ordena-
mento territorial, de autonomia e de autogestão, como complemento das
políticas de descentralização” (BRASIL, 2003, p. 30).
De acordo com o mesmo documento,
Na abordagem territorial o foco das políticas é o território, pois ele combi-
na a proximidade social, que favorece a solidariedade e a cooperação, com
a diversidade dos atores sociais, melhorando a articulação dos serviços pú-

83
Desenvolvimento territorial e agroecologia

blicos, organizando melhor o acesso ao mercado interno, chegando até ao


compartilhamento de uma identidade cultural, que fornece uma sólida base
de coesão social e territorial, verdadeiros alicerces do capital social (BRA-
SIL, 2003, p. 30).
Apesar da adoção de tal perspectiva, as ações do governo federal
na promoção do desenvolvimento dos chamados territórios rurais ainda
têm sido inexpressivas. Na verdade, o país não dispõe de um plano de
desen­volvimento rural com objetivos e período de vigência previamente
estabelecidos, montante e fonte de recursos definidos e metas devida-
mente traçadas.
A Secretaria de Desenvolvimento Territorial vem desenvolvendo o
Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais
(PRONAT), mas as suas ações até o momento são inexpressivas.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário tem se incumbido da
condução da política de assentamentos rurais, inadequadamente cogno-
minada de reforma agrária, e do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF). As metas quantitativas e qualitativas es-
tabelecidas para os assentamentos não têm sido atingidas. O PRONAF, por
sua vez, permanece estritamente vinculado à oferta de crédito rural com
subvenções diferenciadas de acordo com a dimensão e o perfil dos benefi-
ciários, ou seja, se restringe ao oferecimento de crédito.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento estabelece a
política de apoio à agricultura empresarial, a qual se restringe basicamente
à oferta de crédito oficial a médios e grandes produtores rurais, à taxas de
juros inferiores às vigentes no mercado financeiro.
Não há, portanto, um plano de desenvolvimento rural que extrapole
o apoio à produção e efetivamente valorize o homem do campo por meio
do acesso aos serviços públicos e a uma renda que lhe propicie o suprimen-
to das suas necessidades básicas.
Verifica-se, assim, que, no Brasil, há dois ministérios voltados ao
atendimento das demandas do campo: o Ministério da Agricultura, Pecuá­
ria e Abastecimento que está incumbido do estabelecimento das políticas
voltadas ao atendimento da agricultura empresarial e o Ministério do De-
senvolvimento Agrário se encarrega do estabelecimento das políticas volta-
das à agricultura familiar e à política agrária. A divergência de interesses e
a dubiedade das políticas públicas voltadas ao meio rural ficam evidentes
na própria maneira como a administração federal se estrutura para aten-
der às demandas do campo.


A missão oficial do Ministério do Desenvolvimento Agrário é “criar oportunidades para que
as populações rurais alcancem plena cidadania”.

A missão oficial do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento é “promover o Desenvol-
vimento Sustentável e a Competitividade do Agronegócio em Benefício da Sociedade Brasileira”.

84
Antonio Nivaldo Hespanhol

As limitações do mercado e o desafio da geração de renda em


pequenas propriedades rurais

A agricultura vem perdendo importância relativa no conjunto da economia


mundial e brasileira. Em vários países foram instituídas políticas delibe-
radas de transferência de renda dos setores mais dinâmicos da economia
para a agricultura e o meio rural. Os países desenvolvidos normalmente
subsidiam a agricultura e a protegem economicamente, prática que é con-
denada por muitos países subdesenvolvidos, inclusive pelo Brasil, mas que
associa-se diretamente à segurança alimentar e assegura a manutenção
de uma parcela da população na zona rural. A Política Agrícola Comum
(PAC) na União Européia e a Farm Bill nos EUA se constituem nos princi-
pais exemplos de concessão de benefícios aos produtores rurais por meio
da proteção dos respectivos mercados internos.
O Brasil é altamente competitivo na produção de algumas commodi-
ties agrícolas e, juntamente com outros países subdesenvolvidos que tam-
bém têm as suas economias assentadas na exportação de commodites, tem
feito gestões na Organização Mundial do Comércio (OMC) para abrir os
mercados agrícolas dos países desenvolvidos, com o intuito de ampliar a
sua inserção no mercado internacional.
Oficialmente o país defende a competitividade da agricultura e ado-
ta uma postura altamente favorável à liberalização do mercado de commo-
dities agrícolas. Internamente ao país, entretanto, a agricultura comercial
tem acesso à linhas de crédito à taxas de juros bem inferiores àquelas vi-
gentes no mercado financeiro e a chamada agricultura familiar tem acesso
à linhas de crédito à taxas de juros mais baixas do que aquelas praticadas
nas operações realizadas com a agricultura comercial.
Apesar deste tratamento diferenciado por parte das políticas de cré-
dito oficial, adota-se no país o discurso oficial da cobrança e sistemática da
ampliação dos níveis de eficiência e competitividade e de inserção ao mer-
cado por toda a agricultura, independentemente da sua escala.
A agricultura se constitui num setor essencialmente concorrencial
dado o número elevado de produtores vinculados ao mesmo segmento pro-
dutivo, no entanto, se relaciona com setores industriais altamente concen-
trados, nos quais poucas empresas de corte oligopólico dominam o mer-
cado de máquinas e insumos químicos e as grandes tradings dominam os
setores de processamento e comercialização de commodities agrícolas.
Em razão de seu perfil concorrencial e do caráter oligopólico dos se-
tores industriais e financeiros a ela direta ou indiretamente vinculados, se


Commodities são produtos in natura, cultivados ou de extração mineral, que podem ser es-
tocados por certo tempo sem perda sensível das suas qualidades, como soja, trigo, bauxita,
prata ou ouro.

85
Desenvolvimento territorial e agroecologia

faz necessária a regulação do Estado com o intuito de reduzir sua vulnera-


bilidade frente aos demais setores.
Neste contexto, a agricultura de grande escala, cognominada de
agronegócio, em virtude do seu peso nas exportações e da sua representa-
tividade política, recebe tratamento diferenciado do poder público. A agri-
cultura familiar, embora também tenha acesso ao financiamento a baixas
taxas de juros por meio do PRONAF, continua enfrentando muitas dificul-
dades para se manter, pois apenas o acesso ao crédito oficial não é suficien-
te para viabilizá-la.
A agricultura praticada pelos pequenos produtores rurais precisa
ser pensada para além do mercado. A simples oferta de crédito às baixas
taxas de juros não é suficiente, pois se fazem necessárias a disponibiliza-
ção de serviços de assistência técnica e extensão rural públicos de qualida-
de e a criação de canais preferenciais para a comercialização de produtos
gerados por tais produtores.
O mercado de produtos agrícolas não tem oferecido boas alterna-
tivas de renda à agricultura familiar. As cadeias produtivas que estão em
expansão atualmente, dadas as condições favoráveis do mercado nacional
e, principalmente, do mercado internacional, são as ligadas aos complexos
da soja e sucroalcooleiro, onde não há grande espaço para a participação
da agricultura familiar, dado o elevado padrão tecnológico.
A produção de soja tem se expandido nas zonas de cerrado das ma-
crorregiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país e é realizada em grande
escala com intenso emprego de máquinas e insumos químicos.
A produção da cana-de-açúcar, em virtude da atual conjuntura favo-
rável do mercado internacional de etanol, vem se expandindo em diversas
áreas do Centro-Sul do país. Novas usinas estão em processo de implanta-
ção e muitas zonas de pastagens e, em menor proporção, de lavouras, estão
cedendo espaço ao cultivo de cana-de-açúcar.
As usinas normalmente arrendam terras situadas nas proximidades
das plantas industriais e todo o processo produtivo é realizado pelo pró-
prio grupo detentor das empresas, desde a preparação do terreno e plantio
da cana-de-açúcar até a sua transformação em álcool e/ou açúcar.
Assim, a agricultura familiar tem cada vez menos espaço para parti-
cipar da produção de commodities agrícolas, tendo como melhor alternati-
va a diversificação produtiva.
Atividades mais exigentes em mão-de-obra (a exemplo da avicultu-
ra e da fumicultura integradas à agroindústrias; da produção de leite; do
cultivo de produtos hortifrutícolas; da sericicultura; da produção de mel;
da extração de látex, entre outras), constituem alternativas importantes de
geração de renda na agricultura familiar. A produção orgânica, principal-
mente de olerícolas, para o atendimento de certos nichos de mercado tam-
bém constitui importante alternativa.

86
Antonio Nivaldo Hespanhol

A agregação de valor aos produtos por meio da produção artesanal


de queijos, requeijão, doces, compotas etc, também pode constituir impor-
tante alternativa à agricultura familiar. A exploração comercial de certos
serviços, dependendo da localização e das condições locais, pode ser reali-
zada em propriedades rurais não muito distantes de núcleos urbanos.
A produção de mamona, de girassol e de outras oleaginosas, a exem-
plo do pinhão manso, tem sido apontada como alternativa para a obtenção
de renda pela agricultura familiar, em razão do programa oficial do biodie-
sel. A partir do ano de 2008 deverão ser adicionados 2% de óleos vegetais
ao óleo diesel, percentual que deverá ser elevado a 5% no ano de 2013, con-
forme estabelece a Lei Federal nº 11.097/2005.
As condições macroeconômicas normalmente são adversas à agri-
cultura familiar e as políticas públicas de apoio à produção são limitadas.
Diante de tal quadro, a viabilização econômica de pequenas explorações
agrícolas não é fácil de ser obtida. A diversificação produtiva, a agregação
de valor aos produtos cultivados e a organização dos produtores rurais em
associações ou cooperativas contribuem para melhorar as condições de
vida dos produtores rurais.
A associação a outros pequenos produtores rurais, preferencial-
mente àqueles que se dedicam aos mesmos segmentos produtivos, se
constitui num dos caminhos importantes para a superação de problemas
comuns. Por meio de associações, eles podem conseguir: a) comprar in-
sumos químicos a preços mais baixos, em virtude da aquisição se dar em
maior quantidade; b) fazer uso temporário de tratores, colheitadeiras e
implementos agrícolas, cujos custos unitários são elevados; c) ter acesso
à assistência técnica oficial ou particular; d) negociar em melhores con-
dições a produção, pois a oferta em maior quantidade de produtos reduz
o custo operacional das empresas e elimina a ação dos atravessadores; e)
ter acesso a mercados preferenciais, principalmente para o atendimen-
to de demandas públicas tais como o abastecimento de creches, escolas,
asilos, presídios etc.
Apesar de haver algumas alternativas e alguns pequenos produtores
poderem conquistar espaço no mercado e, por meio dele, obterem renda
para viver dignamente, o fato é que a grande parte maoria precisa ser aten-
dida por políticas públicas de cunho distributivo.
O cumprimento da legislação ambiental se constitui num outro de-
safio aos pequenos proprietários rurais, especialmente no que diz respeito
ao cercamento e à restituição da vegetação nas áreas de preservação per-
manente (topos de morro, nascentes, matas ciliares e outras) e a constitui-
ção e averbação de 20% da área total das propriedades que, por lei, devem
ser destinadas à reserva legal.
Caso a legislação seja realmente cumprida, (o que é uma incógnita)
ela terá efeitos muito positivos sobre a qualidade da paisagem rural, pois

87
Desenvolvimento territorial e agroecologia

acarretará a redução das áreas disponíveis às explorações, o que terá reper-


cussão negativa sobre a rentabilidade dos agricultores.
No caso das pequenas propriedades rurais, uma das alternativas
para se evitar a redução da superfície explorada é cultivar árvores que te-
nham valor comercial nas áreas de reserva legal com o intuito de se reali-
zar a exploração agroflorestal sustentável de tais áreas, já que isto é per-
mitido pela legislação nas propriedades com área inferior a 30 hectares.
Neste caso, cabe ao poder público disponibilizar recursos financeiros para
esta finalidade e orientar os serviços oficiais de assistência técnica e exten-
são rural a estimularem projetos desta natureza.
O cumprimento da legislação ambiental vigente e o manejo ade-
quado dos recursos naturais são de fundamental importância tanto para
a agricultura de grande escala quanto para a agricultura familiar. No caso
dos pequenos proprietários rurais que exercem a exploração direta da ter-
ra, cabe ao Estado oferecer os recursos financeiros necessários para que
eles procedam à recuperação das áreas de preservação permanente e cons-
tituam as áreas de reserva legal, compensando-os da perda do potencial de
geração de renda decorrente do atendimento à legislação, especialmente
no que se refere à constituição da reserva legal.
O cuidado com o meio ambiente pode se constituir numa importan-
te contrapartida dos pequenos proprietários rurais às políticas públicas de
cunho distributivo, ou seja, o acesso às políticas distributivas deve estar
condicionado aos cuidados que o pequeno proprietário deve ter em rela-
ção aos recursos naturais sob o seu domínio, a começar pelo pleno cum-
primento da legislação ambiental.
Em suma, o pequeno proprietário rural menos integrado ao merca-
do e com baixo padrão tecnológico precisa do acesso à políticas distribu-
tivas que propiciem a ele e à sua família o atendimento das necessidades
básicas. A produção de subsistência e de excedentes comercializáveis e a
produção em pequena escala para o atendimento do mercado pelos seg-
mentos mais vulneráveis da chamada agricultura familiar não tem pro-
piciado a renda necessária para se viver com dignidade. Cabe ao Estado
estabelecer políticas distributivas que atendam a tal parcela da população,
pois não há alternativas para a inserção da mesma população no mercado
de trabalho, seja ele urbano ou rural.

A heterogeneidade do campo e a revitalização


de espaços rurais

O campo brasileiro é bastante heterogêneo. Na grande maioria dos muni-


cípios situados no interior do país, a agricultura se constitui na principal
atividade econômica. O dinamismo econômico das cidades interioranas
depende, essencialmente, do desempenho da agricultura.

88
Antonio Nivaldo Hespanhol

Apesar da manutenção da importância da agricultura, os espaços


rurais têm apresentado mudanças significativas nas suas dinâmicas. Eles
têm se tornado cada vez mais diversificados e o êxodo rural perdeu força a
partir dos anos 1980, chegando a haver a retomada do crescimento da po-
pulação rural em algumas regiões do país.
Estão cada vez mais presentes no campo as chamadas atividades ru-
rais não agrícolas, como pesque-pagues, o turismo de aventura e o turismo
rural. Estes empreendimentos têm propiciado maior dinamismo econômi-
co, causado alterações no perfil econômico e sociocultural de parcela sig-
nificativa dos habitantes da zona rural e requerido o acesso de tal popula-
ção aos serviços e equipamentos públicos (GRAZIANO DA SILVA, 1999).
A expansão dos níveis de instrução da população rural (sobretudo
dos jovens), a baixa rentabilidade das atividades agrícolas, a expansão da
eletrificação rural e as maiores facilidades de locomoção e de comunicação
entre os espaços rural e urbano são fatores que têm feito com que uma par-
cela cada vez maior da população do campo desenvolva atividades na cida-
de, embora permaneça residindo na zona rural; a agricultura part-time e a
pluriatividade são cada vez mais expressivas. A aposentadoria rural passou
a se constituir numa importante fonte de renda para boa parte da popula-
ção residente nestas áreas. Por fim, a segunda residência das classes de mé-
dia e alta renda é um fenômeno comum e novos condomínios residenciais
destinados a esta população têm dado origem a enclaves urbanos em zonas
rurais, especialmente nas proximidades de médias e grandes cidades.
A migração de retorno ao campo por parte, principalmente, de apo-
sentados urbanos é outro fenômeno que tem provocado o crescimento da
população rural.
As áreas rurais já reformadas por intermédio da implantação de as-
sentamentos rurais se tornaram demograficamente mais densas e dina-
mizaram muitas áreas do país, conforme enfatizam Leite et al. (2004). A
manutenção na zona rural da população assentada em projetos de reforma
agrária é um desafio que deve ser enfrentado com políticas públicas efica-
zes que visem a propiciar o acesso de tal população aos serviços básicos e
a dar a ela as condições necessárias para que explore a terra e se aproprie
dos resultados da exploração.
Apesar da redução do êxodo rural e até o estancamento ou a rever-
são desse êxodo ter ocorrindo, a maioria das áreas rurais do interior do
país continua enfrentando dificuldades decorrentes dos baixos preços dos
produtos agrícolas, da degradação dos recursos naturais e da baixa capaci-
dade financeira dos municípios para apoiarem as atividades rurais.
Além disto, em muitas destas áreas a população se encontra em ida-
de avançada e a sucessão do agricultor se constitui num grande proble-
ma. A população jovem prefere buscar alternativas de emprego e renda no
meio urbano a permanecer na zona rural, dado o relativo isolamento de

89
Desenvolvimento territorial e agroecologia

algumas áreas, a dificuldade de acesso aos serviços básicos, a desvaloriza-


ção social dos agricultores e a falta de alternativas de renda satisfatória a
partir da exploração agrícola em pequenas propriedades rurais com baixo
padrão tecnológico.

Os desafios da sustentabilidade na agricultura


A noção de sustentabilidade na agricultura está diretamente associada à
possibilidade de se manter a produção ao longo do tempo, conservando ou
melhorando a base dos recursos produtivos (HESPANHOL, 2007).
A partir de tal concepção há uma grande diferenciação no enten-
dimento do que seja agricultura sustentável. A despeito de alguns aspec-
tos comuns em relação ao entendimento desta, Veiga (1992) salienta que
as empresas produtoras de insumos e sementes geneticamente modifica-
das entendem a agricultura sustentável de uma maneira e as organizações
não-governamentais a entendem de uma outra forma, ficando evidentes os
conflitos de interesses políticos e econômicos entre as duas concepções.
As organizações não-governamentais normalmente entendem por
agricultura sustentável o que foi estabelecido pela Global Action no ano
de 1993:
Um modelo social e econômico baseado na visão eqüitativa e participativa
do desenvolvimento e dos recursos naturais, como fundamentos para a ati-
vidade econômica. A agricultura é sustentável quando ela é ecologicamen-
te bem fundada, economicamente viável, socialmente justa, culturalmen-
te apropriada e baseada na abordagem holística. (GLOBAL ACTION, 1993,
apud ALMEIDA, 1997, p. 48).
Para as empresas vinculadas ao pacote tecnológico da Revolução Verde, “a
noção de agricultura sustentável é compatível com o padrão convencional
de modernização, porém praticada com maior eficiência e racionalidade”
(HESPANHOL, 1998, p. 47-48).
A redução do uso de insumos industriais (low input agriculture), a aplicação
mais eficiente ou mesmo a substituição dos agroquímicos por insumos bio-
lógicos ou biotecnológicos seriam suficientes para a consolidação do novo
paradigma (EHLERS, 1995, p. 16).
Para que a agricultura sustentável concebida pela Global Action se
materialize é necessário que sejam feitas reformulações estruturais no pa-
radigma de desenvolvimento atualmente existente.
Da maneira como é concebida pelas empresas vinculadas ao pa-
drão convencional de produção ela pode ser alcançada a partir do apri-
moramento técnico, por meio do avanço da biotecnologia e da sofistica-
ção dos sistemas de manejo dos recursos naturais, de maneira a garantir
a sua exploração ao longo do tempo, sem maiores preocupações com a
eqüidade social.

90
Antonio Nivaldo Hespanhol

No contexto brasileiro há uma grande heterogeneidade de situações,


sendo que, entendida por qualquer uma das duas perspectivas, é muito
pouco expressiva. Tanto nas grandes como nas médias e pequenas explo-
rações predominam sistemas de produção assentados nas técnicas veicula-
das pelo pacote tecnológico da revolução verde ou em sistemas de produ-
ção arcaicos e danosos ao meio ambiente.
Há, contudo, a preocupação de uma parcela dos médios e grandes
produtores rurais em adotar técnicas de produção que sejam menos agres-
sivas, assim como iniciativas ligadas à produção orgânica e agroecológica
por parte de uma parcela dos pequenos produtores rurais.
Ainda predominam explorações assentadas em técnicas nocivas ao
meio ambiente, seja em decorrência da utilização inadequada de tecnolo-
gias em grandes, médias e pequenas explorações, seja em razão do caráter
rudimentar dos sistemas de produção tradicionais também praticados em
explorações de diferentes magnitudes.
A recuperação ou a manutenção dos recursos naturais é de crucial
importância para o resgate da qualidade ambiental no campo e para a me-
lhoria dos níveis de vida de sua população rural.
A reconstituição das matas ciliares, a proteção das nascentes e a
implantação de reservas legais, conforme estabelece a legislação, poderão
revitalizar as paisagens rurais e favorecer a expansão de formas de explora-
ção ambientalmente menos agressivas e que sejam mais compatíveis com
as pequenas propriedades rurais.
O manejo integrado dos recursos naturais na escala das sub-bacias
hidrográficas, conforme é realizado nos projetos de microbacias hidro-
gráficas, é tecnicamente uma boa solução. Tanto os técnicos extensionis-
tas como os pequenos produtores rurais precisam do respaldo da política
pública para que sejam implementadas formas de exploração que valori-
zem a biodiversidade e que sejam adequadas ao perfil dos pequenos pro-
dutores rurais.

Considerações finais
As políticas estabelecidas das três escalas da administração pública (fede-
ral, estadual e municipal) tendem a considerar o meio rural brasileiro ape-
nas na dimensão da produção agrícola.
No período áureo da modernização da agricultura, entre os anos de
1965 e 1980, toda a política pública esteve voltada à concessão de crédito
rural para que os médios e grandes produtores incorporassem técnicas me-
cânicas e químicas à agricultura e se convertessem em bons consumidores
de produtos industriais e grandes fornecedores de matérias-primas para
as agroindústrias, o que viabilizou a constituição de modernos complexos
agroindustriais no país.

91
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Na década de 1980, o padrão de financiamento da agricultura se es-


gotou em decorrência da crise fiscal do Estado brasileiro. Os agentes econô-
micos tiveram que buscar alternativas para o financiamento da produção.
Os agricultores com maior inserção no mercado passaram a estabelecer
parcerias com as indústrias de máquinas e insumos e os seus distribuidores
e com as agroindústrias processadoras das matérias-primas provenientes
da agricultura. A alternativa que surgiu foi a comercialização antecipada
das safras, por meio da realização de operações bolsas de valores.
Na década de 1990, a chamada agricultura familiar começou a re-
ceber tratamento diferenciado por parte da política pública, por meio do
estabelecimento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (PRONAF) no ano de 1996. Apesar do reconhecido avanço repre-
sentado por esta política pública, a ação do programa se restringe, basica-
mente, à oferta de crédito rural em condições favoráveis, o que não é sufi-
ciente para promover o desenvolvimento rural.
A pobreza da população rural permanece elevada e não é somente
por meio do estabelecimento de políticas de fomento à produção que tal
quadro será revertido. Faz-se necessário o estabelecimento de políticas de
cunho distributivo que propiciem o pleno acesso da população aos serviços
públicos e aos bens de consumo básicos.
A perspectiva do desenvolvimento territorial, devidamente impor-
tada da Europa, está incorporada ao discurso oficial. Cabe ao poder pú-
blico converter tal discurso em prática efetiva. Para tanto haverá neces-
sidade da alocação de recursos para fazer frente ao cumprimento de tal
objetivo, bem como a contratação de técnicos ou de serviços técnicos
com este propósito.
A geração de renda em pequenas propriedades rurais não se dará so-
mente por meio da inserção no mercado. Parcela das pequenas proprieda-
des melhor situadas geograficamente poderá trilhar por este caminho, mas
a maior parte dos pequenos produtores rurais precisa de políticas públicas
que lhes propiciem o acesso à renda para fazerem frente ao atendimento
das suas necessidades cotidianas.
Cabe ao Estado não somente propiciar a renda, mas, ao fazê-lo, exi-
gir contrapartidas. Uma das maneiras possíveis é condicionar o acesso às
políticas distributivas ao cumprimento da legislação ambiental.

Referências

ALMEIDA, Jalcione. Da ideologia à idéia de desenvolvimento (rural) susten-


tável. In: ALMEIDA, Jalcione; NAVARRO, Zander (org.) Reconstruin-
do a agricultura: Idéias e ideais na perspectiva do desenvolvimento rural
sustentável. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1997.

92
Antonio Nivaldo Hespanhol

BRAGAGNOLO, Nestor; Pan, Waldir. A experiência de programas de mane-


jo e conservação dos recursos naturais em microbacias hidrográficas:
uma contribuição para o gerenciamento dos recursos hídricos, Curi-
tiba, IPARDES, 2001.
COORDENADORIA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA INTEGRAL (CATI). Pro-
grama Estadual de Microbacias Hidrográficas. CATI: São Paulo, 2000.
EHLERS, Eduardo. Agricultura sustentável: origens e perspectivas de um
novo paradigma. 2. ed. Guaíba: Agropecuária, 1999.
FREISCHFRESSER, Vanessa. Políticas públicas e a formação de redes
conservacionistas em microbacias hidrográficas: o exemplo do
Paraná Rural. Revista Paranaense de Desenvolvimento. Curitiba,
n. 95, jan/abr. 1999, p. 61-77.
HESPANHOL, Antonio Nivaldo. Agricultura, desenvolvimento e sustenta-
bilidade. In: Abordagens teórico-metodológicas em geografia agrária.
Rio de Janeiro: Editora EDUERJ, 2007, p. 179-198.
NAVARRO, Zander. Manejo de recursos naturais e desenvolvimento rural.
Porto Alegre, 2001, Programa de Pós-graduação em Desenvolvimen-
to Rural. (Relatório preliminar).
SABANES, Leandro. Manejo sócio-ambiental de recursos naturais e políti-
cas públicas: um estudo comparativo dos Projetos Paraná Rural e
Microbacias. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Ru-
ral da UFRGS, 2002. (Dissertação de Mestrado)
VEIGA, José Eli da. A transição para agricultura sustentável no Brasil.
Anais da 9ª Conferência da IFOAM, São Paulo, 1992.

93
Identidade Territorial e Desenvolvimento:
a formulação de um Plano Territorial de
Desenvolvimento Rural Sustentável do
Território Sudoeste do Paraná
Roselí Alves dos Santos
Geógrafa, Professora Adjunta do curso de Geografia da UNIOESTE – Francisco
Beltrão-PR | roseliasantos@gmail.com

Walter Marschner
Sociólogo, Professor Adjunto da Universidade Federal Grande Dourados-MS |
walmars@ufgd.edu.br

Nos últimos 40 anos, “desenvolvimento sustentável” era tido como um


conceito de circulação entre movimentos populares e agências de coope-
ração e estava associado à utopia da construção de uma outra sociedade,
mais justa e efetivamente igualitária. Na atualidade, o discurso de desen-
volvimento sustentável tem feito parte da pauta de discussão tanto de em-
presas ligadas ao ramo dos agroquímicos, como de entidades ligadas aos
movimentos populares. Trata-se de uma domesticação do conceito? A im-
plementação de um desenvolvimento mais eqüitativo, nas condições de
vida de todos os sujeitos da sociedade, depende sem dúvida da revisão do
que entendemos por desenvolvimento.
Nosso ensaio quer abordar a perspectiva do desenvolvimento territo-
rial, a partir da lógica de seus protagonistas agindo na concretude de seu
espaço social. O “campo” é visto aqui como um espaço e modo de vida,
ou seja, um território onde as dimensões econômicas, políticas, culturais
e ambientais são consideradas de forma integrada, compondo a comple-

Entendemos o campo não apenas como um lugar geográfico distinto da cidade, mas como
a extensão donde se dá a territorialização do exercício de um modo de vida de relativa auto-
nomia diante da sociedade global (conforme Wanderley, 1996), modo de vida baseado numa
forte teia de relações pessoais (sociedade de interconhecimento, segundo Mendras (1976) e
baseado numa economia de relativa autarcia.

95
Desenvolvimento territorial e agroecologia

xidade do desenvolvimento territorial, que se materializa na sustentabili-


dade e na soberania alimentar, e na utilização de práticas agroecológicas.
Como sujeitos territoriais, enfocamos a agricultura familiar, entendendo
assim as relações humanas mais horizontais e transparentes, na participa-
ção popular tanto no processo de produção quanto na escolha de tecnolo-
gias agroecológicas e no desenvolvimento a partir das condições locais.
Nossa análise parte de um estudo de caso. O território em questão,
Sudoeste do Paraná, tem uma singular história de ocupação e celebra, no
ano de 2007, 50 anos da revolta dos posseiros, história esta que legou ao ter-
ritório uma identidade bem definida de luta pela autonomia da agricultura
familiar, representada por um numeroso corpo de organizações sociais. O
Sudoeste do Paraná é um dos territórios onde o Ministério de Desenvolvi-
mento Agrário (MDA), através da Secretaria de Desenvolvimento Territorial
(SDT), implanta, com relativo êxito, sua política de desenvolvimento territo-
rial, sendo recentemente publicado um dos primeiros planos tipo territorial
de desenvolvimento rural sustentável (PTDRS) do país.
O que está em questão neste artigo é o caráter endógeno da política
territorial do governo. Pergunta-se até que ponto a política governamental
de desenvolvimento para o campo é capaz de abarcar os ritmos e os tem-
pos dos territórios? Quais são as possibilidades de processos de integração
à economia global, tal como a proposta de desenvolvimento do MDA, fa-
zerem a leitura da realidade territorial sem reduzi-la à linguagem econô-
mica, mas considerando a complexidade das relações sociais que o terri-
tório abrange? Quais são as possibilidades do desenvolvimento territorial
promover ações estruturantes, com base em uma análise estratégica que
possibilite a superação de uma abordagem setorial de desenvolvimento e
fomente uma visão ampla de território?

A formação territorial: o caso Sudoeste do Paraná


O Sudoeste do Paraná se destaca por conservar, até os dias de hoje, uma
distribuição demográfica de relativo equilíbrio entre espaço rural e urba-
no, o que se expressa também num destacado protagonismo da agricultu-
ra familiar, que mais do que um sistema econômico, é um sistema de rela-
ções sociais específico dentro do cenário rural nacional objetivado através


A adoção do conceito “agricultura familiar” atende aqui ao contexto específico a que nos referi-
mos. Agricultura familiar, segundo Abramovay (2005, p. 7), é uma definição corrente no Brasil
(enquanto que na América Latina fala-se em “campesinato”), em especial na Região Sul, onde
vigora uma forte presença da migração européia, e da qual faz parte o Sudoeste do Paraná.

Segundo dados do IBGE, a população rural do Sudoeste do Paraná no ano de 2000 era de
189.582 habitantes, cifra que representava 40,11%, enquanto que a população urbana era
composta por 283.044 habitantes, o que equivale a 59,89%. Enquanto isso, a população ur-
bana no total do Estado do Paraná consistia, no ano de 2000, em 81%.

96
Roselí Alves dos Santos | Walter Marschner

de um conjunto de entidades de representação (como analisam Abramo-


vay, 2005, Schröder, 2005, Magalhães 2005). Entendemos que os elementos
para a compreensão desta configuração de relações tão singular estão em
boa parte na formação do território. Muito antes de um território decreta-
do, o Sudoeste do Paraná é resultante de identidades e interações entre ato-
res sociais, historicamente forjados sobre um dado espaço. Segundo Alves
et al. (2004, p. 156)
[...] o território é a expressão concreta/abstrata do espaço produzido a partir
da multidimensionalidade de uma rede de relações sociais parametrizadas
no trabalho e marcadas pelo poder. Não há território sem relações de poder.
No território, dessa maneira, produz-se uma territorialidade, fruto das rela-
ções diárias, momentâneas, que os homens mantêm entre si e com sua na-
tureza exterior, evidentemente, não só no âmbito da economia mas também
das ações políticas e culturais.
Assim, em uma breve revisão histórica, queremos destacar, de for-
ma pontual, os elementos que consideramos determinantes para explicar a
identidade territorial que se apresenta no Sudoeste do Paraná.

O sistema de posse, a luta pela terra e a implantação da pequena


propriedade

Tomamos como ponto de partida o início do século XX, ponto em que, se-
gundo Feres (1990), o Sudoeste do Paraná apresentava uma população in-
ferior a 3.000 habitantes, concentrados especialmente nos campos de Pal-
mas, em áreas planas abrangendo os municípios de Palmas e Clevelândia.
A atividade pecuária da época pressupunha um sistema de organização
social da grande propriedade rural com sua estrutura de agregados, que
representa, para alguns autores, a origem da população cabocla na região,
e, apesar do reduzido número de pesquisas, é importante destacar que ha-
via também a presença de índios. A esta população rarefeita acrescenta-se,
na década de 1920, o processo de migração aleatório que leva a população
a praticamente dobrar (6.000 habitantes). É, porém, a partir da década de
1940, com a vinda díária de migrantes de origem européia, que o cresci-
mento populacional é impulsionado significativamente.
A política getulista de integração nacional, visando à colonização
de áreas estratégicas do território nacional – a assim chamada “marcha
para o oeste“ –, trouxe grandes levas de imigrantes. Eram, em sua maioria,


Além dos paraguaios e dos argentinos que extraiam a erva-mate da região, o início do pro-
cesso de ocupação teve ligação com o excedente de mão-de-obra das fazendas de criação de
gado e de refugiados políticos da Guerra do Contestado (FERES, s/d). Até a década de 1940,
os migrantes, chamados por Feres (1990, p. 494) e Abramovay (1981) de caboclos, sobrevi-
viam por meio da caça e principalmente do extrativismo de erva-mate e da criação de porcos
em regime semi-selvagem.

97
Desenvolvimento territorial e agroecologia

excluídos pela fragmentação da pequena propriedade nos Estados do Rio


Grande do Sul e de Santa Catarina e chegam ao Sudoeste do Paraná em
busca de terras livres, colonizando especialmente as áreas de mata tropical
lindeira já consolidada como estrutura de grande propriedade dos campos
de pastagem. O geógrafo alemão Leo Waibel (1984, p. 33), ao pesquisar,
na década de 1940, o movimento migratório teuto-brasileiro, detecta duas
estruturas territoriais no Sudoeste: de um lado os campos dos fazendeiros
e seus agregados e, de outro, a mata dos colonos e caboclos. Tratava-se de
uma ocupação diferenciada das terras que, segundo Andrade (1995, p. 63),
era típica do sul do Brasil, onde ao colono de origem européia cabiam as
terras montanhosas e cobertas de mata.
Apesar desta delimitação espacial, segundo Abramovay (1982, p.
54ss), aconteciam trocas constantes entre caboclos e colonos; trocas em
que estes últimos passam a adquirir as terras dos caboclos a preços sim-
bólicos. Negociadas eram precisamente as melhorias dos caboclos sobre
a terra, as clareiras e caminhos abertos. Vigorava a “compra do direito”
à terra, o regime da posse, uma forma de acesso à terra mediada por um
sistema de valores vigente, baseado na economia de subsistência, onde o
direito à terra de trabalho tem primazia sobre qualquer outra relação de
propriedade (WOORTMANNN, 1997, p. 151; MUSUMECI, 1988, p. 34).
No começo eram muito pouca gente. Nós ficamos em quatro famílias, e quem nós
encontramos morando aqui eram […] como se diz […] brasileiros, né. Caboclos
[…] e aquele povo foi se retirando. Eles foram vendendo, porque eles mostravam
para gente, extensões enormes de terra […] não havia nem divisa […] você com-
prava assim mais ou menos sem marcar […] (Tecla Trigeri, Jacutinga, 2004).
Os colonos também assimilam o modo de ocupação cabocla da terra
virgem, reproduzindo por muito tempo o sistema de pousio rotativo, infor-
mação também confirmada por Bonetti (1997, p. 18ss). Para Feres (1990,
p. 495), a relação de produção sob as terras virgens obedecia à relação
“mais espaço – menos trabalho”, resultante da ocupação livre das terras
abundantes e da baixa concentração demográfica.
Para Marschner (2005, p. 133ss), o sistema de posse assimilado pelos
colonos era compatível à economia mercantil das colônias de migrantes,
onde as propriedades mantinham uma economia ainda bastante autárqui-
ca, marcadamente de subsistência, que produzia ainda pequenos excedentes
para o mercado, majoritariamente a suinocultura, com as safras de porcos,
comércio de madeira e demais relações de trocas com as bodegas. É impor-
tante destacar que a empreitada colonizatória no Sudoeste do Paraná se


Para Feres (1990) e Bonetti (1997), a suinocultura manteve-se como forte atividade econô-
mica, sendo responsável pela ampliação das áreas ocupadas pelo cultivo do milho, principal
fonte alimentar dos suínos. Assim, havia uma coexistência entre a suinocultura em regime
semi-selvagem e a de safra (1990, p. 495).

98
Roselí Alves dos Santos | Walter Marschner

consolida a partir de redes de cooperação e reciprocidade oriundas de seus


lugares de origem. As novas comunidades se estruturam no geral a partir de
relações vizinhança e parentesco, agora reproduzidas nas novas terras.
Era sem pagamento. Não tinha assim, negócio no dinheiro. Especialmente
com os parentes. Porque não queria que o parente fosse mais longe. Ou, por
exemplo, o meu pai, ou o pai do Bernardo, que era irmão dele […] eles diziam:
“você se coloca ali, fica ali”. Daí vinha mais um conhecido, mais um parente:
“vamos repartir um pedaço, você dá mais um pedaço […]”, então era assim
mais nesse jeito […] não era comercial. (Tecla Trigeri, Jacutinga, 2004).
Tal dinâmica de ocupação territorial favoreceu a construção de re-
lações horizontais relativamente homogêneas, fatores decisivos para o
sucesso da empreitada colonizatória. A Colônia Agrícola General Osório
(CANGO), com instalação de considerável apoio logístico (serrarias, aten-
dimento médico, fornecimento de ferramentas, entre outras medidas), de-
sempenhou papel central para a consolidação de uma economia mercantil
de colônia agrícola (LAZIER, 1998, p. 17; ABRAMOVAY, 1981, p. 41).
Neste aspecto, podemos observar uma progressiva interligação dos
territórios através de atividades dos colonos articuladas com uma crescen-
te cadeia de atores de uma economia mercantil florescente. Junto com os
migrantes, vinha serviço de moinhos, ferreiros-artesãos, transportadores,
comerciantes e, sobretudo, as bodegas, pontos de articulação de uma eco-
nomia de permutas fortemente baseada em relações pessoais – ainda que
marcada pela significativa exploração dos migrantes pelos bodegueiros.
Nenhum outro fato histórico poderia revelar melhor a importância
e o vigor deste sistema de colônia agrícola do que a revolta armada dos
posseiros contra as companhias colonizadoras CITLA, Comercial Agrícola
e Companhia Apucarana em 1957. A ação criminosa destas companhias
colonizadoras, representantes do governo Lupion, através da violência de
jagunços, visava pôr fim no sistema de posse. Os colonos eram obrigados
a pagar pelas terras já ocupadas ou assinar promissórias assumindo a dívi-
da. Com a coerção armada, estava ameaçado um sistema de relações hori-
zontais, de confiança, de relativa harmonia, de reciprocidades, de redes de
cooperação e trocas simbólicas. Essa ameaça os colonos descreviam quase
apocalipticamente: “Imperava o medo. Não havia mais lei! Jagunço e polícia
estavam de mãos dadas, não havia mais baile, nem missa, as pessoas come-
çam a ir embora […]” (Avelino Cavaleri, Verê).
Finalmente a reação armada de colonos, caboclos e comerciantes,
logra a tomada das cidades de Pato Branco, Francisco Beltrão, Santo An-
tonio do Sudoeste e Capanema, bem como a expulsão dos jagunços, a des-
truição dos escritórios das colonizadoras e todas as hipotecas, represen-
tando um dos raros momentos da história da questão agrária brasileira
onde agricultores vencem estruturas oligárquicas. Um registro importante
destacado por Battisti (2006) consiste no fato do incentivo para a revolta

99
Desenvolvimento territorial e agroecologia

ter sido desenvolvido por lideres do PTB e da UDN preocupados em conso-


lidar a política getulista na região e em fortalecer uma oposição ao governo
de Lupion. Também destacamos que outras lutas começam e recomeçam
a partir desse fato político.
Não é possível falar da capacidade de mobilização social da agricul-
tura familiar do Sudoeste do Paraná sem fazer vínculos com essa herança
histórica. A posterior ação do Grupo Executivo para as Terras no Sudoeste
do Paraná (GETSOP), no período João Goulart, na década de 1960, com a
emissão de 32.256 títulos de lotes rurais e 24.661 urbanos, ratifica uma es-
trutura fundiária no Sudoeste já efetivada. Se a emissão de títulos de pro-
priedade pode ser considerada como símbolo da vitória da luta pela terra,
esta política, por outro lado, consolida a implantação da propriedade pri-
vada na região. Essa intervenção, protagonizada pelo Estado, na questão
fundiária, estabelece definitivamente as condições para a penetração do
capital no espaço rural.
A seqüência do orquestramento estatal permanece a partir da dé-
cada de 1970, quando o Estado assume o papel de fomentador da revolu-
ção verde. Implanta-se o modelo de desenvolvimento agropecuário, tendo
como meta a acumulação ampliada de capital, de forma a atender inte-
resses do sistema capitalista hegemônico, através de investimentos e da
criação e ampliação de mercados. Os principais instrumentos do avanço
do capital sobre a agricultura familiar passam a ser o crédito e as grandes
cooperativas.

Desenvolvimento da capacidade organizativa e a defesa da


autonomia da agricultura familiar

Na década de 1960 surge no Sudoeste do Paraná a Associação de Estudos,


Orientação e Assistência Rural (ASSESOAR), na época uma entidade vin-
culada à Igreja Católica, seguindo os ventos inovadores do Concílio Vati-
cano II (1962-1964), atuando na região na perspectiva de organizar a so-
ciedade civil dentro de uma perspectiva religiosa progressista. A Assesoar
inicialmente organiza as famílias de agricultores em grupos de reflexão e
ação, que questionam a política assistencialista em vigor e passam a rei-
vindicar um sindicalismo combativo. É em parte devido a estes pequenos
grupos de base que surge, em 1979, a Comissão Pastoral da Terra (CPT)
no Paraná. Da ação organizativa da CPT, por sua vez, numa articulação
de movimentos camponeses dos três Estados do Sul, surge, por último, o
movimento de trabalhadores rurais sem terra (MST). Dessas ações e ar-
ticulações, surge, no sindicalismo, uma nova geração de dirigentes, com
histórico de formação nas CEBs e pastorais, grupo que vai posteriormente
fundar, em 2001, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar
da Região Sul (FETRAF-Sul). Não é exagero afirmar que estas entidades

100
Roselí Alves dos Santos | Walter Marschner

no Sudoeste fizeram fermentar o caldo de cultura de uma história de lu-


tas contra o latifúndio, protagonizado pela revolta de 1957. As lutas das
entidades nas décadas de 1970 em diante voltaram-se, sobretudo, para a
defesa da autonomia da agricultura familiar, frente aos avanços da fron-
teira agrícola e da revolução verde com todas as suas conseqüências, ex-
pressas de forma generalizada em todo o Brasil pela falência das pequenas
propriedades e pelo conseqüente esvaziamento das populações do campo,
fruto nefasto de um política de desenvolvimento voltada para a geração de
divisas a partir do modelo agroexportador. Ao mesmo tempo que se esbo-
ça uma tenaz resistência ao modelo agrícola através de suas entidades de
representação, a agricultura familiar tem sido criativa em consolidar um
vigorosa rede de pequenas cooperativas e associações de agricultores fami-
liares, das quais se destacam hoje as Cooperativas de Leite da Agricultura
Familiar (CLAFs) e as Cooperativas de Crédito Rural com Integração Soli-
dária (CRESOIS).
O panorama brevemente esboçado é fundamental para que se com-
preenda a tensão histórica que se coloca à agricultura familiar, na senda
entre a manutenção de um modo de vida com relativa autonomia econô-
mica, de valores e identidades, e o movimento progressivo de incorporação
deste sistema social às estruturas do capital agroindustrial. Não se trata
aqui de perguntar pelas chances de sobrevivência de uma sociedade de va-
lores comunitários e de economia autárquica de relativa autonomia diante
da economia de mercado, mas de perceber que a imagem dessa sociedade
resiste na atualidade, expressando-se na forma de uma forte “memória co-
letiva” (no sentido de Halbwachs, 1985), como uma subjetividade latente,
certamente motor das lutas contemporâneas e espírito presente nas enti-
dades sindicais, movimentos sociais e ONGs que atuam no Sudoeste do
Paraná. A partir dessa memória coletiva entendemos como equivocada a
compreensão da agricultura familiar, como um sujeito social, cuja especi-
ficidade se baseia no dilema histórico de integrar-se ao capital, ainda que
de forma diferenciada ou desaparecer.
Tal leitura do Sudoeste do Paraná a partir de um processo histórico
restrito a apenas quatro décadas consiste numa visão reducionista. Em ter-
mos de memória social, a passagem do sistema de posse para a experiên­cia
da propriedade privada e a inserção do capital agroindustrial, ainda que


São hegemônicas as leituras do que é o “rural”, quem são os “camponeses” ou “agricultores
familiares” partindo da pergunta do papel que estes assumem diante do avanço da industria-
lização. Seja através da assimilação das inovações tecnológicas (na perspectiva difusionista)
ou na perspectiva da sua integração parcial ao mercado (concepção a partir de CHAYANOV)
ou na integração do camponês em unidades coletivas de escala agroindustrial (a partir de
KAUTSKY), o campo não exprime nenhuma realidade em si mesmo, mas é observado muito
mais a partir de sua funcionalidade, dentro do viés econômico. (veja VILLELA, 1999, p. 26;
MARSCHNER, 2005, p. 28).

101
Desenvolvimento territorial e agroecologia

impactante, é recente, sendo apenas um componente do devir histórico


deste grupo, insuficiente para definir sua identidade. É preciso partir de
uma abordagem mais ampla, entendendo tudo o que compõe o “ethos” (no
sentido de Bourdieu) do agricultor familiar: entender o mundo de relações,
valores e representações que compõe o “campo”, lugar vivencial, locus de
um modo de vida distinto do urbano.
A história do Sudoeste do Paraná carrega, de forma dramática e
singular, a crise da passagem, nas palavras de Ferdinand Tönnies (1991),
de comunidade (Gemeinschaft) para sociedade (Gesellschaft). Entende-se
aqui o processo de complexificação típico das relações da sociedade mo-
derna, onde está em jogo não só a despedida de uma economia mercantil
para uma economia complexa de mercado, mas a migração gradual de
uma rede de valores de reciprocidades e relações pessoais para um sistema
abstrato de contrato social, onde vigoram relações anônimas envolvendo
a interação com sujeitos muitas vezes ausentes. Com a globalização acon-
tece cada vez mais o descolamento do território do lugar, ou a cisão entre
o “lugar” – onde acontecem as práticas sociais específicas que nos molda-
ram, onde nossas identidades se encontram ligadas intimamente – e o es-
paço indiferenciado, onde se dão as relações à distância, protagonizadas
por ausentes (decisões de multinacionais, acordos bilaterais, impacto da
política da OMC etc.). O meio rural, sem dúvida, é o espaço onde tal pro-
cesso impacta com mais intensidade, solapando sobremaneira as condi-
ções de formular um projeto de desenvolvimento próprio. O dilema coloca-
do à agricultura familiar é a construção de um projeto de desenvolvimento
que dê conta de garantir a relativa autonomia de seu modo de vida e criar
as interfaces com economia globalizada.
É desta perspectiva de análise que interpretamos a constituição ter-
ritorial recente. Trata-se de compreender como uma política de desenvol-
vimento territorial, protagonizada pelo Estado, impacta um território com
identidade tão definida como é caso do Sudoeste do Paraná.

A abordagem do desenvolvimento territorial


protagonizada pelo MDA

Como exposto anteriormente, em se tratando de políticas públicas, o cam-


po foi historicamente caracterizado como um vazio, pela ausência de po-
líticas públicas, ausência e precariedade de infra-estruturas como escolas,
áreas de lazer, postos de saúde, estradas adequadas etc., e, a exemplo dos


Antony Giddens (cf. GIDDENS, 1991, p. 9) caracteriza o desenvolvimento da modernidade
pelo que ele chama de “descolamento”: o crescente impacto da intervenção de atores ausen-
tes e, não raro, desconhecidos que passam a pautar o que acontece em nível local, causando
o esvaziamento das relações face a face na condução dos processos sociais.

102
Roselí Alves dos Santos | Walter Marschner

conflitos sangrentos da revolta de 57, também pela ausência de um Es-


tado de Direito. Por outro lado, nas últimas décadas o Estado participou
intensivamente na implantação de pacotes tecnológicos para a produção
extensiva, nos moldes da modernização agrícola. Assim, as novas políticas
de desenvolvimento governamentais, ainda que seguindo uma nova abor-
dagem, estão irremediavelmente marcadas pela contradição da passagem
de um Estado outrora rarefeito e de ações fragmentadas para um Estado
agora descentralizado, mínimo, que atende aos métodos atuais de desen-
volvimento do capital.
Talvez o que melhor simbolize essa passagem seja o processo de im-
plantação da proposta descentralizada de desenvolvimento territorial, pro-
tagonizada pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) do Mi-
nistério de Desenvolvimento Agrário (MDA). Criado no governo Fernando
Henrique Cardoso, na perspectiva de formular políticas agrícolas diferen-
ciadas (das quais a medida mais impactante foi a criação do PRONAF), o
MDA assume a responsabilidade na constituição de uma nova política de
desenvolvimento centrada nos aspectos de inclusão e eqüidade social de
forma sustentável. Como reafirma Montenegro Gómez (2006), a idéia de
desenvolvimento funciona, porém, como uma estratégia de controle social
intermediada pelo Estado e é limitada à realização do “possível”. Assim
sendo, a limitação da política de desenvolvimento territorial e da ação es-
tatal em tempos de minimização:
[...] deverá ater-se às limitantes impostas pelas restrições orçamentárias, fi-
nanceiras e humanas, que reduzem a capacidade de intervenção convencio-
nal, lançando mão de estratégias de descentralização, de participação da
sociedade, de planejamento ascendente e de valorização dos recursos locais,
fatores que, combinados, obrigam à reinvenção de processos de articula-
ção, ordenamento e apoio ao desenvolvimento e do próprio papel do Estado
(MDA, 2005, p. 17).
Dá-se, então, uma releitura do desenvolvimento brasileiro, assumin-
do o enfoque territorial, visando a uma política de atendimento às especifici-
dades, porém na dimensão da descentralização e da minimização requerida
pelo Estado atual. No que se refere ao rural, nesse ensejo de descentraliza-
ção e valorização dos “recursos” locais, a agricultura familiar e a reforma
agrária são consideradas pelo MDA como “[...] elementos capazes de enfren-
tar a raiz da pobreza e da exclusão social no campo” (2005, p. 10). Com esta
abordagem territorial rural é considerada a existência de uma “nova rurali-
dade”, a qual envolve múltiplas articulações intersetoriais, “[...] garantindo a
produção de alimentos, a integridade territorial, a preservação da biodiversi-
dade, a conservação dos recursos naturais, a valorização da cultura e a mul-
tiplicação de oportunidades de inclusão” (Ibid, p. 10). Ao colocar a agricul-
tura familiar e a reforma agrária como elementos centrais do debate, assim
como a necessidade de inclusão, o MDA reconhece as mazelas históricas da

103
Desenvolvimento territorial e agroecologia

modernização da agricultura, com a adoção de dinâmicas industriais para


gerência do processo produtivo no campo acarretando o aumento da pobre-
za rural, paralelo aos recordes de produção e produtividade. Nisto se reflete
a prioridade dada pelo MDA à áreas de baixo IDH para constituição dos ter-
ritórios rurais e à aplicação da política de desenvolvimento rural sustentável.
Para enfrentar a pobreza rural, fruto das perspectivas de desenvolvimento
baseadas na chamada revolução verde, o MDA propõe:
[...] banir a fome e a miséria do seio do nosso povo. O maior desafio social é
livrar da pobreza ¼ da população, estabelecendo mecanismos de estímulo à
sua inclusão digna no processo de desenvolvimento do Brasil. Frente à gran-
deza desse desafio, não se pode imaginar que ele será vencido pela repetição
dos mesmos erros do passado, que atenderam insuficientemente alguns se-
tores ou regiões. O Brasil necessita aproveitar oportunidades de alterar efe-
tivamente os velhos paradigmas orientados para a concentração dos ativos e
da renda, para super exploração dos recursos naturais e para a discrimina-
ção de oportunidades (2005, p. 10).

A abordagem territorial consiste em uma tentativa de fomentar o diá­


logo e a busca de soluções para os problemas de determinado território,
o qual pode ser delimitado a partir do jogo de poder que se entrelaça no
espaço. O pensar territorial é entendido como um exercício endógeno que
se realiza por meio de conexão local/global e que exige a confluência dos
interesses de diferentes atores do território para atender às suas necessida-
des centrais. Trata-se de uma tarefa bastante difícil, uma vez que envolve
atores sociais que historicamente trabalham com um enfoque fragmen-
tado. Neste sentido, o grande avanço desta política territorial está justa-
mente em fomentar o debate a partir de múltiplas dimensões do desen-
volvimento e ensaiar o exercício de planejamento estratégico. O risco, por
outro lado, está justamente na institucionalização destas políticas dentro
de uma agenda de Estado mínimo, limitando-se ao previamente definido
como “ações possíveis”: teremos aí então mais uma política que não con-
tribui para o rompimento das fragmentações e descontinuidades que até
historicamente marcaram o desenvolvimento do rural.

A construção do “território oficial” Sudoeste do Paraná


e de um plano de desenvolvimento

Para operacionalizar suas políticas de desenvolvimento territoriais de for-


ma coerente com a visão descentralizadora das ações governamentais e di-

Num movimento de antagonismos e contradições, a “Revolução Verde” propôs adotar na agri-
cultura os mesmos procedimentos que vigoram na indústria e assim aumentar a produção de ali-
mentos no mundo, proposta que conferiu à Norman Borlaug, em 1970, o Prêmio Nobel da Paz.
A equação fordista, no entanto, não se confirmou: a fome não desapareceu, ao contrário, tem se
ampliado, e a evasão do campo se tornou um problema social. (cf. GRAZIANO DA SILVA, 1981).

104
Roselí Alves dos Santos | Walter Marschner

recionando-as às populações do campo, o MDA propõe consolidar uma go-


vernança local, baseada na capacidade de mobilização social de territórios,
priorizando, para a implementação de suas políticas territoriais, a metodo-
logia de construção de territórios oficiais nas áreas consideradas de maior
pobreza rural e de menor inserção no mercado. O território, na compreen-
são do MDA, muito mais que um espaço físico, se faz definir pelas relações
que abriga e pelo conjunto de dimensões que o compõe:
É um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, com-
preendendo cidades e campos, caracterizado por critérios multidimensio-
nais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e
as instituições, e uma população, com grupos sociais relativamente distin-
tos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos especí-
ficos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade
e coesão social, cultural e política (MDA, 2005, p. 28).
Este conceito do território, utilizado pelo MDA na institucionaliza-
ção das políticas públicas, destaca como elementos centrais a coesão social,
cultural e territorial como condições endógenas, propulsoras do desenvol-
vimento rural. Para o MDA, a abordagem territorial pode ser empregada
em praticamente qualquer realidade concreta, cabendo a ele articular a
seleção e o ordenamento das microrregiões que inicialmente receberão o
apoio pretendido, segundo suas limitações de recursos.
A política territorial prevê a constituição de um grupo responsável
pela gestão, formado de forma paritária por entidades governamentais e
não-governamentais. Assim os grupos gestores representam a nova propos-
ta de sinergia entre poder público e sociedade civil, exercitando de forma
descentralizada a condução das políticas públicas de desenvolvimento.
Hoje temos no Brasil 118 territórios constituídos, a maioria com gru-
pos gestores instituídos. No Sudoeste do Paraná, foi criado em 2003 seu
grupo Gestor do Território do Sudoeste do Paraná (GGESTEPA). Boa par-
te dos grupos gestores encontra-se em avançado processo de planejamen-
to e tem exercitado essa governança territorial através do acesso e gestão
de recursos públicos para implantação de projetos estratégicos de desen-


As organizações governamentais que compõem o grupo gestor do Sudoeste do Paraná são:
Associação das Câmaras Municipais do Sudoeste do Paraná, Associação dos Municípios do
Sudoeste do Paraná, Associação dos Secretários Municipais de Agricultura do Sudoeste do
Paraná, Emater, Escolas Agropecuárias, Instituto Ambiental do Paraná, Instituto Agronômi-
co do Paraná, Secretaria de Agricultura e Abastecimento, Universidade Estadual do Oeste
do Paraná e Universidade Tecnológica Federal do Paraná. As organizações não-governamen-
tais: Sistema de Cooperativa de Leite da Agricultura Familiar, Associação das Agroindústrias
Familiares do Sudoeste do Paraná, Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor, Cooperativa
Iguaçu de Prestação de Serviços, Cooperativa de Crédito com Integração Solidária, Institu-
to Maytenus, Movimento dos Atingidos por Barragens, Centro Regional de Associações dos
Pequenos Agricultores, Movimento dos Sem-Terra, Associação de Estudos, Orientação e As-
sistência Rural, ACESI/FETRAF e Associação das Casas Familiares Rurais.

105
Desenvolvimento territorial e agroecologia

volvimento territorial. Alguns Territórios, a exemplo do Sudoeste do Para-


ná, concretizaram um plano de metas de médio prazo, objetivado pelo Pla-
no Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS). A partir de
2004, o grupo gestor do território do Sudoeste do Paraná começa a ser orga-
nizado, estabelecendo as primeiras interações com as políticas do MDA.
A identidade do território no Sudoeste do Paraná é marcada pela
agricultura familiar, em cuja base permeiam diferentes relações de poder,
manifestas em diferentes organizações governamentais e não-governa-
mentais, como a ASSESOAR, o MST, prefeituras, a EMATER, produtores
de fumo, integrados à avicultura etc. Há uma diversidade de interesses que
podem se aproximar ou se distanciar, mas que têm na agricultura fami-
liar seu ponto de confluência, quer seja para seu fortalecimento ou para
sua superação. Na tentativa de ampliar o debate e a participação efetiva
dos diversos atores sociais sobre a abordagem territorial, o GGETESPA
promoveu a realização de oficinas microrregionais, nas quais levantou-
se o diagnóstico da realidade a partir das interpretações dos cerca de 250
participantes, além de debate referente ao papel da agricultura familiar, à
visão de futuro para este território e à definição de estratégias para atingir
as metas propostas para o desenvolvimento territorial. Segundo orientação
do MDA para a construção de planos territoriais de desenvolvimento rural
sustentável, é compreendida como:
[...] um conjunto organizado de diretrizes, estratégias e compromissos re-
lativos às ações que serão realizadas no futuro visando ao desenvolvimento
sustentável nos territórios, resultante de consensos compartilhados dos
atores sociais e o Estado, nas decisões tomadas no processo dinâmico de
planejamento participativo. (MDA, 2002, p. 10, grifo do autor).
O PTDRS construído no Sudoeste do Paraná reflete, sem dúvida, o
avanço das entidades da agricultura familiar no exercício de pensar estra-
tegicamente, planejando e priorizando as ações, partindo de um exercício
coletivo de diagnóstico da realidade territorial. Exigiu a pactuação de in-
teresses que contemplem as heterogeneidades dos territórios e “[...] que
atendam às principais demandas dos atores sociais, pois somente dessa
forma será possível a formação de alianças e parcerias, que concretizem o
capital social, em benefício do todo” (MDA, 2005, p. 21).
A construção do PTDRS do Sudoeste do Paraná teve por base o
diagnóstico e o debate realizado do papel da agricultura familiar como o
elemento de identidade territorial, além de uma reflexão teórico-metodo-
lógica10 referente ao conceito de território e da utilização da abordagem

10
A análise teórica e a sistematização das informações foram desenvolvidas pelos pesquisa-
dores do Grupo de Estudos Territoriais da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (GE-
TERR) e do Centro de Pesquisa e Apoio ao Desenvolvimento Regional da Universidade Tec-
nológica do Paraná (CEPAD).

106
Roselí Alves dos Santos | Walter Marschner

territorial como forma de superar uma visão fragmentada do campo e de


avançar na construção de uma outra perspectiva de desenvolvimento mul-
tidimensionalmente mais equilibrado.
Com base nas informações obtidas nas oficinas microrregionais, foi
estabelecida uma oficina geral com delegados/as escolhidos/as e os parti-
cipantes do GGETESPA, que avaliaram as estratégias e estabeleceram os
consensos e as ações centrais para o desenvolvimento do território com
base nos aspectos multidimensionais.
A metodologia para a construção do PTDRS, com base em uma
análise multidimensional, resultou em sua estruturação em seis eixos:
a) desenvolvimento humano e qualidade de vida; b) desenvolvimento
econômico; c) recuperação e gestão ambiental; d) educação do campo;
e) serviços sociais e infra-estrutura; f)organização e desenvolvimento
político institucional.
Estes eixos contemplaram os debates realizados ao longo do proces-
so de formação nas oficinas microrregionais e refletiram as ênfases atribuí­
das pelos diferentes atores sociais que compõem o território. Em contra-
partida, a definição das estratégias e ações definidas em cada um dos eixos
exige um planejamento com gestão participativa, reforçando a existência
do grupo gestor do território, assim como de uma coordenação política e
técnica que fomente o desenvolvimento e garanta a articulação entre os di-
ferentes atores sociais do território do Sudoeste do Paraná, bem como sua
articulação com o Estado.

Análise crítica
Apresentamos alguns questionamentos e análises sobre conceitos e catego-
rias presentes no debate sobre as estratégias de desenvolvimento rural sus-
tentável apresentadas pelo MDA. A análise é pertinente justamente porque
a construção do projeto de desenvolvimento territorial se encontra ainda
em fase de experimentação, havendo assim o distanciamento crítico dos
atores, condição para que não se institucionalizem, já de berço, visões li-
mitadas da complexidade territorial.

Superação do coorporativismo e busca de autonomia frente


ao Estado

O território é o lugar onde ocorrem as diferentes relações de poder que


extrapolam as fronteiras geográficas, dando-lhe forma. Considerando que
sua constituição tem por base a identidade do lugar e dos diferentes atores
sociais que o compõe, em uma perspectiva multidimensional, o desenvol-
vimento territorial é sem dúvida algo complexo, que exige articulações e
domínios de conflitos e conflitualidades explícitos e implícitos.

107
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Apesar do diagnóstico reforçar a identidade da agricultura familiar


como elo do território do Sudoeste do Paraná, foi justamente o caráter
de organização consensual, um dos vetores de tensionamento na constru-
ção do PTDRS. Compreendemos que o grande desafio de um planejamen-
to estratégico está, sem dúvida, na superação de posturas corporativistas
das organizações populares, onde se acaba apostando nas velhas relações
“clientelistas” onde cada um tenta aprovar o “seu projeto”. Também é im-
portante destacar que a nova relação com o governo, por outro lado, traz
o risco de esvaziar o conteúdo político das entidades das organizações,
estreitando seu raio de ação, limitando-se a executar políticas públicas. É
sintomático que no Sudoeste do Paraná o surgimento do Grupor Gestor do
Território relativizou outros espaços de articulação já existentes das enti-
dades, tais como os Fóruns municipais e regionais de entidades não gover-
namentais, que deixaram de se reunir, enfraquecendo o debate político. O
risco é de se drenar as forças da sociedade civil organizada canalizando-as
para a gestão do território, um espaço ainda bastante marcado pela agen-
da e pelo ritmo da política de um determinado governo, o que ainda não é
necessariamente o mesmo que política pública.

O capital social da agricultura familiar?


Em que pese o grande avanço no pensar territorial, a avaliação da
experiên­cia do Sudoeste do Paraná, observando as ênfases do próprio
MDA, por um lado, e os reais interesses das entidades governamentais
e não-governamentais da agricultura familiar na abordagem territorial
do desenvolvimento, por outro, percebe-se uma visão ainda monológica
de desenvolvimento, baseada numa leitura da realidade desde uma visão
economicista secundada por uma política de investimentos majoritaria-
mente de cunho técnico-produtivo.
Nesse sentido, é flagrante a adoção do discurso em torno do con-
ceito de “capital social”. A adoção do enfoque analítico do capital social,
ainda que prometa simplificar consideravelmente o trabalho de cientistas
sociais, de políticos, de investidores e de agentes e técnicos de agências de
governo (ou não), representa uma redução da complexidade de relações
sociais imbricadas no território à linguagem econômica, não raro limitan-
do a análise aos aspectos técnico-produtivos.
Segundo Abramovay, capital social é um recurso que permite que
um dado território possa melhor utilizar seus ativos econômicos (2000, p.
380), é uma reserva (stock)11 reserva que produz um fluxo de benefícios e

11
Segundo James Coleman, sociólogo da Universidade de Chicago, e um dos pais fundadores
da teoria do capital social, o capital social “como outras formas de capital, é produtivo, tor-
nando possível a realização de certos fins que não seriam atingíveis na sua ausência.” Ao

108
Roselí Alves dos Santos | Walter Marschner

uma ação coletiva mutuamente benéfica. Como o processo de integração


territorial à economia globalizada implica relações abstratas e impessoais
cada vez mais complexas, passa a figurar como fiel da balança, o que vai
garantir uma certa estrutura social para constituir as interfaces necessá-
rias para se pensar o desenvolvimento local conservando um mínimo de
autonomia. O capital social deve garantir um pouco de governança, dotan-
do os territórios, nos difíceis processos de integração e no desenvolvimen-
to nacional e global, de uma rede capaz de racionalmente discutir e plani-
ficar os impactos locais.
O problema da visão de capital social hegemonizada na política ter-
ritorial revela uma flagrante colonização econômica das relações sociais.
Dá-se aqui um processo em que estas passam a ser pensadas como uma
forma de capital – revelando um deslocamento do mundo dos negócios e
dos executivos para o campo das pesquisas sociais sobre o desenvolvimen-
to, no campo das agências de governo, dos organismos multilaterais e das
ONGs que incorporam a seu trabalho “o paradigma do capital social”12,
sob o qual sua compreensão de capital social fala-se em termos de “recur-
sos sociais”, de “bens socioemocionais”. As redes territoriais baseadas em
confiança, reciprocidade e cooperação – fatores típicos da sociabilidade da
agricultura familiar – são entendidas agora como “recursos associativos”
que conformam este novo tipo de capital. Ao incorporar as relações sociais
e as estruturas organizativas como um capital a ser explorado, a SDT en-
tra no campo das intersubjetividades, buscando assim maior capilaridade
para a sua proposta de desenvolvimento territorial e de integração do ter-
ritório na economia global.
Pode parecer que a concepção de capital social expresse uma forma
de valorização da protagonização dos atores sociais, o que é efetivamen-
te salutar e necessário ao desenvolvimento territorial, mas efetivamente
não se trata de aspectos similares. Por isso, a compreensão da relevância
do conceito de capital social está, sem dúvida, atrelada à concepção de
desen­volvimento que de fato se quer utilizar na construção da sustentabi-
lidade de determinado território. Para que o conceito de desenvolvimento
com uma abordagem territorial possa ser empregado com certa coerência

mesmo tempo, enfatiza a necessidade constante de investimentos nele: “igual que o capital
humano e com o capital físico, o capital social deprecia-se se não é renovado.” Cf. Coleman
(1990, p. 302, 321).
12
A partir do final da década de 1990, as relações sociais passaram a ser consideradas, concre-
tamente, como um “recurso” avaliado em termos de mercado. Como tal, pode ser “criado”,
“nutrido”, “sustentado” e “maximizado”. Agências de desenvolvimento como a CEPAL pro-
põem o uso do “novo paradigma do capital social” como forma de combater a pobreza. A
partir daí várias ONGs, em várias partes do mundo, passam a incluir esse conceito nos seus
programas de ação. Assim, o “capital social” passa a ser uma chave de leitura dos problemas
sociais, econômicos e políticos.

109
Desenvolvimento territorial e agroecologia

é preciso explicitar onde se pretende chegar. Isto nos remete a outra ques-
tão: até que ponto a abordagem territorial está sendo construída e como
ela efetiva um rompimento com a forma de desenvolvimento geradora de
diferentes mazelas que são apresentadas, pelo próprio MDA, como factí-
veis de serem superadas?

Abordagem territorial ou setorialmente diferenciada?


A proposta de desenvolvimento territorial não é nenhuma política de
radicalidade, e sim de readequação à lógica do mercado, a partir das
características locais. Na prática, as políticas estruturadas a partir do
Estado apresentam limites evidentes e, ainda que proponham a descen-
tralização das políticas e o empoderamento local, suas ações denotam
novas estratégias de controle e anexação das economias locais pelo ca-
pital globalizado.
Coerente com uma leitura ainda monológica do desenvolvimento,
a política de investimentos da SDT revela-se bastante orientada para im-
plantação de infra-estrutura, aquisição de equipamentos e tecnologias.
Ainda que o diagnóstico territorial do PTDRS do Sudoeste do Paraná
aponte para a necessidade de romper com a lógica produtivista para o
campo, caudatária de uma visão ultrapassada de ATER como difusionis-
mo tecnológico, a política orçamentária da SDT para o território em 2005
e 2006 destinou 90% dos recursos para investimentos em infra-estrutura
(aquisição de máquinas, edificações, comunicação, informatização en-
tre outros), e apenas 10% para investimento em custeio (cursos de capa-
citação, profissionalização, educação do campo), tendência que repete
em 2007 (dados do PTDRS, 2006 e do CONDRAF, 2007). O diagnóstico
aponta também para a necessidade de ações estruturantes, com forte de-
manda para formação ampla dos agricultores e lideranças, ênfases para
educação do campo, entre outras. São ações que demandam uma lógica
diferente de articular desenvolvimento com necessidade de linhas de in-
vestimento diferenciadas e recursos de custeio, o que ainda está fora das
prioridades orçamentárias da SDT.
Assim, sobressai a idéia do crescimento econômico, apesar do dis-
curso das inter-relações dimensionais e embora seja uma proposta de de-
senvolvimento territorial que se intitule como contraposição ao desen-
volvimento estritamente econômico. A definição de metas e estratégias
construídas de forma consensual entre os diferentes atores e segmentos
que compõem o território é um dos pontos fortes do desenvolvimento
territorial. Como convergir interesses tão distintos, quando o motor do
processo de desenvolvimento é a integração a mercados globalizados? A
contradição leva a crer que, ainda que o MDA proponha a abordagem ter-
ritorial, na prática o que se estabelece é a visão setorial.

110
Roselí Alves dos Santos | Walter Marschner

Conclusão: a necessidade de ações estruturantes


Para que políticas públicas estejam em sintonia com as demandas popula-
res é necessário um exercício permanente de fortalecimento das estruturas
de representação da sociedade civil, algo que, no regime de democracia
representativa, ainda encontra pouca ressonância. Diante da proposta de
desen­volvimento territorial introduzida pelo MDA, as entidades da socie-
dade civil do Sudoeste do Paraná, herdeiras das lutas em defesa da agri-
cultura familiar, têm como desafio dar aportes para um modelo de gover-
nança local que permita um equilíbrio entre integração e autonomia. É
necessário criar uma interface com políticas públicas e com relações de
mercado mais amplas, sem abrir mão de sua identidade, expressa nas re-
des territoriais baseadas em confiança, reciprocidade e cooperação – fato-
res típicos da sociabilidade da agricultura familiar.
Construir uma política de desenvolvimento a partir de uma aborda-
gem territorial exige uma análise endógena da realidade, a ser realizada
pelos seus atores sociais em articulação com outros atores situados “fora”
do território. É fundamental estudar e compreender as diferentes forças
que impulsionam ou são impulsionadas no território, estabelecer suas arti-
culações de modo a constituir uma rede de conhecimento, de informações
e de práticas sociais que balizam o desenvolvimento territorial. Nesses ter-
mos é que entendemos a necessidade urgente de ações estruturantes, que
devem preceder a implantação de tecnologias e infra-estruturas. Após dé-
cadas de ausência de políticas públicas, é preciso hoje investir em proces-
sos de formação que permitam formular uma nova visão do campo, supe-
rando a visão do rural, mais calcada na dimensão produtiva. Só assim se
dará o resgate de um modo de vida específico, a legitimação das identida-
des e dos elementos de coesão, com saberes e lógica diferenciada.

Referências

ABRAMOVAY, Ricardo. Transformações na vida camponesa: o sudoeste pa-


ranaense. (Tese de mestrado). São Paulo, Universidade de São Pau-
lo: 1981.
______. A Agricultura Familiar entre setor e o território. São Paulo, 2005.
Disponível em: < http://www.econ.fea.usp.br/abramovay/outros_
trabalhos/2005>. Acesso em: jun. 2006.
ALVES, Adilson F. et al. Sudoeste Paranaense: Colonização, estrutura fun-
diária e indicadores da modernização Agrícola. In: SAQUET, Mar-
cos; SPOSITO, E. S.; RIBAS, A. D. (Org.). Território e desenvolvimen-
to: diferentes abordagens. Francisco Beltrão: UNIOESTE, 2004.

111
Desenvolvimento territorial e agroecologia

andrade, Manuel C. A. A questão do território no Brasil. São Paulo:


Hucitec, 1995.
BATTISTI, Elir. As disputas pela terra no sudoeste do Paraná: os conflitos
fundiários dos anos 50 e 80 do século XX. In: CAMPO-TERRITÓ-
RIO: Revista de geografia agrária, v. 1, n. 2, p. 65-91, ago. 2006.
BONETTI, Lindomar W. A exclusão social dos caboclos do sudoeste do
Paraná. (Manuscrito não publicado), Francisco Beltrão, ASSE-
SOAR, 1997.
http://www.greenpeace.org.br/transgenicos/?conteudo_id=3207&sub_
campanha=0. Acesso em: abr. 2007.
COLEMAN, James. Foundations of Social theory. Cambridge, Londres
The Belknap Press of Harvard University Press, 1990.
DUARTE, Valdir. Desenvolvimento Territorial: ainda uma intenção. In:
Alves et al. (Org.): Espaço e território. Interpretações e perspecti-
vas do desenvolvimento. Francisco Beltrão: Unioeste, 2005.
FERES, João B. Propriedade da terra: opressão e miséria: o meio rural
na história social do Brasil. Amsterdam: CEDLA, 1990.
GIDDENS, Anthony. As consequências da Modernidade. 3. ed., São Pau-
lo: Editora Unesp.
GRAZIANO DA SILVA, José. A modernização dolorosa: Estrutura agrá-
ria, fronteira agrícola e trabalhadores rurais no Brasil. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1981.
Lazier, Hermógenes. Análise histórica da posse de terra no Sudoeste
Paranaense. 3. ed. Francisco Beltrão: Grafit, 1998.
MARSCHNER, Walter R. Die Kämpfe um MutterErde. Eine empirisch-qua-
litative Untersuchung über soziale Konflikte landloser Campesinos
in Südbrasilien unter besonderer Berücksichtigung raum-und Hand-
lungssoziologischer Kategorien. Disponível em: < http://www.sub.uni-
hamburg.de/opus/volltexte/2005/2606/>. Acesso em: jun, 2007.
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. Referências para uma
Estratégia de Desenvolvimento Rural Sustentável no Brasil. Brasília,
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, NEAD,
2005.
MONTENEGRO GÓMEZ, Jorge R.. Desenvolvimento em (Des)Construção
Narrativas Escalares Sobre Desenvolvimento Territorial Rural. (tese
de doutorado), Presidente Prudente: UNESP, 2006.
Musumeci, Leonarda. O mito da terra liberta. São Paulo, Vértice, AN-
POCS, 1988.

112
Roselí Alves dos Santos | Walter Marschner

TÖNNIES, Ferdinand. Gemeinschaft und Gesellschaft: Grundbegriffe


der reinen Soziologie. 3. ed. Darmstadt, Wissenschaftliche Buch-
gesellschaft, 1991.
VILELLA, Sergio L. Globalização e emergência de múltiplas ruralida-
des: Reprodução social de agricultores via produtos para nichos de
mercado. (Tese de Doutorado), Campinas: Unicamp, 1999.
Wanderley, Maria N. B. Raízes históricas do campesinato brasilei-
ro. In: Horácio Martins de Carvalho (Org). Campesinato no Sécu-
lo XXI. Petrópolis: Vozes, 2005.
WAIBEL, Leo. Leo Waibel als Forscher und Planer in Brasilien: vier Bei-
träge aus der Forschungstätigkeit 1947 – 1950. Stuttgart: Steiner,
1984.
WOORTMANN, Ellen F. und WOORTMANN, Klaas. O trabalho da terra:
A lógica e a simbólica da lavoura camponesa. Brasília: Editora
da UnB, 1997.

113
Parte II

Perspectivas da agroecologia e
experiências no Estado do Paraná
Agroecologia: limites e perspectivas
Rosângela Ap. de Medeiros Hespanhol
Geógrafa, Professora dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Geografia da
FCT/UNESP de Presidente Prudente-SP | Líder do Grupo de Estudos “Dinâmica Re-
gional e Agropecuária” (GEDRA), cadastrado no CNPq | rosangel@fct.unesp.br

A busca por uma vida saudável pressupõe, entre outras condições, o con-
sumo de produtos de boa qualidade. Essa constatação, aliada a uma maior
consciência ecológica, à crescente desconfiança nos sistemas de produção
de alimentos convencionais em decorrência de vários problemas ocorridos
recentemente, como a doença da vaca louca, a contaminação de alimen-
tos, o ressurgimento da febre aftosa, a expansão da gripe aviária e as mui-
tas dúvidas que ainda cercam os produtos transgênicos, tem levado a uma
crescente expansão do consumo de alimentos produzidos sem o emprego
de agrotóxicos.
Ocorre perguntar, afinal, o que diferencia esses produtos generica-
mente identificados como orgânicos dos convencionais? Será que todas as
formas de produção que não se utilizam de agrotóxicos podem ser caracte-
rizadas como sustentáveis em médio e longo prazo? Quais são os limites e
perspectivas da Agricultura Alternativa e da Agroecologia?
A partir dessas questões se procurou averiguar a importância da
produção ecológica no Brasil e discutir as vantagens e os problemas deste
tipo de produção realizada em pequena escala, bem como apontar alterna-
tivas para a sua expansão.
O presente texto está estruturado em três partes, além desta intro-
dução, das considerações finais e das referências. Na primeira se abordou

117
Desenvolvimento territorial e agroecologia

o processo de incorporação tecnológica ocorrida na agricultura ao longo


da história da humanidade e, especialmente, da intensificação desse mo-
vimento com a difusão do pacote da Revolução Verde após a II Guerra
Mundial e suas implicações socioambientais. Na segunda parte, o foco das
discussões esteve centrado no processo de ecologização da agricultura e os
diferentes/divergentes interesses nele representados, bem como os pressu-
postos da Agricultura Alternativa e da Agroecologia. Na terceira e última
parte se discutem as perspectivas e os desafios dos sistemas de produção
mais sustentáveis na agricultura de pequena escala.

Incorporação Tecnológica no Campo e Implicações


Socioambientais
Ao longo da história, o Homem desenvolveu técnicas e instrumentos com o
intuito de controlar e dominar a Natureza. Em relação à agricultura, hou-
ve, desde os tempos mais antigos, a preocupação em diminuir a dependên-
cia em relação à Natureza, especialmente no que diz respeito à fertilidade
dos solos e às condições climáticas, para aumentar a produção.
Apesar da experiência milenar do cultivo e da domesticação de ani-
mais, o domínio sobre as técnicas era muito precário, comprometendo a
produção de gêneros alimentícios para a população. De acordo com Ehlers
(1999), durante muitos séculos o aumento da produção visando a atender
às necessidades da população constituiu-se num dos maiores desafios da
Humanidade, sendo a fome responsável pela morte de milhares de pessoas
em diferentes momentos da história.
A construção de canais de irrigação, a adubação dos solos por meio
da utilização de esterco animal, cascas e restos de alimentos e a inven-
ção de equipamentos, como arados e moinhos, constituem exemplos do
desenvolvimento de técnicas e de instrumentos que contribuíram para
diminuir a dependência da agricultura em relação à natureza, garantin-
do o aumento efetivo da produção de alimentos, sem levar, entretanto, à
erradicação da fome.
Todavia, foi somente com a agricultura moderna, surgida nos sécu-
los XVIII e XIX, em diferentes regiões da Europa, que houve a adoção de
sistemas de cultivo que resultaram em significativos aumentos da produti-
vidade. Uma dessas inovações foi a rotação de culturas associada à criação
de animais que substituiu progressivamente a técnica do pousio, na qual
uma mesma área era cultivada por vários anos ininterruptos, em seguida
permanecendo por um período sem ser utilizada para que pudesse recupe-
rar a sua fertilidade natural. Essa técnica, no entanto, limitava a produção,
já que reduzia a área de cultivo. Assim, os produtores rurais passaram a
praticar a rotação de culturas, ou seja, a cultivar plantas diferentes na mes-
ma área, técnica que, além de propiciar a reposição dos nutrientes extraí-

118
Rosângela Ap. de Medeiros Hespanhol

dos do solo, possibilitou a utilização de toda a área disponível. A rotação de


culturas associada à atividade de criação tornou-se prática comum, sendo
que o esterco animal passou a ser amplamente utilizado na adubação or-
gânica do solo.
Com a Segunda Revolução Industrial ocorrida nos Estados Unidos
no final do século XIX e início do XX, foram criadas as condições para que
as descobertas científicas e tecnológicas, que até então se concentravam no
setor industrial, atingissem a agricultura. Entre estas inovações tecnológi-
cas destacaram-se: a) o melhoramento genético de espécies vegetais e dos
rebanhos; b) a utilização de fertilizantes químicos; e c) a mecanização das
atividades agrícolas.
A introdução e a expansão dessas tecnologias levaram ao abandono
progressivo do sistema de rotação de culturas e à separação entre a produ-
ção vegetal e animal, ao mesmo tempo em que possibilitaram a ampliação
da escala de produção, aumentando a disponibilidade de alimentos e de
matérias-primas.
As novas invenções que deram sustentação à Segunda Revolução In-
dustrial repercutiram fortemente na agricultura, especialmente no que diz
respeito ao uso do motor de combustão interna e à utilização do trator e do
arado de tração mecânica em substituição à tração animal.
A adoção de inovações tecnológicas pela agricultura provocou o au-
mento da sua dependência em relação ao setor industrial, já que ela passou
a demandar crescentemente máquinas, implementos e insumos químicos.
Esse processo de incorporação tecnológica, que inicialmente esteve
concentrado nos países desenvolvidos, foi expandido, a partir da II Guer-
ra Mundial, para vários países subdesenvolvidos, com a denominação de
Revolução Verde.
Para Martine e Garcia (1987), o pacote tecnológico da Revolução
Verde era composto de sementes melhoradas, de mecanização, de insumos
químicos e biológicos e prometia viabilizar a modernização agropecuária
de qualquer país, aumentando a sua produção, por meio de sua padroniza-
ção em bases industriais.
Segundo estes autores, para muitos países subdesenvolvidos a adoção
desse pacote tecnológico representava a possibilidade, por um lado, de alcan-
çar rapidamente a auto-suficiência alimentar e, por outro, de gerar a produ-
ção de um excedente agrícola negociável no mercado externo, repercutindo
positivamente em todos os setores da economia, em particular no industrial.
No Brasil, a incorporação do pacote tecnológico da Revolução Ver-
de, denominado de “modernização da agricultura”, se intensificou a par-
tir de meados dos anos 1960, em pleno período de ditadura militar. Nesse
contexto, os interesses da tríplice aliança formada pelo Estado, grandes
empresas de capital nacional e internacional foram fundamentais para a
consolidação desse processo.

119
Desenvolvimento territorial e agroecologia

O Estado brasileiro criou um aparato institucional altamente favo-


rável à modernização da agricultura, destacando-se a sua atuação em vá-
rias esferas, que implicaram:
a) a criação do Estatuto dos Trabalhadores Rurais (1963) e do Estatuto
da Terra (1964);
b) a concessão de crédito subsidiado por meio do Sistema Nacional de
Crédito Rural (1965);
c) o investimento em pesquisa agronômica e extensão rural, favorecen-
do a disseminação do modelo produtivista;
d) a política fundiária, valorizando a propriedade privada atrelada ao
mercado de terras e, ao mesmo tempo, controlando ou intervindo
nos movimentos sociais de trabalhadores rurais.

O rápido processo de adoção de inovações tecnológicas na agricul-


tura e a intensificação da concentração fundiária provocaram o êxodo de
milhares de colonos, parceiros, arrendatários e pequenos proprietários de
terras, os quais se deslocaram tanto para as novas regiões de fronteira agrí-
cola do Centro-Oeste e Norte, quanto para os centros urbanos mais indus-
trializados, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro.
O desencadeamento desses processos, por sua vez, gerou um grande
contingente de trabalhadores assalariados temporários em virtude da me-
canização das atividades agrícolas ter se dado de maneira parcial, ou seja,
concentrando-se em algumas fases do processo produtivo, especialmente
na colheita, quando há maior necessidade de mão-de-obra.
Destaca-se também que parcela significativa desses trabalhadores,
ao não ser absorvida pelo mercado de trabalho urbano ou ficar desempre-
gada ao ser substituída por máquinas nas atividades agrícolas, passou a se
organizar em movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), reivindicando o acesso à terra por meio da reali-
zação da reforma agrária.
A modernização da agricultura, além das implicações sociais negativas,
provocou o agravamento dos problemas ambientais derivados da compacta-
ção dos solos em razão da intensa mecanização das atividades agropecuárias
e da utilização indiscriminada de agrotóxicos. Dessa forma, tornaram-se fre-
qüentes, a partir dos anos 1970, “os casos de contaminação de trabalhadores
rurais, dos recursos hídricos, dos solos e das cadeias alimentares, incluindo os
animais, os alimentos e o próprio homem” (EHLERS, 1999, p. 41).
A partir dos anos 1980 houve o esgotamento do padrão de moderni-
zação da agricultura brasileira. O Estado brasileiro, grande financiador de
todo o processo de modernização por meio do estabelecimento de políticas
agrícolas e da disponibilização de recursos financeiros, passou a enfrentar
uma grave crise fiscal, tornando-se incapaz de continuar subsidiando todo

120
Rosângela Ap. de Medeiros Hespanhol

esse movimento. A agricultura convencional, grande absorvedora de má-


quinas, implementos e insumos químicos, começou a ser duramente criti-
cada pelos movimentos sociais e ambientalistas, os quais passaram a de-
monstrar a nocividade do pacote tecnológico da revolução verde ao solo, à
água, à atmosfera, aos animais e à própria saúde e bem-estar do homem.
Tornam-se, então, mais significativas algumas formas alternativas
de produção que empregam menos insumos externos e que, em conseqüên­
cia, agridem menos o meio ambiente. Parcela dos consumidores, sobretu-
do aqueles mais sensibilizados com os problemas ambientais, com maior
grau de escolarização e com maior poder aquisitivo, passam a valorizar os
produtos genericamente denominados de orgânicos, surgindo novos ni-
chos de mercado que passaram a ser atendidos por produtores rurais que
substituíram ou abandonaram o sistema convencional de produção por
outros menos agressivos ao meio ambiente e ao homem.
Não obstante essa mudança, ainda em curso, deve-se ressaltar que
as commodities agrícolas, como a soja, a cana-de-açúcar e a laranja, que
são produzidas em larga escala, continuam utilizando amplamente o mo-
delo convencional de produção, consubstanciado na intensa utilização de
máquinas, implementos, insumos químicos e de toda a parafernália tecno-
lógica colocada à disposição da agricultura pelas empresas multinacionais
que operam em âmbito global.

“Ecologização” da Agricultura: diferentes interesses envolvidos


Buttel (1995), ao analisar a história da agricultura em nível mundial nos
últimos cem anos, identificou dois processos distintos que a marcaram,
denominando-os de transições agroecológicas: o primeiro marco dessas
mudanças foi a Revolução Verde e o segundo, o atual processo de ecologi-
zação da agricultura.
O pacote tecnológico da Revolução Verde foi difundido inicialmente
nos países desenvolvidos e, posteriormente, nos subdesenvolvidos. No caso
do Brasil, em particular, o chamado processo de “modernização conserva-
dora da agricultura”, se, por um lado, levou a um aumento da produtivida-
de de algumas lavouras, sobretudo daquelas destinadas à exportação, ao
setor agroindustrial e/ou à produção de biocombustíveis, por outro resul-
tou no agravamento de diversos problemas, como enfatizam Muller; Lova-
to e Mussoi (2003, p. 103):


Cabe destacar também nesse processo a presença dos “neorurais”, isto é, indivíduos que
exercem atividades urbanas (como autônomos, funcionários públicos, empresários etc.) que
optaram por dedicar-se à produção ecológica.

A transição agroecológica pode ser definida como o processo gradual de mudança através
do tempo nas formas de manejo e gestão dos agroecossistemas, tendo como objetivo a pas-
sagem de um sistema de produção para outro.

121
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Além do alto custo econômico de sua manutenção, a exploração excessiva da


base dos recursos naturais levou a crescentes níveis de degradação e esgota-
mento dos solos, poluição das águas, intoxicações e contaminações de agri-
cultores por agrotóxicos, além de perda de biodiversidade. Por outro lado,
as políticas de desenvolvimento agrícola que viabilizaram a implementação
deste modelo tecnológico foram direcionadas à modernização das grandes
propriedades, aprofundando ainda mais as desigualdades e a exclusão social
no meio rural, principalmente em se tratando dos agricultores familiares.

Com o aprofundamento dos efeitos sociais e ambientais nos últimos


30 anos, intensificou-se, em escala mundial, o questionamento ao modelo
de agricultura produtivista, dando início à segunda transição agroecológi-
ca, que, iniciada no final do século XX é marcada pelo crescente questiona-
mento sobre a sustentabilidade do modelo produtivista propugnado pela
Revolução Verde e, até então, dominante, agravando sua crise. Em conse-
qüência, há a introdução de valores ambientais nas práticas agrícolas, na
opinião pública e na agenda política (BUTTEL, 1995), ao mesmo tempo
em que se abre a possibilidade de expansão de formas de produção que
têm como princípio fundamental uma relação de respeito com a Natureza
e que, portanto, seriam mais sustentáveis em médio e longo prazos.
As principais diferenças entre a agricultura sustentável e a conven-
cional, em termos tecnológicos, socioeconômicos e ecológicos, podem ser
visualizadas no Quadro 1.
Esse crescente processo de incorporação de preocupações ambien-
tais em relação à agricultura fomentou a discussão e levou à formulação
de perspectivas de análise e de intervenção antagônicas e conflitantes entre
si e que, em última instância, refletem diferentes interesses e posiciona-
mentos sobre os modelos de desenvolvimento dos países e sobre a própria
sustentabilidade. Nesse sentido, procurou-se identificar pelo menos duas
dessas perspectivas:
a) a que ainda concebe o desenvolvimento científico-tecnológico como
a única via capaz de resolver os problemas derivados da escassez de
alimentos e do esgotamento dos recursos naturais;
b) aquelas que se opõem a esta perspectiva tecnológica e propõem for-
mas mais sustentáveis, que poderiam ser agrupadas sob a denomi-
nação de Agricultura Alternativa, como por meio da Agroecologia
que é proposta como um “enfoque científico destinado a apoiar a
transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricul-
tura convencional para estilos de desenvolvimento rural e agricultu-
ra sustentáveis (CAPORAL; COSTABEBER, 2002, p. 71).


Deve-se destacar que, sob esta perspectiva, há atualmente um importante segmento da pes-
quisa e da experimentação em Agroecologia que ainda se concentra em aspectos agronômi-
cos, ou seja, vinculados aos aspectos tecnológicos da produção agropecuária.

122
Rosângela Ap. de Medeiros Hespanhol

Quadro 1 – Principais diferenças entre Agricultura Sustentável e Convencional


Agricultura Sustentável Agricultura Convencional

1. Adapta-se às diversas condições 1. Desconsideram-se as condições


regionais, aproveitando os recursos locais. locais, impondo pacotes tecnológicos.
2. Atua considerando o agrossistema 2. Atua diretamente sobre os indivíduos
como um todo, procurando antever as produtivos, visando somente ao aumento
possíveis conseqüências da adoção das da produção e da produtividade.
Aspectos
técnicas. O manejo do solo visa a sua 3. O manejo do solo, com intensa
Tecnológicos
movimentação mínima, conservando a movimentação, desconsidera sua
fauna e a flora. atividade orgânica e biológica.
3. As práticas adotadas visam a estimular
a atividade biológica do solo.

1. Grande diversificação. Policultura e/ou 1. Pouca diversificação. Predominância


rotação. de monoculturas.
2. Integra, sustenta e intensifica as 2. Reduz e simplifica as interações
interações biológicas. biológicas.
3. Agrossistemas formados por indivíduos 3. Sistemas pouco estáveis, com grandes
Aspectos
de potencial produtivo alto ou médio e possibilidades de desequilíbrios.
Ecológicos
com relativa resistência às variações das 4. Formado por indivíduos com alto
condições ambientais. potencial produtivo, que necessitam
de condições especiais para produzir e
são altamente suscetíveis às variações
ambientais.

1. Retorno econômico em médio e longo 1. Rápido retorno econômico, com


prazo, com elevado objetivo social. objetivo social de classe.
2. Relação capital/homem baixa. 2. Maior relação capital/homem.
3. Alta eficiência energética. Grande 3. Baixa eficiência energética. A maior
parte da energia introduzida é produzida parte da energia gasta no processo
Aspectos
e reciclada. produtivo é introduzida e, é, em grande
Socioeconômicos
4. Alimentos de alto valor biológico e sem parte, dissipada.
resíduos químicos. 4. Alimentos de menor valor biológico e
com resíduos químicos.

Fonte: Sistematizado por Carmo (1998).

123
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Em relação à primeira perspectiva, também denominada de “dupla-


mente verde”, o desenvolvimento tecnológico garantiria os atuais níveis de
produtividade obtidos na agricultura convencional, minimizando os efei-
tos ambientais da Revolução Verde por meio da adoção de novas tecnolo-
gias, como por exemplo, a biotecnologia e os produtos transgênicos. Para
as empresas transnacionais que têm seus interesses econômicos estrutu-
rados no padrão produtivista da agricultura, essa perspectiva é perfeita-
mente compatível com o atual modelo, devendo apenas ser praticada com
maior eficiência e racionalidade em termos ambientais.
De acordo com Ehlers (1995, p. 16), essa perspectiva
[...] refere-se a um conjunto de práticas bem definidas, que podem ser julga-
das como mais ou menos sustentáveis, conforme as previsões sobre a dura-
bilidade dos recursos naturais que empregam. A redução do uso de insumos
industriais (low input agriculture), a aplicação mais eficiente ou mesmo a
substituição dos agroquímicos por insumos biológicos ou biotecnológicos
seriam suficientes para a consolidação do novo paradigma (da sustentabi-
lidade). Nesse caso, a agricultura sustentável é algo bem mais palpável, um
objetivo de curto prazo.
A ideologia subjacente a esta perspectiva poderia ser resumida da
seguinte forma: mudar as práticas (ou parte destas) para se manter o atual­
padrão produtivista da agricultura e, sobretudo, o interesse das grandes
corporações transnacionais.
Para as tendências discordantes desta perspectiva tecnológica, re-
presentadas, sobretudo, pelas organizações não-governamentais e pelos
movimentos ambientalistas, a única forma de se garantir a sustentabilida-
de da agricultura é por meio da promoção de:
[...] transformações sociais, econômicas e ambientais em todo o sistema
agroalimentar. A erradicação da fome e da miséria, a promoção de melho-
rias na qualidade de vida para centenas de milhões de habitantes, a demo-
cratização do uso da terra ou mesmo a consolidação de uma ética social
mais igualitária são alguns dos desafios contidos na noção de desenvolvi-
mento e de agricultura sustentável (EHLERS, 1995, p. 16).
Nessas perspectivas que têm como foco central a sustentabilidade é
que poderíamos inserir a chamada Agricultura Alternativa e a Agroecolo-
gia, as quais, embora tenham surgido inicialmente de forma marginal e em
contraposição à agricultura convencional ou produtivista, apresentam-se
em expansão.
Assim, apesar do predomínio do padrão produtivista da agricultura
nos Estados Unidos e na Europa desde o início do século XX, persistiram
focos de resistência à adoção das inovações tecnológicas por meio de pes-
quisadores e grupos de produtores rurais que utilizavam práticas de culti-
vo que valorizavam a fertilização orgânica dos solos e o potencial biológico
dos processos produtivos (EHLERS, 1999).

124
Rosângela Ap. de Medeiros Hespanhol

Durante várias décadas, esses grupos defensores da chamada Agri-


cultura Alternativa persistiram em alguns pontos da Europa, dos Estados
Unidos e do Japão, sendo hostilizados tanto pela comunidade científica
internacional como pelo setor produtivo agrícola, mantendo-se, por isso, à
margem no cenário agrícola mundial (EHLERS, 1999).
Todavia, fatores como o agravamento dos problemas ambientais
(erosão dos solos), a crescente contaminação (dos recursos hídricos, dos
alimentos, do homem e dos animais), as perdas impostas à biodiversidade
genética (dentre outros), associados à pressão da opinião pública, manifes-
tada, sobretudo, por meio da mídia e das organizações não-governamen-
tais (ONGs), forçaram a discussão, em âmbito mundial, de novos parâme-
tros para se pensar o desenvolvimento e de novas formas de se produzir
no campo.
Nesse contexto, abriram-se novas perspectivas em termos de ex-
pansão das formas alternativas de agricultura que, a partir dos anos
1980, com o fortalecimento da noção de desenvolvimento sustentável,
passaram a ser agrupadas sob a denominação de agricultura sustentável
(EHLERS, 1999).
Na opinião de Paschoal (1995), o termo agricultura alternativa não
expressaria um novo modelo ou uma filosofia de agricultura, mas “tão so-
mente uma terminologia útil para reunir todos os modelos que têm idên-
ticos propósitos e técnicas semelhantes, que não se identificam com os
intentos puramente econômicos, imediatistas e pouco científicos da agri-
cultura químico-industrial” (PASCHOAL, 1995, p. 14).
Vale considerar, entretanto, que, embora inicialmente os grupos de-
fensores e praticantes da agricultura alternativa estivessem mais centra-
dos na preservação dos recursos naturais e na qualidade dos alimentos e
da vida humana, houve progressivamente a incorporação e a ampliação de
suas preocupações em termos de sustentabilidade, enfatizando, por exem-
plo, a importância dos aspectos sociais e culturais.
Os protagonistas e os princípios norteadores dessas várias formas
de produção englobadas sob a denominação de Agricultura Alternativa são
apresentados no Quadro 2.


Um marco dessas discussões foi a realização da Primeira Conferência Mundial sobre Meio
Ambiente que ocorreu em Estocolmo no ano de 1972. Nesse evento, “a concepção desen-
volvimentista passou a ser combatida, cedendo espaço, no plano das discussões, ao eco-
desenvolvimento e, a partir de meados dos anos 1980, ao desenvolvimento sustentável”
(HESPANHOL, 2006, p. 01).

125
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Quadro 2 – Principais formas de “Agricultura Alternativa”: protagonistas e princípios


básicos
  Principais protagonistas e seguidores Princípios básicos e alcance
Princípios: Uso de composto, plantas de
Albert Howard: desenvolve pesquisas na
raízes profundas, atuação de micorrizas
Índia (anos 1920); publica An agricultural
na saúde dos cultivos. Difundida em vários
testament na Inglaterra (1940). Técnicas
Agricultura continentes. O IFOAM – International
aprimoradas por L. E. Balfour (Método
Orgânica Federation of Organic Agriculture
Howard-Balfour). Introduzida nos EUA por J.
Movements - atua na harmonização de
I. Rodale (anos 1930). Outros: N. Lampkin
normas técnicas, certificação de produtos e
(1990).
intercâmbio de informações e experiências.

Rudolf Steiner desenvolve uma série de Princípios: Antroposofia (ciência espiritual),


conferências para agricultores na Alemanha preparados biodinâmicos, calendário
(anos 1920) e estabelece os fundamentos astrológico; possui marcas registradas
Agricultura
básicos da biodinâmica. Pesquisas práticas (Demeter y Biodyn). Muito difundida
Biodinâmica
realizadas nos EUA, Alemanha e Suíça na Europa. Presente no Brasil: Instituto
(p.e. PFEIFFER,1938; KOEPF, SHAUMANN; Biodinâmico de Desenvolvimento Rural,
PETTERSON, 1974). Estância Demétria e Instituto Verde Vida.

Mokiti Okada: Funda a Igreja Messiânica e


Princípios: Composto com vegetais
estabelece as bases da agricultura natural;
(inoculados com “microorganismos
M. Fukuoka: Método semelhante, porém
Agricultura eficientes”), valores religiosos e filosófico-
afastado do caráter religioso (Japão, anos
Natural éticos. Movimento organizado pela MOA-
1930). As idéias de Fukuoka se difundiram
International e WSAA (EUA). Shiro Miyasaka
na Austrália como Permacultura, através de
dirige a atuação da MOA no Brasil.
B. Mollison (1978).

Inicia-se com o método de Lemaire-


Princípios: A saúde dos cultivos e alimentos
Boucher (França, anos 1960). Grupo
depende da saúde dos solos; ênfase no
dissidente funda a “Nature et Progrès”.
Agricultura manejo de solos e na rotação de cultivos.
Grande influência do investigador francês
Biológica Influenciada pelas idéias de A. Voisin e pela
Claude Aubert, que critica o modelo
Teoria da Trofobiose (Chaboussou, 1980).
convencional e apresenta os fundamentos
Difundida na França, Suíça, Bélgica e Itália.
básicos de L’agriculture biologique (1974).

Surge nos EUA (anos 1970), estimulada Princípios: Conceito de agroecossistema,


pelo movimento ecológico e influenciada métodos ecológicos de análise de sistemas;
por trabalhos de Rachel Carson, W.A. tecnologias suaves, fontes alternativas de
Agricultura Albrecht, S.B. Hill, E.F. Schumacher. Na energia. Está difundida em vários países.
Ecológica Alemanha recebeu importante contribuição Sua introdução no Brasil está ligada a J.A.
teórico-filosófica e prática do professor Lutzenberger, L.C. Pinheiro Machado, A.M.
H. Vogtmann (Universidade de Kassel): Primavesi, A.D. Paschoal e S. Pinheiro,
Ökologicshe Landbau (1992). dentre outros.
Fonte: Elaborado por CAPORAL (1998, p. 47).

126
Rosângela Ap. de Medeiros Hespanhol

Apesar das diferenças em termos de princípios e alcance, há algu-


mas práticas que são comuns nessas várias formas de produção, podendo-
se destacar:
a) reciclagem dos recursos naturais presentes na propriedade agrícola, em
que o solo se torna mais fértil pela ação benéfica dos microrganismos [...]
que decompõem a matéria orgânica e liberam nutrientes para as plantas;
b) compostagem e transformação de resíduos vegetais em húmus no solo;
c) preferência ao uso de rochas moídas, semi-solubilizadas ou tratadas ter-
micamente, com baixa concentração de nutrientes prontamente hidrossolú-
veis, sendo permitida a correção da acidez do solo [...]; d) cobertura vegetal
morta e viva do solo; e) diversificação e integração de explorações vegetais
(incluindo as florestas) e animais; f) uso de esterco animal; g) uso de bio-
fertilizantes; h) rotação e consorciação de culturas; i) adubação verde; j)
controle biológico de pragas e fitopatógenos, com exclusão do uso de agro-
tóxicos; k) uso de caldas tradicionais (bordalesa, viçosa e sulfocálcica) no
controle de fitopatógenos; l) uso de métodos mecânicos, físicos e vegetativos
e de extratos de plantas no controle de pragas e fotopatógenos, apoiando-se
nos princípios do manejo integrado; m) eliminação do uso de reguladores
de crescimento e aditivos sintéticos na nutrição animal; n) opção germoplas-
mas vegetais e animais adequados a cada realidade ecológica; e o) uso de
quebra-ventos (CAMPANHOLA; VALARINI, 2001, p. 70).
Assim, devido a essas práticas comuns e, sobretudo, ao fundamento
que as originaram, ou seja, o maior respeito à natureza, existe, de acordo
com Dulley (2003, p. 98),
[...] um entendimento harmonioso entre as diversas correntes, no sentido de
que o fortalecimento da ideologia e do setor depende da união e do traba-
lho conjunto de agricultores, consumidores, processadores e comerciantes.
Para isso, são estabelecidos acordos sobre os critérios comuns adotados por
todos os segmentos, como já ocorre, por exemplo, no caso de um reconhe-
cimento por parte do Estado, de organizações/empresas certificadoras de
produtos orgânicos.
Dessa forma, o Estado brasileiro, ao regulamentar esse sistema
de produção, adotou a denominação genérica de orgânico, tornando as
demais denominações (biodinâmica, natural, biológicas, ecológica etc.)
como equivalentes. Esse procedimento também foi adotado por duas das
mais importantes certificadoras de produtos orgânicos do país: o Institu-
to Biodinâmico de Desenvolvimento (IBD) e a Certificadora Mokiti Okada
(DULLEY, 2003).
Em relação à Agroecologia, esta é definida por Altieri (1995 a) como
ciência ou disciplina científica que apresenta uma série de princípios, con-
ceitos e metodologias para estudar, analisar, dirigir e avaliar agroecossis-


De acordo com a Instrução Normativa nº 7 de Maio de 1999 do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento e a Lei nº 10 831 de 23 de Dezembro de 2003.

127
Desenvolvimento territorial e agroecologia

temas, com o objetivo de favorecer a implantação e o desenvolvimento de


sistemas de produção com maiores níveis de sustentabilidade. Entendi-
da desta forma, a Agroecologia poderia proporcionar as bases científicas
para se apoiar o processo de transição agroecológica para outras formas de
agricultura sustentáveis, tais como: a ecológica, a orgânica, a biodinâmica,
a regenerativa, a de baixos insumos externos, a biológica etc.
Como observa Altieri (1995 a), não se pode confundir a Agroecolo-
gia, entendida como uma disciplina científica ou ciência, com práticas,
tecnologias agrícolas ou sistemas de produção que poderiam ser engloba-
dos sob a denominação de agriculturas alternativas, pois, como enfatizam
Costabeber e Caporal (2001, p. 20), com base em Altieri (1989 e 1995 b),
embora a Agroecologia enfoque a agricultura numa perspectiva ecológica,
ela não se limita:
[...] a abordar os aspectos meramente ecológicos ou agronômicos da produ-
ção, uma vez que sua preocupação fundamental está orientada a compreen-
der os processos produtivos de uma maneira mais ampla. Isto é, encara os
agroecossistemas como unidade fundamental de estudo, onde os ciclos mi-
nerais, as transformações energéticas, os processos biológicos e as relações
socioeconômicas são investigadas e analisadas em seu conjunto. Dito de ou-
tro modo, a pesquisa agroecológica preocupa-se não com a maximização
da produção de uma atividade em particular, mas sim com a otimização do
agroecossistema como um todo, o que implica uma maior ênfase no conhe-
cimento, na análise e na interpretação das complexas interações existentes
entre as pessoas, os cultivos, os solos e os animais.

Nessa perspectiva, caberia à Agroecologia, apreendida como um


conjunto de conhecimentos, contribuir tanto para a realização de análises
críticas sobre a agricultura produtivista quanto para “[...] orientar o corre-
to redesenho e o adequado manejo de agroecossistemas, na perspectiva da
sustentabilidade” (CAPORAL; COSTABEBER, 2002, p. 16).
Todavia, como observam Moreira e Carmo (2004, p. 55):
A concretização da agroecologia não se dará com facilidade, visto que ela
pressupõe a construção de uma nova ciência comprometida com os interes-
ses sociais e ecológicos dos movimentos populares e com a articulação en-
tre ciências sociais e naturais na compreensão dos problemas socioambien-
tais da atualidade, buscando cada vez mais soluções realmente sustentáveis.
Pressupõe, ainda, um enfrentamento político com os interesses econômicos
que dominaram o desenvolvimento do capitalismo industrial na agricultura
durante os últimos 130 anos.
Além destas dificuldades de cunho geral relacionadas à Agroecolo-
gia, há outras que poderiam ser destacadas também em relação às diversas
formas de produção da Agricultura Alternativa. Não obstante essas dificul-
dades há que se destacar a importância dessas perspectivas em termos de
sustentabilidade socioambiental, sobretudo para aqueles que desenvolvem

128
Rosângela Ap. de Medeiros Hespanhol

a agricultura em pequenas propriedades rurais ou de pequena escala, po-


dendo se constituir no locus ideal ao desenvolvimento de sistemas de pro-
dução mais sustentáveis.

Agricultura Sustentável de Pequena Escala: perspectivas e


desafios

A adoção de legislação específica pelo governo brasileiro visando à regula-


mentação da produção orgânica e sua certificação ocorreu em virtude do
aumento da demanda por esses produtos no mercado interno. De acordo
com Campanhola e Valarini (2001, p. 72-73), pelo menos cinco razões po-
dem ser apontadas para se entender a ampliação do mercado de produtos
orgânicos no Brasil:
A primeira é que esta tenha partido dos próprios consumidores, preocu-
pados com a sua saúde ou com o risco da ingestão de alimentos que con-
tenham resíduos de agrotóxicos [...]. A segunda razão é que a demanda
tenha se originado do movimento ambientalista organizado, representado
por várias ONGs preocupadas com a conservação do meio ambiente, tendo
algumas delas atuado na certificação e na abertura de espaços para a comer-
cialização de produtos orgânicos pelos próprios agricultores [...]. A terceira
seria resultado da influência de seitas religiosas, como a Igreja Messiânica,
que defendem o equilíbrio espiritual do homem por meio da ingestão de ali-
mentos saudáveis e produzidos em harmonia com a natureza. A quarta ra-
zão [...] teria como origem os grupos organizados contrários ao domínio da
agricultura moderna por grandes corporações transnacionais [...]. E o quin-
to motivo seria resultado da utilização de ferramentas de “marketing” pelas
grandes redes de supermercados, por influência dos países desenvolvidos,
que teriam induzido demandas por produtos orgânicos em determinados
grupos de consumidores (grifos nossos).

Esse aumento da demanda por produtos orgânicos no país refle-


te, de certa forma, um processo mais geral em termos mundiais asso-
ciado à preocupação com a qualidade dos alimentos consumidos e com
a saúde, decorrente do crescimento da consciência ecológica aliada à
desconfiança no sistema de produção e de distribuição de alimentos
convencionais.
Assim, como observaram Willer e Yussefi (2001) apud Camargo et al.
(2004), a conversão de unidades produtivas do sistema convencional para
o orgânico entre os anos de 1986 e 1996 foi ampliada em 30,0% ao ano.


Segundo estes autores, “é difícil identificar quais dessas causas foram mais relevantes no aumento
do mercado de produtos orgânicos no país e, portanto, é mais sensato supor que houve uma com-
binação delas, não se descartando, porém, que em algumas localidades ou regiões possa ter havido
maior influência de umas do que outras” (CAMPANHOLA; VALARINI, 2001, p. 73).

129
Desenvolvimento territorial e agroecologia

A área total cultivada com produtos orgânicos no mundo em 2003


era de 23 milhões de hectares, abarcando mais de 460 mil propriedades ru-
rais, o que, entretanto, representava pouco menos de 1% do total das terras
com lavouras e pastagens do mundo. Essa área ocupada no sistema orgâ-
nico encontrava-se assim distribuída: 46,3% na Oceania; 22,6% na Europa;
20,8% na América Latina; 6,7% na América do Norte; 2,6% na Ásia; e, 1,0%
na África (WILLER; YUSSEFI, 2004).
Em termos de países, a maior parcela das áreas utilizadas no sis-
tema orgânico estava localizada na Austrália (10,5 milhões de hectares),
Argentina (3,2 milhões de hectares) e Itália (cerca de 1,2 milhão de hec-
tares).
Apesar da maior participação em termos de área da Oceania/Aus-
trália, a Europa se destacou em 2003 pelo maior número de produtores
envolvidos no sistema orgânico, que representavam 44,1% do total mun-
dial, pela importância do seu mercado consumidor e pela grande diver-
sidade de seus produtos. Cabe ressaltar que essa expansão do sistema
orgânico em vários países europeus, como Itália, Alemanha, França e
Reino Unido, por exemplo, deveu-se à conjugação de vários fatores, tais
como: o incentivo financeiro concedido aos produtores rurais por meio
de políticas públicas; a disponibilidade e a eficiência das informações aos
produtores e aos consumidores; o acesso e a disponibilidade de produtos
orgânicos; o papel do marketing (logomarca) e sua proteção legal; e a im-
plementação de um plano de desenvolvimento para agricultura orgânica.
(DAROLT, 2003).
Em relação ao Brasil, estima-se que em 2001 a área utilizada com o
sistema orgânico era de 275,6 mil hectares (0,08% do total), distribuídos
em 15 mil propriedades rurais (DAROLT, 2003).
No ano de 2006, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-
mento (MAPA) divulgou um diagnóstico do país, no qual se constatou que
800 mil hectares eram utilizados no sistema orgânico, envolvendo cerca
de 15 mil produtores. A distribuição da área e do número de produtores or-
gânicos segundo as regiões brasileiras pode ser verificada na Tabela 1.


“É importante destacar que os países que têm o maior percentual de área sob manejo orgâ-
nico em relação à área total destinada à agricultura, computam também a área de pastagem.
Assim, por exemplo, em países como a Austrália e Argentina, mais de 90% da área de produ-
ção orgânica correspondem à áreas de pastagem. O mesmo acontece nos países da Europa:
na Áustria 80% da área orgânica referem-se à pastagem; na Holanda, 56%; na Itália, 47%, e
no Reino Unido 79%.” (DAROLT, 2003, p. 01).

Em termos da participação de produtores no sistema orgânico, a distribuição é a seguinte:
Europa, com 44,1%, Ásia com 15,1%, América Latina com 19,0%, América do Norte com
11,3%, África com 9,9% e Oceania com apenas 0,6%.

Esse total se refere apenas às áreas cultivadas com lavouras e ocupadas pelas pastagens, não
se referindo às áreas de florestas (nativas ou plantadas).

130
Rosângela Ap. de Medeiros Hespanhol

Tabela 1 - Sistema Orgânico no Brasil: área cultivada e número de produtores – 2006


Área Número de Área Média
Regiões % %
(em ha) Produtores (Em ha)
Norte 8.000 1,0 600 4,0 13,3
Nordeste 72.000 9,0 1.950 13,0 36,9
Sudeste 80.000 10,0 1.500 10,0 53,3
Sul 120.000 15,0 10.200 68,0 11,7
Centro-Oeste 520.000 65,0 750 5,0 693,3
TOTAL 800.000 100,0 15.000 100,0 53,3
Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – 2006.

Nesta tabela destaca-se a Região Centro-Oeste em termos de área


com o sistema orgânico, embora o número de produtores envolvidos seja
relativamente pequeno e a área média ocupada seja elevada (693,3 hecta-
res), o que denota a presença de produção em larga escala. Nesse sentido,
torna-se pertinente questionar: será que este tipo de produção caracteri-
zado como orgânico pelo referido estudo pode ser considerado como sus-
tentável na perspectiva da Agroecologia? A produção realizada em larga
escala, com base na monocultura, adotando práticas alternativas como o
manejo integrado de pragas, o plantio direto e o emprego de matéria orgâ-
nica para a fertilização das lavouras podem ser efetivamente sustentáveis
em médio e longo prazo?
De acordo com Caporal e Costabeber (2002), uma agricultura ver-
dadeiramente de base ecológica não pode se restringir apenas à preo-
cupação ambiental, sendo fundamental incorporar outras dimensões,
como a social, a econômica, a cultural, a política e a ética. Segundo es-
ses autores,
[...] enquanto a corrente agroecológica defende uma agricultura de base
ecológica que se justifique pelos seus méritos intrínsecos ao incorporar
sempre a idéia de justiça social e proteção ambiental, independentemen-
te do rótulo comercial do produto que gera ou do nicho de mercado que
venha a conquistar, outras propõem uma “agricultura ecologizada”, que
se orienta exclusivamente pelo mercado e pela expectativa de um prêmio
econômico que possa ser alcançado num determinado período histórico, o
que não garante sua sustentabilidade no médio e longo prazos (CAPORAL;
COSTABEBER, 2002, p. 81).

A Região Sul, por sua vez, com a segunda maior área ocupada com
a produção orgânica no país, tem o mais expressivo número de produto-
res e a menor área média cultivada, o que a caracteriza como de pequena
escala de produção. A importância assumida pela produção orgânica na
Região Sul deve-se, dentre outros fatores, ao apoio institucional concedido
por meio das secretarias estaduais de agricultura e das empresas oficiais

131
Desenvolvimento territorial e agroecologia

de assistência técnica e extensão rural, além da presença de experiências


coletivas exitosas, como a da Associação de Agricultura Orgânica do Para-
ná (AOPA) e da Cooperativa Colméia (RS), por exemplo.
Dessa forma, acredita-se que, em virtude das suas próprias carac-
terísticas quanto a organização da unidade produtiva, as formas sus-
tentáveis em termos de agricultura encontram condições mais favorá-
veis de expansão em pequenas propriedades rurais do que nas médias
e grandes.
Assim, a adoção do sistema orgânico de produção por pequenos
proprietários rurais apresenta como principais vantagens:
a) a escala de produção, que, por ser menor, favorece a conversão pro-
dutiva e permite a produção em pequenas áreas;
b) a diversificação produtiva que, em virtude da integração do cultivo
de lavouras temporárias e/ou permanentes com a criação de ani-
mais, pode facilitar a adoção do sistema orgânico, ao mesmo tempo
em que garante maior estabilidade econômica;
c) o maior envolvimento direto do produtor e dos membros da famí-
lia, favorecendo tanto o maior controle sobre o processo produtivo
quanto a maior capacidade de absorção desta mão-de-obra;
d) a menor dependência de insumos externos, devido ao melhor apro-
veitamento dos recursos disponíveis na propriedade;
e) a possibilidade de eliminação do uso de agrotóxicos, que contribui
para a redução dos custos de produção; e
f) os menores custos envolvidos na produção, resultando em melhores
relações custo/benefício e maiores rendas efetivas.

Do ponto de vista da comercialização dos produtos orgânicos, há,


em virtude da menor escala de produção, uma maior vinculação ao espa-
ço local, que pode favorecer tanto “a formação de mercados regionais [...],
possibilitando a integração de interesses entre produtores, comerciantes
e consumidores” (ASSIS, 2003, p. 93), quanto a maior “interação com os
consumidores e a melhor adequação dos produtos conforme suas exigên-
cias, fortalecendo relações de confiança e credibilidade entre as partes en-
volvidas” (CAMPANHOLA; VALARINI, 2001, p. 76).
Nesse contexto, ganham cada vez mais importância formas de co-
mercialização no varejo que garantam maior autonomia ao produtor, pois
ele passa a ser o responsável pela distribuição dos produtos, por meio da
venda direta, que pode ser realizada: a) via entrega em domicílio de cestas
de produtos sob encomenda ou que são periodicamente solicitadas; b) em
lojas de produtos naturais, restaurantes, lanchonetes etc.; e c) em feiras
livres ou espaços especializados neste tipo de produção (CAMPANHOLA;
VALARINI, 2001).

132
Rosângela Ap. de Medeiros Hespanhol

Nas vendas realizadas no atacado, em virtude da pequena escala de


produção, as alternativas que se apresentam como interessantes aos pro-
dutores são as associações e/ou cooperativas, que, além de conseguirem
congregar um volume maior e mais diversificado de produtos, têm maior
poder de barganha com as redes varejistas. Não se submeter à intermedia-
ção realizada por terceiros é uma alternativa para que os produtores rurais
alcancem a sustentabilidade econômica e social.
A possibilidade de preços diferenciados dos produtos devido à sua
“marca” ecológica é um fator que também pode favorecer a produção em
pequena escala realizada por um grande e diversificado contingente de
produtores rurais, resultando na ampliação da oferta e na redução no pre-
ço dos produtos orgânicos em relação aos convencionais, ampliando seu
consumo.
Apesar desses vários aspectos favoráveis à produção orgânica em
pequena escala, há também inúmeros desafios a serem enfrentados, tais
como:
a) o pequeno volume produzido, a menor diversificação de produtos
e a irregularidade na oferta podem dificultar o estabelecimento de
contratos de fornecimento mais duradouros com compradores que
necessitam de maiores quantidades como lojas especializadas, res-
taurantes, hospitais, escolas etc. e redes varejistas;
b) a falta de assistência técnica oficial e de preparo ou formação espe-
cífica dos extensionistas para prestar assistência técnica em agri-
cultura orgânica pode comprometer o processo de conversão da
agricultura convencional para este tipo, bem como garantir a sua
manutenção;
c) os problemas de acesso às informações sobre a produção orgânica,
as técnicas e as formas de manejo, as alternativas de comercializa-
ção, o acesso ao crédito, além das dificuldades dos produtores em
se organizarem coletivamente em associações e/ou cooperativas, po-
dem atrasar ou restringir o processo de expansão;
d) as dificuldades financeiras enfrentadas durante o processo de con-
versão da produção convencional para a orgânica podem desestimu-
lar os produtores que sobrevivem da agricultura;
e) os altos custos que envolvem a certificação e o acompanhamento rigo-
roso dos critérios para mantê-la implicam a necessidade de um siste-
ma que seja estruturado num processo que seja participativo, descen-
tralizado e que gere credibilidade entre os vários agentes envolvidos10.

10
Uma das críticas mais freqüentes a esta forma de certificação orientada pelas empresas na-
cionais e internacionais diz respeito ao alto custo e à centralização do poder de decisão so-
bre a concessão do selo.

133
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Os produtores que desenvolvem a agricultura de pequena escala e


que, por motivos diversos, ficaram à margem do processo de moderniza-
ção da agricultura, ou que se viram obrigados a abandonar os procedimen-
tos, práticas e/ou inovações tecnológicas, devem se constituir como priori-
tários nas políticas públicas que estimulem e criem as condições objetivas
para a expansão de sistemas produtivos mais sustentáveis. Nesse sentido
também devem ser criados programas que garantam preços mínimos para
os produtos, apoio integral em termos de assistência técnica e extensão ru-
ral, de informações aos produtores e aos consumidores sobre os benefícios
da agricultura ecológica etc.
A participação de organizações não-governamentais (ONGs) e de
agricultores, através de suas associações e entidades representativas, e,
mais recentemente, do apoio de órgãos oficiais de pesquisa e extensão ru-
ral, nesse processo de transição, é fundamental para garantir sua conti-
nuidade e expansão a todos os produtores de pequena escala que desejem
adotar formas mais sustentáveis de agricultura.

Considerações Finais
Podemos afirmar que existe consenso entre os especialistas de que o mo-
delo produtivista de agricultura derivado da Revolução Verde está em crise
e que é necessário (urgente) mudar a forma de produzir e de se relacionar
com o meio ambiente. Todavia, saber como, de que forma e a quem essa
mudança beneficiará efetivamente são questões fundamentais e que de-
vem ser discutidas pela sociedade.
Devemos reconhecer também que vivemos num período de transi-
ção e que, como tal, coexiste tanto o modelo convencional de agricultura,
responsável pela grande produção de commodities, quanto o feito por for-
mas alternativas de produção que se apresenta em expansão.
Apesar da existência de experiências de agricultura alternativa no
país, a configuração final do processo de transição agroecológica visando a
uma agricultura sustentável ainda não está determinada a acontecer de uma
única forma, além do que ainda não há garantias de que sua implementação
seja realizada de forma ampla, devido ao fato dessa transição ter se apresen-
tado como um processo muito complexo, tendo em vista a multiplicidade de
fatores e de variáveis a serem considerados para sua efetivação.
Nesse contexto, cabe ressaltar a importância de se considerar o pa-
pel ativo a ser desempenhado pelos sujeitos desse processo de transição,
ou seja, os produtores rurais. Não obstante as inúmeras vantagens apre-
sentadas pela agricultura de pequena escala, eles (os produtores rurais)
consideram um conjunto de aspectos (econômicos, sociais, culturais etc.)
como orientadores de suas decisões de mudança. Assim, no plano indivi-
dual, a conversão ou não para sistemas mais sustentáveis dependerá não

134
Rosângela Ap. de Medeiros Hespanhol

apenas das possibilidades e limitações em termos de recursos (econômi-


cos, de acesso à terra, de disponibilidade de mão-de-obra familiar etc.)
e apoio externo (como da extensão rural) apresentadas pelos produtores,
como também dos projetos e alternativas adotados para manutenção do
patrimônio familiar.
Portanto, se a conjuntura política, institucional e econômica rela-
cionada ao setor agropecuário se constitui num fator importante na toma-
da de decisões pelo produtor, as especificidades da dinâmica social, políti-
ca e econômica local/regional bem como a própria forma de organização
da unidade produtiva são elementos que vão influenciar na conversão ou
não para a agricultura alternativa. Nesse contexto, ganham relevância as
experiências de ações coletivas de produtores e as associações e cooperati-
vas, que podem contribuir significativamente para a consolidação de for-
mas de produção mais sustentáveis.

Referências

ALTIERI, M. A. Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternati-


va. Rio de Janeiro: PTA/FASE, 1989.
______. El “estado del arte” de la agroecología y su contribución al desar-
rollo rural en América Latina. In: CADENAS MARÍN, A. (Ed.). Agri-
cultura y desarrollo sostenible. Madrid: MAPA, 1995a. p.151-203 (Se-
rie Estudios).
______. Entrevista. Agricultura Sustentável, Jaguariúna, v.2, n.2, p.5-11, jul./
dez. 1995b.
ASSIS, R. L. Globalização, desenvolvimento sustentável e ação local: o
caso da agricultura orgânica. Cadernos de Ciência e Tecnologia, Bra-
sília, v. 20, nº 01, p. 79-96, Jan./Abr. 2003.
BRASIL – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Programa
de Desenvolvimento da Agricultura Orgânica - PRO-ORGÂNICO. Bra-
sília: MAPA, Plano 2004/2007.
BUTTEL, F.H. Transiciones agroecológicas en el siglo XX: análisis prelimi-
nar. Agricultura y Sociedad, nº 74, Jan./mar, 1995.
CAMARGO, A. M. M. P.; CAMARGO FILHO, W. P; CAMARGO, F. P.; ALVES,
H. S. Produção em agropecuária orgânica: considerações sobre o qua-
dro atual. Informações Econômicas, São Paulo, v. 34, nº 07, Jul. 2004.
CAMPANHOLA, C.; VALARINI, P. J. A agricultura orgânica e seu potencial
para o pequeno agricultor. Cadernos de Ciência e Tecnologia, Brasília,
v. 18, nº 03, p. 69-101, Set./Dez. 2001.

135
Desenvolvimento territorial e agroecologia

CAPORAL, F. R. La extensión agraria del sector público ante los desafíos del
desarrollo sostenible: el caso de Rio Grande do Sul, Brasil. Córdoba,
1998. 517p. (Tese de Doutorado).
CAPORAL, F. R; COSTABEBER, J. A. Agroecologia e desenvolvimento rural
sustentável. Perspectivas para uma nova Extensão Rural. In: Etges­,
Virgínia Elisabeta (Org.). Desenvolvimento rural: potencialidades em
questão. Santa Cruz do Sul: EDUSC, 2001; p.19-52.
______. A. Agroecologia. Enfoque científico e estratégico. Agroecologia e
Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 03, nº 02, p. 13-
16, 2002.
CARMO, M. S. A produção familiar como locus ideal da agricultura sustentá-
vel. Agricultura em São Paulo, São Paulo, v. 45, nº 01, p. 01-15, 1998.
DAROLT, M. R. Situação da agricultura orgânica em 2003. Disponível em:
<http://www.planetaorgânico.com.br>. Acesso em: jan. 2007.
DULLEY, R. D. Agricultura orgânica, biodinâmica, natural, agroecológica
ou ecológica? Informações Econômicas, São Paulo, v. 33, nº 10, p.
96-99, 2003.
EHLERS, E. Agricultura sustentável: origens e perspectivas de um novo pa-
radigma. 2. ed. Guaíba: Agropecuária, 1999. 157 p.
______. Possíveis veredas da transição à agricultura sustentável. Agricultura
Sustentável, CNPMA/EMBRAPA, v. 02, nº 02, p. 12-22, Jul/Dez. 1995.
HESPANHOL, A. N. Agricultura, desenvolvimento e sustentabilidade. In:
XVIII Encontro Nacional de Geografia Agrária, Rio de Janeiro, Anais
do XVIII Encontro Nacional de Geografia Agrária. UERJ, 2006, p. 1-26.
MARTINE, G.; GARCIA, R. C. (Org.). Os impactos sociais da modernização
agrícola. São Paulo: Caetés, 1987. 271 p.
MOREIRA, R. M.; CARMO, M. S. Agroecologia na construção do desenvol-
vimento rural sustentável. Agricultura em São Paulo, v. 51, nº 02, p.
37-56, jul./Dez. 2004.
MULLER, J. M.; LOVATO, P. E.; MUSSOI, E. M. . Do tradicional ao agroe-
cológico: as vereda da transição (o caso dos agricultores familiares
de Santa Rosa de Lima/SC). Eisforia (UFSC), Florianópolis, v. 1, n.
1, p. 98-121, 2003.
PASCHOAL, A. D. Modelos Sustentáveis de Agricultura. Agricultura Sus-
tentável, Jaguariúna, ano 2, nº 1, p. 11-16, Jan./jun.1995.
WILLER, H.; YUSSEFI, M. (Org.) The World of Organic Agriculture:
Statistics and Future Prospects. 5th revised edition [s.l.]: IFOAM Pu-
blication, Feb. 2003, 130 p.

136
Reflexões sobre a Agroecologia no Brasil
Adriano Arriel Saquet
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Ciências Agrárias (Universität Hohenheim,
Alemanha, Professor Adjunto do Centro Federal de Educação Tecnológica de
São Vicente do Sul-RS | adrianosaquet@hotmail.com

A agricultura orgânica tem se desenvolvido rapidamente no mundo nos


últimos anos e está sendo praticada atualmente em aproximadamente 120
países. A perspectiva é de que a área cultivada, bem como o número de pro-
priedades, continue aumentando. Além disso, é de se presumir que mui-
tas propriedades não certificadas estejam produzindo em muitos países
(WILLER; YUSSEFI, 2006). De acordo com esses autores, mais de 30 mi-
lhões de hectares são cultivados organicamente por, no mínimo, 623.174
propriedades espalhadas pelo mundo. Um aspecto positivo é que a comer-
cialização de produtos orgânicos também está acompanhando esse cresci-
mento na produção, não somente na Europa e na América do Norte, que
são os maiores mercados consumidores, mas também em outros países da
América Latina, África, Ásia e Oceania.
Atualmente, os países com maior área cultivada no sistema or-
gânico são a Austrália com 12,1 milhões de hectares, a China com 3,5
milhões de hectares e a Argentina com 2,8 milhões de hectares cultiva-
dos. Percebe-se, no entanto, ao se analisar os percentuais, com relação
à área total agricultável dos países, que os maiores números estão na
Europa. No total, a Oceania responde por 39% da área cultivada orga-
nicamente no mundo, seguida pela Europa com 21% e a América La-

137
Desenvolvimento territorial e agroecologia

tina com 20%, sendo que esta possui o maior número de propriedades
rurais com o sistema de cultivo orgânico (WILLER; YUSSEFI, 2006). É
de se presumir, com isso, que a Austrália possua propriedades maiores
que os outros países.

Situação atual da agricultura orgânica na América Latina


Na América Latina muitos países têm mais de 100.000 hectares cultiva-
dos organicamente com início recente e que apresentam um crescimen-
to acelerado. O total de área cultivada organicamente e certificada está
em torno de 6,4 milhões de hectares com um adicional de 6 milhões de
hectares de florestas certificadas e áreas nativas. Quase todos os países
da América Latina possuem um setor orgânico, embora o nível de desen­
volvimento varie bastante. Os países com maior proporção de áreas­ or-
gânicas são o Uruguai, a Costa Rica e a Argentina, que tem a maior
parte de seus 2,8 milhões de hectares cultivados organicamente coberta
por pastagens.
Em geral, o movimento pelo cultivo orgânico na América Latina tem
se desenvolvido por conta própria dos produtores, pois é muito raro a exis-
tência de subsídios governamentais ou ajuda financeira direta para este
fim. A exceção entre os países é o Brasil, onde o governo tem direcionado
incentivos à produção orgânica, pesquisa, formação de associações, mer-
cado e geração de emprego.
A Costa Rica e alguns outros países têm disponibilizado suporte
financeiro para pesquisa e ensino. A Argentina e o Chile possuem al-
gumas agências oficiais de exportação ajudando os produtores atender
às exigências internacionais de importação, elaborando catálogos de
produtos.
A exportação é uma das prioridades que tem acontecido na América
Latina. Dos grãos de café e bananas da América Central ao açúcar no Para-
guai e cereais e carne na Argentina, o mercado de produtos orgânicos tem
sido orientado para mercados estrangeiros.

Comparativo entre os sistemas de cultivo orgânico e


convencional

O Quadro 1 apresenta algumas diferenças básicas entre o sistema de


cultivo convencional e o sistema de produção orgânico. Pode-se perce-
ber que as diferenças envolvem não somente os métodos e técnicas de
cultivo, mas também alguns fatores sociais tais como a inclusão social
com a geração de empregos no campo, a saúde do produtor e consumi-
dores, além das questões relacionadas à preservação do meio ambiente
como um todo.

138
Adriano Arriel Saquet

Quadro 1 – Breve comparativo entre os sistemas de cultivo orgânico e convencional


Cultivo Convencional Cultivo Orgânico
- Tecnologia de produtos (aquisição de insumos) - Tecnologia de processos (envolve a relação:
planta, solo e ambiente).

- Uso de pesticidas - Resistência natural e alternativas


- Fertilizantes químicos-sintéticos - Fertilizantes orgânicos
- Baixo teor de matéria orgânica no solo - Solo rico em matéria orgânica
- Falta de manejo e cobertura do solo - Mantém a cobertura do solo
- Monocultura - Rotação de culturas e biodiversidade

- Erosão do solo, empobrecimento da vida - Equilíbrio do solo e meio ambiente


microbiana - Aumento do húmus, microrganismos e insetos
- Erradicação dos inimigos naturais benéficos
- Desequilíbrio mineral - Equilíbrio nutricional

- Água e alimentos contaminados - Água e alimentos sadios


- Contaminação e deterioração do ecossistema - Ecossistema equilibrado e saudável
- Descapitalização - Sistema auto-sustentável
- Geração de emprego e fixação do homem no
campo

Tauscher et al. (2003) comentam, de forma comparativa e resumida, as


principais diferenças entre o sistema convencional e o orgânico, como segue:
O sistema de produção convencional é, na maioria das vezes, carac-
terizado por uma menor biodiversidade de espécies, enfocando as mono-
culturas. As propriedades podem ser conduzidas ou gerenciadas de forma
mais liberada. Os métodos e técnicas de produção são usados e ampliados
através de um maior consumo de insumos agrícolas e energia. Solos e tra-
balho são substituídos por capital e tecnologias. A produção é biológica,
porém, com muito emprego da química e técnicas mecanizadas. Esse sis-
tema coloca o volume de produção em primeiro plano, canalizando-a para
grandes mercados. É um sistema de produção marcado pelas monocultu-
ras, com o preparo e uso do solo de forma intensiva, onde os resíduos de
colheitas e/ou adubação verde são trabalhados com emprego de alta quan-
tidade de energia e implementos agrícolas.
A nutrição mineral das plantas é realizada através do emprego de
fertilizantes sintéticos, sendo o uso de reguladores de crescimento muito
comum. Para a proteção das plantas contra pragas e doenças são usados os

139
Desenvolvimento territorial e agroecologia

mais diversos defensivos agrícolas, embora não sejam observadas as doses


e os períodos de carência dos produtos utilizados.
Com relação à proteção do meio ambiente e ecologia, são utilizados
os recursos naturais existentes, e muitas vezes, levados em conta, alguns
conceitos relacionados à proteção de recursos bióticos e abióticos; entre-
tanto na maioria das vezes não são levados em conta os princípios de pre-
servação ambiental, priorizando-se a ambição econômica em questão. O
emprego de organismos geneticamente modificados e/ou outras técnicas
da engenharia genética são permitidos.
O sistema de produção orgânico é mais complexo e orientado. A or-
ganização da propriedade é grande e apresenta uma elevada biodiversidade
de espécies. Emprega muita adubação verde com espécies leguminosas para
fins de produção e preservação de solos e ambiente em geral. Nele aconte-
ce uma pequena substituição do solo e do trabalho por capital e insumos. A
produção é totalmente ecológica visando à qualidade elevada dos produtos.
A fertilidade natural do solo é preservada através do emprego de
métodos conservativos com o uso de estercos, adubação verde e restos de
colheitas, o que eleva bastante a atividade microbiana e melhora a estru-
tura física dos solos.
Para a nutrição mineral das plantas ocorre uma otimização nos proces-
sos de simbiose entre microrganismos e vegetais, para fixação de nitrogênio
atmosférico. O emprego de fertilizantes sintéticos como complementos é mui-
to controlado e o uso de reguladores de crescimento é totalmente proibido.
Ao invés de defensivos agrícolas sintéticos são usados métodos e
técnicas visando à estabilização do sistema num todo. Exemplos são o uso
do controle biológico de pragas e doenças através de inimigos naturais e
outras técnicas. A regulação da ocorrência de plantas invasoras é realiza-
da mediante controle mecânico, térmico e através da concorrência natural
das plantas cultivadas com as invasoras. Produtos químicos naturais são
empregados, mas de forma limitada.
Há proteção do meio ambiente. Recursos não renováveis são pou-
pados. A manutenção e a preservação de todos os elementos e processos
envolvidos na estabilização do sistema agroecológico possuem uma impor-
tante função agronômica. Com isso se valoriza e enriquece a biodiversida-
de e a paisagem. O emprego de técnicas que envolvem manipulação genéti-
ca e/ou o uso de organismos geneticamente modificados não é permitido.

Argumentos em favor da agricultura orgânica


Dentre os 90 argumentos em favor da agricultura orgânica, mencionados
por um grupo de pesquisadores suíços do Instituto de Pesquisa sobre Agri-
cultura Orgânica, em Frick, Suíça, cabe aqui mencionar e comentar resu-
midamente 30 deles (SCHMUTZ et al., 2006):

140
Adriano Arriel Saquet

1) O leite procedente de vacas criadas no sistema orgânico possui


maiores quantidades do ômega 3. Sabe-se da importância deste áci-
do graxo na prevenção de doenças circulatórias e do câncer.
2) Frutas e hortaliças orgânicas contêm maiores concentrações de ele-
mentos funcionais tais como flavonóides e resveratrol, os quais são
antioxidantes muito eficientes que retardam o processo de envelhe-
cimento e previnem doenças do coração. Além disso, no caso especí-
fico da maçã, a orgânica possui mais fósforo, fibras, fenóis, melhor
textura e sabor.
3) Batatas orgânicas possuem, tendencialmente, maiores concentra-
ções de vitamina C, que está envolvida em vários processos me-
tabólicos no organismo e, dentre estes, também é um excelente
antioxidante, agindo de forma eficiente contra os processos de enve-
lhecimento dos tecidos.
4) Saladas folhosas contêm menores concentrações em nitratos, que,
em excesso, são prejudiciais ao organismo.
5) Produtos orgânicos, de maneira geral, possuem menos defensivos
agrícolas, em média 50 a 70% menos resíduos de produtos químicos.
6) Alimentos orgânicos possuem somente produtos permitidos. Os
produtos orgânicos são produzidos de acordo com a legislação es-
pecífica.
7) As plantas cultivadas neste sistema são poupadas dos produtos quí-
micos. Como visto anteriormente, são usados somente produtos na-
turais e permitidos pela legislação.
8) Os produtores não precisam usar herbicidas para o controle de plan-
tas daninhas. São usadas técnicas e/ou produtos alternativos para o
combate das plantas invasoras.
9) Pragas e doenças são eliminadas ou afastadas através do uso de pro-
dutos naturais permitidos pela legislação.
10) A agricultura orgânica não utiliza organismos geneticamente modi-
ficados. Os produtores trabalham num sistema natural, por isso é
proibido o uso de plantas, animais e insumos geneticamente modi-
ficados.
11) Animais criados no sistema alimentam-se com pastagens orgânicas.
12) Produtos orgânicos são protegidos por legislação específica que con-
trola todo o processo.
13) Propriedades orgânicas são bem controladas, pois são inspeciona-
das periodicamente.
14) Cada vaca pare sua própria cria, tudo ao natural. Transferência de
embriões é proibido.

141
Desenvolvimento territorial e agroecologia

15) Hormônios ou outras substâncias estimuladoras do crescimento são


proibidas na alimentação dos animais ou na produção vegetal.
16) Terneiros criados no sistema orgânico bebem leite orgânico.
17) Animais vivem ao ar livre e não confinados, podendo pegar sol, chu-
va e vento.
18) Animais doentes são tratados com produtos naturais, através de mé-
todos e técnicas alternativas.
19) Os pássaros preferem os pomares e campos orgânicos. Em experi-
mentos realizados, foi constatado que os campos e as margens das
lavouras orgânicas têm 25% mais pássaros do que no sistema con-
vencional.
20) Os solos são mais ricos em sua fauna. Em solos orgânicos foram
detectadas maiores populações de pequenos animais e, no caso das
minhocas, 50% a mais do que no sistema convencional. Além disso,
predadores naturais vivem em maior quantidade neles.
21) As minhocas preferem solos orgânicos. Em função dos teores de
matéria orgânica mais elevados e de menores concentrações de pro-
dutos químicos vivem melhor e por mais tempo neles.
22) Os solos são melhor conservados. Apresentam melhor estrutura e
porosidade, retendo, pois, mais água das chuvas e diminuindo o es-
coamento superficial.
23) Os solos possuem 40% mais micorrizas do que os solos da produção
integrada. Micorrizas são fungos simbióticos que fixam nitrogênio
atmosférico tornando-o disponível ao vegetal pois localizam-se no
sistema radicular das plantas.
24) A água do subsolo não é contaminada. Em conseqüência dos tipos
de adubos, muito pouco nitrato atinge os lençóis freáticos.
25) A agricultura orgânica preserva rios e lagos, pois as contaminações
dos mananciais são mínimas.
26) A agricultura orgância consome menos energia em função da menor
dependência externa de insumos e equipamentos.
27) Solos orgânicos estabilizam o clima pois o húmus absorve CO2. A
agricultura orgânica reduz a emissão de amônia e o fato de usar me-
nos nitrogênio reduz a formação de N2O nos solos.
28) A agricultura orgânica libera menos dióxido de carbono pelo fato de
não usar fertilizantes sintéticos e defensivos agrícolas.
29) A agricultura orgânica absorve mais dióxido de carbono do ar. Isso
acontece devido à retenção no húmus e através da fotossíntese rea-
lizada pela vegetação, a qual tem maior diversidade.

142
Adriano Arriel Saquet

30) A agricultura orgânica tem um caráter mais social. Diminui os cus-


tos com a saúde da população em geral, porque os alimentos são
mais saudáveis. Promove inclusão social das pessoas no campo e
melhora a saúde do produtor, o qual não se envolve diretamente
com produtos químicos perigosos.

Agricultura Ecológica: limites e perspectivas


A agroecologia nos faz lembrar de uma agricultura menos agressiva ao
meio ambiente, que promove a inclusão social, proporciona melhores con-
dições econômicas para os agricultores, aliada à segurança alimentar dos
próprios produtores e consumidores em geral. Nesse sentido, há oferta de
alimentos ecológicos praticamente isentos de resíduos químicos, em opo-
sição ao sistema convencional que usa quantidades elevadas de defensivos
agrícolas e fertilizantes sintéticos, além de outras substâncias como hor-
mônios ou até mesmo organismos geneticamente modificados.
A agroecologia tem sido reafirmada como uma ciência ou disciplina
científica, ou seja, um campo do conhecimento de caráter multidisciplinar
que apresenta uma série de princípios, conceitos e metodologias que nos
permitem estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas
(CAPORAL; COSTABEBER, 2002), que são considerados como unidades
fundamentais para o estudo e planejamento das intervenções humanas em
favor do desenvolvimento rural sustentável.
Em essência, o enfoque agroecológico corresponde à aplicação de
conceitos e princípios da Ecologia, da Agronomia, da Zootecnia, da Veteri-
nária, da Sociologia, da Antropologia, da Ciência da Comunicação e outras
áreas de conhecimento na reestruturação e manejo de agroecossistemas que
desejamos que sejam mais sustentáveis ao longo do tempo. Trata-se de pre-
tensões e dimensões que vão além das técnicas de agropecuária, incorporan-
do variáveis econômicas, sociais, ecológicas, culturais, políticas e éticas.

Algumas perspectivas
O Brasil é considerado um país-continente pela sua extensão territorial,
sua diversificação no clima e solo e sua grande diversidade em seus ecos-
sistemas. Os solos são profundos e férteis permitindo o cultivo de uma
grande variedade de plantas anuais e perenes. A existência de clima tro-
pical e subtropical, aliado às boas condições de solo, permite o cultivo de
várias espécies frutíferas e hortaliças. Vantagem esta que existe em poucos
países do mundo, o que torna o Brasil um país privilegiado.
Levando em conta todos os aspectos positivos mencionados anterior-
mente que a agricultura orgânica proporciona com relação à produção, qua-
lidade dos alimentos, valorização dos produtos agropecuários, saúde do pro-
dutor e população em geral, bem como a comercialização dos produtos, os

143
Desenvolvimento territorial e agroecologia

quais servem como incentivo para uma transição do sistema convencional


para o sistema de cultivo orgânico, serão discutidos, a seguir, alguns outros
aspectos que favorecem a implantação deste sistema de cultivo no país.

Área agricultável
O Brasil possui área agricultável disponível de aproximadamente 152 mi-
lhões de hectares, o que corresponde a 17,9% da área total do território
nacional, mas que utiliza apenas em torno de 62 milhões de hectares (7,3%
do território) (MARQUES, 2004). A possibilidade de expansão agropecuá­
ria é invejável em relação aos demais países do mundo, visto que muitos
possuem área infinitamente menor, mas mesmo assim, produzem muito
mais produtos orgânicos.
De acordo com Willer e Yussefi (2006) a área cultivada com agricul-
tura orgânica no Brasil, apesar do aumento significativo nos últimos anos,
é de apenas 0,34% sobre o total de área agricultável, valor que fica muito
aquém quando comparado com o total de área agricultável disponível que
nosso país possui.

Clima e solo
Conforme mencionado anteriormente, nosso país dispõe de clima tropical
e subtropical permitindo o cultivo de frutíferas das mais variadas espécies.
Com as hortaliças não é diferente, sendo possível o cultivo de uma quantida-
de muito grande de espécies e cultivares. Aliado a este fato, os solos são, em
sua grande maioria, profundos e férteis bastando, em muitos casos apenas
a correção da acidez para que possam ser usados na agricultura. Em muitos
países da Europa ou América do Norte, onde o inverno é rigoroso, o preparo
do solo somente é possível em épocas específicas durante o ano em função do
congelamento. No Brasil, o preparo do solo e cultivo vegetal é possível o ano
todo, sendo desta forma, uma grande vantagem para nossos produtores.

Diversidade de espécies
O Brasil é um dos países mais ricos do mundo em diversidade vegetal e
animal, pelo fato de possuir condições edafoclimáticas muito favoráveis
aliado aos solos de boa qualidade, o que favorece muito o cultivo de vege-
tais e, consequentemente, a criação de animais domésticos e suas respec-
tivas fontes de alimentos. Muitos países não conseguem produzir frutas e
hortaliças em função das restrições de clima e solo e o mesmo acontece
com os animais domésticos, pois não há condições adequadas para cultivo
de pastagens e de outros alimentos necessários para sua nutrição.

Comercialização no mercado interno e externo


A crescente demanda por produtos orgânicos no Brasil e no mundo, con-
forme discutido anteriormente, coloca a agricultura orgânica numa posi-

144
Adriano Arriel Saquet

ção de destaque no cenário agropecuário. De acordo com Campanhola e


Valarini (2001), esta crescente demanda por alimentos produzidos no sis-
tema orgânico deve-se, basicamente a cinco razões: a) Preocupação dos
próprios consumidores com sua saúde e riscos com agrotóxicos contidos
nos alimentos; b) Movimentos ambientalistas preocupados com a preser-
vação do meio ambiente; c) Influência de seitas religiosas que defendem o
equilíbrio entre o homem e a natureza; d) Grupos organizados contrários
ao domínio da agricultura moderna por grandes corporações transacio-
nais; e) Marketing por parte de grandes redes de supermercados, por influ-
ência de países desenvolvidos, que teriam induzido demandas por produ-
tos orgânicos em determinados grupos de consumidores.
A partir do exposto é um tanto difícil definir quais destas causas ti-
veram ou ainda têm maior influência no aumento da demanda por produ-
tos orgânicos. É de se presumir que exista uma combinação de todas, com
algumas particularidades nas diferentes regiões do país. Provavelmente a
difusão de informações juntamente com a opinião do consumidor, ciente
da importância de se adquirir alimentos mais saudáveis, levando em con-
ta a preservação do meio ambiente, tenham sido, ou ainda estejam sendo,
duas fortes causas.
O mercado internacional de produtos orgânicos gera bilhões de
dólares anualmente, tendo como maiores consumidores a Alemanha, a
Holanda, a França, a Inglaterra, os Estados Unidos e o Japão. Apesar do
contínuo crescimento da produção agropecuária nestes e outros países, o
mercado de importação continua crescendo, tornado-se uma alternativa
viável para a exportação de produtos brasileiros.
Para o comércio exterior de produtos orgânicos são necessários cer-
tificados expedidos por certificadoras credenciadas por órgãos normativos
de abrangência internacional, como é o caso da International Federation of
Organic Agriculture Movements (IFOAM), cuja principal função é coorde-
nar o conjunto de movimentos de agricultura orgânica em todo o mundo.
A certificação de produtos orgânicos visa a conquistar maior credi-
bilidade dos consumidores e conferir maior transparência às práticas e aos
princípios utilizados na produção orgânica e é outorgada por diferentes
instituições no país, as quais possuem normas específicas para a concessão
do seu selo de garantia.

Viabilidade de produção em pequenas áreas


O sistema de produção orgânico é viável em pequenas áreas e permite
produção em pequena escala. Mesmo que a quantidade produzida pelo
agricultor seja pequena, a comercialização de alimentos orgânicos dire-
tamente com os consumidores é possível, quer seja por meio da distribui-
ção em residências, quer seja pela venda em feiras livres especializadas.
A necessidade de aumentar a quantidade disponibilizada para comercia-

145
Desenvolvimento territorial e agroecologia

lização em determinados pontos de venda, bem como de incrementar a


variedade de produtos exige que os pequenos agricultores se organizem
em associações.

Diversificação da produção
A diversificação da produção é favorecida devido ao contato estabelecido
entre produtor e consumidor nas vendas diretas. Incluindo a integração
entre produção vegetal e animal, no mesmo estabelecimento rural, auxilia
na adoção dos princípios agroecológicos, ao mesmo tempo em que confe-
re ao pequeno agricultor maior estabilidade econômica, pois uma possível
queda nos preços de alguns produtos pode ser compensada pela alta de
outros; fato que faz com que haja uma diversificação natural de produtos
no espaço e no tempo.

Geração de emprego e fixação do homem no campo


Ao contrário do sistema de agricultura convencional, a agricultura or-
gânica precisa de mais mão-de-obra por unidade de área. Gerando uma
nova dinâmica de empregos para a comunidade rural que vive no entor-
no das unidades produtivas. Outra possibilidade é o aproveitamento da
própria mão-de-obra familiar excedente, principalmente das mulheres,
que têm buscado ocupações domésticas fora do estabelecimento agríco-
la, recebendo salários que, em média, são menores que aqueles dos tra-
balhadores agrícolas rurais. Ainda, o engajamento de mais membros das
famílias rurais na agricultura orgânica pode representar mais um fator
de fixação familiar no campo, além de diminuir os custos efetivos de
produção, reduzindo a dependência de empréstimos bancários (CAMPA-
NHOLA; VALARINI, 2001).

Maior valor comercial do produto


O produto orgânico possui, até então, maior valor comercial em relação
aos produzidos no sistema convencional. Atualmente, há um diferencial
significativo em seus preços que representa um grande atrativo tanto para
os agricultores em geral como para as grandes corporações agropecuárias.
Por isso, a saída para os pequenos produtores parece ser o fortalecimento
da exploração dos nichos no mercado local.

Preservação do meio ambiente


Conforme comentado anteriormente, o fato da agricultura orgânica apre-
sentar menor dependência de insumos externos, abrir mão do uso de agro-
tóxicos e fertilizantes sintéticos, não usar hormônios e outras substâncias
prejudiciais, faz com que a preservação dos ecossistemas seja mais eficien-
te e que ela seja, em função disso, uma grande contribuição em favor do
meio ambiente.

146
Adriano Arriel Saquet

Conservação durante o período pós-colheita


Existem, atualmente, basicamente três sistemas de armazenamento usa-
dos comercialmente para a conservação de frutas e hortaliças, no mundo
todo, inclusive no Brasil, que são: em frio convencional, em atmosfera mo-
dificada e em atmosfera controlada. No primeiro, controla-se a temperatu-
ra e a umidade relativa do ar no interior da câmara frigorífica. No segun-
do, são usados filmes plásticos para formar uma atmosfera modificada no
interior das embalagens, sendo estas, acondicionadas sob refrigeração. Na
atmosfera controlada, além da temperatura e da umidade relativa do ar,
controlam-se também as concentrações de oxigênio e de dióxido de carbo-
no no interior das câmaras frigoríficas.
As câmaras frigoríficas convencionais têm custo menor, entretanto,
seu período de conservação também é menor que na atmosfera controlada.
A atmosfera modificada torna-se, muitas vezes, uma alternativa intermediá­
ria em relação aos custos e ao período de conservação. A manipulação das
concentrações dos gases no interior da câmara frigorífica é aceitável para a
conservação de produtos orgânicos como frutas e hortaliças, desde que não
sejam usados produtos químicos tais como fungicidas e outros. Mesmo sem
a adição de fungicidas, por exemplo, a atmosfera controlada é uma ótima
opção para a conservação de frutas e hortaliças. Atualmente, a tendência
mundial é de não permitir o uso de fungicidas no período de pós-colheita,
mesmo em produtos oriundos do sistema convencional ou integrado. Desta
forma, o emprego de técnicas alternativas tais como o tratamento térmico,
o manejo da umidade relativa do ar, o uso de antagonistas naturais ou a eli-
minação do etileno, hormônio produzido pelo próprio fruto e que acelera
o processo de amadurecimento e senescência, por exemplo, na fase de pós-
colheita de frutas e hortaliças, em combinação com a atmosfera controlada
são alternativas viáveis e que já estão sendo realizadas em vários países.

Alguns entraves ou limites


Engenharia genética: transgênicos e subprodutos
Todos sabemos que, de acordo com as normas para cultivo de plantas ou
criações de animais no sistema agroecológico, é terminantemente proibido
o uso de organismos geneticamente modificados (OGMs). Na área de tec-
nologia de alimentos o princípio é válido da mesma forma, ou seja, não é
permitido o uso de qualquer produto ou derivado da transgenia para a pro-
dução e/ou processamento de alimentos a agroecologia e a transgenia são
abertamente contrastantes em princípios, técnicas e valorização da vida e
do agroecossistema, ou seja, onde uma preserva a vida, as sementes, os sa-
beres, o conhecimento e a participação social, a outra gera dependência,
erosão genética, manipulação econômica e social, colocando em risco a
segurança alimentar e a soberania na produção de alimentos.

147
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Sensibilização dos governos


O Governo Federal vem apresentando programas interessantes de incenti-
vo à agricultura familiar e, com isso, à agricultura orgânica. Outros países
como a Alemanha, por exemplo, são pioneiros na área da produção alter-
nativa e despertaram o interesse pela preservação do meio ambiente e ho-
mem produzindo alimentos mais saudáveis há muito mais tempo que nós.
No nosso caso, pode-se dizer que estamos avançando, porém falta muito
ainda para conseguirmos atingir níveis mais elevados com relação a esse
aspecto.
É importante salientar que, não basta somente o Governo Federal
investir e incentivar alguns programas. É fundamental que esse tipo de
ação seja seguido ou realizado em conjunto pelos Governos Estaduais e
até mesmo pelos Municipais através de suas Secretarias de Agricultura e
Pecuária ou por outras agências de extensão rural como as EMATERs, Sin-
dicatos Rurais e outros.

Sensibilização dos produtores


Sensibilizar os produtores para cultivar alimentos com menos agrotóxicos
é uma das tarefas mais difíceis que existe no momento, assim como uma
das funções mais difíceis na Agropecuária é a do extensionista frente à re-
sistência dos produtores com relação à aquisição de novas técnicas e infor-
mações. O cultivo convencional com uso intensivo de defensivos agrícolas
e fertilizantes sintéticos está tão incrustrado no sistema que dificilmente
se consegue algum avanço neste sentido. As novas gerações fazem parte de
uma peça-chave em todo este contexto, pois através delas, juntamente com
um sistema de ensino inteligente e consciente em relação à alimentação
saudável e à preservação do meio ambiente poderá acontecer um avanço
neste sentido.

Sensibilização dos consumidores


Muitos consumidores são desinformados e também não fazem questão de
adquirir informações sobre muitas coisas. A questão ambiental é uma des-
tas áreas que, normalmente é deixada de lado por não saberem ou não con-
seguirem imaginar o quanto importante é para todos nós termos um local
saudável para viver em harmonia e equilíbrio com a natureza.
Com relação aos alimentos então é um caos, pois uma grande par-
cela da população brasileira não se interessa em saber como os alimentos
foram produzidos e o que foi usado para sua produção e/ou transforma-
ção. Desta forma, acabam adquirindo gêneros alimentícios dos mais va-
riados tipos, não levando em conta a segurança alimentar. Com relação a
este aspecto, é importante considerar o baixo poder de compra do brasi-
leiro, levando-o a adquirir os produtos de menor preço. É sabido que os
produtos orgânicos possuem custos mais elevados em função do volume

148
Adriano Arriel Saquet

de produção e produtividade mais baixos comparados aos convencionais,


porém, deveríamos levar em conta, primeiramente a qualidade do produto
expressa pelo seu valor nutricional e segurança alimentar aos adquirirmos
os gêneros alimentícios. Ações governamentais de ordem econômica, com
a finalidade de melhorar a renda dos brasileiros, bem como o acesso à edu-
cação, são medidas fundamentais para reverter este quadro.

Sensibilização nas Escolas de Ensino Fundamental, Médio, Técnico e Superior


Algo que ainda vemos muito em nossos estabelecimentos de ensino é uma
resistência, por parte dos nossos profissionais, com relação à produção or-
gânica. Referimo-nos ao termo profissionais porque o compromisso com o
meio ambiente não é somente dos docentes mas sim de todos aqueles que
estão envolvidos com educação. Com relação aos docentes, esta resistência
deve-se provavelmente ao tipo de formação que tiveram e que ainda per-
manece em seus sistemas de ensino.
As escolas de nível fundamental não possuem muitas disciplinas
específicas relacionadas à agropecuária, mas as escolas técnicas, as fa-
culdades, as universidades e outras instituições federais de ensino supe-
rior possuem e, lamentavelmente, dentro destes estabelecimentos ainda
existe uma grande resistência para com o cultivo orgânico de alimentos,
tanto de origem vegetal quanto de origem animal. Sabendo que no resto
do mundo esse processo já é bastante difundido, surge então um ques-
tionamento para discussão: por que, no Brasil, esse tipo de idéia ainda é
tão rudimentar?
Os professores, que são considerados pelos acadêmicos como sendo
representantes de um suposto saber e exemplo de vida, carregam consigo
uma missão muito importante e decisiva com relação à formação dos alu-
nos. Mesmo aqueles que não são favoráveis ou que não conseguem per-
ceber o sucesso e as vantagens da agroecologia, deveriam, dentro de suas
possibilidades de atuação em suas disciplinas e até mesmo fora da sala de
aula, pelo menos comentar sobre a existência desse processo produtivo al-
ternativo agroecológico.

Grande dependência de fertilizantes sintéticos e agrotóxicos


Ainda existe uma influência muito grande das multinacionais fabrican-
tes de defensivos agrícolas e fertilizantes sintéticos no Brasil. Muitas des-
tas empresas vendem ou comercializam uma quantidade muito pequena
destes produtos em seus países de origem, pois sabem que seus produ-
tores e consumidores são melhor informados com relação às conseqüên-
cias quando eles são usados exageradamente e dependendo do produto
em questão, é simplesmente proibida sua comercialização e ele acaba
sendo comercializado em outros países, principalmente da África, Amé-
rica Latina e Ásia.

149
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Certificação, controle da produção e produtos


No Brasil, infelizmente, ainda existe um descontrole com relação às nor-
mas de produção e comercialização de alimentos de maneira geral. O con-
sumidor, na maioria das vezes, desconhece a legislação, ou ainda, muitas
vezes, ela não existe. Neste sentido é necessária uma melhoria significativa
da legislação em vigor e, principalmente, da fiscalização, aliada à educação
da população sobre esta temática, pois não basta existir uma boa legisla-
ção se não houver uma eficiente fiscalização juntamente com a educação e
sensibilização dos produtores e consumidores com relação à fraudes, à im-
portância da segurança alimentar, à importância da preservação do meio
ambiente e bem estar da população em geral. Informação é uma palavra-
chave neste contexto, que pode revolucionar muita coisa em nossopaís.
A emergência da produção e da comercialização de produtos orgâ-
nicos no Brasil e provável expansão do negócio têm aumentado o risco do
surgimento de atitudes oportunistas. Com a possibilidade de obtenção de
preços mais elevados neles, surge cada vez mais produtores e comerciantes
interessados. No caso dos produtos orgânicos, o oportunismo pode se con-
cretizar através da tentativa de comercialização dos convencionais como
se fossem orgânicos. Esta é uma forma de obter o diferencial de preço e,
ao mesmo tempo, burlar toda uma estrutura de certificação que envolve o
acompanhamento e o controle da produção, para garantir ao consumidor
que o que adquiriu foi de fato produzido dentro das normas da produção
orgânica. A grande dificuldade é que os atributos de qualidade destes pro-
dutos são específicos e não identificáveis mediante simples observação vi-
sual, seja numa feira de rua ou em um supermercado.
O que ocorre no caso dos produtos orgânicos, é uma assimetria de
informações entre vendedores e compradores. Os agricultores e comer-
ciantes dispõem das informações sobre aquilo que produzem e/ou comer-
cializam e, consequentemente, sabem tudo sobre sua origem, quando,
como e por quem foram produzidos. Já os consumidores, quando com-
pram os produtos orgânicos, quase nada sabem quanto à procedência e à
qualidade intrínseca do que estão adquirindo. Surge aí a necessidade da
certificação.
Esta grande diferença entre o grau de informação de quem produz
e/ou vende, em relação ao consumidor, é que permite ou pode induzir a
uma forte tentação para que produtos convencionais sejam comercializa-
dos como orgânicos. A importância da certificação e a credibilidade da
agência certificadora de produtos orgânicos para o monitoramento das
atividades dos produtores e comerciantes destes, decorre desta pouca in-
formação do consumidor. Como comentado anteriormente, informação é
uma palavra-chave para o desenvolvimento de um povo e nação e é adqui-
rida em instituições de ensino e através dos meios de comunicação como
jornais, revistas, rádio, televisão e outros.

150
Adriano Arriel Saquet

A prevenção contra o surgimento do oportunismo passa por uma


maior sensibilização dos produtores, comerciantes e consumidores sobre
as vantagens econômicas, políticas, morais e éticas de seguir as normas
estabelecidas para a produção orgânica. Esta sensibilização poderá forta-
lecer as convicções e os ideais de uma produção agrícola de baixo impac-
to ambiental e a melhoria da saúde humana em geral. Papel fundamental
neste processo é o dos consumidores, que devem exigir que os produtos
comercializados como orgânicos sejam certificados por organizações re-
conhecidas, como forma de evitar o surgimento de fraudes. Esta é uma
forma de proteger o produtor idôneo e também o consumidor, propiciando
assim uma expansão lícita do agronegócio.

Embalagem, rotulagem e identificação dos produtos orgânicos


De maneira geral, temos sérios problemas de embalagens com a gran-
de maioria dos alimentos. Muitos deles sequer são embalados, sendo
assim, fácil de imaginar que o consumidor não consiga identificar cor-
retamente aquilo que vai adquirir, sem levar em conta as perdas, em
decorrência da falta de embalagens ou do uso inadequado destas. De-
pendendo do tipo de alimento é necessária uma embalagem específica
e, muitas vezes, como no caso das frutas e hortaliças, são necessárias
embalagens individuais, que deveriam ser confeccionadas com material
adequado ao produto e ter seus rótulos bem elaborados contendo, prin-
cipalmente, as informações necessárias sobre ele, tais como a proce-
dência, nome, composição nutricional, se é transgênico ou não, data de
validade e outras. Um aspecto importante com relação às embalagens
está relacionado a sua composição, visto que a maioria delas não são re-
cicláveis, retornáveis e/ou biodegradáveis. Desta forma, a produção de
lixo é muito grande, como vemos no dia-a-dia do brasileiro. Isto, alia-
do à falta ou carência de organização para reciclagem gera um impacto
ambiental enorme contaminando rios, lagos, matas, entupindo canais
de esgotos e outros, além da poluição visual das cidades originando
uma má impressão de maneira geral.

Limitações de ordem técnica (produção)


Este item não será aprofundado visto que o principal objetivo desta dis-
cussão é realizar uma análise mais social da Agroecologia, embora alguns
limites ou dificuldades envolvem também a cadeia produtiva agropecuá-
ria. Sabe-se que é muito difícil cultivar, por exemplo, tomates, maçãs ou
batatas, sem o uso de defensivos agrícolas em função da quantidade de
pragas e doenças que atacam as culturas. O uso de produtos ou métodos
alternativos muitas vezes é menos eficiente que no sistema convencional,
mas é possível produzir alimentos de ótima qualidade sem o uso massivo
de insumos químicos.

151
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Escassez de pesquisa em agricultura orgânica


As instituições públicas têm atuado pouco no desenvolvimento e/ou valida-
ção de tecnologias de produção orgânica, o que acaba prejudicando mais
os pequenos agricultores que, geralmente não têm acesso à informações
que poderiam ser utilizadas de forma experimental em suas lavouras e
atuam­ por tentativas empíricas que resultam em erros e acertos.

Considerações finais
A agricultura ecológica constitui-se no elemento mediante o qual se pre-
tende gerar estratégias de desenvolvimento sustentável e inclusão social. A
partir de seus princípios elementares é possível, uma menor agressão ao
meio ambiente, a produção de alimentos mais saudáveis e recursos para a
auto-sustentação dos produtores, além do auxílio no processo de indepen-
dência de recursos externos. Atualmente, muitos países encontram-se em
plena fase de expansão com a produção ecológica, destacando-se a Alema-
nha, a Suíça, a Austrália e outros.
O Brasil situa-se entre os países que ainda estão muito dependentes
do sistema convencional de produção agrícola, empregando enormes quan-
tidades de insumos químicos provenientes de fontes externas, causando uma
grande dependência de tais produtos e empresas, além da agressão ao meio
ambiente e da cadeia produtiva de alimentos com altos índices de contami-
nação dos ecossistemas por agrotóxicos. Percebe-se, entretanto, no país, uma
crescente sensibilização, tanto por parte de pesquisadores, produtores, go-
vernos, como da comunidade em geral, sobre a importância de se produzir
alimentos mais saudáveis não esquecendo também da preservação do meio
ambiente e dos ecossistemas em geral. A agroecologia torna-se, dessa forma,
uma alternativa em potencial ao sistema tradicional de produção agrícola.

Referências

CAMPANHOLA, C., VALARINI, P.J. A agricultura orgânica e seu potencial


para o pequeno produtor. Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília,
v.18, n.03, p.69-101, 2001.
CAPORAL, F.R., COSTABEBER, J.A. Agroecologia. Enfoque científico e
estratégico. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto
Alegre, v.3, n.2, p.13-16, 2002.
MARQUES, E.S. O estado da arte da agricultura brasileira. Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2004, 17p.
SAQUET, A. et al. Agricultura ecológica e ensino superior. Francisco Beltrão:
Grafit, 2005, 87p.

152
Adriano Arriel Saquet

SCHMUTZ, R. et al. 90 Argumente für den Biolandbau. Forschungsinsti-


tut für biologischen Landbau (FiBL), Ackerstrasse, CH-5070, Frick,
Schweiz, 2006, 16p.
TAUSCHER, B. et al. Bewertung von Lebensmitteln verschiedener Produkti-
onsverfahren. Status Bericht 2003, Senatarbeitsgruppe „Qualitative
Bewertung von Lebensmitteln aus alternativer und konventioneller
Produktion“. Senat der Bundesforschungsanstalten, Deutschland,
2003, 101p.
WILLER, H.; YUSSEFI, M. The World of Organic Agriculture. Statistics and
Emerging Trends 2006. International Federation of Organic Agricul-
ture Movements (IFOAM), Bonn Germany & Research Institute of
Organic Agriculture FiBL, Frick, Switzerland, 2006.

153
Agroecologia: desafios para uma
condição de interação positiva
e co-evolução humana na natureza

Valdemar Arl
Engenheiro Agrônomo, especialista em Agroecologia e Desenvolvimento Susten-
tável e Administração Rural, Membro da Rede de Consultores Colaboradores do
MDA/SDT (Ministério de Desenvolvimento Agrário/ Secretaria do Desenvolvimen-
to Territorial), Professor do Curso de Desenvolvimento Rural Sustentável e Agroe-
cologia da UnC/Concórdia-SC | valdemar@ecovida.org.br

Diante do enorme potencial autodestrutivo do atual sistema, é consenso


o desafio do estabelecimento de uma nova condição, capaz de satisfazer
as necessidades da geração presente, sem comprometer esta possibilidade
para as gerações futuras. Há, porém, na maioria das abordagens, especial-
mente junto ao debate oficial do desenvolvimento, um forte “tom de conti-
nuísmo” subjetivado. Esta afirmação é possível, já que, majoritariamente,
o paradigma do desenvolvimento sustentável foi um “conceito gerado, do
mesmo modo que o de desenvolvimento, no centro do sistema mundial
atual” (RIBEIRO, 1980).
Desenvolvimento é uma condição universalmente desejada, exa-
tamente em função da sua imprecisão, ou seja, de possível ambigüidade
diante de visões diferentes de sociedade. Desta forma, “sustentável é mais
um rótulo ou adjetivo afixado ao conceito tradicional – desenvolvimento,
e que o deixa do mesmo modo, polissêmico” (MONTIBELLER FILHO,
2001). Há, portanto, apropriações diferenciadas sobre as referências de
sustentabilidade.
Os conceitos de desenvolvimento assumidos na prática ao longo da
história expressam determinados interesses e perspectivas, sempre resul-
tantes do pensamento político hegemônico em vigor. Assim,

155
Desenvolvimento territorial e agroecologia

[...] estudar o conceito de desenvolvimento conduz a análises de diferen-


tes aproximações teóricas em que não se podem negar as conotações ideo­
lógicas que são produtos de diversos interesses e percepções criados na
dinâmica da construção social. Esses conceitos têm sido racionalizados e
apresentados no terreno econômico, político e ideológico e assim conduzi-
do programas e políticas concretas assumidas e impulsionadas por distintos
governos (PERACI, 2000).

O debate da agroecologia se dá nesse contexto diverso de perspec-


tivas, mas na abordagem deste texto assume-se a popular que vem sendo
construída junto à agricultura familiar/camponesa, onde a agroecologia
não é vista apenas como uma alternativa ou uma técnica dentro do modelo
de desenvolvimento em vigor. Por isso, um primeiro grande desafio é a res-
significação conceitual em outras bases científicas alicerçadas numa nova
compreensão do mundo, das relações e da sociedade humana.
Nesta elaboração, abordam-se aspectos da trajetória histórica do
desenvolvimento no campo, apontando as contradições e caracterizando
uma nova condição, cuja base é a agroecologia. Levantam-se grandes desa-
fios para o desenvolvimento numa perspectiva agroecológica e a necessá-
ria reconstrução e/ou re-significação conceitual para uma efetiva possibi-
lidade transformadora, tendo a formação e a organização como estratégia
fundamental.

A grande mudança de rumos


Seguindo o caminho dos princípios da química moderna formulados por
Lavoisier em meados do século XIX, surge o “quimismo” a partir de teorias
sobre os comportamentos das substâncias minerais nos solos e nas plantas,
como a formulada pelo químico alemão Justus Von Liebig, afirmando que
a nutrição mineral das plantas se dá essencialmente pela absorção de subs-
tâncias químicas presentes no solo. Ele desprezava totalmente o papel da
matéria orgânica ao dizer que a insolubilidade do húmus o tornava inútil.
Liebig acreditava que o aumento da produção agrícola seria propor-
cional à quantidade de substâncias químicas incorporadas ao solo e defen-
dia que a resposta das plantas dependia da quantidade mínima disponível
de cada elemento químico necessário ao seu crescimento, e que a ausência
ou presença em quantidade muito reduzida limitaria o crescimento vegetal.
Essa teoria foi chamada de Lei do Mínimo. Liebig é considerado o pai da
agricultura química, sendo um dos principais precursores da agroquímica.
Suas idéias causaram grandes impactos na época por estarem se
opondo à “Teoria Húmica”, na qual por milênios embasavam a produção e
as teorias agronômicas, e que sustentava a idéia de que a nutrição vegetal
se dá através das raízes, que absorvem do solo partículas infinitamente pe-
quenas, constituídas, em grande parte, pelo mesmo material das plantas.

156
Valdemar Arl

Embora tenham encontrado muitos opositores, como Louis Pasteur


e suas descobertas no campo da microbiologia, as formulações de Liebig
tornaram-se hegemônicas no desenvolvimento da “agricultura moderna”.

A modernização conservadora
Embora grandes transformações já viessem ocorrendo na agricultura eu-
ropéia no século XVIII, a “modernização” da agricultura é um processo
que se instala efetivamente a partir do pós-guerra. Surge agora uma “Se-
gunda Revolução Agrícola” e nesta se constrói uma nova compreensão de
agricultura, intitulada “Revolução Verde”, um padrão agrícola químico,
motomecânico e genético gestado nos EUA e na Europa, que transforma-
do em “pacote”, vai gradativamente se espalhando e se instalando em todo
o mundo, criando uma nova racionalidade produtiva. O grande “chavão”
deste modelo era: “acabar com a fome no mundo”. Preconizava-se que,
com a modernização tecnológica e com o conseqüente aumento da pro-
dutividade e da produção, haveria aumento da renda familiar e, portanto,
desenvolvimento rural.
Quebra-se a relativa autonomia do rural. A indústria aos poucos se
apropriou de atividades relacionadas à produção e ao processamento. Esse
processo foi chamado de apropriacionismo.
O apropriacionismo envolvia a produção de adubos químicos
para substituir o emprego da matéria orgânica, a motorização e mecani-
zação na substituição da tração animal e trabalho braçal, e a produção de
sementes melhoradas, através da engenharia genética a partir das desco-
bertas de Mendel, na substituição da seleção e produção de sementes.
Durante as guerras mundiais houve grandes investimentos tecno-
lógicos e científicos no desenvolvimento de armas, máquinas e substân-
cias mortais a serem usadas nos combates e nos campos de extermínios.
Passadas as guerras, muito deste “arsenal” (capacidade industrial de pro-
dução) passou a ser adaptado e reutilizado em campanhas de saúde pú-
blica e principalmente na agricultura. Entre os exemplos mais clássicos
estão os casos do DDT e do Schradan, adaptados posteriormente como
inseticidas agrícolas.

A revolução verde no Brasil


Embora já existissem alguns institutos de pesquisa e escolas de agronomia
no Brasil, estas sofreram fortes mudanças, e outras novas foram criadas a
partir da década de 1960, com influência decisiva do sistema de pesquisa e
educação dos EUA, que se deu via convênios do MEC (Ministério da Edu-
cação e Cultura do Brasil) com a USAID, a Aliança para o Progresso, com a
Fundação Ford, a Fundação Rockefeller e outras dos EUA. Através destes

157
Desenvolvimento territorial e agroecologia

convênios realizavam-se intercâmbios, vinda de assessores norte-america-


nos, transferência de equipamentos científicos e de material bibliográfico,
e recursos financeiros. As escolas de agronomia brasileiras conveniaram-
se com as norte-americanas. Os currículos foram totalmente reformulados
e adaptados a esta proposta.
Inúmeros foram os instrumentos de intervenção: leis, regulamentos,
créditos, subsídios, instituições de ensino, pesquisa e extensão rural, meto-
dologias, campanhas etc.
A Revolução Verde foi o último grande projeto para o desenvolvi-
mento rural no país. Foram mais de 20 anos de investimentos públicos
e privados envolvendo volumosas somas de crédito subsidiado e vincula-
do à compra de insumos (agrotóxicos, sementes, máquinas, adubos etc.),
pesquisa e extensão rural, além de milionária campanha de propaganda e
convencimento.
Este modelo facilitou o trabalho e propiciou o aumento da produ-
ção, mas trouxe inúmeras conseqüências. A seguir abordaremos propositi-
vamente esta questão, classificando-a em quatro desafios:
• desafio social, político e econômico;
• desafio científico;
• desafio educacional;
• desafio organizacional.

Um desafio social, político e econômico


Antes dos adubos químicos, das sementes certificadas, dos agrotóxicos e
de outros itens similares, a produção dependia da natureza. Os agriculto-
res buscavam formas de ajudá-la para poder continuar produzindo, dei-
xando a “terra descansar” (pousio), aplicando matéria orgânica, fazendo
rotação etc.
Assim, as famílias tinham uma produção diversificada, quase não
dependiam de insumos externos e produziam primeiro para o autoconsu-
mo. Com a Revolução Verde isso tudo acabou – vieram a monocultura, as
máquinas, as sementes, os adubos químicos e os agrotóxicos – e o sistema
de produção da agricultura familiar foi desestruturado, a natureza descon-
siderada e a fertilidade natural destruída.
Acabou a produção de biomassa (matéria orgânica) realizada pe-
las matas e capoeiras, o húmus do solo se desgastou e começaram a
aparecer as pragas, doenças e inços. A degradação e a contaminação
ambiental se aceleram, a vida do solo vai morrendo e a fertilidade na-
tural se acaba. À medida que isto vai acontecendo, aumenta a necessi-
dade de adubos químicos e de agrotóxicos para manter o mesmo nível
de produtividade.

158
Valdemar Arl

Essas transformações no campo chamadas de “Revolução Verde”


faziam parte de um projeto de desenvolvimento que se aplicou no Brasil
durante as décadas de 1960 e 1970, cuja alavanca foi a industrialização.
Nesse período houve grande crescimento econômico porém concentrado
nas mãos de poucos. Pregava-se a idéia de que é preciso fazer o bolo cres-
cer para depois repartir.
No início da década de 1960, aproximadamente 70% da população
vivia no campo. Diante da demanda urbana, houve grande êxodo rural es-
timulado, isto é: a indústria precisava de gente para trabalhar, assim ado-
tou-se uma série de procedimentos para forçar a migração de parte da po-
pulação do campo para a cidade:
• adaptou-se a educação para preparar os jovens para trabalhar na ci-
dade;
• os investimentos sociais em educação, saúde, lazer, habitação e sa-
neamento básico foram realizados na cidade;
• sociologicamente associou-se o campo ao atraso e à ignorância –
surgem até alguns personagens pejorativos como o “jeca tatu”, para
caracterizar a condição;
• para o campo planejou-se a mecanização, a especialização e as mo-
noculturas, e um arsenal químico e genético para dar sustentação a
uma condição onde menos pessoas produzissem maior quantidade.

Inicialmente esse plano parecia dar certo, mas, aos poucos, a cidade
já não absorvia mais o êxodo rural que continua ocorrendo, não só pelo es-
tímulo, mas agora também pela crescente inviabilização do campo, invia-
bilização em função da destruição da fertilidade natural e da dependência
externa, da monocultura e do fim dos cultivos para o autoconsumo, fatores
que são responsáveis pela progressiva e drástica diminuição da renda.
Esse modelo da revolução verde gerou um ciclo vicioso, porque o
adubo químico mantém a produção sem aumentar a fertilidade do solo,
provocando outros desequilíbrios nele e na planta, proporcionando inços,
pragas e doenças. Agora são necessários também os agrotóxicos e os pro-
blemas são multiplicados à medida que aumenta a dependência de insu-
mos externos.
Além do bem conhecido “chavão” da revolução verde, de “acabar
com a fome no mundo”, associou-se a modernização à melhoria das con-
dições de vida e de bem-estar como condição automática e universal, além
de um status quo social valorizado. Não é, porém, o que se deu na práti-
ca, pois, além da descapitalização e do empobrecimento do campo, houve
efeitos ainda mais catastróficos no meio urbano.
O êxodo rural da década de 1990 para cá tem um sentido cada vez
mais problemático: primeiramente porque é resultado da crescente invia-

159
Desenvolvimento territorial e agroecologia

bilização ambiental e econômica do campo; segundo porque a cidade não


oferece mais muitas possibilidades – ao contrário ela também demite e ex-
pulsa para a marginalidade.
Re-pensar a sustentabilidade para o desenvolvimento é o grande de-
safio do momento. E, quando se fala em sustentabilidade, não se está fa-
lando somente de dinheiro, de economia. Para se falar de qualidade de
vida e de sustentabilidade, outros aspectos são igualmente importantes,
como o resgate e a valorização cultural, a conservação do meio ambiente e
a inclusão e a igualdade social.
É claro que falar sobre a renda é um assunto muito importante no
momento, já que a agricultura familiar enfrenta uma de suas maiores cri-
ses, expressa na degradação ambiental e cultural, e na insuficiência de ren-
da decorrente do modelo da revolução verde, embasado na monocultura,
na dependência de insumos externos (agrotóxicos, adubos, sementes) e na
integração agroindustrial.
É fundamental a reconstrução do sistema de produção da agricul-
tura familiar, porque o agricultor deixou de sê-lo, e se tornou produtor
de alguma coisa: “produtor de fumo”, ”produtor de ponkan”,”produtor de
leite”, “produtor de tomate” etc. Seu sistema de produção foi destruído.
Historicamente, ele se embasava na diversificação e na integração com-
plementar de atividades, onde o autoconsumo era estratégia fundamental
tanto no que se refere à qualidade de vida, quanto ao resultado econômico.
Na maioria das famílias, o valor do autoconsumo familiar dificilmente fica
abaixo de R$ 300,00 mensais, podendo ultrapassar os R$ 800,00. As famí-
lias agricultoras sabem que não é tão difícil produzir para o autoconsumo,
porém, se não o tiverem garantido, vão precisar obter uma renda mensal
suficiente para comprar os alimentos necessários. Uma unidade familiar
com bom nível de produção para o autoconsumo, mesmo com menos en-
trada de dinheiro, tem mais capacidade de investimento.
A potencialização da fertilidade natural dos solos proporciona uma
independência em relação aos insumos externos, diminuindo os custos de
produção.
Todas essas condições somadas proporcionavam segurança, estabili-
dade e uma relativa autonomia econômica, política e social ao campo, que
foi destruída pela lógica da proposta implantada pela revolução verde, e hoje,
diante das dificuldades, até mesmo seus defensores admitem que este modelo
“se esgotou”, ou seja, não serve mais. O atual momento é, portanto, oportuni-
dade para uma tomada de decisão quanto à proposta do futuro desejado.
Paralelamente, é oportuno também o momento para repensar o
campo enquanto espaço e forma de vida, já que, a partir da implantação do
atual modelo de desenvolvimento, ele passou a ser visto basicamente como
espaço de produção, atraso e ignorância, dentre outros adjetivos negativos.
A condição de “ser gente” da cidadania foi associada ao urbano.

160
Valdemar Arl

Os investimentos em políticas sociais e de infra-estrutura de lazer,


saúde, educação e outras, foram e continuam sendo direcionados ao urba-
no, mesmo em municípios onde a metade ou até mais da metade das pes-
soas vivem no campo e onde muito mais famílias poderão viver. Por isso
é necessário também repensar as políticas públicas, porque o êxodo rural
não interessa ao campo e muito menos às cidades.
Fortalecer a agricultura familiar é uma estratégia importante para
o desenvolvimento sustentável, com repercussões para toda a sociedade,
pois esta tem uma relação de multifuncionalidade que vai muito além da
produção de alimentos, tendo:
• o campo como produtor de alimentos numa visão estratégica quan-
to à segurança e soberania alimentar;
• o campo como gerador de trabalho e renda;
• o campo como guardião da biodiversidade;
• o campo como conservador do meio ambiente;
• enfim, o campo como modo e forma de vida.

Um desafio científico
A ciência resulta da interpretação humana das coisas, dos fenômenos, dos
fatos e dos outros objetos de seu estudo realizado através de um instru-
mental metodológico, e por isso não é infalível. O maior desafio reside, po-
rém, na aplicação de seus resultados, quando transformada em tecnologia
a serviço de corporações, momento em que ela perde sua neutralidade.
Também precisa incorporar novas perspectivas e visões. “O humano
do futuro parece motivado por uma rebelião contra a existência humana
tal como lhe foi atribuída […] ele a deseja trocar por algo produzido por
ele mesmo” (ARENDT, 1958). E, na medida em que o afastamento da exis-
tência humana da natureza se realiza, necessita-se aumentar o nível de
artificialização para poder continuar vivendo, afastando-se cada vez mais
da ciência da vida e exercendo uma vida dominada pela ciência. Interrom-
pem-se os ciclos e segmenta-se a teia da vida, e gastam-se fortunas com
tecnologias e produtos para sustentar a vida nesta nova condição.
Um exemplo clássico desta lógica da ciência pode ser verificado jun-
to ao modelo da revolução verde aplicado na agricultura, onde, simplifi-
cando a análise, conclui-se que os adubos altamente solúveis e os agrotóxi-
cos são recursos que nos permitem produzir em ambientes cada vez mais
degradados.
A agroecologia desafia a fusão da ciência, projeto e processo, pro-
pondo uma nova inserção e relação ecológica necessária para uma relação
produtiva sustentável, e, ao mesmo tempo, partilha de novas condições e

161
Desenvolvimento territorial e agroecologia

relações sociais e econômicas entre os humanos, em um novo projeto de


sociedade. Trata-se de uma nova identidade biológica que insere a espécie
humana como parte na natureza (uma nova identidade como espécie), as-
sociada a uma nova identidade sociopolítica.
Essa fusão de projeto e processo confere à agroecologia uma dimen-
são estratégica, ou seja, muito mais do que uma estratégia de resistência
e sobrevivência, ela é uma importante tarefa de quebra de paradigmas na
construção de uma nova ordem existencial.
No atual contexto conjuntural, assumida desta forma, ela é também
uma luta política que mostra na prática que é possível viver de outra for-
ma, sendo que “o novo é também o caminho que percorremos para atingi-
lo” – um caminho que se constrói ao caminhar. Portanto, mais do que um
ponto de chegada, é essa forma de caminhar num caminho que se faz ca-
minhando, onde cada avanço deve ser assumido e aplicado na prática.
A agroecologia aqui proposta pode ser entendida como:
Processo de produção de alimentos e produtos em conjunto com a natureza,
onde os(as) agricultores(as) possam desenvolver suas atividades sem agredir
o ambiente, tornando-se independentes dos “pacotes tecnológicos” com seus
caros e degradantes insumos industriais, visando não somente as sobras fi-
nanceiras, mas principalmente qualidade de vida. É a base para o desenvol-
vimento sustentável nos aspectos sociais, ambientais e econômicos, envol-
vendo as dimensões políticas, técnicas e culturais, em processos educativos
e metodologicamente adequados, onde os(as) trabalhadores(as) assumem o
protagonismo maior e aumentam seu poder de intervenção na sociedade, de
forma organizada (CEPAGRI, 1998).

Este foi o conceito assumido na fase inicial da organização em Rede


Ecovida de Agroecologia e pretendia situar no contexto, identificar a pro-
posta e expressar a condição de movimento e protagonismo popular.
Quando se defende a agroecologia como uma ciência, está se pro-
pondo muito mais do que condição de disciplina junto à agronomia, ou
seja, uma ciência e lógica transversal, que resulta da interação entre o co-
nhecimento acadêmico e o conhecimento popular, tradicional e histórico.
Uma ciência que se estende inclusive à biologia e à sociologia hu-
mana, reinserindo-nos de forma definitiva como parte na natureza, poden-
do ser definida da seguinte forma: “A agroecologia é uma ciência funda-
mentada na co-evolução dos seres, em interações positivas, de cooperação
– complementaridade e interdependência, que re-estabelece a relação hu-
mana na natureza. Resulta da ecologia aplicada ao humano e às suas rela-
ções de convivência, sobrevivência e produtiva na natureza” (ARL, 2007).
É uma ciência embasada em uma nova consciência, fundamentada numa
visão sistêmica, e que re-estabelece a relação humana, na natureza. Isto
significa uma revisão e re-significação conceitual profunda, proporcionan-
do uma quebra de paradigma se assumido e traduzido na prática.

162
Valdemar Arl

Para aprofundar um pouco mais é preciso entender melhor alguns


princípios da natureza onde tudo se complementa e uma coisa depende da
outra, sejam fenômenos e/ou seres vivos.
No que se refere às espécies vivas, é possível afirmar que sobrevive
melhor o indivíduo ou a espécie que melhor se relaciona com os demais e
no ambiente. Estes são os mais aptos e mais adaptados. A isso chama-se
de co-evolução ou evoluir junto. Trata-se de uma relação de complementa-
ridade, de cooperação e de interdependência, porque não existem seres ou
espécies isoladas.
Considerando que somos parte na natureza, seus princípios também
se aplicam sobre nós, os seres humanos, tanto na relação no ambiente,
quanto na relação entre nós mesmos. A agroecologia se fundamenta e per-
segue esta inserção evolutiva.
Se quisermos continuar existindo, e com qualidade de vida, preci-
samos urgentemente aprender a interagir de forma positiva na natureza e
entre os próprios seres humanos. A começar por uma transformação nos
meios de produção e de consumo, bem como em nossa organização social
e de nossas vidas pessoais.
Há bons avanços teóricos e práticos em todas as regiões do Brasil.
No Sul, há mais de 3.000 unidades familiares de produção com iniciativas
práticas significativas.

Um desafio educacional
Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente desco-
bertas originais; significa também, e, sobretudo, difundir criticamente ver-
dades já descobertas, socializá-las por assim dizer; transformá-las, portanto
em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual
e moral. O fato de que uma multidão de pessoas seja levada a pensar coe-
rentemente e de maneira unitária a realidade presente é um fato “filosófico”
bem mais importante e original do que a descoberta, por parte de um “gê-
nio”, de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos
grupos intelectuais (GRAMSCI).

A velha visão antropocêntrica que coloca o homem como centro de


tudo é uma das primeiras barreiras a serem superadas. Este é um grande
desafio porque resulta de uma construção histórica junto à humanidade,
tendo duas vertentes complementares:
a) A visão teológica a partir de interpretações equivocadas do Gêneses
colaborou na complicação da relação humana com a natureza. Ex.
“O homem criado à imagem e semelhança de Deus”. “O homem vis-
to como dominador e possuidor da terra, que controla a natureza, e
esta, está para servir o homem”. “O homem como último ser criado,
portanto objetivo final da criação”. Uma interpretação correta en-

163
Desenvolvimento territorial e agroecologia

tende, sim, que a condição do humano, portador de consciência, ra-


zão, espírito e alma, não é a de um ser qualquer, mas esta condição
aumenta a sua responsabilidade na relação com o conjunto da natu-
reza, porque lhe permite alterar e definir os rumos futuros dela.
b) A visão científica não colaborou muito na mudança neste afasta-
mento do homem como parte da natureza, acentuando a perspecti-
va da exploração da mesma para o seu benefício. A natureza é vista
como fonte de recursos para a produção de bens e o homem como
detentor da mão-de-obra capaz de gerar estes bens. Esta visão é re-
sultante da concepção política do sistema capitalista sustentado
pela teoria econômica, e mostrou-se incapaz de exercer a conjuga-
ção da produção de bens e geração de riquezas à preservação, à re-
cuperação ambiental e à melhoria das condições socioeconômicas.
O cálculo econômico é a medida para o desenvolvimento. O cresci-
mento econômico e o aumento do PIB (produto interno bruto, que
é a somatória das riquezas produzidas durante um ano), estão longe
de se traduzir também em desenvolvimento social e qualificação da
relação ambiental. A concentração da renda tem forte acento na ex-
ploração da mais-valia do trabalho alheio, mas dá-se também atra-
vés da apropriação da mais valia ambiental.

Ambas as visões, teológica e científica, percebem a natureza como


algo que não existe em si, ou seja, só adquire sentido na medida em que está
em função do ser humano. Assim, estabeleceu-se uma relação utilitarista.
Embora as preocupações com o meio ambiente se universalizem e
popularizem crescentemente, são fortemente impulsionadas pelas conse-
qüências e pelos limites que o esgotamento dos recursos naturais impõe,
ou seja, pelo que podemos chamar de terapia do medo proporcionado pe-
las previsões do aquecimento global, efeito estufa, escassez da água, perda
da biodiversidade etc. As ações e as reações são do tipo: não faça isto por-
que vai acontecer aquilo, como, por exemplo: – não emitir cloro-fluor-car-
boneto, porque a destruição da camada de ozônio poderá nos afetar; – não
desmatar e proteger as margens de rios e fontes porque nos faltará água;
– não desmatar porque o seu efeito sobre a temperatura descongelará os
pólos, e subirá o nível do mar e terras férteis se perderão. Esta ecologia é,
no mínimo, necessária.
Outras vezes são as ações punitivas impostas, e mesmo as pressões
decorrentes das exigências de determinados mercados, que criam a neces-
sidade de selos que traduzam condições ambientais, levando à ações e a
programas nesta área para garantir a sua continuidade neste mercado. A
ecologia também está na moda, ou seja, hoje é moda falar nela. Esta é a
ecologia do oportunismo. Estas formas até têm efeitos positivos, mas difi-
cilmente evidenciam o verdadeiro problema.

164
Valdemar Arl

É necessário, porém, construir uma nova consciência, fundamenta-


da numa visão ecocêntrica, onde o humano se coloca como parte alicerça-
da na bioética. Trata-se de uma visão sistêmica capaz de conectar o local
com o global, o imediato com o futuro, o concreto com o político.
Outro grande desafio a ser superado refere-se ao fato de que, na
maioria dos casos, as soluções propostas diante do grande conjunto de
dificuldades socioambientais que se apresentam são “paliativas”, ou
seja, não resolvem os problemas e, muitas vezes, sequer são suficientes
para amenizá-los. A ineficiência se agrava quando as campanhas pu-
blicitárias, em vez de conscientizar, desviam as atenções do verdadeiro
problema, porque conveniências e interesses impedem a mudança efe-
tiva. Um exemplo clássico são as campanhas de tríplice lavagem, per-
furamento e recolhimento das embalagens de agrotóxicos sem investi-
mentos na pesquisa, acompanhamento técnico para a superação deles.
O problema é a embalagem ou o que havia dentro? Outro exemplo ilus-
trativo é o recolhimento, a separação e a reciclagem do lixo, que são
responsabilidades fundamentais. O problema central para a superação
deste desafio não se resume, porém, no fato do lixo estar misturado ou
na pouca reciclagem, mas, sim, na diminuição de sua produção que au-
menta a cada dia significando mais problemas ambientais, energéticos
e econômicos.
Além das conveniências e dos interesses, esta dificuldade decorre
também da falta de formação e de informação, mesmo junto às popula-
ções envolvidas, porque há limites quanto ao caráter pedagógico e educa-
tivo da luta em si. O estudo e a formação são fundamentais para a criação
da consciência mais efetiva na superação da lógica capitalista presente em
nossas mentes e ações. Qualificar nossa prática significa obrigatoriamente
qualificar nosso embasamento teórico.
A prática é o grande balizador do alcance transformador da concep-
ção teórica já alcançada. A relação entre teoria e prática, especialmente
quanto ao seu caráter inseparável e da permanente dinâmica interativa,
garante-lhe a condição de critério da verdade.
A verdade de um conhecimento ou de uma teoria é determinada não por
uma apreciação subjetiva, mas sim pelos resultados da prática social objeti-
va. O critério da verdade não pode ser outro senão a prática social. Somente
a pratica social dos homens pode constituir o critério da verdade dos conhe-
cimentos que o homem possui do mundo exterior (TSÉ-TUNG, 1937).
A dialética das contradições vai gerando uma nova prática propor-
cionando novas formulações, re-elaborações e aprofundamentos teóricos,
e vice-versa. O contraditório no seio de cada fenômeno é a causa funda-
mental do respectivo desenvolvimento (TSÉ-TUNG, 1937).
A formAÇÃO (processo unitário de interação entre formação e or-
ganização), ou seja, interação teoria e prática, ação e reflexão, em pro-

165
Desenvolvimento territorial e agroecologia

cessos onde o técnico e o político são inseparáveis, tem sido um dos


instrumentos fundamentais na construção dos acúmulos abordados na
construção da agroecologia popular. Formação e organização política
são partes de uma mesma lógica, a da luta popular, cujos sujeitos históri-
cos são os trabalhadores.

Um desafio organizacional
Todas as ações devem constituir-se em processos formativos e organiza-
tivos assumidos pela população, entendendo o trabalho de base como ca-
paz de reforçar e ampliar a construção de uma hegemonia popular fun-
damental para sustentar e colocar em prática a perspectiva mais ampla
de transformação. Qualquer AÇÃO pode tornar-se transformadora se in-
corporar as dimensões: formAÇÃO – organizAÇÃO – multiplicAÇÃO em
caráter de simultaneidade e de inseparáveis. Numa perspectiva dialética,
“formação e organização política são vividas como duas expressões de um
mesmo fazer transformador; fazer que amplia a consciência na sondagem
do real e que, no mesmo processo, organiza a prática social na transfor-
mação do real” (CEPIS, 1996).
Um primeiro desafio organizacional na construção da agroecologia
em sua dimensão estratégica na transformação do campo é a ampliação
do assumir desta bandeira pelos Movimentos Sociais do Campo. O avanço
da proposta de uma agroecologia transformadora ganha muita força com
a adesão deste movimentos tratando-se de avanços tanto nas elaborações
e sistematizações propositivas, como na multiplicação da agroecologia.
Multiplicam-se as iniciativas práticas, os espaços de formação e as articu-
lações. Isto impulsionará e qualificará a luta por políticas públicas mais
abrangentes e efetivas para a conversão agroecológica.
Um segundo desafio organizacional é a articulação e a organização
das próprias iniciativas de agroecologia e a confluência nacional destas
iniciativas dos Movimentos Sociais envolvidos e das Redes. Quanto ao for-
mato organizacional, a articulação em Rede é uma estratégia eficaz porque
pode perpassar Instituições e Movimentos, sendo a organização de socie-
dades articuladas em redes, formas muito atuais e efetivas de sustentação
de identidades coletivas embasadas em padrões comuns de comportamen-
to, valores e perspectivas.
A organização em rede é o exercício da própria vida, aplicado tam-
bém na organização dos que lutam por esta nova forma de perceber e exer-
cer a vida, ligados entre si da mesma forma como tudo na natureza está
ligado. Tudo é uma grande rede, assim como o nosso corpo é uma rede de
órgãos e funções. A articulação em rede é uma forma de organização que
pode se conectar planetariamente, ultrapassando o limite das instituições
e inclusive a divisa dos Estados nacionais.

166
Valdemar Arl

Conclusão
A mudança de comportamento de toda a sociedade é o grande desa-
fio, colocando as questões ambientais e sociais como prioritárias. O
campo possui um papel estratégico e de grande influência, mas neces-
sita de uma nova proposta para sua sustentabilidade e sua inserção
sustentável no desenvolvimento territorial, destacando-se os seguintes
desafios:
• a ressignificação conceitual de desenvolvimento e re-significação do
papel do campo da agricultura familiar/camponesa no desenvolvi-
mento;
• a reconstrução dos sistemas de produção da agricultura familiar/
camponesa e a incorporação da Agroecologia nos processos de cons-
trução da sustentabilidade do desenvolvimento;
• a construção conceitual da própria agroecologia;
• a formação e a organização para as necessárias transformações ideo­
lógicas e sociopolíticas.

Está cada vez mais evidente e urgente a necessidade de conversão


agroecológica no conjunto da agricultura familiar/camponesa. Imagina-se
um processo onde todos possam se incluir e avançar, realizando rupturas
graduais com o “pacote” agroquímico e industrial da revolução verde, bem
como com a lógica de desenvolvimento em vigor, sem a criação de um novo
“pacote” agora mais verde.

Referências

ALMEIDA, Jalcione; NAVARRO, Zander. Reconstruindo a Agricultura:


idéias e ideais na perspectiva do desenvolvimento rural sustentável.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1997.
ALTIERI, Miguel. Agroecologia: Bases científicas para uma agricultura sus-
tentável. Guaíba-RS: Livraria e Editora Agropecuária Ltda, 2002.
ARENDT, Ana. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Editora Forense Uni-
versitária, 2005.
ARL, Valdemar. Reconstrução e re-significação do campo: um desafio sócio-
político, científico e educacional. Ministério do Desenvolvimewnto
Agrário MDA/ Universidade Federal do Paraná UFPR, 2007.
______. Introdução à Agroecologia. Universidade do Contestado. Concór-
dia-SC. UnC/ NEAD, 2005.

167
Desenvolvimento territorial e agroecologia

______. Agroecologia: Uma importante contribuição na construção de uma


nova ordem. Monografia de especialização em agroecologia e desen-
volvimento sustentável. Florianópolis/ SC: UFSC, 2002.
ARL, Valdemar; RHINKLIN, Hansjörg. Livro Verde 2 - Agroecologia. Cepa-
gri e Terra Nova. Caçador-SC. 3. ed. Revisada, 2001.
BONILLA, José A. Fundamentos da Agricultura Ecológica: sobrevivência e
qualidade de vida. São Paulo: Nobel, 1992.
CAPRA, Fritjof. Conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São
Paulo: Cultrix, 2002.
______. A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vi-
vos. São Paulo: Cultrix, 1996.
CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. São Paulo: Editora Paz e Ter-
ra, 1999.
CEPIS - A Concepção Metodológica Dialética, 1996.
CEPIS - Reflexões sobre a educação popular, 1996.
MONTIBELLER-FILHO, Gilberto. O mito do Desenvolvimento Sustentá-
vel: Meio ambiente e custos sociais no moderno sistema produtor de
mercadorias. Florianópolis: Ed. UFSC, 2001.
PERACI, Adoniran Sanches. Agricultura Familiar e Sócioeconomia Solidá-
ria. Florianópolis-SC: Terra Solidária/Cut. Escola Sul da CUT, 2000.
RIBEIRO, Gustavo Lins. Ambientalismo e desenvolvimento sustentado:
nova ideologia/utopia do desenvolvimento. Revista de antropologia.
USP - São Paulo, 1992.
TSÉ-TUNG, Mao. Sobre a Prática e a contradição. São Paulo: Expressão
Popular Ltda, 1999.

168
Agroecologia no Paraná: evolução e desafios
Antonio Carlos Picinatto
Engenheiro Agrônomo, Mestrando em Geografia pela UNIOESTE, campus de Fra-
cisco Beltrão-PR, Instituto Maytenus para Desenvolvimento da Agricultura Sus-
tentável. Toledo-PR | picinatto@maytenus.org.br

Buscando um modelo sustentável para a Agricultura Familiar


A agricultura no sentido de cultura praticada no campo, abrangendo as
técnicas de produção vegetal e animal está em contínua evolução desde
a sua origem até o presente. Sua fase inicial, denominada Tradicional, foi
“atropelada” pela produção convencional, com efeitos nefastos para a sus-
tentabilidade no que se refere aos aspectos ambientais, econômicos e so-
ciais. Primavesi (1992) resume os efeitos nocivos da produção convencio-
nal com as seguintes frases:
A tecnologia agrícola convencional, no mundo inteiro, leva os médios e peque-
nos agricultores à falência. Sem subsídios, a agricultura não sobrevive, graças
à tecnologia atual. É uma agricultura não sustentável: os governos se endivi-
dam, os agricultores vão falindo, os solos se estragam, tornando-se improdu-
tivos, e os consumidores sofrem graças a uma alimentação pouco nutritiva,
biologicamente deficiente. [...] O que torna a agricultura atual inviável são os
preços dos insumos. Nos últimos seis anos, desde 1986, a agricultura brasilei-
ra trabalhou no vermelho. É o resultado da tecnologia altamente químico-me-
canizada implantada pela “Revolução Verde”. Desde então parece que o desti-
no dos pequenos agricultores são as favelas das grandes cidades. Porém existe
uma chance para o agricultor e esta é de mudar o enfoque e a tecnologia.

169
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Em oposição à esta lógica consumidora dos recursos naturais, vá-


rios pensadores se dedicaram a desenvolver modelos mais sustentáveis
para a agricultura, que foram propostos em conformidade com as carac-
terísticas de cada país, gerando diversas tecnologias. Dentre estes pen-
sadores podemos citar Rudolf Steiner, filósofo Austríaco que a partir do
curso agrícola promovido pela sociedade Antroposófica no ano de 1924
em Koberwitz, criou o modelo biodinâmico, fundamentado no slogan:
Solo saudável – planta saudável – animal saudável – ser humano saudável
e feliz. O Botânico e Agrônomo inglês Sir Albert Howard em 1930 desen-
volveu a partir de observações das praticas agrícolas dos agricultores in-
dianos a Agricultura Orgânica, a qual considera que a fertilidade do solo
é o fator principal da não ocorrência de doenças nas plantas e animais e
que não é uma questão de quantidade de elementos químicos, mas sim da
dinâmica do solo. O político suíço Hans Peter Muller, em 1930 desenvol-
veu os fundamentos da Agricultura Biológica com várias propostas, den-
tre elas os sistemas de distribuição direta aos consumidores. Em 1935,
Mokiti Okada e Masanobu Fukuoka no Japão desenvolveram as bases da
Agricultura Natural, enfatizando a economia da energia humana e orien-
tando para as tecnologias que não atrapalham os processos da natureza.
A Agricultura Alternativa surgiu enquanto movimento em 1970 nos Es-
tados Unidos, devido a crise do petróleo, buscando técnicas de produção
que não dependessem da energia dele, o que estimulou o surgimento de
grupos de Agricultura Alternativa nas Universidades do Brasil, contri-
buindo com a formação dos agrônomos que apóiam atualmente os pro-
jetos Agroecológicos. A Permacultura é criada por Bill Mollison e David
Holmgren na Austrália em 1970 e propõe sistemas agrícolas auto-susten-
táveis e permanentes. Na Permacultura a agricultura é a arte de colher
o sol. A Agroecologia surge em 1980 com o agrônomo Miguel Altiere na
Universidade da Califórnia, o qual define sua base cientifica a partir de
estudos dos métodos da Agricultura Tradicional do Peru e México. No
Brasil os agrônomos José Lutzenberger e Ana Maria Primavesi criaram
a Agricultura Ecológica com a célebre frase “não basta ser orgânico, tem
que ser ecológico”. Todos estes filósofos contribuem para o desenvolvi-
mento de um modelo agrícola mais sustentável que o convencional im-
plantado no Paraná. A agricultura denominada Agroecológico ou Orgâni-
ca é o resultado da somatória das tecnologias e conceitos propostos por
vários modelos provenientes de outros países, somado ao conhecimento
do agricultor paranaense das várias regiões. Pode-se notar nas proprieda-
des agrícolas uma certa tendência de aplicação de filosofia e tecnologia
de várias destas correntes, no entanto o que está em desenvolvimento no
Estado do Paraná em termos de agricultura sustentável é algo novo e que
futuramente poderá ter uma nova denominação que expresse o que real-
mente está sendo construído.

170
Antonio Carlos Picinatto

O processo de conversão no Estado do Paraná


O Estado do Paraná a partir das iniciativas da região Sudoeste é considera-
do pioneiro no cultivo e exportação da soja orgânica, processo que se ini-
ciou há aproximadamente doze anos atrás, em propriedades agrícolas que
mantiveram algumas características tradicionais, com trabalhos executa-
dos pela família e orientados pela sabedoria dos antepassados agricultores,
no que se refere aos métodos produtivos para vegetais e animais. Estas pro-
priedades preconizadoras da atual Agricultura Orgânica ainda não tinham
sido totalmente absorvidas pelas tecnologias da produção convencional.
Atualmente pode-se observar toda uma organização na produção,
estrutura de armazenamento e logística de comercialização, que têm per-
mitido aos produtores orgânicos agregarem valor à soja. A experiência da
APOP – Associação dos Produtores Orgânicos de Pérola do Oeste demons-
trou que a comercialização da soja orgânica aconteceu com valor de US$
22,00 a saca na safra 2006/2007.
A referida estrutura tem sido desenvolvida pela iniciativa privada
e por investidores estrangeiros, destacando-se as empresas que integram
produtores da soja orgânica, como a Terra Preservada, Agrorgânica, To-
zan, Gebana e Gama. A agregação de valor é notória e satisfatória, no en-
tanto a visão estratégica nos leva a buscar tecnologias objetivando a redu-
ção no custo de produção para competirmos em nível mundial.
Ainda no que se refere à agregação de valor, devemos considerar a
agroindustrialização de produtos orgânicos, ao invés de simplesmente co-
mercializarmos a matéria-prima. O Brasil deve vender produtos orgânicos
transformados, porque além de agregar valor, tornará útil o cidadão bra-
sileiro, que participará do processo de transformação da matéria-prima.
Uma das iniciativas é da empresa Jasmine Comércio de Produtos Alimen-
tícios Ltda. com sede em Curitiba e que tem uma linha de produtos orgâ-
nicos, como o açúcar mascavo, bebida de soja, cookies integrais, chá mate,
farinhas, soja e arroz integral, e outra iniciativa de destaque é a produção
de ovos orgânicos pela Gralha Azul Avícola, de Francisco Beltrão-PR.
Outras iniciativas empresariais se referem à produção de insumos, é
o caso da fábrica da família Pegoraro no município de Boa Vista da Apare-
cida-PR, que elabora os adubos orgânicos peletizados, e também da fábri-
ca de adubos Fertiplan de Planalto, que teve importância no fornecimento
de insumos orgânicos certificados pela empresa IMO – Control do Bra-
sil, com matriz na Suíça, até aproximadamente o ano de 2004. Nas safras
2005/06 e 2006/07 a empresa que distribuiu fertilizantes certificados foi a
Ecossuper de Pranchita.
Esta evolução do mercado de produtos orgânicos que está aconte-
cendo no Estado do Paraná é o resultado de uma conjuntura internacional.
Estudos de Yussefi (2006) relatam que o México é o país com maior núme-

171
Desenvolvimento territorial e agroecologia

ro de propriedades orgânicas, totalizando 120.000 e o Brasil é o décimo ter-


ceiro país com 14.003. Em termos de porcentagem de área agrícola orgâni-
ca o primeiro país é Liechtenstein (26,40%), e o Brasil é o qüinquagésimo
oitavo com 0,34%. A Austrália ocupa o 1º lugar no ranking da maior área
agrícola orgânica com 12.126.633 hectares e o Brasil está classificado em
sexto lugar, com 887.637 hectares. Pode-se ter a falsa idéia de que o merca-
do de orgânicos irá saturar, no entanto, o que importa é conhecer e aceitar
as novas tecnologias que estão sendo difundidas no mundo, e que poderão
reduzir o custo de produção, por não poluírem e satisfazerem consumido-
res exigentes em termos de qualidade nutricional dos alimentos.
Na América Latina, o crescimento deste mercado está ligado de ma-
neira mais forte às culturas de exportação. No Brasil, a produção visa tam-
bém ao abastecimento do mercado interno, principalmente com legumes
e verduras, utilizando diferentes canais de comercialização (feiras, hospi-
tais, cestas em domicílio, lojas de produtos naturais, supermercados). As
exportações estão mais restritas às commodities: soja, café, açúcar, óleo de
palma e de dendê, entre outras (FONSECA, 1999).
O apoio governamental na Europa foi fundamental na construção
do mercado orgânico. A partir de julho de 1991 a regulamentação da nor-
ma UE 2092/91 da Comunidade Econômica Européia, que trata da produ-
ção e comercialização de produtos orgânicos nos países da Comunidade,
alicerçou as bases legais e possibilitou uma expansão deste comércio nos
diversos países (HAMM, 1997).
Nos países que tiveram maior crescimento deste mercado, como a
Dinamarca e a Áustria, o papel das políticas públicas foi voltado, principal-
mente, para um plano de marketing e esclarecimento ao consumidor (2/3
dos subsídios), para a conversão dos agricultores, o desenvolvimento de pes-
quisas e a capacitação dos técnicos (1/3 dos subsídios) (FONSECA, 1999).
A SECEX – Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desen-
volvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) divulgaram que o Brasil
exportou no período de agosto de 2006 a janeiro de 2007 mais de 5,5 mi-
lhões em orgânicos, sendo os principais itens o açúcar, a manteiga, o café, o
cacau e as frutas frescas e secas. Os compradores foram os EUA com 41,2%
e a Holanda com 29,5% seguidos do Canadá, Japão e Reino Unido.
Na safra 2001/02 o Departamento de Economia Rural – DERAL e a
Empresa Paranaense de Extensão Rural – EMATER identificaram 3.475
produtores cultivando 12.991 hectares, com produção de 47.958 toneladas,
no Estado do Paraná.
Segundo o Coordenador de Agricultura Orgânica da Emater-PR, Ha-
merschmidt (2007), o Estado do Paraná apresentou 4.138 produtores com
média de 3,0 hectares por família e produção total de 75.900 toneladas na
safra 2004/05. A soja chegou a 5.772 toneladas na safra 2004/05 sendo ex-
portada 98% para a Europa, Ásia e Estados Unidos. Outros produtos de

172
Antonio Carlos Picinatto

destaque são o açúcar mascavo também exportado para a Europa, as hor-


taliças e frutas que na sua maioria são para consumo interno e alcançaram
22.000 toneladas também na safra 2004/05, o milho, feijão, café, plantas
medicinais, arroz, mandioca e trigo. Hamerschmidt (2007) cita alguns pro-
jetos no Estado do Paraná, sendo: Pólo de Agroecologia do litoral do Para-
ná abrangendo 320 agricultores; projeto Cultivando Água Boa, nas regiões­
de Cascavel e Toledo com 225 agricultores; projeto orgânico da Região
Metropolitana de Curitiba com 551 produtores; Parceiros Orgânicos do
Noroeste, incluindo as regiões de Maringá, Campo Mourão, Umuarama e
Paranavaí com 500 agricultores distribuídos em 23 municípios; projeto de
frutas, hortaliças e grãos orgânicos da região de União da Vitória com 75
produtores; projeto orgânico de grãos e açúcar mascavo do Sudoeste com
678 produtores; projeto orgânico de açúcar Mascavo e café de Santo Antô-
nio da Platina com 228 produtores; projeto de café orgânico de Londrina
com 39 produtores; projeto APOL – Associação dos Produtores Orgânicos
da Região de Londrina e Cornélio Procópio, com 178 produtores produzin-
do frutas e hortaliças; projeto de plantas medicinais e grãos da região de
Guarapuava, Ponta Grossa e Irati com 620 produtores.
Atualmente a idéia do processo de conversão da produção conven-
cional para a Agricultura Orgânica está disseminada em praticamente
todo o Estado do Paraná, com excelente aceitação da população em geral
e com envolvimento da maioria das instituições que atuam na agricultu-
ra e pecuária.

Quem está se tornando Orgânico no Estado do Paraná?


No Sudoeste do Paraná, na região do PROCAXIAS podemos ilustrar os
grupos de agricultores em conversão conforme dados de Maytenus (2003),
apresentando as características da AAOSL – Associação dos Agricultores
Orgânicos de Salto do Lontra, que tem como principais atividades agrícolas
o cultivo da soja, cana-de-açúcar, mel, banana, citrus, pêssego, leite, frango,
amendoim, farinha de mandioca, suínos,ovos, e o fabrico de rapadura, açú-
car mascavo e queijo. A área média das propriedades da AAOSL é de 14,46
hectares, sendo a maior propriedade de 45,60 hectares e a menor com 0,5
hectare. O somatório da área total das propriedades é de 327,29 hectares.
Neste ano de 2007, motivada pela forte idéia da organização territo-
rial, o destaque é a APROSUDOESTE – Central de Associações de produto-
res Orgânicos do Sudoeste do Paraná, a qual foi constituída no ano de 2006
por 5 associações de agricultores orgânicos, sendo a APOP – Associação de
Produtores Orgânicos de Pérola Do Oeste, APROVIDA – Associação de Pro-
dutores Orgânicos de Pato Branco, APROPAL – Associação de Produtores
Orgânicos de Palmas, ECOFLOR – Associação de Produtores Orgânicos de
Flor da Serra do Sul e APROSANTO – Associação de Produtores Orgânicos

173
Desenvolvimento territorial e agroecologia

de Santo Antonio do Sudoeste. Cada uma das associações destaca-se pelos


seus produtos, sendo: Pérola do Oeste (soja); Santo Antonio do Sudoeste
(hortaliças, soja e açúcar mascavo); Palmas (hortaliças com destaque para
o morango); e Pato Branco (hortaliças, cachaça) e Flor da Serra do Sul
(plantas medicinais, com destaque para capim – limão). Os documentos
de controle interno da APROSUDOESTE para fins de certificação com a
Ecocert apresentam 71 propriedades com média de 9 hectares, e produ-
ção total estimada de 2.764,32 toneladas para mercado nacional e inter-
nacional, conforme as legislações da Comunidade Econômica Européia
(UE 2092/91), Estados Unidos (NOP) e Japão (JAS). A APROSUDOESTE é
resultado de um projeto realizado pelo SEBRAE de Pato Branco, Instituto
Maytenus, Fóruns de Desenvolvimento Local, Ministério do Desenvolvi-
mento Agrário (SAF) e Secretarias de Agricultura das prefeituras dos mu-
nicípios, dentre outros apoiadores.
As organizações de agricultores orgânicos e agroecológicos no Su-
doeste do Paraná regra geral foram preconizadas por projetos, dentre eles:
1. Fortalecimento e Ampliação de ações em Agroecologia e Desenvolvi-
mento local/regional Sustentável na região Sudoeste do Paraná (ASSES-
SOAR/MDA); 2. Apoio a projetos de infra-estrutura em territórios rurais
(Rede Ecovida /prefeitura Itapejara do Oeste/MDA); 3. Projeto de capaci-
tação de agricultores ecológicos (Rede Ecovida/MDA); 4. Fortalecimento
do Capital Social das Associações de Agricultores Orgânicos do Sudoeste
do Paraná (Instituto Maytenus/MDA); 5. Agroindustrialização de uva agro-
ecológica para suco (Grupo de trabalho agroindústria território Sudoeste
do Paraná/MDA); 6. Projeto de Estruturação das Organizações Sindicais
de Classe (Projeto Território Sudoeste/MDA); 7. Projeto para implantação
de unidade de recepção, beneficiamento e armazenagem de grãos orgâni-
cos (Projeto Território do Sudoeste do Paraná CAMDUL/MDA); 8. Projeto
de Inclusão Social e Biodiversidade (Cooperiguaçu/Ong Trias da Bélgica
e MDA); 9. Projeto FOME ZERO – Compra Direta Local da Agricultura
Familiar (Associações Agricultores /Governo Federal e Estadual/Convênio
058/2003 – MESA); 10. Programa de Agricultura Orgânica (SEBRAE-PR
– Pato Branco); 11. Agrotransformação e comercialização de Produtos Or-
gânicos no ProCaxias (SEBRAE-PR – Cascavel) etc.
Outra evolução importante no que se refere ao desenvolvimento sus-
tentável a partir da Agroecologia é o surgimento de sistema de certificação,
é o caso da Rede Ecovida.
Segundo Rebelatto (2005) o Núcleo Sudoeste da Rede Ecovida é
constituído por 15 grupos e associações, totalizando 150 famílias. No Esta-
do do Paraná são 84 grupos ou associações e 741 famílias.
Conforme entrevista à Rede Ecovida em outubro de 2005 o número
de famílias associadas era de 166, sendo que as últimas duas associações
foram dos municípios de Flor da Serra do Sul e Clevelândia.

174
Antonio Carlos Picinatto

Considerando os 42 municípios do Sudoeste do Paraná o estudo de-


nominado Diagnóstico das Iniciativas de Agricultura Orgânica e Agroeco-
lógica no Sudoeste do Paraná identificou 31 organizações de agricultores
denominadas Associações, Cooperativas e Grupos informais de agriculto-
res orgânicos e agroecológicos. O número de famílias que fazem parte des-
tas organizações e que estão reconhecidas por certificadoras ou que solici-
taram a certificação é de 284. Estas famílias produzem diversas culturas,
com algumas inovações como, por exemplo, o cultivo de plantas medici-
nais em Flor da Serra do Sul.
A evolução que está ocorrendo no Sudoeste do Paraná no que se
refere às organizações de agricultores familiares (incluindo os orgânicos
e agroecológicos) é o cooperativismo da Agricultura Familiar, denomina-
do de COOPAFI – Sistema de Cooperativas da Agricultura Familiar, o qual
contempla a comercialização a partir de pontos fixos de venda dos produ-
tos da Agricultura Familiar Orgânica e Agroecológica.
Algumas iniciativas de produtores orgânicos que não fazem parte
de organizações de agricultores orgânicos ou agroecológicos foram identi-
ficadas nos municípios de Chopinzinho, Clevelândia e Palmas, sendo que
no município de Chopinzinho a produção certificada é de erva-mate e nos
demais municípios, principalmente de soja orgânica certificada. Algumas
destas iniciativas de produtores individuais se destacam devido ao cultivo
de cereais orgânicos em áreas maiores que Agricultores Familiares vincu-
lados ao associativismo. No que se refere à produção de soja orgânica nos
municípios do Sudoeste do Paraná, conforme comercialização por empre-
sas integrantes das safras 2001 a 2005, identificou-se 22 com comercializa-
ção de soja orgânica certificada neste período. A contagem do número de
produtores revelou que na safra de 2001/2002, 407 agricultores comercia-
lizaram soja orgânica por empresas integradoras; na safra de 2002/2003,
373; na safra de 2003/2004, 333 e na safra de 2004/2005, 263. Esta redução
na comercialização do produto possivelmente foi em função de estiagem.
A área de produção de soja orgânica dos agricultores que comerciali-
zaram de forma integrada com as empresas de exportação do Sudoeste do
Paraná, na safra 2001/2002 foi de 2.308 hectares; na safra 2002/2003, 2.318
hectares; safra 2003/2004 de 1.778 na safra 2004/2005 de 1.988 hectares.
O total comercializado na safra de 2001/2002 foi de 4.110 toneladas;
na de 2002/2003 de 4.612; na de 2003/2004 de 3.042 e na safra 2004/2005
de 3.684 toneladas.
Quanto à soja orgânica ainda é importante enfatizar que o número
de agricultores, a área cultivada e o total de produção se referem àqueles
agricultores que comercializaram com as empresas integradoras, logo es-
tes números, possivelmente são maiores uma vez que existem agricultores
que podem ter comercializado soja orgânica, por outras logísticas de co-
mercialização.

175
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Identificou-se em 13 municípios 14 pontos de comercialização de


alimentos orgânicos e agroecológicos coordenados (ou com participação)
por agricultores familiares no Sudoeste do Paraná, sendo que em alguns
casos são exclusivamente de alimentos orgânicos e agroecológicos.
O crédito rural para a Agricultura Orgânica e Agroecológica foi iden-
tificado em duas organizações. A CRESOL BASER – Cooperativa Central
de Crédito Rural com Interação Solidária, lançou no ano de 2005 uma li-
nha de Crédito Rural Orgânico/Agroecológico para custeio e investimentos
com recursos próprios e a empresa Agrorgânica em parceria com o IBD
– Instituto Biodinâmico, disponibilizou aos seus integrados o crédito rural
Banco do Brasil Agricultura Orgânica.
Estes tipos de agricultura estão em expansão no Sudoeste do Para-
ná, fortemente apoiados pelos princípios do desenvolvimento sustentável,
que por sua vez é apoiado pela SDT/MDA – Secretaria de Desenvolvimento
Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Devido a esta evolução podemos afirmar que a Agricultura Familiar
a partir da Agroecologia e da agricultura Orgânica é o presente e o futuro
do Sudoeste do Paraná.
Na região Oeste do estado, no município de Palotina, o tamanho
médio das propriedades dos associados da APOP – Associação dos Produ-
tores Orgânicos de Palotina é de 37,77 hectares, totalizando 757 hectares
de área agrícola. No entanto, a média não é representativa da maioria, pois
uma das propriedades possui 408,3 hectares enquanto a menor, apenas 1,7
hectares. Classificando-se por área as 21 propriedades dos associados da
APOP, teremos o descrito no quadro a seguir:

Quadro 1 – Características gerais da APOP - Associação dos Produtores Orgânicos de


Palotina-Pr - 2003
Classes -
Tamanho das áreas hectares Atividades
hectares
Hortaliças, leite, milho, cana-de-açúcar(cachaça),
0 -10 2,9; 7,4; 7,3; 1,7; 3,63; 4,8
mandioca
10-20 12,8; 15,5; 12,1; 12,1 Soja, leite, cana-de-açúcar (melado e doces),
20-30 24,2; 27,0; 20,5; 25,4; 25,5;24,2 Soja, milho, leite, suínos, aves, café, trigo, pastagem,
30-40 36,2; 37,5; 35,8 Soja, milho, pastagem, trigo, suínos, uva, mandioca
Acima de 40 48,4; 408,3 Soja, milho, leite, ovos, peixes, hortaliças, trigo

A Associação São João Batista do município de Iracema do Oeste


com 14 sócios, tem o seu projeto direcionado para o café, atividade agríco-
la onde a maioria atua. Enquanto atividades também podemos citar a soja,
milho, avicultura, hortaliças, bovinos de corte, vassoura, pastagens e trigo.
A média das propriedades possui 20,64 hectares, sendo treze propriedades

176
Antonio Carlos Picinatto

menores que 30 hectares e apenas uma com 181,50 hectares. A menor pro-
priedade para esta associação é de 6,3 hectares.
Outra Associação descrita para caracterizar o público que está se
convertendo para a Agricultura Orgânica no Oeste paranaense, é a de Assis
Chateaubriand, denominada APOAC – Associação de Produtores Orgâni-
cos de Assis Chateaubriand, na qual estão associados 13 agricultores, com
áreas entre 2,50 a 29,04 hectares tendo como principais atividades agríco-
las: soja, milho, arroz, batata doce, bovinos de leite, mandioca, café, frutas
cítricas, caqui, frangos, cana-de-açúcar para cachaça e hortaliças.
O surgimento dos projetos de Agricultura Orgânica no Oeste do Pa-
raná foram mais evidentes a partir de 2000, sendo que no ano de 2007
observou-se a organização territorial da APOMOP – Associação dos Pro-
dutores Orgânicos do Médio Oeste do Paraná, abrangendo os municípios
de Palotina, Assis Chateaubriand, Formosa do Oeste, Nova Aurora, Jesuí­
tas e Iracema do Oeste. Na APOMOP 51 agricultores são produtores de
café orgânico certificados pelo IBD – Instituto Biodinâmico. Sua marca é
a ORGANIVIDA e a sua estratégia principal é a venda direta ao consumi-
dor, com 15 feiras. A comercialização internacional também é um objetivo,
sendo que no ano de 2007 participou da Feira BioFAch em Nurenberguer,
Alemanha. Além do café esta associação também produz soja orgânica. A
organização territorial permite o estabelecimento de parcerias, sendo que
a cooperativa COPACOL está inserida no processo.
Outra atividade em pleno desenvolvimento no Estado do Paraná é
a produção de algodão orgânico. A partir da parceria entre MAYTENUS,
Coexis Pesquisa e Desenvolvimento, Emater e prefeituras, desenvolveu-se
a tecnologia e a conseqüente produção do produto nos municípios de Cru-
zeiro do Oeste, Pérola, Altônia, São Jorge do Patrocínio, Esperança Nova,
Francisco Alves, São José das Palmeiras e Diamante do Oeste. O total de
hectares cultivados é de 21, com participação de 24 famílias. A produtivi-
dade, considerando todas as propriedades, está em torno de 1.600 kg/ha,
sendo que é menor nos solos de arenito. A comercialização foi contratada
com a empresa YD Confecções com sede na cidade de São Paulo, com va-
lores 30% acima do maior preço de mercado ou acima do preço mínimo,
valendo o que fosse maior. A tecnologia utilizada propiciou a certificação
para produtos orgânicos destinados ao mercado nacional, europeu e norte-
americano, feita atualmente pelo IBD – Instituto Biodinâmico.
No Norte do Paraná, na regional de Londrina, considerando os mu-
nicípios de Kaloré, Marilândia do Sul, Rosário do Ivaí e Borrazópolis, fo-
ram cadastradas para efeito de certificação no ano de 2003 pelo Instituto
Maytenus, 51 propriedades totalizando 1.102,81 hectares, dos quais 434,56
hectares estão em processo de conversão. Para esta região a média das pro-
priedades dos participantes dos grupos de agricultores orgânicos fica em
21,62 hectares. Ainda no Norte do estado, considerando os municípios de

177
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Guapirama, Conselheiro Mairinck, Jundiaí do Sul e Ribeirão do Pinhal,


foram cadastradas para efeito de certificação 54 propriedades, totalizando
3.052,27 hectares, dos quais 1.383,80 estão em processo de conversão. Des-
ta forma o tamanho médio das propriedades dos grupos de orgânicos para
a região acima descrita é de 56,52 hectares.
Considerando uma classificação mais definida metodologicamente
por Darolt (2002), onde seus estudos definiram dois grandes grupos dis-
tintos, pode-se dizer que os agricultores em processo de conversão corres-
pondem aos grupos denominados de Agricultor Familiar em Transição e
Agricultor Familiar Orgânico. Conforme a classificação de Darolt (2003) o
primeiro grande grupo é constituído pelos tipos denominados de Agricul-
tor Familiar Orgânico e por Agricultor Familiar em Transição, ambos com
lógicas familiares, e correspondem a 90% das amostras. O segundo gran-
de grupo tem lógicas empresarias e é denominado de Empresário Agríco-
la Orgânico e Empresário Agrícola em Transição, e corresponde a apenas
10% da amostra.
Os motivos que são mais explicitados por estes agricultores que en-
tram no movimento da Agricultura Orgânica ou agroecológica são a intoxica-
ção por agrotóxicos e a inviabilidade econômica da produção convencional.

Desafios
Promover a evolução do ser humano para propiciar o entendimento quan-
to aos malefícios provocados pelos insumos agrícolas convencionais e a
necessidade de utilização racional dos recursos naturais é o maior desafio
da agricultura agroecológica. As associações vinculadas à APROSUDOES-
TE promovem jantares orgânicos todos os anos objetivando a formação de
consumidores, sendo destaque a APROVIDA de Pato Branco, que recebeu
aproximadamente 500 pessoas no jantar promovido em 2006, durante o
evento da Expopato. Quando a população descobre a contaminação exis-
tente nos seus alimentos começa a apoiar a Agroecologia. O relatório do
Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos no Esta-
do do Paraná, Secretaria de Estado da Saúde do ano de 2003 aponta para
a contaminação de alimentos utilizados diariamente. De um total de 407
amostras, 55,3% apresentaram resíduos de agrotóxicos, com destaque para
tomate, maçã e morango os atingindo o percentual de 90%. Das 225 amos-
tras contaminadas, 118 (65%) apresentaram agrotóxicos não autorizados
para a cultura e 45% apresentaram resíduos acima dos valores permitidos
pela legislação vigente. O total de princípios ativos detectados foi de 21.
O relatório orienta para o cancelamento do registro do Endossul-
fan e Dicofol porque na classificação internacional (IUPAC – Internation
Union of Pure and Applied Chemistry) são do grupo químico dos organo-
clorados, os quais foram proibidos na maioria dos países, bem como orien-

178
Antonio Carlos Picinatto

ta para a reavaliação dos ditiocarbamatos dadas as incertezas quanto aos


riscos à saúde humana e ambiental.
Para os agricultores familiares que produzem soja orgânica no Su-
doeste do Paraná, segundo diálogo com a APOP – Associação de Produ-
tores Orgânicos de Pérola do Oeste-PR, o desafio maior é a estrutura de
armazenamento, que propiciaria a realização de comercialização direta-
mente com as empresas que distribuem produtos orgânicos na Europa.
Atualmente esta comercialização acontece por meio de empresas que inte-
gram agricultores, ou que estabelecem contratos antecipados.
Outro desafio para promover a agregação do valor é a transformação
da matéria - prima aqui no Brasil, preferencialmente com agroindústrias
nas comunidades rurais e com gestão realizada pelos próprios agricultores
familiares. Este desafio é grande, uma vez, que quando se compara a tec-
nologia brasileira em relação a dos países importadores, é evidente a ne-
cessidade da importação destas tecnologias para que possamos apresentar
o produto acabado conforme a exigência da população consumidora.
Algumas atividades agrícolas agroecológicas ainda não foram reco-
nhecidas. Um exemplo é a produção do leite agroecológico, para o qual
não há laticínios exclusivos que o processe e embale. Então acontece a
mistura do leite convencional, com o orgânico. Nas propriedades orgâni-
cas, devido ao desenvolvimento de um sistema apropriado, observa-se que
o manejo dos animais, a alimentação, e os medicamentos utilizados cor-
respondem à legislação para orgânicos, sendo o motivador para a adoção
desta tecnologia a redução no custo de produção. Segundo Khatounian
(2001) as pastagens são pulverizadas pelo 2,4-D, principal princípio ativo
do agente laranja e causador da focomielia, anomalia observada após o
ataque dos Estados Unidos contra o Vietnã, nos filhos de soldados norte-
americanos e vietnamitas.
A falta de produção de sementes conforme as necessidades da agro-
ecologia tem se demonstrado um fator de redução da eficácia dos métodos
de conversão de propriedades convencionais para sistemas agrícolas agro-
ecológicos. Os cultivos têm sido praticados com sementes convencionais,
pois em épocas de seca os agricultores não conseguem produzir semen-
tes orgânicas em quantidade suficiente para fazerem novos cultivos, bem
como algumas regiões não são propícias à produção de sementes devido à
condições climáticas.
As propriedades agroecológicas são constantemente vítimas de fato-
res externos, por exemplo, a deriva de agrotóxicos de outras lavouras; em
casos mais graves até por pulverizações aéreas, fator que obriga a implan-
tação de barreiras vegetadas. Neste caso o desafio maior é tornar obriga-
tória a penalização daquele que utiliza o agrotóxico, logo, ele é que deve
implantar barreiras vegetadas, não simplesmente por contaminar a produ-
ção agroecológica, mas sim, por causar contaminações generalizadas no

179
Desenvolvimento territorial e agroecologia

ambiente. Pessoas que trafegam nas rodovias ficam submetidas constante-


mente aos agrotóxicos, bem como a grande maioria das pessoas que estão
próximas de áreas produtivas convencionais.
As sementes transgênicas, principalmente as de soja, têm provoca-
do contaminação em lavouras orgânicas, o que condena os grãos colhidos,
que têm que ser comercializados com classificação de convencional, além
de provocarem aumento nos custos de produção devido à obrigatoriedade
de análise para transgenía nas sementes e nos grãos colhidos. A possibili-
dade de mistura de grãos transgênicos, convencionais com os agroecológi-
cos também é uma agravante, uma vez que as estruturas de armazenamen-
to ainda são escassas.
Uma estruturação de sistema de comercialização que permita a ven-
da direta aos consumidores e fluxo de produtos entre regiões promoverá a
comercialização. Algo com pouca intensidade já existe, por exemplo, o café
orgânico produzido em Jesuítas-PR, que é comercializado no Sudoeste do
Paraná com a marca Organivida da APOMOP – Associação dos Produtores
Orgânicos do Médio Oeste do Paraná.
Os sistemas agroecológicos dependem do nitrogênio atmosférico,
que é fixado por plantas da família das leguminosas em simbiose com bac-
térias do gênero Rhizobium, logo, a disponibilização de sementes de espé-
cies eficazes para a fixação biológica do nitrogênio, bem como a identifica-
ção de espécies nativas e introdução de espécies exóticas são fundamentais
em todas as regiões do Paraná. Neste sentido o IAPAR – Instituto Agronô-
mico do Paraná apoiado por organizações regionais faz um trabalho res-
peitável.
Educação para o associativismo e cooperativismo e não para a com-
petição, é um grande desafio, pois existe a necessidade de formação de
associações e cooperativas de consumidores, de produtores, de técnicos,
dentre outras formas de organização que contribuirão para a superação
dos obstáculos.
Fortalecer a distribuição de insumos, facilitando a transição para
uma nova base tecnológica é crucial e desafiador. A evolução que está ocor-
rendo no Sudoeste do Paraná no que se refere às organizações de agricul-
tores familiares e que está incluindo os orgânicos e agroecológicos é o co-
operativismo da Agricultura Familiar, denominado de COOPAFI – Sistema
de Cooperativas da Agricultura Familiar, o qual contempla a distribuição
de insumos e a comercialização a partir de pontos fixos de venda dos pro-
dutos da Agricultura Familiar Orgânica e Agroecológica.
Produzir sem destruir os recursos naturais é a grande questão. A de-
pendência da produção convencional em relação ao petróleo para a produ-
ção de insumos é um dos fatores que a torna insustentável.
Universidades desenvolvendo pesquisas e fundamentando cientifi-
camente as tecnologias hoje praticadas nas propriedades agroecológicas é

180
Antonio Carlos Picinatto

indispensável para a evolução da Agroecologia, pois desenvolver uma base


científica é o desafio maior proposto por Altieri (1989).
A preservação da água evitando a sua contaminação por agrotóxicos é
essencial, uma vez que se isso acontece, a produção orgânica é inviabilizada.
Linarth (2000) na revista do Crea/PR, anunciou que no ano de 1999 foram uti-
lizadas no estado 42.548 toneladas de agrotóxicos, sendo 62% herbicidas.
Nas palavras citadas na revista temos:
Profissionais da saúde alertam sempre para a possibilidade de doenças de-
generativas crônicas, decorrentes da absorção continuada de doses de agro-
tóxicos, insuficientes para determinar intoxicações agudas, mas capazes de
causar efeitos cumulativos, provocando inflamações e afecções nos rins,
doen­ças nervosas retardadas, problemas no fígado, tumores malignos.
A contaminação dos rios do Paraná e a importância dos projetos de
Agricultura Orgânica e Agroecológica ficam ainda mais evidentes quando
se analisa um estudo realizado pela SUREHMA – Superintendência dos
Recursos Hídricos e Meio Ambiente do Paraná – citado por Bull (1986)
o qual relata a presença de BHC, DDT, ALDRIN e HEPTACLORO nas ba-
cias dos rios Iguaçu, Piquiri, Ivaí, Tibagi, Cinza, Paranapanema e Pirapora.
Nele foram coletadas 1.825 amostras dos rios paranaenses e 84% delas es-
tavam contaminadas, geralmente por vários princípios ativos. 78% depois
de tratadas ainda continuaram apresentando resíduos. Este estudo mostra
que, os rios do estado do Paraná estão sendo sucateados, representando
um grande risco para as populações urbanas que vão consumindo doses
cumulativas, não só na sua comida, mas também na água que bebem.
Andreoli (1998) divulgou estudos relatando que o Estado do Paraná
utiliza mais de 400 ingredientes ativos distribuídos em aproximadamente
700 marcas comerciais, e que a portaria 36/Bsb do Ministério da Saúde, que
vigora no Brasil, está obsoleta, pois dentre os 20 ingredientes definidos como
indicadores, somente o Endosulfan encontra-se entre os 5 mais utilizados na
agricultura atualmente. Em resumo, a legislação está orientando para a aná-
lise da água em busca de ingredientes ativos que não mais são utilizados na
agricultura enquanto os mais aplicados hoje não são previsto por lei.
A recuperação da flora regional propiciando a proliferação de “ami-
gos naturais”, ou seja, aqueles seres vivos que combatem as denominadas
pragas agrícolas, também é um objetivo a ser alcançado. Um exemplo é o
grupo dos Trichogrammas, pequenas vespas que parasitam ovos da lagarta-
do-cartucho do milho.
Os desafios são muitos e submetem os agricultores agroecológicos
e orgânicos à severas dificuldades. Quando estes forem entendidos como
desafios de toda a população, suas possibilidades de superação aumenta-
rão. A Agricultura Agroecológica ou Orgânica somente está evoluindo na
medida em que as pessoas em geral a assumem enquanto uma estratégia
de promover a qualidade de vida e o desenvolvimento sustentável.

181
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Referências

ANDREOLI, C. V. Levantamento quantitativo de agrotóxicos como base


para a definição de indicadores de monitoramento de impacto am-
biental na água. SANARE, Revista técnica da Sanepar. SANARE/
Companhia de Saneamento do Paraná. Curitiba, v. 10, n° 10, p. 30-
38, jul/dez. 1998
ALTIERI, M. A. Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternati-
va. Rio de Janeiro: PTA/FASE, 1989, 240p.
BRASIL - MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E DO ABASTECIMENTO.
Instrução normativa n.° 7, de 17 de maio de 1999. Dispõe sobre nor-
mas para a produção de produtos orgânicos vegetais e animais.
BULL, D.; HATHAWAY, D. Pragas e venenos: agrotóxicos no Brasil e no Ter-
ceiro mundo. OXFAM/FASE. Petrópolis-RJ: Vozes, 1986. 233p.
DAROLT, M. Agricultura Orgânica: inventando o futuro. Londrina: IAPAR,
2002.
FONSECA, M. F. de A. C.; FELICONIO, A E. G. A rede de produção e co-
mercialização de alimentos orgânicos in natura no Brasil: avanços e
retrocessos. Anais do XXXVIII Congresso Brasileiro de Economia e
Sociologia Rural e X Congresso Mundial de Sociologia e Economia
Rural. Rio de Janeiro, 2000.
FUKUOKA, M. Agricultura natural: teoria e prática da filosofia verde. São
Paulo: Nobel, 1995. 300p.
GLIESSMAN, S. R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sus-
tentável. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000. 656 p.
HAMERSCHMIDT, I. Panorama da Agricultura Orgânica no Paraná. Dis-
ponível em <http:/www.planetaorganico.com.br>. Acesso em: 3 abr.
2007.
HAMM, Ulrich. Organic trade: the potential for growth. In: 5th IFOAM
International Conference on Trade in Organic Products. The future
agenda for organic trade. Christ Church College , Oxford, England
24th-27th september 1997. Proceedings. England: Tania Maxted-
Frost, 1997, p. 18-21
KHATOUNIAN, C. A. A reconstrução ecológica da agricultura. Agroecoló-
gica, Botucatu, 2001.
LINARTH, C. A. Mais agrotóxicos receita saudável. Revista do Crea – Conse-
lho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado do
Paraná. Curitiba, ano 3, n.º 11, p. 25-27, novembro/dezembro, 2000.

182
Antonio Carlos Picinatto

LUTZENBERGER, J. Do jardim ao poder. 11. ed. Porto Alegre: L&PM,


1992, 50p.
PARANÁ. Secretaria de Estado da Saúde. Relatório do Programa de Análise
de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos no Estado do Paraná, junho
de 2001 a junho de 2002/ Secretaria de Estado da Saúde. Curitiba:
SESA, 2003, p. 55.
PICINATTO A. C.; LAGOS F. S.; ULTRAMARI S. Diagnóstico das iniciativas
de Agricultura Orgânica e Agroecológica no Sudoeste do Paraná. SE-
BRAE PATO BRANCO/INSTITUTO MAYTENUS. Francisco Beltrão-
PR. Novembro de 2005. No Prelo.
PICINATTO A. C. Relatório de Atividades do Instituto Maytenus ano de 2003.
Instituto Maytenus para Desenvolvimento da Agricultura Sustentá-
vel. Toledo, 2003.
PRIMAVESI, M. A agricultura sustentável. São Paulo: Nobel, 1992, 142p.
REBELATTO, L. C. Certificação participativa em rede: um processo de cer-
tificação adequado á agricultura familiar agroecológica no Sul do
Brasil. Relatório Técnico Final junho de 2005/ CNPQ/CEPAGRO/
REDE ECOVIDA.
SCHUMAKER, E. F. O negócio é ser pequeno: um estudo de economia que
leva em conta as pessoas. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.
STEINER, R. Fundamentos da agricultura biodinâmica: vida nova para a
terra. São Paulo-SP: Antroposófica, 2000. 235p.
YUSSEFI, M. et al. The Word of Organic Agriculture Statistics and Emerging
Trends 2006. International Federation of Organic Agriculture Mo-
vements (IFOAM). Bonn Germany & Research institute of Organic
agriculture FiBL, Frick, Switzerland, 2006, 24 p.

183
Agroecologia: o desenvolvimento no
Sudoeste do Paraná
Nilton Luiz Fritz
Engenheiro Agrônomo, Instituto Emater – Francisco Beltrão – PR |
niltonfritz@emater.pr.gov.br

Apresentaremos um relato das atividades desenvolvidas pelo Instituto Emater


e parcerias (ações que foram possíveis apurar), histórico de uso do solo na re-
gião, enfatizando o pré e pós-período conhecido como “revolução verde”, com
depoimentos de agricultores e técnicos que vivenciaram este período.
Acreditamos serem oportunos os depoimentos de agricultores e lide-
ranças da agricultura familiar apresentados, aos quais agradecemos pela
atenção disponibilizada, que, cremos, muito contribuirão para o debate
sobre o desenvolvimento da produção ecológica por apresentarem sua per-
cepção, desafios e perspectivas para o Sudoeste e para o Paraná.
O agradecimento também se extende aos gerentes regionais do Instituto
Emater de Francisco Beltrão (Simão Flores e anteriores Sérgio Carniel e Carlos
Alberto Wüst da Silva) e de Pato Branco (Ilário Caglioni), que possibilitaram o
crescimento do grupo de discussão dos técnicos envolvidos na equipe de agri-
cultura orgânica e aos colegas do Emater, que, em seus municípios de atuação,
buscaram rever a história da produção desenvolvida vivenciando também esta
busca de uma agricultura mais saudável e com sustentabilidade.

O Sudoeste hoje
A produção ecológica tem no Sudoeste um solo fértil para seu desenvolvi-
mento, considerando que sua população tem uma forte identidade com a
agricultura. O processo de diversificação das atividades agrícolas, basea-

185
Desenvolvimento territorial e agroecologia

das em milho, soja, fruticultura, olericultura, agroindústria, criação de suí­


nos, aves e bovinos de leite, é características desejável, aliado à estrutura
fundiária composta por pequenas propriedades com supremacia absoluta
da agricultura familiar.
As condições edafoclimáticas (solo-clima), fauna e flora apresen-
tam-se equilibradas, o que é necessário para o desenvolvimento da produ-
ção ecológica. Além disso, o Sudoeste, considerando de Palmas a Capane-
ma, apresenta grande variação de clima, possibilitando a produção de um
elevado número de espécies de frutas, olerícolas, desde que sejam poten-
cializados os microclimas existentes.
Presenciamos também na região, uma queda da renda das peque-
nas propriedades nos últimos anos, motivada pela maior competição do
mercado interno e externo, na produção principalmente de grãos, desesti-
mulando o cultivo tradicional de produtos. Neste aspecto aparece a produ-
ção ecológica como uma alternativa viável, em função da ampliação des-
ses dois mercados, possibilitando uma produção que necessariamente seja
economicamente viável, socialmente justa e ecologicamente correta.
O Sudoeste do Paraná apresenta forte componente de mudanças para
atividades que agregam mais valor e que resultam em maior incremento de
renda por área produzida, entre elas agroindústria, agroecologia e leite.
Neste item encontra-se a agroecologia, que tem apresentado um
espaço crescente entre as discussões das opções de alternativas possíveis
para os agricultores familiares.
A região tem uma marca muito forte de luta e de conquista pela ter-
ra, datada de 1957, conhecida como “A Revolta dos Posseiros”, como sendo
um espelho da obstinação e da perseverança pela conquista dos direitos.
O território constitui-se de um movimento sindical rural, que possui uma
postura em defesa de uma agricultura sustentável e menos dependente de
insumos externos à propriedade.
Estas nuanças caracterizam “solo fértil” para o trabalho com agro-
ecologia.
Abramovay e outros consideram que o Sudoeste paranaense, região
brasileira de colonização européia é o local em que a luta pelo fortaleci-
mento da agricultura familiar adquire hoje, talvez, a maior densidade, se
comparado ao restante do país. É aí que se originam não só parte significa-
tiva dos quadros dos mais importantes movimentos sociais do meio rural
brasileiro, mas também as experiências mais inovadoras como o Sistema
Cresol de crédito solidário (BITTENCOURT; ABRAMOVAY, 2001; JUN-
QUEIRA; ABRAMOVAY, 2005; SCHRÖDER, 2005) ou as cooperativas de
leite formadas mais recentemente (MAGALHÃES, 2005).
Para quem vive e respira constantemente neste chão, pode-se proje-
tar um espaço que, em breve, deverá ser ocupado pelo Sistema COOPAFI
(Cooperativa da Agricultura Familiar) para a comercialização de produtos

186
Nilton Luiz Fritz

da agricultura familiar, com enfoque especial para aqueles produtos de ori-


gem ecológica, lacuna já preenchida no setor de crédito e comercialização
do leite da agricultura familiar.

A atuação do Instituto EMATER


Na região Sudoeste, considerando as regiões administrativas de Francisco Bel-
trão e de Pato Branco, o Emater possui 17 técnicos (maio de 2007) com atua­
ção em agricultura orgânica nos municípios com aumento considerável de
áreas­ e de novos agricultores que estão optando por este sistema de produção.
O Instituto Emater é uma estrutura de extensão rural vinculada
à SEAB, desenvolve os programas do governo do estado do Paraná e
do governo federal, bem como interage territorialmente com parcerias,
para desenvolver projetos locais/regionais. Também presta trabalhos,
considerando sua capilaridade por estar estruturado em todos os muni-
cípios, contando com o apoio dos agricultores e de suas organizações,
das prefeituras e das demais entidades que possuem trabalho no setor.
Trata-se de trabalhos para viabilizar a agricultura familiar de maneira
sustentável, produzindo alimentos mais saudáveis, preservando o meio
ambiente, sempre articulados com os demais processos e programas de-
senvolvidos na região.
Como objetivo geral, o trabalho do Instituto Emater busca a me-
lhoria da qualidade de vida da população rural e urbana através da oferta
de alimentos biológicos sadios, acessíveis à população, isentos de agentes
prejudiciais ao organismo humano, visando à conservação e à recuperação
do ambiente, com sustentabilidade (ambiental, social, cultural e econômi-
ca), tendo como base o fortalecimento da agricultura familiar.

Início da agroecologia na região


Na década de 1970, período em que as garras da “revolução verde” se fize-
ram sentir muito fortes na região, este modelo começou a ser questionado,
com proposições de alternativas a ele. Teve um papel muito forte o traba-
lho da ONG Assesoar, ainda na década de 1970. A Acarpa/Emater, na déca-
da de 1980, teve um trabalho com ênfase em adubação verde e adubação
orgânica, introdução de animais rústicos, produção de sementes variadas
e trabalho de extensão através da organização das comunidades partindo
de sua realidade e necessidades.
Em 21 e 22 de junho de 1985 ocorreu o “I Encontro de Alternati-
vas para a Pequena Propriedade em Francisco Beltrão”, numa iniciativa
da Associação dos Engenheiros Agrônomos e parcerias. Na oportunidade
foram apresentadas tecnologias adequadas à realidade da região, assim
como experiências sustentáveis pelos agricultores e apontadas as políticas

187
Desenvolvimento territorial e agroecologia

que deveriam nortear a agricultura. Neste evento, que teve cunho regional,
reuniram-se mais de 240 técnicos e agricultores.
Na década de 1990, os trabalhos de agricultura orgânica se intensifi-
caram a partir de 94/95, com produção de soja na região de Capanema; no
ano de 1997, com a olericultura e fruticultura clima temperado em Francis-
co Beltrão e fruticultura tropical em Capanema e Cruzeiro do Iguaçu; a par-
tir do ano 2000 começou o trabalho através do projeto Pró-Caxias, envolven-
do os municípios de Nova Prata do Iguaçu, Cruzeiro do Iguaçu, São Jorge do
Oeste e Salto do Lontra, na produção de olericultura e fruticultura tropical.
Atualmente são as seguintes entidades/empresas/associações que
atuam­ em agricultura orgânica: Emater, Assesoar, Secretarias Municipais
de Agricultura, Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, Coopafi, Agrorgânica,
Capa, Terra Solidária, Rede Ecovida, Claf (Sisclaf), Cresol, Instituto Mayte-
nus, Senar, Sebrae, Projeto Pró-Caxias, Projeto Vida na Roça, Casas Familia-
res Rurais, Empresa Gralha Azul, Gebana, Tozan, Colégio Agrícola, UTFPR,
Unioeste, IAPAR, Embrapa e várias Associações de Agricultores Ecológicos.
As áreas de produção orgânica gradativamente estão ocupando es-
paço em todos os municípios da região, sendo uma perspectiva importante
que ajudará no desenvolvimento da agricultura familiar, com preocupação
em relação à sustentabilidade ambiental, social, cultural e econômica.

A colonização do Sudoeste e a extensão rural


O cenário da década de 1970 e a agricultura a partir do depoimento de um
agricultor

Relatamos aqui, o depoimento de Wilmar Salésio Vandresen, agricultor


e atual presidente da Cresol de Francisco Beltrão. Nascido em 1952 no
município de Tubarão (SC), sua família se mudou no referido ano para a
comu­nidade de Linha Liston, interior de Francisco Beltrão. Wilmar tem
conhecimento da mudança que ocorreu na agricultura, pois, quando jo-
vem, vivenciou o período anterior à “revolução verde” e, na seqüência, pas-
sou pelas mudanças que o novo modelo tecnológico propunha.
Com relação ao ano de 1969, Wilmar relata que participou de traba-
lhos conduzidos pela Acarpa/Emater, formando o Clube 4 S, na comunida-
de Linha Liston, “do qual fui o primeiro presidente e foi realizado diversos
cursos, de como fazer curvas de nível, curso de liderança, como fazer uma
reunião, experimento com uso de calcário e outros”.
No ano de 1975, a família Vandresen possuía 13 alqueires de terras,
sendo 8 com lavouras que eram preparadas com aração, gradagem com
tração animal e posteriormente era realizado o plantio com matraca. “O
controle de inços era feito com tração animal, passando o aradinho. Naquela
época tinha até 5 a 6 cavalos para fazer este serviço e empregava até 20 pes-
soas na época da limpa”.

188
Nilton Luiz Fritz

A utilização do adubo químico na propriedade dos Vandresen come-


çou a ocorrer no ano de 1972. Antes desta data não havia nenhum tipo de
adubo disponível para ser utilizado, seja de origem mineral ou orgânica.
“Em 13 de outubro de 1975”, relata Vilmar com precisão, “ocorreu a compra
do primeiro trator da família. Era um trator de pequeno porte, mas ajudava
muito. No ano de 1976 foi comprado um pulverizador e foi o início de aplica-
ção de veneno para controlar o inço. O veneno era incorporado e aí precisava
fazer duas a três gradagem, que deixava a terra bastante solta. Se desse uma
chuva em cima dava a erosão e precisava preparar a terra e realizar o plantio
novamente. Naquela época era realizado muitos cursos sobre curva de nível,
que nos ajudou muito. Com o trator e uso do veneno nós também arrendava
terra, derrubava capoeirão e mato virgem, queimava para fazer as lavouras.
No primeiro ano fazia uma roça manual de milho e no segundo ano fazia a
destoca, que tinha recursos no Banco para isso”.
A jornada naquela época era puxada e Wilmar lembra que “o almoço
era feito na lavoura mesmo, nada de ir para casa. Alguém da família se encar-
regava das panelas. Inclusive, certa vez, ocorreu uma queda de uma panela
com feijão. Pronto, ficamos sem o feijão naquele almoço”.
Nesta propriedade, até o ano de 1973, era cultivado milho da varie-
dade “palha roxa” ou “piolin” (que também era conhecida como “cunha”)
e o “amarelão”. O consórcio era bem presente, que era realizado com fei-
jão e arroz. Após este período, aos poucos, foi ocorrendo a substituição
do milho variedade por milho híbrido. Já a soja teve o primeiro plantio
no ano de 1970, sempre em consórcio com milho neste período. A soja
variedade “santa rosa” era aquela que mais se adaptava a este sistema.
Wilmar lembra do trabalho penoso da época, que “nos primeiros anos a
soja era cortada com foicinha e era beneficiada com trilhadeira”. Já no ano
de 1977 começaram aparecer as colheitadeiras automotrizes e se pagava
para colher, todavia a família adquiriu a primeira colheitadeira somente
no ano de 1979.
No ano de 1978 compraram 5 alqueires de terra e no ano seguinte
mais 8s, o que possibilitou que Wilmar e seus outros três irmãos pudessem
seguir trabalhando na agricultura.
Wilmar Vandresen compara as diferentes épocas e relata que “até o
início da década de 70, tinha menos pragas. Depois, com o uso de veneno e
adubo químico, aumentou a quantidade de pragas e novas espécies de pra-
gas apareceram. Foi preciso usar muito veneno para poder garantir a safra”.
Quanto aos ganhos com a agricultura, analisa que “se for fazer os cálculos
naquela época sobrava mais do que atualmente, se usava mais a mão-de-
obra e esta era remunerada. Hoje se faz mais área com máquina e veneno, o
custo de produção é mais alto e sobra menos”. Destaca também uma preo-
cupação com a atual fase da agricultura, dizendo que “hoje temos também
novas doenças no feijão, na soja que na época não tinha. Isto está preocu-

189
Desenvolvimento territorial e agroecologia

pando e como será no futuro? Como controlar estas novas doenças, além do
custo elevado do controle?”, finaliza ele.

Cenário da década de 1970 e 1980 e a extensão rural a partir do depoimento


de técnicos
O texto elaborado por Eroni Bertóglio, engenheiro agrônomo que trabalhou
no Sudoeste por um período de 13 anos, de 1973 até 1986, mostra a realidade
da região naquele período da “revolução verde”. Eroni assessorou cooperati-
vas e, por dez anos, exerceu a função de Chefe Regional do Instituto EMATER,
além de exercer a função de professor, de atuar em órgãos de defesa ambiental
e estudar as questões pertinentes aos problemas do meio rural.
Lembra que, “na década de 70, a região vê a transformação de seus
sistemas agrícolas diversificados, em sistemas de monoculturas, sob os efei-
tos da revolução verde, progresso tecnológico pela via do avanço genético nos
principais grãos”. Com recursos do Programa Corredores de Exportação
(BID-256-SF-BR), existiram recursos de crédito rural em abundância para
construção de silos graneleiros para as cooperativas recém-constituídas ou
mais antigas. Para os agricultores, crédito de investimento para destoca­,
aquisição do equipamento para mecanização agrícola e custeio para as
atividades de soja, fomentadas por conta de excedentes exportáveis, com
demanda internacional, para equilibrar a balança de pagamentos, devido à
importação de petróleo, durante a crise dele.
Esse fenômeno, auxiliado por subsídios como redução de 40% no
custo dos fertilizantes e em aquisição de calcário, mais preços interna-
cionais da soja favoráveis no mercado internacional, agregaram renda a
muitos produtores que adquiriram mais terras na região ou fora do Esta-
do, tendo como conseqüência o maior êxodo rural da história paranaense,
com a perda de mais de cem mil propriedades em dez anos.
Eroni analisa a atuação da extensão rural oficial na década poste-
rior e os rumos que foram tomados. Considera que nos anos 80, a exten-
são, após refletir sobre sua atuação, formata o Modelo 80, que tinha como
premissas Educação, Participação e Realidade, utilizando também como
estratégia a visão da propriedade como um todo e instrumentos de gestão
agrícola. A tecnologia de manejo de pragas da soja, desenvolvida pela EM-
BRAPA Soja, é repassada aos produtores diminuindo o custo de produção
e a contaminação do meio ambiente.
Também se iniciam as primeiras preocupações com o modelo agro-
químico da revolução verde, através de discussão na Associação dos En-
genheiros Agrônomos e instituições dos agricultores como a ASSESOAR,
propondo modelos mais sustentáveis e apropriados para um estrato fundiá­
rio predominante de 20 a 50 ha (80% das propriedades) e com otimização
do recurso mais abundante (mão-de-obra) em detrimento ao escasso (terra
e capital), como fruticultura e atividade leiteira.

190
Nilton Luiz Fritz

Nessa década acontece o plantio do feijão “Delfim”, alusão ao mi-


nistro da Agricultura que incentivou o plantio de feijão fora da época re-
comendada pela pesquisa, com promessa, não cumprida, de cobertura do
PROAGRO. Em paralelo, o frigorífico COMABRA HEIZ, de Ponta Grossa,
absorvedor de parte da produção de suínos, não paga aos suinocultores e
não devolve as NPRs endossadas por eles e negociadas com os bancos. A
crise torna-se tão grande que os movimentos sociais e sindicatos se orga-
nizam e protestam em praça pública e nas rodovias. Esse fato, ligado aos
expulsos pelas barragens Iguaçu, servem de base para a constituição do
MASTES e MASTRO (Movimento dos Agricultores Sem Terra do Sudoes-
te e Oeste, respectivamente). “No pólo contraditório surge o movimento do
patronato, criando, em Marmeleiro, a Sociedade dos Amigos da Terra, que se
armou para enfrentamento aos sem-terra, dando origem ao processo embrio-
nário da UDR, a quem forneceu lideranças”, lembra Eroni.
Em 1983 a extensão fazia nova reflexão e redirecionava sua mis-
são, incluindo como público sem-terra, arrendatários e assalariados ru-
rais, passando a fazer uso de metodologias participativas. Também faz par-
te das propostas de governo, atuação em abastecimento com a criação de
feiras livres (do produtor) e de produtos de época.
Como resposta aos processos erosivos ocasionados pela má conser-
vação do solo e incentivados pelos recursos do Programa Paraná Rural,
nos municípios propícios à mecanização intensiva, a extensão rural passa
a usar como unidade de referência de trabalho as microbacias hidrográfi-
cas. “Nas áreas com solos de baixa aptidão, foi difundido o uso de tecnolo-
gias como o cultivo mínimo, com uso de adubos verdes e pouco revolvimento
do solo”, conclui Eroni.

Depoimento de João Sérgio Canterle


João Sérgio Canterle, engenheiro agrônomo, trabalhou no Instituto EMATER
de 1975 a 1987, iniciando seu trabalho em Arapongas, região de Londrina.
Atualmente reside em Francisco Beltrão, exerce função técnica em escritório
de planejamento agrícola e atua também como professor no ensino superior.
No início de suas atividades, em 1975/76, participou do desenvolvimento e da
difusão de tecnologias pioneiras com vistas ao equilíbrio do meio ambiente.
Ao lembrar as ações da época, relata que “eram realizadas 6 a 7pulverizações
de agrotóxicos para controle de lagartas e percevejos da soja. Os produtos usa-
dos eram principalmente os clorofosforados e organoclorados, estes hoje proibi-
dos por apresentarem característica de acumulação nos organismos. Assim que
as primeiras lagartas surgiam, eram aplicados venenos, o que causava desequi-
libro nas lavouras. Até então existiam poucos herbicidas de pré- e pós-emergên-
cia, sendo os inseticidas os agrotóxicos com maior utilização.”
Destaca que “foi trabalhado com os agricultores de que a planta su-
porta algum desfolhamento sem que isto afete a produção, além de preservar

191
Desenvolvimento territorial e agroecologia

os inimigos naturais”. Era feita a batida de pano semanal e observado o


desenvolvimento das pragas e inimigos naturais, difundindo-se essa tecno-
logia entre os agricultores. Em pouco tempo as aplicações caíram de 6 a 7
para 1 a 2 pulverizações durante o ciclo da cultura.
Através da observação verificou-se que ocorria morte de lagartas
sem uso de inseticidas, em função de uma ocorrência natural de vírus (ba-
culovírus) nas lavouras.
Neste período a Embrapa pesquisou as lagartas atacadas por vírus
e, em parceria com a extensão rural, os agricultores foram orientados para
que as pulverizassem as lagartas infectadas com o vírus, na proporção de
50 lagartas infectadas por ha. Eles as guardavam em refrigeração para pul-
verização nos anos seguintes. Este trabalho inicial foi desenvolvido em
parceria entre Extensão Rural (Acarpa na época) e Embrapa, na região
Norte do Estado.
A partir daí o sistema de manejo de pragas, incluindo o controle bio-
lógico da lagarta da soja, passou a ser prioridade nas regiões produtoras de
soja. No ano de 1977 João Sérgio veio trabalhar na região de Francisco Bel-
trão e observou que aqui também havia muitas aplicações de venenos nas la-
vouras. Material técnico foi produzido e, numa parceria com as cooperativas
da região (COAGRO, CAMDUL, COOPERSABADI, COMFRABEL), foram
realizados encontros técnicos, unidades demonstrativas e dias de campo.
Canterle observa que “a mulher não queria que as lagartas fossem guar-
dadas na geladeira, alegando falta de higiene, porém eram acondicionadas em
recipientes de vidro”. A geladeira era um bem de consumo que estava se po-
pularizando nas comunidades. Diminuindo as pulverizações, os inimigos
naturais foram se desenvolvendo. Em meados da década de 1980, o baculo-
vírus passou a ser produzido em laboratórios, inicialmente pela Embrapa e
Ocepar, hoje Coodetec, e na seqüência também por outras empresas.
“Com a entrada do plantio direto e o aumento da utilização dos herbi-
cidas pós-emergentes, os agricultores passaram a aplicar o inseticida junta-
mente com os herbicidas e os princípios de manejo integrado de pragas, in-
cluindo o uso de baculovírus, foram um pouco esquecidos. Outro fator que
também contribuiu para que essa prática fosse relegada a segundo plano foi
a elevação do preço da soja em alguns períodos”, analisa João Sérgio.
Controle biológico do pulgão do trigo
Outra tecnologia de controle biológico difundida naquele período foi a dis-
seminação de vespinhas (microhimenopteros) para controle de pulgões do
trigo. João Sérgio observa que “a origem de algumas espécies de vespinhas foi
de países da Europa, através de importações realizadas pela Embrapa/Trigo de
Passo Fundo. Foram introduzidas nas lavouras da região do início da década
de 1980. Eram transportadas em caixas com plantas de trigo (ovos e vespinhas
nascendo), e distribuídas nas lavouras para o controle dos pulgões. O pulgão

192
Nilton Luiz Fritz

era uma praga muito prejudicial à cultura do trigo, exigindo várias aplica-
ções de inseticidas para o seu controle, caso contrário corria-se o risco de não
produzir. A partir do final da década de 1980, são raras as situações em que
há necessidade de aplicações de inseticidas para o controle de pulgão apesar
de sua ocorrência, devendo-se esse fato ao controle biológico da vespinha que
vêm atuando até nos dias atuais. Neste período, embora num contexto desfa-
vorável, essa tecnologia conseguiu mostrar sua eficiência. Tanto o manejo de
pragas da soja com o uso de baculovírus, como a utilização da vespinha para
o controle de pulgões, foi viabilizado dentro da agricultura convencional, ca-
racterizada pela monocultura numa época que se priorizava principalmente a
visão econômica, sendo o enfoque ambiental pouco enfatizado”, finaliza.

Trabalho de Agroecologia nos Municípios

Quadro 1 – Técnicos do instituto EMATER com atuação em agricultura orgânica no Sudoeste do Paraná
MUNICÍPIO TÉCNICO TELEFONE E-MAIL
Capanema Gilmar Gobato (46)3552-1060 capanema@emater.pr.gov.br
Cruzeiro do Iguaçu Marcos Bourscheid (46)3572-1284 cruzeirodoiguacu@emater.pr.gov.br
Dois Vizinhos Valdir da Silva (46)3536-5884 doiszvizinhos@emater.pr.gov.br
Enéas Marques Adair Rech (46)3544-1395 eneasmarques@emater.pr.gov.br
Francisco Beltrão Nilton Luiz Fritz (46)3523-3821 niltonfritz@emater.pr.gov.br
Marmeleiro Valdir Felberg e Sady D. A. Grisa (46)3525-2236 marmeleiro@emater.pr.gov.br
Planalto Libanor Viesseli (46)3555-1303 planalto@emater.pr.gov.br
Realeza Odir Basso (46)3543-1122 realeza@emater.pr.gov.br
Renascença Leandro Molinetti (46)3550-1394 renascenca@emater.pr.gov.br
Salto do Lontra Valdir Koch (46)3538-1468 saltodolontra@emater.pr.gov.br
São Jorge do Oeste Jair Klein e Sidney Carneiro (46)3534-1855 saojorgedoeste@emater.pr.gov.br
Verê Neuri Beche (46)3535-1396 vere@emater.pr.gov.br
Emater Regional de Fco. Beltrão Ericson Max (46)3524-2021 erfranciscobeltrao@emater.pr.gov.br
Clevelândia Otto Bruno Becker (46)3252-2017 clevelandia@emater.pr.gov.br
Saudades do Iguaçu Rosane Dalpiva Bragatto (46)3246-1169 saudadesdoiguacu@emater.pr.gov.br
Fonte: dados de campo (maio/2007). Org. FRITZ, N. L. (2007).

Município de Capanema
De acordo com Gilmar Gobato, técnico em agropecuária e extensionista do
Instituto Emater, a agricultura orgânica no município de Capanema ini-
ciou junto com a colonização. Mesmo sem saber, os colonizadores adota-
ram as práticas de não-uso de agroquímicos na agricultura, contudo, após
a revolução verde, parte dos agricultores adotaram as novas tecnologias e
todos o rol de alternativas de insumos para a agricultura. Como os coloni-

193
Desenvolvimento territorial e agroecologia

zadores do município na grande maioria eram alemães e italianos, tinham


certa resistência ao uso dos pacotes tecnológicos ofertados na época e não
utilizaram agroquímicos por longo período, influenciados pela tradição
herdada dos pais no sistema de exploração utilizado, onde a agricultura
orgânica era uma prática muito comum entre os agricultores.
No início dos anos 1990 as entidades de representação dos agri-
cultores fortaleceram esta discussão focando um sistema diferente de
agricultu­ra, opondo-se aos pacotes tecnológicos ofertados pelo mercado,
incentivados pelas linhas de crédito para a agricultura.
Em 1993/94 as entidades de representação dos agricultores, especi-
ficamente o sindicato dos trabalhadores encampou esse trabalho e junto
com uma empresa de comercialização iniciaram os primeiros trabalhos, já
com vista a comercializar os produtos como produto orgânico, já com cer-
tificação e com preço diferenciado, conseguindo os primeiros resultados
com a cultura da soja, que se mostrou com mercado para comercializar e
com possibilidade de comercialização destinando a produção toda voltada
para o mercado externo.
As organizações dos agricultores foram se ampliando nos mais dife-
rentes segmentos da agricultura, sempre voltadas para o princípio de pro-
dução diferenciada que valorizasse o trabalho do agricultor, mas passaram
a defender uma independência maior dos agricultores numa busca de di-
versificar a produção e deixar de ser dependente de uma empresa que mo-
nopolizava a comercialização, porém na seqüência outras empresas apare-
ceram. O foco era somente na produção de soja.
Nesta fase o Instituto EMATER teve participação pontual nestas ati-
vidades, apoiando as iniciativas.
Em 2001 teve início um trabalho orientado pela Assesoar no ramo
da diversificação das propriedades com produção de olericultura e início
da feira orgânica municipal. Nesta fase houve uma parceria entre Sindi-
cato, Prefeitura e agricultores e o EMATER iniciou um acompanhamento
mais sistemático dos agricultores envolvidos neste projeto orgânico. No
período também foi criado um trabalho com lideranças do Sindicato, Cre-
sol e ACECAP para formação de um grupo de agentes de desenvolvimento
no município, com participação das entidades dos agricultores e EMATER,
tendo como foco a produção diferenciada, a diversificação e o resgate de
sementes crioulas. Em 2002 foi realizada a primeira Feira Municipal de
Sementes junto à Feira do Melado.
Com recursos do “Paraná 12 Meses” foram adquiridas estufas e ma-
teriais destinados à produção e organizados grupos de agricultores com
programação de produção, melhoria na qualidade dos produtos e na em-
balagem. A Feira, que era realizada uma vez por semana, foi insuficiente
para a comercialização. Em função disso a Feira Municipal foi transfor-
mada em um ponto de venda definitivo, com participação da ACECAP (As-

194
Nilton Luiz Fritz

sociação Central dos Agricultores Familiares de Capanema), e produtos


também da agroindústria. O volume de produtos comercializados no en-
tanto, necessitava de uma legalização que não existia por parte da Central
e desta forma então foi constituída a Coperfac (Cooperativa dos Agriculto-
res Familiares de Capanema), que passou a comercializar os produtos dos
agricultores no ponto de venda atualmente denominado Loja do Agricul-
tor. Esta experiência inspirou o desenvolvimento de trabalhos semelhantes
em outros municípios, envolvendo um circuito regional, formando então a
Coopafi, que atualmente atua em diversos municípios da região dando su-
porte para operacionalizar programas federais de compra de produtos dos
agricultores e comercialização dos produtos da agricultura familiar.
Neste trabalho foi possível ampliar a diversidade de produtos orgâ-
nicos com agregação de valor, diversificando as unidades de produção que
estavam concentradas basicamente na soja.
As empresas particulares sempre expressavam esta preocupação e
necessidade de diversificação, mas somente nos últimos anos ocorreu uma
iniciativa maior por parte delas ao se inserirem nas organizações dos agri-
cultores e terem lado mais social e comunitário, buscando ser mais par-
ceiras e desenvolver ações planejadas, discutindo as propostas de trabalho,
buscando alternativas de agregação de valor e diversificação dos produtos,
principalmente na transformação da produção.
Para Celso Prediger, agricultor e dirigente do Sistema Coopafi “a
agricultura orgânica ou agroecológica em Capanema tem contribuído de for-
ma significativa no desenvolvimento local, sendo pela produção e oferta de
alimentos limpos à população, pela responsabilidade social e ambiental com
que são produzidos estes alimentos, buscando a sustentabilidade nas uni-
dades de produção, com equilíbrio e resgatando os valores perdidos. A agri-
cultura orgânica é uma atividade percebida e reconhecida pela população de
Capanema, população esta que está cada vez mais consciente da importância
deste tipo de alimento”.

Município de Cruzeiro do Iguaçu


O Instituto EMATER, em parceria com a Secretaria Municipal da Agricul-
tura, vêm desenvolvendo trabalho no sistema orgânico de produção desde
o ano de 1997, com a fundação da ASFRUCI (Associação de Hortifruticul-
tores de Cruzeiro do Iguaçu). Nesse longo percurso tiveram outros parcei-
ros (PRO-CAXIAS, MAYTENUS, SEBRAE e CAPA), que somaram esforços
em alguns momentos e em determinadas atividades. Conscientizados da
necessidade da diversificação de atividades na propriedade familiar, foi
implantado um abatedouro diferenciado de frango caipira, com registro
no SIP, em 2002. Esta produção encontra-se integrada com outras ativi-

195
Desenvolvimento territorial e agroecologia

dades, como a fruticultura e a olericultura orgânica. Na atividade leiteira


tem-se procurado produzir leite e queijo de forma mais natural, enquanto
que, na produção de cereais, agricultores receberam equipamentos apro-
priados à sua realidade para implantar uma agricultura saudável. Busca-se
um trabalho integrado dentro das propriedades. A visão holística, agroeco-
lógica, agroflorestal e organizativa, levando em conta sempre a formação
integral do ser humano, tem sido a bússola norteadora do Plano de Desen-
volvimento Rural no município de Cruzeiro do Iguaçu.
Para Marcos Antônio Bourscheid, engenheiro agrônomo e extensio-
nista do Instituto EMATER, em Cruzeiro do Iguaçu constata-se um cresci-
mento abaixo da média nacional (cerca de 20% ao ano), porém o fato rele-
vante é que, de forma consistente e consciente, a produção orgânica vem
avançando, o que se verifica em todos os aspectos das cadeias produtivas.
Os gargalos do processo produtivo, como transporte e armazenagem, estão
sendo superados. A comercialização vem se fortalecendo, principalmente
com a aquisição de um caminhão para a ASFRUCI e a COOPAFI, a amplia-
ção das parcerias e a construção do sistema de rede COOPAFI. Este pano-
rama reflete a boa perspectiva da produção agroecológica no município.
Daniel Meurer, secretário municipal da Agricultura e agricultor, con-
sidera que são boas as garantias de um futuro melhor para a agricultura
orgânica em Cruzeiro do Iguaçu:
• pelo trabalho existente há nove anos, a estrutura de que dispõem as
Associações ASFRUCI e COOPAFI, e o apoio do EMATER e da Pre-
feitura Municipal através da Secretaria Municipal da Agricultura;
• pela realidade do mercado atual, em que se busca um alimento de
melhor qualidade;
• pela consciência do agricultor e a diversificação nas atividades agrícolas;
• pela preservação do meio ambiente através de uma agricultura lim-
pa (orgânica);
• pela estrutura regional na agricultura familiar.

Município de Enéas Marques


De acordo com Adair Rech, técnico em agropecuária e extensionista do
Instituto EMATER e Inoir Tesser, secretário municipal da Agricultura, no
ano de 2004 iniciou-se a discussão de implantação de uma estrutura para
processamento e recebimento de produtos orgânicos pelo fato de existir
uma unidade de transformação de milho e trigo em farinha, que está sen-
do administrada por uma associação de produtores (ADCEM – Associação
de Desenvolvimento Comunitário de Enéas Marques). Essa estrutura foi
amparada com recursos do FUNDEC enquanto um secador de cereais pelo
projeto “Paraná 12 Meses”.

196
Nilton Luiz Fritz

As estruturas já existentes fortaleceram a viabilização do investi-


mento financeiro do PRONAT num valor de R$ 252.400,00 (duzentos e
cinqüenta e dois mil e quatrocentos reais) para a construção de uma cen-
tral de recebimento e de beneficiamento de produtos orgânicos (soja, mi-
lho, trigo, pipoca, feijão) produzidos em toda região.
Atualmente a obra do centro de recebimento dos produtos orgâni-
cos está em fase de conclusão.
O complexo será administrado por uma instituição representativa
dos agricultores familiares do setor da agroecologia da região.
De acordo com Orley Jayr Lopes, engenheiro agrônomo do Emater Re-
gional, a implantação de unidade de recepção, beneficiamento e armazena-
gem de grãos orgânicos e capacitação de agricultores familiares obteve re-
cursos do PRONAT – Apoio à Infra-Estrutura e Serviços Territoriais em 2005,
Recursos Próprios e Projeto Território/MDA, conforme descrição abaixo:
1) Construção de um barracão em alvenaria, pré-moldado, com piso,
dimensões de 40 x 15 metros, destinado a abrigar máquinas e equi-
pamentos de recepção e beneficiamento.
2) Construção de uma moega de dois módulos, para recepção e depósito.
3) Promoção de cursos de capacitação em produção orgânica.
4) Produção de materiais de divulgação e marketing dos orgânicos.
Valor do investimento: R$ 219.605,00 (itens 1 e 2).
Valor do custeio: R$ 26.000,00 (itens 3 e 4).

O proponente, Prefeitura Municipal de Enéas Marques, disponibili-


zou a área para a instalação do empreendimento em local contíguo a um
secador de grãos que deverá ser utilizado em comodato.
No momento, está em discussão o processo de gestão da Unidade,
uma vez que as associações existentes não podem ser habilitadas para o pro-
cesso de comercialização, ou seja, compra e venda e prestação de serviços.

Município de Francisco Beltrão


O trabalho de Agricultura Orgânica em Francisco Beltrão teve início em
março de 1997, ocasião em que a Secretaria Municipal da Agricultura (en-
genheira agrônoma Inês Burg) e EMATER (engenheiro agrônomo Nilton
Luiz Fritz), discutiram a proposta com os feirantes do município, além de
outros agricultores, que optaram em aplicar os princípios da Agroecologia
na propriedade de Rosimar Marchiori. Após estudo técnico da atividade,
foram aplicados os conhecimentos em olericultura e fruticultura.
Posteriormente, em 1998, o Assentamento Missões iniciou o traba-
lho de Agroecologia, destacando a produção de grãos (soja, milho pipoca
e milho).

197
Desenvolvimento territorial e agroecologia

No ano de 1999, a Feira do Produtor, que funciona atualmente na


Praça Central, com atividade desde 1978, adotou como princípio a produ-
ção orgânica de alimentos. A partir daquele ano, os novos feirantes, para
serem aprovados, devem ter produção somente orgânica.
No ano 2000 foi iniciada a Feira Ecologia no Bairro da Cango, com
agricultores familiares oriundos do Projeto Vida na Roça e, posteriormen-
te, no Bairro Vila Nova.
No ano de 2003, o Grupo Renascer também iniciou a atividade em
grãos, leite, olericultura e ovos orgânicos em parceria com a Empresa Gra-
lha Azul.
Por ocasião da XXI Exposição Feira Industrial, Comercial e Agrícola
de Francisco Beltrão (Expobel), entre os dias 6 e 14 de março de 2004, foi
realizada uma Mostra de Produtos Orgânicos do Sudoeste, coordenada
pelo Instituto Emater em parceria com diversas organizações, com exposi-
ção de 53 produtos oriundos da Agricultura Familiar.
No ano de 2005, o Instituto Emater e parcerias realizaram um Semi-
nário Regional de Homeopatia Animal.
Através da experiência adquirida na região, contribuíram também
em eventos no Estado, tais como: a) apresentação do sistema de produção
de soja orgânica do Sudoeste em Ponta Grossa-PR, no 10º Encontro Na-
cional com a Soja, em 20/05/2004; b) XVI Encontro de Produtores de Soja
de Paiçandu-PR, norte do Estado, em 24 de junho de 2005; e c) I Paraná
Orgânica, de 1 a 4 de dezembro de 2005.

Depoimento de agricultor ecológico


Valdir Bueno Gomes e sua esposa Cleodete são agricultores familiares eco-
lógicos residentes na comunidade Osvaldo Cruz, em Francisco Beltrão.
São assentados pertencentes ao Grupo Renascer do Crédito Fundiário des-
de 2003, em uma área de 5,0 alqueires (11,92 ha).
Possuem produção de leite ecológico, utilizando a homeopatia ani-
mal há quatro anos, não havendo necessidade de recorrer a outros méto-
dos para preservar a sanidade dos bovinos. Na propriedade já é notada
uma grande população do besouro (Scarabeus sacer), que realiza a incor-
poração do adubo orgânico, contribuindo para a fertilização do solo, inseto
este que somente sobrevive em ambientes equilibrados ecologicamente.
Esses agricultores têm também a produção de milho e um aviário
de 4.000 aves de postura certificado em parceria com a empresa Gralha
Azul Avícola.
Ao ser perguntado sobre o porquê de trabalhar com agroecologia,
ele foi categórico: “Eu acho que é o melhor para a saúde. A saúde é coisa
mais importante que eu vejo. O custo de produção é menor e sobra mais ren-
da para a gente”.

198
Nilton Luiz Fritz

Valdir comenta que “antes de 2003 plantava utilizando agroquími-


cos, mas só trocava dinheiro, porque o que colhia só dava para pagar os
insumos”.
Valdir também lembra de um fato ocorrido na época em que utili-
zava adubos altamente solúveis. Ocorreu que, ao abrir um saco de uréia,
se deparou com um folheto que alertava: “este produto não pode ter contato
com a pele que pode ser cancerígeno”. Imagina as pessoas consumirem isso
ou dar para os animais?” Indagou Valdir, horrorizado.
Também lembra de outro momento, em que assistia a um debate sobre
as intoxicações, em que o debatedor relatou que “hoje as mulheres se intoxi-
cam mais do que os homens, porque elas lavam as roupas dos maridos que apli-
cam os venenos e assim recebem toda a carga tóxica que se encontra na roupa”.

Depoimento de entidades representativas dos agricultores


STR E FETRAF-SUL
Posição conjunta da direção do STR (Sindicato dos Trabalhadores Rurais)
de Francisco Beltrão e de Luiz Perin, da direção da FETRAF-Sul: “Nosso
ponto de vista sobre a importância da produção agroecológica no Brasil e no
mundo se baseia sobre três fundamentais aspectos, o primeiro aspecto é o de
buscar a sustentabilidade ambiental, econômica e social”. O segundo aspec-
to é a busca da qualidade de vida, qualidade na produção e um alimento
limpo, garantindo assim uma boa saúde a todas as pessoas. Em um ter-
ceiro aspecto, procura-se o ganho econômico de um sistema de produção
agroecológica sem agressão ao meio ambiente.
“Por isso defendemos um modelo de produção baseado no desenvol-
vimento sustentável e solidário, onde os instrumentos de políticas públicas,
tais como crédito educação/formação e ATER, estejam ao acesso de todos os
agricultores e com isso fortalecer cada vez mais o desenvolvimento, o fortale-
cimento da agricultura familiar”.

CRESOL
A Cresol de Francisco Beltrão decidiu, junto ao seu quadro social, pri-
vilegiar os cooperados que praticam a agroecologia ou aqueles agriculto-
res que desejam comprar adubo orgânico para recuperação da fertilida-
de do solo. Wilmar Vandresen, presidente da Cresol de Francisco Beltrão,
observa que “estamos operacionalizando empréstimos a juro mais barato,
utilizando de recursos da própria Cooperativa. Estamos também realizando
ensaios de milho variedade em três propriedades do município, com acom-
panhamento técnico, avaliando os experimentos e divulgando os resultados
junto ao quadro de associados”.
Luiz Ademir Possamai, vice-presidente da Central Cresol Baser, in-
forma que o Sistema Cresol tem como orientação da direção e da equipe

199
Desenvolvimento territorial e agroecologia

técnica que seja dada preferência para a produção orgânica ou alternativa,


para que o agricultor não fique na dependência dos agroquímicos. “Esta-
mos incentivando, além do resgate da adubação verde, o resgate de sementes
de milho variedade e feijão. No Sudoeste e em todos os municípios onde tem
unidade da Cresol, temos trabalho de campo com resgate de sementes. Temos
também financiamento com juro diferenciado para recuperação do solo com
adubo orgânico.”

COOPAFI Municipal de Francisco Beltrão


Almir Calegari, presidente da COOPAFI de Francisco Beltrão, acredita que,
“no contexto da agricultura familiar, a COOPAFI Municipal está para dar
apoio à comercialização dos produtos de subsistência e também o excedente
do consumo dos agricultores que não é uma produção muito elevada, mas
sim uma produção de suma importância para as famílias da cidade e do
campo”. Ele analisa que “os desafios são muitos na questão da logística, na
comercialização, já que não temos um transporte adequado. Também não
temos local adequado para o armazenamento destes produtos. Como agricul-
tores, ainda não temos o hábito da produção constante, continuada destes
produtos, nem as estruturas montadas comportam uma produção de todos
os meses do ano. Nossos agricultores familiares não têm as estruturas ideais
para esta produção o ano todo. Por isso a COOPAFI Municipal está a servi-
ço para dar este suporte de comercialização, com o desafio de também fazer
circular os produtos da agricultura familiar de um município para outro.
Outro papel é também na venda institucional dos produtos da agricultura
familiar”, completa.

CLAF – Cooperativa de Leite da Agricultura Familiar de Francisco Beltrão


De acordo com a direção da CLAF, existe uma preocupação muito grande na
produção de leite sem uso de produtos químicos. Com isso “estamos fazendo
um trabalho de acompanhamento técnico com o propósito de orientação em
produzir leite à base de pasto. Também temos buscado alternativas e técnicas
naturais para a produção do leite. Isso pode se dar desde a recuperação do solo
com MB4, com semente para cobertura do solo, produtos homeopáticos, for-
micidas naturais para controle das formigas, homeopáticos para controle de
mastite e parasitas, entre outras formas naturais para uma produção de leite
mais saudável. Com um manejo adequado com os animais, também se pode
dispensar em grande parte o uso de produtos que agridem o meio ambiente. Na
alimentação também se podem evitar gastos como o uso de MB4 para comple-
mentação dos micronutrientes que faltam em nossos pastos.”
Com essas alternativas, os associados da CLAF têm conseguido se
viabilizar em suas propriedades. “Tivemos um crescimento em mais de 50%
na produção de leite dos nossos associados. Esperamos fazer ainda mais para
consolidar essa cadeia produtiva.”

200
Nilton Luiz Fritz

Município de Marmeleiro
Conforme informações de Sady Grisa, engenheiro agrônomo e extensionis-
ta da EMATER, a produção comercial de produtos orgânicos no município
de Marmeleiro teve início no ano de 1998, com a empresa GAMA, a qual
viabilizava a certificação, através do Instituto Biodinâmico, e a comerciali-
zação. Esta produção é centrada na cultura da soja e, hoje, com a empresa
TOZAN, dez produtores.
Há algumas iniciativas pontuais com outras culturas não certificadas,
sendo mais intensas na produção de olerícolas e milho de pipoca através da
COOPAFI (Cooperativa de Produção da Agricultura Familiar Integrada).
Anteriormente, conforme divulgado em jornal no ano de 1997,
ocorreu o cultivo de soja orgânica através da empresa Agrorgânica, da
Família Perin.

Município de Planalto
Conforme informações dos extensionistas e técnicos em agropecuária Li-
banor Vieselli e Sérgio Delani, o Emater de Planalto acompanhou curso
realizado no ano de 2003 pelo Instituto Maytenus, com 16 produtores, na
localidade de Santa Terezinha, município de Planalto. Após este período, o
envolvimento com a produção orgânica ficou a cargo das empresas Agror-
gânica, Gebana, e Terra Preservada.

Município de Pérola do Oeste


De acordo com o extensionista do Instituto Emater Libanor Vieselli, no ano
de 2002 a 2003, o Instituto Maytenus, em convênio com o SEBRAE, ini-
ciou um curso que também teve uma parte de acompanhamento do EMA-
TER. “Em seguida incluímos o grupo de produtores orgânicos na microbacia
Lajeado Grande. Após este passo, houve cadastro de todos os produtores no
programa “Paraná 12 Meses” e a elaboração dos seguintes projetos:
• Calcário para um grupo de 14 famílias (Linha Vitória), aproxima-
damente 250 toneladas ao valor de R$ 8.000,00 sendo praticamente
100% deste valor subsidiado.
• Espalhador de calcário e adubo orgânico; com capacidade de 5 to-
neladas, foi viabilizado um equipamento, via programa “Paraná 12
Meses”, com subsídio de 70%, restando para o grupo pagar apenas
R$ 2.100,00 e os restantes R$ 7.900,00 a serem pagos via programa.
• Roçadeiras costais; via programa “Paraná 12 Meses”, foi viabilizada
a aquisição de 14 unidades com subsídio de 100%, as quais custa-
ram R$ 12.600,00, em áreas de produção de grãos orgânicos.
• Equipamentos para irrigação; via programa “Paraná 12 Meses”, foi
viabilizada a aquisição de canos e de bomba para irrigação de olerí-
colas orgânicas para produtores feirantes.”

201
Desenvolvimento territorial e agroecologia

No município de Pérola do Oeste, o grande enfoque dos orgânicos


está na produção de grãos, e em pequena escala na produção de olerícolas,
sendo a assistência técnica fornecida pela Gebana e Tozan, de Capanema.

Município de Realeza
Para Odir Basso, técnico em agropecuária e extensionista do Instituto EMA-
TER, em julho de 2002 foi lançado, em Realeza, o primeiro encontro sobre
agricultura orgânica, com a presença de 103 agricultores familiares interes-
sados no cultivo de produtos orgânicos, sendo que 38 destes se inscreveram
para curso de 12 etapas em conjunto com Emater e Instituto Maytenus.
Foi o início da conversão das propriedades para cultivo de orgâ-
nicos. A prefeitura do município disponibilizou uma área de 45 ha para
plantio de soja orgânica e posteriormente trigo e mandioca. Nesse espaço
foi realizado o 1º Encontro Regional de Grãos Orgânicos do Sudoeste do
Paraná, com dia de campo.
Com a perspectiva de bons preços da soja orgânica, 26 produtores
efetuaram, neste período plantio, de soja, totalizando uma área de 390 ha,
e mandioca, com uma área de 76 ha, além de feijão, com mais 14 ha nos
anos de 2002, 2003 e 2004. Ocorreu, porém, a queda dos preços, a estiagem
nos últimos dois anos (2004 e 2005), e a entrada da soja transgênica que
desestimularam os agricultores.
Nestes períodos foram efetuados vários encontros com eles, com
objetivo de fabricação de produtos orgânicos (biofertilizantes), e dias de
campo em nível municipal e regional, com excursões para São Jorge, Pato
Branco e municípios vizinhos.
Os produtos são comercializados em feiras no município, compra
direta CONAB e empresas da região.

Município de Renascença
De acordo com informações dos extensionistas, o técnico em agrope-
cuária Alberto Nerci Muller (atual secretário municipal da Agricultura), a
técnica social Maria Helena Fracasso, do Instituto EMATER, e o técnico em
agropecuária Leandro Molinetti, do convênio Prefeitura Municipal/EMA-
TER, a Agricultura Orgânica certificada teve início no município na década
de 1990, com a cultura da soja. De início foi impulsionada pelos altos preços
pagos aos produtores orgânicos, que tivera, seu número de adoção reduzido
posteriormente em função de que, no mesmo período, o sistema de produ-
ção convencional aumentou a produtividade consideravelmente, bem com
o valor da soja aí produzida. Na agricultura orgânica houve diminuição dos
valores pagos, pela falta de tecnologia adequada e pela falta de maturidade
destes agricultores, que migraram para o sistema convencional no ano de
1999. Então surgiu um novo público, o qual, sem condições de se adaptar
ao sistema tradicional, optou pelo orgânico. Este público estava excluído do

202
Nilton Luiz Fritz

sistema convencional pela falta de condições de ordem econômica e técnica.


No momento é com esta agricultura que o Instituto EMATER vem desenvol-
vendo suas ações. São agricultores de áreas de assentamento cuja agricul-
tura orgânica apresenta crescimento em culturas como mandioca, batata
doce, hortaliças diversas e frutas. A cultura da soja está em decréscimo mui-
to significativo em função do aumento de ocorrência de doenças, resultando
na baixa produtividade e inviabilizando a atividade. Atualmente a EMATER
está atendendo aproximadamente 20 produtores orgânicos.
Algumas propriedades do município, paralelamente à produção
convencional de grãos, trabalham com Fruticultura e Olericultura no sis-
tema de produção orgânica, utilizando apenas caldas e fertilizantes orgâ-
nicos de baixa solubilidade, porém não possuem certificação. Uma parte
da produção é comercializada com os supermercados do município, mas
a maioria dela é comercializada com a CONAB, que destina os produtos
para a merenda escolar através do programa FOME ZERO. Esses produto-
res constituíram, com o apoio do EMATER, uma associação (APAR – Asso-
ciação dos Produtores Familiares de Renascença), que é responsável pela
administração dos recursos enviados pela CONAB, e que no futuro deverá
desempenhar outras ações em prol do desenvolvimento dos agricultores
familiares. A assistência técnica a esses produtores, bem como o auxílio na
organização e comercialização, é prestada pelo Instituto EMATER.
A proposta de trabalho na linha de agricultura orgânica para esse
ano é dar continuidade à assistência técnica em todos os aspectos, aos
produtores da associação APAR, e buscar cativar novos agricultores para a
exploração da atividade, que no município, como geradora de renda e tra-
balho ainda é muito recente, carecendo de mudanças nos aspectos norma-
tivos, biológicos e educativos e de capacitação de técnicos, de produtores,
de consumidores e de pesquisa para que cresça a adoção de produtores que
venham a realizar a conversão do sistema convencional para o orgânico
com mais segurança.
Eventos realizados no município:
• Curso de Agricultura Orgânica – Instituto Maytenos, com 8 módulos
– participação de 22 agricultores (ano 2000).
• Seminário de grãos – realizado pelo EMATER com participação de
200 agricultores – com palestra do médico Tsutomu Higashi no ano
2003. Centro Paroquial.
• Unidade demonstrativa de cultivo de soja orgânica na propriedade
do sr. Jacir Xavariz, realização EMATER – PR, Prefeitura Municipal
em parceria com EMBRAPA (ano 2004).
• Unidade demonstrativa de cultivo de trigo orgânico na propriedade
do sr. Jacir Xavariz, realização EMATER, Prefeitura Municipal em
parceria com EMBRAPA (ano 2005).

203
Desenvolvimento territorial e agroecologia

• Várias reuniões e participação em excursões até os municípios de


Capanema, na Feira do Melado e Produtos Orgânicos, e em São Jor-
ge, nas Conferências de Agricultura Orgânica e Biodinâmica.

Município de Salto do Lontra


De acordo com Valdir Koch, engenheiro agrônomo e extensionista do Ema-
ter, no ano de 1997 o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural de Sal-
to do Lontra, através do Instituto EMATER e a Secretaria Municipal desen-
volveram ações para iniciar as atividades com produção orgânica. Na época
a empresa Terra Preservada, de Capanema, foi a parceira dos 12 produto-
res, que com uma área de 72 ha de soja iniciaram o processo de conversão
das propriedades. Este número de produtores de soja se manteve até 2003,
quando, na safra 2003/2004, caiu para 8. Estes mesmos produtores amplia-
ram a produção de outras culturas, principalmente na Olericultura. A partir
de 1998, com o Pró-Caxias, várias ações foram desenvolvidas, culminando
na criação da Associação dos Produtores Orgânicos de Salto do Lontra.
Em 2003, o Pró-Caxias diminuiu os trabalhos na área quando a EMA-
TER fez parceria com a CAMDUL, intensificando o trabalho na produção de
soja para semente. Por duas safras, a CAMDUL fez parceria com produtores
orgânicos para produzirem semente de soja orgânica, sendo cultivados 80
ha. No mesmo período foram realizados cursos de transformação de soja
orgânica em todas as unidades da Cooperativa, trabalho coordenado pela
nutricionista do EMATER de Nova Prata do Iguaçu, Mônica Minosso. Desta
parceria resultou um projeto de recepção, armazenagem e beneficiamento da
produção orgânica a ser construído em Enéas Marques. Envolveram-se duas
associações de produtores, que atualmente buscam assumir as ações deste
projeto. A Associação de Produtores Orgânicos de Salto do Lontra possui um
mercado, que atende também à produção convencional, orientando quanto
as questões legais para implantação do projeto Fome Zero no município.

Município de São Jorge D’Oeste


Jair Klein, engenheiro agrônomo e extensionista do Instituto EMA-
TER, mestrando em Agroecossistemas/UFSC, relata que, ao fechar as
comportas da Usina Hidrelétrica de Salto Caxias, a COPEL incentivou a
formação de uma organização territorial, o PRO-CAXIAS (Conselho de
Desenvolvimento dos Municípios do Entorno do Lago da Usina de Salto
Caxias). Nas diversas propostas de trabalho, optou-se por incrementar a
produção orgânica nos nove municípios pertencentes à área de atuação do
PRO-CAXIAS. Em São Jorge D´Oeste, com o apoio do EMATER, foi criada
a AORSA (Associação dos Agricultores Orgânicos de São Jorge D’Oeste).
As associações nos nove municípios se articularam para ter, na região do
PRO-CAXIAS, um Grupo Gestor, ou seja, um grupo de cinco agricultores
que coordenavam a produção dos produtores ligados às associações den-

204
Nilton Luiz Fritz

tro dos princípios da Agricultura Orgânica e articulavam a comercializa-


ção de seus produtos nos mercados da região. Os produtores orgânicos no
início passaram por um processo de formação continuada, participando
de um curso em 12 etapas e também de intercâmbios, dias de campo e di-
versas atividades para aprimorar sua produção.
A organização do Mercado do Produtor em São Jorge D’Oeste sur-
giu como um fator facilitador ao processo de comercialização. O Emater
havia organizado, em 1989, uma Feira do Melado, na praça da matriz, e
esta experiência levou seus técnicos a organizarem a 2ª Feira do Melado,
em 1999, com o objetivo de popularizar o local destinado ao mercado do
produtor e promover produtos das agroindústrias que estavam surgindo
no município. Com o sucesso desta feira e o crescimento da discussão so-
bre a produção orgânica surgiu, em 2001, a Feira da Produção Orgânica
2001, evento este que abrangia a 3ª Feira do Melado, Feira das Agroindús-
trias, Artesanato e Indústria e Comércio. Todo o trabalho tinha o objetivo
de popularizar o termo Produção Orgânica, conscientizar os consumido-
res e com estas promoções angariar fundos para fortalecer as entidades
dos Agricultores Familiares.
Em 2003, a unidade Local da Emater de São Jorge D’Oeste organi-
zou, com apoio do SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), 15
cursos de Agricultura Orgânica, onde foram treinados 207 agricultores e
agricultoras, a quem as reformas de moradias pelo Programa “Paraná 12
Meses” foram destinadas. Com a articulação do Grupo Gestor na região do
PRO-CAXIAS e enfrentando problemas de pouca produção, os agricultores
de São Jorge D´Oeste, melhor articulados no município na AORSA e na CA-
JOR, resolveram criar uma cooperativa que possibilitasse a comercializa-
ção de produtos orgânicos e produção de agroindústrias e visava a atingir
mercados da região Sudoeste. Surge, no final do ano 2004 e início de 2005,
a COOTER (Cooperativa dos Agricultores da Terra dos Lagos do Iguaçu),
que, no ano de 2006, passa a chamar-se, através de uma alteração nos es-
tatutos, de COOPAFI (Cooperativa dos Agricultores Familiares Integrados
de São Jorge D’Oeste). A COOPAFI de São Jorge D’Oeste passa a ser, jun-
tamente com as cooperativas de Coronel Vivida, Marmeleiro e Capanema,
a pioneira de um novo sistema de comercialização, com foco na produção
orgânica e na produção de agroindústrias familiares. Em 2005, os agricul-
tores orgânicos de São Jorge D’Oeste associados à AORSA e fundadores da
COOPAFI, recebem, através do Programa “Paraná Biodiversidade”, num
projeto elaborado pela unidade local da Emater, o valor de R$ 121.600,00,
beneficiando 20 produtores com 42 estufas, 1 tonelada de fosfato de Yorin
e um microtrator de 18 CV com enxada rotativa, o que possibilitou a ala-
vancagem da produção de hortigranjeiros em ambiente protegido.
Segundo Jair Klein, é de parecer que “o Sudoeste do Paraná, por
possuir um número elevado de agricultores familiares, pode ser um grande

205
Desenvolvimento territorial e agroecologia

fornecedor de alimentos limpos, saudáveis. Transformando estas unidades


produtivas em células de produção baseadas nos princípios agroecológicos,
teremos segurança alimentar, preservação da paisagem e principalmente res-
peito ao meio ambiente. O futuro é promissor, basta que congreguemos esfor-
ços e tenhamos políticas públicas.”
Arlindo João Scussiatto, agroecologista e diretor presidente da
COOPAFI­ de São Jorge comenta que “Nossa vida mudou, hoje temos certe-
za de estarmos produzindo alimentos que não envenenam os consumidores,
e estamos com a consciência tranqüila de não arriscarmos a vida de nossa
família e com isso ver o mundo a nossa volta com mais respeito.”

Município de Verê
De acordo com o CAPA e com o EMATER, no município de Verê as discus-
sões tiveram seu início a partir da instalação do Centro de Apoio ao Peque-
no Agricultor (CAPA) no ano de 1997.
O CAPA é uma ONG que realiza assessoria para agricultores fami-
liares há mais de 30 anos na Região Sul do Brasil, também é um depar-
tamento da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB),
fazendo parte de seu compromisso de Igreja de Jesus Cristo, não se con-
formar com as injustiças sociais e a agressão à natureza, colocando-se à
disposição dos agricultores familiares para, em conjunto com eles e com
base nos princípios da agroecologia e da cooperação, desenvolver expe­
riên­cias de produção, beneficiamento, industrialização e comercializa-
ção, de formação e capacitação, e de saúde comunitária, que sirvam de
sinais de que o meio rural pode ser um espaço de vida saudável e realiza-
ção econômica para todos.
Com a assessoria desta ONG no município e com o apoio das enti-
dades parceiras como Emater, algumas atividades começaram a ter desta-
que, como a produção de soja e de hortifrutigranjeiros orgânicos. A partir
de 2003, quando a soja convencional obteve bons preços, a soja orgânica
deixou de ser tentadora.
Na época, além dos produtores de soja orgânica, cinco famílias ini-
ciaram a produção de hortaliças orgânicas. Cada uma delas produzia um
pouco e, com o transcorrer do tempo, começaram ter quantidade de pro-
duto e regularidade de oferta, que não foi absorvida pelos consumidores
locais. Logo em seguida os agricultores sentiram a necessidade de se orga-
nizarem em uma associação.
Em agosto de 2001 é fundada, com o apoio do CAPA e do Emater,
a APAVE (Associação de Produtores Agroecológicos de Verê), a qual tem
o papel de organizar os agricultores, tanto no planejamento da produção
quanto na comercialização. Hoje na região acreditamos que a APAVE, que
leva a marca “Vereda Ecológica”, já tem seu espaço, contando com 75 fa-
mílias associadas.

206
Nilton Luiz Fritz

Os desafios são muitos, a caminhada é longa. Em tempos de aque-


cimento global, não podemos deixar de fazer a nossa parte. Julgamos ser
ela a busca e o incentivo da produção de alimento livres de agroquímicos e
com responsabilidade social.

Município de Chopinzinho
O trabalho foi iniciado em 1998 pela Prefeitura Municipal com 15 produ-
tores de soja. Posteriormente, em parceria com o Instituto Maytenus, foi
criado um grupo de 30 produtores que receberam capacitação e certifica-
ção do Instituto Biodinâmico. Atualmente existem cerca de 15 agricultores
certificados, trabalhando com fruticultura e olericultura, que comerciali-
zam a produção em bancas instaladas nos supermercados do município.

Município de Clevelândia
De acordo com relato de Otto Bruno Becker, engenheiro agrônomo e exten-
sionista do EMATER, as atividades da Agricultura Orgânica em Clevelândia
iniciaram-se no ano de 1997/98 com a produção de soja orgânica, por agri-
cultores apoiados pela cooperativa CAMISC de Clevelândia, incentivados
principalmente pela colega engenheira agrônoma Idanir Menegotto, que
também plantava em áreas arrendadas, mas desmotivou-se no decorrer dos
anos devido à falta de apoio e induzida por outras propostas mais convin-
centes. “Era a visão somente de produto, e devido aos dólares adicionais à
produção. Também ocorreu uma reunião com a presença de técnicos do IBD.
Nesta ocasião foi convidada principalmente pela Sara. Maria Annibelli. Havia
uma proposta da cooperativa dispor de uma moega para recepção especial de
soja orgânica, fato que não ocorreu e deu-se início, em 2000/01, ao incentivo
e fomento para a soja transgênica. Certamente ocorreram propostas mais van-
tajosas para as pessoas que têm o poder de decisão nas mãos.”
Em Clevelândia ocorreu o Primeiro Encontro Municipal de Agricul-
tura Orgânica em 25 de junho de 2.001, com 75 produtores participantes,
fruto do trabalho do técnico local da Emater que, por ocasião da partici-
pação no Conselho de Desenvolvimento de Zelândia, coordenado pelo SE-
BRAE, levantava esta bandeira; e por ocasião da escolha de prioridades,
o trabalho em Agricultura Orgânica foi eleito como sendo uma das ativi-
dades a serem apoiadas e desenvolvidas no município. A partir de então,
juntamente com o SEBRAE/Instituto Hipotenusa, foi realizado o primeiro
curso de capacitação de agricultores, com 20 módulos, durante os anos de
2001, 2002 e 2003. A partir daí, salvo algumas visitas de supervisão, ficou
o EMATER com a incumbência de assistir os produtores. No início o gru-
po teve a participação média de 35 famílias, mas somente 12 chegaram
ao final, devido ao fato dos seus participantes estarem muito dispersos
no município todo e dependerem de transporte coletivo da prefeitura. Era
compromisso do município dispor de transporte, mas às vezes isso não

207
Desenvolvimento territorial e agroecologia

ocorria. Cabe salientar que sempre havia alguns produtores que demanda-
vam informações sobre produtos alternativos, naturais e sem heroicidade
e também, solicitavam capacitação neste assunto. Durante o ano de 2006
também foi efetuado curso de capacitação em Agricultura Orgânica, com
12 módulos de duração e participação média de 20 famílias. È importante
salientar que, sem a parceria com SEBRAE/Instituto Hipotenusa/Prefei-
tura Municipal, pouco ou nada teria sido feito. Durante o terceiro ano al-
gumas famílias do grupo estão presentes na feira livre, no início uma vez
por semana e a partir de 2007 duas vezes, nas quartas-feiras e nos sábados,
pela manhã. O apoio à produção Orgânica/Agroecológica na região de Pato
Branco é muito insignificante, tendo em vista a participação de apenas um
técnico da EMATER, do local de Zelândia. Sabe-se da demanda e da exis-
tência de grupos em quase todos os outros municípios da região, mas que
não são motivados/estimulados por opção e desconhecimento dos técni-
cos de cada local. Em termos de recursos financeiros, pouco foi gasto com
Agricultura Orgânica. São pequenas produções agrícolas de frutas e grãos,
absorvidos no próprio mercado local. Houve a proposta de produção para
a demanda da alimentação escolar Orgânica, mas os produtores não en-
cararam o desafio. Um maior mercado dependerá de mais segurança e ga-
rantia na comercialização da produção.

Município de Coronel Vivida


Em Coronel Vivida, onde foram alocados recursos para instalalação de
uma agroindústria via PRONAF Agroindústria, um grupo de nove produ-
tores assistidos pela EMATER e administração municipal desde o ano de
2000, trabalha com estrangeiros orgânicos. São agricultores familiares
que já participaram de eventos como: excursões, cursos, treinamentos
pela EMATER e atualmente estão organizados, trabalhando por conta
própria.

Município de Saudades do Iguaçu


No município existem em torno de 30 agricultores produzindo no sistema
orgânico, sem certificação. O Instituto EMATER está organizando um gru-
po de agricultores de agricultura orgânica com o intuito de capacitação e
de organização para comercialização, de acordo com a engenheira agrôno-
ma Rosne Zaragatou, extensionista do EMATER.

Município de Vitorino
No município de Vitorino havia quatro produtores que plantavam soja or-
gânica, que deixaram a atividade. Foi efetuado curso de puericulturas or-
gânicas para 15 produtores em 2002/03, mas, devido à dificuldade de co-
mercialização dos produtos e a preços não compensatórios, nenhum deles
cultiva orgânicos.

208
Nilton Luiz Fritz

Agroindústria Regional
A agroindústria também tem apresentado evolução constante em produtos or-
gânicos/diferenciados, transformados, segundo dados do engenheiro agrôno-
mo João Francisco Marchei, do Instituto EMATER, conforme quadro abaixo:

Quadro 1 – Agroindústrias de produtos orgânicos no Sudoeste do Paraná


Município Nome Produtos
A.S.A. Frango diferenciado
Ampére
Burlando Bolachas e massas de soja orgânica
Barracão Costa Curta Leite envase /linha homeopatia
APAVEC Frango diferenciado SIP
Cruzeiro do Iguaçu
Associação de Horticultores Banana in natura
Queijos Órbita Queijos colonial
Francisco Beltrão
Mel POLA Mel silvestre
AMITRA Conservas-opino, cebola
Planalto
Inda. Com. Bom na Mesa Açúcar mascavo-masca
São Roque Cachaça orgânica
Pranchita Cachaça Irmãos Atanazariam Cachaça orgânica
Cachaça Pranchita Cachaça orgânica
Aprove Leite pasteurizado
Verê
Asso. Horticultores /uva Suco e uva orgânica
Mercado do produtor /produtos
São Jorge D´oeste Frutas e verduras
agroecológicos
Fonte: MARCHEI, J. F. (Instituto EMATER).

Comercialização

Gebana
Segundo César Colusão, da Empresa Abanares: “o nosso pequeno agricultor
familiar, cada vez mais terá que procurar produtos diferenciados para conse-
guir viabilizar sua propriedade, onde a agricultura orgânica, a agricultura para
“mercado justo” e mesmo culturas alternativas que consigam uma boa agre-
gação de valor venham a ser uma boa opção pensando no organismo agrícola,
meio ambiente, qualidade de vida e sustentabilidade e também econômica.”
A empresa trabalha: com: soja, milho, feijão adzuki, banana desidra-
tada, trigo, farelo de trigo, óleo de soja, lecitina de soja, farinha de milho,
farinha de trigo, soja texturizada (PTS), abacaxi desidratado e cachaça e
já está produzindo ração para camarão e enviando para o Rio Grande do
Norte, onde é usada na criação de camarões orgânicos.

209
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Biorgânica
De acordo com a direção da Orgânica Comércio de Produtos Orgânicos Ltda.,
de Planalto-PR: “Estamos vivenciando a demanda crescente de produtos orgâni-
cos no mercado internacional e nacional, e com isso se facilita a comercialização
interna de produtos orgânicos. Atualmente comercializamos soja, trigo e milho,
e temos boas perspectivas para comercialização futura de feijão, arroz e centeio.
A agricultura familiar pode ser um forte aliado na produção de alimentos orgâni-
cos, podendo ocupar esse espaço que ainda está aberto no ramo, pois a agricultu-
ra familiar disponibiliza de pequena área, e mão-de-obra própria, que são fatores
fundamentais. Acreditamos que o manejo orgânico seja um dos meios de viabili-
zar financeiramente o pequeno produtor no campo, com dignidade, responsabi-
lidade social e ambiental, e, acima de tudo, com qualidade de vida”.

Empresa Gralha Azul


Alexandre Acoitaste, diretor da Empresa Gralha Azul Avícola, trabalhando
a Produção de Ovos Orgânicos em Francisco Beltrão, comenta que: “aderi-
ram ao projeto, 12 famílias de produtores, sendo que seis já estão certificadas
para o sistema orgânico e as demais para produto colonial”.
Alexandre comenta “que aves sobre melhores condições de criação, ou
seja, garantias de bem-estar para as aves, responderão com melhor desempe-
nho, maior resistência natural e melhor qualidade do ovo produzido”.
A Gralha Azul dá preferência aos pequenos produtores, garantindo a
eles agregação de renda à sua propriedade, consorciando de forma susten-
tável com outras fontes que esta família já possui, como criação de gado de
leite, que perfeitamente se integra à produção de ovos sem prejudicar nem
uma nem outra atividade. Lembra que os manejos com as vacas de leite
ocorrem pela manhã e no final do dia, enquanto os manejos com ovos se
concentram no período da manhã e início da tarde.
Como os próprios conceitos de produção orgânica prevêem, é fun-
damental, para se certificar uma propriedade como orgânica, que esta res-
peite a utilização dos recursos naturais.
Aqui se destacam a necessidade de manter as áreas de reserva da pro-
priedade, a proteção das fontes de água, a utilização correta do solo, bem
como a correta destinação de qualquer resíduo gerado na propriedade.
Todos os insumos utilizados para a alimentação das aves são de ori-
gem orgânica, devidamente controlados; também os ovos são rastreados,
garantindo ao consumidor que ele possa identificar exatamente qual pro-
dutor produziu o alimento que ele esteja adquirindo, bem como o que esta
ave consumiu neste período.
Nenhum insumo químico, nem tratamento medicamentoso conven-
cional são aplicados. “Os ovos são devidamente classificados e selecionados,
garantindo que o consumidor receba somente ovos de excepcional qualida-
de”, conclui Alexandre.

210
Nilton Luiz Fritz

Coopafi
Para José Carlos Farias, presidente do Sistema Coopafi (Cooperativa de Co-
mercialização da Agricultura Familiar), “a agricultura familiar da região Su-
doeste tem uma capacidade de produzir alimento dentro de uma diversidade
de produtos que nossa região produz”. No que diz respeito a produtos orgâni-
cos e também todos os tipos de alimentos, “vivemos um limite no armazena-
mento dos produtos assim como o beneficiamento dos mesmos. A região tem
necessidade de organizar uma ação no campo de beneficiamento e armazena-
mento dos alimentos da agricultura familiar, pois estamos fora de todas as es-
truturas em operação da região, e sempre que demandamos serviços nesta área
encontramos barreiras que impedem a nossa participação efetiva ou em pro-
gramas institucionais do Estado ou para o próprio consumo dos produtos em
nossas atividades da agricultura. Hoje não basta saber produzir. Será preciso
organizá-la de maneira que possamos atingir os mercados com uma identidade
e um produto padrão da agricultura familiar”, conclui José Carlos.

Instituto Emater Regional


Para Simão Flores, Gerente Regional do Emater, “a agroecologia no Sudoeste­
do Paraná faz parte do desenvolvimento alucinógeno da região, importante
no ponto de vista econômico, sustentabilidade e qualidade de vida”.
A produção vegetal de 1.410 agricultores familiares representa uma área
de 3.891,5 ha, com uma produção de 18.892,4 ha. O Sudoeste possui 29,94% da
área, 20,00% do volume de produção e 21,6% dos produtores do Estado.
O Instituto Emater possui um grupo de 17 técnicos trabalhando de
forma processual com metodologia participativa extensiva a 825 famílias
de agricultores familiares.
“Dentro do contexto de desenvolvimento territorial, trata-se de uma
das prioridades que vêm sendo contemplada com diversas ações da sociedade
organizada, como é o belo exemplo do curso de agroecologia da modalidade
de educação do campo”, conclui.

Centro Paranaense de Referência em Agroecologia (Cpra)


Ocupando cerca de 1000 hectares do entorno da Área de Proteção Ambien-
tal da Represa do Ira, com sede no município de Apinhais, PR, o Centro
Paranaense de Referência em Agro ecologia (CPRA) é uma autarquia vin-
culada à Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento.
A missão institucional do CPRA é a de promover e cooperar com
ações de capacitação, pesquisa, extensão e ensino nas áreas de agro ecolo-
gia, agricultura orgânica e educação socioambiental.
A fim de atingir seus objetivos e cumprir sua missão, o CPRA or-
ganiza dias de campo, feiras, encontros técnicos e palestras, bem como
desenvolve experimentos, em parceria com instituições governamentais e
não governamentais.

211
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Seus objetivos e diretrizes são: gerar conhecimentos científicos e


tecnológicos, por meio da elaboração de projetos de pesquisa e validação,
voltados à agropecuária orgânica, atendendo prioritariamente à agricul-
tura familiar; aprimorar a formação de estudantes e profissionais em ciên­
cias agrárias, oferecendo-lhes o ensino de uma agropecuária assentada em
novos paradigmas; promover ações de extensão rural ao transferir conhe-
cimento apropriado a produtores e técnicos; promover educação socioam-
biental e desenvolver ações de reinserção social.
Tem como públicos prioritários os agricultores familiares e seus de-
pendentes, os integrantes de comunidades tradicionais e os estudantes do
ensino superior.

Referências

ABRAMOVAY, Ricardo. Conselhos além dos limites. In: O futuro das regiões
rurais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.
ALTIERI, M. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentá-
vel. 3. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2001.
CAMBOTA. Revista Assesoar. Diversas edições.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia: alguns conceitos e prin-
cípios. Brasília-DF: Ministério do Desenvolvimento Agrário – Secre-
taria da Agricultura Familiar – DATER: IICA, 2004.
Depoimentos de Técnicos e Agricultores.
FRITZ, Nilton Luiz. Avaliação econômico-financeira de uma propriedade
rural de Francisco Beltrão (Pr). 1994. Monografia (Aperfeiçoamen-
to/Especialização em Administração Rural) – Universidade Federal
de Viçosa.
______. Os rumos da agricultura – Texto Jornal de Beltrão e Folha do Su-
doeste, 2001.
MARTINS, Rubens da Silva. Entre jagunços e posseiros. Curitiba: Estúdio
GMP, 1986.

212
A Agroecologia e as Agroflorestas no
contexto de uma Agricultura Sustentável

Luciano Zanetti Pessôa Candiotto


Geógrafo, Professor Adjunto do curso de Geografia da UNIOESTE – Francisco
Beltrão-PR | Membro do GETERR (Grupo de Estudos Territoriais) |
lucianocandiotto@yahoo.com.br

Beatriz Rodrigues Carrijo


Geógrafa, Professora Assistente do curso de Geografia da UNIOESTE –
Francisco Beltrão-PR, Membro do GETERR (Grupo de Estudos Territoriais) |
biacarrijo@gmail.com

Jackson Alano de Oliveira


Geógrafo graduado pela UNIOESTE – Francisco Beltrão-PR |
emaildojackson@bol.com.br

O debate em torno da Revolução Verde, iniciada na década de 1950 e tida


como a principal revolução da história da agricultura, e sobre suas conse-
qüências, vem sendo intenso há décadas, tanto no Brasil quanto no mundo.
De modo geral, há um tom bastante crítico para esse fenômeno, caracteri-
zado pela tecnicização e pela industrialização dos processos de produção
e de processamento de produtos agropecuários.
Como contraposição à Revolução Verde, diversos pesquisadores
vêm se dedicando ao estudo e ao desenvolvimento de práticas agrícolas
que sejam mais adaptadas às características dos ecossistemas, e que não
dependam dos insumos e dos maquinários controlados pelas grandes em-
presas detentoras das tecnologias agropecuárias.
Nesse sentido, por meio da iniciativa de indivíduos interessados em
promover um sistema de produção agrícola capaz de gerar menos impac-
tos ao meio ambiente e à sociedade como um todo, durante o século XX di-
versas experiências agropecuárias alternativas foram desenvolvidas. Com
a exaltação do debate em torno do aquecimento global e da necessidade
da incorporação de novas formas de produzir e de viver, o debruçar sobre


Entendemos tecnicização como sendo a incorporação e a ampliação do fenômeno técnico, ma-
nifestado por técnicas materiais e imateriais, conforme a perspectiva de Milton Santos (1996).

213
Desenvolvimento territorial e agroecologia

técnicas e métodos alternativos de produção agropecuária também tem


destaque neste início do século XXI.
De forma geral, os principais objetivos dessas culturas alternativas
são: garantir a produção alimentar para a subsistência dos agricultores;
oferecer alimentos de qualidade para a sociedade; propiciar formas de tra-
balho que permitam ao agricultor viver com saúde e qualidade de vida; e
utilizar os recursos naturais respeitando a dinâmica dos ecossistemas e a
biodiversidade.
Dentre estas culturas estão: a agricultura natural, a agricultura bio-
dinâmica, a agricultura biológica e a agricultura orgânica, cujos conceitos
e objetivos se encontram brevemente expressos neste trabalho. Dentro da
agricultura orgânica, temos a agroecologia e as agroflorestas, que se cons-
tituem nos objetos centrais desse ensaio.
Procuramos aqui discorrer sobre os fundamentos da idéia de uma
agricultura sustentável, com destaque para a agroecologia e para os sis-
temas agroflorestais, que se apresentam como atividades integradas que
buscam unir e equilibrar interesses de conservação ambiental; qualidade
dos alimentos; segurança alimentar das famílias agrícolas e da sociedade;
manutenção dos agricultores familiares no campo; resgate e valorização
sociocultural; e retorno econômico para as famílias rurais.

Desenvolvimento Sustentável
Entre o final dos anos 1960 e início da década de 1970, começaram a surgir
publicações alertando para as conseqüências ambientais do ritmo acelerado
da produção de mercadorias e da exploração dos recursos naturais. Desta-
cam-se, nesse contexto, o Relatório Meadows, produzido em 1972 pelo Clu-
be de Roma, denominado “Os Limites do Crescimento”, que alertava para
o caráter finito dos recursos naturais e para os riscos dos diferentes tipos
de poluições, fatos comprometedores para a sobrevivência do planeta e da
humanidade (GONÇALVES, 1992); e a teoria do “ecodesenvolvimento”, de
Ignacy Sachs, também do início da década de 1970, clamando por novos di-
recionamentos em relação à própria concepção de desenvolvimento.
No início da década de 1980, a idéia do desenvolvimento sustentável
começa a ser divulgada através da publicação, pela União Internacional de
Conservação da Natureza (UICN), da Estratégia de Conservação Mundial
(WCS). Tal estratégia foi preparada por instituições como a UICN, UNEP
(Programa de Educação Ambiental das Nações Unidas), WWF (World


Na obra “A história do Ambientalismo”, escrita por Augusto Carneiro em 2003, há um deta-
lhamento das principais publicações da época nesta temática.

Em 1948, a UICN foi fundada sob a premissa de que tanto a natureza quanto seus recursos
deveriam ser protegidos para o benefício das gerações atuais e futuras.

214
Luciano Z. P. Candiotto | Beatriz R. Carrijo | Jackson A. de Oliveira

Wildlife­ Fundation), FAO (Food and Agriculture Organization), e UNES-


CO (Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas),
com a participação de mais de 100 países (HALL; LEW, 1998).
Em 1983, a assembléia geral da ONU criou uma comissão para bus-
car harmonizar as questões de meio ambiente e desenvolvimento, deno-
minada Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Após
quatro anos de trabalho, a Comissão elaborou, em 1987, o relatório Brun-
dtland, conhecido como “Nosso Futuro Comum”. Nele surgiu o conceito
de desenvolvimento sustentável, que seria aquele que “atende as necessida-
des do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras
atenderem suas próprias necessidades” (PNUMA, 1988, p. 09).
Após a publicação do Relatório Brundtland, a segunda Conferência
Mundial para discussão sobre desenvolvimento e meio ambiente, realiza-
da em 1992 na cidade do Rio de Janeiro, constituiu-se no evento responsá-
vel pela institucionalização e pela afirmação mundial do desenvolvimento
sustentável.
A ampliação das discussões sobre o desenvolvimento sustentável em
várias escalas espaciais (global, nacional, regional e local) aponta para a
necessidade de um uso equilibrado dos recursos naturais, para melhor dis-
tribuição dos benefícios econômicos e para maior respeito e valorização
de aspectos socioculturais das mais variadas etnias. A preocupação com as
gerações futuras e com o futuro do planeta completam o que poderia ser
visto como foco central da idéia de sustentabilidade.
Assim, a partir da década de 1990, o rótulo de sustentável passa a
ser utilizado para os mais diversos setores da economia, numa referência à
necessidade de práticas vinculadas às premissas do desenvolvimento sus-
tentável, e até mesmo ao marketing de empresas que afirmam ser susten-
táveis, ao incorporarem alguma preocupação ambiental em seu processo
produtivo.
Da mesma forma que se fala em cidades sustentáveis, indústrias sus-
tentáveis, empresas sustentáveis, o espaço rural e a agricultura também
passam a receber o rótulo de sustentável.

Agricultura Sustentável
Para Almeida e Navarro (1997), a expressão “desenvolvimento rural sus-
tentável” englobaria as propostas que prometem um novo padrão produti-
vo, alternativo às formas de desenvolvimento convencional, devido ao fato
de estas serem altamente dispendiosas, tanto na produção quanto na recu-
peração de impactos ambientais já ocorridos.
Altieri e Masera (1997) informam que o movimento ambientalista
foi a principal força social que impulsionou o debate crítico sobre os im-
pactos no mundo rural, questionando o atual modelo de produção rural.

215
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Almeida discute a idéia de progresso e de desenvolvimento, enfo-


cando o desenvolvimento agrícola sustentável como “um anseio a um novo
paradigma tecnológico que não agrida o meio ambiente, servindo para ex-
plicitar a insatisfação com a agricultura convencional” (ALMEIDA, 1997,
p. 46). O objetivo da agricultura sustentável é a manutenção da produtivi-
dade agrícola, minimizando os impactos ambientais e propiciando retor-
no econômico que possibilite diminuir a pobreza e atender aos anseios da
sociedade. (Op.cit.).
Segundo Ehlers (1999), em meados da década de 1980 é que sur-
gem preocupações para com o setor agrícola predominante. Isso se deu a
partir das constantes pressões públicas sobre as políticas governamentais
de desenvolvimento que geravam problemas sociais e ambientais, e prin-
cipalmente do agravamento dos problemas ambientais provocados pela
agricultura moderna, como erosão, contaminação das redes de drenagem,
destruição da fauna e da flora. Por conseguinte, “em 1984, o Conselho Na-
cional de Pesquisa dos Estados Unidos (NRC) iniciava um comitê para es-
tudar os métodos alternativos de produção e seu papel diante da agricultu-
ra moderna” (EHLERS, 1999, p. 100).
Este e outros programas e leis que foram desenvolvidos espalharam-
se rapidamente pelo mundo com apoio de entidades como a FAO (Food
and Agriculture Organization), que é a Organização de Alimentos e Agri-
cultura da ONU (Organização das Nações Unidas), e o BIRD (Banco Mun-
dial), contribuindo para a divulgação e a aceitação em todo o mundo da
idéia de sistemas sustentáveis de produção de alimentos, que, na década de
1990, já estavam sendo pensados em muitos países. (EHLERS, 1999).
Ocorre, no entanto, que a agricultura sustentável proposta pela FAO
e pelo BIRD, e o próprio conceito de desenvolvimento sustentável institu-
cionalizado pela ONU, se encontram limitados à questões ambientais, não
tendo como foco o questionamento da concentração da riqueza e o cresci-
mento econômico sem limites.
Na visão de Ehlers (1999), a concepção de sustentabilidade agríco-
la vem à tona para reduzir os problemas sociais, bem como a degradação
da biodiversidade e dos recursos naturais do planeta, incluindo-se, neste
contexto, os solos, a água, o ar, a fauna e a flora, diante da perplexibilidade
observada nos sistemas convencionais de produção de alimentos que pro-
vocam danos irreversíveis ao meio ambiente e ao homem.
Portanto, além das questões ambientais, não se podem desconside-
rar os problemas sociais relacionados à agricultura, como a concentração
de terras, o êxodo rural e a exclusão social dos agricultores, a exploração
do trabalho agrícola, a falta de regularização fundiária, dentre outros.
Entende-se ser sustentável aquele sistema que mesmo cultivado
perpetuamente não comprometa o ecossistema futuro, ou seja, que te-
nha a capacidade de produzir por longas décadas sem degradar comple-

216
Luciano Z. P. Candiotto | Beatriz R. Carrijo | Jackson A. de Oliveira

tamente as bases de recursos das quais a natureza depende para regene-


rar-se. Para que um sistema seja sustentável, é necessário que ele tenha
efeitos mínimos no ambiente e que preserve a fertilidade do solo, bem
como permita a manutenção da biodiversidade e da qualidade das águas
e do ar. (DAROLT, 2002).
Isso é possível através de um planejamento prévio do terreno onde
será instalado o agroecosistema. Segundo Darolt (2002), deve-se ter noção
de que alguns sistemas podem ser produtivos por tempo indeterminado e
que outros podem, mesmo em sistemas totalmente orgânicos, serem de-
gradados com o tempo. Estes sistemas que se tornam improdutivos com o
tempo nos dão uma noção de seu panorama futuro. Sua camada superfi-
cial biótica pode estar sendo erodida ou degradada pelo cultivo, e sua di-
versidade conseqüentemente estará em declínio.
Por isso, Darolt (2002) afirma ser necessário que, ao identificar um
sistema como sustentável, efetue-se uma pesquisa prévia da área e de toda
a bacia hidrográfica a fim de comprovar a total estabilidade do ambiente
para um agroecossistema confiável, pois os fatores determinantes desta
degradação podem ocorrer devido à influências externas.
Geralmente, a produção agrícola depende das técnicas convencio-
nais, de modo que as práticas alternativas de agricultura acabam sendo
desenvolvidas por alguns agricultores familiares interessados em preser-
var o ecossistema, mas também em garantir a sobrevivência de suas fa-
mílias. Não obstante, esses agricultores podem estar rodeados de grandes
produtores inseridos nos métodos convencionais de produção agrícola de
alimentos, prejudicando assim a qualidade ambiental e nutricional de sua
produção.
Até o início do século XX, os meios de produção eram mais rudi-
mentares e o auxílio químico à agricultura praticamente neutro, porém,
nos dias atuais, o modelo convencional de produção é utilizado em grande
escala, provocando grandes danos ao ecossistema e à população de toda
uma região ou bacia hidrográfica.
Se no passado os produtores agrícolas não tinham que se preocupar
com as influências externas em sua propriedade, pois os riscos de contami-
nação praticamente eram inexistentes, hoje estes não têm controle sobre
os produtos tóxicos oriundos da produção convencional que fluem para
sua propriedade através da água (tanto superficial quanto subterrânea),
bem como pelo ar, pondo em risco animais e sementes ou plantações de
todo um agroecossistema alimentar. (TORRES, 2003).
Ao cultivar alimentos agrícolas orgânicos em determinado terreno
localizado na proximidade de cultivares convencionais, este sistema, por
sua vez, não virá a ser um autêntico sistema orgânico de produção, ou seja,
um sistema que garanta a sustentabilidade na produção, pois as influên-
cias tóxicas da agricultura convencional muito próxima serão inevitáveis.

217
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Se a agricultura deve tornar-se sustentável, significa que o processo


de produção agrícola convencional que vem sendo desenvolvido à base de
poluentes químicos deve ceder espaço a um sistema de cultivo agrícola que
possibilite produção satisfatória sem pôr em risco todo o ecossistema, ou
seja, um sistema agroecológico, com base na agricultura tradicional.
Após o extenso período caracterizado pelos pousios, sucedidos pelos siste-
mas rotacionais e mistos da primeira revolução agrícola e finalmente, pelo
padrão produtivo disseminado pela revolução verde, é provável que a agri-
cultura sustentável venha a ser considerada uma nova fase na história da
dinâmica do uso da terra. Nela, o uso abusivo de insumos industriais e de
energia fóssil deverá ser substituído pelo emprego elevado de conhecimento
ecológico (EHLERS, 1999, p. 147).
É neste contexto que, a partir da década de 1980, crescem as preocu-
pações para com a qualidade de vida e problemas ambientais relacionados
à poluição mundial de todos os meios produtivos, reforçando-se, no setor
agrícola, a idéia de produção alternativa sustentável contraditória ao pa-
drão convencional de produção de alimentos (EHLERS, 1999).
Segundo Ehlers (1999), os movimentos populares têm grande influên­
cia na implantação de culturas alternativas que buscam ser sustentáveis.
As preocupações da sociedade civil para com o desenvolvimento desorde-
nado de tecnologias para a produção agrícola podem contribuir para que
sejam criadas políticas públicas que incentivem e amparem o desenvolvi-
mento sustentável da agricultura, promovendo leis que regulamentem o
desenvolvimento tecnoquímico nesta agricultura, bem como criando pro-
gramas que incentivem formas sustentáveis de agricultura.
A sustentabilidade está em ascendência, porém raramente virá a ser
o único e satisfatório método de produção agrícola. Ehlers (1999) conside-
ra que o cultivo alternativo, visando à sustentabilidade, é, nos dias de hoje,
insuficiente para garantir a produção de alimentos para todas as nações.
Gliessman (2001) aponta que o acesso à tecnologia desenvolvida
para a agricultura convencional é, em muitos países, essencial, pois o solo
assim como toda a diversidade já foram em grande escala explorados. Aler-
ta, contudo, para o fato de que este tipo de agricultura passa a necessitar
de mais recursos químicos para garantir a produção de alimentos que sa-
tisfaçam as necessidades humanas alimentares (GLIESSMAN, 2001).
Acreditamos que as discussões sobre a agricultura sustentável de-
vem vir para o produtor agrícola como forma de manter as condições am-
bientais existentes, porém não desconsiderando aspectos econômicos e
sociais. O que se busca com a produção agrícola sustentável não é uma
produção em grande escala e que vise a lucros, isto é, uma agricultura con-
vencional menos destrutiva, mas, sim, buscam-se práticas alternativas de
produção de alimentos que primem pela saúde e pelo equilíbrio dos ecos-
sistemas e das famílias rurais que vivem da agricultura.

218
Luciano Z. P. Candiotto | Beatriz R. Carrijo | Jackson A. de Oliveira

Deste modo, formas de agricultura potencialmente sustentáveis de-


vem ser incentivadas e aplicadas em relação a agricultores que possuem
vínculo com a terra e com os ecossistemas. Acreditamos que os agriculto-
res familiares possuem as condições mais adequadas para a promoção de
uma agricultura que possa ser sustentável. Segundo Almeida (1997, p. 52),
“o sucesso das iniciativas atuais por um novo e diferente modo de desen-
volvimento está no fortalecimento dos processos organizativos da agricul-
tura familiar nas suas diversas formas associativas”.
Na segunda metade da década de 1980, um referencial teórico so-
bre agricultura sustentável começa a ser trabalhado a partir do conceito de
agroecologia, pensado por pesquisadores como Gliessman (2001), Altieri
(2000), Azevedo (2003), dentre outros. A agroecologia está inserida na agri-
cultura orgânica e possui especificidades em relação a esta. Existem, no
entanto, além da agricultura orgânica, outros métodos de produção agrí-
cola distintos dos métodos convencionais, que se apóiam em práticas me-
nos degradantes.

Métodos alternativos de produção agrícola


Baseando-se no contexto de que a agricultura convencional é, de forma ge-
ral, uma ameaça à biodiversidade e até mesmo ao futuro da produção agrí-
cola, surgem pelo mundo novos meios de produção agrícola que podem ga-
rantir a sustentabilidade do sistema, bem como rendimentos econômicos.
Desenvolvem-se, então, práticas agrícolas diferenciadas, que são de-
nominadas alternativas, pois rejeitam as técnicas e métodos do sistema
convencional de produção. Dentre essas alternativas, têm-se, segundo Aze-
vedo (2003), quatro correntes da agricultura: a biodinâmica, a biológica, a
natural e a orgânica, sendo elas as primeiras manifestações de produção
agrícola contrária à produção convencional.
Cabe ressaltar que, desde o surgimento da agricultura, diversas téc-
nicas e métodos de cultivo agropecuário seguiam as leis da natureza e se
pautavam no aproveitamento dos recursos naturais provenientes dos ecos-
sistemas locais. O diferencial dessas formas tradicionais de agricultura
com as formas hoje consideradas alternativas reside no fato de que os mé-
todos alternativos foram desenvolvidos a partir da constatação dos impac-
tos de técnicas e métodos convencionais, ou seja, a partir de uma contesta-
ção dos rumos que a agricultura tomou a partir do início do século XX.

Agricultura Biodinâmica
Idealizada pelo filosofo austríaco Rudolf Steiner, sugere o equilíbrio e a
harmonia entre a terra, as plantas e os animais, além do cosmos e o ho-
mem. Segundo Rocha (2004), Rudolf Steiner alertava para a idéia de que

219
Desenvolvimento territorial e agroecologia

as ações humanas na agricultura devem concentrar-se na manutenção e na


recuperação do solo, pois, nos casos de queda de produção, não é a planta
que adoece, mas, sim, o solo.
A agricultura biodinâmica é definida como uma “ciência espiritual”
que se utiliza de bases astrológicas e compostos biodinâmicos, ou seja, são
preparados compostos líquidos à base de substâncias minerais, vegetais e
animais, que são aplicados ao solo e baseados em perspectivas energéticas,
e visam à proteção e à conservação do meio ambiente. (DAROLT, 2002).
Essa forma de agricultura é considerada a mais complexa dentre as
formas de agricultura alternativa, pois se fundamenta em uma relação de
interdependência entre os seres vivos e o cosmos. Na agricultura biodinâ-
mica, as fases da lua e outros fenômenos astronômicos são considerados
nas técnicas e métodos de cultivo.

Agricultura Biológica
O mais importante da agricultura biológica é a integração dos recursos na-
turais da propriedade, visando ao desenvolvimento em conjunto da produ-
ção e da manutenção dos ecossistemas. Seu foco se dá na saúde da planta
e do solo, considerando que “Uma planta bem nutrida, além de ficar mais
resistente à doenças e pragas, fornece ao homem um alimento de maior
valor biológico” (DAROLT, 2002, p. 9).
Na agricultura biológica, recomenda-se a incorporação de rocha
moída ao solo, pois a fertilização dos solos não exclui a adubação mineral,
mas sua base deve ser orgânica. Apesar de buscar o aproveitamento dos
recursos da propriedade, Ehlers (1999) alerta para o fato de que a matéria
orgânica utilizada na produção pode ser de procedência externa, ou seja,
“a agricultura deve fazer uso de várias fontes de matéria orgânica, sejam
estas do campo ou da cidade” (p. 56).
“Quanto ao manejo do solo deve-se ter como meta propiciar con-
dições adequadas para o crescimento e manutenção de sua microbiota”
(EHLERS, 1999, p. 58), ou seja, das diversas formas de vida que habitam
o solo.

Agricultura Natural
Com gênese no Japão a partir de 1935, através dos estudos do mestre
Mokiti Okada, a agricultura natural teve como princípio respeitar as leis
naturais, recomendando ao produtor “rotação de culturas, uso de adubos
verdes, emprego de compostos e uso de cobertura morta” sobre o solo (EH-
LERS, 1999, p. 64).
Esse método tem como principal objetivo a redução máxima do im-
pacto sobre o ecossistema, respeitando as leis da natureza; por isso, não

220
Luciano Z. P. Candiotto | Beatriz R. Carrijo | Jackson A. de Oliveira

são aceitas, neste sistema de produção, nem a remoção do solo e nem a uti-
lização de dejetos de animais como fertilizante. O preparo do solo é feito
através do auxílio de microorganismos e compostos orgânicos de origem
vegetal (DAROLT, 2002).
Assim, a agricultura natural, ao contrário da biológica, não utiliza
insumos externos às propriedades rurais, nem incorpora rejeitos de outras
atividades, como no caso dos dejetos de animais como adubo. Seu princí-
pio básico reside na manutenção do equilíbrio do ecossistema, que se dá
por meio de um manejo simples dos recursos naturais.

Agricultura Orgânica
Idealizada por Sir Albert Howard, entre os anos de 1925 e 1930, na Índia,
resultava em um meio alternativo de produção. Opondo-se ao meio de pro-
dução convencional que se expandia rapidamente pelo mundo, em espe-
cial na Europa e nos EUA, a produção agrícola orgânica ressaltava a im-
portância da matéria orgânica no processo produtivo (EHLERS, 1999).
Desde 1920, quando os fertilizantes químicos começaram a ser usados co-
mercialmente em larga escala, têm havido denúncias de que a agricultura
química produz colheitas de alimentos menos saudáveis e nutritivos. Em
torno de 1940, o movimento orgânico europeu começou a ganhar forças, em
parte pela crença de que alimentos orgânicos eram mais saudáveis (AZEVE-
DO, 2003, p. 44).
A produção orgânica é toda a produção agrícola animal ou vegetal em
que se adotam tecnologias que prezem pelos recursos naturais, respeitando
a integridade dos cultivares com o objetivo de, em harmonia com o ambien-
te natural, ser auto-suficiente ao homem. A não-utilização de recursos não
renováveis, bem como a eliminação do emprego de agrotóxicos (como fun-
gicidas, herbicidas, inseticidas e bactericidas) ou de fertilizantes sintéticos
e de sementes geneticamente melhoradas em qualquer fase do processo de
produção, armazenamento, distribuição e consumo de alimentos agrícolas,
é o que define a produção agrícola orgânica (AZEVEDO, 2003).
A idéia de produzir de forma orgânica surge com base nos primór-
dios da agricultura tradicional, onde o uso de insumos e de técnicas agrí-
colas era reduzido, pois, antes da revolução verde não existiam insumos
químicos nem máquinas agrícolas.
Para Darolt (2002, p. 09), “a produção orgânica é baseada na melho-
ria da fertilidade do solo por um processo biológico natural, pelo uso da
matéria orgânica, o que é essencial à saúde das plantas.”
Há muito tempo, o homem já possuía, portanto, conhecimentos de
agricultura orgânica, mas estes foram praticamente ignorados a partir da
disseminação mundial da revolução verde. Foi somente após a percepção
da humanidade sobre os impactos socioambientais da revolução verde, e

221
Desenvolvimento territorial e agroecologia

sobre a necessidade de práticas agrícolas mais autônomas e menos degra-


dantes, que a agricultura orgânica retorna ao debate acadêmico.
Segundo Azevedo (2003), a produção agrícola orgânica visa à ofer-
ta de produtos mais nutritivos e saudáveis ao homem sem prejudicar o
ambiente, ampliando e preservando assim a diversidade do ecossistema,
e, além disso, promovendo a regionalização da produção e consumo de
alimentos agrícolas, e dando incentivo para a integração entre produtor e
consumidor. Para o pesquisador, este é o método alternativo que mais se
aplica no Brasil, e em especial na Região Sul, dando enfoque para a agri-
cultura familiar. Conseqüentemente, estudar e compreender a produção
agrícola orgânica torna-se essencial, considerando o fato de que o modis-
mo orgânico vem conquistando espaço a cada dia.
A agricultura orgânica consiste em uma prática contrária à utiliza-
ção de produtos químicos na lavoura, e capaz de suprir as necessidades
do pequeno agricultor, pois o método é destinado à pequena propriedade
rural, na qual esteja inserido o processo de mão-de-obra familiar (AZEVE-
DO, 2003). Ocorre, contudo, que ela pode ser e vem sendo implementada e
desenvolvida por qualquer tipo de agricultor, desde um camponês até um
grande produtor ou empresa de alimentos orgânicos.
Na busca de diferenciar uma agricultura orgânica realizada por pe-
quenos produtores familiares, onde, além da variável ambiental, se prime
por benefícios e melhorias sociais, de uma agricultura orgânica realizada
como mais um negócio determinado pela lógica do mercado, surge o con-
ceito de agroecologia. Esta, além de ser um meio de produção ecologica-
mente correto que se opõe ao atual modelo agrícola convencional predo-
minante no mundo, é, sobretudo, uma forma de produção que satisfaz e
valoriza o pequeno produtor, integrando-o ao ambiente e à sociedade. Nes-
se sentido, a agroecologia incorpora, aos objetivos de conservação ambien-
tal presentes na agricultura orgânica, objetivos sociais, onde agricultores e
consumidores devem ser valorizados e beneficiados no processo.
A agricultura orgânica se fundamenta no abandono do uso de insu-
mos químicos e na substituição destes por insumos naturais e por tecno-
logias adaptadas aos ecossitemas e agroecossistemas. Seu objetivo reside,
portanto, em produzir alimentos de forma ecologicamente correta, não se
preocupando necessariamente com a concentração de riqueza nas mãos
dos agricultores mais capitalizados e com as questões sociais e culturais
que envolvem o espaço rural.
Já a agroecologia incorpora os objetivos da agricultura orgânica,
mas também questiona a concentração de riqueza e a exploração da força
de trabalho dos pequenos agricultores. Nela, além do equilíbrio ambiental,
prima-se pela qualidade de vida e pela redução da dependência dos agricul-
tores em relação às corporações transnacionais vinculadas à agricultura. A
saúde da família rural, o aproveitamento dos recursos naturais da proprie-

222
Luciano Z. P. Candiotto | Beatriz R. Carrijo | Jackson A. de Oliveira

dade, a policutura e o extrativismo, a aproximação direta com o consumi-


dor, a criação de mercados justos fundamentados na economia solidária, e
a politização dos agricultores, para que estes sejam protagonistas do desen-
volvimento rural local, se apresentam como elementos fundamentais.
Assim, poderíamos dizer que ela é uma das formas de agricultu-
ra orgânica, assim como todas as práticas agroecológicas fazem parte da
agricultura orgânica, mas que nem toda a agricultura orgânica se constitui
em agroecologia.

Agroecologia
A agroecologia é uma das opções que vem sendo destacadas dentro do con-
texto de uma agricultura sustentável, pois, além de produzir sem agrotóxi-
cos, encontra-se destinada à subsistência e à qualidade de vida do pequeno
produtor rural e de sua família, não deixando de lado sua inserção em um
mercado cada vez maior, que é o de produtos agroecológicos, mas atuando
no mercado com relações mais solidárias.
Segundo Gliessman (2001), a agroecologia é uma fusão da agronomia
(ciência que estuda especificamente os métodos agrícolas) com a ecologia
(ciência que estuda os sistemas naturais em todo o seu âmbito) e se constitui
em uma ciência. Teve sua gênese nos anos 1920, consumando-se no pós-II
Guerra Mundial, quando cada vez mais ecologistas do mundo inteiro passa-
ram a analisar ecossistemas de produção a fim de promover mudanças na
produção agrícola, possibilitando a sustentabilidade do agroecossistema. “A
agroecologia proporciona o conhecimento e a metodologia necessários para
desenvolver uma agricultura que é ambientalmente consistente, altamente
produtiva e economicamente viável” (GLIESSMAN, 2001, p. 54).
Na mesma linha de análise, Altieri (2000, p. 18) entende que ela con-
siste em uma “nova abordagem que integra os princípios agronômicos,
ecológicos e socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito das tec-
nologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo.”
Para Azevedo (2003), a agroecologia apresenta uma série de prin-
cípios metodológicos que permitem estudar, analisar, dirigir, desenhar e
avaliar ecossistemas, contribuindo para o desenvolvimento de uma agri-
cultura sustentável e complexa, capaz de gerar satisfação econômica social
e ambiental.
Gliessman (2001) também aponta para seu duplo papel, como ciên-
cia e como movimento político.
[...] por um lado, a agroecologia é o estudo de processos econômicos e de
agroecossistemas, por outro, é um agente para as mudanças sociais e ecoló-
gicas complexas que tenham necessidade de ocorrer no futuro a fim de le-
var a agricultura para uma base verdadeiramente sustentável (GLIESSMAN,
2001, p. 56)

223
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Da mesma forma que a Ecologia se fundamenta no conceito de ecos-


sistema, a Agroecologia tem seu foco no conceito de agroecossistema. Al-
tieri (2000) e Gliessman (2001) informam que os agroecossistemas se cons-
tituem na unidade de estudo da agroecologia. Conforme afirma Gliessman
(2001), um agroecossistema é definido por um conjunto complexo de rela-
ções entre organismos vivos e seu meio, delimitado a partir da constatação
de similaridade biótica e abiótica em determinadas áreas agrícolas.
A agroecologia deve ser ambientalmente sustentável e economica-
mente produtiva, ou seja, não consiste tão-somente no fato de exonerar por
completo as práticas convencionais de produção, mas, sim, em utilizar tec-
nologias ecologicamente viáveis, incorporando-as a um novo padrão pro-
dutivo que garanta produção satisfatória sem pôr em risco todo o meio
ambiente e a própria saúde humana. (GLIESSMAN, 2001). Mais do que
combinar benefícios ecológicos e econômicos, a agroecologia apresenta,
contudo, amplas preocupações sociais.
Como afirma Azevedo (2003), a complexibilidade de um sistema
agroecológico estende suas preocupações também ao socioeconômico, ou
seja, à preservação do ambiente natural visando ao cultivo agrícola per-
manente de determinada área, esta atrelada à satisfação humana, tanto no
que se refere ao desenvolvimento econômico quanto à questão de inclusão
social e divisão do trabalho (AZEVEDO 2003).
Cabe então à agroecologia pensar na produtividade agrícola a partir
da dinâmica de cada ecossistema, e de sua transformação em agroecossis-
temas sustentáveis, buscando compatibilizar benefícios ambientais, eco-
nômicos e sociais, sobretudo para os agricultores familiares envolvidos.
Altieri (2000) tece críticas àqueles que restringem a queda de pro-
dutividade agrícola à falta de tecnologias adequadas e menos impactantes.
Apesar de reconhecer a importância de técnicas de manejo alternativas,
haja vista que a agroecologia busca a dependência mínima de insumos
agroquímicos e energéticos externos, o pesquisador entende que a susten-
tabilidade agrícola depende, sobretudo, de mudanças socioeconômicas.
Os enfoques que percebem o problema da sustentabilidade somente como
um desafio tecnológico da produção não conseguem chegar às razões fun-
damentais da não-sustentabilidade dos sistemas agrícolas. Novos agroecos-
sistemas sustentáveis não podem ser implementados sem uma mudança nos
determinantes socioeconômicos que governam o que é produzido, como é
produzido e para quem é produzido (ALTIERI, 2000, p. 17).
Guzmán também vincula a agroecologia com um projeto políti-
co, de cunho social. A estratégia agroecológica constituiria no “manejo
ecológico dos recursos naturais, que, incorporando uma ação social co-
letiva de caráter participativo, permita projetar métodos de desenvolvi-
mento sustentável” (GUZMÁN, 1997, p. 29). Para o pesquisador, a escala
local teria um papel central, pois, através da articulação do conhecimen-

224
Luciano Z. P. Candiotto | Beatriz R. Carrijo | Jackson A. de Oliveira

to camponês com o científico, seria possível a implantação de sistemas


de agricultura alternativa potencializadores da biodiversidade ecológica
e sociocultural.
Assim, ao implantar um agroecossistema com base na agroecologia,
a idéia é de preservar características do ecossistema natural, assegurando
uma produção agrícola saudável e satisfatória social e economicamente.
Dentro da estratégia agroecológica existem diferentes técnicas e mé-
todos agrícolas que se combinam, como a permacultura, o plantio direto,
a divisão de áreas para permitir pousios rotacionados, a reutilização da
água, os sistemas agroflorestais etc. Procuramos, a seguir, apresentar algu-
mas considerações a respeito das agroflorestas.

Agroflorestas
De acordo com Wiersum apud Gliessman (2001), o termo agroflorestas foi
dado à práticas que intencionalmente mantêm ou recompõem a cobertura
florestal, isto é, herbácea e arbórea, em terras usadas para agricultura ou
pastoreio.
O princípio das agroflorestas se baseia na sucessão ecológica, que
consiste no desenvolvimento de estágios sucessivos de recuperação do am-
biente florestal, sendo que, em cada fase de recuperação se procura utilizar
espécies nativas adequadas para determinada finalidade. Temos, portan-
to, no manejo agroflorestal, a agrossilvicultura (manejo de árvores com a
cultura); os sistemas silvopastoris, que combinam florestas com produção
animal; e os sistemas agrossilvopatoris, onde há combinação de agricultu-
ra, florestas e produção animal.
Quando um solo é abandonado, a primeira vegetação que apare-
ce são pequenas unidades rasteiras. Em seguida, começam a aparecer
os capins mais consolidados e só após estes é que aparecem as plantas
herbáceas­. Juntamente com as plantas herbáceas e os arbustos, surgem
as espécies gramíneas, e, após algum tempo, que varia de solo para solo,
as gramíneas cedem lugar para as capoeiras, compostas tanto por plantas
herbáceas como por arbustos, em virtude do sombreamento que impede a
proliferação das gramíneas.
A partir do estágio das capoeiras é que uma floresta inicia sua traje-
tória até chegar a sua estabilidade com o aparecimento de árvores grandes
da flora nativa de determinada região.
Com o início da formação do sistema agroflorestal, os solos abando-
nados, que antes eram praticamente nus, passam a ter pelo menos quatro
camadas de proteção: as raízes; as folhas e os galhos caídos na superfície;
a vegetação intermediária; e as árvores maiores. A característica deste solo
agora é a grande quantidade de húmus e elementos microbióticos, além da
presença de seres maiores, como as minhocas.

225
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Quando manejamos uma floresta para obtermos alguma espécie de


benefício sem degradá-la, estamos praticando uma atividade chamada de
extrativismo, muito desenvolvida pelos índios. Quando iniciamos uma re-
cuperação de um solo degradado e abandonado, tendo em vista a sucessão
natural citada acima, até chegar à características próximas de uma floresta,
porém implantando espécies de interesse agrícola juntamente com espécies
nativas, estamos desenvolvendo uma atividade chamada agrofloresta.
O ponto em comum entre a Agroecologia e os sistemas agroflorestais
é que ambos pretendem otimizar os efeitos benéficos das interações que
ocorrem entre as árvores, os cultivos agrícolas e animais, ou seja, obter a
maior diversidade de produtos, diminuir a necessidade de insumos exter-
nos e reduzir os impactos ambientais negativos da agricultura convencional.
Esta afinidade de objetivos possibilita que os sistemas agroflorestais, inseri-
dos num contexto agroecológico de produção, contribuam significativamen-
te para o desenvolvimento equilibrado, integrado e duradouro tanto da pai-
sagem natural quanto das comunidades humanas que nela habitam.
Considerando a pertinência da implementação e da divulgação de
experiências ligadas aos sistemas agroflorestais, procuramos, a seguir,
apresentar brevemente os fundamentos e os resultados de um projeto de-
senvolvido no Sudoeste do Paraná, com apoio do Ministério do Meio Am-
biente, através do Fundo Nacional do Meio Ambiente.

Agroflorestas no Sudoeste do Paraná


O projeto denominado Referências em Sistemas Agroflorestais foi imple-
mentado pela ONG ASSESOAR (Associação de Estudos, Orientação e As-
sistência Rural), que trabalha diretamente com agricultores familiares
do Sudoeste paranaense. O referido projeto também teve participação da
Unioeste (Campus Francisco Beltrão-PR), por meio de um subprojeto de
extensão, intitulado Educação Ambiental e Recomposição Florestal: aplica-
ção em Sistemas de Referências Agroflorestais no Sudoeste do Paraná, desen-
volvido pela professora Beatriz R. Carrijo.
O projeto da ASSESOAR buscou obter a melhoria das condições
e dos recursos ambientais do meio rural na região Sudoeste do Paraná,
especialmente em relação à água e ao componente florestal, através da
construção e da implementação de referências em sistemas agroflores-
tais ecológicos. O objetivo principal do Projeto, desenvolvido entre 2004
e 2007, foi capacitar agricultores familiares na implementação de técni-
cas de manejo agroflorestal, ao ponto de se tornarem referências em seus
municípios, e divulgarem seus conhecimentos para outros agricultores
familiares interessados.
Segundo a ASSESOAR (2005), esse projeto teve também os seguin-
tes objetivos específicos:

226
Luciano Z. P. Candiotto | Beatriz R. Carrijo | Jackson A. de Oliveira

a) Construir e implementar “Unidades de Referência em Sistemas


Agroflorestais Ecológicos” (SAFEs) em dez grupos de agricultores
familiares agroecológicos da região Sudoeste, recompondo áreas de
capoeiras e outras áreas produtivas degradadas nas propriedades,
através da utilização de espécies florestais nativas, espécies frutífe-
ras nativas e exóticas adaptadas, e espécies medicinais.
b) Recompor e/ou reflorestar áreas de matas ciliares e outras áreas de
preservação permanente, nos grupos e comunidades envolvidas no
Projeto, e que fazem parte de microbacias consideradas prioritárias,
com espécies florestais nativas, espécies frutíferas e medicinais nati-
vas, utilizando-se, para isso, de ações de educação ambiental.
c) Promover a capacitação básica dos agricultores familiares dos gru-
pos, como também de técnicos e de lideranças envolvidas, em tecno-
logias agroflorestais ecológicas e na recuperação e conservação dos
recursos naturais; com cursos específicos e atividades de intercâm-
bio e troca de experiências para agricultores e técnicos.
d) Sistematizar a experiência, elaborando e produzindo publicações
relacionadas com as ações do Projeto, como forma de difundir os
resultados, avanços e impactos positivos alcançados; como também
com o propósito de subsidiar a capacitação dos agricultores.
e) Viabilizar alternativas econômicas agroecológicas e sustentáveis aos
agricultores familiares, buscando propiciar o estabelecimento de ca-
nais de comercialização solidária.

Participaram do projeto dez municípios do Sudoeste do Paraná, sen-


do: Dois Vizinhos, Marmeleiro, Salto do Lontra, Capanema, Salgado Filho,
Francisco Beltrão, Nova Prata do Iguaçu, Santa Isabel do Oeste, Pérola do
Oeste e Coronel Vivida, sendo 15 famílias por município, e de acordo com
ele, foram definidos, juntamente com as lideranças rurais, os seguintes
“critérios básicos” para a seleção dos grupos:
a) grupos de agricultores familiares;
b) grupos que já estivessem desenvolvendo a agroecologia (mesmo com
propriedades ainda em conversão);
c) grupos de agricultores familiares que tivessem prioridade na reposi-
ção de reservas florestais e matas ciliares, tendo em vista a degrada-
ção ambiental (problemas com a água, desmatamentos, erosão dos
solos etc.) nas microbacias onde estão inseridos;
d) grupos localizados nos dez municípios já indicados;
e) grupos que já manifestaram, em oportunidades anteriores, seu interes-
se e disposição em desenvolver propostas de recuperação ambiental.

227
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Além das reuniões de capacitação sobre manejo agroflorestal, le-


gislação ambiental e temas correlatos, o projeto também contemplou o
fornecimento de mudas para a constituição das agroflorestas, buscando
recompor as áreas com espécies nativas, que posteriormente podem ser
manejadas para fins econômicos.
Para a constituição das agroflorestas foram feitas capacitações
quanto à formação e à estruturação da sucessão das espécies, seguindo o
quadro abaixo que trata das espécies nativas divididas de acordo com os
estágios correspondentes, ou seja: a) as espécies pioneiras, que são aquelas
que iniciam e dão suporte ao processo de formação das agroflorestas; b)
as secundárias, que se desenvolvem num estágio sucessivo às pioneiras; e
c) as espécias de clímax, que se desenvolvem quando o ambiente florestal
está bem consolidado. Foram utilizadas aindas espécies medicinais nati-
vas, cultivadas tanto para fins de consumo próprio dos produtores, como
também para fins de comercialização.
O projeto foi iniciado em 2004 e hoje é possível avaliar alguns passos
que já foram dados. O primeiro aspecto a salientar é quanto à abrangência
da iniciativa que, por contemplar uma área bem diversa e distante, reque-
reu bastante tempo e dedicação para todas as atividades desenvolvidas.
Em contrapartida, isso possibilitou uma maior difusão da experiência e
das áreas de recuperação ambiental propostas no projeto.
Na fase de plantio de mudas destacamos alguns elementos que fo-
ram fundamentais para o processo de implantação das agroflorestas. O
período de aquisição e de distribuição de mudas coincidiu com uma estia-
gem prolongada na região, exigindo a aquisição de uma nova remessa e o
replantio nas mesmas áreas. As dificuldades no manuseio, no transporte e
no trato com as mudas dentro das propriedades também foi um elemento
que chamou a atenção em relação à necessidade do processo de capacita-
ção dos agricultores especificamente para o manejo das agroflorestas.
Outro elemento marcante foi quanto à capacitação na temática rela-
tiva à legislação ambiental relacionada às áreas de reserva legal e áreas de
preservação permanente.
Com o ciclo de oficinas sobre legislação ambiental, foi possível veri-
ficar que os agricultores não tinham conhecimento dos aspectos legais que
envolvem as propriedades rurais no que se refere ao meio ambiente. Daí
decorreu a dificuldade de aplicar os princípios legais, o que não impede o
processo de recuperação de áreas degradadas e de áreas de mananciais.
Como a maioria das propriedades possui menos que 30 hectares, fica
praticamente inviável que se cumpram as prerrogativas básicas do SISLEG
(Sistema de Manutenção, Recuperação e Proteção da Reserva Florestal Le-
gal e Áreas de Preservação Permanente), de averbação de 20% da vegetação
nativa como reserva legal; de delimitação das áreas de preservação perma-
nente com, no mínimo, 30 metros em cada margem dos canais fluviais; e de

228
Luciano Z. P. Candiotto | Beatriz R. Carrijo | Jackson A. de Oliveira

preservação de um raio de 50 metros em torno das áreas de nascentes. No


tocante a esses assuntos, as discussões com os agricultores foram polêmicas
e acirradas, pois muitos deles entendem que a legislação vem para prejudi-
car sua sobrevivência, e que, enquanto o homem do campo tem de cumprir
várias leis, a população das cidades continua degradando o meio ambiente.
Os debates giraram em torno da função social da terra, da dificul-
dade de permanência do pequeno agricultor familiar no campo e da impu-
nidade em relação aos grandes produtores. Como, no entanto, muitos dos
agricultores sentiram diretamente os efeitos da estiagem, começaram a se
associar para preservar suas matas ciliares e nascentes como garantia de
recurso hídrico para o futuro.
Além dos aspectos legais, as discussões em torno das agroflorestas
como alternativa de desenvolvimento para as pequenas propriedades foi
intensiva, uma vez que uma das bases do projeto é a composição desses
Sistemas de Referências Agroflorestais. Ficou claro também que, de modo
geral, há a predisposição em cumprir as normativas legais, mas a falta de
conhecimento sobre o assunto e a descapitalização do produtor dificultam
essa adequação. Em alguns municípios as discussões se encaminharam
para um questionamento do aspecto legal, fazendo com que os grupos se
organizassem para aprofundar o debate na tentativa de discutir uma pos-
sível revisão da lei aplicada à pequena propriedade.
Se, de modo geral, o projeto encontrou algumas dificuldades, cabe
ressaltar que, com certeza, são menores do que se estes agricultores esti-
vessem dentro de um sistema convencional. Além de melhorias da qualida-
de ambiental, da qualidade de vida das famílias e de uma nova perspectiva
de ganhos econômicos, o Projeto buscou mostrar a importância do prota-
gonismo dos agricultores em seu processo de desenvolvimento, bem como
a possibilidade de uma certa autonomia, com a adoção de práticas agroe-
cológicas e agroflorestais.
Sabe-se que o retorno financeiro dos sistemas agroflorestais é lento,
mas é garantido, pois se pauta na diferenciação e na qualidade da produ-
ção, assim como nos princípios da agroecologia. As agroflorestas se apre-
sentam, portanto, como mais uma alternativa de cultivo dentro de uma
ampla estratégia agroecológica, que, por sua vez, busca contribuir para a
sustentabilidade na agricultura e no espaço rural.

Considerações finais
Como procuramos mostrar nesse texto, a agroecologia faz parte de uma
das principais correntes que objetivam desenvolver uma produção agrícola
alternativa ao modelo convencional predominante desde meados do sécu-
lo XX. Essa corrente é a agricultura orgânica, que, da mesma forma que
as correntes da agricultura biodinâmica, biológica e natural, é tida como

229
Desenvolvimento territorial e agroecologia

forma alternativa de agricultura que pode conduzir à sustentabilidade, tão


debatida nos dias atuais.
Altieri (2000) e Gliessman (2001) indicam o duplo caráter da agroe-
cologia, a qual, além de ser uma ciência que tem como base a interação en-
tre os elementos bióticos e abióticos dos ecossistemas, possui fundamen-
tos que a tornam uma forte estratégia política e ideológica, cada vez mais
adotada por camponeses e suas instituições representativas. Acreditamos
que os argumentos em torno da agroecologia são extremamente plausíveis,
pois fortalecem a concepção e as características de autonomia da agricul-
tura familiar, garantindo a sobrevivência das famílias com qualidade de
vida. É preciso verificar, no entanto, as intencionalidades presentes nos
discursos e nas práticas que se denominam agroecológicas, e os resultados
econômicos, sociais e ambientais dessas estratégias.
Sabendo das limitações da agricultura orgânica, e considerando a
importância da agricultura familiar no Brasil, procuramos demonstrar a
maior complexidade da agroecologia frente à agricultura orgânica, e dis-
cutir a agroecologia e as agroflorestas como estratégias integradas de pro-
dução e de vida para as famílias rurais.
Mais do que produzir de forma ecologicamente correta, é preciso
dar condições para que os agricultores familiares permaneçam no campo
com qualidade de vida, mantendo-se como agricultores e reafirmando sua
identidade camponesa. Para tanto, não basta incentivar somente a agri-
cultura orgânica, pois esta pode ser conivente com o controle da produção
orgânica por parte de empresas e latifundiários. Apesar de minimizar os
problemas ambientais, a agricultura orgânica não basta para reduzir as
desigualdades sociais.
Assim, para além dela, urge incentivar a agroecologia como estra-
tégia produtiva e de desenvolvimento rural. Por entendermos o desenvol-
vimento rural para além do agrícola e direcionado, sobretudo às famílias
rurais, a agroecologia e as agroflorestas se apresentam como estratégias
potencialmente promotoras de um desenvolvimento que, mesmo não sen-
do totalmente sustentável, tem como foco a conservação ambiental, a saú-
de da população rural e dos consumidores das cidades, e a melhoria da
qualidade de vida dos agricultores familiares, tão discriminados e subesti-
mados na história do Brasil.
A experiência vivenciada no projeto de sistemas agroflorestais de-
monstrou que o caminho para a expansão da agroecologia e das agro-
florestas é longo e árduo, pois tais estratégias de sobrevivência vêm se
apresentando como formas de resistência ao modelo de desenvolvimento
produtivista e mercantil. Por outro lado, as diversas ações ligadas a essas
estratégias, promovidas por movimentos sociais, por ONGs e por institui-
ções públicas, indicam que tais alternativas vêm se materializando e ga-
nhando força no debate sobre desenvolvimento.

230
Luciano Z. P. Candiotto | Beatriz R. Carrijo | Jackson A. de Oliveira

Referências

ALMEIDA, S. Gomes. Transição para agroecologia, a experimentação so-


cial faz o caminho. Anais do Encontro Nacional de Agroecologia. Rio
de Janeiro, 2002.
ALMEIDA, Jalcione; NAVARRO, Zander (Org.). Reconstruindo a agricultu-
ra: idéias e ideais na perspectiva do desenvolvimento rural sustentá-
vel. Porto Alegre: UFRS, 1997.
______. Da ideologia do progresso à idéia de desenvolvimento (rural) sus-
tentável. In: ALMEIDA, J.; NAVARRO, Z. Reconstruindo a agricul-
tura: idéias e ideais na perspectiva do desenvolvimento sustentável.
Porto Alegre: UFRGS, 1997, p.33-55.
ALTIERI, Miguel; MASERA, Omar. Desenvolvimento rural sustentável na
América Latina: construindo de baixo para cima. In: Reconstruindo
a agricultura: idéias e ideais na perspectiva do desenvolvimento sus-
tentável. Porto Alegre: UFRGS, 1997.
ALTIERI, Miguel. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sus-
tentável. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2000.
ASSESOAR. Projeto – Sistema de Referências Agroflorestais. Francisco Bel-
trão – PR, (mimeo), 2005.
AZEVEDO, Eliane de. Alimentos orgânicos: Ampliando os conceitos de saú-
de humana, ambiental e social. Florianópolis: Insular, 2003.
CAMBOTA. Agrofloresta em defesa da Biodiversidade. Caderno Assesoar,
nº 6. Francisco Beltrão – Paraná. 2006.
CARNEIRO, Augusto. A história do ambientalismo. Porto Alegre: Editora
Sagra Luzatto, 2003.
DAROLT, Roberto M. Guia do produtor orgânico, como produzir em harmo-
nia com a natureza. Londrina: IAPAR, 2002.
______. Alimentos orgânicos, um guia para o consumidor inteligente. Lon-
drina: IAPAR / ACOPA, 2002a.
EHLERS, Eduardo. Agricultura sustentável: origens e perspectivas de um
novo paradigma. Guaiba: Agropecuária, 1999.
GLIESSMAN, Sttephen R. Agroecologia, processos ecológicos em agricultu-
ra sustentável. Porto Alegre: UFRGS, 2001.
GONÇALVES, Carlos. W. P. Geografia política e desenvolvimento sus-
tentável. Terra Livre, São Paulo: AGB, n.11-12, ago 92/ago 93, p.
9-76.

231
Desenvolvimento territorial e agroecologia

GUZMÁN, Eduardo S. Origem, evolução e perspectivas do desenvolvimento


sustentável. In: Reconstruindo a agricultura: idéias e ideais na perspectiva
do desenvolvimento sustentável. Porto Alegre: UFRGS, 1997, p.19-32.
HALL, Michael; LEW, A. (Org.). Sustainable tourism: a geographical anali-
sys. U.K., 1998.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE (PNUMA).
1987, Bruxelas. Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: FGV, 1988.
ROCHA, Marcondes P. Alimentos orgânicos, um estudo sobre a percepção
dos consumidores. Monografia UNIOESTE-FBE, 2004.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec, 1996.
TORRES, Patrícia L. Uma leitura para os temas transversais. Curitiba: SE-
NAR-PR / Editora Eletrónica, 2003.

232
Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor*:
experiências e desafios em agroecologia**

Valdir Luchman
Técnico do CAPA (Centro de Apoio ao Pequeno Agricultuor) – Verê-PR |
capasud@vere.com.br / capa-vere@capa.org.br

O Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA) é uma organização não-


governamental (ONG) ligada à Igreja Evangélica de Confissão Luterana no
Brasil (IECLB), fazendo parte do seu compromisso de Igreja, que não se
conforma com as injustiças sociais e a agressão à natureza.
A proposta do CAPA é apoiar o fortalecimento das famílias de agri-
cultores para que eles, junto com outros segmentos da sociedade, parti-
cipem no desenvolvimento baseado nos princípios de agroecologia e de
cooperação através de experiências com produção, beneficiamento, indus-
trialização e comercialização, que sirvam de sinais de que o meio rural
pode ser um espaço de vida saudável, de realizações e de viabilidade eco-
nômica para todos.
Criado em 1978, surgiu no momento em que os agricultores familia-
res eram expulsos do campo por um novo modelo econômico, concentra-
dor de renda e de terra que passou a destruir a saúde das pessoas e o meio
ambiente. Com ele, a IECLB firmou um gesto concreto por justiça social,
baseando-se no princípio de que fé e vida devem andar juntas.

*
Colaboradores da equipe técnica do CAPA: Décio Alceu Cagnini (Técnico em Horticultu-
ra), Maria Helena Mari (Engenheira Agrônoma), Rome Schneider (Engenheira Agrônoma),
Elaine Zanetti (Assessora Administrativa).
**
O autor não apresentou referências para esse texto.

233
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Hoje, a agricultura familiar continua a enfrentar desafios. Viabili-


zar a pequena propriedade exige organização e preparo. Desde o início, o
CAPA buscou contribuir para a prática social e de serviço junto às famílias
de agricultores, como uma estratégia de desenvolvimento sustentável.
Atende os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná,
por meio de cinco núcleos: Erexim, Pelotas e Santa Cruz (RS e SC); Ma-
rechal Cândido Rondon e Verê (PR). São beneficiadas em torno de 5.400
famílias, incluindo agricultores familiares, indígenas, quilombolas e pesca-
dores profissionais artesanais.
O Núcleo Verê iniciou suas atividades em setembro de 1997, tendo
como área de abrangência boa parte da região Sudoeste do Paraná. Hoje
os trabalhos estão mais concentrados em alguns municípios com ativida-
des de assessoria direta aos produtores, enquanto que, nos demais, o apoio
dá-se de forma indireta, através de associações e de cooperativas, princi-
palmente nas atividades de construção da rede solidária de comercializa-
ção e de certificação participativa (Rede Eco Vida).

Agroecologia: contexto regional


Histórico
Em 1997, quando o CAPA Núcleo Verê iniciava as suas atividades, já havia
várias iniciativas e experiências na produção orgânica implantadas ou sen-
do realizadas pelas organizações dos agricultores e entidades.
A região Sudoeste do Paraná traz por herança, de um passado de lu-
tas e conquistas, o fortalecimento da união dos agricultores expressa nas
organizações sindicais e outras entidades dentro de um movimento que
poderia ser denominado mais de resistência do que propriamente agroe-
cológico.
Neste contexto, o CAPA veio para somar com as demais entidades e
iniciativas. O início das atividades deu-se através do acompanhamento de
grupos ligados ou não à citada Igreja, pois o trabalho é ecumênico, com
agricultores dispostos a discutir alternativas de organização e produção.
Nas reuniões, entre outros assuntos, pautava-se também a impor-
tância das hortas e dos pomares domésticos e o resgate das plantas medi-
cinais com o intuito de melhoria da qualidade de vida das famílias. Confor-
me a particularidade de cada grupo, as discussões foram sendo afuniladas
para as atividades de interesse das famílias.
Diversas atividades foram desenvolvidas e, independente do tempo
de caminhada em cada grupo, o mais importante para o CAPA foi que “se-
mentes foram semeadas”, cumprindo assim a sua missão de ser “fermen-
to”, motivador para novas iniciativas e alternativas com bases agroecoló-
gicas. A realidade e a convivência nos grupos contribuiu no processo de
avanço e de crescimento do CAPA na região.

234
Valdir Luchman

A difícil situação financeira de muitas famílias possuidoras de pe-


quenas áreas de terra as levou a lançar-se em atividades não tradicionais,
apostando principalmente em hortaliças ecológicas. Devido ao fato das
tradicionais serem cultivadas com o uso de muitos agrotóxicos, houve um
maior sobrepreço das ecológicas.
Para atender à crescente demanda por assessoria técnica, a partir
do ano de 2000 o CAPA intensificou as atividades na área da produção,
principalmente em fruticultura e olericultura. Esse cenário exigiu maior
especialização técnica, assessoria na organização do planejamento e apoio
à comercialização, para que a produção não ficasse à mercê do sistema
convencional de comercialização, que muitas vezes não condiz com a rea-
lidade dos agricultores.

Realidade atual
Após dez anos de caminhada, sendo a maior parte destes envolvidos na
produção através de assessoria direta à muitas famílias, pode-se destacar
vários aspectos no processo de fortalecimento do movimento agroecológi-
co na agricultura familiar.
Por vezes flagramo-nos um tanto quanto desolados diante da avalan-
che química que inunda cada vez mais a agricultura familiar, como quem
quisesse sufocar a resistência agroecológica. Quando, porém, refletimos
sobre a trajetória nos últimos anos, podemos ver que a agroecologia teve
muitos avanços, não só na produção, mas também nas políticas públicas e
como tema importante dentro das instituições de ensino e pesquisa.
E é justamente nesse campo que ela difere das demais correntes
ou escolas de agricultura alternativa, como a agricultura orgânica, a eco-
lógica, a biodinâmica e a permacultura, que tiveram sua origem em paí-
ses com seus problemas sociais mais ou menos resolvidos. A agroecologia
vai muito além de tecnologia alternativa de produção, permeando hoje as
grandes discussões sociais, ambientais e de segurança alimentar, fazendo
ainda parte das discussões de política pública propondo um desenvolvi-
mento sustentável.
Por outro lado, a convivência direta com as famílias de “pequenos”
agricultores permite-nos fazer uma análise bem realista e que geralmente
fica muito distante das discussões que, por vezes, são meros discursos filo-
sóficos, idealistas ou políticos.
É necessário fazer uma interpretação a partir da realidade do dia-
a-dia das famílias no sentido da propriedade para fora e não no sentido
contrário. A organização de grandes discussões envolvendo intelectuais e
estudiosos em agricultura alternativa, exigindo a mobilização e o desloca-
mento de grandes distâncias, para reunirem-se em salas com ar condicio-
nado para discutir e “resolver” os problemas dos “pequenos” agricultores,
nem sempre surte resultados aplicáveis ou viáveis.

235
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Queremos, contudo, ressaltar a importância da emergência do tema


dentro das universidades, o que há pouco tempo era restrito apenas a algu-
mas ONGs ou como tema de suporte para questões políticas esquerdistas
de pequenos grupos. Vivemos em uma época em que é extremamente im-
portante que as instituições de ensino formem um número cada vez maior
de indivíduos críticos, e não alienados, para discutir a agroecologia em to-
dos os seus aspectos de forma realista, aplicável e humanitária.

Realidades e tendências
Os temas de fundo, como do aquecimento global, incendeiam acirradas dis-
cussões sobre sustentabilidade em todos os setores, discussões que ocorrem
com tanta intensidade que, não raras vezes, ultrapassam de sua importância
como tema, fugindo para apenas um termo de modismo abstrato.
Dentro da esfera, não desconectada da agricultura familiar, a sus-
tentabilidade não é apenas um tema de discussão, mas uma ação de so-
brevivência de muitas famílias, que, bem antes do assunto tornar-se tão
“famoso”, já viviam e sentem até hoje as conseqüências de um sistema in-
sustentável.
Nesse meio, o CAPA pauta a agroecologia como alternativa de orga-
nização e de produção entre as famílias envolvidas de forma realista, dei-
xando de lado os extremismos da filosofia utópica e o radicalismo sociopo-
lítico. O que se busca é a diversificação da propriedade integrando várias
atividades que se complementam com o mínimo de aporte de insumos e a
promoção da troca de experiências para aprimorar e aprofundar os conhe-
cimentos em tecnologias alternativas de produção.

O envelhecimento da agricultura
A grande maioria dos produtores envolvidos na produção alternativa não é
jovem, e por isso preocupante o futuro da agricultura familiar agroecológi-
ca. Quem serão os futuros produtores agroecológicos?
A introdução da revolução verde causou um choque nos agricultores
que até então praticavam a agricultura tradicional, na qual o conhecimen-
to era repassado de pai para filho, assim como os esforços do trabalho ti-
nham como objetivo adquirir terra para os filhos, sucessivamente. No novo
modelo, agora o repasse de conhecimento vem dos profissionais a serviço
de transnacionais, que rapidamente implantaram um modelo dependente
e excludente, sem espaço e sem motivação para os jovens.
Não basta apenas aplicar cursos de formação e palestras para a ju-
ventude rural. É necessário tentar envolvê-la num processo de quebra de
paradigmas e despertá-la para uma nova realidade rural onde os jovens
possam ser protagonistas de um novo “mundo”, mais justo e sustentável
também economicamente, e não venham a ser apenas meras vítimas do
acaso. Esse despertar para o novo exige não só vontade política e crédito

236
Valdir Luchman

específico, mas o envolvimento de todas as instituições, principalmente as


de ensino, para que possam preparar protagonistas para o futuro.

A realidade da porteira para dentro


Nesse recanto mora um sujeito com mais de 50 anos de idade, vive ali qua-
se uma vida toda com sua esposa. Possui uma área de 15 hectares (ha), in-
cluindo pastagem (potreiro), mato, fumo e uma área de 2 ha que é ocupada
pelas construções, um pequeno pomar para o autoconsumo e a produção
de algumas hortaliças orgânicas que são vendidas para a associação da
qual ele faz parte. A maior parte de sua propriedade é, contudo, arrendada
para um vizinho, que cultiva soja e milho convencional.
Enquanto espera ansiosamente por sua aposentadoria, vai sobrevi-
vendo do arrendamento, da venda de hortaliças e da venda de um pouco
de leite. A associação da qual faz parte o pressiona para que aumente a di-
versidade e o volume de produção. Além disso, tem o impasse com o pro-
cesso de certificação, que força sua propriedade toda a entrar num plano
de conversão, tendo como grande dificuldade a falta de mão-de-obra (não
consigo tocar tudo sozinho). Outro motivo de aborrecimento é o financia-
mento do galpão de fumo que ele fez pensando em usar mais tarde para os
animais, mas que, por ora, para honrar o compromisso, obriga-o a plantar
fumo pelo menos mais um ou dois anos ainda.
Os três filhos que ele sempre motivou a estudar para ser “alguém” na
vida moram na cidade há muitos anos e o visitam esporadicamente para
fazer um “rancho”, levam frutas e hortaliças, carne, leite, mandioca etc.
Seu parente que mora na cidade grande sempre lhe garante que ele mora
num paraíso. Ele não discorda e não reclama do lugar onde vive, mas está
preocupado com o financiamento do galpão, além das despesas domésti-
cas incluindo a luz e os medicamentos. Acredita na agroecologia, mas está
sozinho e já um pouco limitado pela idade.
Esse breve relato constitui apenas uma ilustração, porém condizen-
te com a realidade de muitas famílias da nossa região. Encontramos ainda
situações de alguns filhos de produtores que trabalham juntamente com
seus pais e que são simpatizantes do movimento agroecológico e estão
abertos para a discussão e a prática, mas são podados por seus pais, muitas
vezes irredutíveis e viciados no sistema de produção química. Só o tempo
dirá se eles serão produtores ecológicos daqui a alguns anos, ou migrarão
para a cidade no respondendo a uma proposta aparentemente tentadora.

Perfil para uma nova realidade


Vários foram, e continuam sendo, os motivos que levam os filhos de agri-
cultores a migrarem para a cidade, dentre a busca por uma vida melhor ou
menos penosa que a vivida por seus pais. A agricultura é tida como uma ati-
vidade inferior e vergonhosa, segundo uma certa concepção que se criou na

237
Desenvolvimento territorial e agroecologia

sociedade, principalmente fomentada entre os mais jovens, que usavam o ter-


mo “colono” de forma pejorativa, sendo que os próprios pais agricultores par-
ticipavam dessa idéia quando diziam “eu quero que meu filho estude e trabalhe
na cidade pra não sofrer como eu” ou, ainda, quando afirmavam que “só ficava
na colônia aqueles mais cabeça dura que não serviam para outra coisa”.
A agroecologia se propõe a justamente mudar esse conceito. Feliz-
mente já despontam pequenos sinais disso com o aparecimento de algu-
mas unidades de produção alternativa, onde os produtores têm formação
na área de ciências agrárias ou simplesmente são pessoas da cidade que ti-
veram suas raízes na agricultura e estão retornando e vendo o campo como
oportunidade para o turismo rural ou mesmo a produção, objetivando a
demanda cada vez maior por alimentos orgânicos e artesanais.
É um retorno consciente e com a mentalidade de que a agricultura
pode ser, além de mais saudável para viver, não uma atividade vergonhosa,
mas economicamente rentável, onde a expressão “da colônia”, agora mo-
derna pode ser estratégia de marketing para a comercialização de seus pro-
dutos orgânicos e artesanais.
O redescobrimento da agricultura pode criar um refluxo de atores
que virão com uma nova mentalidade e principalmente com a preocupa-
ção quanto à sustentabilidade ambiental e segurança alimentar. Esses no-
vos agricultores, por não estarem viciados ou alienados ao sistema de pro-
dução química, contrapondo-se de forma crítica, buscarão apoio e suporte
nas instituições de ensino, bem como de pesquisadores e extencionistas,
para desenvolver alternativas sustentáveis. Talvez ainda esse movimento,
juntamente com os atuais e tradicionais produtores agroecológicos, possa
despertar os demais agricultores para a mudança, por menor que seja no
sentido de praticarem uma agricultura menos predatória.
Querendo acreditar que essa seja a tendência para o futuro da agro-
ecologia, o CAPA, ciente de ser um processo lento e variável, tem buscado
atuar­ em parceria com outras entidades, na tentativa de provocar a socieda-
de através de algumas ações que poderão ter efeito ou resultado no futuro.

A maneira do CAPA de trabalhar com os agricultores na


organização, produção e comercialização agroecológica

No âmbito da assessoria emergencial na área de produção de hortaliças e


frutíferas, o CAPA tem acumulado muitas experiências vivenciadas ao lado
das famílias acompanhadas. Muitas vezes é flagrado em alucinantes corri-
das atrás da enorme demanda pelos agricultores e suas necessidades ime-
diatistas, criando um elo vicioso de carência e assessoria assistencialista.
Por outro lado, essa aproximação extrema lhe proporcionou uma bagagem
carregada de realidade cotidiana das famílias rurais envolvidas, caracteri-
zando-se num diferencial em relação a outras entidades.

238
Valdir Luchman

Produção de hortaliças
Formação de produtores
É de suma importância reunir as famílias interessadas na atividade para uma
primeira exposição de esclarecimento, para que elas conheçam melhor a ativi-
dade geralmente nada tradicional para elas. Na seqüência, inicia-se um curso
básico que é dividido em várias etapas, que são realizadas em uma proprie-
dade que trabalha com a produção de hortaliças para conciliar embasamento
teórico com atividades práticas. Entre as etapas, são feitas algumas visitas nas
propriedades de cada uma das famílias para fazer um diagnóstico e orienta-
ção na implantação da atividade. Depois de vencido o curso básico, a família
é integrada ao grupo que recebe a assessoria permanente, com a exigência de
que participem das reuniões e práticas em forma de dias de campo.

Produção e incremento tecnológico


Apesar de concordarmos que o uso da plasticultura foge dos princípios
ecológicos, entendemos que se faz necessária a utilização, frente a um ce-
nário de pressão do mercado consumidor de um lado e por outro a ansie-
dade de retorno financeiro dos produtores. O CAPA desenvolveu um mo-
delo de estufa simples, barato, porém muito funcional e resistente, prova
disso é a aceitação e a difusão por parte dos produtores. Da mesma forma,
motivou o uso de telas de sombreamento para os cultivos de verão, que se-
jam apropriadas para cada cultura e sistemas de irrigação bastante diver-
sos, conforme a necessidade e a realidade de cada propriedade, lembrando
que um sistema de irrigação para produção ecológica difere da irrigação
convencional em alguns aspectos.

Viveiro comunitário
A iniciativa da construção foi uma necessidade frente à dificuldade de pro-
dução em nível de propriedade, principalmente em pequena escala. A qua-
lidade baixa das mudas, o que não é admissível no cultivo comercial, foi
um dos fatores que motivou a realização de um viveiro que oferecesse uma
estrutura mínima para a produção de mudas de qualidade. Um outro fator
muito importante é a regularidade desta produção, que reflete na da pro-
dução final. O viveiro foi instalado na propriedade de um associado que é
responsável pela produção, sendo que a parte administrativa fica por conta
da associação dos produtores ecológicos, que repassa as mudas aos asso-
ciados com custo viável. A Associação não visa lucro na produção das mu-
das, apenas repassa seus custos.

Planejamento
O planejamento tem dois aspectos importantes, sendo que um é a regula-
ridade de oferta de produtos exigida pelo mercado consumidor, que, em

239
Desenvolvimento territorial e agroecologia

grande parte, foi conseguida com o viveiro comunitário que regulariza a


semeadura. As demais hortaliças de semeadura direta também obedecem
a um calendário de programação que é construído de comum acordo entre
produtores e equipe técnica.
O outro aspecto, talvez o mais importante, é a conotação social den-
tro do planejamento, que, para sua elaboração, permeia a necessidade de
discussões associativas e cooperação mútua. Na prática, as famílias discu-
tem um planejamento de interesse coletivo em primeiro lugar e não o de
ordem pessoal.

Organização de grupos e formação de associações


Desde o início o CAPA entendia que não bastava apenas acompanhar as fa-
mílias na produção, pois as circunstâncias exigiam a organização de gru-
pos distintos por atividade e associações formalizadas. Faz parte de suas
metas a organização de agricultores, por um lado pelo aspecto social da
mobilização e discussão de fundamentos cooperativos, e, por outro pelo
fator econômico do custo de assessoria, que é menor se comparado com
as ações isoladas.
O cotidiano do processo existencial de uma associação é muito rico
e expresso nas reuniões regulares, tendo contrastes entre indivíduos com
idéias associativas e os questionamentos fortemente individualistas e ime-
diatistas. Muitas vezes é necessário se envolver, mais do que o desejável
como entidade, principalmente nos processos iniciais para solidificação de
bases que possibilitem projetarem com mais segurança.

Comercialização
Como já dissemos, não basta apenas produzir ecologicamente. É neces-
sário buscar alternativas de comercialização que atendam à realidade do
produtor e às exigências do consumidor. Vamos usar o exemplo da APAVE
(Associação de Produtores Agroecológicos de Verê), fundada com apoio do
CAPA em agosto de 2001, que surgiu justamente da necessidade de um es-
paço de comercialização para oferecer os seus produtos sem agrotóxicos
diretamente ao consumidor.
A APAVE hoje mantém uma loja em Verê, que atende diretamente
um grande número de consumidores conscientes que participam no pro-
cesso de melhoria no relacionamento com os produtores, pondo em prá-
tica a essência da agroecologia que envolve a sociedade preocupada com
segurança alimentar e sustentabilidade ambiental e que começa a enten-
der a irregularidade da oferta de produtos em determinadas épocas. A as-
sociação também participa do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA),
fornecendo alimentos saudáveis para várias entidades beneficiadas. Outro
canal de comercialização é o envio de hortaliças para a feira orgânica de
Curitiba. A APAVE montou um sistema de comercialização em supermer-

240
Valdir Luchman

cados de Verê e municípios vizinhos, com bancas próprias onde expõe seus
produtos com os preços definidos pela própria associação, sendo que o su-
permercado apenas pratica a sua margem, o que é um avanço dentro de
estabelecimentos, que muitas vezes tratam os produtores isolados de for-
ma brutal e desumana. Além disso, outras iniciativas foram e estão sendo
praticadas, como a participação em feiras da região e cestas ou sacolas de
entrega em domicílio.
O intercâmbio de produtos entre associações regionais, estaduais e
interestaduais, que há muito vem sendo estimulado nos grandes encontros
de agroecologia, finalmente sai do papel e começa a ser praticado, opera-
ção que ajuda a escoar a produção e proporciona maior variabilidade de
oferta para o consumidor.
Muitas dessas iniciativas citadas se repetem em outros municípios
da região, como, por exemplo, a AORSA (Associação de Produtores Orgâ-
nicos de São Jorge d’Oeste), que, juntamente com a COOPAFI (Cooperativa
da Agricultura Familiar Integrada), realiza sua comercialização nos mes-
mos moldes.
As constantes experiências e tentativas de ajuste são necessárias
para buscar o equilíbrio entre redução dos custos de operacionalização
sem perder o vínculo entre produtor e consumidor, o que facilmente pode
ocorrer em terceirizações visando abaixar custos.

Considerações Finais
Vamos usar o exemplo de uma grande enchente, com a imagem das águas
levando tudo, inclusive as casas, e, nesse cenário, pessoas rapidamente ten-
tando salvar o que é possível e, ironicamente, nessa situação, é possível ver
o que lhes é de maior valor.
Da mesma forma, a inevitável “enchente” da agricultura química
vem devastando o que encontra pela frente, e, assim como o exemplo usa-
do, não é possível evitar ou querer barrá-la para não morrer afogado. É ne-
cessário, sim, salvar o que é possível. O que será que os agricultores estão
salvando? Queremos acreditar que muitos estejam preocupados com as
sementes, como bem mais valioso.
Quando fazemos algumas análises críticas, queremos, contudo, não
nos opor a profundos estudos e manifestações sociais de oposição frente à
absurda “enchente” química devastadora e a desumana negligência políti-
ca em nosso país.
O CAPA é solidário aos movimentos de resistência, porém entende
que é tempo de salvar, resgatar e guardar o que é possível para poder man-
ter e recomeçar. Salvar as sementes é imprescindível, pois a inconseqüente
erosão genética é um processo de perda irreversível dos recursos naturais.
Sob esse prisma, centra boa parte de suas atividades em ações de realida-

241
Desenvolvimento territorial e agroecologia

des palpáveis no cotidiano das famílias assessoradas. Árdua é a caminhada


com os agricultores onde os avanços parecem pequenos, porém de grande
importância.
Iniciar as atividades ecológicas por interesses financeiros, por pro-
blemas de saúde ou ainda por conscientização, são os três grandes motivos
que levam os agricultores a ingressar na atividade. Infelizmente o ingresso
apenas visualizando o retorno financeiro é bastante evidente em relação
aos demais, proporcionando assim grande rotatividade com famílias ini-
ciando e desistindo da atividade. Esse retrato é um reflexo da situação de-
sesperadora de muitas famílias, que buscam alguma luz norteadora para a
sua situação, e que, por despreparo, acabam queimando etapas e desperdi-
çando oportunidades que poderiam lhes ser úteis.
Felizmente, algumas delas não só praticam, mas vivem a agroeco-
logia amplamente, e juntamente com elas é possível criarmos ilhas prote-
gidas da “enchente”, enquanto que, com outras, o trabalho de assessoria
muitas vezes é específico nas atividades produtivas. Nas reuniões e práti-
cas de campo, entre os assuntos de ordem prática e técnica, permeiam as
abordagens de conscientização e de provocação para despertar lideranças
que possam questionar os atuais quadros passivos e acomodados, levados
por uma onda de desânimo e conformismo.
Apesar do relato de experiências ser crítico, é o relato realista de um
trabalho de vivência com as famílias. Temos a esperança e fé em Deus que
a agroecologia possa caminhar com passos firmes e proporcionar, aos pou-
cos, vida digna aos personagens do meio rural.
A partir do centro vital da espiritualidade cristã e da confessionali-
dade luterana, o CAPA desenvolve e participa coerentemente de ações que
visam à inclusão solidária dos pequenos agricultores, como a elaboração e
aprovação de projetos junto às esferas públicas, coordena em sua área de
ação programas sociais como: PAA (Programa de Aquisição de Alimentos),
Leite das Crianças e outros. Participa na discussão e no fortalecimento dos
segmentos da agricultura familiar nos fóruns locais, regionais e espaço ter-
ritorial para o desenvolvimento, e firma parcerias e convênios com univer-
sidades para validação de pesquisa.

242
Referências em Agroecologia:
um olhar sobre a renda e os caminhos
trilhados pelaAgricultura Familiar
do Sudoeste do Paraná*

Serinei César Grígolo


Engenheiro Agrônomo, técnico da ASSESOAR (Associação de Estudos, Orienta-
ção e Assistência Rural) | serinei@assesoar.org.br

Aspectos metodológicos
Este texto parte de um estudo da renda e dos caminhos trilhados pela agri-
cultura familiar do Sudoeste do Paraná, trazendo reflexões sobre o uso da
terra, trabalho, autoconsumo, custos, entre outros indicadores.
Estes dados foram obtidos de um conjunto de famílias que estuda-
ram suas UPVF (Unidade de Produção e Vida Familiar) no Sudoeste do Pa-
raná: 38 famílias do curso de Desenvolvimento e Agroecologia, realizado
pela Assesoar nos anos de 2005 e 2006; 70 famílias participantes do Projeto
“Rede de Agricultores Gestores de Referência”, coordenado pelo DESER
(Departamento de Estudos Sócio-Econômicos Rurais), em parceria com as
entidades da Agricultura Familiar Local, nos anos de 2004/2005; e 7 famí-
lias consideradas aqui “históricas na agroecologia”. Todas estas pesquisas
usaram a mesma metodologia.
Os dados levantados sugerem uma caracterização da agricultura
regional, identificados aqui por 4 “caminhos”: a) agricultura convencio-
nal sem fumo; b) agricultura integrada ao fumo; c) agricultura orgânica;

*
O autor não apresentou referências para esse texto.

243
Desenvolvimento territorial e agroecologia

d) agricultura ecológica histórica. Como forma de estabelecer compara-


ções e aprofundar o estudo, faremos referência à média das 70 famílias do
“Projeto Rede.”
A diferenciação entre o caminho “c” e o “d” se faz necessária, pois a
agricultura orgânica é compreendida, neste texto, como um processo ini-
cial de ecologização, baseado na substituição de insumos, dos quais ainda
continua dependente e, portanto, diferenciando-se da agricultura ecológi-
ca histórica, assim denominada aqui por tratar-se de UPVFs referências na
região, que, pela sua larga experiência de produção ecológica, tem suas ter-
ras já recuperadas e uma baixa necessidade de importação de insumos.
Estabelecer comparações entre estes caminhos é importante para
percebermos diferenças entre as estratégias, para o delineamento de novas
ações e para a proposição de políticas públicas da Agricultura Familiar.

Renda e agroecologia
Qual a real importância da renda na agricultura familiar? As categorias
econômicas como renda, capital e lucro, são inerentes a um sistema basea-
do no trabalho assalariado. Na agricultura familiar seria, portanto, impró-
prio utilizar da mesma ferramenta para o estudo da sua vida econômica.
Feita esta ponderação, buscamos dar importância a outras categorias eco-
nômicas, como a do autoconsumo, e estabelecer relações entre as catego-
rias valor da produção, renda, custos, trabalho, uso da terra, tendo como
desafio superar a abordagem economicista de renda, gerando indicadores
de sustentabilidade.
A importância da renda para a Agricultura Familiar se dá à medida
que ela deixa de ser apenas um indicador quantitativo e passa a ter signi-
ficados qualitativos.
A produção ecológica, antes de ser uma opção econômica, é uma
alternativa de vida e de trabalho, contrapondo-se aos desmatamentos, à
exaustão dos recursos naturais, ao emprego da mecanização pesada, à im-
portação de insumos e à lógica da monocultura exportadora.
As estratégias produtivas organizadas na agricultura familiar, sejam
orgânicas ou convencionais, ainda não construíram uma nova lógica de
mercado. O retorno de famílias à produção convencional é perceptível e
não se tem notado um crescimento significativo de UPVFs agroecológicas.
Esta situação já nos revela a fragilidade presente na agricultura ecológica.
Alguma razão há de se ter e queremos nos somar nesta busca.

A construção da agroecologia na região


A Assesoar (Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural), foi
criada em 1966 por 37 jovens, agricultores e agricultoras, que almejavam

244
Serinei César Grígolo

uma vida com justiça social, a organização dos trabalhadores e a preserva-


ção ambiental. As lutas e mobilizações dos anos 1980 também buscavam
uma forma de viver melhor e uma nova sociedade.
A Assesoar denuncia, já nos anos 1970, o drama ecológico da cha-
mada “revolução verde” e defende a agroecologia como condição para a
agricultura familiar. Cria o fundo de crédito rotativo, faz trabalho com se-
mentes, oficinas, formação, apoiando alternativas ecológicas na perspecti-
va do desenvolvimento.
Nos últimos dez anos, a Assesoar passa a assumir o papel de gerar
referências e aprofunda conceitos de desenvolvimento, autonomia e co-
nhecimento e propõe novos métodos de relação da sociedade com os go-
vernos, ampliando as dimensões de seu trabalho.
Sua ação é guiada pelos fundamentos das lutas sociais e populares
capazes de resistir aos processos de exclusão gerados pelo modo de vida
capitalista. O trabalho do desenvolvimento, mais complexo, compreende a
agroecologia como um dos elementos de uma nova sociedade.
Regionalmente, muito se tem trabalhado na produção orgânica de
grãos, especialmente soja. Empresas exportadoras aqui se instalaram e de-
terminaram um itinerário técnico para os cultivos, comprando a produção
por meio de contratos, classificando, embalando, certificando, enfim, co-
mandando todo o processo.
Não nos aprofundamos nas razões pelas quais outra importante ati-
vidade do Sudoeste, como a produção de leite, não ganhou contornos eco-
lógicos, no entanto eis aí um significativo esforço a ser feito.
As referências em agroecologia precisam, portanto, ser melhor es-
tudadas. Este estudo revela a necessidade de uma produção ecológica
mais diversificada para que se possa falar em resolver os problemas da
produção.
Obviamente, outras organizações da agricultura familiar e do Esta-
do incluíram em suas ações, a agroecologia e também deram sua contri-
buição.

Discussão dos indicadores e caminhos


O quadro a seguir traz os caminhos denominados de “orgânicos”, “integra-
dos ao fumo”, “convencionais sem fumo”, “agroecologia histórica” e uma
“média de redes”. Esses dados serão comparados uns aos outros, olhando
seus processos diferenciados de gestão e de opção produtiva, a fim de ca-
racterizar melhor cada caminho segundo alguns indicadores presentes na
primeira coluna e descritos no final deste quadro.

245
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Quadro 1 – Indicadores de renda e de uso da terra


38 UPVF do curso de “Desenvolvimento 7 UPVF Referência em 70 UPVF/
e Agroecologia” – ASSESOAR Agroecologia – DESER Sudoeste – DESER
Integrados Convencionais Média Redes
Indicadores Orgânicos Agroecologia Histórica
ao Fumo sem Fumo Sudoeste
N° de famílias 10 9 19 7 70
Unidade de trabalho (UT) 3,01 2,78 2,94 3 3,16
Área Total 19,44 16,72 20,47 22,61 12,8
VBP (Valor Bruto da
9.875,65 16.911,78 18.805,96 25.247,07 12.577,83
Produção comercializada)
Custos Variáveis (%VBP) 30,07 38 49,31 20 36,43
CMF 2.458,30 3.713,11 3.638,82 2.595,00 -
CME 220,00 300,00 685,00 799,00 -
Renda 3.858,08 5.683,94 4.216,11 16.774,00 4.152,85
Autoconsumo
3261,65 2.545,74 3.236,05 4.238,00 1.894,34
monetarizado
Autoconsumo
84,54 44,79 76,75 - -
(% sobre a renda)
Renda (SM/UT) 0,28 0,45 0,32 - -
Renda + Autoconsumo
0,52 0,65 0,56 - -
(SM/UT)
Previdência + serviços 4.451,56 8.772,00 10.900,76 - 5.758,22
VBP/ha de produção 641,36 1.248,1 880,00 - -
Renda/ha de produção 250,56 419,48 197,28 - -
Trabalho
5,12 4,88 7,27 - -
(ha trabalhado /ut).

• UT – Unidade de Trabalho: número de pessoas na família multiplicado pelo tempo que cada
um se dedica ao trabalho na UPVF.
• VBP – Valor Bruto da Produção comercializada.
• Custos Variáveis – custos de produção que variam de acordo com a quantidade cultivada,
como insumos, despesas com máquinas. Neste caso, transformamos em % do VBP.
• CMF – Custos de Manutenção Familiar: são os custos que uma família tem para se manter,
ou seja, alimentos, saúde, educação, vestuário, taxas…
• CME – Custos de Manutenção das Estruturas – custo que a família tem para manter a es-
trutura produtiva, como consertos de instalações e máquinas. Não é depreciação.
• Renda: é o VBP subtraído dos custos variáveis, do CMF e do CME. É o valor disponível para
investimentos.
• Autoconsumo – é a quantidade de alimentos que a família consome, daquilo que foi por ela
produzido, multiplicando pelo preço destes alimentos no mercado. Serve como um referen-
cial de autoconsumo monetarizado.

246
Serinei César Grígolo

• Autoconsumo – % sobre a renda: o valor do autoconsumo monetarizado é comparado ao


valor da renda.
• Renda/Salário Mínimo/unidade de trabalho – é a renda dividida pelas unidades de trabalho,
dividida por 13 salários anuais e comparado ao valor do salário mínimo. É um dado para
comparações com a oportunidade de ganho de um trabalhador na cidade. Este dado diz o
quanto de um salário mínimo por pessoas sobra no campo.
• Renda + Autoconsumo/Salário mínimo/unidade de trabalho – é a soma do autoconsumo
com a renda. Temos então uma sobra maior, se compararmos que na cidade o autoconsumo
se tornaria um custo e no campo uma renda.
• Previdência mais serviços – é a soma das aposentadorias e de outros serviços prestados a al-
guém. Serve para comparar com a renda e fazer reflexões se a agricultura familiar está conse-
guindo viver da produção.
• VBP/área de produção – capacidade de produção por hectare ocupada na produção, no con-
junto das atividades, em valores monetários.
• Renda/área de produção – é a sobra por hectare gerada pelo conjunto das atividades e pelo
conjunto de custos existentes (não só os de produção).
• Produtividade do Trabalho – é a quantidade de área que uma UT consegue trabalhar na
UPVF nos diferentes caminhos e nas condições atuais.

As famílias que participam deste estudo tem, em média, aproxima-


damente 3 UT (Unidades de Trabalho) por UPVF (Unidade de Produção e
Vida Familiar). As UPVFs possuem, em média, 19 hectares e cultivam 18,
somando os vários cultivos por ano na mesma área. As que cultivam fumo
têm a média por família de 16,72 hectares. Fica bem marcado que o fumo
encontra-se, majoritariamente, nas menores UPVFs.
As áreas de produção têm intensidade de uso maior do que uma vez por
ano, somando os cultivos de inverno e de verão, sem contar as áreas utilizadas
para estradas, instalações, reserva legal e áreas de preservação permanente.
Vale lembrar que, quanto mais vezes por ano a mesma área for utilizada para
a produção comercial, menos sustentável será o sistema produtivo adotado.
A produtividade do trabalho, medida pela quantidade de hectares
que um trabalhador ou trabalhadora é capaz de cuidar, fica ao redor de
cinco nos cultivos orgânicos e nos integrados ao fumo, enquanto que na
agricultura convencional sem fumo fica ao redor de 7 hectares/UT.
Além do casal, em média, temos o tempo de mais uma pessoa por UPVF,
indicando que as famílias estão pequenas ou os filhos não ficam mais na roça.
Diante desse quadro, qualquer atividade exigente em mão-de-obra terá pou-
cas chances na agricultura familiar, mas atividades que apontam na direção
contrária poderão ser bem aceitas. Assim, a agricultura convencional, apesar
de todos os seus problemas, continua tendo mais força que a agroecologia,
dando a entender que as famílias aceitam submeter-se a uma lógica de merca-
do exploratória, desde que diminua a quantidade e a penosidade do trabalho.
Quanto ao Valor Bruto de Produção, a menor média ficou com os
orgânicos, ao redor de R$ 10.000,00/ano; a maior ficou com os ecológicos

247
Desenvolvimento territorial e agroecologia

históricos, em torno de R$ 25.000,00/ano; seguido dos convencionais sem


fumo com uma média de R$ 19.000,00/ano e os integrados ao fumo com
R$ 17.000,00/ano.
Os orgânicos têm o VBP mais baixo, mas têm o menor custo de pro-
dução, em torno de 30% do VBP. Os convencionais sem fumo têm custos
variáveis de produção de 50% e os integrados ao fumo, 38%. Na agroecolo-
gia histórica o custo fica em 20%.
Mesmo com produção menor, os orgânicos têm renda muito próxi-
ma a dos convencionais. Sua, a média é de R$ 3.858,08; nos convencionais
sem fumo, de R$ 4.216,11 e nos integrados ao fumo, de R$ 5.683,94. A
maior renda é dos agroecológicos históricos, com média de R$ 16.000,00.
O caminho da agricultura orgânica produz um VBP de R$ 641,36
por hectare ocupado, menos que o caminho convencional sem fumo, de
R$ 880,00/ha. No orgânico a renda é de R$ 250,00/ha ocupado, contra
R$ 200,00 no convencional. A produção é maior no convencional, mas a
renda é maior no orgânico.
O importante neste caso é a perspectiva que isto traz. Nos primei-
ros anos, os que optam pelo caminho orgânico encontram a desvantagem
dos solos desgastados, com áreas em conversão que oneram a produção.
A monocultura deixa suas amarras, mas, com o passar dos anos, acontece
um aprofundamento das práticas ecológicas de produção, dando-se a re-
cuperação do ambiente produtivo. Nestes casos percebe-se um aumento da
produção, equiparando-se a produtividade obtida pela agricultura conven-
cional altamente artificializada, e com um diferencial, o de que os custos
tendem a cair. Na agricultura convencional os custos representam, em mé-
dia, 50% da produção, tendendo a aumentar; e na agroecológica histórica
ficam na faixa dos 20%, tendendo a diminuir, chegando a 12% em alguns
casos, a exemplo do caso apresentado no Quadro 2, abaixo.
A renda tem relação com o grau de dependência externa de insumos,
com os custos de manutenção familiar e os de manutenção da estrutura.
Por sua vez, os de manutenção familiar estão diretamente relacionados à
produção do autoconsumo.
Os de produção convencional com e sem fumo têm os maiores cus-
tos de manutenção familiar, em torno de R$ 3.500,00/ano. Os de base
ecológica têm menores custos de manutenção familiar, em torno de R$
2.500,00/ano.
O autoconsumo vem se tornando muito importante para explicar
a permanência das famílias no campo. Este dado, comparado com a ren-
da obtida pela venda dos produtos comerciais, representa praticamen-
te a mesma importância de valor. A média da renda nos orgânicos é de
R$ 3.858,08 e o autoconsumo monetarizado de R$ 3.261,65, alcançando
84% do valor da renda. No caminho convencional sem fumo, a renda é de
R$ 4.216,11 e o autoconsumo é de R$ 3.236,05, ou 76%. Nos integrados ao

248
Serinei César Grígolo

fumo, isto não se verifica, ou seja, renda de R$ 4.687,94 e autoconsumo de


R$ 2.545,74 ou 44%. O fumo compromete o autoconsumo.
Não é costume dedicar ao autoconsumo a mesma proporção de tem-
po, custos, terra, créditos, e atenção que é dedicada às atividades de renda.
Chama também a atenção quando comparamos a renda e o autoconsu-
mo com a oportunidade que teriam as pessoas de buscarem um emprego de um
salário mínimo ao invés de viver da agricultura. A medida do salário mínimo
é adotada aqui por ser uma referência conhecida e, na realidade, se constitui
numa alternativa muito buscada pelos filhos e filhas das famílias agricultoras.
A renda obtida com a comercialização dos produtos agrícolas cor-
responde, em média, a 0,28 salários mínimos mensais por unidade de tra-
balho no caminho orgânico e a 0,32 no convencional sem fumo. Nos inte-
grados ao fumo chega a 0,45. Se somarmos o autoconsumo monetarizado
a esta conta, chegamos a uma média de 0,52 salários mínimos nos orgâni-
cos, 0,56 nos convencionais e 0,65 nos integrados ao fumo.
Para quem vive com esta renda, o autoconsumo é primordial, pois
mantém uma mesa relativamente cheia, garantindo segurança e qualidade
alimentar para toda a família. Estes dados indicam uma baixa capacidade
de sobra financeira, ou um alto grau de dependência de outras fontes de
recurso. Se não fosse ele, estes valores seriam gastos na compra de alimen-
tos, eliminando o pequeno saldo disponível.
Grosso modo, pode-se afirmar que, aproximadamente 30% do que
as famílias aqui mencionadas obtêm para viver vem da renda, 25% do
autoconsumo e os outros 45% de benefícios da aposentadoria, rebate do
PRONAF e de venda de serviços. Nessas famílias, as “outras rendas” repre-
sentam em média R$ 7.232,00/ano. Assim, chega-se à marca de aproxima-
damente um salário mínimo por unidade de trabalho.
Este é um parâmetro que não responde às expectativas dos jovens.
Outros fatores, como a penosidade do trabalho, o sol quente, a chuva, a es-
tiagem, os preços baixos e a necessidade de novos investimentos, tornam a
cidade um forte atrativo e o destino da maioria dos jovens, que sonham ga-
nhar mais do que um salário mínimo. Acredita-se ser bem mais fácil agre-
gar meio salário em um emprego na cidade do que no campo. A compreen-
são de que meio salário mínimo não garante os custos de alimentação na
cidade ainda não é tão evidente para os jovens.
Os indicadores de renda aqui explicitados revelam uma dificuldade
para a agricultura familiar. Já é possível afirmar que nela não é possível fa-
zer grandes reservas monetárias. Nos diferentes caminhos, a renda oriun-
da da venda da produção alcança, em média, apenas 1/3 de um salário mí-
nimo por trabalhador/mês.
Nos últimos anos, a maioria dos esforços adotam a estratégia de
inclusão da agricultura familiar no mercado. A falta de renda, no entan-
to, não se deve à falta de mercado, mas, sim, falta de um novo mercado e

249
Desenvolvimento territorial e agroecologia

outros fatores da vida no campo. As organizações econômicas do campo


estão fazendo o maior esforço neste sentido, mas é duvidoso que possam
reverter esta situação sem alterar os problemas estruturais que afetam a
vida no campo: terra, pesquisa, ensino.
Os dados trazem um questionamento sobre a real capacidade da pro-
dução orgânica se ampliar e como ela pode de fato apresentar-se como alter-
nativa à agricultura convencional, à integração e aos transgênicos em termos
econômicos. Os resultados nos alertam que fazer agroecologia é necessaria-
mente ir além do interesse econômico, até porque isto pode ser contraditó-
rio. A Agroecologia se firma por uma opção consciente e por uma visão de
mundo, antes de ser apenas uma oportunidade de melhoria de renda.
Pela atual lógica de mercado, a agricultura familiar não é capaz de
se sustentar sem subvenções do Estado. Novos papéis, contudo, parecem
colocar-se para o campo, como a produção de alimentos limpos de agro-
tóxicos, água limpa e ar puro. Isso, de certa forma, ajudaria a justificar as
subvenções do Estado. Caso contrário, a sustentação da agricultura fami-
liar passa por reconstruir uma nova lógica de produção e mercado onde as
famílias agricultoras exercem, efetivamente, um maior controle sobre todo
o processo, desde a produção, armazenamento, transformação e comercia-
lização, apropriando-se da riqueza produzida.
No mundo todo a agricultura é sabidamente subsidiada. No Brasil,
não é novidade o Estado perdoar e prorrogar dívidas. Constatamos este
limite nas nossas propostas de produção orgânica que se revelaram insu-
ficientes, seja pelos seus altos custos de produção e pela diminuição da
produtividade, ou por agregar mais trabalho e pela falta de logística de co-
mercialização. No entanto, os “agroecológicos históricos” vêm se apresen-
tando, de fato, como uma alternativa.
É certo que não estamos satisfeitos com o desempenho econômico
dos processos orgânicos e nem dos convencionais. No entanto a agricultura
orgânica se equipara, em termos de renda, à agricultura convencional, além
de proteger melhor o meio ambiente e estar produzindo alimentos limpos.
Na agricultura orgânica, ainda que os custos sejam altos, são adquiridos de
um mercado local e não de multinacionais, considerando ainda a tendência
da diminuição dos custos de produção, pela recuperação ecológica dos so-
los, pela produção de sementes e a produção endógena de insumos.
Estas razões seriam suficientes para a defesa da agroecologia como
agricultura hegemônica. Sendo assim, não é por falta de renda ou de argu-
mentos que ela não se amplia. Seus limites são outros, pressupondo-se que
o Estado tenha sua responsabilidade na superação dos mesmos, os quais
esperamos poder, no final deste artigo, explicitá-los melhor.
Os dados do Quadro 2 referem-se a uma UPVF e reforçam a tese de
que a agroecologia, encarada como política pública, apresenta condições
de substituir a agricultura convencional.

250
Serinei César Grígolo

Quadro 2 – Indicadores de gestão de um agricultor familiar de “caminho” agroecologia


histórica
Indicadores Unidades Quantidades
Área total ha 27
Área de produção comercial ha 15,27
Produtividade soja orgânica sc/ha 50
Produtividade do leite litros/ha 1.325,83
Produtividade do trigo orgânico sc/ha 20
Produtividade do açúcar mascavo Kg/ha 2.906,25
Produtividade do feijão sc/ha 18
Produtividade da horta unidades/ha 50.000
Preço atual da soja orgânica R$/sc 32,50
Preço atual do leite em conversão R$/litro 0,40
Preço atual do trigo R$/sc 25,00
Preço atual do açúcar mascavo orgânico R$/kg 1,5
Preço atual do feijão orgânico R$/kg 65,00
Preço das hortaliças R$/unidade 0,90
Preço do mel R$/kg 6,00
Preço da carne suína R$/kg 1,2
Produção anual de soja Sc 150
Produção anual de leite Litros 7.955
Produção anual de trigo Sc 15
Produção anual de açúcar mascavo orgânico kg 2.325
Produção anual de feijão orgânico Sc 16
Produção anual de hortaliças Unidades 3.500
Produção anual de mel kg 250,00
Produção anual de carne suína kg 3.150
Valor da venda da produção R$/há 1.385,12
Valor da venda da produção R$ 21.150,85
Custos variáveis (insumos) R$ 2.628,00
Custos de manutenção da estrutura produtiva R$ 450,00
Custos de manutenção da família R$ 2.785,00
Renda familiar da agricultura R$ 15.287,85
Outras Rendas R$ 0,00
Autoconsumo anual monetarizado R$ 4.665,00
Insumos para reposição da fertilidade kg/ha 98,23
Fonte: Rede de Agricultores Familiares Gestores de Referências/Deser (2006).

251
Desenvolvimento territorial e agroecologia

Os custos da produção representam 12,42% do valor da venda da produção, sem considerar o autoconsumo
como valor bruto da produção. Se assim considerarmos, os custos representam entorno de 10%.
A produção de autoconsumo da família é composta pelos seguintes itens com os respectivos valores:
hortaliças
(R$ 576,00), frutas (R$ 600,50), milho pipoca (R$ 20,00), ovos (R$ 75,00), mandioca (R$ 328,50), feijão
(R$ 105,00), carnes (R$ 1.314,00), amendoim (R$ 160,00), leite (511,00), queijo (R$ 360,00), farinha de
milho (R$ 100,00), batata doce (R$ 80,00), batatinha (R$ 120,00), alho (R$ 75,00), mel (R$ 240,00).
Os insumos para reposição da fertilidade são de origem orgânica.
A área total é a área de escritura da propriedade.
A área de produção é o somatório das produções do ano agrícola, incluindo safras de inverno, verão,
safrinhas e produções permanentes.
Fonte: Rede de Agricultores Familiares Gestores de Referências/Deser (2006).

Este caso, do caminho agroecológico histórico, se diferencia de


quem está iniciando na produção orgânica. Constitui-se em um indicativo
importante por apresentar alta produtividade, diversidade de produção,
baixo custo de produção, elevado autoconsumo e baixo importe de insu-
mos, o que significa, na prática, um rompimento com o mercado destes.
O elevado autoconsumo pode significar boas condições de vida. Com esta
renda, a família não está dependente de rendas externas e nem de finan-
ciamento da produção.
O caminho da agricultura orgânica, quando comparado com o
caso acima, ainda apresenta limites como: a) baixa produtividade ini-
cial, b) pouca rentabilidade do trabalho, c) alto custo inicial e d) he-
rança cultural da monocultura com falta de alternativas e mudanças
produtivas. Estes quatro limites ainda não foram bem resolvidos, ora
por falta de pesquisas oficiais, ora por falta de equipamentos, merca-
dos diferenciados, tecnologia, novos conceitos de mundo e de vida, uma
forma diferente de relação com a natureza, o acesso a uma formação
diferenciada, terra suficiente e domínio tecnológico construído como
conhecimento.
Como podemos ver, a simples opção pelo orgânico não resolve nem
melhora a renda. A mudança não está simplesmente do convencional para
o orgânico, mas sim em diversificar mais a produção, ir em busca de novas
opções. Está ligada a uma outra organização da produção, como vemos no
caso acima, onde a diversificação está presente e a escala de produção não
é um limitante.

Ocupação da área de terra


Ao analisarmos a ocupação da área das famílias estudadas, ainda podemos
perceber dados mais reveladores quanto à mudanças produtivas.

252
Serinei César Grígolo

Quadro 3 – Ocupação da terra comparada ao VBP – Valor Bruto da Produção


Orgânico Integrados ao fumo Convencional sem fumo
% Área % Área % Área
Ocupação % VBP % VBP % VBP
ocupada ocupada ocupada
Soja 10,3 5,59 6,81 6,72 27,2 25,9
Leite 21,24 39,06 49,92 21,09 45,94 59,96
Milho 6,74 5,61 9,8 6,81 6,03 5,66
Feijão 2,38 2,25 3,4 3,1 0,30 0,33
Fumo 0 0 10,47 61,77 0 0
Hortaliças 3,8 14,77 0 0 0 0
Outros 3,57 10,69 0 0 0 0
Fonte:Rede de Agricultores Familiares Gestores de Referências/Deser (2006).

O Quadro 3 nos traz outras questões que ajudam a olhar os desafios


da agroecologia. Dos orgânicos, somente 5,59% do Valor Bruto de Produ-
ção provêm da soja, embora utilizem 10% da área para este cultivo, o que
revela a baixa produtividade da soja orgânica nesta região. Na agricultura
convencional a soja representa, em média, 26% do VBP e ocupa 27% da
área. Quem cultiva fumo utiliza, em média, 7% da área com soja, e obtém
ao redor de 7% do VBP.
Na agricultura convencional, 91,52% do VBP vem da soja, leite e mi-
lho. Estes cultivos, no caminho orgânico, são responsáveis por 50,26 % do
VBP. Nos integrados ao fumo, estas culturas, mais o fumo, são responsá-
veis por 96,39% do VBP. Fica evidente que, no caminho orgânico, a soja, o
leite e o milho deixam de ter a centralidade. Outras atividades começam a
entrar no cenário, o que é um bom indicador de sustentabilidade.
A opção pelo fumo, se por um lado apresenta renda mais alta, por
outro, limita a produtividade do leite. O cuidado prioritário fica nos 10%
da propriedade que são ocupados com o fumo, de onde vem 62% do VBP,
enquanto que 50% da área é ocupada com leite, de onde vem em torno de
21% VBP. A produção de leite é, de certa forma, secundária quando ocorre
a presença do fumo. Os convencionais sem fumo fizeram claramente uma
opção mais forte pela produção de leite. Manejam, em média, 46% da área
e obtêm 60% do VBP com ele.
O caminho orgânico tem a melhor relação VBP/área de produção,
pois com 21% da área obtém 40% do VBP. Provavelmente uma boa produ-
ção com baixos custos ajuda a explicar este bom indicador.

Considerações Finais
O estudo nos permite concluir que a opção pela produção orgânica não
melhorou a renda se comparada aos cultivos convencionais. O caminho

253
Desenvolvimento territorial e agroecologia

agroecológico histórico nos indica a possibilidade de ótimos resultados


econômicos e, por contradição, nestes casos, os princípios da agroecologia
ocupam a centralidade das preocupações e não a renda, ou seja, quanto
mais ecológica for a UPVF, melhores são os resultados econômicos.
A baixa renda é um indicador que revela um problema que não é ex-
clusivo da agroecologia, mas da agricultura de forma geral. Olhando pela
renda, a produção orgânica se aproxima da convencional, com indicativos
de superação. Com este indicador e outros elementos como o da preserva-
ção da natureza e da melhoria das condições de vida, as razões para a de-
fesa da agroecologia estariam dadas.
Não estão dadas, no entanto, as condições estruturantes a partir de
políticas públicas para a ecologização. As famílias que fizeram essa opção
não contaram com uma estratégia de Estado e pagaram um preço por esta
conversão que, naturalmente, nem todas elas estão dispostas a bancar so-
zinhas. Assim, concluímos que uma política de Estado deva orientar a pro-
dução nacional neste sentido, criando as condições necessárias.
Outro dado foi a expressão da importância do autoconsumo para a
sustentabilidade da agricultura familiar, interferindo na renda e na criação
de alternativas para além da soja, leite e milho.
A agroecologia é, portanto, um caminho que se revela capaz de re-
solver muitos problemas da produção agrícola, a contar com todos os ou-
tros avanços que são inquestionáveis nesta prática. O problema da pobre-
za, da violência, do isolamento, da falta de estrutura, da falta de educação,
enfim do pouco desenvolvimento, permanecerá mesmo na agricultura eco-
lógica, se olharmos o campo só pela produção. É necessário, portanto, dar
conta de todas estas questões, com ou sem a agroecologia.

254

Você também pode gostar