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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Instituto de Geociências – Departamento de Geografia

Raquel Augusta Melilo de Oliveira

O JOGO DO BICHO NO BAIRRO DE SANTA TEREZA - BH : COMPREENSÃO


DO PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO E ESPACIALIZAÇÃO DA
CONTRAVENÇÃO

Belo Horizonte
2012
Raquel Augusta Melilo de Oliveira

O JOGO DO BICHO NO BAIRRO DE SANTA TEREZA - BH : COMPREENSÃO


DO PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO E ESPACIALIZAÇÃO DA
CONTRAVENÇÃO

Monografia apresentada ao curso de


Geografia/Licenciatura da Universidade Federal
de Minas Gerais, como requisito para obtenção
do título de licenciada em Geografia.

Orientadora: Marly Nogueira

Belo Horizonte
2012
Raquel Augusta Melilo de Oliveira

O JOGO DO BICHO NO BAIRRO DE SANTA TEREZA - BH : COMPREENSÃO


DO PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO E ESPACIALIZAÇÃO DA
CONTRAVENÇÃO

Monografia apresentada ao curso de


Geografia/Licenciatura da Universidade Federal
de Minas Gerais, como requisito para obtenção
do título de licenciada em Geografia.

___________________________________
Marly Nogueira (orientadora) – UFMG

___________________________________
Doralice Pereira – UFMG

___________________________________
Bráulio Figueiredo Alves da Silva – UFMG

Belo Horizonte, 21 de dezembro de 2012.

.
AGRADECIMENTOS

A todos que contribuíram para a realização deste trabalho, fica expressa aqui
minha gratidão, especialmente:
À professora Marly Nogueira, pela orientação, pelos momentos ricos de
aprendizagem e disponibilidade em todas as ocasiões em que senti necessidade.
À minha mãe, que conseguiu compreender minhas ausências e me apoiou
incondicionalmente com sua presença.
Aos colegas do curso de Geografia, especialmente ao Marcelo, pelas ricas
trocas de experiências e saberes que muito me auxiliaram nesta tão penosa, mas
não menos prazerosa etapa de formação acadêmica, e pessoal.
“Já que a ciência não pode encontrar sua legitimação ao lado do
conhecimento, talvez ela pudesse fazer a experiência de tentar encontrar
seu sentido ao lado da bondade. Ela poderia, por um lado, abandonar a
obsessão com a verdade e se perguntar sobre seu impacto na vida das
pessoas” (ALVES, 2009)
RESUMO

O presente trabalho pretendeu investigar a territorialidade exercida pelo jogo do


bicho no bairro de Santa Tereza, Belo Horizonte, utilizando, entre outras ferramentas
operacionais, sua espacialização. Atividade que resistiu por mais de um século de
existência, o jogo do bicho não só subsidia análises sócio-espaciais sobre territórios,
como, de acordo com uma das conclusões do trabalho, pode fazer parte de um
sistema de signos que compõe a identidade coletiva de determinada comunidade, e
por conseguinte, do seu território. No caso de Santa Tereza, o jogo do bicho
participa da elaboração do conjunto de símbolos que o bairro possui que explicam
sua tradição e sua diferenciação com relação ao restante da metrópole belo-
horizontina. Os moradores do bairro de Santa Tereza, ao se identificarem nessa
diferenciação, oferecem resistência ao impulso uniformizador da modernidade.
Resistência que pode ser facilmente percebida nos limites que são colocados pela
própria comunidade à verticalização do bairro e à pressão exercida pela
especulação imobiliária mas que aparece de forma sutil em outras configurações
espaciais que se territorializam de maneira também a oferecer resistência, como o
jogo do bicho.

Palavras chave: jogo do bicho, Santa Tereza, territorialidade, território.


ABSTRACT

The present study aimed at investigating the territoriality exercised by the numbers
game in the Santa Teresa neighborhood, Belo Horizonte, using, among other tools
operating spatialization. Activity that endured for more than a century of existence,
the numbers game not only subsidizes analyzes on socio-spatial territories, as,
according to the findings of labor, can be part of a system of signs that make up the
collective identity of particular community, and therefore of its territory. In the case of
Santa Teresa, the numbers game participates in the elaboration of the symbol set
that the neighborhood has to explain its tradition and its differentiation with respect to
the rest of the metropolis Belo Horizonte. Residents of the neighborhood of Santa
Teresa, to identify themselves in this differentiation, offer resistance standardizing
impulse of modernity. Resistance that can be easily perceived within the limits that
are placed by the community to the neighborhood and the vertical pressure from
speculation but it appears subtly in other spatial configurations so that territorializam
also offer resistance, as the numbers game.

Keywords: Santa Tereza , territoriality, territory.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1- Mapa de localização do bairro de Santa Tereza ....................................... 35


Figura 2- Planta geral de parte da cidade de Belo Horizonte ................................... 36
Figura 3 - Ponto do jogo do bicho(Rua Marmore, n°125) ......................................... 42
Figura 4 - Ponto do jogo do bicho(Rua Marmore, n°605) ....................................... 42
Figura 5 - Opinião do trabalhador do jogo do bicho blog........................................... 53
Figura 6 - Ponto do jogo do bicho associado a loja de material de limpeza ............. 58
Figura 7 - Ponto do jogo do bicho associado a loja de conserto de sapato .............. 58
Figura 8 - Ponto desativado (Rua Conselheiro Rocha, 255) ..................................... 59
Figura 9 - Ponto desativado (Salinas c/ Tenente Durval) .......................................... 59
Figura 10 - Mapa de espacialização dos pontos de jogo do bicho ........................... 61
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Idade dos entrevistados – valores absolutos .......................................... 44


Gráfico 2 - Estado civil dos entrevistados – valores absolutos ................................. 44
Gráfico 3 - Nível de escolaridade dos entrevistados - valores absolutos ................. 45
Gráfico 4 - Tempo de residência em Santa Tereza - valores absolutos .................. 46
Gráfico 5 - Frequência de visita ao bairro - valores absolutos................................... 46
Gráfico 6 - Pontos dos jogos do bicho conhecidos - valores absolutos ..................... 47
Gráfico 7 - Interpretação do jogo do bicho - valores absolutos ................................. 48
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 17
1.1 Justificativa ..................................................................................................... 8
1.2 Objetivos ......................................................................................................... 9
1.3 Metodologia .................................................................................................... 9
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................... 11
2.1 Território........................................................................................................ 11
2.2 Territorialidade .............................................................................................. 14
2.3 Rede ............................................................................................................. 16
2.4 Imaginário coletivo ........................................................................................ 17
3. UM BREVE HISTÓRICO DO JOGO DO BICHO NO BRASIL ............................ 21
3.1 Jogos de Azar no Brasil ................................................................................ 21
3.2 Os jogos de azar para a legislação brasileira ............................................... 22
3.3 Breve histórico do processo de criação do Jogo do Bicho ............................ 25
3.4 Rápida repercussão do Jogo do Bicho ......................................................... 29
3.5 Os bicheiros e a estrutura hierárquica básica do Jogo do Bicho .................. 30
3.6 O jogo do bicho e sua relação com o Carnaval e o tráfico de drogas ........... 31
4. O JOGO DO BICHO NO BAIRRO DE SANTA TEREZA .................................... 34
4.1 O bairro de Santa Tereza.............................................................................. 34
4.2 O jogo do bicho em Santa Tereza ................................................................ 41
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 62
6. REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS .................................................................. 65
7. ANEXOS ............................................................................................................ 69
7.1 Entrevista com o bicheiro .............................................................................. 69
7.2 Questionário .................................................................................................. 71
1. INTRODUÇÃO

O jogo do bicho, desde sua criação nos finais do Século XIX, foi a atividade que
mais se aproximou de uma organização do tipo mafioso no Brasil. Embora hoje seja
classificada judicialmente como uma contravenção penal, para a qual as penas são
mais leves, teve sua origem na legalidade. Surgido em 1892 como uma alternativa
de arrecadação de dinheiro para o Jardim Zoológico, o jogo rapidamente ganhou as
ruas do Rio de Janeiro e adquiriu status de ilegal ainda em 1895.
Diversas pesquisas que se ativeram ao estudo do tema destacaram a maneira
pela qual o jogo conseguiu adeptos em curto espaço de tempo. A análise de Simões
(1983) vai ao encontro dessa interpretação: “A ideia do Barão, cujo objetivo era
única e exclusivamente angariar fundos para manter seu zoológico em
funcionamento, transforma-se rapidamente em um apaixonante jogo (...)” (SIMÕES,
1983).
No início do século XX o jogo transformou-se em dos principais focos de
violência no Rio de Janeiro causada pela intensa disputa de territórios entre os
“bicheiros”. O termo, na estrutura básica do jogo do bicho, é usado para designar
tanto o dono dos pontos, também chamados de banqueiros, quanto os gerentes e
outros membros da organização. Os bicheiros, quando não atuaram como
vendedores ambulantes, foram os responsáveis pela incorporação da atividade no
mercado de loterias já existente, explorando-o em diferentes estabelecimentos
comerciais.
O território do bicheiro é geralmente seu local de moradia (bairro e até uma
cidade inteira) e isso explica, em certa medida, o tipo de relação que ele estabelece
com a população de seu território. Essa relação, de acordo com Misse (2011) possui
as mesmas características do que no mundo rural brasileiro chamou-se de
“mandonismo local”. No Rio de Janeiro, vários bicheiros mantinham relações de
clientelismo com os moradores de sua área e vários deles chegaram a se tornar
financiadores e presidentes de escolas de samba, configurando uma rede totalmente
organizada e hierarquizada.
Mesmo que os bicheiros tenham manifestado suas relações de poder em
territórios dominados, foi necessário em determinado momento a formação de uma
rede entre os bicheiros que, embora também expresse poder, não representa uma
8

continuidade espacial como o território. Em 1980, os banqueiros do Rio de Janeiro


interromperam suas disputas e constituíram uma cúpula em resposta à queda dos
lucros, decorrente do surgimento de várias loterias de sorteio imediato contraladas
por um banco oficial, a Caixa Econômica Federal. Trabalhando em sinergia, tal como
qualquer corporação capitalista, os banqueiros então passaram a investir em
pequenas empresas legais e pequenos cassinos clandestinos, além da lucrativa
atividade de lavagem de dinheiro.
Desde então, várias foram as denúncias de lavagem de dinheiro e ligações
com o tráfico internacional. Em 1993, os 14 bicheiros mais importantes do Rio de
Janeiro foram presos pela Juíza Denise Frossard durante audiência corriqueira e
condenados por crime organizado (formação de quadrilha) com até seis anos de
prisão. Após cumprir parte da pena voltaram normalmente às suas atividades e
continuam controlando as dez principais escolas de samba e influenciando a política
local.
Mesmo que praticamente desde o seu surgimento o jogo do bicho tenha sido
interpretado pelo Estado como uma atividade ilegal a aceitação popular criou um
ambiente favorável à sua reprodução e, posteriormente à sua fixação em territórios.
O que explica, em certa medida, o motivo pelo qual ele resiste a mais de um século
de existência.

1.1 Justificativa

O que me motivou a pesquisar o tema foram minhas observações na infância,


ainda que muito limitadas. Muitas das vezes em que ia visitar meu avô no bairro de
Santa Tereza, tinha a notícia de que ele ou havia acabado de jogar, ou estava
jogando “no bicho”. Embora isso não tenha lhe causado graves consequências,
como o endividamento, não considerava normal a frequência com ele jogava porque
eu já sabia, mesmo que intuitivamente, que jogos de azar não eram bons. Mesmo
assim eu não percebia que isso era mal visto pelos parentes e amigos do meu avô.
Sua postura só não era perdoável porque antes de mais nada, era aceitável tanto
por familiares como por toda comunidade do bairro. Isso me intrigava.
Acrescida à justificativa pessoal, muito condenada nos meios acadêmicos e a
qual decidi manter mesmo tendo recebido orientações contrárias, está a constatação
9

de que há uma carência de trabalhos na Geografia que lidam com espacialização do


crime.
A escolha do bairro de Santa Tereza se justifica pelo fato do mesmo
representar, em Belo Horizonte, o saudosismo e a tradição guardando muitas das
mesmas características desde a sua criação. Dentre essas características, a
existência de diversas casas de jogo do Bicho, associadas ou não, aos pontos de
comércio.
Além disso, mesmo se tratando de um fenômeno tão conhecido
nacionalmente e tão popular, o jogo do bicho é um objeto de estudo muito pouco
explorado no meio acadêmico como bem já afirmavam os antropólogos DaMatta e
Soárez:
... instituições capitais para o entendimento do Brasil como o carnaval, o
futebol e o jogo do bicho são praticamente banidas da reflexão intelectual,
vistas como prova de ignorância, atraso cultural e expressão da nossa
perene tendência para a corrupção e o crime (DAMATTA & SOAREZ, 1999)

1.2 Objetivos

Um dos objetivos da pesquisa foi entender a maneira pela qual o jogo do


bicho se apropria do bairro de Santa Tereza para impor suas formas e relações de
poder.
Já focando num objetivo mais especifico, que se expressa no título do
trabalho, foi feita uma espacialização dos pontos de jogo do bicho no bairro de Santa
Tereza a partir de relatos de populares. O ponto de partida foi a hipótese de que o
jogo do bicho tem como condição de existência, e resistência, a aceitação de grande
parcela da população que envolve não só os apostadores como aqueles que não se
envolvem diretamente na atividade, mas que também a naturalizam.

1.3 Metodologia

Para alcançar os objetivos propostos, foram seguidos os seguintes passos


operacionais:
- Revisão bibliográfica acerca de alguns conceitos chaves da Geografia, tais como:
território, territorialidade e rede. Esses conceitos permitiram o tratamento correto
destas categorias para o estabelecimento de uma análise de cunho geográfico.
10

- Revisão bibliográfica, principalmente em estudos de Psicologia, acerca do conceito


de imaginário popular. A leitura destas obras trouxe subsídio ao tratamento dos
dados colhidos da aplicação dos questionários.
- Realização de trabalhos de campo para caracterização do bairro de Santa Tereza,
aplicação dos questionários e identificação dos pontos de jogo do bicho.
- Realização de uma entrevista com um bicheiro/banqueiro que atua na região do
Barreiro. A entrevista será apresentada no anexo e será mais detalhadamente
discutida no trabalho.
- Produção de mapas no programa ArcGis com base nos trabalhos de campo
realizados.
- Tratamento e interpretação dos dados colhidos nos questionários. Essa etapa,
entendida como de fundamental importância, foi o cerne da pesquisa. Por meio das
informações produzidas puderam ser estabelecidas as relações e sínteses
necessárias à análise.
11

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 Território
O território, como principal categoria de análise dessa pesquisa, só pode ser
compreendido à luz de sua genealogia. Reis (2006), se interroga da necessidade de
se fazer uma análise epistemológica da categoria em detrimento de um estudo que
valoriza tão somente a mobilidade territorial. A razão disso, explica o autor, é que à
essa última análise basta considerar o território como suporte de localizações, local
de recepção enquanto a análise genealógica atribui ao território um papel ativo, uma
ação interveniente nos processos que se pretendem analisar. Por isso, qualquer
estudo que tenha como categoria base o território exige um levantamento
epistemológico.
Etimologicamente, território deriva do latim terra e torium, que significa “terra
pertencente a alguém”. Entender a origem etimológica da palavra auxilia na
diferenciação, tão necessária entre território e espaço. Andrade (1996) já alertava
para essa confusão ao colocar que:
Território não é sinônimo de espaço, ainda que para alguns ambas as
palavras contemplem o mesmo significado. Do mesmo modo territorialidade
e espacialidade não devem ser empregadas de modo indiferenciado.
(ANDRADE, 1996, p. 213)

Isso não impede, no entanto, que para o autor os dois significados se


complementem. Território pode ser considerado um conceito subordinado ao espaço
ou à organização espacial. Para o autor, portanto, “território é o espaço revestido da
dimensão política afetiva ou ambas” (ANDRADE,1996, p.213).
A expressão território tem uso antigo tanto nas ciências naturais quanto nas
sociais. No campo das ciências sociais as disciplinas mais diretamente ligadas,
epistemologicamente, com a análise do território foram a Ciência Política, muito
relacionada ao conceito de poder, e a Geografia, que arroga para si a categoria do
espaço. Nessa última, a expressão território tem sido muito utilizada desde o século
passado pelos geógrafos Friedrich Ratzel e por Elisée Reclus. O primeiro autor,
muito preocupado com o papel desempenhado pelo Estado no controle do território,
oferece por meio de sua obra Politische Geographie um exemplo do tipo de discurso
sobre o território fixado no Estado, o que pode ser percebido na passagem:
O Estado não é, para nós, um organismo meramente porque ele representa
uma união do povo vivo com o solo imóvel, mas porque essa união se
consolida tão intensamente através de interação que ambos se tornaram
12

um só e não podem mais ser pensados separadamente sem que vida venha
a se evadir” (RATZEL, 1974:4 apud ANDRADE, 1996, p.215)

Diferente dessa abordagem, Elisée Reclus procurava estabelecer as relações


entre as classes sociais e espaço ocupado e dominado. Percebe-se dessa forma
que o conceito de território está intimamente ligado à ideia de domínio ou de gestão
de determinada área, devendo sempre ser associado à noção de poder, quer se
faça referência ao poder público, estatal, quer ao poder das grandes empresas que
estendem os seus territórios por grandes áreas territoriais, ignorando as fronteiras
políticas. Entende-se aqui que empresas abrangem tanto as de atuação legal quanto
ilegal, podendo-se considerar para a análise, também o jogo do bicho.
Souza (2007), em ensaio sobre o conceito de território também atribui ao
poder importância fundamental para se entender território, embora alerte que se
constatam superposições aos conceitos de poder, violência, dominação, autoridade
e competência. Para esclarecer a temática ele se vale da elucidação feita por Hanna
Arendt:
[...] por trás da confusão aparente e a cuja luz todas as distinções seriam,
na melhor das hipóteses, de pequena importância, a convicção de que a
questão política mais crucial é, e sempre foi, a questão de: Quem governa
quem? Poder, força, autoridade, violência – nada mais são do que palavras
a indicar os meios pelos quais o homem governa o homem... o ‘poder´
corresponde à habilidade humana de não apenas agir, mas de agir em
uníssono, em comum acordo. O poder jamais é prioridade de um individuo;
pertence ele a um grupo e existe apenas enquanto o grupo se mantiver
unido. (ARENDT, 1985 apud SOUZA, 2007)

Ainda seguindo o raciocínio de Souza (2007), ampliar a ideia de poder


significa libertá-la da confusão com os conceitos de violência e da restrição à noção
de poder enquanto dominação, permitindo assim conjugar as ideias de poder e
território uma vez que “o território é essencialmente um instrumento de exercício de
poder” (SOUZA, 2007, p.79)
Retornando ao conceito de território e ainda considerando a análise de Souza
(2007), é de suma importância despir o território do manto de imponência com o qual
se encontra adornado. Muitas vezes a palavra território evoca o território nacional e
associa ao Estado, em grandes espaços, em sentimentos patrióticos, em governo,
dentre outras noções afins. Mesmo que o território possa ser entendido à luz do
conceito de Estado, ele não precisa e não deve ser reduzido a essa escala.
Territórios são construídos, e desconstruídos, nas mais diversas escalas espaciais e
temporais. E talvez essa noção foi a que mais se aproximou da relação que foi
13

estabelecida posteriormente entre imaginário coletivo e território, melhor dizendo, da


maneira pela qual, se apropriando do território, as pessoas que ali residem também
o moldam e modificam.
Santos (1996) corrobora dessa interpretação ao afirmar que mesmo nos
lugares onde os vetores da mundialização são mais operantes e eficazes o território
habitado cria novas sinergias, impondo ao mundo uma revanche. Nessa metáfora do
retorno ele explica que “é o uso do território, e não o território em si mesmo que faz
dele objeto da análise social” (SANTOS, 1996). O território adquire dessa maneira o
significado de espaço habitado:
O território são formas, mas o território usado são objetos e ações, sinônimo
de espaço humano, espaço habitado. Mesmo a análise da fluidez posta ao
serviço da competitividade, que hoje reje as relações econômicas, passa
por aí... (SANTOS, 1996, p.16).

Nicolas (1996) também coloca em relevo o fenômeno da mundialização ao


afirmar que as transformações atuais na economia e da tecnologia trazem consigo a
produção de um novo modo de interagir com o território. Dessa maneira o território
só pode ser explicado em um contexto de mudanças, quando um grupo social se
apropria de um determinado espaço exprimindo uma sociedade particular a partir do
uso que lhe destina.
Outra interpretação que integra a mesma linha é a de Medeiros (2009)
segundo a qual o território é um espaço de identidade sendo “o sentimento sua
base” (MEDEIROS, 2009). Entendendo o território como imaginado, a autora infere
que o território pode ser sonhado e construído a partir de sonhos.
Ferrara (1996) também identificou o território na sua expressão mais humana,
que nasce de pontos e marcas sobre o solo e tem ao seu redor o ordenamento do
meio de vida e o enraizamento do grupo social. Talvez por isso Souza (2007, pag.
83) destaca, ao falar das contribuições contemporâneas sobre território, trabalhos
assinados por geógrafos que são na sua grande parte inspirados na Antropologia e
Sociologia chegando até a atribuir a renovação no conceito de território aos
trabalhos de autores que tratam dos territórios da prostituição e da territorialidade
pentecostal no Rio de Janeiro.
Por fim, Saquet (2008) sintetiza a concepção de território que, de acordo com
a análise do presente trabalho, mais se aproxima da apropriação que foi feita do
conceito.
14

Sucintamente, o território é, além de chão, obras, formas espaciais,


relações, articulações, movimento, diversidade e unidade. O território é
produzido material e ideologicamente. O território é materialidade e
imaterialidade ao mesmo tempo, não é apenas substrato ou formas nem
apenas relações sociais (as próprias relações são materiais e imateriais,
plurais e coexistentes, mudam e permanecem na vida cotidiana). Há uma
unidade concreto-abstrata no e do território que precisa ser abstraída.
(SAQUET, 2008)

A abstração sugerida por Saquet (2008) trouxe luz à análise por permitir a
interpretação do território do jogo do bicho como construção material e sobretudo,
ideológica.

2.2 Territorialidade
De acordo com Andrade (1996) a formação de um território dá às pessoas
que nele habitam a consciência de sua participação, provocando o sentimento de
territorialidade. Ampliando sua análise, ele admite como territorialidade tanto o que
se encontra no território e está sujeito a ele como o processo subjetivo de
conscientização da população de fazer parte desse território.
Ao focar os processos de territorialização do Brasil, o autor admite que o fato
de não haver uma grande quantidade de nações no território, não existam
atualmente, muitos conflitos de natureza separatista como ocorrem em diversos
outros países do mundo. No entanto, apesar de se considerar que há uma unidade
de gestão, quando o Estado não consegue se manifestar em todos os espaços,
criam-se novas formas de territorialidade. Ao analisar o crime organizado, como o
jogo do bicho, observam-se áreas que se expandem ocupando novos espaços e que
ao mesmo tempo se descaracterizam e perdem influência territorial à medida que se
expandem.
Vale lembrar, que a territorialidade construída pelo crime organizado muitas
vezes se superpõe ao território construído pelo Estado, apresentando conflitos e
complementações. Para Neves (1996) “os meios de comunicação de massa
mostram, numa despojada simplicidade, os novos territórios: do jogo do bicho, do
narcotráfico, das economias informais, do carnaval (...)” (NEVES, 1996).
Na mesma linha Andrade (1996) também arrisca uma definição para o
conceito de territorialidade:
o conjunto de práticas e suas expressões materiais e simbólicas capazes de
garantirem a apropriação e permanência de um dado território por um
determinado agente social, o Estado, os diferentes grupos sociais e as
empresas. (ANDRADE,1996)
15

Outra abordagem, de Raffestin (1996), define territorialidade a partir da


convergência relacional entre dois processos. Para ele, a territorialidade: “aparece
como a interação entre dois sistemas, um espacial e o outro informacional, na
perspectiva de assegurar a autonomia de uma coletividade através do tempo”.
(RAFFESTIN, 1996).
Haesbaert (2009), diferentemente, não atribui a necessidade de uma
materialização à territorialidade. Para o autor, embora todo território tenha uma
territorialidade nem toda territorialidade possui um território. Até porque segundo a
lógica capitalista, há uma priorização das problemáticas materiais-funcionais do
território, embora este esteja carregado de valorização simbólica dada a qual o autor
chama de “sociedade do espetáculo” (HAESBAERT, 2009).
Outra forma de abordar a temática da territorialidade, apresentada por Souza
(2007), pressupõe uma flexibilização da visão do que seja o território onde o
“território será um campo de forças, uma teia ou uma rede de relações sociais que, a
par de sua complexidade interna, define, ao mesmo tempo, um limite, uma
alteridade.” (SOUZA, 2007, p. 83). O autor se vale do exemplo do jogo do bicho no
Rio de Janeiro para explicar esse processo. Ele caracteriza o a territorialidade do
jogo do bicho a partir de áreas de influência de cada bicheiro onde há uma relativa
estabilidade que se expressa através do que o autor chama de “pacto político
corporificando-se num pacto territorial” (SOUZA, 2007, p. 83).
A territorialidade, além de incorporar uma dimensão estritamente política, diz
respeito também às relações econômicas, culturais e sociais. Sack (1986)
acrescenta à essa informação:
A territorialidade, como um componente do poder, não é apenas um meio
para criar e manter a ordem, mas é uma estratégia para criar e manter
grande parte do contexto geográfico através do qual nós experimentamos o
mundo e dotamos de significado (SACK, 1986)

A contribuição de Raffestin também é bem esclarecedora nesse sentido:


... a territorialidade adquire um valor bem particular, pois reflete a
multidimensionalidade do “vivido” territorial pelos membros de uma
coletividade, pelas sociedades em geral... Quer se trate de relações
existenciais ou produtivistas, todas são relações de poder, visto que há
interação entre os atores que procuram modificar tanto as relações com a
natureza como as relações sociais. (RAFFESTIN, 1993).

Através da relação entre sistemas existenciais e/ou produtivistas os homens


vivem o processo territorial e o produto territorial ao mesmo tempo. Quando se
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admite que o povo interage com o jogo do bicho permitindo e condicionando as


formas de existência da atividade ilegal e não institucional, há a formação de
possibilidades de uso e ocupação do território que resistem, na maior parte das
vezes, às imposições estatais configurando territorialidades próprias.

2.3 Rede
As redes, ao estimularem os fluxos e a extroversão, se inserem na presente
análise que interpreta o jogo do bicho no que se refere à sua articulação com os
circuitos de fluidez do capital. Entendendo que o conceito de rede subsidiará os
capítulos posteriores, serão tratadas as interpretações de acordo com alguns
autores que contribuíram com essa temática, principalmente na Geografia.
Ueda (2008) ao trabalhar o conceito de rede utiliza como base epistemológica
o Dicionário de Geografia Humana (Dictionary of Human Geography). De acordo
com a interpretação feita pela autora, o termo rede foi apropriado inicialmente pela
Geografia Humana para designar um sistema de transportes e depois foi estendido
para se referir a qualquer tipo de estrutura linear incluindo os limites políticos e
administrativos e as relações sociais. Algumas características próprias das redes
também foram definidas pelo dicionário e identificadas pela autora tais como a
conectividade, a densidade e a orientação.
Ao analisar a territorialidade das organizações criminosas, e mais
especificamente do jogo do bicho, Souza (2007) se vale do conceito de rede para
entender a dinâmica do processo de territorialização:
O processo de constituição de redes de organizações criminosas no Rio de
Janeiro (por exemplo) remete à necessidade de se construir uma ponte
conceitual entre o território em sentido usual (que pressupõe contiguidade
espacial) e a rede (onde não há contiguidade espacial: o que há é, em
termos abstratos e para efeito de gráfica, um conjunto de pontos – nós –
conectados entre si por segmentos – arcos – que correspondem aos fluxos
ou informações) (SOUZA, 2007, pag.93)

Baseado em sistemas sociais, globalização e nacionalismo, propostos por J.


Lévy, Souza (2007) afirma que enquanto o território assume um papel mais
delimitador e centrífugo, definindo a partir de sua superfície, a rede traduz um
caráter de extroversão, de abertura e relação entre espaços, através de uma
topologia de representação definida por pontos e linhas.
Diferentemente da abordagem do referido autor que distingue território de
rede, Raffestin (1988) considera que rede é uma variante territorial, que se manifesta
17

diferentemente de acordo com o tipo de sociedade. Segundo o autor: “a produção


territorial combina sempre, malhas, nós e redes” (RAFFESTIN, 1988)
Ao explicar o território e suas metamorfoses, Santos (1993) também se
apropria do conceito de rede. Para ele a noção de rede tem ganhado terreno nos
estudos territoriais uma vez que o território, hoje, pode ser formado tanto por lugares
contíguos quanto por territórios em rede. E rede, na sua concepção:
... constitui uma realidade nova, que de alguma maneira, justifica a
expressão verticalidade. Mas além das redes, antes das redes, apesar das
redes, depois das redes, com as redes, há o espaço banal, o espaço de
todos, todo o espaço, porque as redes constituem apenas uma parte do
espaço e o espaço de alguns (SANTOS, 1993)

Dessa forma a rede é, sobretudo, uma relação social que prescinde do


território como lugar do seu acontecimento e do seu movimento. Esse limite
instrumental se torna um dos pontos nodais da problemática da pesquisa sobre o
jogo do bicho.

2.4 Imaginário coletivo

Ao investigar a maneira pela qual o imaginário coletivo se constitui como


agente moldador do território construindo novas territorialidades, ou confirmando
aquelas já existentes, torna-se necessário traçar o seu conceito e sua inserção nos
estudos de Geografia Cultural.Tarefa difícil, uma vez que as reflexões que se tem
processado no âmbito das discussões sobre o imaginário são em sua maioria
provenientes de áreas como a Antropologia e Psicologia. Em uma análise de cunho
geográfico torna-se necessário, então, articular os conhecimentos específicos de
sua área com as demais ciências. Neves (1996), nessa perspectiva, atribui ao
imaginário importância fundamental para se entender o território:
O exercício do poder se faz sobre o conteúdo do espaço, transformando em
territórios, não só pelas forças econômicas mas também pelas raízes
culturais onde as imagens e os mitos não podem ser neglicenciados. A
força do imaginário é a única soldadura dos fragmentos dos territórios.
(NEVES, 1996)
Antes de mais nada, um conceito subsidiário, precisa ser posto em relevo.
Segundo o dicionário de língua portuguesa de Ferreira (1999), imagem refere-se
“aquilo que evoca uma determinada coisa, por ter com ela semelhança ou relação
simbólica” (FERREIRA, 1999). Dessa forma a imagem estaria associada a
18

representação do mundo real, expressando-se por meio da capacidade que o


homem tem de construir figurações a partir de objetos da realidade.
A relação simbólica também é destacada nas considerações de Bordieu
(1988) citado por Silva (2000):
O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enumeração, de
fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão de mundo e,
deste modo, a ação, portanto o mundo; poder quase mágico que permite
obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica)
graças ao efeito específico da mobilização, só se exerce for reconhecido,
quer dizer, ignorado como arbitrário. (BORDIEU 1988 apud SILVA, 2000)

Ao tentar entender a maneira pela qual ocorre o processo de construção


imagética de uma sociedade a pesquisa precisa interpretar os símbolos que são
evocados para compor o imaginário coletivo, os quais estão intrinsecamente
relacionados com o lugar, um componente geográfico. Castro (1997) confirma essa
interpretação ao afirmar que “todo imaginário social é também um imaginário
geográfico, porque, embora fruto de um atributo humano – a imaginação – é
alimentada pelos atributos espaciais não havendo como dissociá-los” (CASTRO,
1997)
Backzo (1986 apud AGOSTINI, 2005) também trata do símbolo ao propor que
toda sociedade, desde a mais primitiva até a mais organizada em torno de um poder
instituído e centralizado, é dotada de um imaginário social ou coletivo. O autor parte
do princípio de que a organização social se dá a partir da criação e da manutenção
de bens simbólicos, que são elementos representativos dos anseios, dos desejos,
das aspirações e das necessidades coletivas, através dos quais se legitima a ordem
social. Segundo sua análise:
a função do símbolo não é apenas instituir uma classificação, mas também
introduzir valores, modelando os comportamentos individuais e coletivos e
indicando as possibilidades de êxito dos seus empreendimentos. (BACZKO
apud AGOSTINI, 2005)
Apesar do nome “imaginário popular” sugerir que essa manifestação surge
aleatoriamente, com base tão somente na ilusão, Baczo (apud AGOSTINI, 2005)
insiste em considerar que essas manifestações surgem das especificidades de um
determinado momento e de experiências coletivas marcantes.
Dessa maneira, através do exercício cotidiano da ordenação pelo simbólico,
cada grupo social estabelece suas relações com o meio ambiente, bem como
delimita as extensões dessa identidade grupal através de mecanismos que o
19

diferenciam dos “outros”, que não pertencem a sua coletividade. De acordo com
Teves (2002):
Enquanto sistema simbólico, o Imaginário Social reflete práticas sociais em
que se dialetizam processos de entendimento e de fabulação de crenças e
de ritualizações. Produções de sentidos que se consolidam na sociedade,
permitindo a regulação de comportamentos, de identificação, de distribuição
de papeis sociais. (TEVES, 2002)

Os símbolos produzidos e construídos socialmente denotam a ideia


representativa de realidade mas não são a realidade em si. Assim uma dada
realidade é reconstruída pelo imaginário por intermédio de seus recursos simbólicos.
Para Jung citado por Silva (2008):
o símbolo é um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser
familiar na vida diária embora possua conotações especiais além do
significado evidente e condicional (JUNG apud SILVA, 2008)

Ao evocar a concepção da psicanálise para explicar o imaginário coletivo,


pretende-se entender as capacidades imaginativas do inconsciente. O discípulo de
Freud contribui bastante nesse sentido ao propor uma nova metodologia teórica que
alavanca outros elementos para a compreensão e análise do imaginário popular. De
acordo com Jung (1964) citado por Silva (2008) o inconsciente coletivo seria o
elemento caracterizador do homem histórico e complementar ao conteúdo
consciente constituído por uma linguagem rica em imagens e símbolos.
A constituição do imaginário também perpassa pela formação e pela influência
das instituições sociais, de organizações econômicas ou até mesmo de poderes
instituídos. Mas as simbologias que a compõe não estão somente atreladas à
dimensão humana, como já foi dito a dimensão geográfica também influencia na
formação desse imaginário. Portanto,
o “imaginário popular reporta-se a espaços, produz uma topografia que lhe
é própria e reflete, embora transformando as relações que o homem
estabeleceu com o espaço onde o passado trouxe suas inscrições, dando
assim uma materialidade a memória coletiva (BALANDIER apud CASTRO:
1997).
O processo de representação do imaginário também pode ser associado a
própria construção de uma identidade coletiva. Nesse sentido destaca-se a fala de
Haesbaert (1986): “um dado espaço já nos identifica socialmente”
(HAESBAERT,1986). Dessa maneira, a identidade social é também uma identidade
territorial quando o referente simbólico do imaginário passa pelo território.
20

Como base para as representações do imaginário popular, o território se


constitui também em um componente desse imaginário. O imaginário popular
portanto:
[...] reporta-se a espaços, produz uma topografia que lhe é própria e reflete,
embora transformando as relações que o homem estabeleceu com o
espaço onde o passado trouxe suas inscrições, dando assim uma
materialidade a memória coletiva” (BALANDIER apud CASTRO;1997).

Nessa mesma linha o pesquisador Silva (2008) contribui:

O imaginário social se constituiria numa série de imagens carregadas de


sentimentos e emoções, e elas são fornecidas também através do território,
crivado por sua vez de uma racionalidade pelo qual o poder introduz e
reproduz suas ideologias, de acordo com suas pretensões. (SILVA, 2008)

Os desdobramentos do imaginário popular podem ser percebidos na


afirmação de Balandier citado por Castro onde o “imaginário permanece mais do
que necessário, sendo de algum modo o oxigênio sem o qual toda a vida pessoal e
coletiva se arruinariam” (BALANDIER apud CASTRO: 1997). Essa afirmativa pode
até parecer exagero mas se inferirmos que o imaginário coletivo participa do
processo de territorialização de uma rede criminosa, ela não só faz sentido quanto
norteia a pesquisa.
21

3. UM BREVE HISTÓRICO DO JOGO DO BICHO NO BRASIL

“O homem é único animal que joga no bicho”


Mendes (1932)

Como entender que um jogo inocente, iniciado para angariar dinheiro para o
Jardim Zoológico recém criado no Rio de Janeiro tenha se transformado numa
polêmica contravenção em tão pouco tempo? Estudar a história do jogo do bicho é
um exercício também de compreender a história do Brasil. A vida cotidiana brasileira
do começo do século XX foi o resultado das mudanças que acompanharam a
transição da sociedade brasileira de uma sociedade escravista para outra capitalista.
E o jogo do bicho não ficou inume. Ou melhor, como expressão dessas
transformações, o jogo do bicho não imunizou a sociedade brasileira.

3.1 Jogos de Azar no Brasil

De acordo com Benatte (2002), no Brasil a noção de jogo de azar aparece em


1890 já possuindo um tratamento específico no código penal republicano. Por volta
de 1840, as rifas eram comuns e em 1847 a Loteria Federal já fazia suas extrações.
Costa citado por DaMatta e Soarez (1999) em “O Rio de Janeiro do meu tempo”
observa que até o advento do jogo do bicho, já jogava-se bastante no Rio de
Janeiro. Havia as corridas de cavalo, a pelota e poucos clubes fechados nos quais
se jogava roleta. Os outros jogos da época eram familiares e aconteciam nos lares
como entretenimento social. Era o caso do jaburu, do bacará, da campista, da
víspora, dentre outros.
Ao fazer um recorte histórico entre os anos de 1890 e 1950 sobre os jogos de
azar, sobretudo no Rio de Janeiro, Bennate (2002) analisa o alvoroço provocado por
estes jogos. De acordo com sua interpretação, a paixão pelo jogo escapa à
racionalização geral da vida e expressa como “a fuga da rotina e dos padrões de
subjetividade modelizados pela normas faz-se pela busca de experiências extremas
e limiares” (BENNATE, pag. 18, 2002).
No início do século XX, o jogo de azar passa a receber um outro tipo de
tratamento institucional, apoiado principalmente pelo surgimento do jogo do bicho. A
institucionalização do policiamento contra os jogos de azar consolida-se no final dos
anos 20, com a lei federal 2531, de 27 de março de 1928, que cria a Delegacia de
22

Polícia de Costumes nas capitais dos estados.


Historicamente, de acordo com Bennate (2002), o que se percebe é que os
jogos de azar passam a ser problematizados pelo Estado, e em certa medida por
parte da população, como uma negação à comportamentos valorizados
positivamente: o trabalho, a poupança e o investimento produtivo do capital.
DaMatta e Soares (1999) procuram fazer uma diferenciação entre o jogo do
bicho e os demais jogos de azar. Inspirados em Lévi-Strauss, eles entendem por
jogo uma situação em que os jogadores partem de uma igualdade prévia, uma vez
que todos estão submetidos a um mesmo conjunto de regras. A partir do resultado
de suas ações, essa simetria inicial se transforma em desigualdade, já que o jogo
engendra ganhadores e perdedores. Em jogos de azar, o jogador pode ter fortes
intuições, mas a situação e seu desempenho no decorrer da partida são básicos no
sentido de mudar sua estratégia e seus movimentos. Nos jogos de azar anteriores
ao jogo do bicho, há o palpite mas não há um sistema de advinhação fixo e bem
estruturado anterior às apostas, integrado ao sistema cultural no qual vive o jogador.
No jogo do bicho, porém, as apostas são feitas em termos de um um saber baseado
num imenso conjunto de mensagens simbólicas que dão origem ao chamado
“palpite”. Esta simbologia em torno do jogo do bicho não só influencia na aposta do
jogador como explica seu processo de formação e territorialização como se verá a a
seguir.

3.2 Os jogos de azar para a legislação brasileira

DaMatta e Soárez (1999), ao analisarem o jogo do bicho por meio de uma


perspectiva sociológica, fazem uma retrospectiva do processo de marginalização
sofrido pelo jogo e concluem que a perseguição foi determinada pelo acordo secreto
entre orgãos de repressão e a Loteria Federal, que queria encontrar campo livre
para suas futuras apostas quando fosse lançado o sistema. Resulta desse acordo a
primeira legislação com o objetivo de desarticular a estrutura dos jogos de azar. Em
janeiro de 1895, o poder executivo nacional sanciona o decreto de número 126 que
proibia as rifas e loterias praticadas por civis. Os jogo do bicho não escapou à ação
policial, mas estava de tal forma estabelecido junto ao povo que, já no ano de 1985,
existia o recurso alternativo de vender a loteria sob a aparência de seguro de vida e
pecúlio.
23

No entanto o combate ao jogo do bicho sempre foi esporádico e local, movido


inteiramente pela polícia. No ano de 1899, o chefe de polícia encaminha ao então
prefeito do Rio de Janeiro Cesário Alvim um ofício no qual pede que cessem as
concessões para exploração dos jogos de azar, constantemente emitidos pelo
Executivo Municipal, com o argumento de que estas concessões vão de encontro ao
esforço da polícia no combate ao jogo.
Mas nem sempre a Polícia concentrou esforços para acabar com o jogo do
bicho. Em 1913, o chefe de polícia da época, Sr. Belisário Távora, é acusado de
conspirar com os empresários do jogo e acaba perdendo seu cargo. Esse
escândalo, somado a todos os outros que aparecerem no decorrer dos anos,
exprime um relacionamento permeado de ambiguidades e contradições entre
bicheiros e policiais, presente até hoje.
O ano de 1917 é marcado por uma ação mais ambiciosa no combate ao jogo.
Em agosto deste ano tem início uma campanha pública sem precedentes contra o
Jogo do Bicho, que ficou conhecida como operação “Mata-Bicho”. Durante três
meses, toda a polícia da cidade ficou mobilizada na campanha que efetuou centenas
de prisões e fechou 868 casas de apostas do jogo do Bicho. Apesar de seu furor, a
campanha foi alvo de inúmeras críticas que puseram em questão sua legalidade
dividindo a opinião pública e colocando parte do povo em oposição à polícia.
Segundo o deputado Maurício Lacerda citado por DaMatta e Soárez (1999) a forte
repressão ao jogo do bicho tem origem na pressão exercida pelos Diretores da
Companhia das Loterias Nacionais que, de acordo com a opinião dessas pessoas,
chegam a financiar a operação policial e a repressão. O resultado de toda a
polêmica gerada foi o fim da campanha no mesmo ano de 1917.
Somente quase três décadas depois, em 1941, o jogo do bicho é colocado na
ilegalidade novamente. O decreto-lei 3688/41 denominado “Lei das Contravenções
Penais” criminaliza todos os jogos de azar. O capítulo VII “Das Contravenções
Relativas à Polícia de Costumes”, no artigo 50 considera como jogo de azar “o jogo
em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte”.
(BRASIL, 1941)
Duas décadas depois, em meados dos anos 60, o governo estatizou de vez
os jogos, criando as loterias esportivas. A intenção na época era tentar acabar com
o jogo do bicho, que representava uma fonte de renda muito promissora para os
bicheiros e pessoas envolvidas com a contravenção. Mas apesar da criação da lei
24

não atingir o jogo do bicho diretamente, a ideia gerou lucros significativos para o
estado.
Em 1993, o cenário da jogatina mudou e casas de bingo começaram a se
multiplicar no país inteiro. Uma nova lei, conhecida como Lei Zico, abriu o
precedente. No cargo de ministro dos Esportes, o ex-jogador do Flamengo adaptou
para o Brasil uma experiência espanhola em que os recursos obtidos com bingos
são revertidos para o esporte. A Lei Zico determinava que entidades esportivas
oficiais, com a fiscalização do governo federal, poderiam operar casas de bingo
desde que 7% do faturamento bruto fosse investido em programas sociais. Como as
tais entidades esportivas não tinham dinheiro para viabilizar negócios tão vultosos,
ficou estabelecido que seriam permitidas parcerias com a iniciativa privada. A partir
daí novas leis surgiram, outras regras foram estabelecidas e não se criou uma
legislação específica para uma modalidade de jogo que, no fim das contas, acabava
com o monopólio do Estado sobre a atividade.
De maneira geral, o modelo brasileiro atual de interpretação dos jogos de azar
é simples. O governo federal detém o monopólio de todos os jogos de azar no Brasil
desde a década de 1940. Até mesmo os jogos controlados pelos estados da
federação são considerados ilegais para a legislação, já que representam uma
concorrência direta com as loterias federais.
A partir de 10 de julho do presente ano o jogo do bicho e a exploração de
máquinas caça de níqueis podem ser considerados crimes e ter punições mais
rígidas. Sancionada pela presidente Dilma Roussef no dia 09/07, a Lei n o 12.683/12
alterou a Lei 9.613 de 1998, para tornar mais eficiente a repercução penal desse tipo
de crime, já que a regra vigente até então listava poucos delitos como antecedentes
para a caracterização de lavagem. Essa ampliação aumentará os casos que
poderão ser investigados com base na lei de lavagem e também a possibilidade de
maior recuperação de ativos (bens e valores) ilícitos.
A criação da referida lei se justifica pelo fato de terem surgido, sobretudo na
última década, diversas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) que investigam
o jogo do bicho e seu envolvimento com esquemas de corrupção e lavagem de
dinheiro. A mais famosa das CPI´s, que investiga o bicheiro Carlinhos Cachoreira,
ganhou inclusive bastante destaque da mídia esse ano.
Com relação à Belo Horizonte, desde março desse ano existe uma CPI para
investigar o jogo do bicho na capital. De acordo com seu presidente, o vereador
25

Cabo Júlio (PMDB), a récem criada comissão tem por objetivo apurar o avanço da
atividade ilegal em Belo Horizonte, apontando locais e pessoas envolvidas com o
jogo do bicho na cidade e região metroplolitana.

3.3 Breve histórico do processo de criação do jogo do bicho

Criado em 1882 por João Baptista Vianna Drummond (1825 – 1897), o futuro
barão de Drummond, o jogo do bicho surgiu sem nenhuma pretensão de conquistar
o status que adquiriu tempos depois da sua criação e que perdura até hoje. Mas
antes de se tornar barão e empreendedor de ideias novas, João Baptista Vianna
Drummond atuou no comércio do Rio de Janeiro, importando vinho e Caxemira da
Europa. O primeiro sucesso que obteve no mundo das finanças foi fruto da
especulação da Bolsa de Valores no Rio de Janeiro.
No ano de 1872, João Baptista Vianna Drummond compra uma vasta chácara
na encosta da serra do Engenho Novo, que no ano seguinte dá lugar à primeira área
residencial planejada da cidade: o bairro de Vila Isabel. O primeiro leilão para venda
pública dos lotes de Vila Izabel aconteceu no ano de 1874, mas a grande atração do
bairro só surgiria em 1888, com a fundação do Jardim Zoológico de Vila Izabel.
Quando o Zoológico começou a funcionar, Drummond se deu conta dos elevados
custos de manutenção de uma empresa desse tipo e acionou suas estratégias com
a Coroa a fim de mobilizar recursos do Estado para viabilizar financeiramente seu
empreendimento. Dois meses depois, ele consegue a verba de 10 contos de réis
anuais sob a rubrica de gastos com a agricultura. Porém, com a proclamação da
República, em 1889, a ajuda passa a ser vista como favoritismo monárquico, sendo
portanto suspensa.
Com a finalidade de resolver o problema de falta de recursos do
empreendimento do Barão, no ano de 1890 a Câmara Municipal do Rio de Janeiro
firma um novo acordo com a empresa do Jardim Zoológico que dava ao barão o
direito de estabelecer e explorar, dentro dos limites do Jardim Zoológico, “jogos
públicos lícitos”, sujeitos evidentemente à fiscalização policial.
Em julho de 1892, dando sequência à vertiginosa proliferação de loterias e
jogos surgidos após a proclamação da República, o barão institui uma espécie de
sorteio envolvendo seus animais. O chamado “sorteio dos bichos”, que objetivava
aliviar as dificuldades financeiras atravessadas pelo Jardim Zoológico, foi anunciado
26

em vários jornais cariocas.


Com o sorteio dos bichos, o barão obtém dois resultados básicos. Primeiro,
usa a permissão oficial para estabelecer jogos no recinto do seu Zoológico. Em
segundo lugar, ele acata a sugestão do mexicano Manoel Ismael Zevada, que
bancava um jogo chamado “jogo das flores” num sobrado no centro da cidade do
Rio de Janeiro. A adaptação feita pelo barão, de acordo com DaMatta e Soárez
(1999, pág.68), foi genial na medida em que relacionou duas séries opostas, mas
simbolicamente muito ricas em poder evocativo e simbólico: números e animais,
que, conjugados, formaram a matriz do nosso jogo do bicho.
Essa adaptação, do jogo dos bichos para os jogos das flores, deu origem à
lista dos 25 bichos tal como a conhecemos até hoje em todo o Brasil:
1=Avestruz; 2=Água; 3=Burro; 4=Borboleta; 5=Cachorro; 6=Cabra; 7=Carneiro;
8=Camelo; 9=Cobra; 10=Coelho; 11=Cavalo; 12=Elefante; 13=Galo; 14=Gato;
15=Jacaré; 16=Leão; 17=Macaco; 18=Porco; 19=Pavão; 20=Peru; 21=Touro;
22=Tigre; 23=Urso; 24=Veado; 25=Vaca.
A lista, além de reunir alguns animais do Zoológico do Barão, possuía
também outros que povoam a imaginação social ocidental e brasileira, como o
cachorro, o gato, o cavalo, o burro, a vaca, o galo, o porco e a borboleta. Em
nenhuma fonte pesquisada, foi possível descobrir como o barão constituiu a lista
definitiva de seus bichos, mas é unânime o relato da simplicidade da estrutura
básica do jogo, à ocasião de sua criação. Camilo Paraguassu citado por DaMatta e
Soárez (1999) foi um dos raros memorialistas do jogo do bicho e confirma:
Um dia, os bilhetes de ingresso do Jardim Zoológico apareceram com a
figura de um bicho e os seguintes dizeres (aproximadamente): “Se a figura
do bicho contida neste bilhete for igual a que se encontrar no quadro que se
acha no interior do Jardim, o portador receberá vinte vezes o valor de sua
entrada.” (PARAGUASSU apud DAMATTA & SOÁREZ, 1999, p.69)
Após certa indiferença social, o jogo no Zoológico passa a atrair verdadeiras
multidões. Aos poucos, a promoção criada como um meio de atração do público
tornou-se um fim em si mesma e muitos dos que afluíam às bilheterias do Jardim
Zoológico pouco se interessavam em ver o espetáculo proporcionado pelos animais,
pois seu objetivo era arriscar algum dinheiro no “sorteio do bicho”.
A pesquisa histórica sobre o jogo do bicho, elucidada por DaMatta e Soárez
(1999) revela que o jogo do bicho passou por duas etapas. Na primeira etapa, era
27

um jogo inocente e simples. Os visitantes chegavam ao Jardim Zoológico e não


escolhiam o bicho que vinha impresso em seus bilhetes, pois a relação bicho-
ingresso não dependia da escolha do comprador, e sim da ordem de venda dos
bilhetes. Esse ingresso dava direito ao comprador de concorrer a um prêmio no final
do dia. O papel de apostador-jogador estava subordinado ao de visitante do
Zoológico, ou seja, o visitante era um jogador passivo quando adquiria os ingressos.
Nesta etapa do jogo, não havia ganhador/apostador, apenas um visitante cujo
ingresso era sorteado. Rapidamente, porém, esse espírito de sorteio se transforma.
Nessa segunda etapa, o papel do visitante fica subordinado ao de jogador. Em
consequência, a visita ao Zoológico separa-se do gosto pelo sorteio, pois uma
pessoa poderia ir ao zoológico não mais para visita-lo, mas para simplesmente
testar sua sorte no jogo. Essa mudança de foco permite caracterizar a atividade
presidida pelo barão não mais como um simples sorteio e sim como um novo jogo
de azar. Nessa fase, os visitantes/apostadores chegam aos guichês do zoológico
escolhendo os bichos que queriam ver inseridos nos seus bilhetes. Uma demanda
que indica a motivação do apostador alimentado pela excitação da aposta e do
eventual ganho. Características típicas de jogos de azar.
Entre os anos de 1892 e 1894, o jogo do bicho passa por uma fase que
DaMatta e Soárez (1999, p.72) denominam de “fase amadora”. Nessa fase, o jogo
do bicho fica restrito aos limites do Zoológico, sob comando exclusivo do Barão de
Drummond, e é uma atividade legalizada e institucionalizada. A partir dessa primeira
etapa, porém, o caráter do jogo do bicho começa a mudar. De fato, no período que
vai de 1894 a 1895, o jogo do barão se torna de tal modo popular que muitas
pessoas passam a visitar o zoológico com o único objetivo de especular em torno do
prêmio:
Agora , o jogo começa a constituir um fim em sim mesmo, pois nessa fase o
povo visita as jaulas do Zoológico com o intuito ambíguo de ver os animais
presos e “acertar” neles. Paradoxalmente, os bichos começam a ser soltos
na selva do imaginário urbano carioca. (DAMATTA & SOÁREZ, 1999. Pág.
74)
O fato mais importante desse período é o surgimento de intermediários que
passam a financiar o jogo do bicho por conta própria, criando uma primeira rede
organizacional de suporte ao jogo do bicho. Mas, como o centro do sorteio
continuava a ser o Zoológico do Barão, muitos especuladores compravam grandes
28

quantidades de bilhetes no Jardim e aguardavam do lado de fora o anúncio do bicho


que foi sorteado. Por outro lado, como os bilhetes podiam ser vendidos em qualquer
outro ponto da cidade, o jogo começa a demandar sua própria organização. Com
isso, cria-se a figura do mediador ou do bookmaker, como foi comumente chamado,
que comprava grande quantidade de ingressos e bancava o jogo por sua própria
conta, formando uma freguesia particular.
A inovação promovida pelos bookmakers facilitou as apostas ao permitir que
as pessoas jogassem sem deixar seus bairros e residências, o que fez com que o
monopólio espacial do barão findasse. Mas, como bom empreendedor que era, o
barão percebe a o sucesso irreversível do jogo e permanece ativo. Ele inaugura
escritórios em vários pontos do Rio e, por meio dos seus agentes, espalha o jogo
por vários pontos comerciais, abrindo aos negociantes a venda de grande
quantidade de bilhetes.
DaMatta e Soárez (1999) fazem uma distinção dos três grupos que
exploravam o jogo do bicho entre os anos de 1894 e 1895: dos agentes do barão,
dos bookmakers e dos comerciantes em geral. Com isso, criam-se vários centros de
jogo do bicho, com uma consequente coexistência de vários sorteios. Junto com os
sorteios do Zoológico, aparecem outras maneiras de extrair o bicho do dia.
Uma das alternativas encontrada foi o atrelamento do resultado do bicho a
números legais. Estes números tanto podiam ser as loterias permitidas por lei, ou as
rendas das alfândegas ou qualquer outro número institucional que era publicado
diariamente. A escolha dependia das variantes locais uma vez que o jogo do bicho já
havia se espalhado para outras partes do Brasil sendo encontrado já nos anos
iniciais de existência registros em cidades do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e
Espirito Santo.
Em meados da década de 1960, a complexidade do jogo do bicho demandou
dos bicheiros que possuíam mais de um território a unificação do sorteio fazendo
que os resultados pudessem ser reconhecidos independente do local em que as
apostas eram feitas. A ideia de um sorteio único, válido para a maior parte das
bancas de jogo do bicho do Rio de Janeiro surgiu com o PARATODOS, que passa a
ser adotado pela maior parte dos banqueiros e que é utilizada até hoje. O resultados
dos sorteios pode ser facilmente encontrado em uma busca rápida na internet.
O chamado combate ao jogo do bicho, o qual já foi referido em item anterior,
sempre foi esporádico e local. Mas a repressão enfrentada pelo jogo, através das
29

leis e ações já citadas, marca uma etapa importante na própria história do jogo do
bicho. É a repressão, para DaMatta e Soárez (1999, pág. 82) que dá vida ao jogo do
bicho como instituição reconhecida pelo Estado, criando as condições necessárias
para sua unificação. Segundo estes autores, sem ação policial, dificilmente os
agentes do jogo poderiam se unir contra os agentes do aparelho do estado:
A repressão organizada, agindo sistematicamente, valorizou a atividade e
nela criou uma autoconsciência valorativa e defensiva, forçando-a também
a se organizar. Se o jogo era um passatempo inconsequente e
esperançoso, agora que os decretos oficialmente o pintavam como um
descaminho moral para a classe média, ele se transformava em atividade
tentadora e interessante – principalmente porque era proibida. (DAMATTA &
SOAREZ, 1999. Pág. 82)
Com a perseguição ao jogo, o grande paradoxo criado foi sua incondicional
aprovação popular, o que lhe dava legitimidade social, contra uma elitista e mal
intencionada proibição legal, que fazia com que o governo passasse a ser visto
como um inimigo em comum e tornava a polícia presa fácil aos banqueiros jogo.
No que tange ao processo de criminalização do jogo do bicho, a interpretação
de Magalhães (2005) acrescenta um rico debate à ideia colocada por DaMatta e
Soárez (1999). Para este autor, colocar o bicho na ilegalidade obedecia ao desejo
do Estado, que naquele momento acabava de se tornar republicano, de obter um
controle social e ao mesmo tempo modernizar o espaço público. Afinal, um “projeto
modernizante, representado pelo parque dos animais, não poderia conviver com um
dos traços do ‘atraso colonial’, ou seja, a jogatina desenfreada.” (MAGALHÃES,
2005, p. 57). Uma ambiguidade, que para ele, acompanhou a perseguição ao jogo
do bicho e a outros jogos populares durante décadas.

3.4 Rápida repercussão do Jogo do Bicho

Ao investigarem o modo pelo qual o jogo do bicho se firmou como loteria


clandestina mais popular do Brasil, DaMatta e Soárez (1999) lançam a hipótese de
que tal quadro foi facilitado por um conjunto de jornais de publicação diária,
exclusivamente dedicados a fornecer palpites para o jogo. Esses periódicos
começaram a surgir já nos primeiros anos do século em todas as cidades brasileiras
e são, de acordo com o autor, importantes ferramentas para se entender o processo
de difusão por qual passou o jogo do bicho.
30

Esses jornais, exclusivamente dedicados a palpites, eram compostos de


diversas seções. Ao lado desses palpites, havia também os cálculos estatísticos,
que mostravam por meio da lógica os bichos com maior probabilidade de sair. Os
jornais ainda ofereciam aos leitores uma estatística dos acertos.
A publicação de períodos exclusivamente dedicados ao jogo do bicho é uma
prova do seu sucesso e de sua grande infiltração nos hábitos dos cariocas. Além
disso, os jornais mostram também a plasticidade da população de jogadores. Não
são apenas as pessoas de classes menos favorecidas que apostam, mas também o
povo letrado, que sabe ler em uma época em que não havia democratização da
educação. Essa plasticidade do jogo do bicho vem da sua capacidade de se permitir
que se aposte em qualquer número, em qualquer bicho, e na quantidade que se
deseja, satisfazendo todos os gostos e ambições.
DaMatta e Soárez (1999, p.86) elaboram uma retrospectiva dos jornais que
atuavam no Rio de Janeiro no ano de 1903 e destacam os periódicos A Mascote, O
Talismã, O Bicho, A Ronda, O Rio Nu e O Palpite que eram exclusivamente
dedicados ao jogo do bicho. Mas havia também grandes jornais, como o Jornal do
Brasil, que tinham suas colunas de palpites. Tal exemplificação vem ao encontro da
afirmação dos autores ao dizerem que “com os jornais, o bicho toma conta de todo
o Brasil”. (DAMATTA & SOÁREZ, 1999, p.87)

3.5 Os bicheiros e a estrutura hierárquica básica do jogo do bicho

Com base na pesquisa de Eugênio C. Cavalcanti citado por DaMatta e Soárez


(1999, p.84), os primeiros grandes banqueiros de bicho seriam, em sua grande
maioria imigrantes (principalmente árabes, espanhóis e portugueses) porque podiam
de certa maneira se arriscar em atividades proibidas por lei já que eram
estrangeiros. Essas pessoas não tinham raízes no Brasil e não eram obrigadas a
compartilhar os códigos de honra locais, além de poderem levar uma existência
social semimarginalizada, o que certamente facilitava o risco de desafiar a lei.
A figura do bicheiro para o jogador representa um elo definido por lealdade e
confiança uma vez que ele representava para a população um código de ética mais
confiável do que o representado pelo estado. De acordo com a historiadora Amy
Chazkel citada por HAAG (2011):
“A lendária confiança nos operadores do jogo nasceu do contraste implícito
com os operadores não confiáveis do Estado. Para a maioria dos brasileiros
31

que não eram da elite, o Estado era sinônimo de sistema judiciário criminal
e ponto” (CHAZKEL apud HAAG, 2011)
Como o jogo do bicho também possuía uma ligação muito forte com a cultura
popular, muitos dos seus primeiros banqueiros foram os empreendedores pioneiros
do entretenimento nacional. Um dos exemplos selecionados por Haag (2011) foi um
dos introdutores do cinema no Brasil, Paschoal Segreto. Os ganhos do submundo
do bicho permitiram a muitos empreendedores investirem nas suas ideias. Outro
exemplo da relação entre cultura popular e o jogo do bicho, e consequentemente
dos bicheiros, foi o samba. Mas o assunto será explorado em outro tópico com mais
afinco.
Analisando a hierarquia do jogo do bicho no Brasil, DaMatta e Soárez (1999,
p. 160) afirmam que sua estrutura tem a forma de pirâmide. No topo há uma cúpula
formada por sete banqueiros capazes de decidir os rumos do jogo para todo o país,
com exceção do Ceará e Pernambuco. A cúpula também nomeia representantes por
área. No caso do estado do Rio de Janeiro, existem 5 áreas: Centro, Zona Norte,
Zona Sul, Baixada Fluminense e Interior. Para cada uma existem mais 5
representantes. Estes 25 homens que comandam as áreas somados aos sete da
cúpula, gerenciavam o jogo em todo o estado pelo menos até a década de 1990,
período de análise da pesquisa desses autores.
Num segundo plano, estão os gerentes do ponto, que recebem 10% do total
das apostas. Do total recebido, o gerente retira o pagamento diário de seus
funcionários e o pagamento para a polícia. Os 90% restantes vão direto para os
banqueiros, responsáveis pelo pagamento dos prêmios aos apostadores. Abaixo do
gerente está o caixa, aquele que recebe o dinheiro das apostas. Por último, existem
também os “escreventes”, “anotadores” ou “aranhas” que são os que tomam nota
das apostas dos jogadores.
Existem também os que trabalham na apuração do resultado bem como os
“transportadores”. Esses últimos são os que passam o dia percorrendo os pontos
dos banqueiros, recebendo o dinheiro das apostas e levando os prêmios em dinheiro
a serem pagos aos trabalhadores.

3.6 O jogo do bicho e sua relação com o Carnaval e o tráfico de drogas

A antropóloga Laura Viveiros de Castro citada por Haag (2011) observa que
desde o seu surgimento, as escolas de samba colhiam contribuições para os
32

desfiles com a colaboração de bicheiros. Segundo a pesquisadora, autora de


“Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile”, as escolas de samba permitiram a
integração positiva dos bicheiros à sociedade metropolitana. Escolas até então
pouco competitivas, como a Mocidade ou a Beija-Flor, passaram a ter destaque no
carnaval em razão do patrocínio dos bicheiros. Essa parceria entre bicheiros e
presidentes de escolas de samba, reforça o controle da rede do bicho sobre seus
territórios, além de revelar uma outra face da hierarquia da clandestinidade na
cidade. O investimento do bicheiro nas escolas de samba era também um
investimento social cujo retorno era o prestígio e a simpatia da população. Os
historiadores Luiz Antonio Machado e Fillipina Chineli citados por Haag (2011)
completam:
Envolvendo-se com as escolas, os banqueiros do bicho ganhavam o que
precisavam para desenvolver seus negócios em paz. Acho possível também
que a ligação com as escolas de samba tenha sido uma espécie de
lavagem de dinheiro do jogo.(MACHADO e CHINELI apud HAAG, 2011)

Os pesquisadores acima citados são autores do estudo “O vazio da ordem:


relações e políticas entre as escolas de samba e o jogo do bicho”. Segundo eles, foi
a partir da década de 1960 que se consolida a “patronagem” nas escolas,
coincidindo com o momento em que o município e o governo federal e estadual
repassam a responsabilidade financeira do carnaval à esfera privada. Também
coincide com esse momento, a mudança da estética dos desfiles que deixa
considerada uma festa para passar a ser um show, o que faz com que os custos da
produção cresçam consideravelmente. De acordo com a análise dos pesquisadores,
as escolas de samba aceitam esse apoio de forma pacifica sem questionar sua
legitimidade por causa da interseção sociocultural do jogo do bicho, afinal:
O próprio samba precisou se legitimar e se tornas ‘legal’, ao se organizar
nas escolas de samba, para passar de ‘transgressão’ para a ordem. Ao
mesmo tempo, samba e bicho sempre foram atividades relacionadas entre
si porque eram comuns ao mesmo estrato social. (MACHADO e CHINELI
apud HAAG, 2011)
Embora não haja um consenso no que se refere à ligação entre o jogo do
bicho e o tráfico, de acordo com o geógrafo Helio de Araújo Evangelista citado por
Haag (2011), é plausível pensar a vinculação entre o jogo do bicho e o narcotráfico.
De acordo com o autor, é possível notar sinais claros da decadência do jogo do
33

bicho a partir da década de 1990 enquanto o tráfico apresentava crescimento. Isso


não quer dizer, de acordo com sua análise, que as pessoas do jogo não tenham
migrado para o tráfico, mas esse não tem mais na contravenção a base de sua
operações, como no início. Uma das conclusões da pesquisa é a de que parece que
ter ocorrido uma absorção por parte dos traficantes quanto as formas de corrupção
de policiais e autoridades e formas de investimento para conseguir apoio da
comunidade.
Pensar no jogo do bicho em um bairro tradicional como o de Santa Tereza
requer o aprofundamento dessa questão além das outras já abordadas. Coube ao
presente trabalho tentar responder as seguintes algumas destas questões: “o jogo
do bicho em Santa Tereza cedeu lugar à outras manifestações de crime como o
tráfico de drogas”, “de que maneira ele se territorializou?” e “ele resiste até hoje
devido a quais fatores socioespaciais?”, “há uma relação social especifica entre o
bicheiro e a comunidade em Santa Tereza tão qual acontece no Rio de Janeiro?”
34

4. O JOGO DO BICHO NO BAIRRO DE SANTA TEREZA

4.1 O bairro de Santa Tereza

O bairro de Santa Tereza ocupa atualmente uma área correspondente a


84,292 km2 , delimitada ao norte pela Rua Pouso Alegre, ao sul e a leste pela Rua
Conselheiro Rocha, e mais a oeste pela Av. Flávio dos Santos e Av. do Contorno,
com uma população estimada, de acordo com dados do IBGE 2010, em 15.526
habitantes. Fronteiriça a leste com a linha de trem, o bairro ainda possui o rio
Arrudas como barreira natural para a comunicação viária com regiões vizinhas como
Santa Efigênia, Pompéia, Esplanada.
Do ponto de vista topográfico, WESTIN (1999), situa Santa Tereza num platô
de vertentes de inclinação média e homogênea e larga cumeeria que corresponde
às ruas Hemílio Alves, Mármore e Salinas e à Praça Duque de Caxias e seu
entorno. Com relação ao platô observa-se uma declinação progressiva em direção à
linha do trem e à avenida dos Andradas, e no sentido oposto, em direção à rua
Pouso Alegre.
A uma distância relativamente pequena do centro de Belo Horizonte, durante
décadas só era possível ter acesso ao bairro por duas vias: Floresta ou Horto.
Mesmo que isso não seja uma realidade nos dias atuais, geograficamente o bairro
de Santa Tereza mantém um relativo isolamento por não ser corredor de passagem
para nenhum outro bairro. As linhas de ônibus que passam por Santa Tereza são,
inclusive, destinadas ao próprio bairro.
Em 1983, para facilitar a gestão e a administração do território, foram criadas
unidades administrativas que ficaram conhecidas como regionais. Atualmente são
nove as regionais da cidade: Barreiro, Centro-Sul, Leste, Nordeste, Noroeste, Norte,
Oeste, Pampulha e Venda-Nova. Santa Tereza faz parte da região Leste. Com a
subdivisão de sua área total em 4 Unidades de Planejamento (UP), a Região Leste
agrupou Santa Tereza com os bairros Colégio Batista, Floresta (parte), Horto, Horto
Florestal, João Alfredo, Sagrada Família, São Vicente e Vila Dias, todos
pertencentes ao subgrupo L2.
35

Figura 1 – Mapa de localização de Santa Tereza em Belo Horizonte


36

4.1.1 Breve histórico

Segundo Goes (2001), o processo de formação do atual bairro de Santa


Tereza tem mais de 100 anos e coincide, em tempo, quase que simultaneamente à
história de Belo Horizonte. O plano da nova capital, elaborado por uma equipe de
engenheiros, arquitetos e outros técnicos, previa uma cidade dividida em três áreas:
uma área central, denominada urbana; em torno desta, uma outra denominada
suburbana; e a terceira área, chamada rural. A avenida que contornava a área
planejada ficou e é conhecida até hoje como Avenida do Contorno.
Mesmo com seu plano apenas parcialmente implementado e com as obras
ainda não finalizadas, a nova capital de Minas Gerais foi inaugurada em 12 de
dezembro de 1897. A população de Belo Horizonte nesse período era formada pelos
antigos habitantes do arraial, por funcionários públicos que vieram de Ouro Preto e
por trabalhadores e imigrantes estrangeiros que foram empregados na construção
da cidade, no comércio e nas colônias agrícolas que foram criadas em torno da
parte central.
Figura 2 – Planta geral de parte da cidade de Belo Horizonte - 1929

Belo Horizonte, Planta geral da cidade de parte de Belo Horizonte, organizada pela 1ª Seção da Subdiretoria de
Obras em 1928-1929. Belo Horizonte: [s.n], 1929. Planta. Acervo APCBH, Acervo Cartográfico Avulso
(disponível in http://goo.gl/lWEmh. Acesso em 11/11/12. Adaptado)
37

A área urbana, dentro dos limites da Avenida do Contorno, recebeu mais


infraestrutura que as demais e concentrou a maior parte dos serviços como água,
luz e esgoto. Por outro lado, as áreas fora dos limites da avenida do Contorno
cresceram de forma desorganizada sem receber a mesma infra-estrutura. Isso não
impediu, no entanto, o surgimento de bairros nas áreas limitrofes à contorno e um
exemplo é o bairro de Santa Tereza.
Oficialmente, de acordo com o projeto urbano de criação da nova cidade, a
área de Santa Tereza foi, então, considerada uma área de subúrbio por estar fora do
anel delimitador da cidade oficial. Na carta do projeto da cidade, a denominação da
região ficou estabelecidada como 7ª Seção Suburbana, nome que se mantém até
hoje para registros formais.
O início do processo e ocupação de Santa Tereza pode ser explicado, em
grande medida, pelo fato do bairro ter abrigado durante muito tempo o Centro de
Imigração da capital. A partir de 1896, o governo mineiro criou cinco colônias de
imigrantes em Belo Horizonte. Uma delas, a de Ribeirão da Matta, tinha 144
hectares, dividida em 75 lotes com 10 mil a 20 mil metros quadrados cada um.
Possuiu alguns nomes: Ribeirão da Matta, Córrego da Matta e Américo Werneck,
numa homenagem ao ex-diretor do departamento de Terras e Colonização. O
primeiro empreendimento foi um prédio de dois andares, uma espécie de hotel para
Imigrantes. Hoje, a edificação dá lugar ao Colégio Tiradentes, localizado na praça
Duque de Caxias, conhecida como “pracinha de Santa Tereza”. A existência do
Centro de Imigração explica o motivo pelo qual o bairro teve sua ocupação originária
de imigrantes, em sua maioria italianos.
A presença destes imigrantes posteriormente mesclou-se com a dos militares,
que deixou sua marca tanto nas relações sociais quanto na toponímia do bairro. As
ruas com nomes de patentes militares se destacam entre as numerosas
demoninações de minerais. A praça Duque de Caxias, não deixa dúvidas dessa
influência que se refletiu também na tradição musical do bairro. De acordo com
Goes (2001) a presença cotidiana da banda do quartel foi de extrema importância
para o traçado cultural do bairro.
Outro fato marcante do processo de ocupação do bairro está relacionado à
presença de um hospital que tratava pacientes com tuberculose, considerada
incuravél à época, e outras doenças que exigiam o isolamento dos pacientes. O
hospital, criado em 1910, acolheu também boa parte dos doentes durante a
38

epidemia de Gripe Espanhola que atingiu a cidade em 1918. Depois do seu


fechamento, que ocorreu muito devido à pressão dos moradores, o hospital fechou
cedendo lugar ao Mercado Distrital de Santa Tereza. Durante muito tempo, porém,
justificou a denominação do bairro como “região do isolado”.
Além de “região do isolado”, uma espécie de apelido discriminatório, outros
foram os nomes do bairro antes do atual, tais como Colônia Américo Werneck,
Bairro da Imigração, Alto do Matadouro, Bairro do Quartel e Fundos da Floresta.
Somente em 1928 o bairro recebeu a atual nomenclatura. Não há um consenso
sobre a explicação do nome de Santa Tereza. De acordo com a bibliografia
consultada, muitas são as versões:
1) Inspiração no bairro carioca de Santa Tereza.1

2) Referência à imagem da santa espanhola Santa Tereza D´Avila, padroeira da


paróquia local;2

3) Sugestão dos moradores para o letreiro do bonde que ia para o bairro tendo
como referência a igreja.3

Os estudos de Goes (2001) apontam outra influência marcante no bairro: a


igreja católica. Iniciada sua construção em 1931, em estilo colonial mineiro, passou a
funcionar em 1935, contudo, a obra foi finalizada somente na década de 1960. A
longa duração da construção da igreja mobilizou os moradores, que promoviam
festas e eventos para arrecadar fundos para a finalização das obras. Para Westin
(1998), que em estudo sobre o bairro de Santa Tereza entrevistou alguns
moradores, a Igreja é uma referência inescapavél. Segundo a autora a igreja tornou-
se um marco importante na memória das pessoas mais velhas e criou fortes laços
com a população.
Outro importante fato histórico que influenciou a formação do bairro de Santa
Tereza, foi o surgimento do bonde na capital mineira. As áreas de Santa Tereza que
estavam mais afastadas na Avenida do Contorno, e consequentemente do centro,
receberam loteamento da prefeitura e tiveram a oportunidade de estabelecer
comunicação com o restante da cidade. Em 1926, o bonde já chegava à rua
Mármore, principal rua do bairro. A proximidade do centro e a criação de via de

1
BAGGIO (2005)
2
WESTIN (1998)
3
GOES (2001)
39

comunicação direta, o bonde, estimularam ainda mais a sua ocupação e a


diversificação de seu comércio.
Na década de 1940 o bairro passou a contar, em suas principais ruas, com
calçamento e iluminação. Mas, mesmo assim, não possuÍa ainda uma infraestrutura
completa com uma gama de serviços públicos eficiente. Até a década de 1960, por
exemplo, não havia fornecimento de água sendo necessário aos moradores, em
determinados momentos, a utilização de carros pipas que buscavam água nos
bairros vizinhos. Esse desconforto vivenciado pelos residentes de Santa Tereza
pode ser explicado em grande medida pelo fato do bairro ter a predominância de
ruas estreitas e ausência de grandes avenidas que facilitasse o fornecimento de
serviços públicos. Mas se essa característica pode ser uma justificativa para a falha
de serviços urbanos, também ajudou na comparação do bairro com cidades do
interior mineiro. Talvez por isso e por seu isolamento geográfico que não foi
totalmente solucionado pela chegada do bonde, somados à tradição musical já
mencionada, Santa Tereza tenha começado a ficar conhecida com um bairro
cultural.
O cinema também atuou de maneira significativa para essa tradição cultural
do bairro. A primeira sala de projeção de que se tem resgistro no bairro foi do
morador Thiers Bonconselho, na rua Mármore. No local ele exibia sua coleção de
filmes em prento e branco sem cobrar nada. A iniciativa deu origem, em 1944, ao
conhecido Cine Santa Tereza, na praça Duque de Caxias. Assim como aconteceu
com os demais cinemas de bairro da cidade, devido à concorrência com a televisão,
o Cine Santa Tereza fechou na década de 1980. De acordo com notícia publicada
no Jornal Estado de Minas em outubro de 2012, a restauração do Cine Santa
Tereza, prometida desde 2003, teve início do dia 22 de outubro de 2012 e dará lugar
ao Centro Cultural Santa Tereza, local onde se encontrarão, além da sala de
projeção com espaço para 150 pessoas, diversos espaços destinados à cultura e
entretenimento.
Atualmente o bairro é famoso por sua tradição boêmia, por seus carnavais
com blocos carnavalescos (como a Banda Santa) e por sua grande contribuição ao
cenário cultural de Belo Horizonte. Ali despontaram para a música mineira, e
brasileira, diversos talentos. Vários deles integrantes do movimento musical Clube
da Esquina.
A grande atratividade turística da região pode ser explicada também em
40

função da beleza arquitetônica de algumas de suas casas, a variedade de bares, as


casas de serestas, as feiras de artesanato e o famoso macarrão do final da noite.
Como qualquer bairro tradicional, o bairro de Santa Tereza também é
marcado por suas lendas. Goes (2001), explica o surgimento da região do bairro
conhecida como “Alto dos Piolhos” – o entroncamento das ruas Quimberlita, Tenente
Freitas, Bocaiúva e Bom Despacho – na década de 1960. De acordo com autor,
quando a cultura hippie chegou por lá, uma turma de “cabeludos” começou a
frequentar o local. Atualmente, o Alto dos Piolhos é o local de maior concentração de
bares da região.
Embora tenham-se erguido alguns arranhas-céus, a paisagem predominante
ainda é de casas e de pequenos prédios comeciais e de apartamentos, aspecto em
que os vizinhos bairros da Floresta e de Santa Efigênia em muito se modificaram.
Vista pelos planejadores urbanos como área de adensamento populacional, sua
população faz movimento reivindicando parâmetros que permitam a preservação da
paisagem, e impeçam a construção de espigões. Uma resistência, que dentre outros
fatores, exprime a identidade ao bairro.

4.1.2 Santa Tereza na construção da diferença

Ao investigar a motivação da população de Santa Tereza para preservar


essas caracteristicas interioranas do bairro, Westin (1998), se vale de estudos sobre
sociabilidade. Para a autora, é o usúario da cidade, que por meio de seus usos
urbanos, escreve a cidade e cria a sua linguagem. No caso de Santa Tereza em
especial, é o morador que intervem, criando memórias de usos e novas percepções.
Para ela:
“É desse modo que se pode perceber Santa Tereza. Sobrevivem na praça
Duque de Caxias, núcleo central do bairro, elementos de um passado que
se presentifica nos núcleos atuais, como interpretadores de um contexto:
um reduto interiorano na grande cidade, conforme explicitam seus
moradores e matérias veinculadas pela mídia. Congelamento museológico
ou semiose específica do lugar?” (WESTIN, 1998)

A suposição da autora é a de que a configuração de Santa Tereza, longe de


ser um congelamento museológico, trata-se de um uso corrente dos espaços locais
pela sua população, que busca um tipo de lazer diferenciado, mantendo os padrões
das casas por razões que vão desde o padrão aquisitivo à manutenção de um estilo
de vida conservador ou “por valorização de uma sociabilidade que não se encaixa
no modelo das relações urbanas metropolitanas.” (WESTIN, 1998)
41

Continuando sua análise, a autora afirma que é o desejo de pertencimento,


que, de alguma forma, pode provocar a construção deste modo diferenciado de ser
e agir do morador de Santa Tereza. Surge o desejo de uma identidade coletiva que
visa seu reconhecimento na dialética da cidade. E quem tece a linguagem da
diferença é a população, que expressa esta diferença nas relações cotidianas dentro
do bairro, se servindo de vários meios. E servindo, talvez, para a manutenção dos
modos de ser que justifiquem a existência e a resistência, de pontos de jodo bicho
que não se transformaram em pontos de caça niquéis, como ocorreu com outras
casas que abrigavam a contravenção.

4.2 O jogo do bicho em Santa Tereza

A operacionalização desse trabalho partiu da realização de quatro trabalhos


de campo ocorridos nos dias 21 de julho (sábado), 18 de agosto (sábado), 27 de
agosto (segunda-feira) e 8 de dezembro (sábado), todos em 2012, no bairro de
Santa Tereza. Durante essas visitas foram aplicados 50 questionários aos
moradores e visitantes, de forma aleatória. Posteriormente estes questionários
receberam tratamento quantitativo, etapa que será detalhada a seguir. Os dados
coletados foram mapeados, possibilitando elaborar uma espacialização dos
pontos/casas de jogo do bicho, via utilização do GPS. Além disso, também, foi feita
uma entrevista com um bicheiro, que controla o jogo do bicho no Barreiro. A
entrevista, que se encontra integralmente no anexo, faz uma interlocução com as
situações percebidas e analisadas em Santa Tereza.
Essas duas etapas, questionários/entrevista e mapeamento dos pontos,
ocorreram concomitantemente. Como os questionários não foram aplicados partindo
de um lugar fixo, foi possível percorrer o bairro procurando pessoas que se
dispusessem a responder ao mesmo tempo em que se encontravam os pontos
citados pelos entrevistados. Alguns pontos, que não foram mencionados, foram
mapeados por meios indiretos, ou seja, pela identificação de determinados aspectos
que são tradicionais nas lojas nas quais se desenvolve a atividade: porta de metal
estreita com algum cartaz comercial anexado e uma bancada, muitas vezes de
madeira, ao final do cômodo (Figuras 3 e 4). Quando ocorreu dúvida sobre a
existência ou não do ponto, o critério escolhido para confirmação foi a abordagem ao
42

funcionário encarregado. Em duas ocasiões, com a finalidade de mascarar a


intenção do trabalho, jogou-se “no bicho” em dois dos estabelecimentos.
Figura 3 – Ponto de jogo do bicho (Rua Mármore, nº 125)

(Fonte: Google Maps/modo street view. Acesso em 12/10/12. Adaptado)

Figura 4 – Ponto de jogo do bicho (Rua Mármore, nº 605)

(Fonte: Google Maps/modo street view. Acesso em 12/10/12. Adaptado)


43

Essa experiência de jogar no bicho, também, possibilitou um maior


entendimento sobre sua dinâmica, pois pode-se compreender a infinidade de
combinações possíveis entre os bichos e as dezenas que os representam, por
exemplo. Além disso, a quantia apostada é variável e definida pelo apostador e,
associada às combinações dos números, é o quê determinará o valor do prêmio.
Com relação à divulgação do resultado, descobriu-se que, dependendo do horário
em que a aposta for feita, a conferência é feita tendo como base o resultado da
Loteria Federal ou o PARATODOS, específico do jogo do bicho em todo território
nacional.
A aplicação dos questionários foi a principal ferramenta de análise desse
trabalho, tornando possível o entendimento da maneira pela qual o jogo do bicho se
territorializou no bairro de Santa Tereza e qual é a percepção da população sobre
esse processo. O tratamento quantitativo ocorreu por meio da produção de gráficos
que expressam os números absolutos. Buscando trabalhar com duas variáveis
quantitativas, se utilizou dados percentuais no corpo do texto que complementa a
visualização dos números absolutos presentes nos gráficos. Somente uma das
questões do questionário recebeu tratamento qualitativo através da elaboração de
uma tabela.

4.2.1 Perfil dos entrevistados

A princípio não se estabeleceu nenhum critério específico de escolha dos


entrevistados. Entretanto, já no primeiro trabalho de campo, percebeu-se que os
homens respondiam mais favoravelmente à abordagem do que as mulheres. Mesmo
assim, nenhum dos gêneros foi preterido. O que não impediu que o gênero
masculino representasse 70% dos entrevistados. Algumas mulheres, sobretudo as
mais velhas, se negaram a responder quando descobriam que o tema se referia ao
jogo do bicho. Os homens, de maneira geral, ficavam mais confortáveis com a
temática.
Com relação à faixa etária dos entrevistados, por mais que também não se
tenha estabelecido um critério de escolha e tenha se procurado diversificar a idade,
percebeu-se que a resistência em responder às perguntas, antes mesmo de saber
do que se tratava, aconteceu com a maioria dos jovens (pessoas com menos que 30
anos, que foram interpelados. Como argumento, utilizou-se a falta de tempo. No
44

tratamento dos dados, foram criadas seis classes de idade: Abaixo de 20 anos,
entre 21 e 30 anos, entre 31 e 40 anos, entre 41 e 50 anos, entre 51 e 60 anos e
acima de 60 anos. A faixa etária compreendida entre 41 e 60 anos foi a mais
representativa de todas. Dos 50 questionários, esse intervalo de idade representou
48% das entrevistas. Ficou nítido que o conhecimento dos pontos de jogo do bicho e
de sua dinâmica variou bastante de acordo com a idade, associada a outras
características que serão, mais adiante, esclarecidas.
Gráfico 1 – Idade dos entrevistados – Valores absolutos

O estado civil, outra característica considerada no questionário, não mostrou


nenhuma classe representativa. As opções de resposta compreendiam os seguintes
status de relacionamento casado, solteiro, viúvo, divorciado e outros. As pessoas
casadas, solteiras e divorciadas apresentaram cada, cerca de 30% das pessoas
entrevistadas. O conhecimento dessas características serviu mais para se obter o
perfil dos entrevistados do que para esclarecer características importantes que se
relacionassem às percepções analisadas.
Gráfico 2 – Estado civil dos entrevistados – Valores absolutos
45

O tratamento dos dados envolvendo as profissões dos entrevistados envolveu


um cuidado maior no que tange à criação de classes uma vez que, entre os 50
entrevistados, não ocorreu a repetição de nenhuma profissão. A classificação,
portanto, se deu através da associação com o nível de escolaridade mínima exigida.
Isso ocorreu inclusive para suprir a necessidade de se ter um dado que traduzisse
mais objetivamente a formação escolar dos entrevistados. Como esse não foi critério
contemplado no questionário, a criação das classes complementou a análise. Foram
criadas as seguintes classes baseadas na forma atual de classificação dos níveis de
ensino: nível fundamental II, nível médio e nível técnico, nível superior e
aposentado. Essa ultima classe, apesar de não ter seguido o mesmo critério de
classificação, foi criada em função da quantidade de entrevistados que apenas
informaram a atual condição de trabalho, sem especificar o tipo de emprego ao qual
se vincularam quando faziam parte da PEA (População Economicamente Ativa). A
classe denominada nível fundamental II, representada por atendentes de
lanchonete, carregadores de sacolão, por exemplo, representou 26% dos
entrevistados com segundo maior numero de pessoas representando a classe. A
classe com maior representatividade, 30% do total, foi a de nível superior, com
médicos, administradores, advogados e outros profissionais. A classe de nível médio
e técnico representou 18% enquanto que os aposentados representaram 22% dos
entrevistados.
Gráfico 3 – Nível de escolaridade dos entrevistados – Valores Absolutos

Outra preocupação durante a aplicação dos questionários foi tentar entrevistar


preferencialmente pessoas residentes do Bairro de Santa Tereza. Como a referida
resistência de alguns foi um fator limitante à abordagem, não se conseguiu a
totalidade buscada. De qualquer maneira, considera-se que os 64% dos
entrevistados residentes garantiram uma relativa representatividade. Desses 64%,
46

foram criadas 3 classes para distinguir tempos de moradia diferenciados: menos de


10 anos, entre 10 e 20 anos e mais de 20 anos. A maior parte dos entrevistados,
46% reside no bairro há mais de 20 anos, contra 34% dos entrevistados que residem
no bairro há menos de 10 anos e 15% dos entrevistados que residem no bairro entre
10 e 20 anos.

Gráfico 4 – Tempo de residência em Santa Tereza- Valores absolutos

Dos que não residem no bairro, 36%, as classes foram definidas em função
da frequência com que o visitam. Foram criadas as seguintes classes: 1 a 2 vezes
por semana, 3 a 4 vezes por semana, 5 vezes por semana, diariamente,
semanalmente e mensalmente. A maior parte dos entrevistados, 38%, frequenta o
bairro diariamente. Essa frequência, explicada muitas vezes pelo fato de se tratarem
de pessoas que possuem o bairro como local de realização de trabalho e de lazer,
garantiu a qualidade das respostas uma vez que se tratou de pessoas que
conheciam, minimamente, o bairro. As outras classes, menos representativas, foram
definidas em função das respostas das pessoas que só trabalham no bairro.
Gráfico 5 – Frequência de visita ao bairro – Valores absolutos

4.2.2 Como o jogo do bicho é visto pelos jogadores

Os entrevistados que disseram conhecer algum ponto de Jogo de Bicho no


bairro de Santa Tereza representaram 56% contra 44% que não conheciam nenhum
47

lugar de ocorrência da atividade. Dos que conhecem os pontos, como


frequentadores dos pontos ou não, a quantidade de casas conhecidas variou de 2 a
9. Quem conhece de 2 a 3 pontos representou 78% dos entrevistados, quem
conhece de 4 a 6 pontos correspondem a 10 % dos entrevistados e quem conhece
de 7 a 10 são apenas 3,5% dos entrevistados.
Gráfico 6 – Pontos de jogo do bicho conhecidos – Valores Absolutos

Dos que não conhecem nenhum ponto de jogo do bicho, foi perguntado se
havia pelo menos a compreensão da existência da atividade no bairro e 59 % dos
entrevistados responderam que sabiam que Santa Tereza possuía pontos de jogo
do bicho contra 41% que responderam não terem esse conhecimento. Destes, vale
acrescentar a informação de que um entrevistado nem tinha o conhecimento do que
era o jogo do bicho, sendo necessária a explanação do quê é a atividade, no
momento da aplicação do questionário.
Conhecendo ou não os pontos, foi perguntado a todos os entrevistados se
eles sabiam como a legislação brasileira interpretava o jogo do bicho. As opções de
respostas foram pré-estabelecidas e ficaram definidas como: “contravenção
penal”, “crime”, “não sabe como a legislação trata, mas acredita que seja
ilegal” e “legal de acordo com a legislação”. A maioria dos entrevistados, 68%,
mesmo não sabendo exatamente como a legislação brasileira trata, sabia, pelo
menos, que a atividade é ilegal. Os que tinham o conhecimento acerca da
interpretação correta do jogo do bicho, contravenção penal, representaram 20% das
respostas. Os entrevistados que acreditam que a atividade é uma tipologia de crime
representaram 4% seguidos de 8% daqueles que acreditam se tratar de uma
atividade legalizada.
48

Gráfico 7 – Interpretação do jogo do bicho – Valores Absolutos

Também relacionada à legislação brasileira, foi perguntado acerca da


existência de uma lei sancionada em julho de 2012 que passa a tratar o jogo do
bicho como crime ao interpretar que a atividade possui ligações com o crime de
lavagem de dinheiro. Os entrevistados responderam se sabiam ou não da existência
da Lei. Os entrevistados que não tinham conhecimento da lei representaram 72%
das pessoas contra 28% que sabiam do que se tratava. Quando perguntados se
eles concordavam ou não com a lei, 58% disseram que não, 40% concordaram e 2%
disseram ser indiferentes a isso.
Uma pergunta, que não havia sido elaborada antecipadamente, acabou se
mostrando necessária pois pode complementar a análise posteriormente. Assim, foi
questionado se os entrevistados já haviam ou não jogado no jogo do bicho. Os
entrevistados que disseram nunca terem jogado representaram 54% enquanto os
restantes 46% disseram ter jogado pelo menos uma vez ou confessado serem
jogadores assíduos. Quando a pergunta foi menos direta, acerca do conhecimento
de pessoas que “jogam no bicho” 80% dos entrevistados disseram conhecer alguém
que joga, enquanto apenas 20% disseram não conhecer ninguém.
A pergunta definida como o cerne da pesquisa pretendeu identificar a
percepção das pessoas acerca do jogo do bicho. A pergunta “Como você enxerga
do jogo do bicho?” recebeu uma infinidade de respostas as quais não se pode
perceber uma padronização, nem mesmo uma tendência. Esta variedade de
respostas identificou argumentos que defendiam a inocência ou o caráter benéfico
do jogo do bicho contra outros que definiam o jogo do bicho como crime ou
associavam a valores bastante negativos. Tentou-se também criar categorias ao
tratar os dados. Os agrupamentos criados não reuniram uma grande quantidade de
respostas porque pretendeu-se valorizar a maior parte das opiniões apresentadas.
As classes criadas foram as seguintes:
49

Tabela 1 – Visões dos moradores de Santa Tereza sobre o jogo do bicho


Visões sobre o Jogo do Bicho
Visões negativas Visões positivas
Quantidade de
Quantidade de pessoas
Opinião pessoas que a Opinião
que a representam
representam
não há nada de errado
crime, uma máfia, manipula os
com o jogo, trata-se de
resultados e os jogadores, 10 8
um divertimento como
envolve a corrupção de policiais
qualquer outro
Democrático, loteria
Ilegal, algo negativo, vÍcio 9 1
dos pobres
Contribui para a
1
geração de empregos
Devia ser liberado 10

Ainda existem os que disseram ser indiferentes ao jogo do bicho não


manifestando opinião, totalizando 7 pessoas, ou 14% dos indivíduos. Um aspecto
importante que deve ser ressaltado é que, embora tenha sido criada a categoria dos
que acreditam que o jogo do bicho precisa ser legalizado pelo governo federal, nem
sempre essa legalização, de acordo com uma parte dos entrevistados, deve
acontecer porque o jogo do bicho é uma atividade positiva. Alguns entrevistados
acreditam que a legalização proporciona ao jogo a possibilidade dele não precisar
“lavar” o dinheiro gerado pela atividade, diminuindo assim a corrupção.

4.2.3 Análise dos questionários

De maneira geral, as características que definiram o perfil dos entrevistados e


que mais se associaram às respostas específicas foram a faixa etária, o fato de
residirem ou não no bairro e o tempo de residência. Esta associação, mesmo que
indireta, permitiu a conclusão de que quanto maior a idade, maior a possibilidade de
conhecer o jogo e sua dinâmica. Foram também os mais velhos que mais retinham
em sua memória a localização dos pontos e mais auxiliaram na elaboração da
espacialização dos mesmos. Dos que confessaram ser jogadores ativos, os mais
velhos também representaram a maioria dos entrevistados.
50

Alguns diálogos desenvolvidos depois da aplicação dos questionários,


sobretudo na faixa etária acima dos 40 anos, permitiram a identificação de
informações bastante importantes tais como nome do bicheiro que mantem o
controle do território do bairro de Santa Tereza. De acordo com pelo menos 3
entrevistados, o bicheiro conhecido como “Zezinho”, ou José Luiz, é o detentor dos
pontos de jogatina da região. Como está doente, são seus irmãos que estão
administrando o jogo no bairro. Uma constatação que teve a teoria como subsídio foi
a percepção de que há um elo e uma relação de respeito entre os moradores mais
antigos e o bicheiro. Alguns moradores quando se referiram ao “Zezinho”, não
quiseram fornecer o nome completo dele com receio de que isso pudesse prejudicar
o bicheiro e sua família.
Outra informação de suma importância que também foi definida por meio de
relato espontâneo foi a associação do jogo do bicho com a Paróquia de Santa
Tereza, principal igreja do bairro. Um entrevistado, ao defender o lado democrático
do jogo, utilizou como argumento a promoção de obras de caridade por meio de
doações à instituição. Essas doações, segundo ele, são realizadas pela esposa do
“Zezinho”, da qual não se soube o nome, mas, há informação de que se trata de
uma mulher católica e bastante caridosa.
Alguns entrevistados, partindo de um raciocínio oposto, se sentiram
desconfortáveis em revelar dados ou opiniões com receio de serem “descobertos” e
prejudicados. Mesmo quando se garantia a preservação da identidade, esses
entrevistados não sentiram segurança.
Os entrevistados que possuem uma visão positiva do jogo são representados
quase exclusivamente pelas pessoas mais velhas, sobretudo na faixa etária acima
dos 50 anos, e residentes do Bairro de Santa Tereza. Foi possível traçar um perfil
claro das pessoas que concordam com a existência e dominação do jogo e que
possuem argumentos para justificar isso. Normalmente conhecem a família do
bicheiro e garantem que são pessoas de boa índole, incapazes de fazer mal a
qualquer pessoa. Desses, os que não jogam, possuem uma ligação afetiva com o
“bicheiro”, uma relação de respeito. Os que jogam defendem a jogatina pois
garantem se tratar de um tipo de jogo em que se tem confiança no resultado. Quanto
à entrega do prêmio, ela acontece de uma maneira informal, fácil e sem
complicações, além da possibilidade de se poder escolher a quantia que se quer
jogar e as combinações possíveis. Um entrevistado explica que o jogo do bicho, por
51

essas razões, é a “loteria dos pobres”.


Essa confiabilidade no resultado pôde ser identificada em outro momento
importante observado em um dos trabalhos de campo. Depois do insucesso de
algumas abordagens, enquanto se observavam as pessoas mais aptas a
responderem antes de fazer a interpelação, um senhor se sentou próximo. Depois
de alguns segundos, uma senhora trajando roupas bastante simples se aproximou
dele, que retirou de sua mochila uma cartela de jogo do bicho e registrou a aposta
sugerida pela mulher.
Foi possível, perceber que há um pacto implícito de cumprimento dos
“combinados”. A mulher não perguntou nada do tipo “onde eu o encontro, se eu
ganhar?” ou “como faço para receber o prêmio, caso eu ganhe?”. Nada além da
demonstração de que se tratavam de pessoas que já se conheciam e de uma
confiança nítida da jogadora com relação ao “bicheiro ambulante”.
A existência de um bicheiro ambulante foi confirmada por outros entrevistados
que descreveram locais onde o jogo do bicho era realizado por meio da visita
assídua do bicheiro. No último trabalho de campo (08/12), ao reconhecê-lo enquanto
ele transitava pela rua Salinas, o interpelei. Enquanto se realizava uma aposta, que
naquele momento também pareceu importante, foram feitas perguntas ao senhor, de
nome Juscelino. Se obteve a informação de que ele atua principalmente no bar do
Xumba, na rua Salinas, e na praça de Santa Tereza. Quando perguntado o porquê
dele não atuar em um lugar fixo, um ponto, ele contou que os alugueis dos
estabelecimentos estão muito caros aumentando os custos. Foi perguntado se ele
trabalhava para o “Zezinho” e ele confirmou que sim. Infelizmente, depois da entrega
da cartela com a aposta e da explicação de como fazer para requerer o prêmio, ele
precisou ir embora rapidamente e não foi possível continuar com minha entrevista
informal.
No que se relaciona à faixa etária diante das visões sobre o jogo do bicho,
entre aqueles que o enxergam como algo negativo, encontram-se as pessoas entre
30 e 40 anos. Mas, uma outra característica comum ao grupo que possui essa visão
é o fato de serem pessoas que desenvolvem atividades profissionais em que o nível
de exigência mínima é o curso superior. Assim, pode-se supor que é, também nessa
faixa de idade e com o mesmo nível de escolaridade que se encontrou o maior
número de pessoas que tinham conhecimento da lei sancionada em julho desse
ano, no sentido da interpretação do jogo do bicho como crime. Também foi esse
52

grupo que soube responder sobre a atual interpretação legal correta do jogo, ou
seja, trata-se de uma contravenção penal.
As únicas exceções no grupo que tem uma visão negativa do jogo do bicho
foram dois senhores de 64 e 70 anos. O primeiro nunca concordou com a jogatina
no seu bairro e acredita que os resultados são manipulados e os jogadores
constantemente enganados. O segundo entrevistado, de 70 anos, é um coronel
aposentado da Polícia Militar que descreveu a corrupção de policiais como a pior
característica associada ao jogo do bicho.
Entre os mais jovens, abaixo de 30 anos, estão aqueles que mais se disseram
indiferentes ao jogo. O entrevistado que nem sabia do que tratava o jogo do bicho
estava na mesma faixa de idade e também expressou indiferença relativa à
atividade e à nova lei. São também os entrevistados dessa faixa etária os que não
souberam informar sobre a existência de pontos de jogo do bicho.
Não se percebeu uma naturalização do jogo do bicho pela maior parte dos
entrevistados da maneira como se esperava na hipótese inicial. Há realmente um
“pressuposto de inocência’ por parte dos residentes mais antigos do bairro e dos
jogadores. Pessoas que, em sua maioria, possuem uma relação de respeito e até
mesmo carinho, pelo bicheiro e sua família. Quando não há, por parte de pelo
menos 2 entrevistados, uma admiração no que tange às ações beneficentes
promovidas pela esposa do “Zezinho”. Este sentimento de respeito e admiração
talvez seja o que mais consegue explicar o processo de territorializaçao da atividade
no bairro.
O blog do vereador Cabo Júlio, presidente da CPI que investiga o jogo do
bicho em Belo Horizonte, já elucidada em outra parte do trabalho, atualiza
constantemente as notícias a respeito das ações da comissão e de outras ações que
tem por objetivo acabar com o jogo do bicho. Em uma de suas postagens, em que
menciona um projeto de lei que prevê o pagamento de multa às pessoas que
alugam imóveis para o jogo do bicho, o vereador recebeu respostas que
demonstram revolta à essas ações e defendem o jogo do bicho e sua “inocência”.
Numa dessas expressões de revolta, uma em especial chamou a atenção, uma vez
que expressa um laço afetivo também entre os funcionários dos pontos e os
bicheiros. Um funcionário do “Zezinho” repudia as ações divulgadas pelo Cabo Júlio
e argumenta a favor de causa própria como pode ser visto no texto abaixo:
53

Figura 5 – Opinião de trabalhador do bicho

Fonte: http://blogdocabojulio.blogspot.com.br/. Acesso em 20/11/12

Assim como aconteceu no Rio de Janeiro, foi necessário o estabelecimento,


entre o bicheiro e a população local, de um elo afetivo que pudesse garantir a
manutenção do poder, processo que durou inúmeras gerações. Por parte da
população, a vantagem em ter um tipo de jogo de azar no bairro talvez tenha sido a
possibilidade de ganhar um dinheiro fácil. De acordo com Carvalho (1991), foi de
fundamental importância para o advento do jogo do bicho a mudança da
mentalidade da população do Rio de Janeiro com relação ao dinheiro e a forma de
consegui-lo. Vale lembrar que à época do surgimento do jogo do bicho o Brasil
estava passando por uma importante transição política que influenciou
decisivamente a forma de pensar e de ser do brasileiro. A confiança na sorte, no
enriquecimento sem esforço, em contraposição ao ganho da vida pelo trabalho
honesto parece ter sido, de acordo com Carvalho (1991), incentivado pelo
surgimento da república. O período foi marcado, especialmente no Rio de Janeiro,
pelo rápido avanço de valores burgueses e numa mudança significativa no campo
da mentalidade coletiva. Segundo o autor:
54

“... o mundo subterrâneo da cultura popular engoliu aos poucos o


mundo sobreterrâneo da cultura das elites. Das repúblicas renegadas pela
República foram surgindo os elementos que constituiriam uma primeira
identidade coletiva da cidade, materializada nas grandes celebrações do
carnaval e do futebol.” (CARVALHO, 1991, p.41)
DaMatta e Soarez (1999) acrescentam ainda que o jogo do bicho, além do
carnaval e do futebol, também é um elemento constituinte da cultura popular
brasileira. Tão constituinte que, está resistindo há mais de um século de existência e
se mantém praticamente intacto diante das transformações atuais, sobretudo as
tecnológicas. O jogo do bicho, ao contrário de diversas outras instituições, não se
informatizou nem introduziu ferramentas da informática avançadas. Ainda hoje se
joga com cartelas de papel, as apostas são anotadas pelos gerentes em cadernos e
não se pode pagar a aposta com cartões eletrônicos. Uma informalidade que tem
como precedente a confiança, já discutida, e talvez uma forma de assegurar
proteção à atividade uma vez que a informatização das apostas pode deixar o jogo
mais exposto às investigações policiais.
Em visita ao 16° Batalhão da Polícia Militar para requerer os dados
estatísticos da contravenção, foi perguntado aos policiais se eles sabiam da
existência dos pontos de jogo do bicho no bairro (a rua do batalhão é paralela à rua
Mármore, onde foram encontrados 4 pontos). Depois de responderem que sim os
policiais justificaram a permanência da atividade ilegal explicando que as casas
sempre são fechadas mas voltam a funcionar no dia seguinte, dificultando uma ação
policial mais eficiente e contínua. Foi indagado se havia o conhecimento da
existência de um senhor que realizava os pontos do jogo do bicho na praça Duque
de Caxias e em outros locais. Nesse caso, a resposta foi negativa. Apesar de
tratarem de dados de domínio público, não foram liberados os dados requeridos,
muito menos quando foi encaminhada solicitação ao CINDS (Centro Integrado de
Informações de Defesa Social), órgão da polícia militar de Minas Gerais,
responsável pelo fornecimento dos dados. 4
A entrevista com o bicheiro do Barreiro forneceu uma informação que pode
explicar esse comportamento da Polícia Militar. De acordo com ele, é necessário o
pagamento regular de uma quantia aos policiais militares que cuidam da proteção do
4
No CINDS, foi apresentado um ofício requerendo os dados e o pré-projeto de monografia aprovado
pela banca. O tenente Gilmar forneceu a informação de que era necessária a leitura do meu pré-
projeto para saber se havia ou não relevância dos dados requeridos para a pesquisa. Depois do
insucesso das tentativas de contato, não obtive retorno com os dados policiais.
55

bairro para que o jogo do bicho não seja ameaçado na sua existência. A ameaça
pode se dar no momento em que acontece o fechamento de um ponto, com a
consequente prisão dos envolvidos, ou talvez quando se fornecem dados policiais
para pesquisas acadêmicas.
Outro aspecto do jogo do bicho levantado na literatura sobre a atividade no
Rio de Janeiro e que pode ser associado à dinâmica da atividade em Santa Tereza
diz respeito a um perfil comum dos bicheiros. Como já foi mencionado em capítulo
anterior, os primeiros grandes banqueiros do bicho seriam, em sua grande maioria,
imigrantes, pessoas que apostavam mais em negócios desconhecidos E como não
tinham raízes no Brasil, tinham mais possibilidade de se arriscar do que os nativos.
Levando-se em consideração que o povoamento em Santa Tereza foi feito em
grande parte por imigrantes, essa é uma hipótese que pode explicar a existência de
várias casas no bairro. Salienta-se que esta é uma hipótese não confirmada, uma
vez que não foi possível identificar o sobrenome, e consequentemente, o país de
origem do Zezinho.
Outra informação fornecida pelo bicheiro do Barreiro e que pode ser também
atribuída ao bairro de Santa Tereza é a demarcação do território do bicheiro,
normalmente um bairro. Um bicheiro normalmente não divide um bairro com nenhum
outro bicheiro, mas pode ter o controle de mais de um bairro, inteiro.
O bicheiro do Barreiro não soube elucidar algumas questões especificas do
jogo do bicho em Belo Horizonte, e em Santa Tereza. Quando perguntado sobre a
maneira pela qual o jogo do bicho lavava o dinheiro extraído da atividade, sabendo
que no Rio de Janeiro a lavagem acontece por meio da associação com escolas de
samba, por exemplo, o bicheiro disse simplesmente que em Belo Horizonte não há
uma forma de lavar o dinheiro. Resta, portanto, uma pergunta que poderá ser
respondida com novas pesquisas.
A hierarquia do jogo do bicho explicitada pelo bicheiro do Barreiro não mostra
a complexidade da organização, coloca apenas que há o banqueiro, dono dos
pontos, e o bicheiro, gerente que controla as casas de apostas e a distribuição dos
prêmios. Em Santa Tereza, supõe-se que a organização seja a mesma. O contato
obtido durante aos pontos demonstra que realmente havia um funcionário
responsável pela administração do local, uma pessoa que provavelmente, além do
banqueiro, conhece a maioria das etapas do processo.
Quando perguntado o motivo pelo qual o jogo do bicho resiste há mais de um
56

século exercendo suas relações de poder, o bicheiro elencou pontos já colocados


pelos entrevistados, tais como:
- Não existência de burocracia
- Qualquer pessoa pode jogar
- Não tem valor fixo de aposta
- Ser um jogo honesto (entre o jogador e o bicheiro)
De fato, os jogadores e simpatizantes da atividade parecem concordar com
relação aos pontos positivos do jogo. Quando destacou a honestidade como um
aspecto que justifica a resistência e permanência da atividade, o bicheiro
acrescentou que o “valor moral” se referia à relação entre bicheiro e jogador. Mesmo
com a concordância desse aspecto e de outros tantos, um questionamento não foi
respondido por nenhum destes atores. Se para jogadores e bicheiros o jogo é algo,
no mínimo inocente, sendo ilegal ele não é nocivo à sociedade? A legalização
mudaria o status jurídico do jogo do bicho, disso não restam dúvidas. Mas será que,
uma vez liberado, ele teria tanto público e continuaria a ser tão praticado?
Na sua constituição histórica, como já foi analisado em capítulo anterior, ter
sido perseguido no Rio de Janeiro no inicio do século XX só fortaleceu ainda mais a
atividade, que precisou criar uma estrutura organizacional bem mais complexa da
que existia no antigo zoológico para conseguir manter o controle e poder sobre
determinados territórios. A proibição só o tornou mais forte e criou condições
favoráveis à sua disseminação.
Santa Tereza, um bairro que resiste às ações metropolitanas
contemporâneas, parece ter resistido também a uma imposição de regras e leis
sobre seu território para mostrar que as esferas do poder público não influenciam
tanto quanto o desejo de expressar a identidade do bairro. E o jogo do bicho, como
constituinte dessa identidade, encontrou território fértil para sua reprodução em dado
momento histórico, e atualmente, da sua manutenção enquanto símbolo saudosista
do passado que se pretende preservar no bairro.
O imaginário coletivo, evocado na análise, produz manifestações que surgem
das especificidades de um determinado momento e de experiências coletivas
marcantes. Dessa maneira, por meio do exercício cotidiano de ordenação pelo
simbólico, e o jogo do bicho pode ser considerado um símbolo para Santa Tereza, o
grupo consegue estabelecer suas relações com o meio ambiente e delimitar as
extensões da sua identidade. Ao colocar que todo imaginário coletivo é também um
57

imaginário geográfico, Castro (1997), justifica que os símbolos chamados para


compor este imaginário estão intrinsecamente relacionados com o lugar. Isso foi
percebido no objeto de estudo em questão, quando moradores do bairro de Santa
Tereza, mesmo nunca tendo jogado, sabiam de alguns lugares de ocorrência da
atividade muito devido à essa representação simbólica que o jogo do bicho possui.
Não foram raros os relatos em que se percebia a evocação de uma construção
coletiva. As opiniões a respeito do jogo se diferiram bastante, mas a descrição dos
pontos era baseada quase totalmente nos mesmos símbolos.

4.2.4 Análise da espacialização dos pontos de jogo do bicho

A espacialização dos pontos de jogo do bicho no bairro de Santa Tereza se


deu por meio da elaboração de um mapa desenvolvido no programa Arcgis e
embora não seja o fulcro da análise, compreende uma etapa de suma importância
porque expressa a materialização da atividade e sua fixação, ou não, no território.
Foram criadas 5 categorias para a legenda que distingue os pontos entre si de
acordo com suas características: não confirmados, atuação bicheiro, pontos
confirmados e pontos desativados.
Os primeiros se referem aos pontos que, embora tenham sido mencionados
por uma grande quantidade de entrevistados, não permitiram a confirmação porque
se encontravam com as portas fechadas nos dias em que se realizaram os trabalhos
de campo. Os pontos chamados “atuação bicheiro” dizem respeito aos locais onde o
bicheiro ambulante mais exerce suas funções, de acordo com seu próprio relato e
com a observação no trabalho de campo. Isso não quer dizer, no entanto, que ele
não atue em outros lugares do bairro porque ele pode realizar a aposta em qualquer
lugar, desde que seja abordado. Os “pontos confirmados” são aqueles em que, além
de terem sido mencionados pelos entrevistados, foram admitidos como pontos de
casa de jogo do bicho mediante entrada no estabelecimento e abordagem do
funcionário, e em dois casos, feita uma aposta no jogo do bicho. Destes pontos, nem
todos eram escancaradamente pontos de jogo do bicho. Dois deles tratam-se de
estabelecimentos que exercem atividades de comércio e serviços. O primeiro (figura
6), é uma pequena loja de comércio de produtos de limpeza e o segundo (figura 7) é
uma loja de conserto de calçados.
58

Figura 6 – Ponto do jogo do bicho associado à loja de material de limpeza


(Rua Quimberlita,260)

(Fonte: Google Maps/modo street view. Acesso em 12/10/12. Adaptado)

Figura 7 – Ponto do jogo do bicho associado à loja de conserto de sapatos


(Rua Monsenhor Senhor Martinho, 15)

(Fonte: Google Maps/modo street view. Acesso em 12/10/12. Adaptado)

Os pontos desativados se referem aos locais que foram expostos pela


entrevista, mas que o relato informal de moradores confirmou que se tratavam de
lugares onde se realizavam apostas do jogo do bicho. O primeiro deles, na rua
Conselheiro Rocha (figura 8), teve a confirmação feita pelo vizinho do
estabelecimento que afiançou que o local funcionou por muito tempo como casa da
jogatina. O segundo local, na rua Salinas (figura 9) se refere a um estabelecimento
59

que cedia lugar ao jogo, mas que foi recentemente alugado para o funcionamento de
uma lanchonete.
Figura 8 – Ponto desativado (Rua Conselheiro Rocha, 255)

(Fonte: Google Maps/modo street view. Acesso em 12/10/12. Adaptado)

Figura 9 – Ponto desativado (Rua Salinas c/ Tenente Durval)

(Fonte: Google Maps/modo street view. Acesso em 12/10/12. Adaptado)

Analisando a distribuição dos pontos da jogatina no bairro de Santa Tereza, o


que se percebe é que há uma concentração na área onde se encontram a maior
quantidade de estabelecimentos comerciais, do setor de serviços e dos pontos tidos
como tradicionais do bairro: a Igreja, a praça e os bares. Nas regiões mais
60

periféricas, a atividade ou se extinguiu totalmente ou acontece associada a


atividades comerciais. Essa constatação expressa a análise, já desenvolvida no
trabalho, que relacionada a identidade ao processo de territorialidade do jogo do
bicho.
61

Figura 10 – Mapa de espacialização dos pontos de jogo do bicho em Santa Tereza


62

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A imagem que se tem do bairro de Santa Tereza, construído por moradores


ou não, é a de um lugar que se assemelha a uma cidade do interior, e que por isso
mesmo, é dotado de relações sociais mais estreitas entre seus habitantes. Mas esta
imagem, muito embora conduza a um estereótipo, não reduz o bairro a um único
significado. Assim como ocorreu com outros espaços urbanos, Santa Tereza
também se tornou permeável aos dinamismos da metrópole e, mais atualmente, no
ambiente da globalização, que atua como agente uniformizador dos modos de ser
dos cidadãos. Mas esta vulnerabilidade não se expressa da mesma maneira em
todo o bairro.
A interpretação e análise do mapa que expressa a espacialização dos pontos
do jogo do bicho permitiu concluir que a atividade ocorre em maior intensidade na
parte central do bairro. Ali estão localizados, além dos pontos do jogo, a praça
central, a igreja matriz e os bares, símbolos que se inserem na construção da
identidade coletiva dos moradores e que, portanto, representam materialmente suas
tradições e oferecem maior resistência aos impulsos da globalização.
O bairro de Santa Tereza, como um lugar histórico/geograficamente
vivenciado e utilizado pela comunidade que nele se inscreve, possui certas
especificidades e características que o distinguem dos demais bairros da metrópole
belo-horizontina. De acordo com Baggio (2005):
Santa Tereza insinua-se no conjunto da cidade como um lugar diferenciado
e que apresenta certa singularidade. Para tanto concorrem,
substancialmente, seus modos territoriais de vivência cotidiana (expressos
na sua musicalidade, na sua vivência boêmia e nas rodas de bate-papo que
se formam principalmente nos seus diversos bairros e restaurantes, na vida
religiosa da Paróquia de Santa Tereza, nas práticas de resistência pela
preservação do bairro, etc). (BAGGIO, pag. 167, 2005)
Parece não haver uma resposta objetiva e única que justifique esta
diferenciação do bairro com relação ao seu entorno e ao restante da cidade, mas
algumas de suas características apontam para respostas que podem elucidar a
questão. A primeira característica foi o afastamento do bairro, provocado não
somente pelo fato de ter sido concebido no projeto da cidade como uma área
suburbana como também pelo fato de ter acolhido um hospital que requeria o
isolamento dos pacientes. Nesta perspectiva, entende-se que a própria constituição
63

geográfica do bairro deu-se de modo a manter, por várias décadas, um relativo


distanciamento das influências do restante da cidade e dos seus signos, aos modos
hegemônicos dominantes da modernização. E embora a Geografia não seja
determinante das relações sociais que se estabelecem localmente, pode, no entanto
ter seu peso como facilitadora da construção de uma identidade.
O jogo do bicho, embora não contemplado na análise de Baggio (2005),
também se consubstancia como um modo territorial de vivência cotidiana e exprime
a diferenciação do bairro de Santa Tereza no contexto da metrópole. Embora, nesse
trabalho não se tenha analisado a espacialização de pontos de jogo do bicho de
outros bairros, a observação e a empiria permitem arriscar que poucos são os locais
que possuem a atividade tão fortemente fixada no território e exercendo
territorialidades que se adaptaram às transformações urbanas sem alterar o caráter
essencial do jogo. A atividade não se informatizou continuando a ser praticada
informalmente, não foi substituída por máquinas de caça-níqueis e encontrou uma
alternativa frente aos entraves da especulação imobiliária criando a função de
bicheiro ambulante.
O jogo do bicho, dessa maneira, exerce sua territorialidade por intermédio da
tradição e da negação às formas de reprodução da modernidade, sobretudo, ao
caráter de uniformização que esta representa. Isso não quer dizer que a tradição e
suas manifestações fiquem imaculados mesmo diante da força homogeneizante dos
processos globalizadores, aos dinamismos do espaço metropolitano. É na
coexistência das variáveis do tradicional e do moderno que se forjam os matizes
identidários de Santa Tereza.
Ao analisar a importância da tradição para a construção da identidade, Baggio
(2005) coloca que “todas as tradições são dotadas de um conteúdo normativo ou
moral que lhe possibilitam um caráter de vinculação” (BAGGIO, pag. 176, 2005). O
jogo do bicho, exemplifica bastante esse caráter de vinculação, porque também
exerce sua territorialidade a partir de um conteúdo normativo moral. Há, no discurso
que naturaliza a atividade, a justificativa de sua importância social e de sua
inocência com relação à atividades criminosas. Não há constrangimento em se jogar
na praça principal do bairro porque o jogo não representa para a maior parte da
comunidade um desvio de conduta, além de ser identificado, ainda que de forma
velada, como parte do território de Santa Tereza.
As perguntas não respondidas neste trabalho, embora representem em certa
64

medida um hiato na pesquisa, podem subsidiar futuras discussões acadêmicas. Até


porque não se pretendeu encerrar aqui todas as possibilidades que envolvem uma
pesquisa que tem como objeto de estudo o jogo do bicho. A análise de sua
territorialidade não pode ser engessada porque trata-se apenas de uma
interpretação e a conclusão, mesmo que não definitiva, remete para uma
consideração: é impossível desconsiderar os mecanismos sociais que incidem sobre
o território do jogo do bicho não só porque esses mecanismos inserem
territorialidades que refletem signos da identidade coletiva como resistem à novas
forças que também atuam como agentes de moldura do território.

.
65

6. REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS

AGOSTINI, Agostinho Luís. O Pampa na cidade: O imaginário social na música


popular gaúcha. Dissertação (Mestrado). Programa de Mestrado em Letras e
Cultura Regional, Universidade Caxias do Sul, 2005.

ANDRADE, Manoel Correa. Territorialidades, desterritorialidades, novas


territorialidades: os limites do poder nacional e do poder local. In SANTOS, Milton;
SOUZA, Maria Adéla A. de; SILVEIRA, Maria Laura.. Território: Globalização e
Fragmentação. Editora HUCITEC. São Paulo, 1996.

ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e a suas regras.


Editora Loyola. São Paulo, 2000.

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69

7. ANEXOS

7.1 Entrevista com o bicheiro


Original Message -----
From: Raquel Melilo
To:
Sent: Friday, October 19, 2012 6:14 PM
Subject: monografia Raquel

Seguem abaixo as questões sobre o jogo do bicho que eu gostaria que você respondesse.

1) À ocasião de sua criação, 1892, o jogo do bicho era legal e institucionalizado e pouco
tempo depois ele se espalha pelas ruas do Rio de Janeiro até ganhar o status de contravenção
na década de 1940. Por que você acredita que ele resiste até os dias de hoje na ilegalidade?
O JOGO DO BICHO RESISTE ATE HOJE DEVIDO:
NAO EXISTENCIA DA BUROCRACIA -
QUALQUER PESSOA PODE JOGAR
NAO TEM VALOR FIXO DE APOSTA
SER UM JOGO HONESTO - ( ENTRE O JOGADOR E O BICHEIRO)
.

2) A minha pesquisa tem o objetivo de tentar entender se o imaginário coletivo em torno do


jogo do bicho e se esse imaginário favorece seu processo de territorialização, ou seja, no
processo de imposição de poder dos bicheiros em determinada região. Você acredita que o
fato da população em geral considerar o jogo "normal e inocente" favorece sua inserção em
determinados lugares?

SIM.
O JOGO DO BICHO PODE SER FEITO EM QUALQUER LUGAR - MESMO SENDO INOCENTE E
NORMAL - SEJA EM ESQUINAS DE RUA - DENTRO DE BUTECOS - MORROS DE FAVELAS
ETC.

3) No Rio de Janeiro o jogo do bicho se associou à algumas instituições com a finalidade de


"lavar o dinheiro" gerado pela atividade, como por exemplo, as escolas de samba. Em Belo
Horizonte o jogo do bicho também possui associação com alguma atividade econômica? (Ex.
rede de hotéis, restaurantes, bares....)

NAO.
NO RIO DE JANEIRO OS MAIS BENEFICIADOS SAO A ESCOLAS DE SAMBAS - ISTO DEVIDO
A FACILIDADE DE GANHAR O DINHEIRO FACIL E TAMBEM PARA QUE OS BICHEIROS
POSSAM ATUAR, ONDE AS ESCOLAS SE ESTABELECEM, SEM SER INCOMODADOS.

4) Como é a hierarquia do jogo do bicho em Belo Horizonte? (quais são os "funcionários"


envolvidos e quais as suas funções e atribuições: quem paga o apostador, quem gerencia,
quem transporta o dinheiro, quem lida com os sorteios)
A HIERARQUIA FUNCIONA ASSIM =

1) O BANQUEIRO ( AQUELE QUE CORRE O PERIGO, AO BANCAR O JOGO - OU SEJA (NAO


REPASSANDO PARA O OUTRO BANQUEIRO)
2) OS BICHEIROS - QUE FAZEM O JOGO E ENTREGA AO BANQUEIRO.
70

5) Há algum repasse de dinheiro para a Polícia Militar de Minas Gerais para que ela se omita
com relação à existência dos pontos? Se sim, qual a porcentagem?
SIM-
AOS POLICIAIS - DO DELEGADO AOS POLICIAS DE RUAS.- POLICIA CIVIL TAMBEM - NAO
TEM PERCENTUAL, ESTE VALOR NORMALMENTE JA É DEFINDO PELA POLICIA.
CASO CONTRATIO O MESMO É PERSEGUIDO PELA POLICIA.

6) O bicheiro controla quais territórios em Belo Horizonte: um bairro, uma região da cidade, a
cidade?

UM BAIRRO - AS VEZES DIVIDIDO COM OUTRO BICHEIRO.


ONDE DÁ PARA ELE INFILTRAR - DESDE QUE NAO TENHA OUTRO
71

7.2 Questionário

O IMAGINÁRIO COLETIVO SOBRE O JOGO DO BICHO NO


BAIRRO DE SANTA TEREZA

1. Sexo
Masculino ( ) Feminino ( )

2. Idade: ____ anos.

3. Estado civil
Solteiro ( ) Casado ( ) Viúvo ( ) Divorciado ( ) Outros ( )

4. Profissão __________________________

5. Você reside no bairro?


Sim ( ) Há quanto tempo? ________________________
Não( ) Com que frequência visita o bairro? _____________________________

6. Você conhece algum ponto de Jogo do Bicho no bairro?


Sim ( ) Não ( )

7. Se positivo, quantos? _____ Onde no bairro? Associado a algum


comércio/loja/equipamento de prestação de serviço?

8. Se negativo, pelo menos já ouviu falar que existe ou existiu algum ponto de Jogo do Bicho no
bairro?
Sim ( ) Não ( )

9. Como você acredita que a legislação brasileira interpreta do Jogo do Bicho?


( ) Contravenção penal
( ) Crime
( ) Não sabe como a legislação trata, mas acredita que seja ilegal
( ) Legal de acordo com a legislação

10. E você, como enxerga/considera o Jogo do Bicho?

11. Você sabia que existe uma Lei de julho desse ano, que torna o Jogo do Bicho um tipo de
crime, por causa de suas prováveis ligações com a lavagem de dinheiro?
Sim ( ) Não ( )

12. Qual sua opinião sobre isso?

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