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Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

Instituto de Geociências
Departamento de Geografia

Região e Regionalismos - aula 1

GEO 01015 – Estudos de Regionalização


Prof. Paulo Roberto R. Soares
Estagiário Adriano Rodrigues José
Semestre 2023/1
Referências
HAESBAERT, R.. Dos múltiplos territórios à multiterritorialidade. In: Heidrich, Álvaro;
Costa, Benhur; Pires, Cláudia e Ueda, Vanda. (Org.). A emergência da
multiterritorialidade: a ressignificação da relação do humano com o espaço. 1ed.
Canoas e Porto Alegre: Editora da ULBRA e Editora da UFRGS, 2008, v. , p. 19-36.
HEIDRICH, Álvaro. Região e Regionalismo: observações acerca dos vínculos entre
a sociedade e o território em escala regional. Boletim Gaúcho de Geografia,
AGB-PA, Porto Alegre, 1999. Disponível em:
https://seer.ufrgs.br/index.php/bgg/article/view/39730. Acesso realizado dia
16/05/2023
HEIDRICH, Álvaro. (2017). Vínculos territoriais – discussão teórico-metodológica
para o estudo das territorialidades locais. GEOgraphia, 19(39), 29-40, 2017:
jan/abr. https://doi.org/10.22409/GEOgraphia2017.v19i39.a13784. Acesso realizado
dia 16/05/2023.
Regionalismo
“como a geografia humana tradicional espacialmente centrada, pode ser
entendido como uma tentativa de glorificar as formas de vida tradicionais
pré-modernas sob condições da modernidade tardia.” (In: Werlen, B. (2009).
Regionalismo e Sociedade Política. GEOgraphia, 2(4), 7-25.
https://doi.org/10.22409/GEOgraphia2000.v2i4.a13384. Acesso dia 04/07/2023)

“é uma ideologia ou conjunto de ideias que defende o reconhecimento ou


valorização de uma região ou grupo de pessoas com base em aspectos culturais,
econômicos, políticos ou sociais. O termo pode se referir a movimentos políticos
ou organizações que lutam pelo aumento da valorização de uma região em relação
a um governo central, ou também pode se referir a tendências nas relações
internacionais que promovem a cooperação e integração entre países ou regiões
com interesses e características semelhantes.” (In:
https://cafecomsociologia.com/conceito-de-regionalismo/. Acesso dia 04/07/2023)
DOS MÚLTIPLOS TERRITÓRIOS Á MULTITERRITORIALIDADE - Rogério
Haesbaert (2008)

. Objetivo do texto é aprofundar o


debate sobre a noção de
multiterritorialidade.
. discutir a complexidade dos
processos de (re)territorialização em
que estamos envolvidos,
construindo territórios muito mais
múltiplos ou, de forma mais
adequada, tornando muito mais
complexa nossa multiterritorialidade.
. nasce com uma dupla conotação, material e
Território simbólica;
. tem a ver com dominação ( jurídico-política) da terra
e com a inspiração do terror, do medo –
especialmente para aqueles que, com esta
dominação, ficam alijados da terra, ou no
“territorium” são impedidos de entrar;
. para aqueles que têm o privilégio de usufrui-lo, o
território inspira a identificação (positiva) e a efetiva
“apropriação”.

. diz respeito tanto ao poder no sentido mais


concreto, de dominação, quanto ao poder no
sentido mais simbólico, de apropriação.

. Lefebvre distingue apropriação de dominação: o


primeiro sendo um processo simbólico, carregado
do “vivido”, do valor de uso, o segundo mais
concreto, funcional e vinculado ao valor de troca.
O uso reaparece em acentuado conflito com a troca no espaço, pois
ele implica “apropriação” e não “propriedade”. Ora, a própria
apropriação implica tempo e tempos, um ritmo ou ritmos, símbolos e
uma prática. Tanto mais o espaço é funcionalizado, tanto mais ele é
dominado pelos “agentes” que o manipulam tornando-o
unifuncional, menos ele se presta à apropriação. Por quê? Porque
ele se coloca fora do tempo vivido, aquele dos usuários, tempo
diverso e complexo. (Lefebvre, 1986:411-412, grifo do autor)
. enquanto “espaço-tempo vivido”, o território é sempre múltiplo, “diverso e complexo”, ao
contrário do território “unifuncional” proposto pela lógica capitalista hegemônica.
Podemos então afirmar que o território, imerso em relações de dominação e/ou de
apropriação sociedade-espaço, “desdobra-se ao longo de um continuum que vai da
dominação político-econômica mais ‘concreta’ e ‘funcional’ à apropriação mais subjetiva e/ou
‘cultural-simbólica’” (Haesbaert, 2004:95-96). Segundo Lefebvre, dominação e apropriação
deveriam caminhar juntas, ou melhor, esta última deveria prevalecer sobre a primeira, mas
a dinâmica de acumulação capitalista fez com que a primeira sobrepujasse quase
completamente a segunda, sufocando as possibilidades de uma efetiva “reapropriação” dos
espaços, dominados pelo aparato estatal-empresarial e/ou completamente transformados em
mercadoria.
A territorialidade, além de incorporar uma dimensão estritamente política, diz respeito também às relações
econômicas e culturais, pois está “intimamente ligada ao modo como as pessoas utilizam a terra, como
elas próprias se organizam no espaço e como elas dão significado ao lugar”. Sack afirma também:

A territorialidade, como um componente do poder, não é apenas um meio para criar e manter a ordem,
mas é uma estratégia para criar e manter grande parte do contexto geográfico através do qual nós
experimentamos o mundo e o dotamos de significado. (1986:219)

Portanto, todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes combinações, funcional e


simbólico, pois exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar “funções” quanto para produzir
“significados”. O território é funcional a começar pelo território como recurso, seja como proteção ou abrigo
(“lar” para o nosso repouso), seja como fonte de “recursos naturais” – “matérias-primas” que variam em
importância de acordo com o(s) modelo(s) de sociedade(s) vigente(s) (...)

Na verdade, são duas formas distintas de produção do


território enquanto recurso: os dominantes privilegiando seu
caráter funcional e mercantil, os dominados valorizando-o
mais enquanto garantia de sua sobrevivência cotidiana.
Para os “hegemonizados” o território adquire muitas vezes tamanha força que combina
com intensidades iguais funcionalidade (“recurso”) e identidade (“símbolo”). Assim, para
eles, literalmente (...) “perder seu território é desaparecer”.
É interessante como estas dimensões aparecem geminadas, sem nenhuma lógica a priori
para indicar a preponderância de uma sobre a outra: muitas vezes, por exemplo, é entre
aqueles que estão mais destituídos de seus recursos materiais que aparecem formas as
mais radicais de apego às identidades territoriais.
Assim, poderíamos falar em dois grandes “tipos ideais” ou referências “extremas” frente
aos quais podemos investigar o território, um mais funcional, outro mais simbólico.
“Território funcional” “Território simbólico”

Processos da desigualdade Processos de Apropriação


“Territórios da desigualdade” (Lefebvre)
“Territórios da diferença”

Território sem territorialidade Territorialidade sem território


(empiricamente impossível) (ex.: “Terra Prometida” dos
judeus)

Princípio da exclusividade Princípio da multiplicidade


(no seu extremo: (no seu extremo: múltiplas
unifuncionalidade) identidades)

Território como recurso, valor Território como símbolo, valor


de troca simbólico
(controle físico, produção, (“abrigo”, “lar”, segurança
lucro) afetiva)
(...) é fundamental perceber a historicidade do território, sua variação conforme o
contexto histórico e geográfico. Os objetivos dos processos de territorialização, ou
seja, de dominação e de apropriação do espaço, variam muito ao longo do tempo
e dos espaços.
Podemos falar em quatro grandes “fins” ou objetivos da territorialização, acumulados e
distintamente valorizados ao longo do tempo

abrigo físico, fonte de recursos materiais ou meio de produção

identificação ou simbolização de grupos através de referentes espaciais (a começar pela


própria fronteira)

disciplinarização ou controle através do espaço (fortalecimento da idéia de indivíduo


através de espaços também individualizados)

construção e controle de conexões e redes (fluxos, principalmente fluxos de pessoas,


mercadorias e informações)
- Múltiplos territórios
Se o território é moldado sempre dentro de relações de poder, em sentido lato, ele
envolve sempre, também, no dizer de Robert Sack, o controle de uma área. Este
controle, contudo, dependendo do tipo (mais funcional ou mais simbólico, por
exemplo) e dos sujeitos que o promovem (a grande empresa, o Estado, os grupos
locais, etc.), adquire níveis de intensidade os mais diversos. (...)
a) Territorializações mais fechadas, quase “uniterritoriais” no sentido de
imporem a correspondência entre poder político e identidade cultural,
ligadas ao fenômeno do territorialismo, como nos territórios defendidos por
grupos étnicos que se pretendem culturalmente homogêneos, não admitindo
a pluralidade territorial de poderes e identidades.

b) Territorializações político-funcionais mais tradicionais, como a do


Estado-nação que, mesmo admitindo certa pluralidade cultural (sob a
Identificação de
bandeira de uma mesma “nação” enquanto “comunidade imaginada”, nos
“múltiplos territórios” termos de Anderson, 1989), não admite a pluralidade de poderes.
(Haesbaert, 2002b e
c) Territorializações mais flexíveis, que admitem a sobreposição territorial,
2004)
seja sucessiva (como nos territórios periódicos ou espaços multifuncionais na
área central das grandes cidades) ou concomitantemente (como na
sobreposição “encaixada” de territorialidades político-administrativas).

d) Territorializações efetivamente múltiplas – uma “multiterritorialidade” em


sentido estrito, construídas por grupos ou indivíduos que constróem seus
territórios na conexão flexível de territórios multifuncionais e
multi-identitários.
- Multiterritorialidade

(...) a existência do que estamos denominando multiterritorialidade, pelo menos no


sentido de experimentar vários territórios ao mesmo tempo e de, a partir daí, formular
uma territorialização efetivamente múltipla, não é exatamente uma novidade, pelo
simples fato de que, se o processo de territorialização parte do nível individual ou de
pequenos grupos, toda relação social implica uma interação territorial, um
entrecruzamento de diferentes territórios. Em certo sentido, teríamos vivido sempre uma
“multiterritorialidade”. (Haesbaert, 2004:344)
territórios-rede
Estes (...) são por definição, sempre, territórios múltiplos, na medida em que podem conjugar
territórios-zona (manifestados numa escala espacialmente mais restrita) através de redes de
conexão (numa escala mais ampla). A partir daí se desenham também diferenciações dentro da
própria dinâmica de “multiterritorialização”. Embora nos propondo desdobrá-los em um trabalho
futuro, é necessário distinguir, por exemplo:
- os agentes que promovem a multiterritorialização e as profundas distinções em termos de
objetivos, estratégias e escalas;
- o caráter mais simbólico ou mais funcional da multiterritorialidade;
- as múltiplas “geometrias de poder” da compressão espaço-tempo, bem como o caráter
potencial ou efetivo de sua execução;
- o caráter contínuo ou descontínuo da multiterritorialidade, até que ponto ela ocorre pela
superposição, num mesmo espaço, de múltiplos territórios, ou até que ponto ela corresponde à
conexão de múltiplos territórios, em rede;
- a combinação de “tempos espaciais” incorporada à multiterritorialidade – podendo existir assim,
de certa forma, uma multiterritorialidade também no sentido das múltiplas territorialidades
acumuladas desigualmente ao longo do tempo (Santos, 1978).
- (Não) concluindo: implicações políticas do conceito
Numa breve (in)conclusão (...) podemos afirmar que o mais importante neste debate diz respeito
às implicações políticas do conceito de multiterritorialidade, suas repercussões em termos de
intervenção na realidade concreta ou como estratégia de poder. Como já afirmamos, é necessário
distinguir, por exemplo, entre a multiterritorialidade potencial (a possibilidade dela ser construída
ou acionada) e a multiterritorialidade efetiva, realizada:
As implicações políticas desta distinção são importantes, pois sabemos que a
disponibilidade do “recurso” multiterritorial – ou a possibilidade de ativar ou de
vivenciar concomitantemente múltiplos territórios – é estrategicamente muito relevante
na atualidade e, em geral, encontra-se acessível apenas a uma minoria. Assim,
enquanto uma elite globalizada tem a opção de escolher entre os territórios que
melhor lhe aprouver, vivenciando efetivamente uma multiterritorialidade, outros, na
base da pirâmide social, não têm sequer a opção do “primeiro” território, o território
como abrigo, fundamento mínimo de sua reprodução física cotidiana. (Haesbaert,
2004:360)

Se o discurso da desterritorialização serve, antes de mais nada, àqueles que pregam a destruição
de todo tipo de barreira espacial, ele claramente legitima a fluidez global dos circuitos do capital,
especialmente do capital financeiro, num mundo em que o ideal a ser alcançado seria o
desaparecimento do Estado, delegando todo poder às forças do mercado (...).
Falar não simplesmente em desterritorialização mas em multiterritorialidade e territórios-rede,
moldados no e pelo movimento, implica reconhecer a importância estratégica do espaço e do
território na dinâmica transformadora da sociedade. Inspiramo-nos aqui no “sentido global de
lugar” proposto por Doreen Massey (2000[1991]). Criticando as visões mais reacionárias que vêem
o lugar apenas como um espaço estável, de fronteiras bem delimitadas e identidades fixas (...), a
autora propõe uma visão “progressista” de lugar, “não fechado e defensivo”, voltado para fora e
adaptado a nossa era de compressão de tempo-espaço.

Numa visão mais tradicional, o lugar, como o território e o próprio espaço, era associado à
homogeneidade, ao imobilismo e à reação, frente à multiplicidade, ao movimento e ao progresso
ligados ao “tempo”. Uma consciência global do lugar, defendida por Massey, embora não possa
ser vista como boa ou má em si mesma, é a evidência de que hoje não temos mais espaços
fechados e identidades homogêneas e “autênticas”. Nossas vidas estão impregnadas com
influências provenientes de inúmeros outros espaços e escalas. A própria “singularidade” dos
lugares (e dos territórios) advém sobretudo de uma específica combinação de influências
diversas, que podem ser provenientes das mais diversas partes do mundo.
O território, como espaço dominado e/ou apropriado, manifesta hoje um sentido
multi-escalar e multi-dimensional que só pode ser devidamente apreendido dentro
de uma concepção de multiplicidade, de uma multiterritorialidade. E toda ação que
efetivamente se pretenda transformadora, hoje, necessita, obrigatoriamente,
encarar esta questão: ou se trabalha com a multiplicidade de nossos territórios, ou
não se alcançará nenhuma mudança positivamente inovadora. (...) Pensar
multiterritorialmente é a única perspectiva para construir uma outra sociedade, ao
mesmo tempo mais universalmente igualitária e mais multiculturalmente
reconhecedora das diferenças humanas.
Região e regionalismos - vínculos entre a
sociedade e o território em escala regional
(Álvaro Luiz Heidrich, 1999)

. Reflexões sobre as questões que fundamentam o


conceito de região:
- Necessidade de considerar o poder como uma das
formas de vínculo entre a sociedade e o território.

- essencial analisar as relações com o conceito de


regionalismo (p. 63)
“a região é pensada a partir dessa relação e num sentido
etimológico do termo é um espaço diferenciado pelo
estabelecimento de um particular domínio” (p. 64)

. manifestação de domínios atinentes à ordem natural;


. ordenamento histórico produz domínios humanos no espaço.
- “apresenta o poder” - “apropriação e o domínio do espaço
pela humanidade é ponto para compreensão do modo de
diferenciação do espaço”. (p. 64)
Região do quê?

. da Nação (Estado-nação) - “comunidade de interesses”


- formas específicas de reprodução econômica possibilitam a
construção do particularismo.
Alain Lipietz entende as relações entre regiões essencialmente
como relações sociais em dimensão espacial. Considera que as
diferenças regionais são estabelecidas pela combinação
diferenciada de modos de produção em sua articulação ao que é
dominante.
“Um esquema geral de diferenciação de áreas é princípio
de análise tomado por Massey (1981), que vê o fenômeno
como derivado da combinação entre uma nova divisão
espacial do trabalho e o padrão geográfico dos usos
anteriores”. Centraliza as preocupações num mecanismo
gerador de regiões. Assim, a região é vista como o produto
do “desenvolvimento espacial desigual do processo de
acumulação e seus efeitos nas relações sociais (inclusive
políticos)”. (p. 67)

Massey toma por fundamento o fato de que o "processo de


acumulação capitalista engendra continuamente o abandono de
algumas áreas, e a criação nelas de reservas de força de trabalho, a
inserção de outras áreas para novas ramos de produção e a
reestruturaçãoo da divisão territorial do trabalho e das relações de
classe em seu conjunto".
Para Lipietz, as diferenças regionais decorrem da própria diversidade nos tipos
de dominância daquilo que identifica como "modos de articulação" entre os
modos de produção. Dessa forma ele concebe uma determinação geral na
qual o capitalismo em articulação a outros modos de produção, dominados,
como a produção doméstica ou a pequena produção de mercadorias, gera a
formação de estruturas regionais.
Para Markusen "a diferenciação territorial em si mesma... não é base para a
diferenciação regional ou para a luta regional..., [a] menos que resulte de, ou
constitua, a base para alguma forma de opressão" (Op. cit., p. 84) exercida pelo
Estado. Por isso ela identifica o regionalismo como uma reivindicação territorial
relacionada diretamente a questão política e não necessariamente ligada a
diferenciação das formas assumidas pela dominação social ou a expressão
territorial da acumulação.
Como observa, "... uma classe capitalista regional pode reclamar da opressão
política exercida por outra nação ou região ... mas ao adquirir autonomia ou
fins classistas reformistas, pode tornar-se opressora em sua própria região".
A reivindicação ou a luta que encaminha no plano político a influência
ou a participação na direção do Estado, caracteriza-se como apropriação
particularizante do domínio público, como ampliação do interesse
particular ou setorial sobre o coletivo. Nesse sentido, a região - do
mesmo modo como mais evidentemente se percebe a nação - está ligada
a uma forma particularmente moderna de alcance e justificação do poder
político, da constituição do Estado territorial moderno, da separação entre
dominação social e poder político, entre domínio privado e domínio
público.
“(...) regionalismo como o sujeito que produz a região, conforme a
explicação de Markusen, a partir da ‘reivindicação política de um grupo de
pessoas identificado territorialmente contra um ou muitos mecanismos do
Estado’".
Questão de identidade

A consideração da identidade territorial como elemento importante da região e do


regionalismo implica considerar a produção de uma consciência do território. Moraes faz
a importante observação de que a "consciência está sediada, em termos estritos e
absolutos, no ser individual" (1988, p. 16), mas enfatiza: "[as] leituras individuais do mundo
se fazem por parâmetros gestados pela sociedade" (Ibid., p. 17), como uma tradição
cultural, por exemplo. Ressaltamos mais acima a importância do poder social e do político
na delimitação e apropriação do espaço, produzindo-se o território.
(...) necessidade de considerar a alienação como realidade inseparável do interesse e da
comunidade territorial, do Estado, da nação ou da região. Contribui para a produção da
alienação a representação do espaço realizada por ideologias geográficas, como fonte
alimentadora da "autoconsciência que os diferentes grupos sociais constroem a respeito
do seu espaço e da sua relação com ele" (Ibid., p. 44). À finalidade objetiva do espaço
como Iugar de vivência e convivência, as ideologias geográficas apresentam-no com um
perfil que considera a existência de um caráter, de um destino, quase sempre
justificadores de uma realidade econômica intrínseca e que propugnam a organização
do espaço.
A região (...) como resultado do interesse hegemônico da sociedade regional, é
região autodenominada pela vontade e pelo interesse em relação à unidade
territorial maior. É primeiramente representação para depois tornar-se realidade. (...)
incorpora-se como sentimento de pertencimento que legitima as ações em sua
defesa, sem desvelar as diferenças econômicas e sociais entre seus habitantes e
nem mesmo as variadas condições de participação política.

O regionalismo centra sua justificação na construção de uma regionalidade que


particulariza sua inserção no âmbito nacional. Sua coesão interna necessita da
presença de valores simbólicos, da disseminação de suas diferenças internas e
de apresentar-se frente a nação como conjunto integrado para ter força política.

(...) creio que deve ser reforçada a ênfase no fato de que o regionalismo é parte
de uma realidade pertinente à relação da sociedade com o território. Constitui
uma forma de manifestação do interesse de uma comunidade em relação ao
recorte territorial objeto do poder que predomina nela mesma.
Vínculos territoriais – discussão teórico-metodológica para o
estudo das territorialidades locais (Álvaro Luiz Heidrich, 2017)
(...) “por meio do estabelecimento de vínculos, por criações ou
invenções humanas, através das práticas sociais, é que se produz
território, que se constitui uma territorialidade” (Heidrich, 2006, p. 27).

Ter esse aspecto da territorialidade como princípio básico ajuda-nos a


pensá-la em dois aspectos importantes da discussão aqui presente: (a) a
territorialidade como ação constituída por grupos ou comunidades; e
(b) a territorialidade como um constructo derivado dessa ação, como
apropriação do espaço.

...) o aspecto mais contundente para essa distinção é a relação direta entre o ator e o espaço
territorializado. As ações que implicam as qualificações territoriais do espaço geográfico envolvem o
enlace entre atores, seus poderes e suas práticas. Nas abordagens de Geografia Social o território
consiste no “espaço social limitado, ocupado e utilizado por distintos grupos sociais como
consequência da colocação em prática de sua territorialidade ou do campo de poder (...) exercido pelas
instituições dominantes”.
- Espaço social, apropriação e território

Espaço social é um termo trabalhado como conceito importante nas ciências sociais. Na Geografia tem sido recurso de enfatizar a
conotação de espaço geográfico acionado, utilizado e percebido.

Apropriação para Henri Lefebvre (2000) não se simplifica por posses de bens, sejam eles materiais ou simbólicos, mas pela
constituição de um espaço inteiramente apropriado.

Com o enfoque regressivo-progressivo identifica mudanças e complexidades que se interpõem, como pela formulação de um
espaço abstrato (um concebido com a intencionalidade de impor ordem, dominação) e as contradições instauradoras de conflitos
entre as necessidades da reprodução das relações e as da produção do espaço no neocapitalismo moderno.

Para ele a combinação perdida mediante a produção do espaço recoloca a apropriação como prática contraposta à dominação.
Desse modo:

O resultado, sobre o terreno, é uma extraordinária dualidade de espaços,


que dá por sua vez a impressão de uma dualidade de poder político: de
um equilíbrio instável, de uma explosão rapidamente inevitável.
Impressão enganosa, já que estão precisamente atestadas as
capacidades repressivas e integradoras do espaço dominante. A
dualidade continuará, e, se não tiver lugar uma inversão da situação, o
espaço dominado se degradará. “Dualidade” quer dizer contradição e
conflito (Ibid., p. 405).
A atuação qualifica nossas geografias pelos aspectos práticos e simbólicos
presentes: pela conotação social atribuída ao espaço. Para os geógrafos Guy Di
Méo e Pascal Buléon (2007) (...) “numerosos atores e agentes sociais se
espacializam, ou melhor, se territorializam, na medida em que a relação privilegiada
(de designação, apropriação, qualificação) que mantêm com seu espaço de ação
transforma-o em território” (p. 31). Explicitam, contudo, que essa ação se dá desde
as formas “mais triviais (delimitação de uma parcela, edificação de uma casa, no
caso do agente mais que o ator) até as mais fundamentais: criação de uma cidade,
de uma barragem, de uma rede de transportes” (Ibid.).

A ação orientada pela intencionalidade da apropriação que um grupo-ator (...)


elabora deve ser vista por sua capacidade de criação e estabelecimento de tensão
com o espaço social. O grupo age a partir de seu coletivo e para um coletivo, ou
melhor: um espaço coletivo.
Como a discussão se refere à situação entrelaçada de território e espaço, é muito
oportuno interpor duas importantes referências: a reflexão de Rogério Haesbaert (1997,
2004) e de Robert Sack (2009). Rogério Haesbaert compreende o território tanto pela
apropriação como pela relação de dominação, desdobrando-se ao longo de um “continuun
que vai da dominação político-econômica mais ‘concreta’ e ‘funcional’ à apropriação mais
subjetiva e/ou ‘cultural-simbólica’” (2004, p. 95)9. ) . A excisão exposta por Henri Lefebvre
(2000) – também considerada por Rogério Haesbaert – implica um diferencial notável, pois
a dominação necessita da “fabricação” de um referente unificador dos sentidos, que, ao
contrário de elaborar uma criação como um conjunto das relações estabelecidas em
apropriação, organiza o espaço para a obediência, a disciplinarização. No neocapitalismo
moderno, Henri Lefebvre destaca a ausência quase plena da apropriação e a instauração
ordenada de um espaço social orientado para a reprodução das relações de produção.
Pode-se ver nas diversas categorias que Robert Sack (2009) enumera, as quais
aparecem cada vez mais nas sociedades capitalistas modernas (classificação, manutenção
de controle, reificação do poder, estipulação de normas públicas que reforçam a
impessoalidade etc.) a atribuição de elementos territoriais orientados para a dominação.
Não obstante, ele adverte que “os territórios são formas das relações espaciais socialmente
construídas e, seus efeitos, dependem de quem está controlando quem e por qual
propósito” (p. 216).
Essa discussão nos aponta para o reconhecimento de territorialidades
locais como espaços ocupados, praticados e imaginados de grupos e
coletividades. Como são expressões de território, podem se encontrar em
tensão com as demais territorialidades, de outras coletividades ou grupos
ou das integrações sociopolíticas máximas (...).

Todavia, é possível que as vivências territoriais sejam ampliadas,


particularmente nas condições atuais de circulação e comunicações.
Experiências como as vividas nas territorialidades derivadas de
deslocamentos forçados ou das populações tradicionais permitem manter
identidades com lugares vividos originais (...).

(...) ganha importância o estudo sobre as territorialidades locais e as tensões e os


conflitos a elas associados. A prática da apropriação não parece estar isenta do
tensionamento com o espaço social dominante (...). o vínculo necessita do grupo
atuante – um ator socioterritorial –, pois território se efetiva mesmo quando envolve
coletivos. Como método, a identificação desses elos isoladamente revelaria ainda o que
estaria por fazer ou acontecer para efetivar a tensão apropriada com o espaço. A
hipótese de estar a caminho, quem sabe não estaria revelando alguma de suas
qualidades, ou seja, territorialidades se expressando em lugares, corações e mentes?
Alguns questionamentos possíveis

Qual nosso papel enquanto intelectuais em processo de


formação em tratar das temáticas vistas?

Como a nossa leitura de mundo, com as contribuições


enquanto geógrafos em formação ou formados, auxilia para
uma leitura do que é região e regionalismo, da criticidade em
torno da construção desses conceitos, dos processos de
regionalismos e os fatores que estão imbricados a partir dos
textos que foram trabalhados até então?

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