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Belo Horizonte
2012
Raquel Augusta Melilo de Oliveira
Belo Horizonte
2012
Raquel Augusta Melilo de Oliveira
___________________________________
Marly Nogueira (orientadora) – UFMG
___________________________________
Doralice Pereira – UFMG
___________________________________
Bráulio Figueiredo Alves da Silva – UFMG
.
AGRADECIMENTOS
A todos que contribuíram para a realização deste trabalho, fica expressa aqui
minha gratidão, especialmente:
À professora Marly Nogueira, pela orientação, pelos momentos ricos de
aprendizagem e disponibilidade em todas as ocasiões em que senti necessidade.
À minha mãe, que conseguiu compreender minhas ausências e me apoiou
incondicionalmente com sua presença.
Aos colegas do curso de Geografia, especialmente ao Marcelo, pelas ricas
trocas de experiências e saberes que muito me auxiliaram nesta tão penosa, mas
não menos prazerosa etapa de formação acadêmica, e pessoal.
“Já que a ciência não pode encontrar sua legitimação ao lado do
conhecimento, talvez ela pudesse fazer a experiência de tentar encontrar
seu sentido ao lado da bondade. Ela poderia, por um lado, abandonar a
obsessão com a verdade e se perguntar sobre seu impacto na vida das
pessoas” (ALVES, 2009)
RESUMO
The present study aimed at investigating the territoriality exercised by the numbers
game in the Santa Teresa neighborhood, Belo Horizonte, using, among other tools
operating spatialization. Activity that endured for more than a century of existence,
the numbers game not only subsidizes analyzes on socio-spatial territories, as,
according to the findings of labor, can be part of a system of signs that make up the
collective identity of particular community, and therefore of its territory. In the case of
Santa Teresa, the numbers game participates in the elaboration of the symbol set
that the neighborhood has to explain its tradition and its differentiation with respect to
the rest of the metropolis Belo Horizonte. Residents of the neighborhood of Santa
Teresa, to identify themselves in this differentiation, offer resistance standardizing
impulse of modernity. Resistance that can be easily perceived within the limits that
are placed by the community to the neighborhood and the vertical pressure from
speculation but it appears subtly in other spatial configurations so that territorializam
also offer resistance, as the numbers game.
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 17
1.1 Justificativa ..................................................................................................... 8
1.2 Objetivos ......................................................................................................... 9
1.3 Metodologia .................................................................................................... 9
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................... 11
2.1 Território........................................................................................................ 11
2.2 Territorialidade .............................................................................................. 14
2.3 Rede ............................................................................................................. 16
2.4 Imaginário coletivo ........................................................................................ 17
3. UM BREVE HISTÓRICO DO JOGO DO BICHO NO BRASIL ............................ 21
3.1 Jogos de Azar no Brasil ................................................................................ 21
3.2 Os jogos de azar para a legislação brasileira ............................................... 22
3.3 Breve histórico do processo de criação do Jogo do Bicho ............................ 25
3.4 Rápida repercussão do Jogo do Bicho ......................................................... 29
3.5 Os bicheiros e a estrutura hierárquica básica do Jogo do Bicho .................. 30
3.6 O jogo do bicho e sua relação com o Carnaval e o tráfico de drogas ........... 31
4. O JOGO DO BICHO NO BAIRRO DE SANTA TEREZA .................................... 34
4.1 O bairro de Santa Tereza.............................................................................. 34
4.2 O jogo do bicho em Santa Tereza ................................................................ 41
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 62
6. REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS .................................................................. 65
7. ANEXOS ............................................................................................................ 69
7.1 Entrevista com o bicheiro .............................................................................. 69
7.2 Questionário .................................................................................................. 71
1. INTRODUÇÃO
O jogo do bicho, desde sua criação nos finais do Século XIX, foi a atividade que
mais se aproximou de uma organização do tipo mafioso no Brasil. Embora hoje seja
classificada judicialmente como uma contravenção penal, para a qual as penas são
mais leves, teve sua origem na legalidade. Surgido em 1892 como uma alternativa
de arrecadação de dinheiro para o Jardim Zoológico, o jogo rapidamente ganhou as
ruas do Rio de Janeiro e adquiriu status de ilegal ainda em 1895.
Diversas pesquisas que se ativeram ao estudo do tema destacaram a maneira
pela qual o jogo conseguiu adeptos em curto espaço de tempo. A análise de Simões
(1983) vai ao encontro dessa interpretação: “A ideia do Barão, cujo objetivo era
única e exclusivamente angariar fundos para manter seu zoológico em
funcionamento, transforma-se rapidamente em um apaixonante jogo (...)” (SIMÕES,
1983).
No início do século XX o jogo transformou-se em dos principais focos de
violência no Rio de Janeiro causada pela intensa disputa de territórios entre os
“bicheiros”. O termo, na estrutura básica do jogo do bicho, é usado para designar
tanto o dono dos pontos, também chamados de banqueiros, quanto os gerentes e
outros membros da organização. Os bicheiros, quando não atuaram como
vendedores ambulantes, foram os responsáveis pela incorporação da atividade no
mercado de loterias já existente, explorando-o em diferentes estabelecimentos
comerciais.
O território do bicheiro é geralmente seu local de moradia (bairro e até uma
cidade inteira) e isso explica, em certa medida, o tipo de relação que ele estabelece
com a população de seu território. Essa relação, de acordo com Misse (2011) possui
as mesmas características do que no mundo rural brasileiro chamou-se de
“mandonismo local”. No Rio de Janeiro, vários bicheiros mantinham relações de
clientelismo com os moradores de sua área e vários deles chegaram a se tornar
financiadores e presidentes de escolas de samba, configurando uma rede totalmente
organizada e hierarquizada.
Mesmo que os bicheiros tenham manifestado suas relações de poder em
territórios dominados, foi necessário em determinado momento a formação de uma
rede entre os bicheiros que, embora também expresse poder, não representa uma
8
1.1 Justificativa
1.2 Objetivos
1.3 Metodologia
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 Território
O território, como principal categoria de análise dessa pesquisa, só pode ser
compreendido à luz de sua genealogia. Reis (2006), se interroga da necessidade de
se fazer uma análise epistemológica da categoria em detrimento de um estudo que
valoriza tão somente a mobilidade territorial. A razão disso, explica o autor, é que à
essa última análise basta considerar o território como suporte de localizações, local
de recepção enquanto a análise genealógica atribui ao território um papel ativo, uma
ação interveniente nos processos que se pretendem analisar. Por isso, qualquer
estudo que tenha como categoria base o território exige um levantamento
epistemológico.
Etimologicamente, território deriva do latim terra e torium, que significa “terra
pertencente a alguém”. Entender a origem etimológica da palavra auxilia na
diferenciação, tão necessária entre território e espaço. Andrade (1996) já alertava
para essa confusão ao colocar que:
Território não é sinônimo de espaço, ainda que para alguns ambas as
palavras contemplem o mesmo significado. Do mesmo modo territorialidade
e espacialidade não devem ser empregadas de modo indiferenciado.
(ANDRADE, 1996, p. 213)
um só e não podem mais ser pensados separadamente sem que vida venha
a se evadir” (RATZEL, 1974:4 apud ANDRADE, 1996, p.215)
A abstração sugerida por Saquet (2008) trouxe luz à análise por permitir a
interpretação do território do jogo do bicho como construção material e sobretudo,
ideológica.
2.2 Territorialidade
De acordo com Andrade (1996) a formação de um território dá às pessoas
que nele habitam a consciência de sua participação, provocando o sentimento de
territorialidade. Ampliando sua análise, ele admite como territorialidade tanto o que
se encontra no território e está sujeito a ele como o processo subjetivo de
conscientização da população de fazer parte desse território.
Ao focar os processos de territorialização do Brasil, o autor admite que o fato
de não haver uma grande quantidade de nações no território, não existam
atualmente, muitos conflitos de natureza separatista como ocorrem em diversos
outros países do mundo. No entanto, apesar de se considerar que há uma unidade
de gestão, quando o Estado não consegue se manifestar em todos os espaços,
criam-se novas formas de territorialidade. Ao analisar o crime organizado, como o
jogo do bicho, observam-se áreas que se expandem ocupando novos espaços e que
ao mesmo tempo se descaracterizam e perdem influência territorial à medida que se
expandem.
Vale lembrar, que a territorialidade construída pelo crime organizado muitas
vezes se superpõe ao território construído pelo Estado, apresentando conflitos e
complementações. Para Neves (1996) “os meios de comunicação de massa
mostram, numa despojada simplicidade, os novos territórios: do jogo do bicho, do
narcotráfico, das economias informais, do carnaval (...)” (NEVES, 1996).
Na mesma linha Andrade (1996) também arrisca uma definição para o
conceito de territorialidade:
o conjunto de práticas e suas expressões materiais e simbólicas capazes de
garantirem a apropriação e permanência de um dado território por um
determinado agente social, o Estado, os diferentes grupos sociais e as
empresas. (ANDRADE,1996)
15
2.3 Rede
As redes, ao estimularem os fluxos e a extroversão, se inserem na presente
análise que interpreta o jogo do bicho no que se refere à sua articulação com os
circuitos de fluidez do capital. Entendendo que o conceito de rede subsidiará os
capítulos posteriores, serão tratadas as interpretações de acordo com alguns
autores que contribuíram com essa temática, principalmente na Geografia.
Ueda (2008) ao trabalhar o conceito de rede utiliza como base epistemológica
o Dicionário de Geografia Humana (Dictionary of Human Geography). De acordo
com a interpretação feita pela autora, o termo rede foi apropriado inicialmente pela
Geografia Humana para designar um sistema de transportes e depois foi estendido
para se referir a qualquer tipo de estrutura linear incluindo os limites políticos e
administrativos e as relações sociais. Algumas características próprias das redes
também foram definidas pelo dicionário e identificadas pela autora tais como a
conectividade, a densidade e a orientação.
Ao analisar a territorialidade das organizações criminosas, e mais
especificamente do jogo do bicho, Souza (2007) se vale do conceito de rede para
entender a dinâmica do processo de territorialização:
O processo de constituição de redes de organizações criminosas no Rio de
Janeiro (por exemplo) remete à necessidade de se construir uma ponte
conceitual entre o território em sentido usual (que pressupõe contiguidade
espacial) e a rede (onde não há contiguidade espacial: o que há é, em
termos abstratos e para efeito de gráfica, um conjunto de pontos – nós –
conectados entre si por segmentos – arcos – que correspondem aos fluxos
ou informações) (SOUZA, 2007, pag.93)
diferenciam dos “outros”, que não pertencem a sua coletividade. De acordo com
Teves (2002):
Enquanto sistema simbólico, o Imaginário Social reflete práticas sociais em
que se dialetizam processos de entendimento e de fabulação de crenças e
de ritualizações. Produções de sentidos que se consolidam na sociedade,
permitindo a regulação de comportamentos, de identificação, de distribuição
de papeis sociais. (TEVES, 2002)
Como entender que um jogo inocente, iniciado para angariar dinheiro para o
Jardim Zoológico recém criado no Rio de Janeiro tenha se transformado numa
polêmica contravenção em tão pouco tempo? Estudar a história do jogo do bicho é
um exercício também de compreender a história do Brasil. A vida cotidiana brasileira
do começo do século XX foi o resultado das mudanças que acompanharam a
transição da sociedade brasileira de uma sociedade escravista para outra capitalista.
E o jogo do bicho não ficou inume. Ou melhor, como expressão dessas
transformações, o jogo do bicho não imunizou a sociedade brasileira.
não atingir o jogo do bicho diretamente, a ideia gerou lucros significativos para o
estado.
Em 1993, o cenário da jogatina mudou e casas de bingo começaram a se
multiplicar no país inteiro. Uma nova lei, conhecida como Lei Zico, abriu o
precedente. No cargo de ministro dos Esportes, o ex-jogador do Flamengo adaptou
para o Brasil uma experiência espanhola em que os recursos obtidos com bingos
são revertidos para o esporte. A Lei Zico determinava que entidades esportivas
oficiais, com a fiscalização do governo federal, poderiam operar casas de bingo
desde que 7% do faturamento bruto fosse investido em programas sociais. Como as
tais entidades esportivas não tinham dinheiro para viabilizar negócios tão vultosos,
ficou estabelecido que seriam permitidas parcerias com a iniciativa privada. A partir
daí novas leis surgiram, outras regras foram estabelecidas e não se criou uma
legislação específica para uma modalidade de jogo que, no fim das contas, acabava
com o monopólio do Estado sobre a atividade.
De maneira geral, o modelo brasileiro atual de interpretação dos jogos de azar
é simples. O governo federal detém o monopólio de todos os jogos de azar no Brasil
desde a década de 1940. Até mesmo os jogos controlados pelos estados da
federação são considerados ilegais para a legislação, já que representam uma
concorrência direta com as loterias federais.
A partir de 10 de julho do presente ano o jogo do bicho e a exploração de
máquinas caça de níqueis podem ser considerados crimes e ter punições mais
rígidas. Sancionada pela presidente Dilma Roussef no dia 09/07, a Lei n o 12.683/12
alterou a Lei 9.613 de 1998, para tornar mais eficiente a repercução penal desse tipo
de crime, já que a regra vigente até então listava poucos delitos como antecedentes
para a caracterização de lavagem. Essa ampliação aumentará os casos que
poderão ser investigados com base na lei de lavagem e também a possibilidade de
maior recuperação de ativos (bens e valores) ilícitos.
A criação da referida lei se justifica pelo fato de terem surgido, sobretudo na
última década, diversas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) que investigam
o jogo do bicho e seu envolvimento com esquemas de corrupção e lavagem de
dinheiro. A mais famosa das CPI´s, que investiga o bicheiro Carlinhos Cachoreira,
ganhou inclusive bastante destaque da mídia esse ano.
Com relação à Belo Horizonte, desde março desse ano existe uma CPI para
investigar o jogo do bicho na capital. De acordo com seu presidente, o vereador
25
Cabo Júlio (PMDB), a récem criada comissão tem por objetivo apurar o avanço da
atividade ilegal em Belo Horizonte, apontando locais e pessoas envolvidas com o
jogo do bicho na cidade e região metroplolitana.
Criado em 1882 por João Baptista Vianna Drummond (1825 – 1897), o futuro
barão de Drummond, o jogo do bicho surgiu sem nenhuma pretensão de conquistar
o status que adquiriu tempos depois da sua criação e que perdura até hoje. Mas
antes de se tornar barão e empreendedor de ideias novas, João Baptista Vianna
Drummond atuou no comércio do Rio de Janeiro, importando vinho e Caxemira da
Europa. O primeiro sucesso que obteve no mundo das finanças foi fruto da
especulação da Bolsa de Valores no Rio de Janeiro.
No ano de 1872, João Baptista Vianna Drummond compra uma vasta chácara
na encosta da serra do Engenho Novo, que no ano seguinte dá lugar à primeira área
residencial planejada da cidade: o bairro de Vila Isabel. O primeiro leilão para venda
pública dos lotes de Vila Izabel aconteceu no ano de 1874, mas a grande atração do
bairro só surgiria em 1888, com a fundação do Jardim Zoológico de Vila Izabel.
Quando o Zoológico começou a funcionar, Drummond se deu conta dos elevados
custos de manutenção de uma empresa desse tipo e acionou suas estratégias com
a Coroa a fim de mobilizar recursos do Estado para viabilizar financeiramente seu
empreendimento. Dois meses depois, ele consegue a verba de 10 contos de réis
anuais sob a rubrica de gastos com a agricultura. Porém, com a proclamação da
República, em 1889, a ajuda passa a ser vista como favoritismo monárquico, sendo
portanto suspensa.
Com a finalidade de resolver o problema de falta de recursos do
empreendimento do Barão, no ano de 1890 a Câmara Municipal do Rio de Janeiro
firma um novo acordo com a empresa do Jardim Zoológico que dava ao barão o
direito de estabelecer e explorar, dentro dos limites do Jardim Zoológico, “jogos
públicos lícitos”, sujeitos evidentemente à fiscalização policial.
Em julho de 1892, dando sequência à vertiginosa proliferação de loterias e
jogos surgidos após a proclamação da República, o barão institui uma espécie de
sorteio envolvendo seus animais. O chamado “sorteio dos bichos”, que objetivava
aliviar as dificuldades financeiras atravessadas pelo Jardim Zoológico, foi anunciado
26
leis e ações já citadas, marca uma etapa importante na própria história do jogo do
bicho. É a repressão, para DaMatta e Soárez (1999, pág. 82) que dá vida ao jogo do
bicho como instituição reconhecida pelo Estado, criando as condições necessárias
para sua unificação. Segundo estes autores, sem ação policial, dificilmente os
agentes do jogo poderiam se unir contra os agentes do aparelho do estado:
A repressão organizada, agindo sistematicamente, valorizou a atividade e
nela criou uma autoconsciência valorativa e defensiva, forçando-a também
a se organizar. Se o jogo era um passatempo inconsequente e
esperançoso, agora que os decretos oficialmente o pintavam como um
descaminho moral para a classe média, ele se transformava em atividade
tentadora e interessante – principalmente porque era proibida. (DAMATTA &
SOAREZ, 1999. Pág. 82)
Com a perseguição ao jogo, o grande paradoxo criado foi sua incondicional
aprovação popular, o que lhe dava legitimidade social, contra uma elitista e mal
intencionada proibição legal, que fazia com que o governo passasse a ser visto
como um inimigo em comum e tornava a polícia presa fácil aos banqueiros jogo.
No que tange ao processo de criminalização do jogo do bicho, a interpretação
de Magalhães (2005) acrescenta um rico debate à ideia colocada por DaMatta e
Soárez (1999). Para este autor, colocar o bicho na ilegalidade obedecia ao desejo
do Estado, que naquele momento acabava de se tornar republicano, de obter um
controle social e ao mesmo tempo modernizar o espaço público. Afinal, um “projeto
modernizante, representado pelo parque dos animais, não poderia conviver com um
dos traços do ‘atraso colonial’, ou seja, a jogatina desenfreada.” (MAGALHÃES,
2005, p. 57). Uma ambiguidade, que para ele, acompanhou a perseguição ao jogo
do bicho e a outros jogos populares durante décadas.
que não eram da elite, o Estado era sinônimo de sistema judiciário criminal
e ponto” (CHAZKEL apud HAAG, 2011)
Como o jogo do bicho também possuía uma ligação muito forte com a cultura
popular, muitos dos seus primeiros banqueiros foram os empreendedores pioneiros
do entretenimento nacional. Um dos exemplos selecionados por Haag (2011) foi um
dos introdutores do cinema no Brasil, Paschoal Segreto. Os ganhos do submundo
do bicho permitiram a muitos empreendedores investirem nas suas ideias. Outro
exemplo da relação entre cultura popular e o jogo do bicho, e consequentemente
dos bicheiros, foi o samba. Mas o assunto será explorado em outro tópico com mais
afinco.
Analisando a hierarquia do jogo do bicho no Brasil, DaMatta e Soárez (1999,
p. 160) afirmam que sua estrutura tem a forma de pirâmide. No topo há uma cúpula
formada por sete banqueiros capazes de decidir os rumos do jogo para todo o país,
com exceção do Ceará e Pernambuco. A cúpula também nomeia representantes por
área. No caso do estado do Rio de Janeiro, existem 5 áreas: Centro, Zona Norte,
Zona Sul, Baixada Fluminense e Interior. Para cada uma existem mais 5
representantes. Estes 25 homens que comandam as áreas somados aos sete da
cúpula, gerenciavam o jogo em todo o estado pelo menos até a década de 1990,
período de análise da pesquisa desses autores.
Num segundo plano, estão os gerentes do ponto, que recebem 10% do total
das apostas. Do total recebido, o gerente retira o pagamento diário de seus
funcionários e o pagamento para a polícia. Os 90% restantes vão direto para os
banqueiros, responsáveis pelo pagamento dos prêmios aos apostadores. Abaixo do
gerente está o caixa, aquele que recebe o dinheiro das apostas. Por último, existem
também os “escreventes”, “anotadores” ou “aranhas” que são os que tomam nota
das apostas dos jogadores.
Existem também os que trabalham na apuração do resultado bem como os
“transportadores”. Esses últimos são os que passam o dia percorrendo os pontos
dos banqueiros, recebendo o dinheiro das apostas e levando os prêmios em dinheiro
a serem pagos aos trabalhadores.
A antropóloga Laura Viveiros de Castro citada por Haag (2011) observa que
desde o seu surgimento, as escolas de samba colhiam contribuições para os
32
Belo Horizonte, Planta geral da cidade de parte de Belo Horizonte, organizada pela 1ª Seção da Subdiretoria de
Obras em 1928-1929. Belo Horizonte: [s.n], 1929. Planta. Acervo APCBH, Acervo Cartográfico Avulso
(disponível in http://goo.gl/lWEmh. Acesso em 11/11/12. Adaptado)
37
3) Sugestão dos moradores para o letreiro do bonde que ia para o bairro tendo
como referência a igreja.3
1
BAGGIO (2005)
2
WESTIN (1998)
3
GOES (2001)
39
tratamento dos dados, foram criadas seis classes de idade: Abaixo de 20 anos,
entre 21 e 30 anos, entre 31 e 40 anos, entre 41 e 50 anos, entre 51 e 60 anos e
acima de 60 anos. A faixa etária compreendida entre 41 e 60 anos foi a mais
representativa de todas. Dos 50 questionários, esse intervalo de idade representou
48% das entrevistas. Ficou nítido que o conhecimento dos pontos de jogo do bicho e
de sua dinâmica variou bastante de acordo com a idade, associada a outras
características que serão, mais adiante, esclarecidas.
Gráfico 1 – Idade dos entrevistados – Valores absolutos
Dos que não residem no bairro, 36%, as classes foram definidas em função
da frequência com que o visitam. Foram criadas as seguintes classes: 1 a 2 vezes
por semana, 3 a 4 vezes por semana, 5 vezes por semana, diariamente,
semanalmente e mensalmente. A maior parte dos entrevistados, 38%, frequenta o
bairro diariamente. Essa frequência, explicada muitas vezes pelo fato de se tratarem
de pessoas que possuem o bairro como local de realização de trabalho e de lazer,
garantiu a qualidade das respostas uma vez que se tratou de pessoas que
conheciam, minimamente, o bairro. As outras classes, menos representativas, foram
definidas em função das respostas das pessoas que só trabalham no bairro.
Gráfico 5 – Frequência de visita ao bairro – Valores absolutos
Dos que não conhecem nenhum ponto de jogo do bicho, foi perguntado se
havia pelo menos a compreensão da existência da atividade no bairro e 59 % dos
entrevistados responderam que sabiam que Santa Tereza possuía pontos de jogo
do bicho contra 41% que responderam não terem esse conhecimento. Destes, vale
acrescentar a informação de que um entrevistado nem tinha o conhecimento do que
era o jogo do bicho, sendo necessária a explanação do quê é a atividade, no
momento da aplicação do questionário.
Conhecendo ou não os pontos, foi perguntado a todos os entrevistados se
eles sabiam como a legislação brasileira interpretava o jogo do bicho. As opções de
respostas foram pré-estabelecidas e ficaram definidas como: “contravenção
penal”, “crime”, “não sabe como a legislação trata, mas acredita que seja
ilegal” e “legal de acordo com a legislação”. A maioria dos entrevistados, 68%,
mesmo não sabendo exatamente como a legislação brasileira trata, sabia, pelo
menos, que a atividade é ilegal. Os que tinham o conhecimento acerca da
interpretação correta do jogo do bicho, contravenção penal, representaram 20% das
respostas. Os entrevistados que acreditam que a atividade é uma tipologia de crime
representaram 4% seguidos de 8% daqueles que acreditam se tratar de uma
atividade legalizada.
48
grupo que soube responder sobre a atual interpretação legal correta do jogo, ou
seja, trata-se de uma contravenção penal.
As únicas exceções no grupo que tem uma visão negativa do jogo do bicho
foram dois senhores de 64 e 70 anos. O primeiro nunca concordou com a jogatina
no seu bairro e acredita que os resultados são manipulados e os jogadores
constantemente enganados. O segundo entrevistado, de 70 anos, é um coronel
aposentado da Polícia Militar que descreveu a corrupção de policiais como a pior
característica associada ao jogo do bicho.
Entre os mais jovens, abaixo de 30 anos, estão aqueles que mais se disseram
indiferentes ao jogo. O entrevistado que nem sabia do que tratava o jogo do bicho
estava na mesma faixa de idade e também expressou indiferença relativa à
atividade e à nova lei. São também os entrevistados dessa faixa etária os que não
souberam informar sobre a existência de pontos de jogo do bicho.
Não se percebeu uma naturalização do jogo do bicho pela maior parte dos
entrevistados da maneira como se esperava na hipótese inicial. Há realmente um
“pressuposto de inocência’ por parte dos residentes mais antigos do bairro e dos
jogadores. Pessoas que, em sua maioria, possuem uma relação de respeito e até
mesmo carinho, pelo bicheiro e sua família. Quando não há, por parte de pelo
menos 2 entrevistados, uma admiração no que tange às ações beneficentes
promovidas pela esposa do “Zezinho”. Este sentimento de respeito e admiração
talvez seja o que mais consegue explicar o processo de territorializaçao da atividade
no bairro.
O blog do vereador Cabo Júlio, presidente da CPI que investiga o jogo do
bicho em Belo Horizonte, já elucidada em outra parte do trabalho, atualiza
constantemente as notícias a respeito das ações da comissão e de outras ações que
tem por objetivo acabar com o jogo do bicho. Em uma de suas postagens, em que
menciona um projeto de lei que prevê o pagamento de multa às pessoas que
alugam imóveis para o jogo do bicho, o vereador recebeu respostas que
demonstram revolta à essas ações e defendem o jogo do bicho e sua “inocência”.
Numa dessas expressões de revolta, uma em especial chamou a atenção, uma vez
que expressa um laço afetivo também entre os funcionários dos pontos e os
bicheiros. Um funcionário do “Zezinho” repudia as ações divulgadas pelo Cabo Júlio
e argumenta a favor de causa própria como pode ser visto no texto abaixo:
53
bairro para que o jogo do bicho não seja ameaçado na sua existência. A ameaça
pode se dar no momento em que acontece o fechamento de um ponto, com a
consequente prisão dos envolvidos, ou talvez quando se fornecem dados policiais
para pesquisas acadêmicas.
Outro aspecto do jogo do bicho levantado na literatura sobre a atividade no
Rio de Janeiro e que pode ser associado à dinâmica da atividade em Santa Tereza
diz respeito a um perfil comum dos bicheiros. Como já foi mencionado em capítulo
anterior, os primeiros grandes banqueiros do bicho seriam, em sua grande maioria,
imigrantes, pessoas que apostavam mais em negócios desconhecidos E como não
tinham raízes no Brasil, tinham mais possibilidade de se arriscar do que os nativos.
Levando-se em consideração que o povoamento em Santa Tereza foi feito em
grande parte por imigrantes, essa é uma hipótese que pode explicar a existência de
várias casas no bairro. Salienta-se que esta é uma hipótese não confirmada, uma
vez que não foi possível identificar o sobrenome, e consequentemente, o país de
origem do Zezinho.
Outra informação fornecida pelo bicheiro do Barreiro e que pode ser também
atribuída ao bairro de Santa Tereza é a demarcação do território do bicheiro,
normalmente um bairro. Um bicheiro normalmente não divide um bairro com nenhum
outro bicheiro, mas pode ter o controle de mais de um bairro, inteiro.
O bicheiro do Barreiro não soube elucidar algumas questões especificas do
jogo do bicho em Belo Horizonte, e em Santa Tereza. Quando perguntado sobre a
maneira pela qual o jogo do bicho lavava o dinheiro extraído da atividade, sabendo
que no Rio de Janeiro a lavagem acontece por meio da associação com escolas de
samba, por exemplo, o bicheiro disse simplesmente que em Belo Horizonte não há
uma forma de lavar o dinheiro. Resta, portanto, uma pergunta que poderá ser
respondida com novas pesquisas.
A hierarquia do jogo do bicho explicitada pelo bicheiro do Barreiro não mostra
a complexidade da organização, coloca apenas que há o banqueiro, dono dos
pontos, e o bicheiro, gerente que controla as casas de apostas e a distribuição dos
prêmios. Em Santa Tereza, supõe-se que a organização seja a mesma. O contato
obtido durante aos pontos demonstra que realmente havia um funcionário
responsável pela administração do local, uma pessoa que provavelmente, além do
banqueiro, conhece a maioria das etapas do processo.
Quando perguntado o motivo pelo qual o jogo do bicho resiste há mais de um
56
que cedia lugar ao jogo, mas que foi recentemente alugado para o funcionamento de
uma lanchonete.
Figura 8 – Ponto desativado (Rua Conselheiro Rocha, 255)
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
.
65
6. REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
BENATTE, Antônio Paulo. Dos jogos que especulam com o acaso: contribuição
à história dos jogos de azar no Brasil (1890- 1950), 2002. Tese (Doutorado).
Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia Ciências Humanas.
Disponível em < http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000249900>. Acesso
em 20/05/12.
BRASIL, Casa civil. Decreto Lei n° 3.688. Subchefia para assuntos jurídicos, 1941.
HAAG, Carlos. Acertei no milhar. Revista Pesquisa FAPESP. São Paulo. Edição
183. Maio de 2011. Disponível: http://revistapesquisa.fapesp.br/2011/05/27/acertei-
no-milhar/. Acesso em 13/10/12.
RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1986
SILVEIRA, Maria Laura: Território: Globalização e fragmentação, São Paulo:
Editora HUCITEC, 1996.
7. ANEXOS
Seguem abaixo as questões sobre o jogo do bicho que eu gostaria que você respondesse.
1) À ocasião de sua criação, 1892, o jogo do bicho era legal e institucionalizado e pouco
tempo depois ele se espalha pelas ruas do Rio de Janeiro até ganhar o status de contravenção
na década de 1940. Por que você acredita que ele resiste até os dias de hoje na ilegalidade?
O JOGO DO BICHO RESISTE ATE HOJE DEVIDO:
NAO EXISTENCIA DA BUROCRACIA -
QUALQUER PESSOA PODE JOGAR
NAO TEM VALOR FIXO DE APOSTA
SER UM JOGO HONESTO - ( ENTRE O JOGADOR E O BICHEIRO)
.
SIM.
O JOGO DO BICHO PODE SER FEITO EM QUALQUER LUGAR - MESMO SENDO INOCENTE E
NORMAL - SEJA EM ESQUINAS DE RUA - DENTRO DE BUTECOS - MORROS DE FAVELAS
ETC.
NAO.
NO RIO DE JANEIRO OS MAIS BENEFICIADOS SAO A ESCOLAS DE SAMBAS - ISTO DEVIDO
A FACILIDADE DE GANHAR O DINHEIRO FACIL E TAMBEM PARA QUE OS BICHEIROS
POSSAM ATUAR, ONDE AS ESCOLAS SE ESTABELECEM, SEM SER INCOMODADOS.
5) Há algum repasse de dinheiro para a Polícia Militar de Minas Gerais para que ela se omita
com relação à existência dos pontos? Se sim, qual a porcentagem?
SIM-
AOS POLICIAIS - DO DELEGADO AOS POLICIAS DE RUAS.- POLICIA CIVIL TAMBEM - NAO
TEM PERCENTUAL, ESTE VALOR NORMALMENTE JA É DEFINDO PELA POLICIA.
CASO CONTRATIO O MESMO É PERSEGUIDO PELA POLICIA.
6) O bicheiro controla quais territórios em Belo Horizonte: um bairro, uma região da cidade, a
cidade?
7.2 Questionário
1. Sexo
Masculino ( ) Feminino ( )
3. Estado civil
Solteiro ( ) Casado ( ) Viúvo ( ) Divorciado ( ) Outros ( )
4. Profissão __________________________
8. Se negativo, pelo menos já ouviu falar que existe ou existiu algum ponto de Jogo do Bicho no
bairro?
Sim ( ) Não ( )
11. Você sabia que existe uma Lei de julho desse ano, que torna o Jogo do Bicho um tipo de
crime, por causa de suas prováveis ligações com a lavagem de dinheiro?
Sim ( ) Não ( )