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Instrumental
Autoras dos originais maria tereza de moura leite e valquiria da cunha paladino
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quais-
quer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou
banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2014.
isbn: 978-85-60923-29-8
cdd 469.5
Agradecimentos 3
Prefácio 7
O que é um texto? 98
Coerência: a construção do sentido 99
Coesão textual: o uso dos conectivos na construção do texto 100
Mecanismos de coesão textual: referencial, sequencial e recorrencial 101
Textualidade e seus fatores de coerência 110
A pontuação como fator de coesão e coerência (2ª parte) 116
Coesão nos pronomes demonstrativos: tempo, espaço, discurso 128
4. Sintaxe de regência verbal e nominal 135
“Deve-se escrever da mesma maneira com que as lavadeiras lá de Alagoas fazem em seu ofício.
Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho,
torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma,
duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando água com a mão. Batem
o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do
pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na
corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra
não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.”
Caro aluno:
7
Esperamos, pois, que este livro Português Instrumental, voltado para a produção e in-
terpretação de textos, contribua não apenas para ampliar sua capacidade de lidar com as
dificuldades e exigências da vida acadêmica, mas também para prepará-lo a enfrentar os
desafios do atual mercado de trabalho.
Finalmente, acreditamos bastante que a utilização deste livro venha a contribuir para
que as aulas de Português sejam momentos muito especiais e de resultados ainda mais
satisfatórios a todos os envolvidos no processo ensino-aprendizado.
8
Aspectos da
1 escrita: ortografia,
acentuação e
pontuação
1 Aspectos da escrita: ortografia,
acentuação e pontuação
Neste capítulo, far-se-á uma revisão de alguns aspectos relacionados à ortografia do portu-
guês. Tratar-se-á também das regras que definem como devem ser utilizados os acentos gráfi-
cos e serão discutidos os contextos associados a cada um dos diferentes sinais de pontuação.
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ
Na escrita de palavras e nomes estrangeiros (e seus derivados): show, playboy, playground, windsurf,
kung fu, yin, yang, William, kaiser, Kafka, kafkiano.
A grafia de certos fonemas provoca uma série de dificuldades no ato da escrita, como no
caso dos fonemas /s/, /z/. Descrevem-se a seguir algumas regras ortográficas com a finalidade
de esclarecer essas dificuldades.
10 • capítulo 1
Regras para o uso de S, SS, Ç, SC, SÇ CONCEITO
Dígrafo
Em substantivos derivados de verbos terminados em –nder, a sequ-
Dígrafo é o grupo de duas letras usa-
1 ência nd + vogal temática + r é substituída pela sequência –NSÃO.
do para representar um único fonema.
Exemplos: Estender- estensão; Ascender – ascensão
Em Português há os seguintes dígrafos:
RR, SS, NH, LH, CH, SC, SÇ, XC, GU, QU.
Em substantivos derivados do verbo ceder e seus compostos, a
2 sequência ced + e + r é substituída pela sequência –CESS.
Exemplos: Conceder - concessão; Exceder - Excesso, excessivo
ATENÇÃO
Atenção à grafia das palavras obsessão e obcecado.
Escreve-se com XC
Em algumas palavras de origem erudita, usa-se o dígrafo XC: excitar, excep-
cional, excesso, exceder, excêntrico, exceção, excelente.
Escreve-se com S
capítulo 1 • 11
Escreve-se com Z
Escreve-se com X
5 Nas palavras de origem indígena e africana: xavante, capixaba, xique-xique, xará, xingar.
Em algumas palavras, o fonema /z/ é representado pela letra x: exagero, exame, exausto,
6 executar, exemplo, êxito, exonerar, existir, exequível, exemplo, exílio.
Escreve-se com G
Palavras terminadas em –ágio, –égio, –ígio, –ógio, –úgio: pedágio, colégio, prestígio,
1 relógio, refúgio.
Escreve-se com J
12 • capítulo 1
Palavras de origem tupi, africana, árabe: jiboia, jirau, jiló, canjica, manjericão, jerimum,
2 pajé, canjica.
As palavras compostas (que formam um conjunto semântico) em geral são ligadas por hífen.
2 Exemplos: boa-fé, má-fé, decreto-lei, porta-retrato, primeiro-ministro, mesa-redonda.
Outras, consagradas pelo uso, NÃO levam hífen: girassol, pontapé, paraquedas, mandachuva.
capítulo 1 • 13
Usa-se o hífen nos compostos que designam espécies animais e botânicas (nomes
de plantas, flores, frutos, raízes, sementes), tendo ou não elementos de ligação, como
5 bem-te-vi, peixe-espada, peixe-do-paraíso, mico-leão-dourado, andorinha-da-serra,
lebre-da-patagônia, copos-de-leite, erva-doce, ervilha-de-cheiro, pimenta-do-reino,
peroba-do-campo, cravo-da-índia.
ATENÇÃO
NÃO se usa o hífen quando os compostos que designam espécies botânicas e zoológicas são empregados
fora de seu sentido original (sentido figurado). Observe a diferença de sentido entre os pares:
a) bico-de-papagaio (espécie de planta ornamental) – bico de papagaio (deformação nas vértebras).
b) olho-de-boi (espécie de peixe) – olho de boi (espécie de selo postal).
Expressões latinas, SEM hífen: advogado ad hoc, verbi gratia. As exceções consagra-
6 das pelo uso são habeas-corpus e habeas-data, com hífen, mas sem acento.
Nas formações com prefixo, usa-se o hífen quando o 1º elemento termina por vogal
9 igual à que inicia o 2º elemento: anti-ibérico, arqui-inimigo, auto-ônibus, sobre-estimar,
micro-ônibus, micro-ondas.
Mas se o 1º elemento termina por vogal diferente da que inicia o 2º elemento, NÃO se
usa hífen: aeroespacial, agroindustrial, antiácido, euroasiático, antiaéreo, autoescola. Se
10 o 2º elemento começa por r ou s, essas consoantes devem ser dobradas: antessala,
antirreligioso, contrarregra, contrassenso, corréu, corréus, contrarrazões, contrarrevolu-
ção, minissaia, antirracismo, ultrassom, semirreta.
14 • capítulo 1
Os prefixos co, pro, pre e re (todos sem acento) em geral se aglutinam com o 2º ele-
mento, mesmo quando iniciado por e ou o: coedição, coautor, coautoria, preeleito, reeleito,
11 reeleição, coabitar, coerdeiro, coerdar, preexistir, preencher, prejulgar, preordenar.
Mas usa-se hífen se o 1º elemento tiver acento gráfico: pós-graduação, pré-escolar,
pré-histórico, pré-molar, pré-cozido.
Usa-se hífen quando o 1º elemento é ex, vice, sota, soto: ex-presidente, vice-presidente,
13 ex-ministro, sota-almirante, soto-capitão.
Usa-se hífen quando o 1º elemento termina por vogal, sob, sub e prefixos terminados
em r (hiper, super e inter) e o segundo elemento começa por h: bio-histórico, poli-hidrite,
14 sub-hepático, sub-humano, super-homem.
Mas palavras de uso consagrado não mudam, como reidratar, reabilitar, reabituar, reabitar,
reumanizar, reaver. São aceitas as formas carboidrato e carbo-hidrato.
Usa-se hífen quando o 1º elemento termina por b (ab, ob, sob, sub) ou d (ad) e o 2º
elemento começa por b ou r: sub-bélico, sub-rogar, ad-referendum, sub-reitor, sub-reptil,
sub-reptício, ab-rogar, ab-rupto (ou abrupto).
15 Mas sem hífen nos demais casos, como subalimentar, subestimar, subchefe, subdiretor,
subfaturar, subgrupo, subemprego, subdividir, submundo, suburbano, subprocurador,
subliminar.
NÃO se usa hífen com os prefixos des e in quando o 2º elemento perde o h inicial:
16 desumano, inábil, inumano.
NÃO se usa hífen com a palavra não com função prefixal: não violência, não agressão,
17 não comparecimento.
Nas formações com sufixos de origem tupi-guarani, que representam formas adjetivas,
emprega-se o hífen quando o 1º elemento termina por vogal acentuada graficamente ou
18 quando a pronúncia exige a distinção gráfica dos dois elementos: amoré-guaçu, anafá-
mirim, capim-açu, Ceará-Mirim.
Mas, escreve-se sem o hífen em Mogi Guaçu, Mogi Mirim, Mogi das Cruzes.
capítulo 1 • 15
ATENÇÃO
Com mal, usa-se o hífen quando a palavra seguinte começar por vogal, h ou l, como em mal-entendido,
mal-estar, mal-humorado, mal-educado, mal-limpo.
Quando mal significa doença, usa-se o hífen, se não houver elemento de ligação, como em mal-francês.
Se houver elemento de ligação, escreve-se sem o hífen. Observe: mal de lázaro (lepra), mal de sete dias
(tétano umbilical ou tétano neonatal).
Emprego do porquê
Há quatro formas para o emprego do porquê, cada qual com um uso específico. O mais im-
portante é não se deixar enganar pela solução tradicional e superficial de saber “qual é o da
pergunta e qual é o da resposta”.
Com as explicações abaixo, não há mais como ter dúvidas. Basta utilizá-las como refe-
rência de pesquisa sempre que empregar os porquês, para saber exatamente a distinção
entre cada um deles.
A forma POR QUE pode ser identificada ao se substituir por “por qual motivo, por qual ra-
zão”. Observe os exemplos abaixo:
EXEMPLO
Por que ainda temos tantas dúvidas?
Em breve entenderemos por que tínhamos tantas dúvidas.
Eles não disseram por que, depois de tanto tempo de estudo, ainda permaneciam as dúvidas.
ATENÇÃO
A forma POR QUE também pode ser simplesmente a preposição POR ao lado do pronome relativo QUE, e,
nesse caso, pode ser substituída, para efeito de confirmação, por “pelo qual” e flexões.
Exemplo: A transportadora por que os livros serão enviados definiu sua rota de entrega. (= pela qual)
A forma POR QUÊ também significa “por qual motivo, por qual razão”. A diferença de
uso entre essa forma e POR QUE se dá pela observação da conclusão ou não da ideia
contida em POR QUE. Repare o exemplo:
16 • capítulo 1
Se tirarmos da frase a “continuação” do POR QUE, ele ganhará um acento. Normalmen-
te se diz que o acento aparece no fim da frase. Isso faz sentido, pois, se a frase termina, é
óbvio que a ideia não continua.
Ou, então:
A forma PORQUE pode ser substituída por algum termo que denote causa ou explicação,
como “pois, uma vez que, já que”. Independe se aparecer em uma pergunta ou resposta.
Antes de empregá-lo, confira se o sentido não é o de “por qual motivo”, o que indicaria que
a forma correta seria POR QUE.
EXEMPLO
Ainda temos muitas dúvidas porque faltou aprendizado em uma fase mais madura da vida.
Porque ele não tem dúvidas, todos não devem ter?
ATENÇÃO
Observe as duas frases abaixo:
No primeiro caso, o sentido é: “Sabemos, pois alguém nos informou.” Estamos apresentando a causa
de sabermos.
No segundo caso, o sentido é: “Sabemos por qual razão nos escolheram para receber a informação.” Esta-
mos dizendo o que sabemos, o complemento do verbo saber.
capítulo 1 • 17
Esse porquê satisfez a todos.
ATENÇÃO
Caso surja no final de uma frase, imediatamente antes de um ponto (final, de interrogação, de exclamação)
ou de reticências, a sequência deve ser grafada por quê, pois, devido à posição na frase, a palavra "que"
passa a ser tônica.
A forma porquê representa um substantivo, significando "causa", "razão", "motivo" e normalmente surge
acompanhada de palavra determinante (artigo, por exemplo).
A forma porque é uma conjunção, equivalendo a pois, já que, uma vez que, como, sendo geralmente utili-
zada em respostas, para explicação ou causa.
EXEMPLO
EU li o jornal “O Globo” hoje. (sujeito)
Ela trouxe o jornal “O Globo” para MIM. (não é sujeito)
Entretanto, observe:
Ela trouxe o jornal “O Globo” para EU ler.
Nesse último caso são duas orações. “Ela trouxe o jornal “O Globo” é a oração principal e “para EU ler” é
oração reduzida de infinitivo (para que eu lesse).
Deve-se usar o pronome pessoal reto (EU), porque exerce a função de sujeito do verbo no infinitivo
(LER). Essa função só pode ser exercida pelos pronomes pessoais retos, nunca por pronomes pessoais
oblíquos, como é o caso do pronome MIM.
18 • capítulo 1
RESUMO
A diferença entre PARA MIM e PARA EU está na presença ou não de um verbo sempre no infinitivo
após o pronome.
Portanto, sempre que houver um verbo no infinitivo, devem-se usar os pronomes pessoais retos, qualquer
que seja a preposição.
ATENÇÃO
No caso da expressão “entre MIM e você”, tem-se a preposição ENTRE antes e não há verbo após o
pronome. Isso significa que se deve usar sempre o pronome pessoal oblíquo “MIM” em vez do pronome
pessoal reto “EU”. Observe.
Palavras oxítonas
Acentuam-se as palavras oxítonas terminadas nas vogais –a, –e, –o (seguidas ou não de –s):
sofá, bebês, pajé, cipó.
capítulo 1 • 19
Acentuam-se as palavras oxítonas terminadas em –em, –ens: alguém, parabéns, amém.
Acentuam-se os ditongos abertos e tônicos –éi, –éu, –ói (seguidos ou não de –s) apenas nas
palavras oxítonas e nos monossílabos tônicos: anéis, chapéus, herói, caubóis; véu, véus, céu, dói.
Os monossílabos tônicos seguem as regras das oxítonas terminadas nas vogais –a, –e, –o
(seguidas ou não de –s): pá, pés, pó, fé.
ATENÇÃO
As palavras oxítonas são aquelas em que a tonicidade está na última sílaba. As paroxítonas são aquelas em
que a tonicidade está na penúltima sílaba. Já as proparoxítonas são aquelas em que a tonicidade está na
antepenúltima sílaba. Monossílabos são palavras de uma só sílaba.
Palavras oxítonas
Recebem acento gráfico as palavras paroxítonas terminadas em:
Palavras proparoxítonas
Acentuam-se todas as palavras proparoxítonas.
Exemplos: cômoda, véspera, lívida, álibi, lâmpada, paralelepípedo.
Acentuam-se ainda as palavras terminadas em ditongo oral crescente, seguidas ou não de –s,
que admitem uma pronúncia com hiato final, como: náusea, história, glória, secretária, rosário,
espécies, vácuo, argênteo, amêndoa.
Casos especiais
Nas palavras oxítonas e paroxítonas, acentuam-se o –i e o –u tônicos dos hiatos quando ocor-
rem sozinhos na sílaba ou seguidos de –s, como Piauí ( Pi-au-í), baús (ba-ús), aí (a-í), juízes
(ju-í-zes), saúde (sa-ú-de), balaústre (ba-la-ús-tre).
20 • capítulo 1
Também não se acentuam o –i e o –u tônicos dos hiatos quando precedidos de ditongo decres-
cente: feiura (fei-u-ra), bocaiuva (bo-cai-u-va), piauiense (pi-au-i-en-se). Exceção: quando o hiato
vier no final da palavra: tuiuiús (tui-ui-ús), Piauí (Pi-au-í).
ATENÇÃO
Embora não esteja expresso no Acordo Ortográfico, o VOLP considera para essa regra apenas os ditongos
decrescentes. Em palavras com ditongo crescente, a regra não vale: ex.: guaíra, guaíba, suaíli.
Fonte: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=11930&sid=785
Acentos Diferenciais
Acentuam-se as formas verbais indicativas de terceira pessoa do plural dos verbos ter e vir (e
seus derivados), para distingui-las da forma da terceira pessoa do singular: ele tem – eles têm;
ele vem – eles vêm.
Pôr (infinitivo verbal, encontrado também no substantivo composto pôr-do-sol) e por (preposição).
Pôde (forma verbal de 3ª pessoa do singular, passado) e pode (forma verbal de terceira pes-
soa do singular, presente).
Quê (substantivo, interjeição, pronome, quando ocorre no final do enunciado) e que (nas de-
mais funções e ocorrências).
ATENÇÃO
1. Não se usam mais os acentos gráficos nos ditongos abertos “ei” e “oi” das palavras paroxítonas: ideia,
joia, boia (substantivo), boia (forma verbal), assembleia, apoia (forma verbal), apoio (forma verbal).
2. O trema foi eliminado – aguentar, sequestro, bilíngue, tranquilo, cinquenta – e só será usado nas pala-
vras estrangeiras e em suas derivadas, como Müller, mülleriano; Bündchen.
3. Não são assinaladas com acento gráfico as palavras com os hiatos –oo e –ee: formas verbais
creem, deem, leem, veem e seus derivados: descreem, desdeem, releem, reveem; voo, enjoo, entoo,
perdoo, povoo, zoo.
capítulo 1 • 21
4. São assinaladas com acento gráfico os homógrafos: pôde (pretérito perfeito) e pode (presente), pôr
(verbo) e por (preposição).
5. Não se assinala com acento gráfico o u tônico da forma rizotônica de arguir e redarguir: arguo,
arguis, argui.
6. Verbos como aguar, apaziguar, averiguar, desaguar, enxaguar, obliquar, delinquir e afins possuem dois
paradigmas, a saber: com o u tônico em formas rizotônicas sem acento gráfico, como averiguo, averigue;
com o a ou o i dos radicais tônicos acentuados graficamente, como averíguo, enxáguo.
A língua portuguesa apresenta palavras que são parecidas na grafia e/ou na pronúncia, mas
possuem significados diferentes. Essas palavras são chamadas de parônimas.
EXEMPLO
ABSORVER – fazer desaparecer um líquido CONCERTO – audição de música clássica, acordo
ABSOLVER –julgar inocente CONSERTO – reparo
AMORAL – ausência de moral CALDA – parte líquida de um doce
IMORAL – contrário à moral CAUDA – rabo de animais
ACENDER – iluminar CERRAR – fechar
ASCENDER – elevar SERRAR – cortar
ACENTO – símbolo gráfico CENSO – recenseamento
ASSENTO – lugar de sentar SENSO – juízo
ACIDENTE – acontecimento casual grave DEFERIR – conceder
INCIDENTE – acontecimento casual sem gravidade DIFERIR – adiar, divergir, distinguir-se
APRESSAR – acelerar DESCRIÇÃO – ato de descrever
APREÇAR – atribuir preço, perguntar preço DISCRIÇÃO – reserva em atos e atitudes
ANTI – ação contrária (prefixo) DESPERCEBIDO – desatento
ANTE – em frente (preposição) DESAPERCEBIDO – despreparado, desprevenido
ÁREA – espaço DESCRIMINAR – absolver, inocentar
ÁRIA – qualquer peça musical DISCRIMINAR – estabelecer diferença, segregar
COMPRIMENTO – extensão, medida, tamanho DISPENSA – isenção
CUMPRIMENTO – saudação DESPENSA – cômodo ou lugar para guardar objetos
CAVALHEIRO – homem de boas maneiras DELATAR – denunciar
CAVALEIRO – homem que monta a cavalo DILATAR – aumentar as dimensões
CASSAR – anular o mandato político EMERGIR – vir à tona, despontar
CAÇAR – capturar IMERGIR – mergulhar
COSER – costurar ESTÁTICO – parado
COZER – cozinhar EXTÁTICO – em estado de êxtase
22 • capítulo 1
EMIGRANTE – quem sai voluntaria- INSERTO – inserido CONCEITO
mente de seu próprio país para se esta- LAÇO – nó que se desata sem esforço
belecer em outro LASSO – frouxo Homônimas homógrafas
IMIGRANTE – quem entra em outro MANDATO – período de ação política Palavras de mesma grafia e diferente
país a fim de se estabelecer MANDADO – ordem pronúncia.
EMINENTE – destacado, elevado PLEITO – disputa Exemplos: jogo (substantivo) e jogo
IMINENTE – prestes a acontecer PREITO – homenagem (verbo).
ESPERTO – vivo, sagaz RATIFICAR – confirmar
EXPERTO – experiente, perito RETIFICAR – corrigir, alterar, modificar Homônimas homófonas
ESTADA – permanência de pessoas RECREAR – divertir Palavras com mesmo som e grafia di-
ESTADIA – permanência de veículos RECRIAR – criar novamente ferente.
ESPIAR – observar secretamente RUÇO – difícil, grisalho, descolorido Exemplos: cessão (ato de ceder), sessão
EXPIAR – pagar, redimir RUSSO – originário da Rússia (atividade), seção (setor).
ESPIRAR – respirar SOAR – emitir som
EXPIRAR – exalar o ar; morrer SUAR – transpirar Homônimas perfeitas
EMIGRAR – sair de determinado lugar SEXTA – numeral Palavras com mesma grafia e mesmo som.
IMIGRAR – entrar em determinado lugar CESTA – recipiente Exemplos: planta (substantivo) e planta
FLAGRANTE- evidente SESTA – descanso após o almoço (verbo); morro (substantivo) e morro
FRAGRANTE – perfumado, aromático SORTIDO – abastecido (verbo).
FLUIR – correr com abundância SURTIDO – provocado
FRUIR – desfrutar, aproveitar TRÁFEGO – trânsito de veículos em
FUZIL – arma de fogo vias públicas MULTIMÍDIA
FUSÍVEL – capacidade de se fundir TRÁFICO – comércio desonesto ou ilí-
INCIPIENTE – inexperiente cito Para assistir
INSIPIENTE – ignorante TERRAPLANAGEM – encher de terra O filme “Caramuru A Invenção do Bra-
INFLAÇÃO – desvalorização da moeda até tornar plano sil”, dirigido por Guel Arraes, trabalha as
INFRAÇÃO – violação da lei – desres- TERRAPLENAGEM – encher de terra relações semânticas na sociedade, por
peito até tornar pleno, cheio meio de recursos audiovisuais. O filme
INTEMERATO – puro, íntegro VIAJEM – flexão do verbo viajar traz trechos que explicitam essa relação
INTIMORATO – valente VIAGEM – substantivo do significado das palavras, suas defini-
INCERTO – que não é certo ções e propriedades semânticas.
Palavras homônimas
A palavra manga pode ser usada para definir o fruto tropical, próprio do
Brasil, a parte da camisa que cobre os braços e, no sentido de palavra
originária do verbete mangar, que significa zombaria, curtição, como se
o macaco estivesse mangando de alguém.
As palavras homônimas podem ser idênticas na pronúncia, mas di-
ferentes na escrita (homônimas homófonas); idênticas na escrita, mas
diferentes na pronúncia (homônimas homógrafas) ou idênticas na pro-
núncia e na escrita (homônimas homófonas homógrafas ou homônimas
perfeitas). Mas, em todos esses casos, os significados entre os pares de
palavras são sempre diferentes.
capítulo 1 • 23
A palavra manga pode ser classificada como homônima homófona homógrafa ou
homônima perfeita.
O fenômeno da crase
A palavra crase designa, em gramática normativa, a contração da preposição a com o artigo
feminino a. Graficamente, é o acento grave (`) o sinal que indica a presença da crase (a + a = à).
Como usar?
EXEMPLO
• A perder de vista.
• A partir das 10h.
• Começou a chorar.
• Prefere sair a ficar em casa.
— Diga uma coisa, Manolito. Você nunca ficou de castigo um dia inteiro por causa de alguma
travessura?
— Nunca!
— Meu pai diz que esse negócio de castigo é como um cheque a prazo...
— ... e ele prefere dar umas bofetadas à vista
Se a compra é “a prazo”, deveria ser “a vista” sem o acento da crase, pois não haveria o ar-
tigo feminino. Há autores, contudo, que defendem a crase para todas as locuções adverbiais
24 • capítulo 1
femininas, incluindo aí o “à vista” e o “à venda”. Por uma questão até de clareza: “Vender
a vista” sem o acento da crase pode parecer que se está vendendo o órgão da visão: o olho.
Por essa razão, opta-se pelo uso do acento da crase para desfazer a ambiguidade. Sendo
assim, muitos estudiosos defendem o uso do acento da crase para todas as locuções adver-
biais femininas, como:
O acento grave indicador da crase está correto em “[...] não obedecia à minha mãe”,
porque é facultativo antes de pronome possessivo feminino.
capítulo 1 • 25
CONCEITO
A crase não é um acento, é a contração de 'a' mais 'a'. Para haver crase, é necessário que existam dois 'aa'.
O primeiro 'a' é a preposição, e o segundo 'a' pode aparecer em três casos diferentes, a saber:
a) Artigo definido:
“Ele se referiu a (preposição) + a (artigo) carta.” = “Ele se referiu à carta”.
“Ele entregou o documento a (preposição) + as (artigo) professoras” = “Ele entregou o documento às
professoras.”
b) Pronome demonstrativo:
“Sua camisa é igual a (preposição) + a (pronome = a camisa) do meu pai” = “Sua camisa é igual à do meu pai”.
“Ele fez referência a (preposição) + as (pronome = aquelas) que saíram” = “Ele fez referência às que saíram”.
c) Vogal 'a' inicial dos pronomes 'aquele', 'aqueles', 'aquela', 'aquelas' e 'aquilo':
“Ele se referiu a (preposição) + aquele livro” = “Ele se referiu àquele livro”
“Ele fez alusão a (preposição) + aquelas obras” = “Ele fez alusão àquelas obras”
“Prefiro isso a (preposição) + aquilo” = “Prefiro isso àquilo”.
Crase, portanto, não é acento, mas sim a fusão de duas vogais iguais.
26 • capítulo 1
Emprego de À, À QUE, ÀS QUE
Quando o a das expressões a que, as que for pronome demonstrativo, elas podem vir regidas
da preposição a, caso em que se usam as formas acentuadas à que, às que. Se o a antes de
que for apenas preposição, não levará o acento grave indicativo da crase.
Para haver crase é necessário, pois, que existam dois aa. O primeiro a é preposição, o
segundo, como visto, pode ser: artigo definido (a/as), pronome demonstrativo (a/as), ou a
vogal a inicial dos pronomes demonstrativos aquele, aqueles, aquela, aquelas e aquilo.
capítulo 1 • 27
Locuções: adverbiais, prepositivas e conjuntivas
ATENÇÃO
Nas locuções prepositivas e adverbiais, só haverá o acento grave com palavras femininas: à custa de, à
procura de, à mercê de, à moda de.
28 • capítulo 1
À una (= conjuntamente) a
à espera de à espanhola
uma só voz
Nas locuções à prestação, à máquina, à mão, à tinta, à faca, à chave, o acento grave está condi-
cionado ao sentido do contexto, pois nem sempre representa uma contração. Usa-se como sinal
esclarecedor do sentido da frase: cheirar a gasolina e cheirar à gasolina / receber a bala e rece-
ber à bala / matar a fome e matar à fome...
Casos inaceitáveis
Por NÃO haver artigo definido a/as, é impossível ocorrer crase, nos casos a seguir:
capítulo 1 • 29
3 Antes de verbos
30 • capítulo 1
7 Antes de pronomes indefinidos
EXEMPLO
— Acabou o carnaval. Não temos mais desculpas.
— Certo.
— Vamos enfrentar a realidade cara a cara. Chega de adiamentos.
— Certo.
— Alguma pergunta?
— Sim. Quando é a páscoa?
capítulo 1 • 31
Com as expressões daqui a, dali a, daí a, não ocorre a crase. Em adjuntos adverbiais de
tempo introduzidos por essas expressões, a partícula a é simples preposição.
Casos especiais
Quando a palavra casa não significa lar, domicílio, e sim estabelecimento comercial, hos-
pitalar, residência oficial de chefe de Estado, dinastia, torna-se obrigatório o uso da crase:
Como a palavra terra, no sentido de terra firme, chão (em oposição a bordo, mar), não
recebe artigo definido, NÃO haverá crase:
32 • capítulo 1
2. Pronomes Possessivos
O uso do artigo antes dos pronomes possessivos fica a critério de quem escreve. Daí a pos-
sibilidade de ser facultativo o emprego da crase:
Os pronomes adjetivos possessivos que aparecem nas expressões Nosso Pai, Nosso Senhor,
Nossa Senhora não admitem a presença de artigo:
A imprensa noticia que uma adolescente angrense diz ter visto Nossa Senhora.
3. Numerais
Antes de numerais cardinais, referentes a substantivos não determinados pelo artigo,
não há crase:
Usa-se, porém, o acento grave nas locuções adverbiais que exprimem hora determinada
e nos casos em que o numeral estiver precedido de artigo, pois há crase:
capítulo 1 • 33
Chegamos às oito horas da noite.
Assisti às duas sessões de ontem.
Entregaram-se os prêmios às três alunas vencedoras.
A aula começa sempre às 7 h.
A reunião será às 10 h.
A sessão só começará às 17 h.
A próxima reunião será à uma hora da tarde.
Se houver a presença de outra preposição, significa que não há a preposição a, logo não
haverá crase:
Antes de nomes próprios (pessoa célebre ou lugar) que repelem o artigo, não ocor-
rerá a crase:
34 • capítulo 1
Rezo a Nossa Senhora.
Dedicaram templos a Minerva e a Júpiter.
O guerreiro falou a Iracema.
O historiador referiu-se a Joana d’Arc.
Fiz uma promessa a Santa Teresinha.
Iremos a Curitiba e depois a Londrina.
Fomos a Paquetá.
Haverá crase quando o nome próprio admitir o artigo ou vier acompanhado de adjetivo
ou locução adjetiva:
Fomos à Bahia.
Chegamos à Argentina.
Referiu-se à Roma dos Césares.
Cheguei à histórica Ouro Preto.
Não se emprega o artigo diante de nomes próprios quando os adjetivos São, Santo ou
Santa aparecem como parte integrante do nome:
RESUMO
Há ocorrência da crase:
a) Quando se pode trocar o a por ao.
b) Antes da palavra casa, quando especificada.
c) Antes da palavra terra — no sentido de “terra natal” (no sentido de chão não haverá crase).
d) Antes da palavra distância — só quando determinada.
e) Diante de palavra feminina subentendida — ocorrendo troca de a por ao.
f) Antes de aquele, aquela, aquilo trocados por ao.
g) Antes de localidade, na troca de a por da ou na, e ainda para a.
capítulo 1 • 35
A Crase é facultativa:
a) Antes de pronome possessivo (minha, sua).
b) Antes de nomes próprios femininos.
Bilhete
36 • capítulo 1
Atualmente, firma-se que, entre os instrumentos que a língua dispõe a todos aqueles
que dela fazem uso, encontra-se a pontuação, que é fundamental para que o efeito do sen-
tido se faça coerentemente compreensível: “Pontuar bem é ter visão clara da estrutura do
pensamento e da frase”. “Pontuar bem é governar as rédeas da frase”. “Pontuar bem é ter
ordem no pensar e na expressão”.
Para estudar a Pontuação da Língua Portuguesa, é importante observar a organização
mais usual das sentenças. Geralmente, os enunciados seguem certa sequência – chamada
ordem direta –, que se inicia com o sujeito, seguido de verbo, de complementos e, final-
mente, de expressões adverbiais (Sujeito + Verbo + O Restante).
Segundo Bechara (1999, p. 581-582), dentre os casos de colocação usual ou normal (or-
dem direta), em português sobressaem-se os seguintes:
Colocação do adjunto não representado por adjetivo (artigo, pronome adjunto, quantifi-
c cadores) antes do substantivo (a mulher generosa, minha tia rica, sete pecados capitais,
muitos livros raros);
Colocação do objeto direto antes do indireto, quando constituídos por substantivos (Es-
f creveram cartas à família de Lílian Telles).
A Vírgula
A vírgula serve apenas para separar os termos de uma oração ou as orações de um período,
assim como os elementos frasais deslocados. A ordem normal dos termos na frase é sujeito
+ verbo + complemento(s) (o restante). Quando há uma frase nessa ordem, não se separam
seus termos imediatos.
Ressalta-se que não pode haver vírgula entre o sujeito e o verbo e o verbo e o seu comple-
mento, nem entre o nome e seu complemento nominal.
As palavras em sua posição natural não precisam de vírgula, ou seja, não se coloca vírgu-
la entre sujeito e verbo, entre verbo e complementos – desde que atendam ao requisito da
sequência natural sem intercalações ou deslocamentos.
capítulo 1 • 37
O preceito básico é usar a vírgula somente onde haja uma quebra da estrutura lógica da
frase, porque a vírgula marca justamente um deslocamento de palavras ou orações da sua
ordem normal, ou uma quebra, uma interrupção do pensamento, que é o caso das duas
vírgulas que marcam as intercalações.
Emprego da vírgula
ATENÇÃO
Ocorre elipse quando se omite um termo ou oração que facilmente se pode identificar ou subentender no
contexto. Pode ocorrer na supressão de pronomes, conjunções, preposições ou verbos.
38 • capítulo 1
Toda inserção na frase básica deve ser indicada ao leitor por meio de alguma forma de
pontuação; portanto, no caso de intercalações, devem-se usar vírgulas, travessões, parênte-
ses ou colchetes, sinais esses que marcam uma espécie de gradação natural, dando maior
rapidez e organização à leitura.
Maria Antônia deu a todos os seus primos um presente no Dia das Crianças; ao seu irmão, apenas
um beijo.
O ministro afirmou, aliás, que não haverá aumento de impostos durante o seu governo.
Neste caso, como se vê, além dos componentes básicos da frase – sujeito, verbo, objeto
direto, objeto indireto e adjunto adverbial –, há outros elementos, geralmente, com função
persuasiva, que são adicionados depois que a frase básica está completa e que, portanto,
sempre virão separados por vírgulas.
CONCEITO
Aposto
O aposto é um termo que amplia, explica, desenvolve ou resume o conteúdo de outro termo.
Nem sempre o aposto é separado do termo a que se refere por vírgulas; podem ser utilizados também
travessões ou dois pontos.
O promotor fez sua proposta: que você passe a trabalhar em obras sociais. (Oração subordinada
substantiva apositiva)
A obra de Euclides da Cunha — sobretudo Os Sertões — entrou para a História. (Aposto)
capítulo 1 • 39
ATENÇÃO
Na série de sujeitos seguidos imediatamente de verbo, o último sujeito da série não é separado do verbo
por vírgula.
O vocativo é o único termo isolado dentro da oração, pois não se liga ao verbo nem ao
nome; portanto, não faz parte do sujeito nem do predicado. A função do vocativo é chamar
ou interpelar o elemento a que se está dirigindo.
O vocativo é sempre marcado por sinal de pontuação (vírgula ou entre vírgulas).
Vitória, capital do Espírito Santo, é uma ilha que possui belas praias.
O aposto especificativo, diferentemente dos demais tipos, não pode vir marcado
13 por sinais de pontuação (dois pontos, travessões ou vírgulas).
40 • capítulo 1
O conector pois pode ser inserido na frase de duas formas, e isso acarreta-
rá classificações distintas. Quando vier no início da oração que introduz será
14 antecedido de vírgula (explicativo); mas se estiver deslocado, virá sempre entre
vírgulas (conclusivo), equivalente, nesse caso, a portanto.
Ponto e Vírgula
Mário Quintana
O ponto e vírgula denota que o período não se encontra encerrado totalmente, mas que
também não pertence à oração anterior, evitando-se fragmentar as partes do período em
nome da clareza e buscando um emprego coesivo com melhor qualidade.
“Um traz água pura, fonte de vida; o outro leva embora dejetos pútridos.”
“Assim, os livros ficam proibidos; a população, mais ignorante; os editores, cautelosos na seleção
do que publicar.”
a) Era incrível a variedade dos adornos; contudo, a pessoa não gostou de nenhum.
b) As doses eram diminutas; tinham, portanto, de aguardar longo prazo pelo efeito.
c) A natureza das relações sociais constitui a base do desenvolvimento das capacidades huma-
nas; logo, das qualificações.
d) Mas a curiosidade por Roma é eterna; por isso a vanguarda da arqueologia mudou.
capítulo 1 • 41
Há feitos, porém, que têm curso normal no período de férias, isto é, processam-se durante as fé-
rias e não se suspendem, como os demais pela superveniência delas. Acham-se eles enumerados
pelo artigo 174 do Código de Processo Civil e são os seguintes:
I. os atos de jurisdição voluntária bem como os necessários à conservação de direitos, quando
possam ser prejudicados pelo adiamento;
II. as causas de alimentos provisionais, de dação ou remoção de tutores e curadores, bem como
as mencionadas no art. 275;
III. todas as causas que a lei federal determinar.
Dois Pontos
Os dois pontos apresentam uma função bastante própria: a da enunciação; aparecem em fra-
ses não concluídas com o objetivo de organizar e separar as partes componentes do período.
Usam-se dois pontos:
Os convidados da festa que já chegaram são estes: Júlia, Renata, Paulo e Antônio.
São os dois pontos o sinal de pontuação preferível após o vocativo que encabeça ou ini-
cia uma carta, requerimento, ofício (quando menos por motivos estéticos, já que acaba
uma linha, e a seguinte começa com inicial maiúscula), embora muitos empreguem vírgu-
la, ponto de exclamação, ponto, ou mesmo dispensem qualquer sinal:
42 • capítulo 1
Caros amigos:
Prezados Senhores:
Senhor Diretor:
Ponto Final
O ponto simples final serve para encerrar períodos que terminem por qualquer tipo de ora-
ção que não seja a interrogativa direta, a exclamativa e as reticências. É empregado, ainda,
para acompanhar muitas palavras abreviadas. Com frequência, aproxima-se das funções
do ponto-e-vírgula e do travessão que, às vezes, aparecem em seu lugar.
“Ele é bochechudo. Dorme muito. Come com as mãos. Mora com a mãe. Não é exatamente o tipo de
personagem que se espera encontrar no foco das altas finanças, da diplomacia internacional e de
fascínio científico. Mas Tai Shan é um filhote de panda gigante e isso faz dele, bem, um urso especial.
Fonte: http://www.singularsaobernardo.com.br/portal/emn/ar/professores/zaine/pontuacao/pon-
tuacao.pdf, Acessado em 13.10.2014.
Ponto Parágrafo
Um grupo de períodos cujas orações se prendem pelo mesmo centro de interesse é sepa-
rado por ponto. Quando se passa de um para outro centro de interesse, impõe-se a obriga-
toriedade do emprego do ponto parágrafo iniciando-se a escrever, na outra linha, com a
mesma distância da margem com que foi começado o escrito.
Ponto de Exclamação
O ponto de exclamação é importante recurso para dar expressividade à leitura e à escrita,
além de ser responsável pela variação melódica que se imprime à voz. Põe-se no fim da ora-
ção enunciada com entonação exclamativa.
a) Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora e uma voz que bradava: “Missa do
Galo! Missa do Galo!” (Machado de Assis)
b) — Viva o meu príncipe! Sim, senhor... Eis aqui um comedouro muito compreensível e muito
repousante, Jacinto!
— Então janta, homem! (Eça de Queiroz)
capítulo 1 • 43
Pode ser associado ao ponto de interrogação para indicar uma atitude de sur-
2 presa ou uma expectativa diante de algum fato, com ausência de resposta.
3 Algumas vezes aparece nas exclamações que contêm certo tom interrogativo.
Ponto de Interrogação
O uso do ponto de interrogação implica uma inflexão de voz bem característica quando se lê
o texto em que ele aparece ou mesmo quando ao suscitar dúvida ou expectativa nas interro-
gações diretas. Normalmente é usado para indicar interrogações diretas – típicas dos diálo-
gos – e nas interrogações indiretas livres – fusão das linguagens do narrador e personagem.
Enquanto a interrogação concluída no final de enunciado requer maiúscula inicial da
palavra seguinte, a interrogação interna, quase sempre fictícia, não exige essa inicial mai-
úscula da palavra seguinte:
“[...] Egídio Joia, presidente do Clube Comercial, tenta, em vão?, defender a Baixada Fluminense.”
44 • capítulo 1
Reticências
Usadas com o propósito da sugestão, as reticências dizem respeito à natureza emocional
do escritor que intenta tocar a imaginação do leitor com a interrupção violenta ou suave em
determinado pensamento.
São empregadas para:
Quando forem reticências iniciais, indicam que se omitiu parte do texto. Neste
3 caso devem vir entre colchetes.
“[...] Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapa-
lho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática,
ficou linda, ficou lindíssima.” (Machado de Assis)
Aspas
As aspas, também conhecidas por vírgulas dobradas (às vezes em forma de cunhas), são
sinais com que, normalmente, se abrem e fecham citações.
As palavras e expressões estrangeiras, de igual modo, devem vir entre aspas, permi-
tindo-se também explicitar tal circunstância com o uso de grifo equivalente, sublinha-
do, itálico ou negrito:
“[...] O voltarete, o dominó e o ‘whist’ são remédios aprovados. O ‘whist’ tem até a rara vantagem de
acostumar ao silêncio, que é a forma mais acentuada da circunspecção. Não digo o mesmo da nata-
ção, da equitação e da ginástica, embora elas façam repousar o cérebro; mas por isso mesmo que o fa-
zem repousar, restituem-lhe as forças e a atividade perdidas. O bilhar é excelente”. (Machado de Assis)
Parênteses
Os parênteses são empregados para isolar, em algum momento do texto, palavras, locuções
ou frases intercaladas no período com caráter explicativo ou acessório.
capítulo 1 • 45
“Um gaiato anônimo, que sempre os há, comentou (e a piada se espalhou pela cidade) que só faltavam
ao arranjo floral alguns cravos-de-defunto”.
Travessão
Dos sinais de pontuação, o travessão é um dos mais requisitados atualmente, pelo fato de
proporcionar maior clareza do que as vírgulas nas intercalações longas e maior ênfase nos
destaques. Travessões substituem e são substituíveis por dois pontos, parênteses ou duas vír-
gulas, dependendo do caso. Trata-se de importante recurso expressivo, no caso de se querer
dar ênfase a certa expressão ou palavra especial.
Não pode ser confundido, entretanto, com o hífen, já que é um traço maior.
“Era uma vez uma choupana que ardia na estrada; a dona — um triste molambo de mulher — chorava
o seu desastre, a poucos passos, sentada no chão.”
“— Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar
a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma
é a condição da sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí
o caráter conservador e benéfico da guerra.
Machado de Assis
RESUMO
1. A pontuação aparece sempre em posições que indicam fronteiras sintático-semânticas; aliás, é prin-
cipalmente para isso que ela serve, ou seja, para separar termos deslocados, evitando sentidos confusos,
incoerentes e ambiguidades.
2. Há mais de uma possibilidade de pontuar um texto; daí muitos gramáticos apresentarem-na como “a
arte de dividir, por meio de sinais gráficos, as partes do discurso que não têm entre si ligação íntima, e de
mostrar do modo mais claro as relações que existem entre essas partes”.
46 • capítulo 1
Qualidades da comunicação escrita: clareza,
concisão, adequação vocabular, correção gramatical.
Em nome da CLAREZA deve-se fazer uso de palavras simples e conhecidas, porque as pala-
vras de uso corrente são de mais fácil entendimento. O texto escrito com palavras conheci-
das é mais transparente e legível, ao contrário do texto que tem palavras difíceis e por isso
se torna confuso, de difícil entendimento.
Para facilitar a clareza do texto:
É importante o leitor entender o que o texto quer passar instantaneamente; isso faz com que
a ele continue a leitura até o final.
As palavras devem ser usadas em seu sentido denotativo, respeitando as acepções regis-
b tradas em nossos dicionários, evitando-se palavras em sentido figurado.
Não se pode confundir simplicidade com vulgarismo; logo, palavras e expressões popula-
c res ou chulas são inadequadas ao texto escrito.
A interpretação ambígua pode ser desencadeada pelo uso de uma palavra que não permite
identificação precisa de seu referente no texto. É o caso, por exemplo, do uso indevido do
f pronome relativo. Não é incomum o resultado de um mau uso desse pronome gerar inter-
pretações problemáticas.
capítulo 1 • 47
Deve-se evitar também a construção de orações intercaladas, porque alongam a frase e
g separam palavras que se complementam, dificultando o entendimento do texto.
CONCEITO
Ambiguidade
É a indeterminação de sentido que certas palavras ou expressões apresentam, dificultando a compreensão
do enunciado.
Sentido literal
Sentido literal (ou denotativo) é o significado básico (dicionarizado) das palavras, expressões e enunciado
da língua.
Sentido figurado
Sentido figurado (ou conotativo) é aquele que as palavras, expressões e enunciados adquirem em situa-
ções particulares de uso, quando o contexto exige que o leitor perceba que o sentido literal foi modificado,
e as palavras e expressões ganham um novo significado.
Antítese
É uma figura de pensamento que consiste na associação de ideias contrárias, por meio de palavras ou
enunciados de sentido oposto.
Ironia
É o efeito resultante do uso de uma palavra ou expressão que, em um contexto específico, ganha sentido
oposto ou diverso daquele em que costuma ser utilizada.
Em nome da clareza, deve-se fazer uso da ordem direta, ou seja, o sujeito deve ser colocado
antes do predicado e a oração principal antes da subordinada, pois as informações mais
importantes devem vir no início da frase.
Deve-se priorizar a construção da voz ativa porque ela dinamiza, acelera a leitura, facili-
tando a compreensão, diferentemente do que ocorre na voz da passiva, que alonga o texto
e dificulta o entendimento.
Observe: “Governo anuncia pacote de medidas” (voz ativa) e “Pacote de medidas é anun-
ciado pelo Governo” (voz passiva). É perfeitamente perceptível a clareza e a dinamicidade
dada ao enunciado no primeiro exemplo.
Construir uma frase invertendo a posição natural dos termos não é “erro”, mas dificulta
a leitura. Logo, se hoje o objetivo principal é a clareza da frase ou do enunciado, é preferível
o uso de frases curtas, em ordem direta (sujeito + verbo + o restante).
48 • capítulo 1
CONCEITO
Voz passiva
É a estrutura sintática em que o sujeito é o paciente do processo expresso pelo verbo, ou melhor, em que
esse sujeito sintático sofre a ação verbal.
Agente da passiva
É o termo que exprime, nas estruturas da voz passiva analítica, o agente da ação verbal, sofrida pelo sujeito
da oração.
Períodos curtos
Os períodos curtos são mais fáceis de ler e não cansam, enquanto o período longo é exaustivo
e complicado. Alguns períodos, de tão longos se tornam ininteligíveis. O leitor tem que reler,
voltando atrás para entender a ideia central do texto, o que pode fazê-lo desistir da leitura.
Concisão
Ser conciso é dizer o necessário com o mínimo de palavras. É ser objetivo e direto. Concisão
é, pois, antônimo de prolixidade (escrever o desnecessário)
Em nome da concisão, deve-se evitar: repetição de palavras, redundâncias e o desneces-
sário
A concisão consiste em apresentar um texto que consegue transmitir um máximo de
informações com um mínimo de palavras. Ser conciso, no entanto, não significa que se vá
eliminar passagens substanciais do texto, no intuito de reduzi-lo em tamanho.
Trata-se, exclusivamente, de evitar os circunlóquios ou perífrases, palavras inúteis, re-
dundâncias ou pleonasmos, passagens que nada acrescentam ao que já foi dito.
Alguns pleonasmos são considerados, inclusive, vícios de linguagem, por isso devem ser
evitados, pois representam má qualidade na escrita. Eles ocorrem sempre que a ideia repe-
tida informa uma obviedade e não desempenha qualquer função expressiva no enunciado.
Exemplos comuns de pleonasmo vicioso são as expressões subir para cima, descer para
baixo, entrar para dentro, sair para fora, ser o principal protagonista, evidências concretas.
Acrescenta-se, ainda, que se deve priorizar sempre as palavras com o menor número
possível de sílabas em busca de um texto mais enxuto, conciso.
O estilo deve ser o mais objetivo possível (impessoal), evitando-se o subjetivismo (mar-
cas pessoais) e tudo o que possa dificultar a progressão do pensamento.
EXEMPLO
“É uma triste realidade – tradicional e costumeira – que a diversão popular (e ela abrange várias modali-
dades circunscritas a épocas ou regiões diversas) geralmente é oferecida ao povo (podemos remontar à
capítulo 1 • 49
Roma Antiga), visando não ao objetivo precípuo da diversão – dar lazer a quem dele necessite –, mas sim
visando a uma alienação dos seres pensantes em relação à situação política vigente, a fim de que eles não
pensem na fome, na miséria e na injustiça, suas companheiras de infortúnio e dor.”
Adequação vocabular
Muitas palavras podem assumir significados diferentes segundo o contexto. É como dizia
Carlos Drummond de Andrade em “Procura da poesia”: “[...] cada uma (a palavra) tem mil
faces sob a face neutra”.
Isso significa que por meio do contexto pode-se atribuir significados diferentes a uma
mesma palavra.
Agostinho Dias Carneiro (2001:66) descreve seis critérios de adequação vocabular, lis-
tados a seguir:
1 A adequação ao referente
A escolha de um vocábulo deve se basear na especificidade de seu conteúdo. Quanto mais espe-
cífica a palavra, melhor é o entendimento do texto.
Na frase “Paulo estava muito triste com a separação, por isso, foi à praia, sentou-se na areia e viu
o sol.” Se substituirmos o verbo ver por contemplar, a comunicação será certamente mais efetiva,
pois nesse contexto o uso do vocábulo contemplar é mais adequado.
50 • capítulo 1
4 Adequação à situação de comunicação
Refere-se, esse critério, ao uso de vocábulos formais ou informais e ainda aos estrangeirismos.
Lembrando que palavras estrangeiras devem ser grafadas entre aspas nas redações e só devem
ser usadas quando necessárias, ou melhor, quando forem importantes para o entendimento, em
uma situação de estilo, ou quando não houver palavra equivalente na Língua Portuguesa.
5 Adequação ao código
É relevante para esse critério a correção não só ortográfica, mas também semântica, respeitando
os significados dicionarizados.
6 Adequação ao contexto
As situações textuais revelam-se nas relações desenvolvidas entre as palavras do texto. Por exem-
plo, se há relação de causa e consequência – tropeçar/cair; se há relação de finalidade – livro/
estudar; se há relação de parte e todo – rei/xadrez; se há relação de sinonímia – aroma/perfume;
se há relação de antonímia – entrar/sair; se há relação de unidade e coletivo – livro/biblioteca; se
há relação de objeto e ação – cadeira/sentar e se há relação simbólica – pomba/paz.
ATENÇÃO
Cuidado!
O uso do vocábulo fora de um desses critérios e até mesmo em critério inadequado à situação será erro.
Correção gramatical
Deve-se produzir textos na modalidade culta da língua, com competência linguística, obe-
decendo rigorosamente às normas gramaticais estabelecidas pela nossa Nomenclatura
Gramatical Brasileira (NGB), de ortografia, acentuação, concordância, regência, crase, pon-
tuação, sintaxe, dentre outras.
CONCEITO
Duplo sentido
É a propriedade que têm certas palavras e expressões da língua de serem interpretadas de duas maneiras
diferentes.
capítulo 1 • 51
RESUMO
Um texto coeso, coerente, conciso, correto linguisticamente e com uma boa seleção de palavras é, em
geral, elegante. E a elegância de um texto escrito não está em seu rebuscamento ou dimensão, mas em
sua simplicidade, adequação vocabular e nas demais qualidades da comunicação escrita aqui estudadas.
REFLEXÃO
E-mail
O correio eletrônico e-mail, por seu baixo custo e celeridade, transformou-se na principal forma de comu-
nicação. O e-mail institucional já é considerado como documento comprobatório, por essa razão deve-se
também ficar atento à formalidade nesse tipo de comunicação, fazendo uso adequado das normas gra-
maticais, da modalização da linguagem e do uso adequado dos pronomes pessoais de tratamento, não se
esquecendo, em momento algum, da obrigatoriedade do uso da modalidade culta da língua.
LEITURA
Manual de Redação da Presidência da República de 2002. Disponível em: http://www.biblioteca.presiden-
cia.gov.br/publicacoes-oficiais-manual-de-redacao-da-presidencia-da-epublica. Acessado em 11/9/2014.
52 • capítulo 1
Sintaxe:
12 articulação
dos termos da
oração
2 Sintaxe: articulação dos
termos da oração
Introdução ao estudo da sintaxe: frase, oração e
período
Este capítulo traz alguns conceitos fundamentais de Análise Sintática – frase, oração e pe-
ríodo –, bem como algumas regras gramaticais referentes à Língua Portuguesa, para maior
aprimoramento da produção textual.
Sintaxe é a parte da Gramática que estuda a palavra, não em si, mas em relação às ou-
tras que com ela se unem para exprimir o pensamento. A sintaxe, ao disciplinar as re-
lações entre as palavras, contribui de modo fundamental para a clareza da exposição e
para a ordenação das ideias.
A Sintaxe pode ser definida como o conjunto de regras que determinam as diferen-
tes possibilidades de associação das palavras da língua para a formação dos enuncia-
dos. É função da sintaxe organizar a estrutura das unidades linguísticas que se combi-
narão em sentenças.
A sintaxe considera a oração ou proposição como um todo, e as palavras que a cons-
tituem como termos essenciais ou secundários da proposição. O que em análise mor-
fológica é substantivo, como termo de oração é sujeito ou objeto; o que lá se classifica
como verbo, por denotar ação ou estado, na oração faz papel de predicado e chama-se
predicado; o que num caso se denomina adjetivo, no outro, atendendo à função oracio-
nal, é o predicativo (atributo).
A sintaxe examina, assim, a estrutura do período, divide e classifica as orações que o
constituem e reconhece a função sintática dos termos de cada oração.
O que é frase?
As palavras, tanto na expressão escrita como na oral, são reunidas e ordenadas em frases.
Por meio da frase é que se alcança o objetivo do discurso ou atividade linguística, que é a
comunicação com o ouvinte ou com o leitor.
CONCEITO
Frase é todo enunciado capaz de transmitir, a quem ouve ou lê, tudo o que se pensa, quer ou sente, con-
forme exemplos apresentados na charge acima. Pode revestir as mais variadas formas, desde a simples
palavra até o período mais complexo, elaborado segundo os padrões sintáticos do idioma.
54 • capítulo 2
EXEMPLO
Socorro!
Sentinela, alerta!
Que horror!
As luzes da cidade estavam apagadas.
O que é oração?
CONCEITO
A oração é a frase de estrutura sintática que apresenta, normalmente, sujeito e predicado e, excepcional-
mente, só o predicado.
Analisando apenas o enunciado “Por que não usamos meu celular”, percebe-se que se
está diante de um período simples, formado apenas por uma oração, pois só existe um úni-
co verbo (usar/usamos) nesse enunciado.
Na oração as palavras estão relacionadas entre si como partes de um conjunto harmô-
nico, pois elas são os termos ou as unidades sintáticas da oração. Cada termo da oração
desempenha uma função sintática.
capítulo 2 • 55
EXEMPLO
Os termos essenciais são o sujeito e o predicado, responsáveis pela estrutura básica da
oração, ou seja, a oração reúne, na maioria das vezes, duas unidades significativas entre as
quais se estabelece a relação predicativa – o sujeito e o predicado.
CONCEITO
Sujeito
É o termo com o qual o verbo da oração concorda em número (singular ou plural) e pessoa (1ª, 2ª, 3ª).
Predicado
É o termo da oração que faz uma predicação, isto é, uma afirmação sobre o sujeito. No caso das orações
sem sujeito, a predicação é feita genericamente. O núcleo do predicado pode ser um verbo, um nome, ou
pode ser constituído de um verbo e de um nome.
Cada um dos termos da oração apresenta uma palavra principal (geralmente um subs-
tantivo, pronome ou verbo), que encerra a essência de sua significação.
Assim, no exemplo apresentado, as palavras jardineiro e podou são o núcleo do sujeito
e do predicado, respectivamente.
A maioria das orações apresenta um sujeito e um predicado, embora também possam
ocorrer orações sem sujeito, mas não sem predicado, já que oração se caracteriza por ter
uma palavra fundamental que é o verbo (ou sintagma verbal).
Em “Choveu durante a noite”, por exemplo, o verbo flexionado na 3ª pessoa marca o
sujeito gramatical, isto é, assinalado apenas gramaticalmente, pois não admite sujeito.
Diz-se que o verbo é impessoal e a oração é sem sujeito. Por essa razão, entende-se que
nem mesmo o sujeito é um constituinte imprescindível da oração e, por conseguinte, da
relação predicativa, pois há aqui sujeito inexistente.
De acordo com sua importância, os termos da oração se dizem essenciais, integrantes
e acessórios.
Os termos integrantes têm a função de complementar o sentido de determinados verbos
e nomes. São eles: o objeto direto e o objeto indireto (complementos verbais), o comple-
mento nominal e o agente da passiva.
Os termos acessórios modificam ou especificam outros termos, não sendo fundamentais
para a estrutura sintática das orações. São eles: o adjunto adnominal, o adjunto adverbial e
o aposto. Sua ocorrência nas orações se justifica por razões de ordem semântica e discursiva.
Portanto, a Oração é um enunciado linguístico que apresenta uma estrutura caracteri-
zada sintaticamente pela presença obrigatória de um predicado. O predicado é introduzi-
do, na oração, por um verbo.
Por esse motivo se diz que toda oração precisa ter um verbo.
56 • capítulo 2
A frase diferencia-se, basicamente, da oração por esta ser constituída de sujeito (po-
dendo não estar em nível oracional) e predicado (obrigatório), além de inúmeros termos e
também orações.
Sintaticamente, a oração é todo enunciado construído em torno de um verbo. Embora
não haja oração sem verbo, não basta simplesmente ter verbo para ser oração, é imprescin-
dível que as palavras estejam relacionadas e façam sentido.
Período
A gramática normativa prevê ainda um outro tipo de unidade sintática, que é o período. O
Período é um enunciado de sentido completo, constituído por uma ou mais orações. O iní-
cio e o fim do período são marcados, na fala, pelo uso de uma entoação característica e, na
escrita, pelo uso de uma pontuação específica, que delimita sua extensão.
O enunciado ou período é tudo aquilo que é dito ou escrito. É uma sequência de palavras
de uma língua que costuma ser delimitada por marcas formais: na fala, pela entoação; na es-
crita, pela pontuação. O enunciado está sempre associado ao contexto em que é produzido.
Assim, toda manifestação da linguagem com vistas à comunicação com nossos seme-
lhantes constrói-se com uma sequência de unidades linguísticas delimitadas a que se dá o
nome de enunciado ou período.
Tipos de períodos
O período pode ser simples (uma única oração) ou composto (mais de uma oração). No
período simples “A menina comprou uma linda boneca.” há apenas uma oração e ela é
classificada como oração absoluta.
Ao se estudar a sintaxe do período composto, identifica-se o tipo de relação (de coordena-
ção ou de subordinação) que se estabelece entre as orações no interior do período; investiga-
se a natureza da relação semântica que se estabelece entre as orações; e, quando o período é
composto por subordinação, procura-se identificar a que termos equivalem as orações subor-
dinadas na estrutura da oração principal e que função elas exercem em relação a essa oração.
Período composto por coordenação é aquele construído por orações sintaticamente indepen-
dentes, que se apresentam organizadas em uma sequência. Em termos de significação, cada
uma delas vale por si e o sentido do período é construído pela “soma” de todas elas.
Em “Saímos de manhã e voltamos à noite”, há um período composto formado por duas orações.
Essas orações são independentes, estando apenas coordenadas entre si, mas sem nenhuma
dependência sintática entre elas.
Já o período composto por subordinação é aquele constituído por uma oração principal à qual
se subordinam as demais orações, que atuam, sintaticamente, como termos da oração principal
capítulo 2 • 57
(sujeito, objeto direto, objeto indireto, complemento nominal, predicativo, aposto, agente da pas-
siva, adjunto adnominal e adjunto adverbial).
Em “O problema do projeto foi que ninguém previu todas as suas consequências”, o período é
composto por subordinação, contendo duas orações.
Nesse período, existe apenas uma oração principal e uma subordinada substantiva predicativa.
Nota-se que a oração principal –“O problema do projeto foi (...)”– é sempre incompleta, e as ora-
ções subordinadas é que desempenham a função sintática que falta na principal.
b Concordância dos vocábulos de acordo com certos princípios fixados na língua (Concordância);
Ordem dos vocábulos de acordo com sua função sintática e importância na comunhão das
c ideias (Colocação).
58 • capítulo 2
Já a concordância verbal se estabelece entre o verbo, em suas flexões de número e pes-
soa, e o sujeito da oração com o qual se relaciona.
adjetivo referido
ATENÇÃO
Os adjetivos, pronomes adjetivos, artigos, numerais e particípios concordam em gênero e número com o
núcleo do sintagma nominal que determinam, isto é, flexionam-se em gênero e número, acompanhando as
flexões do elemento substantivo (substantivo, pronome ou numeral substantivo) a que se referem.
Sintagmas são unidades mínimas entre as quais se estabelecem uma relação de deter-
minação. Em uma relação sintagmática, um dos elementos modifica ou determina o outro,
especificando-o de alguma maneira. Em “menina levada”, o elemento determinado é “me-
nina”, pois é o elemento que sofre modificação; “levada” é o elemento determinante, isto é,
elemento que modifica o outro termo do sintagma.
Os sintagmas nominais têm por núcleo um substantivo; os sintagmas verbais têm por
núcleo um verbo (“comprei” flores).
Os substantivos são núcleos dos sintagmas nominais, funcionando como: sujeitos, ob-
jetos diretos, indiretos, predicativos do sujeito, predicativos do objeto, complementos no-
minais, adjuntos adnominais, adjuntos adverbiais, agentes da passiva, apostos,vocativos.
ATENÇÃO
Complemento nominal é o substantivo ou o pronome substantivo preposicionado que completa o sentido
de um substantivo, adjetivo ou de um advérbio que tenha base nominal.
Exemplo: Tenho necessidade de atividades físicas.
A expressão atividades físicas é um complemento nominal porque completa o sentido do substantivo abs-
trato necessidade.
capítulo 2 • 59
Adjetivo /adjunto adnominal
Regra Geral
O adjetivo concorda em gênero e número com o substantivo mais próximo, ou seja, com o pri-
meiro deles.
ATENÇÃO
Quando os substantivos são nomes próprios ou nomes de parentesco, o adjetivo vai sempre para o plural.
60 • capítulo 2
Maria Antonia comprou dois vestidos e um chapéu escuros.
Maria Antonia comprou dois vestidos e um chapéu escuro.
ATENÇÃO
Quando está em concordância apenas com o substantivo mais próximo, o adjetivo nem sempre caracteriza
de forma precisa o substantivo dele distanciado. Por isso, em todas as hipóteses mencionadas, pode-se
e deve-se, caso a concordância origine qualquer dúvida, repetir o adjetivo para cada um dos substantivos.
Casos gerais
EXEMPLO
Cansados ficaram o pai e o filho.
Cansadas ficaram a mãe e a filha.
Cansados ficaram o pai e a mãe.
capítulo 2 • 61
Adjetivo/predicativo de sujeito simples ou composto
predicativo do objeto.
predicativo do sujeito.
predicativo do sujeito.
ATENÇÃO
O predicativo anteposto deve concordar com o substantivo mais próximo, se o verbo estiver no singular.
É proibido entrada.
É importante observar que um único substantivo pode ser modificado por dois ou
5 mais adjetivos. Nesse caso, o substantivo irá para o plural ou ficará no singular.
62 • capítulo 2
A escola particular e a pública.
A língua portuguesa e a francesa.
ATENÇÃO
Quando o adjetivo vem posposto aos substantivos e funciona como predicativo, vai para o plural.
b) Quando o adjetivo vem anteposto aos substantivos, concorda, por norma, com o elemento
mais próximo.
Era dotado de extraordinária coragem e talento.
ATENÇÃO
No caso b, quando o adjetivo anteposto for um predicativo (do sujeito ou do objeto), poderá concordar com
o substantivo mais próximo ou ir para o plural.
capítulo 2 • 63
8 Um só substantivo e mais de um adjetivo.
Quando um único substantivo vem qualificado por mais de um adjetivo, ocorrem, de modo geral, as
seguintes concordâncias:
a) o substantivo fica no singular e repete-se o artigo antes de cada adjetivo.
O produto conquistou o mercado europeu e o americano.
b) o substantivo vai para o plural e não se repete o artigo antes de cada adjetivo.
O produto conquistou os mercados europeu e americano.
9 Bastante / bastantes
Há palavras que, na frase, podem funcionar ora com valor adverbial, ora com valor adjetivo.
Pode-se descrever o seu comportamento da seguinte maneira:
a) são adverbiais – portanto invariáveis – quando se referem a verbos ou adjetivos.
Falaram bastante do assunto.
Suas opiniões são bastante discutíveis.
Os seres melhor adaptados sobrevivem.
Estão, neste caso, palavras como pouco, muito, bastante, barato, caro, meio, longe.
Anexo e obrigado são palavras adjetivas e, como tais, devem concordar com o nome a que se
referem.
Seguem anexas as listas de preços. Muito obrigado, disse ele.
Seguem anexos os planos de aula. Muito obrigada, disse ela.
Na expressão muito obrigado, o particípio é usado com valor adjetivo, razão por que deve concor-
dar em gênero e número com o gênero da pessoa que fala. Logo, se o agradecimento parte de
uma mulher, a expressão deve assumir a forma feminina; se parte de um homem, deve assumir a
forma masculina.
ATENÇÃO
Em anexo fica invariável.
64 • capítulo 2
São também adjetivas as seguintes palavras: incluso, mesmo, apenso, próprio, quite, leso. Concordam,
portanto, com os nomes a que se referem.
Crime de lesa-pátria.
Eu estou quite com meus credores.
Elas mesmas falaram.
11 Só – sós / a sós
Só, quando equivale a somente, é palavra denotativa de exclusão e invariável; quando equivale a
sozinho, é adjetivo e variável.
Nas expressões: o mais possível, o menos possível, o melhor possível, o pior possível, o vocábulo
possível varia ou não, em sintonia com o artigo que encabeça a expressão. Na expressão quanto
possível, o adjetivo possível é invariável.
ATENÇÃO
Todo substantivo com valor de adjetivo fica invariável.
capítulo 2 • 65
todo (= totalmente) é o único advérbio que se flexiona.
Casos particulares
a) Substantivo em
Adjetivo no masculino Não é permitido en-
sentido indetermina-
(neutro) trada nesse recinto.
do (sem artigo)
Predicativo
b) Substantivo com
Adjetivo concorda com Só é permitida a en-
sentido determinado
o substantivo trada a funcionários.
(com artigo)
66 • capítulo 2
a) Pronome adjetivo
Tenho bastantes ami-
indefinido (= muitos), Variável
gos, felizmente.
referido a substantivo.
Bastante
b) Advérbio (= muito),
Estavam bastante
referido a adjetivo ou Invariável
alegres, na festa.
a verbo.
Ela é pseudo-admi-
Pseudo, Alerta, nistradora. Por isso,
São palavras invariáveis
Salvo, Exceto fiquemos sempre
alerta.
ATENÇÃO
Caso os substantivos a serem modificados por um adjetivo no plural sejam de gêneros diferentes, a con-
cordância será feita no masculino plural.
Os adjetivos podem ir para o plural ou concordar em número com o substantivo mais próximo, se houver
uma sequência de substantivos no singular cujo encadeamento construa uma ideia de gradação:
Os noivos foram tomados por uma emoção, de uma alegria, de um entusiasmo contagiantes ao
final da cerimônia religiosa.
Os noivos foram tomados por uma emoção, de uma alegria, de um entusiasmo contagiante ao
final da cerimônia religiosa.
capítulo 2 • 67
RESUMO
A concordância nominal se baseia na relação entre um substantivo (ou pronome, ou numeral substan-
tivo) e as palavras que a ele se ligam para caracterizá-lo, como artigos, adjetivos, pronomes adjetivos,
numerais adjetivos e particípios.
O rebanho e os pastores voltaram do pasto num tranquilo bando.( sujeito: o rebanho e os pastores)
ATENÇÃO
O sujeito simples apresenta um único núcleo, enquanto o sujeito composto apresenta mais de um núcleo.
Núcleo é o termo central de um sintagma (nominal ou verbal). Outro termo pode ser a ele anexados e
subordinados.
Nos dois primeiros exemplos, cada sujeito apresenta um único núcleo: paisagem, José. No terceiro, há dois
núcleos: rebanho e pastores.
No último exemplo, tem-se sujeito desinencial ou elíptico (Nós). Esse tipo de sujeito é aquele que, em-
bora não venha explicitado na oração, pode ser identificado pela flexão número-pessoal do verbo ou pela
sua presença em outra oração do mesmo período ou de um período antecedente.
Sujeito indeterminado é quando não é possível identificar um referente explícito na oração - ou no con-
texto do enunciado - para a flexão verbal.
Sujeito inexistente acontece quando o verbo da oração é impessoal, ou seja, não se refere a nenhuma
pessoa do discurso. A esta dá-se o nome de Oração sem sujeito: No verão, anoitece mais tarde. (Anoite-
ce - verbo impessoal). Verbos impessoais são os que indicam fenômeno da natureza, como: chover, nevar,
relampejar, trovejar; é também o verbo haver no sentido de ‘existir’: havia muitas pessoas na fila do cinema.
A regra geral estabelece que o verbo assume a flexão de número (singular ou plural) e de
pessoa (1ª, 2ª, 3ª) com o termo da oração ao qual se refere. A concordância verbal está sem-
pre presente na articulação entre o sujeito e o verbo.
68 • capítulo 2
Sujeito composto
ATENÇÃO
Contemporaneamente, vários gramáticos e bons escritores empregam o verbo na 3ª pessoa do plural,
quando o sujeito composto é formado por um elemento da segunda pessoa e um da terceira, já que o
tratamento vós vem desaparecendo na língua portuguesa contemporânea.
Pontes, viadutos, túneis, nada disso é prioritário em uma cidade como São Paulo.
Filmes, teatros, novelas, amigos, nada o tirava de sua apatia.
Bombons, balas, pastéis, tudo era devorado pelas crianças.
capítulo 2 • 69
As expressões um e outro e nem um nem outras seguidas ou não por substantivo
2 singular, verbo no singular ou plural; porém a preferência atual é pelo singular.
ATENÇÃO
Verbo no singular – quando se quer destacar o conjunto como unidade.
Verbo no plural - para evidenciar os vários elementos que compõem o todo.
Não só...mas também; tanto ...quanto; tanto ...como – verbo no singular ou plural,
4 ambas as construções são corretas, embora seja preferível o plural.
É um homem excelente, e tanto Bianca como Eleonora o estimam muito, a seu modo.
Qualquer um se persuadirá de que não só a nação, mas também o príncipe estariam pobres.
Tanto um como outro se ocupavam em comercializar.
ATENÇÃO
O sujeito de que participa mais de dois leva o verbo ao plural.
70 • capítulo 2
Quais, aqueles, quantos, poucos, muitos – verbo na 3ª pessoa do plural ou em
7 concordância com o pronome que o acompanha.
Com – verbo no plural; a não ser que se atribua a ação a uma só personagem;
9 nesse caso, verbo no singular.
Nem o pai nem o filho será eleito governador. (Nenhum dos dois: exclusão)
Nem o pai nem o avô telefonavam. (Fato expresso pelo verbo pode ser atribuído a todos os sujeitos)
Fui devagar, mas o pé ou o espelho traiu-me. (Fato expresso pelo verbo só pode ser atribuído a um
dos sujeitos)
O último acerto ou o último erro é o que dá nome ao juízo de toda vida. (Vieira)
Se os sujeitos ligados por ou ou por nem não são da mesma pessoa, isto é, se
11 entre eles há algum expresso por pronome da 1ª ou da 2ª pessoa, o verbo irá
normalmente para o plural e para a pessoa que tiver predominância.
Se o sujeito for interceptado por ou, com ideia de retificação de número grama-
12 tical, o verbo concordará com o mais próximo e, também, ficará no singular se a
conjunção indicar identidade ou equivalência.
capítulo 2 • 71
Quando o núcleo do sujeito é um coletivo, verbo no singular (Concordância Gra-
13 matical) ou no plural (Concordância Atrativa ou Ideológica), quando o coletivo é
determinado.
Os nomes de lugar, e também os títulos de obras, que têm forma de plural são
14 tratados como singular, se não vierem acompanhados de artigo.
ATENÇÃO
Com nomes de obras artísticas, mesmo antecedidas de determinante no plural, há alguns gramáticos que
preferem o verbo no singular.
72 • capítulo 2
ATENÇÃO
Vossa Excelência – deve ser usado quando nos dirigimos à pessoa.
Sua Excelência – deve ser usado quando falamos a respeito da pessoa.
18 relativo quem leva o verbo para a 3ª pessoa do singular, qualquer que seja o
antecedente do relativo, ou concorda com este antecedente.
Um terço compareceu.
Dois terços compareceram.
capítulo 2 • 73
Quando o percentual é antecedido por um determinante, a concordância é feita
24 com esse determinante.
Com as expressões cerca de, perto de, por volta de, em torno de, mais de, menos
25 de, o verbo deve concordar com o substantivo (= núcleo do sujeito).
Ao aparecer o dia, por quanto os olhos podiam alcançar, não se viam senão cadáveres.
Não se viam mais que cadáveres.
74 • capítulo 2
ATENÇÃO
Tanto a concordância nominal quanto a concordância verbal podem, além da concordância rigidamente
gramatical, ser feitas também atrativa ou ideologicamente.
Concordância ideológica
Casos particulares
O pessoal quer a
Como única palavra,
Pode haver silepse vitória, sem dúvida,
Coletivo mas distanciado do
de número. mas sabem que será
verbo.
difícil.
capítulo 2 • 75
V. Exª. sabe que isso
Forma de Do tipo V.S.ª.,Ex.ª., S. não é verdade.S.Sªs.
Verbo na 3ª pessoa.
tratamento Ex.ªª.etc. estiveram aqui
ontem.
Mais de um ano se
Mais de, menos de, Verbo concorda com passou.Menos de
Com um substantivo
perto de, cerca de o substantivo. cem alunos vieram à
Universidade
Se o primeiro
elemento estiver
Quem de nós viu o
no singular o verbo
pôr-do-sol?Alguém
Pronome indefinido ficará na 3ª pessoa
Quem de nós, dentre nós sairá mais
ou interrogativo + do singular. Se o
alguém dentre vós, cedo.Quais de nós
preposição de ou primeiro elemento
quais de vós, vários viram (ou vimos) o
dentre + pronome for plural, o verbo
dentre vós. pôr-do-sol?Várias
pessoal. ficará na 3ª pessoa
dentre vós sairão (ou
do plural ou concor-
saireis) mais cedo.
dará com o pronome
pessoal.
76 • capítulo 2
Verbo vai para o O pai e o filho cami-
Composto Antes do verbo.
plural. nhavam.
Verbo concorda
Caminhavam o pai e
com o núcleo mais
Composto Após o verbo. o filho. Caminhava o
próximo, ou vai para
pai e o filho.
o plural.
Tanto um como o
Composto, com Normalmente o verbo
Núcleos considera- outro se ocupavam
núcleos ligados por irá para o plural
dos como termos que do caso.Não só o pai,
tanto, como, não só, (pode- se encontrar
se reforçam mas também os avós
mas também. o singular).
resolveram agir.
capítulo 2 • 77
Maria ou Luana será
a eleita do coração
Composto, com
Conjunção indica ex- Verbo fica no sin- do rapaz.A glotologia
núcleos ligados
clusão, ou sinonímia. gular. ou linguística estuda
por ou
fatos da linguagem
humana.
O inverno ou verão
Composto, com
Conjunção indica in- não me incomo-
núcleos ligados Verbo fica no plural.
clusão, ou antonímia. dam.O amor ou o
por ou
ódio estão presentes.
RESUMO
Em regra, o verbo concorda com o núcleo do sujeito em número e pessoa. Assim, devem-se observar os
tipos de sujeitos existentes nas orações, em busca de uma perfeita concordância.
Verbos Impessoais
Os verbos impessoais são os que não possuem sujeito, ficando na terceira pessoa do singular.
São verbos impessoais:
Os que denotam fenômeno da natureza: chover, nevar, ventar, gear, amanhecer, entarde-
a cer, anoitecer, relampejar, trovejar.
78 • capítulo 2
c O verbo Haver no sentido de existir.
O verbo fazer é chamado também de verbo vicário, porque faz as vezes de outro verbo,
quando usado para evitar repetição do verbo principal.
Há festas.
Houve eleições.
Havia razões.
Haverá dúvidas.
Se o verbo Haver auxiliar um verbo pessoal, concordará com o sujeito deste verbo.
capítulo 2 • 79
Os trabalhadores houveram do empregador uma remuneração mais condigna. (obtiveram)
Os alunos houveram que a obra fosse camoniana. (Julgaram)
Os alunos houveram-se bem nos exames. (Portaram-se)
Se não estudares, haverás comigo. (Ajustarás contas)
O verbo Haver no sentido de existir é impessoal, porém o verbo Existir é pessoal; tem
sujeito com o qual concorda.
Existem festas.
Existiram dúvidas.
Existiam razões.
Existirão eleições.
Se o verbo Existir vier com um auxiliar, transfere sua pessoalidade para o seu auxiliar.
Há dias vi-o.
Há pouco encontrei-o.
Há segundos partiu.
Há meses estudava inglês.
A segundos partirás.
A meses estudarei inglês.
Mora a cem metros do colégio.
REFLEXÃO
Concordância de haja vista
A expressão haja vista é invariável quando seguida de termo singular ou preposicionada. Mas, quando o
termo que acompanhar a expressão estiver no plural sem preposição, ela poderá ser flexionada. Observe:
80 • capítulo 2
Hajam vista os nordestinos.
Hajam vista os ideais.
Nas expressões bem haja, mal haja, o verbo haver tem sujeito com o qual concorda.
ATENÇÃO
É erro grave, na modalidade culta da língua, usar o verbo Ter em substituição a Haver. O verbo Ter reclama
sistematicamente a presença do sujeito.
capítulo 2 • 81
Verbo Ser indicando tempo
1 Na indicação de tempo, o verbo Ser concorda com o numeral que ocorre no predicativo.
Observe os exemplos.
Quando o sujeito do verbo Ser é um dos pronomes interrogativos que ou quem, pronome indefinido
ou um dos pronomes demonstrativos isto, isso,aquilo, a concordância se faz com o predicativo do
sujeito. Observe:
Quando o sujeito da oração é constituído de expressões que indicam quantidade, preço, valor, me-
dida no plural, o verbo ser permanece na 3ª pessoa do singular.
Quando o verbo Ser ocorre entre um sujeito cujo núcleo é um substantivo comum no singular e um predi-
cativo cujo núcleo é um substantivo comum no plural, a tendência é o verbo concordar com o predicativo.
82 • capítulo 2
Concordância verbal: voz passiva
O Gramático e o Ferreiro
Foi assim com o ferreiro da esquina, em cujo O honesto ferreiro não entendia nada de nada.
portão de tenda uma tabuleta – “Ferra-se ca- – Macacos me lambam se estou entendendo
valos” – escoicinhava a santa gramática. o que V. S.ª diz...
– Amigo - disse-lhe pachorrentamente Aldro- – Digo que está a forma verbal com eiva gra-
vando - natural a mim me parece que erres, ve. O ferra-se tem que cair no plural, pois que
alarve que és. a forma é passiva e o sujeito é cavalos.
Se erram paredros, nesta época de ouro da – Ah! – respondeu o ferreiro – começo agora
corrupção. a compreender.
O ferreiro pôs de lado o malho e entreabriu Diz V. S.ª que...
a boca. –... que “ferra-se cavalos” é um solecismo
– Mas da boa sombra do teu focinho espero – horrendo e o certo é “ferram-se cavalos”.
continuou o apóstolo – que ouvidos me darás. – V. S.ª me perdoe, mas o sujeito que ferra
Naquela tábua um desleixo existe que seria- os cavalos sou eu, e eu não sou plural. Aque-
mente à língua lusa ofende. Venho pedir-te, em le “se” da tabuleta refere-se cá a este seu
nome do asseio gramatical, que o expunjas. criado. É como quem diz: Serafim ferra cava-
–??? los – Ferra Serafim cavalos. Para economizar
– Que reformes a tabuleta, digo. tinta e tábua abreviaram o meu nome, e ficou
– Reformar a tabuleta? Uma tabuleta nova, como está: Ferra Se (rafim) cavalos. Isto me
com a licença paga? Estará acaso rachada? explicou o pintor, e entendi-o muito bem.
– Fisicamente, não. A racha é na sintaxe. Fo-
gem ali os dizeres à sã gramaticalidade. (Monteiro Lobato.)
CONCEITO
Escoicinhava: tratar brutalmente, insultar.
Alarve: rústico, grosseiro, rude.
Paredro: mentor guia; bras. dirigente de clube esportista.
Expungir: fazer desaparecer (uma escrita) para substituí-la por outra; apagar.
Há, em português, duas maneiras de se praticar a voz passiva, uma com o verbo Ser,
outra com a partícula se.
capítulo 2 • 83
Voz ativa: O professor ensina idiomas.
Em ambos os casos da voz passiva, o verbo concordou com idiomas que é o sujeito pas-
sivo da ação verbal. Só os verbos transitivos diretos permitem a voz passiva.
Observe a frase:
Aí não está escrito que “alguém vende estas duas casas”, mas que “estas duas casas são
vendidas”, ou seja, o sujeito não é o agente da ação verbal, mas o paciente; o verbo não está
na voz ativa, mas passiva. Eis por que concorda com o sujeito da oração.
VENDEM-SE VOTOS
Na frase a concordância está perfeita, pois não está escrito que “alguém vende “votos”,
mas sim que “votos são vendidos”, ou seja, o sujeito não é o agente da ação verbal, mas o pa-
ciente; o verbo não está na voz ativa, mas na passiva pronominal ou sintética (se = pronome
apassivador). Eis por que o verbo concorda com o sujeito da oração.
Assim, quando o verbo vier acompanhado de pronome apassivador se, concordará em
número e pessoa com o sujeito.
ATENÇÃO
Só o verbo transitivo direto (ou transitivo direto e indireto) admite a voz passiva. O verbo transitivo in-
direto ou intransitivo não passam para voz passiva. A partícula se junto a eles funciona como índice de
indeterminação do sujeito e o verbo sempre fica na terceira pessoa do singular. Entretanto, atualmente,
84 • capítulo 2
alguns verbos transitivos indiretos são usados na voz passiva e aceitos pela Nomenclatura Gramatical
Brasileira - NGB, como: obedecer, assistir.
Essa oração está na voz ativa; alguém ou qualquer pessoa come bem no Chile.
Logo, o verbo ficará sempre na terceira pessoa do singular, quando o sujeito estiver inde-
terminado pela partícula se, que será classificada como índice de indeterminação do sujeito.
RESUMO
Tipo de sujeito Particularidade Norma Exemplos
Deram dez horas da
Verbo concorda com
noite.O relógio deu
o sujeito explícito;
Pode ou não haver dez horas.
Com os verbos Dar, se não houver, verbo
um sujeito explícito Os relógios deram
Bater, Soar concorda com a
(relógio, por exemplo). uma hora.
expressão numérica
Deram dez horas no
das horas.
relógio...
capítulo 2 • 85
São sete horas.
Indicando hora, data Verbo concorda com Hoje são 13 de
Com o verbo Ser
ou distância. o predicativo. outubro.
Hoje é dia 13.
Dois é pouco.Trinta
Indicando medida, quilos é muita coisa.
Com o verbo Ser Verbo fica no singular.
preço, peso. Dez reais é quase
nada.
Com o pronome
indeterminador do Precisa-se de empre-
O verbo fica na 3ª
Indeterminado sujeito se. Verbo gados.
pessoa do singular.
intransitivo ou transi- Vive-se bem aqui.
tivo indireto.
Há fatos estranhos
Com o significado de O verbo fica na 3ª neste caso.
Com o verbo Haver
existir. pessoa do singular. Houve muitos apelos
do público.
86 • capítulo 2
No texto humorístico em epígrafe, os pronomes los e eles substituem a palavra joga-
dores e dos dois empregos apresentados, apenas o da primeira frase está de acordo com
a norma padrão, pois os pronomes retos funcionam sempre como sujeito e nunca como
complemento verbal.
CURIOSIDADE
A gramática normativa recomenda que os pronomes oblíquos átonos o, a os, as, sejam usados quando
na função sintática de complemento verbal – objeto direto. Em linguagem informal, contudo, no lugar dos
pronomes o, a, os, as, são empregados pronomes retos de 3ª pessoa (ele, ela, eles, elas), conforme apre-
sentado na segunda frase.
Na frase “Encontrei Miguel na Floresta da Tijuca”, o complemento verbal provavelmente seria substituído,
em um contexto informal, por um pronome pessoal do caso reto: “Encontrei ele na Floresta da Tijuca.”
Pronomes são palavras que exercem papel fundamental nas interações verbais. São eles
que indicam as pessoas do discurso, expressam formas sociais de tratamento e substi-
tuem, acompanham ou retomam palavras e orações já expressas. Contribuem, assim, para
a clareza, a coerência e a coesão do texto.
Papos
– Me disseram...
– Disseram-me.
– Hein?
– O correto é "disseram-me". Não "me disseram".
– Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é "digo-te"?
– O quê?
– Digo-te que você...
– O "te" e o "você" não combinam.
– Lhe digo?
– Também não. O que você ia me dizer?
– Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir
a sua cara. Como é que se diz?
– Partir-te a cara.
– Pois é. Parti-a hei de, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.
– É para o seu bem.
– Dispenso as suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender.
Mais uma correção e eu...
– O quê?
capítulo 2 • 87
– O mato.
– Que mato?
– Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-e. Ouviu bem?
– Eu só estava querendo...
– Pois esqueça-o e para-te. Pronome no lugar certo é elitismo!
– Se você prefere falar errado...
– Falo como todo mundo fala. O importante é me entenderem. Ou entenderem-me?
– No caso... não sei.
– Ah, não sabe? Não o sabes? Sabes-o não?
– Esquece.
– Não. Como "esquece"? Você prefere falar errado? E o certo é "esquece" ou
"esqueça"? Ilumine-me. Me diga. Ensines-o-me, vamos.
– Depende.
– Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-o-ias se o soubesses, mas não
sabes–o.
– Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.
– Agradeço-lhe a permissão para falar errado que mas dás. Mas não posso mais dizer-o-te o que dizer-
te-ia.
–Por que?
– Porque, com todo este papo, esqueci-o.
VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.65-66.
88 • capítulo 2
meiro trecho, o uso do pronome oblíquo me nas frases “Me diga uma coisa” e “Me recuso a
comer comida anônima” não está de acordo com a norma culta, pois segundo as regras de
colocação pronominal, não se deve iniciar frase com pronome oblíquo átono.
Nesse caso, deve-se priorizar a ênclise, e não a próclise, embora esse uso seja bastante
frequente na linguagem informal ou coloquial.
Os pronomes pessoais oblíquos átonos atuam, sintaticamente, como complementos
de verbo. A colocação pronominal é a parte da gramática normativa que determina qual
deve ser a posição ocupada pelos pronomes oblíquos em relação aos verbos, a depender do
contexto sintático em que ocorrem.
ATENÇÃO
Os pronomes pessoais caracterizam-se:
• Por denotarem as três pessoas gramaticais (quem fala; com quem se fala; de quem se fala).
• Por poderem representar, quando na 3ª pessoa, uma forma nominal anteriormente expressa. Exemplo:
Levantaram Tina; quiseram levá-la, embora ela se opusesse [...].
• Por variarem de forma, segundo a função que desempenham na oração:
Retos: função de sujeito e predicativo. Poderão ser vocativos (no caso de TU e VÓS)
Oblíquos: fundamentalmente função sintática de objeto direto ou indireto.
Quando o pronome oblíquo de 3ª pessoa, que funciona como objeto direto, vem antes do verbo, apresenta-
se sempre com as formas o, a, os, as.
Exemplo: Não o ver para mim é um suplício.
Quando, porém, está colocado depois do verbo e se liga a este por hífen (pronome enclítico), a sua forma
depende da terminação do verbo.
1. Forma verbal terminada em vogal ou ditongo oral, emprega-se o, a ,os, as: Louvo-o; Louvei-os.
2. forma verbal terminada em -r, -s, ou -z, suprimem-se estas consoantes, e o pronome assume as moda-
lidades lo, la, los, las: “Vê-lo para mim é um suplício”. “Encontramo-la em casa”.
3. forma verbal terminada em nasal, a nasalidade transmite-se ao pronome: A professora passa os exercí-
cios e os alunos fazem-nos com prazer.
Infrações gramaticais
1. O uso indevido de um pronome pode gerar ambiguidade, como em: Miguel disse a Paulo que ele
chegaria primeiro.
2. Na fala vulgar e familiar do Brasil é frequente o uso do pronome ele(s), ela(s) como objeto direto em
frases como “Vi ele” e “Encontrei ela”. O certo é Vi-o e “Encontrei-a”, pois ambos os verbos são transitivos
diretos, exigindo como complemento objeto direto. Portanto é errado dizer também: “Não lhe via há muito
tempo”. O correto é: “Não o via há muito tempo”.
(CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2001)
capítulo 2 • 89
Em situações de maior formalidade, os pronomes pessoais oblíquos devem ser empre-
gados sempre após o verbo, desde que não haja a presença de um atrator que possa justifi-
car a ocorrência da próclise.
Quando o pronome oblíquo átono vem antes do verbo, diz-se que ocorreu uma próclise
1 pronominal.
Quando o pronome oblíquo átono aparece após o verbo, diz-se que ocorreu uma ênclise
2 pronominal.
Quando o pronome oblíquo átono aparece entre o radical e a desinência das formas ver-
3 bais do futuro do presente e do futuro do pretérito, diz-se que ocorreu uma mesóclise.
CONCEITO
Próclise
Pronome antes do verbo
Ênclise
Pronome depois do verbo
Mesóclise
Pronome entre o radical e a desinência das formas verbais no futuro do presente e no futuro do pretérito.
90 • capítulo 2
Regras: colocação dos pronomes oblíquos átonos
Próclise
Determinadas palavras da língua atraem o pronome oblíquo átono, obrigando ao uso da
próclise, por isso são consideradas “atratores” dos pronomes pessoais oblíquos átonos e,
nesses casos, esses pronomes devem anteceder o verbo que complementam.
Recomenda-se o uso da próclise nos seguintes casos:
Em orações com o verbo precedido de advérbio, desde que não haja uma pausa
2 entre eles:
3 Pronomes relativos:
4 Pronomes indefinidos:
O médico que a examinou é gaúcho./ Os professores ficaram frustrados, porque nos esperavam
para a festa e não pudemos comparecer.
8 Em orações interrogativas:
capítulo 2 • 91
9 Em orações subordinadas desenvolvidas:
Em se tratando de criança, aceito a brincadeira./ Não nos favorecendo nesse caso, não poderemos
mais contar com ele.
Ênclise
O pronome oblíquo átono deve assumir uma posição enclítica (depois) ao verbo nestes
contextos:
2 Infinitivo impessoal:
3 Imperativo afirmativo:
Mesóclise
A gramática normativa recomenda o uso da mesóclise sempre que o verbo estiver no futuro
do presente ou no futuro do pretérito e não vier precedido por uma das palavras que atra-
em os pronomes átonos, vistas acima quando se falou em palavras consideradas atratores,
caso em que a próclise irá prevalecer.
92 • capítulo 2
Quanto ao uso da mesóclise, ressalta-se que essa colocação pronominal está pratica-
mente em desuso na língua, ficando hoje restrita somente a alguns contextos formais de
uso escrito da linguagem.
Observa-se frequentemente que, nas raras ocorrências de mesóclise na linguagem colo-
quial, ela costuma ser utilizada para provocar um efeito de humor ou de ironia, ou mesmo
para criar uma imagem associada ao formalismo excessivo e ao pedantismo.
Nos casos em que a próclise é obrigatória, o pronome fica proclítico, mesmo diante de
verbo no futuro:
Locuções verbais
Nas locuções verbais, pode ocorrer próclise ou ênclise em relação ao verbo auxiliar ou ao
verbo principal (expresso nas formas nominais).
Essa ideia me foi surgindo como uma salvação. (Antes do verbo auxiliar)
A imagem dela vai-se delineando aos poucos. ( depois do verbo auxiliar)
Suas amigas estavam preparando-lhe uma festa surpresa.( depois do verbo principal)
ATENÇÃO
Esta regra vale para todas as locuções verbais formadas por verbo auxiliar + forma nominal (gerúndio,
infinitivo ou particípio): quando se verificar algum dos casos que determinam a próclise, o pronome fica
antes do verbo auxiliar.
Nossa mãe não nos deixava ir ao clube sozinhas. (não - expressão negativa)
capítulo 2 • 93
Pronome oblíquo átono: fator de coesão
A coesão é revelada por meio de marcas linguísticas presentes na estrutura sequencial do tex-
to. Ela estabelece a relação semântica entre elementos do texto que são cruciais para a sua
interpretação. Nesse sentido, como os pronomes pessoais são palavras que têm sua carga se-
mântica plena apenas quando relacionadas a um substantivo, significa que nunca têm auto-
nomia e, por referir-se a outro termo, tornam-se peça fundamental na arquitetura de um texto.
RESUMO
Esta Unidade I estrutura-se em dois capítulos. O Capítulo 1 trata dos conceitos básicos da gramática, como
regras de acentuação gráfica e ortografia, uso do hífen, parônimos, homônimos, uso do porquê, emprego
dos sinais de pontuação, qualidades da comunicação escrita ( clareza, concisão, adequação vocabular e
correção gramatical).
O Capítulo 2 também compreende temas relacionados à descrição dos fatos linguísticos, ou seja, da es-
trutura da forma gramatical, focalizando o conteúdo descritivo tradicional, encontrado em toda gramática,
com ênfase, porém, na compreensão do papel que os elementos e processos gramaticais desempenham
na construção do sentido e na interação verbal.
Para isso, aborda-se, neste capítulo 2, frase, oração, período, termos da oração; concordância nominal;
concordância verbal; emprego dos verbos haver, existir, fazer; dar; soar; ser; colocação pronominal, dentre
outros elementos e processos gramaticais.
ATIVIDADE
1. (IBMEC - SP-2007) Leia os enunciados a seguir:
2. (ESAF) Indique a sequência que preenche corretamente as lacunas do texto abaixo.
A história nos mostra que o desenvolvimento econômico europeu, partir das navegações, sempre se
fez custa dos territórios ultramarinos. Não foram apenas as matérias-primas, destinadas ao consumo
ou produção que o financiaram, mas também o capital propriamente dito, fruto dos lucros e resultado
do saqueio da natureza virgem. Hoje, a biotecnologia abre grande perspectiva um país como o Brasil,
de ricos bancos genéticos. O nosso território foi dos primeiros ser saqueado em sua riqueza vegetal.
É necessário impedir que os produtos da flora e da fauna nos sejam roubados, como roubados fomos no
94 • capítulo 2
passado. No entanto, o governo está empenhado em aprovar uma proposta de emenda Constituição
que facilitará a entrega de nossos recursos biológicos estrangeiros.
a) a, à, à, a, a, à, a
b) a, à, à, à, a, à, à
c) à, à, a, à, a, à, a
d) a, a, à, a, a, a, a
e) à, a, a, à, à, a, a
3. Segue um pequeno trecho de Machado de Assis, pontuado de diversos modos. Só uma vez a pontuação
estará de acordo com as normas gramaticais. Assinale-a:
a) homem gordo, não faz revolução. O abdômen, é naturalmente amigo da ordem. O estômago pode des-
truir, um império: mas há de ser antes do jantar;
b) homem gordo não faz revolução. O abdômen é naturalmente amigo da ordem; o estômago pode destruir
um império: mas há de ser antes do jantar;
c) homem gordo não faz revolução, o abdômen é, naturalmente, amigo da ordem. O estômago, pode des-
truir um império: mas há de ser antes do jantar;
d) homem gordo não faz revolução: o abdômen e naturalmente, amigo da ordem. O estômago pode destruir
um império: mas há de ser antes do jantar;
e) homem gordo não faz revolução: o abdômen é naturalmente amigo da ordem. O estômago pode destruir
um império mas há de ser, antes do jantar.
GABARITO
1. Alternativa E
2. Alternativa A
3. Alternativa B
4.
a) Havia jardins e manhãs naquele tempo: existia paz em toda a parte.
b) Se houvesse mais homens honestos, não existiriam tantas brigas por justiça.
capítulo 2 • 95
13
Coesão e
coerência
textuais
3 Coesão e coerência textuais
O objetivo deste capítulo é possibilitar aos alunos uma visão necessária e básica sobre o
que se tem chamado nos estudos linguísticos de coerência e coesão textuais, como tam-
bém discorrer sobre os instrumentos necessários para entender o fenômeno da textuali-
dade em suas várias manifestações. Para isso, apresentar-se-á uma teorização mínima e
essencial, razão por que não será polemizada qualquer controvérsia, ainda que de ordem
terminológica, buscando-se trabalhar apenas a linha de ideias que se julga ser a mais perti-
nente e válida do nosso ponto de vista.
O que é um texto?
Conceitua-se texto como uma manifestação verbal, constituída de elementos linguísticos
selecionados e ordenados, que é tomada pelos usuários da língua, de modo a permitir-lhes,
na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos. (KOCH, 2013, p. 27).
Entende-se também que o texto não é uma unidade fechada de sentido – mas sim uma
“rede de sentidos”, formando um todo significativo. Embora ele possa ser considerado
uma unidade inteira – início, meio, fim, o texto é lugar de apreensão de sentidos, de traba-
lho da “linguagem, por excelência”.
O sentido de um texto é construído na interação Autor/Texto/Leitor, e não algo que pre-
exista a essa interação. Por essa razão, a coerência não pode ser entendida como simples
qualidade ou propriedade do texto, mas sim ao modo como os elementos presentes na su-
perfície textual, aliados a todos os elementos do contexto, vêm a constituir uma configura-
ção veiculadora de sentidos por parte da interação com seus interlocutores.
Observe o esquema abaixo:
AUTOR LEITOR
INTERSEÇÃO
TEXTO
98 • capítulo 3
Em volta de cada parte está o seu próprio contexto. O texto "funcionará" na zona de in-
terseção com traços paralelos. (KOCH, 2013, p. 27).
É necessário, portanto, que haja uma interação entre estes três elementos: - Autor/ Tex-
to/Leitor, para que sejam capazes de construir um determinado sentido diante do texto,
pois o sentido não está no texto, mas se constrói a partir dele, no curso dessa interação.
CONCEITO
Coerência
Ligação, nexo ou harmonia entre dois fatos ou duas ideias; relação harmônica, conexão.
Incoerência
Falta de lógica; ausência de ligação, de nexo entre fatos, ideias, ações; desarmonia, desconexão, discre-
pância, inconsequência.
capítulo 3 • 99
Coesão textual: o uso dos conectivos na
construção do texto
Koch (2023, p.18) descreve coesão como o fenômeno que diz respeito ao modo como os
elementos linguísticos presentes na superfície textual se encontram interligados entre si,
por meio de recursos também linguísticos, formando sequências veiculadoras de sentidos.
Esses elementos linguísticos assinalam determinadas relações de sentido entre os enun-
ciados ou parte de enunciados, como: oposição ou contraste; finalidade; localização temporal;
explicação ou justificativa, adição de fatos. É por meio de mecanismos como esses que se vai
tecendo o “tecido” (tessitura) do texto. A este fenômeno é que se denomina coesão textual.
Entende-se assim por coesão a ligação, a relação, os nexos que se estabelecem entre os
elementos que constituem a superfície textual. Ao contrário da coerência, que é subjacen-
te, a coesão é explicitamente revelada por meio de marcas linguísticas e pode ser sintática,
gramatical e semântica.
Na verdade, há uma relação estreita entre esse tipo de sequenciação textual e os vários
modos de organização do texto. Assim, por exemplo, num texto descritivo é natural que a
progressão do texto seja realizada por meio de simples acréscimo de novos elementos da
realidade descrita, enquanto num texto argumentativo essa continuidade se processe por
meio de relações lógicas e, num texto narrativo, o fato ocorra e seja narrado por meio de
uma sucessão cronológica de fatos relevantes.
Em relação à coesão, reitera-se que os conectores coordenativos (conjunções e locuções
coordenativas), assim como as formas verbais pretéritas, advérbios e locuções adverbiais,
modalizadores, são fundamentais para garantir as relações de sentido – de coerência – en-
tre os fatos narrados e descritos, porque os parágrafos e as sequências textuais temporais
construídos no corpo textual da narrativa contribuem não só para a coesão, mas também
para a coerência, isto é, para melhor interpretabilidade do texto.
Produzir um texto se assemelha, assim, à arte de produzir um tecido, ou seja, conduz-se
um fio ora para cá, ora para lá, sempre com o cuidado de amarrá-lo para que o trabalho não
se perca. Quando se tece, um ponto deve estar ligado a outro para formar a trama, o que
significa que um ponto sozinho não forma um tecido.
O produtor de um texto é assim como o tecelão, num eterno desfazer e refazer de textos,
está sempre preocupado unicamente com a tessitura de um texto coeso e coerente por se
vir sempre rodeado de sentidos.
Percebe-se, pois, que a relação entre coesão é coerência é muito forte porque a coesão
é fundamental a qualquer tipo de texto e é construída pelos procedimentos linguísticos
que estabelecem relações de sentido entre segmentos do texto (enunciados ou parte deles,
parágrafos, sequências textuais) e o uso adequado dos elementos coesivos no texto é de
grande relevância para que o leitor possa construir a coerência, isto é, estabelecer um sen-
tido diante de um texto.
A coesão é apenas um dos fatores de coerência, que contribui para a constituição do texto
enquanto tal, mas não sendo nem necessária, nem suficiente para converter uma sequên-
100 • capítulo 3
cia linguística em texto. Há sequências sem coesão, mas com coerência e sequências com
coesão, mas sem coerência.
Leia o fragmento descritivo a seguir:
“[...] Uma folha no chão no outono, vermelha, dourada e marrom, delicada. [...] Poeira em um
peitoril de janela. Uma pilha de pimentões[...], amarelos, verdes, vermelhos. [...] O buraco de
uma agulha. [...] Uma mãe em sua cama, chorando, cheiro de manjericão no ar.[...] Uma torre para
preces, alta e octogonal, sacada aberta, solene, rodeada de brasões. Vapor subindo de um lago
no início da manhã. Uma gaveta aberta. Dois amigos em um café, o lustre iluminando o rosto de
um dos amigos, o outro na penumbra. Um gato olhando um inseto na janela. Uma jovem em um
banco, lendo uma carta, lágrimas de contentamento em seus olhos verdes.[...] O branco de um ve-
leiro, com o vento de popa, velas se agitando como asas de um gigantesco pássaro branco. [...]”
(LIGHTMAN, Alan. Sonhos de Einstein. “15 de maio de 1905”. São Paulo: Companhia das Letras,
1997, p.72-76).
ABAURRE, Maria Luiza M. & PONTARA, Marcela. Gramática. Texto: análise e construção de sentido. São
Paulo: Moderna, 2006, p.178.
Os mecanismos de coesão textual, segundo Koch (2013), dizem respeito a “todos os proces-
sos de sequencialização que asseguram [...] uma ligação linguística significativa entre os
elementos [...]” de um texto.
Estudou-se há pouco que coesão textual são as conexões gramaticais existentes en-
tre palavras, orações, frases, parágrafos e partes maiores de um texto, e que os conec-
tores são portadores de sentido, razão por que também contribuem para construir a
coerência de um texto.
capítulo 3 • 101
Além disso, o bom uso dos elementos coesivos é de fundamental importância para que
o leitor possa construir a coerência, isto é, estabelecer um sentido diante de um texto.
Está-se considerando aqui como coesão todos aqueles elementos textuais, chamados
de conectores, que sinalizam para o leitor a relação entre as diversas partes do texto. São
eles: os pronomes, as elipses, as hiponímias e hiperonímias e as repetições, as conjunções e pre-
posições, os advérbios de sequência, as diversas maneiras de sinalizar o tempo, as relações
semânticas entre as palavras.
Quanto aos mecanismos de coesão, há apenas três tipos, a saber: referencial, sequen-
cial e recorrencial.
Coesão referencial
Coesão referencial, também chamada de lexical, é a que se estabelece entre dois ou mais
componentes da superfície textual que remetem (ou permitem recuperar) a um mesmo re-
ferente já citado anteriormente, que pode, geralmente, ser acrescido de outros traços que
vão se agregando a ele textualmente.
A coesão referencial é obtida por meio de dois mecanismos básicos:
CONCEITO
Elemento de referência
Pode ser representado por um nome, expressão nominal, fragmentos de oração, uma oração ou todo um
enunciado.
Referente
É algo que se (re)constrói textualmente, no desenrolar do texto, modificando-se a cada novo nome que se
lhe dê ou a cada nova ocorrência do mesmo nome.
Formas Pronominais
Encontrei os óculos que tanto procurava. Eles estavam guardados na estante. (Eles - prono-
a me pessoal do caso reto)
102 • capítulo 3
Os meninos saíram cedo de casa. Eles foram treinar para o torneio de futebol. (Eles - pro-
b nome pessoal do caso reto)
O aluno e a mãe foram chamados à direção da escola, mas ninguém compareceu. (nin-
c guém - pronome substantivo Indefinido)
João levou um romance policial para a escola, porém quis ler o meu. (meu - pronome
d substantivo possessivo)
Pedro experimentou um terno azul escuro, mas decidiu comprar aquele (aquele -pronome
e substantivo demonstrativo)
Antônio, João e Miguel depuseram na Delegacia, entretanto quem disse a verdade? (quem
f - pronome substantivo Interrogativo)
O cantor apresentou apenas dois números, e o mágico fez o mesmo. (verbo Fazer)
Formas adverbiais
Formas numerais
capítulo 3 • 103
d Havia dez maçãs e ela comeu um terço delas.
"Querido Júnior, como você tem passado? Sua mãe e eu estamos bem. Estamos com saudade.
Por favor, desligue seu computador e desça para comer alguma coisa. Com amor, Papai."
Outro processo utilizado na coesão dos elementos do texto é a substituição por elipse, que
é a omissão de termos já enunciados e que, por isso mesmo, podem ser facilmente recupe-
rados por meio de outros elementos textuais.
A elipse, segundo os ensinamentos da gramática normativa, é uma figura de constru-
ção (ou de sintaxe) caracterizada pela omissão de um termo facilmente subentendido pelo
contexto ou pela situação.
A elipse pode também ser entendida como um processo de economia discursiva que
tanto pode resultar de ocorrências ligadas ao contexto ou à situação, como de usos estabe-
lecidos na língua.
No trecho acima, há a elipse dos pronomes com função de sujeito nas formas verbais
estamos, desligue, desça.
104 • capítulo 3
O normal é o hipônimo preceder o hiperônimo, pois, quando se inverte a ordem, o texto
perde a clareza. Geralmente, a regra é esta: o hipônimo precede o hiperônimo. Contudo, há
casos especiais em que se deve inverter a ordem, por exemplo, quando um hiperônimo ou
uma locução hiperônima precede uma enumeração de hipônimos, anunciando-a:
Outra exigência para o emprego da hiperonímia é que para se retomar um referente por
meio de um hiperônimo, é necessário que a expressão que nomeia esse referente tenha
sido explicitamente mencionada antes.
EXEMPLO
Nomes genéricos:
Miguel comprou camisas, sapatos e outras coisas.
Termos simbólicos:
Antonio Tito não tinha certeza se iria ou não à missa, mas o apelo da cruz foi mais forte.
a De forma idêntica: Paulo comprou a lancha, mas viu que a lancha não tinha seguro.
Com um mesmo determinante: Paulo comprou a lancha, mas essa lancha lhe trouxe
b problemas.
De forma abreviada: Fernando Henrique Cardoso foi um bom político, mas FHC não
c quer mais se recandidatar a cargo algum.
De forma ampliada: Lula não goza do mesmo prestígio na política, logo certamente Luís
d Inácio Lula da Silva seria voto vencido numa eleição presidenciável.
capítulo 3 • 105
Coesão referencial: anafórica ou catafórica
Reitera-se que a coesão referencial ocorre quando determinado elemento textual remete a
outro, substituindo-o. A referência, inicialmente, pode ser em relação a um dado externo
ou interno ao texto. Dessa forma, tem-se:
REFERÊNCIA
ANÁFORA CATÁFORA
(AO QUE PRECEDE) (AO QUE SE SEGUE)
106 • capítulo 3
Observe:
Num hospital para doentes mentais, certa vez, um dos pacientes passou horas escrevendo fu-
riosamente.
Um psiquiatra, vendo-o em tão intensa atividade, perguntou-lhe:
— O que é que você está fazendo?
— Escrevendo, respondeu.
— Escrevendo o quê? - perguntou-lhe o médico.
— Uma carta.
— Ah! Muito interessante! E para quem é a carta?
— Para mim mesmo.
— O que é que está escrito aí? – perguntou-lhe o psiquiatra, curioso.
Ao que o paciente respondeu:
— Não sei. Ainda não recebi...
“Eu compreendo que um homem goste de ver brigar galos ou de tomar rapé. O rapé dizem os
tomistas que alivia o cérebro. A briga de galos é o Jockey Club dos pobres. O que eu não com-
preendo é o gosto de dar notícias.
E todavia quantas pessoas não conhecerá o leitor com essa singular vocação? O noveleiro não
é tipo muito vulgar, mas também não é muito raro. Há família numerosa deles. São mais peritos
e originais que outros. Não é noveleiro quem quer. É ofício que exige certas qualidades de bom
cunho, quero dizer as mesmas que se exigem do homem de Estado. O noveleiro deve saber
quando lhe convém dar uma notícia abruptamente, ou quando o efeito lhe pede certos prepara-
tivos: deve esperar a ocasião e adaptar-lhe os meios.”
MACHADO DE ASSIS, J. M. Quem conta um conto. In: Contos fluminenses. Rio de Janeiro:
Saraiva, 1999.
capítulo 3 • 107
A referência em "Quem conta um conto" está resumida em "o gosto de dar notícias",
uma vez que em torno dele gravitam as indagações contidas no conto. Tanto que, ao iniciar
suas considerações, o narrador mostra-se intrigado diante da natureza humana para espa-
lhar novas, declarando-se capaz de perceber a legitimidade de certos prazeres duvidosos,
unicamente com a intenção de tornar mais incisiva a declaração seguinte: "O que eu não
compreendo é o gosto de dar notícias" (1999:57).
Por constituir a referência textual básica, "o gosto de dar notícias" será continua-
mente retomado por meio de elementos coesivos. A primeira retomada ocorre por "essa
singular vocação", em que o pronome adjetivo "essa", além de determinar o nome e seu
modificador, faz uma referência anafórica ao "gosto de dar notícias", gosto este que en-
gendra um tipo, o "noveleiro", em relação ao qual o narrador declara: "Não é tipo muito
vulgar, mas também não é tipo muito raro" (1999, p. 57), criando pressupostos nada enal-
tecedores da singularidade de tal tipo.
Ao declarar que o noveleiro não é um tipo nem muito raro, nem muito vulgar, informa
implicitamente que de "vulgar" a "raro" há uma considerável gradação de sentidos; pressu-
põe-se, assim, que poucos são realmente habilidosos e, contudo, existe grande número deles.
Um relevante elemento coesivo é o vocábulo "ofício" que remete ao vocábulo "novelei-
ro", revelando o humor severo que move o narrador, uma vez que este compara as habi-
lidades do noveleiro às do homem de Estado, já que ambos precisam ser especialmente
versados na técnica de subjugar seus interlocutores.
A seguir, o narrador retoma a questão preliminar, ou melhor, a questão de sua perple-
xidade quanto ao "gosto de dar notícias", estabelecendo o vínculo com a declaração inicial
mediante a recorrência de estruturas sintáticas: "Não compreendo, como disse, o ofício no-
veleiro" (1999, p. 57), na qual o conector "como" e o pretérito perfeito do indicativo do verbo
"dizer" retomam, reiterando, o aparente desconcerto do narrador diante do noveleiro.
O narrador, como já posto, parece não compreender bem o ofício de noveleiro. Escapa-
lhe ao entendimento que se encontre satisfação em contar, recriando, um episódio qual-
quer: "É coisa muito natural que um homem diga o que sabe a respeito de algum objeto;
mas que tire satisfação disso, lá me custa a entender" (1999, p. 57).
Utilizando-se de uma oração adversativa, vinculou-se um novo sentido a noveleiro, "que
tira satisfação" de dar notícias. A seguir, o desvelamento do que motiva o noveleiro: "Ga-
nha-se sempre em conhecer-se os caprichos do espírito humano" (1999, p. 58).
Ao focalizar o "gosto de dar notícias" como um hipônimo de "caprichos do espírito hu-
mano", o narrador implicitamente parece admitir a legitimidade do referido gosto, porque
o reconheceu como uma das tantas marcas características da condição humana.
Coesão sequencial
A coesão sequencial é o estabelecimento de um sistema de referências e do correto enca-
deamento de ideias para que haja sentido nos textos. Esse encadeamento de ideias é que
permite que o texto avance, progrida, mas sem haver retomada de termos ou expressões,
por isso se chama coesão sequencial.
A coesão sequencial se dá por sequenciação temporal e sequenciação por conexão. A
primeira pode ser por ordenação linear, por expressões sequenciais, por marcadores tem-
porais ou por correlação dos tempos verbais. Já a segunda, é a sequência que se faz por meio
de conectores argumentativos (condicionalidade, causalidade, concessão, finalidade).
108 • capítulo 3
Não é sem propósito, que a utilização precisa dos mecanismos coesivos ajuda a garantir
a progressão textual e a promover uma boa articulação das ideias, informações e argumen-
tos no interior do texto, pois é por meio da coesão por sequenciação que o texto avança,
garantindo-se, porém, a continuidade dos sentidos.
EXEMPLO
Condicionalidade Se amanhã houver greve dos rodoviários, não haverá aula.
Charolles (apud KOCH, 2014:69) enfatiza que o uso dos mecanismos coesivos tem por
função facilitar a interpretação do texto e a construção da coerência pelos usuários.
No entanto, seu uso inadequado pode dificultar a compreensão do texto, pois por pos-
suírem, por convenção, funções bem específicas, eles não podem ser usados sem respeito
a tais convenções. Se o seu emprego estiver em desacordo com sua função, o texto parecerá
destituído de sequencialidade, o que dificultará a sua compreensão e, portanto, a constru-
ção da coerência pelo leitor/ouvinte.
Desse modo, por mais que as conjunções estejam incluídas no campo da coesão,
elas são importantes para que o texto seja coerente, pois o uso indevido de uma conjun-
ção em uma sequência pode alterar o sentido da frase, podendo, inclusive, comprome-
ter o sentido do texto.
Coesão recorrencial
A coesão recorrencial é um mecanismo de coesão muito frequente, na Literatura, especifi-
camente no poema, que consiste em fazer o texto progredir pela repetição dos termos, de
estruturas, de conteúdos, de recursos fonológicos e de tempos verbais.
No poema “Cidadezinha qualquer”, de Drummond, as palavras “entre”, “devagar” e
“vai” repetem-se, mas com finalidade poética, representando iconicamente, isto é, os
versos imitam a coisa designada, que é a mesmice interiorana: “Um homem vai deva-
gar. / Um cachorro vai devagar. / Um burro cai devagar. /Devagar... as janelas olham. /
Eta vida besta, meu Deus.”
capítulo 3 • 109
CONCEITO
Anáfora
Quando retoma os elementos expressos anteriormente no texto.
Catáfora
Quando o termo pressuposto aparece depois do elemento coesivo.
Coesão lexical
Quando envolve a substituição de um vocábulo por outro de mesmo significado – sinônimo – ou por pala-
vras que estabeleçam entre si uma relação de sentido – hiperônimos e hipônimos.
Coesão referencial
É a que cria, no interior do texto, um sistema de relação de palavras e expressões, permitindo que o leitor
identifique os referentes sobre os quais se fala no texto.
Coesão sequencial
É a que cria, no interior do texto, condições para que o texto progrida, avance.
Conjunção (conectores)
Quando se estabelecem relações semânticas entre elementos ou orações do texto; pode ser aditiva, ad-
versativa, causal, temporal.
Elipse
Quando um elemento do texto é substituído por zero e, assim, como a classificação anterior, pode ser
nominal, verbal ou frasal.
Referência
Quando um elemento do texto remete a outro, necessário à sua interpretação.
Reiteração
É a repetição de expressões que têm a mesma referência no texto.
Substituição
Quando um elemento do texto é colocado no lugar de outro, para evitar repetição; pode ser nominal, verbal
ou frasal.
“Todo texto assemelha-se a um iceberg — o que fica à tona, isto é, o que é explicitado no texto
é apenas uma pequena parte daquilo que fica submerso, ou seja, implicitado.” Ingedore Koch
110 • capítulo 3
Leia o fragmento abaixo. Trata-se de um grande ensinamento acerca de textualidade e
como narrar com coesão e coerência. O narrador, o ex-jagunço Riobaldo, apesar de ser um
homem simples do sertão, faz profundas reflexões filosóficas de como se deve contar histó-
rias para que elas tenham sentido:
“Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia que têm certas
coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. A lembrança da vida da gente
se guarda em trechos diversos; uns com outros acho que nem se misturam [...] Contar seguido,
alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância. Tem horas antigas que ficaram muito
mais perto da gente do que outras de recente data. Toda saudade é uma espécie de velhice.
Talvez, então, a melhor coisa seria contar a infância não como um filme em que a vida acontece
no tempo, uma coisa depois da outra, na ordem certa, sendo essa conexão que lhe dá sentido,
princípio, meio e fim, mas como um álbum de retratos, cada um completo em si mesmo, cada um
contendo o sentido inteiro. Talvez seja esse o jeito de escrever sobre a alma em cuja memória se
encontram as coisas eternas, que permanecem [...]."
(Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas.)
Percebe-se que a palavra “Não” nega a ideia anteriormente expressa: "Contar é muito
dificultoso.” Assim, o narrador ao empregar a palavra “Não” se opõe à possibilidade de se
pensar que contar seja difícil por causa do tempo passado, e o próprio conector adversativo
“Mas” introduz essa ideia que se opõe à anterior, mostrando que a dificuldade está “pela
astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares”.
Nesse texto nota-se a importância dada à coesão e à coerência nesta passagem: “se guar-
da em trechos diversos; uns com outros acho que nem se misturam [...] Contar seguido,
alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância”.
A importância da ordem cronológica ou linear no ato de narrar é presentificada nestas
linhas: “a melhor coisa seria contar a infância... acontece no tempo, uma coisa depois da
outra, na ordem certa, sendo essa conexão que lhe dá sentido, princípio, meio e fim, mas
como um álbum de retratos”.
Em “Talvez seja esse o jeito de escrever sobre a alma”, o pronome demonstrativo ana-
fórico “esse” é um conector, pois retoma o que foi desenvolvido antes sobre o método de
contar fatos do passado como um “álbum de retratos”.
Com a sequência de ideias apresentada pelo narrador, nota-se que o texto se mostra
coerente, pois as ideias se complementam de modo lógico, racional. Percebe-se, então, por
meio da escritura de Guimarães Rosa que um texto não pode ser construído com frases
soltas, desconexas e para que tenha sentido, é necessário que haja coerência, considerada
um dos fatores fundamentais da textualidade, por ser responsável pelo sentido do texto.
CONCEITO
Textualidade
Textualidade é o conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma
sequência de frases; e para que ela se efetive, o texto precisa apresentar, no mínimo, dois dos seus fatores
que são a coerência e a coesão.
capítulo 3 • 111
Há necessidade também da presença da coesão, que é tida como a manifestação da co-
erência e responsável pela unidade formal do texto, construindo-se por meio de mecanis-
mos gramaticais e lexicais, razão por que é também um dos requisitos imprescindíveis à
construção de todo e qualquer texto.
Desse modo, pode-se chamar de textualidade ao conjunto de características que fazem
com que um texto seja um texto, e não apenas uma sequência de frases; e para que ela se efeti-
ve, o texto precisa apresentar, no mínimo, dois dos seus fatores que são a coerência e a coesão.
Logo, para que haja textualidade, o texto tem que ser bem estruturado, ter palavras, fra-
ses e ideias articuladas entre si. Palavras relacionando-se com palavras, frases com outras
frases, parágrafos com outros parágrafos. Essa conexão, como já posto, é garantida pela
coerência e pela coesão textual.
Fatores de textualidade
A constituição dos sentidos nos textos, para Beaugrande & Dressler (2013:18), é ancorada
por cinco fatores da textualidade responsáveis não só pela textualidade, mas também por
todo o processamento cognitivo do texto. São eles: a informatividade, a situacionalidade, a
intertextualidade, a intencionalidade e a aceitabilidade (centrados nos usuários, relaciona-
dos aos aspectos pragmáticos), sem se desconsiderar aqui a coerência e a coesão (centra-
dos no texto), que se relacionam com o material conceitual e linguístico de um texto.
Após os estudos já realizados acerca de Coerência e Coesão, passa-se, agora, ao entendi-
mento de cada um dos demais fatores pragmáticos de textualidade já especificados.
Informatividade
Este fator relaciona-se ao interesse do leitor pelo texto e pelo montante de informações de
que ele dispõe sobre o tema do texto.
Se as informações do texto forem previsíveis, isto é, de acordo com as expectativas do
leitor, esse texto será avaliado como de baixa informatividade. Em contrapartida, o texto
que contém certo grau de informações previsíveis, como também novas informações, será
considerado como de maior informatividade e, finalmente, o texto quase imprevisível em
suas informações será o mais rico em informatividade, apesar de exigir maior dedicação do
receptor para sua interpretabilidade.
Para que os sentidos possam ser atingidos no texto, é necessária, portanto, a utili-
zação de informações com um nível de informatividade adequado aos participantes da
situação comunicativa. A ligação com a realidade do momento, que é o ponto essencial
do texto informativo.
Intencionalidade
O produtor de um texto tem, necessariamente, determinados objetivos, que vão desde a
simples intenção de estabelecer o contato com o receptor até a de levá-lo a partilhar de opi-
niões ou a agir ou comportar-se de determinada maneira. Assim, a intencionalidade refere-
se ao modo como os emissores usam textos para realizar suas intenções, produzindo, para
tanto, textos adequados à obtenção dos efeitos desejados. É por essa razão que o emissor
procura, de modo geral, construir seu texto de modo coerente e dar pistas ao receptor que
lhe permitam constituir o sentido desejado.
112 • capítulo 3
Leia o texto humorístico abaixo:
“Um grupo de perigosos cidadãos assaltou, ontem, à noite, dois pacíficos meliantes. Três de-
tonações acorreram ao ruído de um guarda. Uma calçada jazia sobre a vítima de um dos
cadáveres. A pista já está na polícia do assaltante.”
(FERNANDES, Millôr. Literatura Comentada. São Paulo: Abril Educação, 1980, p. 52)
Um grupo de perigosos meliantes assaltou, ontem, à noite, dois pacíficos cidadãos. Três guar-
das acorreram ao ruído de uma detonação. O cadáver de uma das vítimas jazia sobre a calça-
da. A polícia já está na pista dos assaltantes.
Com efeito, a incoerência local adveio do emprego inadequado dos itens lexicais; no
entanto, essa falta de sentido passa a fazer parte do sentido que o autor queria veicular na
interlocução com o leitor.
REFLEXÃO
A intencionalidade tem relação estrita com o que se tem chamado de argumentatividade. Se se aceita
como verdade que não existem textos neutros, que há sempre alguma intenção ou objetivo da parte de
quem produz um texto, e que este não é jamais uma “cópia” do mundo real, pois o mundo é recriado no
texto por meio da mediação de nossas crenças, convicções, perspectivas e propósitos, então se admite que
existe sempre uma argumentatividade subjacente ao uso da linguagem.
(KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Intencionalidade e aceitabilidade. In: A coe-
rência textual. 18. ed. São Paulo: Contexto, 2013, p. 84).
Situacionalidade
Outro fator responsável pela coerência, a situacionalidade pode ser vista atuando em
duas direções: da situação para o texto e do texto para a situação, ou seja, na produção e
na recepção do texto.
Desse modo, a situacionalidade determina como deve ser produzido o texto. O contexto
deve servir como orientação para a produção e para a recepção, sendo fundamental que o
produtor saiba quem é o receptor de seu texto e quais os seus conhecimentos.
Um professor, por exemplo, na condição de palestrante, não utilizará o mesmo registro
de linguagem para dar uma palestra para outros professores em um Congresso e para um
grupo de estudantes do Ensino Médio em uma atividade escolar.
capítulo 3 • 113
Aceitabilidade
A aceitabilidade é a contraparte da intencionalidade, ou seja, o autor ao produzir um texto
tem uma intenção ou objetivo provável com o leitor, e o leitor, por sua vez, esforça-se (intui-
tivamente) para compreender e entender o enunciado.
Na verdade, a união destes três fatores intencionalidade, aceitabilidade e situacionali-
dade é responsável pelo tipo de texto utilizado em cada situação comunicativa.
REFLEXÃO
A aceitabilidade constitui a contraparte da intencionalidade. [...] quando duas pessoas interagem por meio
da linguagem, elas se esforçam por fazer-se compreender e procuram calcular o sentido do texto do(s)
interlocutor(es), partindo das pistas que ele contém e ativando seu conhecimento de mundo, da situação.
Assim, mesmo que um texto não se apresente, à primeira vista, como perfeitamente coerente, [...] o recep-
tor vai tentar estabelecer a sua coerência, dando-lhe a interpretação que lhe pareça cabível, [...].
[KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Intencionalidade e aceitabilidade. In: A coe-
rência textual. 18. ed. São Paulo: Contexto, 2013, p. 85].
“Era meia-noite. O Sol brilhava. Pássaros cantavam pulando de galho em galho. O homem
cego, sentado à mesa de roupão, esperava que lhe servissem o desjejum. Enquanto esperava,
passava a mão na faca sobre a mesa como se a acariciasse tendo ideias, enquanto olhava fixa-
mente a esposa sentada à sua frente. Esta, que lia o jornal, absorta em seus pensamentos, de
repente começou a chorar, pois o telegrama lhe trazia a notícia de que o irmão se enforcara
num pé de alface. O cego, pelado com a mão no bolso, buscava consolá-la e calado dizia: a
Terra é uma bola quadrada que gira parada em torno do Sol. Ela se queixa de que ele ficou
impassível, porque não é o irmão dele que vai receber as honrarias. Ele se agasta, olha-a com
desdém, agarra a faca, passa manteiga na torrada e lhe oferece, num gesto de amor.
(Esse texto reproduz aproximadamente versão ouvida junto a crianças de Araguari-MG).
KOCH; TRAVAGLIA, 2014, 18. ed, p. 59.
Nota-se, de pronto, na abertura do texto os marcadores temporais, por meio dos quais
se tem a ideia de sequência de fatos, como: “Era meia-noite”,“Enquanto esperava”, “de
repente”. Contudo, apesar de aparentemente bem-redigido, o texto apresenta graves pro-
blemas de coerência, pois a narração ocorre à meia-noite, entretanto, as informações apre-
sentadas contradizem isso, como: “O Sol brilhava,” “o homem espera que lhe servissem o
desjejum”; além de outros elementos que contrariam o conceito de que a Terra gira em
torno do Sol, como: “Terra quadrada”; “Terra que gira parada”.
Há outras contradições ou incoerências relacionadas ao cego e à esposa, a saber: “O cego
olhava fixamente a esposa”; “o homem cego de roupão x o cego pelado”; a esposa lia o jornal
x começou a chorar com o telegrama”.
Após essas primeiras reflexões, percebe-se que a coerência é regulada pelo próprio con-
texto discursivo, razão por que as frases não podem ser avaliadas isoladamente, de forma
descontextualizada, desconsiderando-se a situação de comunicação.
114 • capítulo 3
O texto apresenta também marcas de coesão, como “esperava que lhe servissem” (ser-
vissem ao cego), “passava a mão na faca sobre a mesa como se a acariciasse” (acariciasse a
faca), Esta lia o jornal (a esposa sentada), o telegrama lhe trazia a notícia (à esposa), Ela se
queixa (a esposa), ele ficou impassível... (o homem cego), Ele se agasta... (o homem cego),
olha-a ... ( a esposa), dentre outros.
Compreende-se que dos quesitos para se avaliar a coerência de um texto é o da inten-
cionalidade e o da situacionalidade, segundo o qual basta o texto ser adequado à inten-
ção e situação com que foi produzido para ser coerente e chegar à aceitabilidade, embora
seu conteúdo seja incoerente no sentido leigo do termo. No caso em análise, o leitor
sabe que o texto é incoerente, mas faz disso o seu sentido. Logo, o leitor vai entender
que o produtor fez o texto absurdo, incoerente com um propósito e deve considerar que
a não coerência é que lhe dá sentido.
CONCEITO
Agasta (verbo agastar)
Zanga-se, irrita-se.
Absorta
Imersa nos seus pensamentos, pensativa.
Intertextualidadade
Outro fator de coerência é a intertextualidade porque para o processamento cognitivo (pro-
dução/recepção) de um texto recorre-se ao conhecimento prévio de outros textos, isto é, um
texto pode sempre ler um outro e, assim por diante, até o fim dos textos.
Dessa forma, a intertextualidade faz-se por intermédio do conhecimento advindo de
outro(s) texto(s): diálogo entre os textos. Em outros dizeres: “Todo texto se constrói como
um mosaico de citações, todo texto é a absorção e transformação de um outro texto”. (KRIS-
TEVA, Julia, 1974, p.64.)
Quando o produtor cria o novo texto, ele nem sempre o constrói a partir de ideias iné-
ditas, mas como resultado daquilo que já foi apreendido em outros textos. Por outro lado,
a recepção desse mesmo texto depende também, por parte do receptor, do conhecimento
proveniente de outros textos.
(Bertold Brecht)
— Eu disse: infeliz do povo que depende de heróis.
(Maçã)
— Eu digo: infelizes os consumidores que dependem de heróis.
O texto acima é parte de uma charge de Zop. Nela há uma intertextualidade com esta
frase de Bertold Brecht: “Infeliz do povo que depende de heróis”, na qual o pronome relati-
vo “que” substitui coesivamente o termo anterior “povo”; a frase dita pela maçã apresenta
a mesma estrutura, com o elemento coesivo “que,” substituindo o termo anterior “consu-
midores”. A coerência dessas duas frases – o que faz com que elas ganhem algum sentido
capítulo 3 • 115
– acontece em função da analogia com a morte do criador da Apple (“maçã”, em inglês),
Steve Jobs, que parecia ter deixado a empresa de computação sem comando.
RESUMO
Na parte de coesão textual, trabalhou-se com os mecanismos constitutivos do texto e, a partir deles, os pro-
cessos de ordenação e de retomada dos termos da oração, os tempos verbais, tipos ou mecanismos de co-
esão, dentre outros fenômenos. Na parte de coerência textual, foi feita não só uma exposição sobre a orga-
nização discursiva de cada tipo de texto, mas também a constituição dos sentidos nos textos e seus demais
fatores de textualidade: os elementos linguísticos, a informatividade, a intencionalidade, a intertextualidade.
Questão de Pontuação
Pontuar um texto envolve tanto a utilização quanto a supressão de sinais gráficos no intui-
to de produzir sentido. Daí a necessidade de desenvolver-se um olhar mais cuidadoso e aplica-
do ao emprego dos diferentes sinais gráficos como dado prioritário na construção escrita, pois
eles são participantes ativos da textualidade, interferindo seja na coesão, seja na coerência.
Com efeito, a pontuação adequada é também um elemento fundamental para garan-
tir a coerência e a coesão textual, por isso deve ser entendida, reitera-se, como marca de
coerência e coesão para estabelecimento do sentido do texto em determinadas situações
comunicativas, pois ela influencia não só na construção de um texto coeso e coerente, mas
também fornece importantes pistas para o entendimento do texto, que poderão ser com-
partilhadas ou não pelo leitor.
116 • capítulo 3
A pontuação deve, então, ser vista como um dos componentes de organização de ideias
– que é tão importante quanto a escolha lexical e o uso dos conectivos –, associando-a ao
entendimento do texto, em uma parceria também entre sintaxe e semântica.
Repare o caso a seguir em que o uso de uma vírgula evidencia uma completa alteração
de sentido, proporcionando quatro versões diferentes para o mesmo fato:
Um homem rico, à beira da morte, pediu caneta e papel para determinar como seriam distribuídos
os seus bens. Infelizmente, faleceu antes de fazer a pontuação e deixou o seu testamento assim:
“Deixo meus bens a minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do alfaiate nada
aos pobres.” (Autor desconhecido)
“Deixo meus bens: a minha irmã, não; a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do alfaiate. Nada
aos pobres.”
"Deixo os meus bens à minha irmã. Não ao meu sobrinho. Jamais será paga a conta do alfaiate.
Nada aos pobres".
3 Logo após, surgiu o alfaiate que, pedindo a cópia do original, fez estas pontuações:
“Deixo meus bens: a minha irmã, não; a meu sobrinho, jamais. Será paga a conta do alfaiate. Nada
aos pobres.”
O Juiz estudava o caso, quando chegaram os pobres da cidade; e um deles, mais sabido,
tomando outra cópia, pontuou-a assim:
4 Pobres:
"Deixo os meus bens à minha irmã? Não. Ao meu sobrinho? Jamais. Será paga a conta do alfaiate?
Nada. Aos pobres."
O caso acima evidencia como o uso intencional das diversas pontuações apresentadas
pode promover no texto quatro sentidos diferentes e como a escolha consciente por um
modo específico de pontuação e de articulação sintática das ideias pode auxiliar o produtor
de texto a alcançar a sua intenção, em um texto mais claro, coerente e seguro.
capítulo 3 • 117
Por que pontuar e onde pontuar? Ao pontuar, que sinal deve ser utilizado?
O texto acima foi retirado de uma charge. Observe existem sinais de pontuação ao tér-
mino de todas as falas, evidenciando, respectivamente, ideia de admiração(!), ideia inter-
rompida [...], ideia de admiração(!) e ideia de indagação(?).
Diferentemente da fala, que, além da palavra, conta com outros recursos para a cons-
trução do sentido - expressão facial, entonação, gestos, postura corporal, ambiente -, a lin-
guagem escrita dispõe apenas de recursos gráficos. Entre esses recursos a pontuação é um
dos mais importantes, pois ajuda a organizar sintaticamente o texto, a evitar ambiguidade,
a enfatizar um termo da oração e a tornar as ideias do texto mais claras, coesas e precisas.
Entretanto, para se entender bem as regras de uso dos sinais de pontuação, é preciso
compreender primeiramente o conceito de frase, oração e período, conforme já trabalhado
no Capítulo 2 em “A pontuação e a sintaxe”.
Sinais de pontuação
118 • capítulo 3
"Quando, às duas horas da tarde do dia seguinte, Natividade se meteu no bonde, para ir a não
sei que compras na Rua do Ouvidor, levava a frase consigo. A vista da enseada não a distraiu,
nem a gente que passava, nem os incidentes da rua, nada; a frase ia dentro dela, com o seu as-
pecto e tom de ameaça. No Catete, alguém entrou de salto, sem fazer parar o veículo. Adivinha
que era o conselheiro; adivinha também que, posto o pé no estribo, e vendo logo adiante a nossa
amiga, caminhou para lá rápido e aceitou a ponta do banco que ela lhe ofereceu.
Depois dos primeiros cumprimentos:
— Pareceu-me vê-la olhar assustada — disse Aires.
— Naturalmente, não imaginei que fosse capaz deste ato de ginástica.
— Questão de Costume. As pernas saltam por si mesmas. Um dia, deixam-me cair, as rodas
passam por cima...
— Fosse como fosse, chegou a propósito.
— Chego sempre a propósito."
(ESAÚ e JACÓ - Machado de Assis, cap. XXXVIII.)
Percebe-se que o fragmento em estudo é formado por 11 frases. Observe a primeira fra-
se: “Quando, às duas horas da tarde do dia seguinte, Natividade se meteu no bonde, para
ir a não sei que compras na Rua do Ouvidor, levava a frase consigo”. Note que a frase só
termina quando o narrador completa o seu enunciado. A frase pode ser longa ou pode ser
curta como esta: "Questão de Costume".
Observa-se no texto dado que há frases que possuem mais de um verbo (os verbos es-
tão em negrito), frases que possuem apenas um verbo e frases que não possuem nenhum
verbo. Com base nisso, pode-se entender o conceito de período e oração. Assim, oração é a
frase que possui verbo, e Período é a frase que possui oração ou orações.
O período, como já estudado na Unidade I, pode ser simples, quando possui apenas
uma oração; ou composto, quando possui mais de uma oração. Lembrando-se de que a
quantidade de verbos em uma frase é a mesma quantidade de orações. Já a frase nominal
acontece quando na frase não há verbos, portanto, não há oração.
Análise de exemplos do texto:
Frase Questão de costume. (Nessa frase não há nenhum verbo, portanto, nenhuma oração).
Nominal
Período Chego sempre a propósito. (Nessa frase há apenas um verbo — "chego" — por-
Adivinha que era o conselheiro; adivinha também que, posto o pé no estribo, e ven-
Período do logo adiante a nossa amiga, caminhou para lá rápido e aceitou a ponta do banco
Composto que ela lhe ofereceu. (Nessa frase há 7 verbos, portanto, 7 orações).
A pontuação pode ser usada dentro de um período simples para destacar os termos de
uma oração ou dentro de um período composto separando orações.
capítulo 3 • 119
Para evitar sinais de pontuação desnecessários e dar ainda maior clareza ao texto na
construção dos períodos, segue-se, preferencialmente, o padrão, isto é, a ordem direta (su-
jeito + verbo + o restante).
Orações coordenadas
As orações coordenadas não mantêm entre si dependência gramatical, são independentes.
Existe entre elas, evidentemente, uma relação de sentido, mas do ponto de vista sintático,
uma não depende da outra. A essas orações independentes, dá-se o nome de orações coor-
denadas, que podem ser assindéticas ou sindéticas.
Emprega-se a vírgula para separar as orações coordenadas assindéticas (ligadas sem a
conjunção) e as orações coordenadas sindéticas (unidas pela conjunção), com exceção das
introduzidas pela conjunção e:
As orações coordenadas sindéticas unidas pela conjunção e podem vir separadas por vír-
gulas quando tiverem sujeitos diferentes ou, então, se a conjunção e for repetida várias vezes.
Repare estes exemplos:
O rapaz nem se preocupou em se explicar, e seu pai também não fez questão de saber.
“Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua”.
A conjunção e pode funcionar com valor adversativo (= mas) e, nesse caso, exige-se a vírgula.
Observe:
120 • capítulo 3
CONCEITO
Orações coordenadas
Orações colocadas lado a lado, sem que uma seja termo integrante da outra, ou seja, não existindo relação
sintática entre elas. Na verdade, a classificação de uma oração coordenada leva em conta fundamental-
mente o aspecto lógico-semântico da relação que se estabelece entre as orações.
EXEMPLO
O diretor da empresa necessita de que todos os colaboradores estejam presentes na reunião. (Objetiva indireta)
A testemunha informou que viu uma só arma. (objetiva direta)
Não cabe agora a afirmação de que o autor é pobre. (Completiva nominal)
Só lhe faço uma observação: que não desrespeite seus colegas. (Apositiva)
CONCEITO
Orações Subordinadas Substantivas são as que exercem, em relação à oração principal, funções próprias
dos substantivos, como: sujeito (subjetiva), objeto direto (objetiva direta), objeto indireto (objetiva indireta),
complemento nominal (completiva nominal), predicativo (predicativa) e aposto (apositiva).
capítulo 3 • 121
a Opcionalmente, se vierem após a oração principal
Disse que, quando chegar, tomará todas as providências. A oração intercalada (em itálico) fica
entre vírgulas.
Por precisar muito de dinheiro, minha irmã fez um empréstimo no Banco. (oração subordinada
adverbial causal, reduzida de infinitivo = “Porque precisava muito de dinheiro”- oração subordinada
adverbial causal ( desenvolvida).
Chegando a São Paulo, iremos logo à Bienal de Livros. (oração subordinada adverbial temporal, reduzida
de gerúndio = “Quando chegarmos a São Paulo...” oração subordinada adverbial temporal (desenvolvida).
O réu, condenado a quatro anos de detenção, cometeu novo crime. (oração subordinada adjetiva
explicativa, reduzida de particípio = “que foi condenado a quatro anos de detenção”).
Encontrei seu pai, usando gravata borboleta. (oração subordinada adjetiva explicativa, reduzida de
gerúndio = “que usava gravata borboleta”).
CONCEITO
Orações subordinadas adverbiais
São aquelas que exercem a função de adjuntos adverbiais, própria dos advérbios e vêm introduzidas por
conjunções subordinativas, quando desenvolvidas. As orações subordinadas adverbiais podem ser: com-
parativas, causais, consecutivas, condicionais, concessivas, temporais, finais, proporcionais, conformativas.
122 • capítulo 3
Orações subordinadas reduzidas
As orações subordinadas reduzidas podem ser de gerúndio, particípio ou de infinitivo, dependendo da for-
ma verbal de que se utilizam para evitar o uso da conjunção ou do pronome relativo (orações subordinadas
adjetivas). As orações reduzidas contribuem, assim, para evitar o uso excessivo da palavra que.
O corretor de imóvel, que me pareceu muito ético, enviou sua proposta de acordo. (Oração su-
bordinada adjetiva explicativa)
Os alunos que têm preguiça de ler escrevem muito mal. (oração subordinada adjetiva restritiva)
CONCEITO
Orações subordinadas adjetivas restritivas
São as que delimitam, restringem ou particularizam o sentido de um nome (substantivo ou pronome) ante-
cedente. Na escrita, ligam-se ao antecedente diretamente, sem vírgulas.
As orações subordinadas adjetivas - geralmente iniciadas pelo pronome relativo que - são
aquelas que têm valor de adjetivo, pois cumprem papel de determinar um substantivo
(nome ou pronome) antecedente, por isso funcionam como adjunto adnominal, referin-
do-se sempre a um substantivo ou pronome substantivo, explicando ou restringindo o seu
sentido, daí serem classificadas em explicativas e restritivas. Leia o diálogo a seguir:
capítulo 3 • 123
— Não há lugar em minha equipe para covardes sujos e escorregadios!!
— Você tem lugar para alguém que tem só o estômago fraco?
O elefante africano, que é um animal terrestre, chega a 4 metros de altura e a 7000 quilos de peso.
oração subordinada
adjetiva explicativa
oração principal
Jamais teria chegado aqui, não fosse a gentileza de um homem que passava naquele momento.
No exemplo dado, a intenção do coordenador é informar que apenas uma parte dos
alunos terá aulas aos sábados, isto é, aqueles que têm dificuldades em compreensão e in-
terpretação de textos.
Repare, agora, na alteração de sentido que ocorre na frase quando a oração adjetiva é
colocada entre vírgulas:
“Os alunos, que têm dificuldades em compreensão e interpretação de textos, terão aulas aos sábados.”
No segundo exemplo, a intenção do coordenador é outra, pois ele afirma que todos os
alunos têm dificuldades em compreensão e interpretação de textos. No primeiro caso, a
124 • capítulo 3
oração subordinada adjetiva restringe, particulariza o sentido da palavra alunos; portan-
to, é uma oração subordinada adjetiva restritiva. No segundo caso, a oração explica ou
acrescenta à palavra alunos uma informação que já é de conhecimento do interlocutor;
por isso é uma oração subordinada adjetiva explicativa. Ela generaliza, universaliza o sen-
tido da palavra alunos: todos os alunos têm dificuldade em compreensão e interpretação
de textos; por isso todos terão aulas aos sábados.
O uso da vírgula, como se pode notar, define o sentido explicativo ou restritivo da su-
bordinada adjetiva. Daí ser necessária muita atenção para que se evite alteração grave no
sentido de todo o período.
CONCEITO
Pronome relativo
Pronome relativo é aquele que liga orações e se refere a um termo anterior - o antecedente.
Há três pronomes relativos no diálogo acima que retomam estes antecedentes presen-
tes em cada uma das orações: flor (substantivo); garras (substantivo); pronome substantivo
demonstrativo o = aquilo.
Para reconhecer um pronome relativo e uma oração subordinada adjetiva, procure tro-
car o pronome relativo que introduz a oração por o(a) qual, os(as) quais, regidos ou não de
preposição. O emprego desse artifício só não é possível com o conectivo cujo e suas flexões;
contudo cujo é sempre pronome relativo.
ATENÇÃO
A oração subordinada adjetiva explicativa é separada da oração principal por uma pausa, que, na escrita, é repre-
sentada pela vírgula. É comum, por isso, que a pontuação seja indicada como forma de diferenciar as orações
explicativas das restritivas, razão por que as explicativas vêm sempre isoladas por vírgulas; as restritivas, não.
RESUMO
Orações coordenadas
Orações colocadas lado a lado, sem que uma seja termo integrante da outra, ou seja, não existindo relação
sintática entre elas.
Orações coordenadas assindéticas (sem conjunção): orações que se encadeiam sem a presença de
uma conjunção. Aparecem justapostas (uma ao lado da outra), separadas por vírgulas.
capítulo 3 • 125
Orações coordenadas sindéticas: orações coordenadas que vêm articuladas umas às outras por meio
de conjunções coordenativas que podem ser: aditivas (sequência ou adição de fatos ou acontecimentos
– soma de ideias – sem que entre as orações se estabeleça alguma outra relação de sentido), adversa-
tivas (o conteúdo da segunda oração opõe-se àquilo que se declara na primeira, estabelecendo-se uma
ideia de compensação ou contraste, oposição), conclusivas (a segunda oração expressa uma conclusão
ou consequência lógica, baseada em uma oração anterior), explicativas (a oração coordenada fornece
uma explicação, razão ou motivo para aquilo que se afirma em uma oração anterior) , alternativas (ex-
pressam duas ou mais ideias que se alternam ou se excluem).
Orações subordinadas
Funcionam como termo de uma principal.
Orações subordinadas substantivas: são as que exercem, em relação à oração principal, funções pró-
prias dos substantivos, como: sujeito (subjetiva), objeto direto (objetiva direta), objeto indireto (objetiva
indireta), complemento nominal (completiva nominal), predicativo (predicativa) e aposto (apositiva).
Orações subordinadas adjetivas: são as que exercem, em relação à oração principal, a função de ad-
junto adnominal, própria dos adjetivos. Essas orações, em sua forma desenvolvida, são introduzidas por
pronomes relativos e podem ser explicativas ou restritivas.
Orações subordinadas adverbiais: são aquelas que exercem a função de adjuntos adverbiais, própria
dos advérbios. As orações subordinadas adverbiais, em sua forma desenvolvida, vêm introduzidas por con-
junções subordinativas.
As orações subordinadas adverbiais podem ser: causais (exprimem uma circunstância de causa); con-
secutivas (traduzem a ideia de consequência, indicando um fato que pode ser entendido como um
efeito ou uma consequência de algo que se afirma na oração principal; condicionais (expressam uma
circunstância de condição [real ou hipotética] em relação ao predicado da oração principal); concessi-
vas (fazem uma concessão ao que está sendo afirmado na oração principal); conformativas (expressam
ideia de conformidade em relação a algo que foi afirmado na oração principal); comparativas (ex-
pressam uma comparação - de igualdade, de superioridade ou de inferioridade – com um dos termos
da oração principal); finais (expressam finalidade, objetivo ou fim daquilo que se declara na oração
principal); proporcionais (expressam gradação ou proporcionalidade, relacionando o processo verbal
indicado na oração principal com aquele expresso na subordinada); temporais (exprimem circunstân-
cias temporais – de anterioridade, simultaneidade, posterioridade – relativas ao acontecimento que vem
expresso na oração principal).
Orações reduzidas
Subordinadas substantivas reduzidas: apresentam o verbo em uma das formas nominais (infinitivo, ge-
rúndio e particípio) e desempenham com relação à oração principal a mesma função que suas equivalentes
na forma desenvolvida. Para classificá-las, portanto, basta desenvolvê-las e analisar que tipo de relação
sintática estabelecem com a oração à qual se subordinam.
Subordinadas adverbiais reduzidas: Não são introduzidas por uma conjunção subordinativa e apresen-
tam o verbo em uma das formas nominais (infinitivo, gerúndio e particípio).
126 • capítulo 3
Subordinadas adjetivas reduzidas (explicativas e restritivas): não são introduzidas por pronome rela-
tivo e apresentam o verbo em uma das formas nominais (infinitivo, gerúndio e particípio).
REFLEXÃO
Os conectores ou articuladores têm como função articular, conectar, ligar grupos de palavras; unir frases
simples, formando frases complexas; estabelecer nexos lógicos entre períodos e parágrafos, de modo a
construir textos coesos e coerentes.
O papel coesivo das conjunções na articulação com o texto é de grande importância, pois, dependendo
da escolha de diferentes conjunções coordenativas ou subordinativas, o sentido de um período composto
modifica-se consideravelmente. Daí ser fundamental o estudo das conjunções ou conectores para a com-
preensão das relações semânticas que estabelecem entre as orações, pois só assim haverá condições de
se utilizar adequadamente esses importantes elementos coesivos na elaboração dos textos.
Os conectores podem ser classificados com funcionalidades lógicas distintas, de acordo com o contexto de uso.
Observe o quadro a seguir:
Conectores/
Designação Função Articuladores
e, nem (negativa), bem como,
agrupar, adicionar ideias, segmentos, não só… mas também, além
Aditivos sequências, informação disso, mais ainda, igualmente,
ainda, além de tudo isso.
capítulo 3 • 127
como, tal como, assim como,
Comparativos exprimir uma comparação bem como, mais / menos do
que, tanto quanto.
128 • capítulo 3
contextuais a um elemento inserido no contexto – a anafórica e a catafórica [...]” (BECHA-
RA, 2009, p. 162), já trabalhados anteriormente em Coesão textual.
No texto acima, retirado de uma charge, tem-se o pronome demonstrativo este quatro
vezes em função catafórica, referindo-se ao termo que vem depois — lados, logo é classifica-
do como pronome demonstrativo catafórico. Há também o pronome indefinido anafórico
todos, retomando a palavra lados.
Os pronomes demonstrativos são os que indicam a posição dos seres em relação às três
pessoas do discurso. A localização pode ser no tempo, no espaço ou no discurso:
Esta é minha família: esta é a minha esposa e estes são os meus filhos.
capítulo 3 • 129
O pronome demonstrativo este vem empregado com as flexões exigidas pelo contexto,
pois acompanha os substantivos família, esposa e filhos. Aquele que fala, encontra-se pró-
ximo da família, da esposa, dos filhos.
Observe o discurso a seguir:
No texto acima, retirado de uma charge, houve um deslize gramatical quanto ao em-
prego do pronome demonstrativo esse, pois o objeto encontra-se próximo do entrevistador
- está próximo da pessoa que fala (Eu), logo, deveria ter empregado o pronome demonstra-
tivo Este: “Por que o Senhor publicou este (e não esse) livro”?
130 • capítulo 3
— Olha! Um papel em uma garrafa! Pegue e leia!
— Certo!
— Aqui diz: "Parabéns! Você ganhou o primeiro prêmio de 10.000.000.000 moedas de ouro em
nosso concurso!"
— Uhuuu! Nossos problemas acabaram!
— Aí diz como podemos pegar o prêmio?
— Sim! Nós temos até as 5 horas de amanhã para pegá-lo.
ATENÇÃO
Na correspondência, este (e flexões) se refere ao lugar de onde se escreve, e esse (e flexões) denota o lu-
gar para onde a carta se destina. A referência ao documento que se escreve se faz com este, esta. Quando
se quiser apenas indicar que o objeto se acha afastado da pessoa que fala, sem nenhuma referência à 2ª
pessoa, usa-se esse.
Exemplos:
a) Dirijo-me a essa universidade Estácio de Sá com o objetivo de solicitar informações sobre a XXII Con-
ferência Nacional de Advogados. (Trata-se da universidade destinatária.)
b) Reafirmamos a disposição desta universidade Estácio de Sá em participar na próxima XXII Conferência
Nacional de Advogados. (Trata-se da universidade que envia a mensagem.)
EXEMPLO
a) Nestas próximas semanas, estarão ocorrendo as inscrições para o concurso vestibular na Estácio.
(Futuro próximo)
b) Esta noite (= noite passada) tive um sonho belíssimo.
c) Este ano de 2014 está sendo marcado pelo caos no trânsito em razão das grandes obras que vêm
sendo realizadas na cidade do Rio de Janeiro. (Presente)
capítulo 3 • 131
Pronomes demonstrativos este e aquele (e flexões): anafóricos e catafóricos
Quando bem utilizados, os demonstrativos são eficientes elementos de coesão entre o que
se está falando e o que já se disse ou irá dizer adiante. Deve-se utilizar este e suas flexões para
adiantar o que se vai dizer, e esse, quando se refere ao já-dito, fazendo-se apenas uma retomada.
Observe o uso do pronome demonstrativo anafórico isso abaixo:
— Não é justo que uma mulher trabalhe tanto com um sol desses! Por que não faz isso à noite?
Na frase, o pronome demonstrativo esta indica o vocábulo a que o autor se referiu por último – po-
liticalha-, e o pronome demonstrativo aquela indica o a que se referiu em primeiro lugar - Política.
Os Estados Unidos (EUA) têm estreitado as relações com o Brasil e o Chile, mas aquele
b país ainda sofre fortemente os impactos da última crise econômica.
132 • capítulo 3
Pessoa do
Pronome Lugar Tempo Discurso
Discurso
Com função ana-
fórica, identifica
o termo mais
Faz referência próximo, havendo
ESTE à pessoa ou Refere-se ao lu-
Refere-se ao
dois anterior-
ESTA coisa próxima da gar em que está
presente.
mente citados.
ISTO pessoa que fala o emissor. Com função
(Eu). catafórica,
refere-se ao que
vai ser citado no
discurso.
Faz referência
Com função ana-
ESSE à pessoa ou Refere-se ao lu- Refere-se a pas-
fórica, refere-se
ESSA coisa próxima da gar em que está sado ou futuro
ao que foi citado
ISSO pessoa a quem o receptor. próximos.
no discurso.
se fala (Tu).
Faz referência à
Com função ana-
pessoa ou coisa
fórica, identifica
AQUELE distante da pes- Refere-se a lugar Refere-se a pas-
o termo mais
AQUELA soa que fala e da distante do emis- sado ou futuro
distante, havendo
AQUILO pessoa a quem sor e do receptor. distantes.
dois anterior-
se fala. Corres-
mente citados.
ponde a Ele.
RESUMO
“Coloque na estante estes livros de Administração que estão comigo junto a esses de Direito Civil; retire
esses de Português e coloque-os com aqueles de Literatura, do outro lado da sala. Em relação às reformas
da previdência, administrativa e fiscal, todas essas (ou todas elas) são importantes; mas a mais urgente é
esta: a reforma da legislação penal.”
A regra ou norma é esta: o demonstrativo este se refere ao termo mais próximo; afastando-se, usa-se
esse; o mais afastado é aquele. Isso também vale para os termos mais próximos e os mais remotos da
oração ou período.
“Há dois princípios constitucionais básicos, a saber: a dignidade humana e a liberdade de escolha. Aquela
(a dignidade humana) não pode ser exercida sem esta (a liberdade de escolha)”.
Além disso, este representa algo que se pretende designar, mostrar ou dizer, ou seja, ainda não conhecido,
enquanto esse se refere à coisa já mencionada, já conhecida:
“Essa situação (passada, já referida) provocou esta reação na Educação brasileira (que agora vou mencio-
nar): uma greve geral dos professores”.
Assim também isto e isso:
“Prestem atenção nisto (que vamos dizer agora) – não foi isso que nós explicamos”.
capítulo 3 • 133
REFLEXÃO
Coesão textual trata da ligação, da conexão entre as palavras de um texto por meio de elementos formais
que assinalam o vínculo entre os seus componentes. A coesão textual pode se estabelecer por meio de
diversos elementos linguísticos. Dentre esses elementos, os pronomes assumem grande relevância, princi-
palmente pelo fato de ser por meio deles que se faz a retomada do referente, isto é, aquilo a que o texto se
refere. Todos os tipos de pronomes podem funcionar como recurso de referência a termos ou expressões
anteriormente empregados, conforme já estudado em Coesão textual.
CURIOSIDADE
Alguns estudiosos têm-se insurgido contra o emprego anafórico do demonstrativo mesmo, substantivado
pelo artigo, precedido ou não de preposição, para referir-se à palavra ou declaração expressa anteriormen-
te por considerarem-no em desuso. Para eles, o mesmo deve ser substituído por ele (dele, dela).
Exemplo:
Os políticos presos tiveram habeas corpus. Apareceu um relatório contra eles (e não os mesmos) e contra
outros também envolvidos no esquema da corrupção.
134 • capítulo 3
14
Sintaxe de
regência verbal
e nominal
4 Sintaxe de regência
verbal e nominal
Regência deriva de reger ‘governar, comandar, dirigir’ e significa ‘governo, comando,
direção’. A relação necessária que se estabelece entre duas palavras, uma das quais serve
de complemento à outra, é o que se chama Regência. A palavra dependente denomina-se
regida, e o termo a que ela se subordina, regente.
A língua prevê dois tipos de regência, a depender dos termos que se subordinam. A re-
gência nominal, estabelecida entre nomes e seus complementos, e a regência verbal, esta-
belecida entre verbos e seus complementos.
CONCEITO
Termo regente
Palavra principal a que outra se subordina.
Termo Regido
Palavra dependente que serve de complemento e que se subordina ao termo regente.
Eles nunca se lembram de uma data importante. / Lembro-me do dia de nossa primeira briga feia.
136 • capítulo 4
b Transitivo direto, sem o pronome.
Eles nunca lembram uma data importante! Lembro o dia de nossa primeira briga feia.
O verbo assistir no sentido de presenciar, estar presente, ver é transitivo indireto, e a pre-
posição a marca a sua regência. Logo, o certo seria: “O aluno não veio mais assistir à aula”.
Os verbos aspirar, assistir, obedecer, desobedecer e visar, quando transitivos indiretos,
rejeitam o pronome oblíquo átono lhe(s) como complemento; em seu lugar são emprega-
dos os pronomes oblíquos tônicos a ele(s), a ela(s).
Repare que há outro erro clássico de regência, incluindo o verbo chegar. Esse verbo exi-
ge a preposição a, na indicação de destino e não em.
CONCEITO
Regência verbal é a denominação que se dá à relação particular que se estabelece entre verbos e respec-
tivos complementos (objetos diretos e indiretos). Essa relação vem sempre marcada por uma preposição,
no caso dos objetos indiretos. O verbo é considerado o termo regente e seu complemento, o termo regido.
capítulo 4 • 137
Regência de alguns verbos
Alguns verbos costumam apresentar certas dificuldades de regência, ora porque o uso po-
pular se apresenta em desacordo com a norma culta, ora porque têm mais de um sentido e,
consequentemente, mais de uma regência. E, também, há os que apresentam dupla regên-
cia (Avisar, Cientificar, Informar, Certificar-se, entre outros). Eis por que relaciona-se apenas
a regência de alguns verbos mais usuais, pois o objetivo deste livro não é apresentar um
dicionário de regimes verbais e nominais.
Abdicar
Abraçar
Ajudar
138 • capítulo 4
c Mas se o infinitivo for intransitivo, somente transitivo direto:
Ajudei-o a fugir.
d Mas unicamente:
Ajudei-o bastante.
Agradar /Desagradar
Agradecer
capítulo 4 • 139
d Mostrar gratidão, apenas (intransitivo):
Atender
Atender o cliente.
Atendê-lo.
A professora não o atendeu.
A tenista não atendeu o repórter. Ela não quis atendê-lo.
Aposentar
140 • capítulo 4
Aspirar
Aspirar pede objeto direto no sentido de sorver, inalar, absorver, atrair o ar aos
a pulmões (transitivo direto):
ATENÇÃO
Em tal caso, não admite o seu complemento preposicionado representado por pronome átono:
Jamais aspirou a ela (e não: lhe aspirou).
Estão, nesse caso, os verbos Assistir (= presenciar), Responder (com objeto indireto referente a coisa),
Aludir, Visar (= desejar), Aceder e Referir-se.
Assistir
Assistir ao espetáculo.
Os fiéis assistiram à missa.
Todos assistimos aos espetáculos, à sessão, aos trabalhos.
Gostava muito de assistir à televisão.
Ontem assistimos ao jogo.
ATENÇÃO
Nesse sentido, Assistir não admite seu complemento representado por pronome átono:
Não pude assistir a ele (e não: lhe pude assistir).
Logo, por ser indireto, também rejeita as formas pronominais o, a, lo, la, os, as, los e las como comple-
mento. Não escreva:
Perdi a corrida, mas queria tanto assisti-la.
Chegou cedo ao treino e assistiu-o com interesse.
capítulo 4 • 141
Verbos com dupla regência
Chamar
142 • capítulo 4
Chegar (e os demais verbos de movimento)
A chegada do presidente Fidel Castro ao (e não: no) Brasil está marcada para amanhã.
capítulo 4 • 143
Comunicar
Da mesma forma, ninguém pode ser comunicado de ou sobre alguma coisa. Pode,
c isso sim, ser informado, avisado, cientificado ou notificado:
Confraternizar
Confraternizar não é verbo pronominal, portanto não pode ser flexionado com
a pronomes oblíquos átonos:
Os amigos confraternizaram.
Confraternizava até com os adversários.
Contribuir
Contribuir para (concorrer para alguma coisa, cooperar para que alguma coisa
a ocorra):
144 • capítulo 4
Custar
Custar tanto ou alguma coisa; no sentido de “ser difícil”, “ser custoso”, tem por
a sujeito aquilo que é difícil.
ATENÇÃO
Se o verbo vier seguido de um sujeito oracional no infinitivo, este poderá ou não vir precedido da preposição a:
Por uma valorização da pessoa a quem o fato é difícil, a linguagem coloquial dá essa pessoa como sujeito
da oração, e constrói dessa maneira, condenada por muitos gramáticos.
Esquecer
ATENÇÃO
A coisa esquecida pode aparecer como sujeito e a pessoa passa a complemento (uso escasso):
Esqueceram-nos os livros.
Esqueceu-te o meu aniversário.
capítulo 4 • 145
b Esquecer-se de alguma coisa:
ATENÇÃO
Esquecer-se, pronominal, pede objeto indireto encabeçado pela preposição de.
Favorecer
Implicar
Iniciar
146 • capítulo 4
O clube iniciou as obras da piscina.
Iniciar no sentido de instruir alguém numa atividade ou ciência pede dois com-
b plementos (transitivo direto e indireto):
Informar
Ir
Fui à cidade.
Foram para França.
ATENÇÃO
Nem sempre é indiferente o emprego de a ou para depois do verbo Ir e outros que denotam movimento. A
preposição a ora denota a simples direção, ora envolve a ideia de retorno. A preposição para lança a atenção
do nosso ouvinte para o ponto terminal do movimento ou não condiciona a ideia de volta ao local de partida.
Nesta última acepção pode trazer para a ideia de transferência demorada ou definitiva para o lugar.
Evite-se a construção popular: Fui na praia.
capítulo 4 • 147
Investir
Lembrar
ATENÇÃO
Lembrar-se, pronominal, pede objeto indireto encabeçado pela preposição de.
Morar, Residir
148 • capítulo 4
O casal morava (residia) na Rua do Bosque.
A família morou (residiu) na Praça da República.
Não conheço a casa em que ele mora (reside).
ATENÇÃO
Morador e residente, cognatos dos verbos morar e residir, exigem, como os verbos, a preposição em.
Obedecer/Desobedecer
Obstar
Pagar
capítulo 4 • 149
b Pagar a alguém ou a uma entidade (transitivo indireto):
Perdoar
Perdoou-lhes os defeitos.
O padre perdoou os pecados a todos.
ATENÇÃO
a. Perdoar pede objeto direto de coisa perdoada e indireto de pessoa a quem se perdoa. O verbo Pagar
admite as mesmas regências do verbo Perdoar:
Pagou a dívida.
Paguei ao médico.
Paguei-lhe a dívida, conforme já vimos.
150 • capítulo 4
c. Embora comum, a regência perdoar alguém é condenada pelos gramáticos. Evite, pois, frases como:
Presidir
Precisar, Necessitar
capítulo 4 • 151
Pode também ser usado com o pronome se (porém, não como regência, mas
d como índice de indeterminação do sujeito):
Preferir
O lateral prefere jogar no Brasil a (e não: “em vez de”) ir para a Espanha.
c Como Preferir já tem valor absoluto, são inadequadas construções deste tipo.
Proceder
152 • capítulo 4
b É intransitivo no sentido de ter fundamento:
Querer
Reclamar
capítulo 4 • 153
b Protestar contra alguma coisa (transitivo indireto):
Recorrer
Responder
O verbo Responder pode funcionar como transitivo direto e indireto. Neste caso,
a isto é, quando os dois complementos aparecem simultaneamente na frase, é útil
a distinção entre o complemento direto e o indireto:
Porém, havendo um só complemento verbal, seja ele qual for, o verbo Respon-
b der é transitivo indireto:
154 • capítulo 4
ATENÇÃO
O objeto indireto pode ser representado por pronome átono:
Vou responder-lhe.
Servir
Simpatizar
ATENÇÃO
a. Esse verbo não é pronominal.
Não se diz, portanto, simpatizei-me com ele, mas simpatizei com ele.
capítulo 4 • 155
Sobressair
Socorrer
As vítimas foram socorridas no Hospital das Clínicas (e não: “socorridas para o HC”, por influência
de “levadas ao HC para serem socorridas”).
Socorreu-se ao empréstimo.
Socorremo-nos dos amigos nas dificuldades.
Socorreu-se das economias para pagar os credores.
Suceder
Suceder como sinônimo de acontecer, substituir, ser o sucessor de, pede comple-
a mento preposicionado da pessoa ou coisa substituída, iniciado pela preposição a:
156 • capítulo 4
O filho sucedeu ao pai na chefia da família.
George W. Bush sucedeu a Bill Clinton no governo dos Estados Unidos.
Sucedeu ao chefe.
Ver
Visar
Como equivalente a ter em vista, pretender ou ter por objetivo ou almejar exige a
a preposição a (transitivo indireto):
ATENÇÃO
A norma vale também quando Visar precede infinitivo, mas, nesse caso, a preposição pode ficar elíptica.
b Visar no sentido de mirar, dar o visto em alguma coisa, pede objeto direto:
capítulo 4 • 157
Sintaxe de regência nominal
Lembre-se de que complemento de verbo é o que se chama complemento verbal e a previsão
deste pelo verbo constitui a regência verbal.
De forma análoga, leva o nome de complemento nominal o complemento de palavras que
não são verbos, e regência nominal, o respectivo fenômeno semântico-sintático, ou seja, a
exigência ou previsão de complementação por parte dessas palavras.
Como o termo nominal, na sua estrutura, significa de ou relativo a nome, os termos com-
plemento/regência nominal correspondem a complemento/regência de nome(s).
Nome é termo abrangente, pois abrange as classes substantivo, adjetivo, advérbio:
nome substantivo, nome adjetivo e nome advérbio.
Assim como alguns verbos não podem vir desacompanhados de complemento, sendo,
por vezes, regidos de preposição, alguns nomes (substantivos, adjetivos ou advérbios) tam-
bém, por não encerrarem, em si mesmos, sentido completo, necessitam de complementa-
ção. A essa complementação dá-se o nome de complemento nominal.
Todos os complementos nominais são indiretos, isto é, ligam-se ao nome mediante
preposição: é o que se chama de regência nominal.
Na condição de regentes, há substantivos e adjetivos que exigem a presença determina-
da de uma única preposição para que o seu sentido se complete na oração.
Dessa forma, o adjetivo contrário pede a preposição a: contrário a todos os valores; con-
trário às normas de conduta social. Por sua vez, o substantivo perda liga-se a de: perda da
dignidade, perda da confiança.
Na maior parte dos casos, contudo, os substantivos e adjetivos combinam-se com mais
de uma preposição. Intolerância, por exemplo, compõe-se com as seguintes preposições a,
com, contra, em e para com: intolerância ao governo, intolerância em aceitar determinadas
opiniões, intolerância contra os críticos, intolerância para com os jovens escritores.
Já o adjetivo preocupado pode ser seguido por com, de, em, para com e por: preocupado
com os filhos, preocupado da qualidade de vida, preocupado em sair mais tarde, preocupa-
do para com os colegas, preocupado pela saúde dos filhos.
Sendo assim, as preposições que fazem a ligação entre substantivos, adjetivos e deter-
minados advérbios e seus complementos variam. Por esse motivo, é importante conhecer
a regência de alguns nomes e, assim, saber quais as preposições podem ser utilizadas para
vinculá-los a seus complementos.
Leia o fragmento do poema “Dispersão”, do poeta português Mário de Sá Carneiro:
158 • capítulo 4
Observe que a escolha por determinada preposição não é aleatória, pois quem tem sau-
dades, tem saudades de alguém ou de alguma coisa e quem sente ânsia, sente ânsia de ou
por alguma coisa.
Nota-se que as palavras saudade e ânsia são substantivos (termos regentes) que neces-
sitam de uma preposição para se ligar ao seu complemento (termo regido). Assim como
os verbos, em algumas situações os nomes também precisam de complementos para
possuir sentido completo.
Leia agora o poema “Versos Íntimos”, de Augusto dos Anjos:
capítulo 4 • 159
afável, amoroso, aparentado, compatível, conforme, cruel, cuidadoso, desconten-
com te, furioso (de), inconsequente, ingrato, intolerante, liberal, misericordioso, orgu-
lhoso, parecido (a), rente (a, de)
apto, bom, diligente, disposição, essencial, idôneo, incapaz, inútil, odioso, pronto
para (em), próprio (de), útil
ATENÇÃO
Advérbios com sufixo – mente, originados de radicais de adjetivos, seguem a mesma regência dos adjeti-
vos de que foram formados. Observe:
As ações dos políticos deveriam ser compatíveis com os projetos de governo que defendem em
campanha.
Os políticos deveriam conduzir suas ações compativelmente com os projetos de governo que
defendem em campanha.
COMENTÁRIO
O objeto direto é o complemento do verbo que não possui preposição e que também pode ser representa-
do pelos pronomes oblíquos o, a, os, as.
Já o objeto indireto vem acrescido de preposição e igualmente pode ser representado pelos pronomes
lhe, lhes.
Deve-se, porém, tomar cuidado com alguns verbos, como Assistir e Aspirar, , que não admitem o emprego
desses pronomes.
Os pronomes me, te, se, nos e vos podem, entretanto, funcionar como objetos diretos ou indiretos.
160 • capítulo 4
O aspecto mais importante desse estudo é constatar que a articulação dos termos nas
orações depende das relações de regência nominal e verbal. Por essa razão, deve-se procu-
rar conhecê-las e respeitá-las nas produções de texto.
Assim, a relação entre o verbo (termo regente) e o seu complemento (termo regido) chama-
se regência verbal, orientada pela transitividade dos verbos, que podem se apresentar diretos
ou indiretos, ou seja, exigindo um complemento na forma de objeto direto ou indireto.
Por fim, a regência é o mecanismo que regula as ligações entre um verbo ou nome e os seus
complementos.
RESUMO
No capítulo 3, na parte de coesão textual, trabalha-se com os mecanismos constitutivos do texto e, a partir
deles, classes de palavras, conectivos, processos de ordenação e de retomada do tema, os tempos verbais,
tipos ou mecanismos de coesão, a função retórica dos operadores argumentativos, dentre outros fenômenos.
No que se refere à coerência textual, apresenta-se não só uma exposição sobre a organização discursiva
de cada tipo de texto, mas também a constituição dos sentidos nos textos e seus demais fatores de textu-
alidade, como: os elementos linguísticos, a informatividade, a intencionalidade, a intertextualidade.
Em “Emprego dos pronomes demonstrativos este, esse e aquele (flexões)” realça-se que esses prono-
mes são os que indicam a posição dos seres em relação às três pessoas do discurso e que localização
pode ser no tempo, no espaço ou no discurso, como também a sua função no texto como elemento de
referência anafórico e catafórico.
Em “A pontuação como fator de coesão e coerência” [2ª parte] evidencia-se a coesão, coerência e pontua-
ção como fatores de textualidade, ressaltando-se a relevância desses elementos na construção dos textos.
Por fim, no capítulo 4, estuda-se que a regência é a relação que se estabelece entre duas palavras, por
meio da qual uma das palavras se subordina à outra, funcionando como seu complemento, e que a regên-
cia verbal é estabelecida entre verbos e seus complementos, já a regência nominal é estabelecida entre
nomes e seus complementos.
capítulo 4 • 161
ATIVIDADE
(ENADE 2012)
Cultivar um estilo de vida saudável é extremamente importante para diminuir o risco de infarto,
mas também de problemas como morte súbita e derrame. Significa que manter uma alimentação
saudável e praticar atividade física regularmente já reduz, por si só, as chances de desenvolver
vários problemas. Além disso, é importante para o controle da pressão arterial, dos níveis de
colesterol e de glicose no sangue. Também ajuda a diminuir o estresse e aumentar a capacidade
física, fatores que, somados, reduzem as chances de infarto. Exercitar-se, nesses casos, com
acompanhamento médico e moderação, é altamente recomendável.
ATALIA, M. Nossa vida. Época, 23 mar. 2009.
1. As ideias veiculadas no texto se organizam, estabelecendo relações que atuam na construção do sen-
tido. A esse respeito, identifica-se, no fragmento, que:
a) a expressão “Além disso” marca uma sequenciação de ideias.
b) o conectivo “mas também” inicia oração que exprime ideia de contraste.
c) o termo “como”, em “como morte súbita e derrame”, introduz uma generalização.
d) o termo “Também” exprime uma justificativa.
e) o termo “fatores” retoma coesivamente “níveis de colesterol e de glicose no sangue”.
162 • capítulo 4
3. Leia o texto chárgico:
A conjunção é um fator indicativo da natureza das relações entre orações. Quando se trata de conjunções
coordenadas, pode-se, então, falar não só de uma classificação sintática, mas de um valor semântico subja-
cente que estabelece o vínculo das orações. Dessa forma, é correto afirmar que a conjunção coordenativa
presente no quadrinho.
a) funciona com valor de explicação e justifica o sentido tanto da primeira quanto da segunda oração.
b) tem valor semântico de soma, pois agrega duas orações sem estabelecer relações semânticas entre elas.
c) funciona com valor adversativo nas ideias expressas na sentença e poderia ser substituída por uma
conjunção dessa natureza.
d) funciona com valor expletivo e pode ser extraída das sentenças sem alteração no modo de conexão
sintática e semântica do período.
e) funciona como elo conclusivo entre as ideias contidas nas orações e expressa a conclusão a que che-
gou um dos personagens do quadrinho.
Apenas 26% da população brasileira com mais de 15 anos têm domínio pleno das habilidades
de leitura e escrita. Isso significa que somente um em cada quatro jovens e adultos consegue
compreender totalmente as informações contidas em um texto e relacioná-las com outros dados.
O restante são os chamados analfabetos funcionais, que “mal conseguem identificar enunciados
simples, sendo incapazes de interpretar texto mais longo ou com alguma complexidade”, aponta
estudo do Inaf (Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional), feito pelo Instituto Paulo Mon-
tenegro, que é ligado ao Ibope. Segundo o trabalho, o Brasil possui 16 milhões de analfabetos
com mais de 15 anos (9% da população).
Em contraponto, a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” diz que 67% dos brasileiros têm interes-
se pela leitura. O Plano Nacional do Livro, Leitura e Biblioteca – Fome de Livro, do governo federal,
considera que as pessoas têm vontade de ler e, para estimular o hábito, agirá em várias frentes.
Uma delas é zerar o número de cidades brasileiras sem uma biblioteca. A outra é criar uma políti-
ca federal centralizada para aumentar a leitura. A democratização do acesso ao livro se dará por
meio das bibliotecas públicas, da revitalização das 5.000 bibliotecas existentes, construção de
acervos básicos infanto-juvenis, proliferação de centros de inclusão digital, livrarias e realização
de campanhas de distribuição de livros.
[...]
Segundo pesquisa encomendada pela Câmara Brasileira do Livro e pelo Sindicato Nacional
de Editores de Livros em 2001, 61% dos brasileiros adultos alfabetizados têm muito pouco ou
nenhum contato com os livros, não existem livrarias em 89% dos municípios brasileiros e 6,5
milhões de pessoas não têm condições financeiras de comprar um livro. De acordo com o Mapa
do Analfabetismo no Brasil, produzido pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu-
cacionais), 35% dos analfabetos brasileiros já freqüentaram a escola.
capítulo 4 • 163
O título do projeto é uma homenagem a um de seus idealizadores, o poeta Waly Salomão, que
costumava dizer: o povo tem fome de comida e de livros.
“O governo criou o Fome Zero para combater a fome e a miséria que têm, como eixos estrutu-
rantes, a educação e a cultura”. [...]
UOL – EDUCAÇÃO, 30 set. 2004. (Adaptado) As informações são da Agência Brasil.
4. No texto acima, alguns sinais de pontuação são muito expressivos, como o emprego de aspas, traves-
sões e parênteses. O emprego do sinal de pontuação está corretamente justificado em:
a) “(Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional)” (l. 7) – os parênteses introduzem um comentário do autor.
b) “(9% da população)” (l. 9) – os parênteses explicam os dados que serão mencionados posteriormente.
c) “...‘Retratos da Leitura no Brasil’...” (l. 10) – as aspas indicam que a expressão não está em seu sentido real.
d) “O Plano Nacional do Livro, Leitura e Biblioteca – Fome de Livro,” (l. 11) – o travessão explica a infor-
mação anterior.
e) “O governo criou o Fome Zero para combater a fome [...].” (l. 28) – as aspas indicam uma citação da
fala de alguém.
5.
“A outra é criar uma política federal centralizada para aumentar a leitura.” (l. 14-15)
Apesar de não apresentar conectivo, a oração acima se liga à primeira com determinada relação de sentido.
Essa relação de sentido é caracterizada por uma ideia de:
a) proporção.
b) concessão.
c) finalidade.
d) comparação.
e) consequência.
164 • capítulo 4
6.5. A O candidato (não) leu as obras indicadas para o concurso da Defensoria Pública.
B O candidato (não) passou no exame da Defensoria Pública.
Proposição: B oposição de A:
8. Conecte os períodos simples abaixo, transformando-os em períodos compostos únicos, coerentes e
coesos, fazendo as adaptações necessárias. Atenção à Regência!
9.
Nas últimas décadas, governos de diferentes países têm adotado políticas de inclusão e res-
peito à diversidade e às diferenças relacionadas, por exemplo, a raça, etnia, gênero, religião,
deficiência física e mental, entre outros. Algumas dessas políticas podem ser exemplificadas a
partir da obrigatoriedade de rampas em espaços públicos, o ensino obrigatório de Libras, cultura
afro-brasileira e indígena em todos os níveis do Ensino Formal (Lei 11645/2008), a adoção
de cotas para negros no ingresso às universidades, entre várias outras. Por outro lado, atitudes
como a disseminação de discursos racistas na internet, a proibição do uso de véus islâmicos em
território francês, a deportação frequente de estrangeiros realizada por países ricos, entre tantos
outros exemplos, revela que nem sempre é fácil conviver com quem é diferente.
capítulo 4 • 165
GABARITO
1. A
2. E
3. C
4. E
5. C
6.1 O advogado chegou ao Rio e hospedou-se em um hotel famoso.
6.2 Ele é o juiz responsável pelo processo, devemos, pois, (portanto, por conseguinte), respeitar a decisão dele.
6.3 Como os funcionários federais estão há seis anos sem reajuste, resolveram entrar em greve.
6.4 Eu não consegui entender o laudo pericial, embora o tenha estudado a noite inteira.
6.5 O candidato leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura, mas não passou no exame.
7.1 A causa de B: Como o candidato não leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura, não
passou no exame.
7.2 A concessão de B: Embora o candidato tenha lido as obras indicadas para o concurso da Magistratura,
não passou no exame.
7.3 A condição de B: Se o candidato tivesse lido as obras indicadas para o concurso da Magistratura, teria
passado no exame.
7.4 B finalidade de A: O candidato leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura, a fim de passar
no exame.
7.5 B conclusão de A: O candidato leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura, por conse-
guinte passou no exame.
8.1. A revolução a que te referiste foi vencida pelos legalistas.
8.2. A ponte sob cujos arcos vários mendigos moravam foi destruída pela enchente.
8.3. As leis a que ( ou às quais) obedecemos são justas.
8.4. Os telefones públicos cuja importância é inestimável são frequentemente depredados.
8.5. A causa em cujo conhecimento me empenhei era perdida.
9. Itens a serem avaliados:
• Pertinência ao tema e qualidade da argumentação: o aluno deve basear o tema da redação na proposta,
evitando copiar partes do texto motivador, a fim de garantir o ineditismo e a qualidade argumentativa do texto.
• Coesão e coerência: o aluno deve empregar, adequadamente, os mecanismos coesivos e os fatores de
coerência.
• Aspectos gramaticais: é exigido do aluno o adequado emprego da acentuação, ortografia, pontuação,
construção morfossintática de frases, orações e períodos.
• Estrutura textual: a redação deve conter introdução, desenvolvimento e conclusão, respeitando as princi-
pais características de um texto dissertativo bem como o número mínimo de linhas e parágrafos sugerido
na proposta.
• Adequação à norma-padrão: o aluno deve respeitar a norma-padrão da língua portuguesa.
166 • capítulo 4
15 Tipologias
textuais
5 Sintaxe de regência
verbal e nominal
Neste capítulo pretende-se trabalhar com a teoria clássica, visto que o objetivo é estudar ape-
nas as tipologias textuais, enfocando os modos de organizar os textos e as características pre-
dominantes em cada um dos tipos de textos, a saber: Descritivo, Narrativo, Dissertativo-Expo-
sitivo, Dissertativo-Argumentativo e Injuntivo, porque se acredita que o estudo da tipologia
textual, no meio acadêmico, prepara o aluno para reconhecer e produzir qualquer tipo de
gênero textual de maneira progressiva, segundo as dificuldades que se apresentam na língua
materna e, também, de acordo com as suas necessidades comunicativas e com os fins a que
se destinam.
A expressão tipologia textual apresenta certas propriedades linguísticas intrínsecas,
como o uso de determinadas palavras, determinados tempos verbais, determinadas re-
lações lógicas. Além dessas marcas linguísticas, cada tipo textual tem um propósito. Em
outros dizeres, uma narração “conta uma história”, uma descrição apresenta as caracte-
rísticas físicas (ou psicológicas) de uma entidade, uma exposição ou dissertação apresenta
fatos da realidade, uma argumentação defende uma ideia ou uma tese e uma injunção pro-
cura provocar uma reação do interlocutor, seja ela física ou verbal.
Sendo assim, quando se produz um determinado texto, precisa-se decidir se se trata
de narrar algum acontecimento, expor ideias, argumentar, descrever alguma situação ou
cena, dar instruções ou ordens. Raramente, encontra-se um texto que seja totalmente nar-
rativo, descritivo, e assim por diante. Em geral, os textos são formados por uma sequência
de vários tipos, mas um deles, em regra, é predominante.
168 • capítulo 5
— Porque só mesmo louco para cruzar uma avenida daquele jeito. Sorte que eu o vi em tempo...
— E eu tenho reflexos rápidos. Então meti o pé no freio mas o desgraçado, em vez de...
— ... Reflexos rápidos. Então meti o pé no freio mas o desgraçado...
Como se vê, atualmente, as narrativas existentes são as mais variadas, e tão diversos
também são os meios em que elas são encontradas, como: mitos, lendas, adivinhas, con-
tos, crônicas, romances, histórias em quadrinhos, novelas e seriados de televisão, jogos
eletrônicos, filmes de ação ao vivo e de animação, entre tantos outros tipos de narrativas.
Das pinturas nas paredes das cavernas à televisão interativa, muitas são as formas possí-
veis de se narrarem acontecimentos.
Observe agora o fragmento narrativo abaixo:
(CALVINO, Italo. "Peixinhos, peixões". In: Piauí. São Paulo: Abril, ano 1, n. 4, p. 44-5, jan. 2007.
(Fragmento).
capítulo 5 • 169
CONCEITO
A narrativa apresenta fatos em sequência e decorrentes de uma relação de causa e consequência, isto
é, um fato causa uma consequência que dá origem a outro fato, e assim por diante. Isso significa afirmar
que entre uma ação e outra, entre um fato e outro, há um lapso temporal, e é a indicação de transcurso do
tempo a tarefa principal do autor da narrativa, depois de selecionar os fatos narrados. Os fatos são vividos
por personagens, em determinado tempo e lugar e apresenta um narrador que, diante dos fatos narrados,
pode assumir dois pontos de vista: o de narrador-personagem ou o de narrador-observador.
Enredo
O enredo é a própria estrutura narrativa, ou seja, o desenrolar dos acontecimentos. Como
o próprio nome indica, enredar significa “tecer, entrelaçar os fatos”. Todos os enredos en-
volvem um conflito: o homem contra a natureza, o homem contra os outros homens, ou
o homem lutando contra si próprio. Por isso, pode-se afirmar que a “alma da narrativa é
justamente esse conflito”.
Para determinar quais as ações que se encontram em evolução cronológica num texto
narrativo, é indispensável identificar qual a ação narrativa inicial a partir da qual as demais
se sucedem, ou seja, qual o ponto de partida de uma sequência de ações narrativas. A iden-
tificação se prende ao tempo verbal empregado, que é geralmente o pretérito perfeito do
indicativo, mas que também pode ser o presente do indicativo, naquelas narrativas interes-
sadas em dar maior dinamismo à narrativa.
Leia o poema em prosa de Manuel Bandeira:
“Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade, conheceu Maria Elvira na Lapa, – prosti-
tuída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, ma-
nicura… Dava tudo quanto ela queria. Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou
logo um namorado. Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não
fez nada disso: mudou de casa. Viveram três anos assim: toda vez que Maria Elvira arranjava na-
morado, Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso,
Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos
os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos…
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com
seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.”
(BANDEIRA, Manuel “A tragédia Brasileira”. In: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1990.)
Como já visto, toda narração transmite uma história que, organizada em um enredo,
evolui no tempo e no espaço. Os acontecimentos de uma narrativa se organizam em uma li-
nha temporal. O poema de Manuel Bandeira possui todos os elementos da narrativa, como:
enredo, personagens, espaço, tempo. Observe:
170 • capítulo 5
O quê? Romance conturbado, que resulta em crime passional.
Onde? Lapa, Estácio, Rocha, Catete e vários outros lugares, sempre no Rio de Janeiro.
Exposição ou apresentação
Complicação
A infidelidade de Maria Elvira obriga Misael a buscar novos espaços de moradia para o casal. Per-
cebe-se que esse elemento aponta para o surgimento do conflito, ou melhor, para o desequilíbrio
da narrativa. Momento em que se rompe o equilíbrio inicial da ação, passando o protagonista a
vivenciar um problema ou um conflito, que pode trazer-lhe consequências desastrosas ou positivas,
capítulo 5 • 171
até porque um texto em que não houvesse a passagem de uma situação de harmonia para uma
situação de desarmonia não seria um texto narrativo, mas sim descritivo.
Clímax
Desfecho
Misael matou Maria Elvira com seis tiros, e a polícia a encontrou caída em decúbito dorsal.
O desfecho irá apresentar a solução do conflito. Pode ser feliz, trágico, cômico, surpreendente.
Pode apresentar uma avaliação do narrador a respeito da história e/ou também uma moral, que
orientará a interpretação da história narrada.
ATENÇÃO
Diferença entre ações e acontecimentos
Observe a diferença entre ações e acontecimentos. As ações são ligadas a motivos, enquanto os acon-
tecimentos são ligados a causas. Os fatos presentes numa narrativa podem ser causados por agentes
físicos, desprovidos de intenção - rolar uma pedra do alto do morro, um raio atingir uma árvore, um temporal
inundar as ruas - e, nesse caso, são denominados acontecimentos (causa e efeito), ou podem estar ligados
a atos intencionais de agentes humanos e, nesse caso, são denominadas ações (causa e consequência).
CARNEIRO, Agostinho Dias. O caminho pelo texto. Disponível em: http://eadsaraiva.entende.com.br/ fi-
les/arquivosAulas/20129/MD_Modulo02_Aula03.pdf
CONCEITO
Enredo
Enredo, também chamado de trama ou intriga, é o conjunto dos fatos de uma história. Nele estão envol-
vidas a apresentação das personagens e das situações, além das sucessivas transformações pelas quais
elas vão passando ao longo do tempo transcorrido. O enredo pode se desenvolver de modo linear, isto
é, numa sucessão contínua dos fatos, que vêm um após o outro, num encadeamento lógico de causa e
consequência. Pode, todavia, desenvolver-se também de modo não linear, ou seja, sem que haja uma sequ-
ência entre os fatos, que evoluem aos saltos, com omissões, interrupções e cortes (flashbacks).
Ponto de vista
Leia o fragmento do conto “Pai Contra mãe”, de Machado de Assis, de 15.8.1876:
172 • capítulo 5
“A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais.
[Tia Mônica] Não [...] Se tiverem um filho, morrem de fome [...] Não fique zangado; não digo que
você seja vadio, mas a ocupação que escolheu é vaga”. [...] “mas em que é que o pai dessa infeliz
criatura que aí vem, gasta o tempo? [...] Tia Mônica deu ao casal o conselho de levar a criança que
nascesse à Roda dos Enjeitados. Em verdade, não podia haver palavra mais dura [...] Mais tarde,
quando o senhor tiver a vida mais segura, os filhos que vierem serão recebidos com o mesmo cui-
dado que este ou maior. Este será bem criado sem lhe faltar nada [...].
[...] – Estou grávida, meu senhor! exclamou. Se Vossa Senhoria tem algum filho, peço-lhe por amor
dele que me solte; eu serei tua escrava, vou servi-lo pelo tempo que quiser. – Me solte, meu senhor
moço! – Siga! repetiu Cândido Neves. - Me solte! – Não quero demoras; siga!
Houve aqui luta, porque a escrava, gemendo, arrastava-se a si e ao filho. Quem passava ou estava
à porta de uma loja, compreendia o que era e naturalmente não acudia. Arminda ia alegando que o
senhor era muito mau, e provavelmente a castigaria com açoutes,– cousa que, no estado em que
ela estava, seria pior de sentir. Com certeza, ele lhe mandaria dar açoutes.
– Você é que tem culpa. Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois? Perguntou Cândido Neves.
Não estava em maré de riso, por causa do filho que lá ficara na farmácia, à espera dele.
Também é certo que não costumava dizer grandes cousas. Foi arrastando a escrava pela Rua dos
Ourives, em direção à da Alfândega, onde residia o senhor. Na esquina desta a luta cresceu; a escrava
pôs os pés à parede, recuou com grande esforço, inutilmente. O que alcançou foi, apesar de ser a casa
próxima, gastar mais tempo em lá chegar do que devera. Chegou, enfim, arrastada, desesperada, ar-
quejando. Ainda ali ajoelhou-se, mas em vão. O senhor estava em casa, acudiu ao chamado e ao rumor.
– Aqui está a fujona, disse Cândido Neves. - É ela mesma. - Meu senhor! – Anda, entra.
Arminda caiu no corredor. Ali mesmo o senhor da escrava abriu a carteira e tirou os cem mil-réis
de gratificação. Cândido Neves guardou as duas notas de cinquenta mil réis, enquanto o senhor
novamente dizia à escrava que entrasse. No chão, onde jazia, levada do medo e da dor, e após
algum tempo de luta a escrava abortou.
O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo, entre os gemidos da mãe e os gestos
de desespero do dono. Cândido Neves viu todo esse espetáculo. Não sabia que horas eram,
quaisquer que fossem, urgia correr à Rua da Ajuda, e foi o que ele fez sem querer conhecer
as consequências do desastre.
Quando lá chegou, viu o farmacêutico sozinho, sem o filho que lhe entregara. Quis esganá-lo. Fe-
lizmente, o farmacêutico explicou tudo a tempo; o menino estava lá dentro com a família, e ambos
entraram. O pai recebeu o filho com a mesma fúria com que pegara a escrava fujona de há pouco,
fúria diversa, naturalmente, fúria de amor.
Agradeceu depressa e mal, e saiu às carreiras, não para a Roda dos enjeitados, mas para a casa de
empréstimo com o filho e os cem mil-réis de gratificação. Tia Mônica, ouvida a explicação, perdoou
a volta do pequeno, uma vez que trazia os cem mil-réis. Disse, é verdade, algumas palavras duras
contra a escrava, por causa do aborto, além da fuga.
Cândido Neves, beijando o filho, entre lágrimas, verdadeiras, abençoava a fuga e não se lhe dava
do aborto.
–Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração.”
ASSIS, Machado de. “Pai Contra Mãe”. In: Relíquias da Velha Casa. Rio de Janeiro:Garnier,
1990, PP.30-35.
capítulo 5 • 173
Partindo do conto de Machado de Assis, entende-se que quem narra uma história é
quem a experimenta, ou quem a vê, ou seja, é aquele que narra ações a partir da experiência
que tem delas, ou é aquele que narra ações a partir de um conhecimento que passou a ter
delas por tê-las observado em outro ou escutado de terceiro.
É fato, contudo, que o ponto de vista é inerente a todo e qualquer discurso, pois
surge simultaneamente à sua elaboração, estruturando-o e nele deixando pistas des-
sa organização. Para reconhecer o ponto de vista que organiza um discurso narrativo,
deve-se prestar atenção ao modo de narrar do narrador, procurando saber o que ele faz
exatamente nessa função.
Quando o narrador não participa da história, mas apenas relata o que fazem as perso-
nagens, diz-se que se trata de um narrador em terceira pessoa ou narrador-observador como
nesse fragmento em estudo, narrado em 3ª pessoa, e a sua perspectiva aproxima o leitor do
tempo e do espaço por meio de relatos históricos sobre os fatos que envolviam a escravidão,
como na descrição das crueldades das quais os escravos eram vítimas.
Nesse conto a escravidão é o próprio ENREDO da narrativa. Aliás, na primeira linha do
conto, o autor escreve: "A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido
a outras instituições sociais".
Leia o fragmento “A Morte da Porta- Estandarte”, de Aníbal Machado:
“[...] Andar na praça assim, todos desconfiam... Quanto mais agora, que estão tocando o seu
samba... Está sombrio, inquieto, sem ouvir a sua música, na obsessão de que a amada pode ser
de outrem, se abraçar com outro... [...]. A Praça transbordava. Dos afluentes que vinham enchê-la,
eram os do Norte da cidade e os que vinham dos morros que traziam maior caudal de gente. [...].”
[...] O crime do negro abriu uma clareira silenciosa no meio do povo. Ficaram todos estarrecidos
de espanto vendo Rosinha fechar os olhos. O preto ajoelhado bebia-lhe mudamente o último
sorriso, e inclinava a cabeça de um lado para outro como se estivesse contemplando uma crian-
ça. Uma Escola de Samba repontava no Mangue. Ainda se ouviam aclamações à turma da Man-
gueira. Quando o canto foi se aproximando, a mulata parecia que ia levantar-se.
E estava sorrindo como se fosse viva, como se estivesse ouvindo as palavras que o assassino
agora lhe sussurra baixinho aos ouvidos.
O negro não tira os olhos da vítima. Ela parecia sorrir; os curiosos é que queriam chorar. A
qualquer momento ela poderia se erguer para dançar. Nunca se viu defunto tão vivo. Estavam
esperando esse milagre. Ouvia-se uma canção que parece ter falado ao criminoso:
Quem quebrou meu violão de estimação?
Foi ela…
Ainda apareceram algumas mães retardatárias rondando de longe a morta.
A morta não tinha mãe nem parentes, só tinha o próprio assassino para chorá-la. É ele quem lhe
acaricia os cabelos, lhe faz uma confidência demorada, a chama pelo nome:
– Está na hora, Rosinha… Levanta, meu bem… É o “Lira do Amor” que vem chegando… Rosi-
nha, você não me atende! Agora não é hora de dormir… Depressa, que nós estamos perdendo…
O que é que foi? Você caiu? Como foi? … Fui eu? Eu? … Eu, não! Rosinha…
Ele dobra os joelhos para beijá-la. Os que não queriam se comover foram se retirando. O assas-
sino já não sabe bem onde está. Vai sendo levado agora para um destino que lhe é indiferente.
É ainda a voz da mesma canção que fala alguma coisa ao desespero:
174 • capítulo 5
Quem fez do meu coração seu barracão?
Foi ela… [...]”
(MACHADO, Aníbal. A Morte da Porta-Estandarte. São Paulo: José Olympio, 1997, p. 20- 28- 35-39).
Enfatiza-se que, quando se afirma que uma narrativa é em primeira ou terceira pessoa,
o que se está dizendo é se o narrador toma ou não parte nos acontecimentos. Nesse frag-
mento, há o narrador onisciente em terceira pessoa. No enredo, é dada atenção especial ao
assassino que é apresentado pelo narrador onisciente como aquele homem angustiado
que circula entre a multidão e cujo ciúme lhe corrói a alma: “Andar na praça assim, todos
desconfiam... Quanto mais agora, que estão tocando o seu samba... e os que vinham dos
morros que traziam maior caudal de gente. [...].”
Leia o fragmento do conto “Estranhos”, de Sérgio Sant’Anna:
“Cheguei à portaria daquele edifício, em Botafogo, para ver o apartamento, quase ao mesmo
tempo que uma mulher. Notei que ela estava nervosa, pelo modo como dava tragadas seguidas
no cigarro, amassava com a mão fortemente cerrada o caderno de classificados de um jornal,
e também pelo batom que transbordava da linha dos seus lábios, como se houvesse se pintado
às pressas. Mas nem por isso era menos bonita ou elegante, usando um vestido listrado, de
tecido meio rústico, que ostentava uma simplicidade que devia ter custado algum dinheiro. Os
sapatos pretos grandões, desses de amarrar, concediam-lhe uma aparência um tanto exótica,
um ar de força, quase de brutalidade, talvez premeditada, um toque masculino que não impedia
de se evidenciar nela a mulher em todos os seus aspectos. Ou talvez eu só tenha pensado essas
coisas todas depois, tornando-me capaz de escrever sobre elas desse modo. Naquele instante
eu estava preocupado em ver logo o apartamento.”
(SANT’ANNA. “Estranhos”. In: Contos e novelas reunidos. São Paulo: Companhia das Letras
1997, p. 704).
capítulo 5 • 175
tários próprios, entrosados ou não com a estória narrada, sobre os acontecimentos, a vida
das personagens, seus costumes, a moral vigente e tudo mais que lhe ocorrer.
Mas há também narradores "intrusos" que, mesmo não sendo personagens da história,
fazem comentários em primeira pessoa. Assim, descem ao nível da narrativa, transforman-
do-se também em personagem de papel, como ocorre no conto “O Dicionário”, de Macha-
do de Assis, em que o narrador instaura um leitor no texto e fala com ele. Observe:
“[...] ERA UMA VEZ um tanoeiro, demagogo, chamado Bernardino, o qual em cosmografia profes-
sava a opinião de que este mundo é um imenso tonel de marmelada, e em política pedia o trono
para a multidão. Com o fim de a pôr ali, pegou de um pau, concitou os ânimos e deitou abaixo
o rei; mas, entrando no paço, vencedor e aclamado, viu que o trono só dava para uma pessoa, e
cortou a dificuldade sentando-se em cima. — Em mim, bradou ele, podeis ver a multidão coroada.
Eu sou vós, vós sois eu. O primeiro ato do novo rei foi abolir a tanoaria, indenizando os tanoeiros,
prestes a derrubá-lo, com o título de Magníficos. O segundo foi declarar que, para maior lustre
da pessoa e do cargo, passava a chamar-se, em vez de Bernardino, Bernardão. Particularmente
encomendou uma genealogia a um grande doutor dessas matérias, que em pouco mais de uma
hora o entroncou a um tal ou qual general romano do século IV, Bernardus Tanoarius; — nome que
deu lugar à controvérsia, que ainda dura, querendo uns que o rei Bernardão tivesse sido tanoeiro,
e outros que isto não passe de uma confusão deplorável com o nome do fundador da família. Já
vimos que esta segunda opinião é a única verdadeira. [...]”
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Contos definitivos. Porto Alegre: Novo Século, 1998, p. 8.
A expressão Era uma vez é tradicional no começo de histórias, principalmente nas in-
fantis, logo é própria da ficção. Ela está relacionada ao momento em que é feita a narrativa,
mas depois de os fatos já terem ocorrido, localizando os acontecimentos relatados em al-
gum momento indefinido do passado.
Sendo assim, toda a ação já foi supostamente iniciada, desenvolvida e concluída em
um momento anterior ao ato da narração e o narrador já demonstra conhecer tudo o que
aconteceu na história, inclusive como esta termina. Encontra-se fora dos acontecimentos,
relatando-os, ordenando-os de forma linear, porém não de forma neutra, mas sim, toman-
do parte da ação e fazendo juízo do narrado.
Identifica-se no texto, portanto, a figura do narrador intruso – com total conhecimento
da intriga ou ação - um narrador que capta tanto a vida do lado de fora da personagem, por
meio de um foco narrativo externo, quanto a vida interior, dela, por meio de um foco nar-
rativo interno (discurso indireto livre). Assim, ciente até da presença de um interlocutor,
que ele imagina ser um leitor, interrompe a narração para falar-lhe (diálogo direto com o
leitor): “Já vimos que esta segunda opinião é a única verdadeira. [...]”. Esse tipo de narrador
intruso é muito comum nas obras machadianas, o que faz com que a ironia crítica seja uma
das características definidoras de sua escritura.
ATENÇÃO
Durante a leitura, não saber significados pode comprometer o entendimento. A utilização do dicionário é
um ótimo recurso para garantir um verdadeiro mergulho no mundo das palavras.
176 • capítulo 5
RESUMO
Nos textos narrativos em prosa (paragrafação), o narrador é quem conta a história. Se o narrador fizer uso
da primeira pessoa é narrador-personagem. Logo, se o narrador é personagem, todos os acontecimentos,
ações ou motivações e demais personagens são apresentados a partir do seu ponto de vista.
Contudo, embora o narrador construa o foco narrativo em primeira pessoa, ele pode não ser o protagonista
da história. Assim, há variantes do narrador em primeira pessoa, pois ele pode ser o narrador-testemunha
ou o narrador-protagonista.
O narrador-testemunha vive os fatos narrados como personagem secundária, condição em que pode ob-
servar os acontecimentos e testemunhá-los ao leitor de forma mais direta e verossímil. Entretanto, o seu
ângulo de visão é limitado, pois não sabe o que se passa no pensamento das demais personagens, apenas
pode levantar hipóteses sobre o que viu ou ouviu.
O narrador-protagonista vive os fatos como personagem principal, mas não tem acesso aos pensamentos
das demais personagens e narra os acontecimentos, limitando-se às suas percepções, pensamentos e
sentimentos, como já posto.
Já o narrador onisciente, que é uma variante do narrador em terceira pessoa, tem conhecimento total dos
fatos, podendo, inclusive, por exemplo, antecipar para o leitor algum fato futuro ou revelar os traços, os
desejos e os sentimentos mais íntimos das personagens.
Outra variante do narrador em terceira pessoa é o narrador intruso, que é aquele que fala com o leitor ou
que julga o comportamento das personagens. É o caso, por exemplo, que ocorre no conto “O Dicionário”,
de Machado de Assis, trabalhado há pouco.
O narrador-observador, como um observador distante, narra os acontecimentos na terceira pessoa. Esse
tipo de narrador-observador é o que se presentifica nas narrativas jurídicas. A “imparcialidade” do narrador
em terceira pessoa é relativa, porque o texto sempre irá revelar diferentes pontos de vista sobre os acon-
tecimentos narrados.
CONCEITO
Chama-se foco narrativo o ponto de vista ou perspectiva estabelecido pelo narrador a partir do qual a
história será contada. A adoção de um determinado ponto de vista afeta o modo como a história contada é
interpretada pelos seus leitores. A narração pode ser feita em primeira ou em terceira pessoa e classifica-
se como narrador em 1ª pessoa (narrador-personagem) e narrador em 3ª pessoa (narrador-observador).
capítulo 5 • 177
No discurso indireto, escrito em terceira pessoa, o narrador conta a história e reproduz
fala e reações das personagens. Nesse caso, o narrador se utiliza das palavras dele para re-
produzir aquilo que foi dito pela personagem.
Já o discurso indireto livre é um tipo de discurso misto, em que se associam as carac-
terísticas do discurso direto e do indireto. Nesse tipo de discurso, a fala interior da per-
sonagem (as emoções, as ideias, os sentimentos, as reflexões) insere-se em meio à fala
do narrador de forma sutil, causando certa confusão em relação a quem está se pronun-
ciando (narrador ou personagem). Por conseguinte, na maioria dos casos, desaparecem
os verbos de elocução, travessão, dois pontos, enfim, os sinais de pontuação. Além disso,
esse tipo de discurso é mais frequente com o foco narrativo na 3ª pessoa. Esse tipo de
discurso é próprio da Literatura.
A 1.ª pessoa no discurso direto passa para a 3.ª pessoa no discurso indireto.
Os pronomes eu, me, mim, comigo no discurso direto passas para ele(s), ela(s), se, si, consigo,
o(s), a(s), lhe(s) no discurso indireto.
Os pronomes nós, nos, conosco no discurso direto passam para eles, elas, os, as, lhes no dis-
curso indireto.
Os pronomes meu, meus, minha, minhas, nosso, nossos, nossa, nossas no discurso direto pas-
sam para seu, seus, sua, suas, dele (a) (s) no discurso indireto.
Presente do indicativo no discurso direto passa para pretérito imperfeito do indicativo no dis-
curso indireto.
Pretérito perfeito do indicativo no discurso direto passa para pretérito mais-que-perfeito do in-
dicativo no discurso indireto.
Futuro do presente do indicativo no discurso direto passa para futuro do pretérito do indicativo
no discurso indireto.
Presente do subjuntivo no discurso direto passa para pretérito imperfeito do subjuntivo no dis-
curso indireto.
Futuro do subjuntivo no discurso direto passa para pretérito imperfeito do subjuntivo no discurso
indireto.
Imperativo no discurso direto passa para pretérito imperfeito do subjuntivo no discurso indireto.
Frases interrogativas, exclamativas e imperativas no discurso direto passam para frases decla-
rativas no discurso indireto.
178 • capítulo 5
Mudança dos advérbios e adjuntos adverbiais
ATENÇÃO
O narrador é o autor?
O autor é o sujeito que escreve o texto, o escritor; é o que recebe da realidade em que vive os estímulos
que o levam à produção do texto. No texto narrativo, no entanto, é fundamental entender que o narrador é
uma entidade fictícia, como as personagens e a história contada; logo, ele não pode ser confundido com
o autor, que é um ser real, de “carne e osso”, mesmo quando a narrativa for contada em terceira pessoa.
Tempo
Pela narração, verifica-se que os fatos do enredo são narrados pelo narrador por uma se-
quência de ações, realizadas pelas personagens construídas no próprio texto, regidas pelo
transcurso do tempo. Os fatos podem ser narrados na ordem linear ou cronológica, seguin-
do o transcurso do tempo tal como no calendário ou relógio, ou, então, na ordem alterada,
chamada de alinear (“vaivém” do tempo), narrando-se os fatos acontecidos posteriormente
em relação a outros que tenham ocorrido antes, isto é, não obedecendo à sequência tempo-
ral do antes e do depois (relação de causa – consequência).
Em Senhora, José de Alencar trabalha com o flashback, narrando o casamento de Aurélia
e Fernando até a noite de núpcias, promovendo um corte e narrando fatos bem anteriores
ao casamento, para finalmente retomar fatos acontecidos depois do casamento.
Dessa maneira, na construção do tempo de uma narrativa, deve-se, em primeiro lugar,
determinar em que momento as ações se sucederão e, depois, escolher os verbos, advér-
bios e locuções adverbiais de acordo com o momento a ser caracterizado, pois a marcação
do tempo é estabelecida em uma narrativa com o auxílio desses elementos linguísticos.
A construção do tempo na narrativa é muito relevante para a compreensão do enredo.
Inclusive, há narrativas que são construídas pelo tempo cronológico ou psicológico e ou-
tras até em função do tempo histórico, chegando a tematizar a marcação do tempo.
Leia o fragmento:
"Sempre que me acontece alguma coisa importante, está ventando", costumava dizer Ana Terra.
Mas, entre todos os dias ventosos de sua vida, um havia que lhe ficara para sempre na memória,
pois o que sucedera nele tivera a força de mudar-lhe a sorte por completo. Mas em que dia da
semana tinha aquilo acontecido? Em que mês? Em que ano? Bom, devia ter sido em 1777: ela se
lembrava bem porque esse fora o ano da expulsão dos castelhanos do território do Continente.
capítulo 5 • 179
Mas, na estância onde Ana vivia com os pais e os dois irmãos, ninguém sabia ler, e mesmo na-
quele fim de mundo não existia calendário nem relógio. Eles guardavam na memória os dias da
semana; viam as horas pela posição do sol; calculavam a passagem dos meses pelas fases da
lua; e era o cheiro do ar, o aspecto das árvores e a temperatura que lhes diziam as estações do
ano. Ana Terra era capaz de jurar que aquilo acontecera na primavera, porque o vento andava
bem doido, empurrando grandes nuvens brancas no céu, os pessegueiros estavam floridos e as
árvores que o inverno despira se enchiam outra vez de brotos verdes.”
(Veríssimo, Érico. O tempo e o vento. Porto Alegre: Globo, 1978, p. 73, v.1).
A frase “Sempre que me acontece alguma coisa importante, está ventando” pertence à
memória de Ana Terra e encontra-se na primeira parte d’O continente. Nesse trecho nota-
se que há a reconstituição de um momento do passado histórico da ocupação da região
sul do Brasil, no século XVIII. Como se sabe, naquele tempo, era muito comum as pessoas
serem analfabetas e não terem sequer instrumentos para marcação do tempo, pois não
tinham acesso a calendário nem a relógio. As personagens têm, pois, que recorrer a aconte-
cimentos importantes, como a expulsão dos castelhanos, em 1777, para localizarem algum
acontecimento no tempo histórico.
Nesse fragmento, o espaço é que fornece os indícios a partir dos quais Ana Terra e seus
familiares procuram “marcar” a passagem do tempo, como: o vento, o cheiro do ar, o as-
pecto das árvores, a temperatura, a posição do Sol, as fases da Lua, que são, na verdade, as
referências da mudança das estações do ano.
Lembre-se de que num texto narrativo predominam os verbos de ação. Afinal, na narra-
ção, o desenrolar de um fato ou de um acontecimento pressupõe mudanças; isto significa
que se estabelecem relações anteriores, concomitantes e posteriores.
Para se organizar um bom texto narrativo há necessidade de se trabalhar a estrutura
gramatical que o sustenta, sem se esquecer das passagens descritivas, pois é por meio de-
las que se obtém o movimento na narrativa, além das suas características fundamentais, a
saber: qualificar, individualizar e localizar.
RESUMO
Tempo Cronológico
É o tempo que transcorre na ordem linear, na ordem natural dos fatos do enredo (= calendário), do começo
para o final. Chama-se tempo cronológico porque pode ser medido em horas, meses, anos, séculos. Os
textos “O Monstro”, “Tragédia brasileira”, por exemplo, foram construídos na ordem linear.
Tempo Psicológico
É o tempo que transcorre numa ordem determinada pela vontade, pela memória ou pela imaginação do
narrador ou personagem. É característico do enredo não linear, ou melhor, do enredo em que os aconteci-
mentos estão fora da ordem natural. No fragmento “O tempo e o vento” há a presença desse tempo, como
também do tempo histórico.
Tempo Histórico
É referente ao momento histórico em que se situam os fatos narrados. Conforme apresentado no fragmento
“O tempo e o vento”: “Bom, devia ter sido em 1777”, referindo-se à expulsão dos castelhanos naquele ano.
180 • capítulo 5
Tempo do Flashback
O flashback é um recurso narrativo que consiste em voltar no tempo. Ocorre, por exemplo, quando uma
personagem lembra um fato ou conta a outras personagens fatos que acrescentam informações ou escla-
recem uma situação. No romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis apresenta essa
técnica, pois o tempo para o narrador-personagem Brás Cubas tem como referência a sua condição de
morto, o que lhe permite voltar tanto para o passado recente, contando como morreu, como no passado
mais distante, narrando fatos de sua infância e juventude.
CONCEITO
O tempo de uma narrativa é caracterizado pela duração da ação nela apresentada. Na narrativa há dife-
rentes tempos, a saber: tempo cronológico, quando os fatos são narrados, segundo a ordem em que acon-
tecem, tempo psicológico, quando a rememoração do passado desencadeia a narrativa e tempo histórico,
referente ao momento histórico em que se situam os fatos narrados.
CURIOSIDADE
Quando o filme começa pelo final, geralmente se emprega essa técnica do flashback. É o caso do filme
Cinema Paradiso no qual um cineasta de sucesso em Roma, ao receber a notícia de que Alfredo, o proje-
cionista do cinema de sua cidade natal morrera, volta ao passado e recorda-se de sua infância e adoles-
cência vividas na Sicília, Itália.
O gênero policial se utiliza bastante dessa técnica como recurso narrativo, pois testemunhas, detetive,
criminoso e suspeitos geralmente reconstroem, cada um a seu modo, a cena do crime e contam como ele
aconteceu, tal qual acontece na reconstrução dos crimes em Direito.
Personagens
As personagens são as que participam do desenrolar dos acontecimentos, isto é aquelas que
vivem o enredo. A personagem principal de uma narrativa é o protagonista (o principal ator
ou lutador) e, dependendo do escritor e do estilo de época, pode ser apresentado de maneira
mais idealizada (como os heróis românticos) ou mais próxima do real. O protagonista, via de
regra, vai se defrontar com o antagonista – o que luta contra algo ou alguém. Observe que as
palavras protagonista/antagonista já denunciam, em sua significação, o conflito.
Há personagens que não representam individualidades e sim tipos humanos, identifi-
cados primeiramente pela profissão, pelo comportamento, pela classe social. É o caso, por
exemplo, da maioria das personagens de Memórias de um sargento de milícias, de Manuel
Antônio de Almeida, em que se tem o Barbeiro, a Parteira, os Meirinhos, o Major, os ciganos.
Pode haver personagens que tenham determinados traços ou comportamentos extre-
mamente realçados: são as personagens caricaturais.
É fato que grandes escritores preocupam-se com a relação personagem/nome próprio.
Graciliano Ramos, em Vidas Secas cria os seguintes nomes: Vitória que é o nome de uma
mulher, retirante nordestina, que alimenta pequenos sonhos, sempre frustrados; Baleia é
o nome de uma cachorra que morre em consequência da seca, em pleno sertão nordestino.
capítulo 5 • 181
Machado de Assis é outro exemplo, pois os nomes em suas obras já denunciam caracte-
rísticas de suas personagens. Em Dom Casmurro, a personagem-narradora chama-se Bento e
tem sua vida em grande parte determinada pela carolice da mãe, que queria torná-lo padre.
Há personagens que aparecem nos grandes romances de um país, acabam por ganhar
“vida” e fazer parte do seu imaginário cultural, tornando-se conhecidos até por quem não
leu os livros em que aparecem, como no caso de Dom Quixote. No Brasil, entre outros, tem-
se a personagem Macabéa do romance Hora da Estrela, de Clarice Lispector.
A personagem, de forma verossímil, é criada traço a traço ao longo da obra, por meio
de traços qualificacionais (dados na descrição de gestos, características físicas ou mo-
rais) ou funcionais, representados pelos papéis e depreendidos das ações e das falas
narradas das personagens.
CONCEITO
Verossímil
Aquilo que parece verdadeiro. No caso das narrativas ficcionais a verossimilhança é muito importante por-
que é ela que garante a coerência da história contada. Embora todos os elementos sejam construídos pela
imaginação de um dado autor e não tenham qualquer relação com a realidade, o texto será verossímil se o
leitor aceitar que a história contada poderia ser real, porque parece ser verdadeira.
Espaço
O espaço de ambiente (físico, social) é o cenário por onde circulam as personagens e onde
se desenrola o enredo. Em alguns casos, a importância do ambiente é tão fundamental que
se transforma em personagem. Observe como o Nordeste, em grande parte do romance
modernista brasileiro - o colégio interno, em O Ateneu, de Raul Pompeia; o cortiço, em O
Cortiço, de Aluísio Azevedo - funciona como espaço ambiente.
Perceba também como sempre há relação estreita entre a personagem, seu comporta-
mento e o ambiente que a cerca. Repare como, muitas vezes, por meio dos objetos possuí-
dos pode-se fazer um retrato perfeito do possuidor (personagem).
Leia o fragmento descritivo seguir:
“Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de
portas e janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete
horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da
última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um
suspiro de saudade perdido em terra alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um fartum acre
de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos
azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.
Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos,
fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xí-
caras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de
janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se conversas interrompidas
182 • capítulo 5
à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de
crianças que ainda não andam.
No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem
se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos
saíam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à
semelhança dos donos, cumprimen-tavam-se ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia.”
(AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. 36. ed. São Paulo: Ática, 1995, p.44-45.)
CONCEITO
Fartum
Mau cheiro.
Traquinava
Do verbo traquinar, "fazer travessuras".
Altercavam
Do verbo altercar, "discutir"; "provocar polêmica".
Espanejando-se
Do verbo espanejar, "sacudir (as aves) o pó das asas, batendo-as".
RESUMO
Espaço físico
O espaço físico ou geográfico é o lugar onde acontecem os fatos que envolvem as personagens. O espaço
capítulo 5 • 183
pode ser descrito pormenorizadamente ou suas características podem aparecer diluídas na narração. Qua-
se sempre é possível identificá-lo como espaço aberto ou fechado, urbano ou rural.
No conto “A morte da Porta-Estandarte estudado há pouco, o espaço onde os fatos são narrados é urbano
carioca - carnaval na Praça Onze, no Centro da cidade do Rio de Janeiro. O período de tempo em que os
fatos são narrados é curto, sendo equivalente a uma noite. Já no romance de tese “O Cortiço”, o espaço é
o próprio cortiço carioca do final do século XIX que acaba se tornando, de certa forma, uma personagem
do livro devido a uma personificação do espaço. Por exemplo, em certo momento o narrador diz que: “Eram
cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos [...]”.
Espaço social
É o espaço referente às condições socioeconômicas, morais e psicológicas que dizem respeito às perso-
nagens. Dessa maneira, esse espaço possibilita situar as personagens na época, no grupo social e nas
condições em que se passa a história, projetar os conflitos vividos por elas, fornecer pistas para certo tipo
de desfecho, como no caso do conto machadiano “Pai contra mãe”, em que se tem o espaço físico, porque
ocorre no Rio de Janeiro nos fins do Segundo Império, como também o social - escravidão.
184 • capítulo 5
O conto A honra passada a limpo possui apenas uma personagem, uma mulher. O enre-
do do conto baseia-se na descrição feita pela personagem de sua rotina, e inicia-se com a
seguinte afirmação: “Sou compulsiva, eu sei. Limpeza e arrumação”. A partir daí, a perso-
nagem relata as ações que se repetem, na mesmice de cada um de seus dias.
A intensidade que é dada as suas ações revelam o quanto a personagem está acostuma-
da a realizar essas tarefas, como se já estivesse programada, automatizada.
Ao final do conto, a revelação da personagem causa certo estranhamento no leitor, pois
diante de todos os encargos que ela possui naquela casa, e a regularidade com que os rea-
liza, jamais se poderia supor que ela estivesse sozinha, pelo contrário, a impressão que se
tem é a de que a casa estaria sempre cheia de gente.
Nota-se que a personagem vive numa situação de solidão, e que se dedicar aos afazeres
domésticos seria sua única atividade, seu único passatempo, a única coisa que sabia fa-
zer e bem. Apesar de a casa estar vazia, há muito tempo, seu dever era aquele, não haveria
outra forma de preencher sua vida, e ainda mais, de ser honrada. Dedicar-se à casa e a sua
manutenção é sinônimo de virtude feminina, cujos atributos ela mesma diz ter: capricho,
perseverança, compulsividade na realização de suas tarefas.
ATENÇÃO
Cada palavra criada dentro de um texto é selecionada criteriosamente pelo seu autor e tem sempre uma
intenção, ou seja, um sentido, pois se nada significasse não estaria no texto, mas sim no cesto de lixo. Logo,
no texto tudo faz sentido.
Considerações finais
Pode-se afirmar que a produção do texto narrativo pressupõe a construção de um enredo,
baseado em fatos que se modificam no tempo, a criação de personagens que vivenciam os
fatos em um determinado espaço, e a instituição de um narrador que, a partir de um ponto
de vista, organiza todos esses elementos constitutivos da narrativa.
Assim, construir uma narrativa é mostrar, no texto, a ação de uma personagem, que
opera uma transformação em seu meio. Em toda narrativa, alguém age e muda o estado
das coisas, alterando a situação inicial. Se se propõe a construir um texto narrando fatos, é
porque há uma alteração, uma mudança neles, e alguém a opera.
Não se deve esquecer ainda de que esse tipo de texto tem um forte cunho informativo, embo-
ra traga sempre um ponto de vista implícito, pois é impossível uma narração isenta, imparcial.
LEITURA
Missa do galo: variações sobre o mesmo tema
Em Missa do Galo: Variações sobre o mesmo tema, um dos mais célebres contos de Machado de Assis é
recontado por seis grandes escritores brasileiros (várias versões sobre um mesmo fato): Antonio Callado,
Autran Dourado, Julieta de Godoy Ladeira, Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon e Osman Lins.
O conto original é o relato de um rapaz que, retomando um momento do passado, tenta compreender o
que se passou, na rapidez cronológica de pouco mais de uma hora, entre ele, então com dezesseis anos, e
Conceição, já na casa dos trinta.
capítulo 5 • 185
Nas releituras, os seis autores jogam com o tempo e o espaço, além de dividirem os pontos de vista.
Disponível em: http://www.skoob.com.br/livro/40535-missa_do_galo. Acessado em 20/7/2014.
MULTIMÍDIA
Memórias Póstumas de Brás Cubas, inspirado na obra de Machado de Assis
Sinopse: após sua morte em 1869, Brás Cubas (Reginaldo Faria / Petrônio Gontijo), disposto a se distrair
um pouco na eternidade, decide narrar suas memórias e revisitar os fatos mais marcantes de sua vida.
E adverte: “A franqueza é a primeira virtude de um defunto”. É com desconcertante sinceridade que ele
relembra sua infância, juventude, incidentes familiares e personagens marcantes, como o amigo Quincas
Borba (Marcos Caruso), que passa de mendigo a milionário. Fala ainda sobre sua formação acadêmica em
Portugal e o discutível privilégio de nunca ter precisado trabalhar. Com a mesma franqueza, Brás Cubas
convida o espectador a testemunhar sua tumultuada vida amorosa. Lembra o primeiro amor, a cortesã
espanhola Marcela (Sonia Braga) que amou-o por “15 meses e 11 contos de réis”.
186 • capítulo 5
vida das personagens que se arrastam pelo sertão, vagando, em busca de uma melhor
condição de vida.
No texto descritivo, podem ocorrer tanto caracterizações objetivas (físicas, concretas),
quanto subjetivas (aquelas que dependem do ponto de vista de quem descreve). A finali-
dade da descrição é transmitir a impressão que a coisa vista desperta em nossa mente me-
diante os sentidos. Ela é mais que fotografia, porque é interpretação também, salvo se se
tratar de descrição técnica ou científica.
A descrição apresenta ainda algumas características, como: presença de substantivos,
que marcam traços genéricos do objeto descrito, de adjetivos e locuções adjetivas, que atri-
buem características específicas que permitem um detalhamento maior.
Além disso, há também o uso de verbos de ligação; predomínio da coordenação de
ideias; predomínio de verbos no pretérito imperfeito - porque permite tornar “presente”
o que já passou. Já o uso do presente do indicativo em uma descrição é para fazer com que
aquilo que se descreve apareça como um quadro vivo à nossa frente. Assim como o empre-
go de metáforas e de comparações objetiva materializar a imagem descrita.
Metáfora e comparação
A metáfora consiste em utilizar uma palavra ou uma expressão em lugar de outra, sem que
haja uma relação real, mas em virtude da circunstância de que o nosso espírito as associa
e depreende entre elas certas semelhanças. Na comparação (ou símile) aparece sempre um
conectivo comparativo (como, assim como, que nem, tal qual), o que a diferencia da metá-
fora. "Meu pensamento é um rio subterrâneo." (Fernando Pessoa). Nesse caso, a metáfora é
possível porque o poeta estabelece relações de semelhança entre um rio subterrâneo e seu
pensamento (pode estar relacionando a fluidez, a profundidade, a inatingibilidade).
Se Pessoa fizesse uso de um conector comparativo, passaria a ser uma comparação:
"Meu pensamento é como (ou tal qual) um rio subterrâneo." Na verdade, toda metáfora é
uma espécie de comparação implícita, em que o elemento comparativo não aparece.
Verifique em Capitães da Areia, de Jorge Amado, como o narrador apresenta as suas per-
sonagens:
O grupo liderado por Pedro Bala beirava o número de cem e era composto por:
João Grande, o "negro bom", nos dizeres do próprio Pedro Bala: "Engajou com 9 anos nos Capi-
tães da Areia, quando o Caboclo ainda era o chefe e o grupo pouco conhecido, pois o Caboclo
não gostava de se arriscar. Cedo João Grande se fez um dos chefes" (p. 23);
Volta Seca, que tinha ódio das autoridades e o desejo de se tornar cangaceiro (posteriormente
integra-se ao grupo de Lampião, transformando-se em um frio e sanguinário assassino);
Professor, que recebe este apelido por gostar de ler e desenhar. Assim o narrador o apresenta:
"João José, o Professor, desde o dia em que furtara um livro de histórias numa estante de uma
casa da Barra, se tornara perito nestes furtos. Nunca, porém, vendia os livros, que ia empilhando
num canto do trapiche, sob tijolos, para que os ratos não os roessem. Lia-os todos numa ânsia
que era quase febre" (p. 25).
Gato, sujeito conquistador, vive entre as prostitutas, com seu jeito malandro atrai uma delas: Dalva;
Sem-Pernas, garoto deficiente de uma perna, que serve de espião para o grupo. Fazia-se de órfão
capítulo 5 • 187
desamparado para ser acolhido pelas famílias e, assim, com a confiança destas, conhecia cada
ponto estratégico de suas residências, retransmitindo tais informações ao grupo. É em uma des-
sas casas que Sem-Pernas é bem acolhido por um casal que perdera o filho pequeno. Nesse epi-
sódio a personagem vive um grande conflito: sente remorsos por ter de roubar aqueles que lhe
acolheram com a um filho, ficando, dessa forma, dividido entre passar as informações da casa
para os companheiros e ser leal à família. Decide-se por manter-se fiel aos "Capitães da Areia";
Pirulito, "magro e muito alto, uma cara seca, meio amarelada, os olhos encovados e fundos, a
boca rasgada e pouco risonha" (p. 28). Era o único do grupo que tinha vocação religiosa, embora
pertencesse aos Capitães da Areia;
Dora, a única mulher do grupo, tinha quatorze anos, era muito simples, dócil e bonita. Represen-
tará para os Capitães da Areia a figura da madre protetora, que dará colo, carinho e atenção, e
também, a figura da irmã que para eles até então inexistia. Já para Pedro Bala, Dora será a “noi-
va" e a "esposa". Morre ardendo em febre e seu corpo é levado ao mar, onde será "sepultado"
com a ajuda de padre José Pedro, que, mais uma vez indo contra a lei e a moral estabelecidas,
decide ajudar os meninos do Trapiche. Dora será uma personagem de fundamental importância
na construção da lógica do romance. Será por sua causa que Pedro Bala, apaixonado, iniciará
sua transformação e tomada de consciência rumo à ação política e social.
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. 42. ed. Rio de Janeiro: Record, 1995.
Em suas descrições, Jorge Amado apresenta sempre as três qualidades inerentes a esse
tipo de texto, como identificação, localização e qualificação. A descrição presente no frag-
mento dado, assim como em todos os textos do autor, é a mais fotográfica possível, criando
no leitor a sensação de estar "vendo" a personagem como ser real - como construção de
perfis humanos -, ou a cena tal como aconteceu na realidade. É como se o escritor estivesse
pintando um quadro com palavras.
No texto descritivo, como se sente, ao escritor cabe fotografar o real com palavras e ao
leitor, "ler para ver".
Sabe-se, contudo, que não se apreende a realidade apenas por meio da visão, apesar de
se falar em “retrato verbal” ou “ler para ver”, pois uma boa descrição não pode prescindir
das outras sensações. Nossa percepção da realidade se dá por meio da visão, da audição,
do olfato, do tato, da gustação. Por essa razão, é comum encontrar sinestesias em textos
descritivos, conforme ocorre no fragmento de O Cortiço, de Aluísio Azevedo, já estudado há
pouco em elementos da narrativa.
188 • capítulo 5
Quincas naquela manhã.” (AMADO, Jorge. A morte e a morte de Quincas Berro D’água.)
Já a descrição subjetiva é aquela em que o observador emite juízos de valor, salienta
determinadas características que o impressionam. Portanto, o que está sendo descrito é
filtrado pelo observador; interessa o que ele quer ver, como ele vê, a exemplo tem-se a des-
crição literária, como em São Bernardo, de Graciliano Ramos:
“Começo declarando que me chamo Paulo Honório, peso oitenta e nove quilos e completei cin-
quenta anos pelo São Pedro. A idade, o peso, as sobrancelhas cerradas e grisalhas, estes rostos
vermelhos e cabeludos têm-me rendido muita consideração. Quando me faltavam essas qualida-
des, a consideração era menor.”
CURIOSIDADE
Na descrição subjetiva, a interferência do autor é sempre maior e costuma ser caracterizada pela emissão
de juízos de valor. Já na descrição objetiva, o autor interfere menos, tentando nos passar uma imagem mais
próxima ao real, evitando os julgamentos pessoais.
capítulo 5 • 189
sa. Busca-se provocar a sensibilidade do interlocutor a fim de se conseguir dele a adesão à
determinada forma de pensar e, quem sabe, agir.
Koch (2013:65) afirma em razão dos diversos tipos de textos que não há nenhum tipo
de texto neutro, objetivo, imparcial: “os índices de subjetividade se introjetam no discurso,
permitindo que se capte a sua orientação argumentativa”.
Dessa forma, ao se observar uma sequência descritiva, depreende-se pela seleção lexical
o ponto de vista do narrador do texto na tentativa de persuadir o seu interlocutor:
“O réu ameaçava a vítima que, aos gritos, clamava por não ser morta. Ele pediu as joias e, ao ouvir
a negativa da vítima, que dizia não possuir nenhuma, não teve dúvida: com frieza desumana, puxou
o gatilho do revólver encostado à cabeça da vitimada, prostrando-a no chão sem vida, de forma
cruel, por motivo absolutamente fútil.” (RODRÍGUEZ, 2002, p.178)
“O réu, no intento de roubar, pediu à vítima joia e dinheiro. Assustado, temeroso e alterado, pois
não é bandido profissional, mas incidentalmente cometendo aquele equívoco, ouviu a ríspida ne-
gação da vítima e, supondo tendo ela chance de reação, que por certo poria sua vida em risco, em
um ímpeto de emoção e medo apertou o gatilho, temendo por sua sobrevivência.”
Nos parágrafos em análise, há duas narrativas da mesma cena, e cada narrador a descreve
exatamente como se tinha passado. Não é que um tenha visto uma coisa e o outro, outra di-
ferente, mas cada um a descreveu com um ponto de vista diferente (acusatório e defensivo).
O autor tem, portanto, de selecionar e ordenar adequadamente os elementos a serem
incluídos no texto, tendo como diretriz, nesse processo decisório, o objetivo com que o tex-
to é produzido. Afinal, todo tipo de texto tem um objetivo; por essa razão, ao se interpretar
um fragmento descritivo em outro tipo de texto, deve-se procurar identificar a motivação
subjacente à seleção e ordenação do objeto descrito.
ATENÇÃO
Descrever é pintar um quadro, retratar um objeto, uma personagem, um ambiente. A descrição difere da
narração fundamentalmente por não se preocupar com a sequência de ações, com o desenrolar do tempo.
A descrição enfrenta um ou vários objetos, uma ou várias personagens, uma ou várias ações, em um de-
terminado momento, em uma mesma fração da linha cronológica. É a foto de um instante. Sendo assim, a
descrição é o “retrato verbal” de seres (pessoas, objetos), paisagens ou situações; trabalha com imagens,
permitindo uma visualização do que está sendo descrito.
RESUMO
O texto descritivo pode ser conceituado como o que descreve, fazendo uma representação verbal de um
objeto (ser, coisa, circunstância do acontecimento do fato, paisagem), por meio da indicação dos seus
aspectos mais característicos, dos seus atributos, dos pormenores que o individualizam, que o distinguem.
190 • capítulo 5
LEITURA
Vidas secas
Vidas Secas, romance publicado em 1938, retrata a vida miserável de uma família de retirantes sertane-
jos obrigada a se deslocar de tempos em tempos para áreas menos castigadas pela seca. O estilo seco
de Graciliano Ramos, que se expressa principalmente por meio do uso econômico dos adjetivos, parece
transmitir a aridez do ambiente e seus efeitos sobre as pessoas que ali estão. O livro consegue desde
o título mostrar a desumanização que a seca promove nas personagens, cuja expressão verbal é tão
estéril quanto o solo castigado da região. A miséria causada pela seca, como elemento natural, soma-se
à miséria imposta pela influência social, representada pela exploração dos ricos proprietários da região.
Os retirantes, como o próprio nome indica, estão alijados da possibilidade de continuar a viver no espaço
que ocupavam. São, portanto, obrigados a retirar-se para outros lugares. Uma das implicações dessa vida
nômade dos sertanejos é a fragmentação temporal e espacial.
A descrição também está a serviço de outras artes, como a pintura, a fotografia e a escultura.
A Pietá, de Michelangelo, é talvez a mais conhecida e uma das mais famosas esculturas
feitas pelo artista. Representa Jesus morto nos braços da Virgem Maria.
Observá-la permite perceber a descrição da dor de uma mãe ao ter nos braços o filho morto.
Vitalino Pereira dos Santos, conhecido como Mestre Vitalino, artesão ceramista brasi-
leiro, filho de lavradores, ficou conhecido por retratar em seus bonecos de barro cenas que
descrevem o folclore do povo nordestino, especialmente do interior de Pernambuco, e o
modo de vida dos sertanejos.
Johann Moritz Rugendas (Augsburg, Alemanha 1802 - Weilheim, Alemanha, 1858). Pin-
tor, desenhista, gravador.
capítulo 5 • 191
A dissertação-expositiva, também chamada de texto expositivo ou exposição, é o tipo de
texto em que são apresentadas as informações a respeito de um determinado tema ou as-
sunto. Esse tipo de texto é o mais utilizado em textos acadêmicos, científicos, jornalísticos,
informativos, objetivos, técnicos.
No exemplo dado, tem-se esse tipo de texto porque a personagem apenas informa ou
esclarece o que vem a ser o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Assim, o texto dissertativo analisa e interpreta a realidade a partir de conceitos abstra-
tos (científicos, filosófico, religiosos) e pode adotar duas caracterizações mais gerais: uma
centrada no sujeito que expressa determinada opinião – subjetiva; e outra centrada na pró-
pria opinião e em sua fundamentação – objetiva.
Dessa maneira, a dissertação deve apresentar um discurso generalizante, dirigido a um
interlocutor de perfil genérico, por essa razão que os textos expositivos são os mais utili-
zados em discursos da ciência, da filosofia, em livros didáticos, em divulgação científica.
Quanto à sua estrutura, deve apresentar três momentos: introdução, desenvolvimento e
conclusão. Repare a função de cada um desses elementos:
Leia o texto abaixo – “Cidade: sincretismo do mundo” – que trata do tema da multipli-
cidade das cidades:
Cada cidade é um mundo em miniatura onde coexistem os mais diferentes tipos humanos, arqui-
tetônicos e naturais. Com seu dinamismo, a cidade atrai e expele, glorifica e massacra, dá a vida
e também tira de seus filhos, sejam eles naturais ou adotivos. Somos nela criados, somos por ela
educados, sentimo-nos estrangeiros fora da nossa cidade – ela é o centro da nossa existência.
Miscigenação de raças, classes sociais e profissionais, desenhos habitacionais cotidianos e irre-
gulares, sede do poder e da pobreza, o centro urbano reúne em si vitória e derrota, felicidade e
dor, contradição. Há o que busca a vida tranquila na Rocinha, há o que busca apenas o lazer no
shopping center, o reduto mundial do consumismo. Cidade é permissão. Cidade é coação. “Faz o
que tu queres, mas serás julgado por tudo.” A cidade é o espaço singular onde nascemos, vivemos
e morreremos; que conhecemos tão bem, mas que explicamos sem explicar. A cidade ou não tem
explicação, ou permite todas as explicações.
192 • capítulo 5
O espaço urbano é construído com base nos tipos que nele habitam ou são os tipos moldados
pelo ambiente? Local da multiplicidade, da integração e da discórdia, o sincretismo urbano é, para
muitos, o sonho da mudança acertada, o caminho da felicidade. É São Paulo para os sertanejos.
É o Rio de Janeiro para Macabeia: é cidade feita contra pessoas. Visão ingênua deste mundo
contraditório, ela representa a realização do sonho das massas. A cidade, em sua grandiosidade,
é protetora e é perversa, é a paz é o inferno, é a certeza e é a contradição. Há a possibilidade
de se filosofar sobre ela, de divagar sobre seus prós e seus contras, sobre seu bem e sobre seu
mal. Todavia, conhecer uma cidade é como conhecer uma pessoa: é vivê-la, é sofrê-la, é amá-la.
A cidade é a nossa própria vida.
Tanto é nossa vida que está em nós. Está em nossas roupas, em nosso jeito de ser, em nossos
gostos, em nossa falta. O porto-alegrense é um singular. Ao florianopolitano não tem igual: é o
mané da ilha, Guga para o mundo. Quem confunde um carioca e um soteropolitano? Cidade é a
identidade. Somos nossa cidade, somos estrangeiros fora dela. Curitibano em Manaus é brasileiro
no Japão – ambos expatriados porque o fixo e o fluxo de Curitiba e de Manaus são opostos, como
os do Brasil são do Japão. Uma cidade forma-se de pessoas, partículas homogêneas que, todas
juntas com suas diferenças, dão o ar heterogêneo que é a cara da cidade.
Mundo, vasto mundo: teu início é na minha cidade, ainda que a cidade não seja minha. Com a glo-
balização que conectou todo o globo, as fronteiras fecharam-se mais e mais. O mundo todo está
em todas as cidades, enquanto cada uma tenta manter-se sua: espaço múltiplo, porém restrito.
Cada cidade é de cada um que a tem como sua. Cidade é propriedade, a cidade é pública.
JUNKES, Larissa. “Cidade: sincretismo do mundo”. Vestibular Unicamp. In: Redações 2004 Cam-
pinas: Unicamp, 2004. p. 77-80. Disponível em: http://concursos.urisantiago.br/saopedro/pro-
vas2/ Arquiteto.pdf, acessado em 20/9/2014.
CONCEITO
Sincretismo
Fusão de elementos culturais diversos, ou de culturas distintas, ou de diferentes sistemas sociais.
Após a leitura do texto, percebe-se que a autora organiza uma estrutura argumenta-
tiva com o objetivo de demonstrar ao leitor a diversidade como um elemento constitu-
tivo das cidades.
No primeiro parágrafo, tem-se a Introdução com a apresentação da tese a ser defendida
– “a cidade é um mundo em miniatura”, destacando a importância da cidade na vida de
seus habitantes.
No segundo parágrafo, a autora enumera várias características observadas nas cidades,
que por si sós, já constituem argumentos para sustentação da tese de que a cidade é o espa-
ço do múltiplo – “é um mundo em miniatura”.
No terceiro parágrafo, por meio de uma pergunta retórica – “O espaço urbano é construí-
do com base nos tipos que nele habitam ou são os tipos moldados pelo ambiente?” – a autora
continua a enumerar os aspectos observáveis nos centros urbanos que reiteram sua diversi-
dade no que se refere às condições de vida presente e às perspectivas de vida futura, servindo
essas observações como argumentos para a defesa da análise que está sendo construída.
capítulo 5 • 193
No quarto parágrafo, a autora apresenta argumentos por exemplos que reafirmam o
que foi dito antes, dando-lhes uma função argumentativa.
No quinto parágrafo, a autora, fazendo a citação de um verso do “Poema de Sete Faces”
de Drummond, em forma de vocativo para cidade, retoma por meio da intertextualidade a
tese apresentada no primeiro parágrafo “a cidade é um mundo em miniatura”, para con-
cluir a defesa de sua tese.
Nota-se que a autora, em todos os parágrafos, reafirma a sua tese principal e que ini-
cialmente ela faz uma afirmação mais generalizante sobre a cidade e, em seguida, reúne
os exemplos que comprovam a verdade do que foi dito, razão por que eles têm uma função
argumentativa no texto.
Texto dissertativo-argumentativo
Diferentemente do dissertativo-expositivo, cujo propósito principal é expor, explicar ou in-
terpretar ideias, o dissertativo-argumentativo visa, sobretudo, a persuadir o leitor ou o ou-
vinte. No dissertativo-argumentativo, além da análise cuidadosa e detalhada de um tema,
espera-se que o texto também apresente os argumentos para a defesa do ponto de vista.
Em razão desses dois tipos de textos, Othon M. Garcia (2010:370) explica que, na dis-
sertativo-expositiva, expressa-se o que se sabe ou o que se acredita saber acerca de um de-
terminado assunto, externando-se uma opinião sobre o que é ou parece ser. Já no disser-
tativo-argumentativo, além disso, procura-se principalmente formar a opinião do leitor ou
do ouvinte, tentando convencê-lo e persuadi-lo de que a razão está com o argumentador, e
que ele é quem está de posse da “verdade”. O texto argumentativo sempre estabelece uma
polêmica com aqueles que defendem uma tese contrária à apresentada.
Assim, estabelece-se a seguinte diferença entre estes tipos de textos: explicar uma ver-
dade ou tese, em uma visão racional, para influenciar o interlocutor, para convencê-lo (dis-
sertativo-expositivo ou expositivo) ou persuadi-lo (dissertativo- argumentativo).
Quanto à linguagem do texto dissertativo-expositivo ou dissertativo-argumentativo pre-
domina o uso dos verbos no presente do indicativo – por não ter esse tempo verbal conota-
ção temporal –, ou seja, ele não faz referência a acontecimentos ocorridos. Deve-se evitar
também o uso das formas em primeira pessoa (eu/nós) no texto dissertativo para que não
seja visto como expressão de um olhar subjetivo, particular, mas sim como uma argumen-
tação racional, válida para todas as pessoas.
Sendo assim, o texto dissertativo-argumentativo visa a defender uma tese ou ponto de
vista e é classificado como argumentativo porque nele o argumentador precisa desenvolver
argumentos a fim de comprovar a sua tese, por isso apresenta sempre dois elementos fun-
damentais, a saber: Tese e Argumentos.
ATENÇÃO
Persuadir significa convencer alguém a aceitar uma ideia, acreditar em algo, agir de uma determinada ma-
neira. A persuasão sempre envolve a utilização de argumentos no contexto da interlocução, visto que um
dos interlocutores procura influenciar o outro.
194 • capítulo 5
CONCEITO
Tese
É o ponto de vista ou posicionamento a ser defendido pelo argumentador.
Argumento
É a fundamentação da tese ou as razões ou justificativas evocadas com o objetivo de demonstrar a vali-
dade da tese.
“O adolescente infrator vem sendo bombardeado pela mídia como um dos grandes responsáveis
pelo crescente aumento da violência e da marginalidade. São colocados como chefes de qua-
drilhas com condições suficientes para o discernimento necessário à imputabilidade. A solução
para o problema parece ser a diminuição da maioridade penal, o que significaria a alteração do
artigo 228 da Constituição da República Federativa do Brasil/88 e do artigo 27 do Código Penal.
Acreditam os que defendem essa tese que isso alteraria substancialmente a segurança no país.
Parece um pouco ingênuo esse posicionamento porquanto, se assim o fosse, não haveria maior
criminoso, visto que há punibilidade prevista para o maior de dezoito anos. É preciso que se escla-
reça que o menor não fica impune aos atos que pratica, pois por isso o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) elenca uma série de medidas socioeducativas para recuperá-lo e adequá-lo
à vida em sociedade, o que na maioria dos casos foi subtraído por toda uma injustiça social que
há muito campeia neste país.
Sobre essa questão, há dois pontos que merecem atenção. De um lado, se a função do Estado
é garantir a dignidade da pessoa humana, parece mais razoável que se invista no cumprimento
do disposto no artigo 227 da CRFB/88, proporcionando um ambiente saudável para a formação
integral do adolescente e respeitando o seu caráter peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Observe-se que o texto utiliza a expressão “absoluta prioridade”:
capítulo 5 • 195
Parece que o Estado vem descumprindo a sua parte em garantir esses direitos ao adolescente. E
não se trata de norma programática, mas de um imperativo.
Por outro lado, se os direitos e garantias fundamentais não podem sofrer alterações que venham
a restringi-los, parece lógico que o artigo 228 da CRFB/88 contempla uma garantia individual
da pessoa humana que não pode ser objeto de alteração. É uma garantia ao menor de dezoito
anos que não seja responsabilizado penalmente por seus atos: “São penalmente inimputáveis os
menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.
Enfim, diante da Constituição da República Federativa do Brasil/88, não há que falar em diminui-
ção da maioridade penal. Se o texto constitucional contempla a dignidade da pessoa humana, a
diminuição da idade para responsabilização penal, divorcia-se do mandamento que determina o
respeito à condição peculiar do adolescente, de pessoa em desenvolvimento. Ademais, a ques-
tão dos direitos fundamentais do adolescente é uma prioridade para um Estado que tem de se
preocupar com as futuras gerações. A dimensão social do texto não pode ser negligenciada. A
formação de uma nova geração depende da intenção política de se fundar um Estado em que a
felicidade não seja uma ficção ou uma referência aos autores clássicos do Direito.”
(CHALITA, Gabriel. “Heurística e direito”. In. Hermenêutica Plural. 2002, p.235-237, com adaptações.)
196 • capítulo 5
cialmente a segurança no país. Parece um pouco ingênuo esse posicionamento[...]” “[...]
se assim o fosse, não haveria maior criminoso[...]” e de autoridade- CRFB/88 e do ECA -,
o argumentador continua a enumerar argumentos sobre a tese proposta, articulando-os
entre os demais parágrafos para defesa e análise da tese que está sendo construída - não
diminuição da maioridade penal, como a demonstração das razões pelas quais se afigura
mais consistente com as normas e princípios constitucionais.
Nesse parágrafo, o argumentador se propõe a refutar a tese oposta à sua. Para isso, ele preci-
sa desacreditar os argumentos da parte adversa: “Acreditam os que defendem essa tese que isso
alteraria substancialmente a segurança no país. Parece um pouco ingênuo ... dezoito anos”.
O terceiro parágrafo enfatiza novamente o argumento de autoridade, ao discorrer sobre
a importância da garantia do Princípio da dignidade da pessoa humana, julgando-se ser
mais razoável que se invista no cumprimento do disposto no artigo 227 da CRFB/88, objeti-
vando-se assim a sustentação da tese principal.
Na verdade, em todos os parágrafos do desenvolvimento, o produtor do texto reafirma a
tese principal, sempre com base no argumento de autoridade e na responsabilização social
do Estado em relação aos adolescentes infratores.
CONCEITO
Argumento de autoridade
É o argumento baseado na opinião de um especialista ou nas diversas fontes do Direito.
capítulo 5 • 197
a razão ao seu adverso (daí o nome concessão); contudo, em seguida, a tese adversária é combatida e
devidamente refutada.
ATENÇÃO
Quanto aos aspectos formais, a dissertação dispensa o uso abusivo de figuras de linguagem, bem como
o valor conotativo das palavras. Por suas características, o texto dissertativo requer uma linguagem mais
sóbria, denotativa, sem rodeios; preferindo-se sempre o uso da terceira pessoa.
Diferentemente da narração, a dissertação não apresenta uma progressão temporal; os conceitos são ge-
néricos, abstratos e, em geral, não se prendem a uma situação de tempo e espaço. Daí o emprego de ver-
bos no presente. Ao contrário também da descrição, que se caracteriza pelo período simples, a dissertação
trabalha com o período composto, com o encadeamento de ideias e, nesse tipo de construção, o emprego
correto dos conectores é fundamental para se obter um texto claro, coeso e coerente.
Desse modo, o texto injuntivo objetiva dizer a ação requerida, desejada, dizer o que e/ou
como fazer e assim incitar o receptor à realização da situação.
Os textos instrucionais se caracterizam pela apresentação de uma série de procedimen-
tos a serem seguidos em uma determinada circunstância e estabelecem uma interlocução
direta com o leitor, como: prescrição médica, bulas de remédio, receitas culinárias, manu-
ais, regras de jogo, guias de uso.
Mas todos os textos instrucionais são considerados injuntivos, porque apresentam
também procedimentos a serem seguidos.
A letra de música “Feijoada Completa” de Chico Buarque apresenta alguma semelhan-
ça com a estrutura de textos instrucionais. Observe:
198 • capítulo 5
Eles vão com uma fome
Que nem me contem;
Eles vão com uma sede de anteontem.
Salta a cerveja estupidamente
Gelada para um batalhão
E vamos botar água no feijão.
Mulher, não vá se afobar;
Não tem que pôr a mesa, nem dá lugar.
Ponha os pratos no chão que o chão tá posto
E prepare as linguiças pro tira gosto.
Uca, açúcar, cumbuca de gelo, limão
E vamos botar água no feijão.
capítulo 5 • 199
Que saiba mexer
Que saiba mexer
200 • capítulo 5
ou nuclear, também chamada de tópico frasal, a que se agregam outras, secundárias, inti-
mamente relacionadas pelo sentido e logicamente decorrentes dela (coesão e coerência).
O parágrafo-padrão é composto de três partes, a saber: a introdução, representada ge-
ralmente por um ou dois períodos curtos iniciais, em que se expressa de maneira sumária
a ideia-núcleo (ou tópico frasal); o desenvolvimento, isto é, a explanação dessa ideia-núcleo;
e a conclusão, mais rara nos parágrafos curtos ou naqueles em que a ideia central não apre-
senta maior complexidade.
Observe:
No aniversário de dez anos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o Ministério da Saúde divulgou
uma triste estatística: 35 mil pessoas, a maioria jovens, morreram em acidentes nas estradas e ruas
do país em 2007. Esse elevado número de mortes revela que a violência no trânsito está longe de ter
um fim. Causados, em grande parte, pela mistura de álcool e velocidade, esses acidentes tiram a vida
de nossos jovens, destroem famílias, mutilam corpos, interrompem sonhos. E exigem de nós atitudes
que visem não apenas à redução do número de acidentes, mas a uma mudança radical de atitude.
“Limites”, de Jorge Picciani, In: O Globo, 20/11/2007
Dá-se o nome de sertão a uma vasta e indefinida área do interior do Brasil, que abrange boa parte
dos Estados de Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Maranhão, Goiás e Mato Grosso. É
o núcleo central do país. Sua continuidade é dada mais pela forma econômica predominante, que é
a pecuária extensiva, do que pelas características físicas, como tipo de solo, clima e vegetação. Em-
bora uma das aparências do sertão possa ser radicalmente diferente de outra não muito distante – a
caatinga seca ao lado de um luxuriante barranco de rio, o grande sertão rendilhado de suas veredas
–, o conjunto delas forma o sertão, que não é uniforme, antes bastante diversificado.
Nesse parágrafo em estudo, pode-se extrair como ideia central a caracterização do ser-
tão e como ideias que giram em torno da ideia central as seguintes: a localização geográfi-
ca, a economia predominante, as várias configurações do sertão, o conjunto formado.
Ao se analisar a estrutura desse parágrafo, percebe-se esta ideia central. “Dá-se o
nome de sertão a uma vasta e indefinida área do interior do Brasil, que abrange boa parte
dos Estados de Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Maranhão, Goiás e Mato
Grosso.” Essas frases servem de introdução ao parágrafo, apresentando a ideia-núcleo
que será desenvolvida adiante. A essa ideia-núcleo, que inicia o parágrafo, convencionou-
se chamar de tópico frasal.
Em outros exemplos, pode-se encontrar o tópico frasal colocado em até uma frase. Um
tópico frasal claro, objetivo, consistente, é ponta de lança para a obtenção de um parágrafo
bem redigido.
capítulo 5 • 201
Tipos de tópicos-frasais
A expressão “tópico-frasal”, utilizada por Othon M. Garcia (2010:206), é a designação dada
a um ou dois períodos curtos iniciais que contêm a ideia-núcleo do parágrafo em texto dis-
sertativo, dissertativo-argumentativo, descritivo, narrativo e injuntivo. O tópico frasal é uma
maneira bastante prática e eficiente de estruturar o parágrafo, pois já de início expõe a ideia
que se quer passar, a qual é comprovada e reforçada pelos períodos subsequentes.
Dessa forma, o tópico frasal (também chamado de frase-síntese ou período tópico) é o
enunciado mais relevante do parágrafo porque serve de fio condutor do raciocínio, garan-
tindo a qualidade da escrita; coerência, coesão, objetividade e a unidade de significação. A
ideia central ou tópico frasal, geralmente, vem no começo do parágrafo, seguida de outros
períodos que explicam ou detalham a ideia central.
Os tipos mais comuns de tópicos-frasais são aqueles organizados com base em:
Declaração inicial
“É um grave erro a liberação da maconha. Provocará de imediato violenta elevação do consumo. O Es-
tado perderá o precário controle que ainda exerce sobre as drogas psicotrópicas e nossas instituições
de recuperação de dependentes químicos não terão estrutura suficiente para atender à demanda.”
Enumeração
Forma de indicação de fatos (ou algo), um por um, em uma exposição ou relação metódica:
“Os turistas visitaram o Corcovado, conheceram a Floresta da Tijuca, telefonaram para seus
parentes na Suíça, passearam de bondinho no Pão de Açúcar e tomaram caipirinha na beira
da praia de Copacabana”.
Machado de Assis (1992), no capítulo XLV das Memórias póstumas de Brás Cubas, utili-
zou este tipo de tópico frasal na fala em que a personagem-título fala do enterro de seu pai:
“Soluços, lágrimas, casa arrumada, veludo preto nos portais, um homem que veio vestir o cadáver,
outro que tomou a medida do caixão, caixão, essa, tocheiros, convites, convidados que entravam,
lentamente, a passo surdo, e apertavam a mão à família, alguns tristes, todos sérios e calados,
padre e sacristão, rezas, aspersões de água benta, o fechar do caixão, a prego e martelo, seis pes-
soas que o tomam da essa, e o levantam, e o descem a custo pela escada, não obstante os gritos,
soluços e novas lágrimas da família, e vão até o coche fúnebre, e o colocam em cima e trespassam
e apertam as correias, o rodar do coche, o rodar dos carros, um a um... Isto que parece um simples
inventário, eram notas que eu havia tomado para um capítulo triste e vulgar que não escrevo”.
202 • capítulo 5
Esse capítulo, intitulado “Notas”, enumera coisas, ações e circunstâncias relaciona-
das a um enterro, evitando frases completas. Como diz o próprio narrador, trata-se de um
inventário (= enumeração) dos elementos que constituiriam o capítulo e não do capítulo
propriamente dito que, aliás, Brás Cubas diz que não escreve. Mas é claro que escreveu:
estamos falando sobre ele.”
Descrição de detalhes
“Entreabriu a porta, mergulhou na faixa de luz que passou pela fresta, correu o trinco devagarinho.
Avançou, temendo esbarrar nos móveis. Acostumando a vista, começou a distinguir manchas: cadeiras
baixas e enormes, que atravancavam a saleta. Escorregou para uma delas, o coração aos baques, o
fôlego curto. Afundou no assento gasto. As rótulas estalaram, as molas do traste rangeram levemente.
Ergueu-se precipitado, encostou-se à parede, com receio de vergar os joelhos. Se as juntas fizessem
barulho, os moradores iriam acordar, prendê-lo. Achou-se fraco, sem coragem para fugir ou defen-
der-se. Acendeu a lâmpada e logo se arrependeu. O círculo de luz passeou no assoalho, subiu numa
cadeira e sumiu-se. A escuridão voltou. Temeridade acender a lâmpada.
(Graciliano Ramos, “Um ladrão”)
Nesse parágrafo, há uma descrição de caráter visual, que se fixa em uma imagem, como
objeto de uma descrição: “cadeiras baixas e enormes, que atravancavam a saleta; o coração
aos baques, o fôlego curto”.
Oposição
[...] “Acreditam os que defendem essa tese que isso alteraria substancialmente a segurança no
país. Parece um pouco ingênuo esse posicionamento porquanto, se assim o fosse, não haveria
maior criminoso, visto que há punibilidade prevista para o maior de dezoito anos. É preciso que
se esclareça que o menor não fica impune aos atos que pratica, pois por isso o Estatuto da
Criança e do Adolescente elenca uma série de medidas socioeducativas para recuperá-lo e
adequá-lo à vida em sociedade, o que na maioria dos casos foi subtraído por toda uma injustiça
social que há muito campeia neste país”.
Razões
capítulo 5 • 203
“A maior parte da classe política não goza de muito prestígio e confiabilidade por parte da popula-
ção. A causa para isso pode ser o fato dos inúmeros escândalos de corrupção e o enriquecimento
ilícito por parte dos eleitos. Em consequência, os grandes problemas que afligem o povo brasileiro
deixam de ser convenientemente discutidos”.
Divisão
“Predominam ainda no Brasil duas convicções errôneas sobre o problema da exclusão social: a
de que ela deve ser enfrentada apenas pelo poder político e a de que a sua superação envolva
muitos recursos extraordinários. Experiências relatadas mostram que o combate à marginali-
dade social em Nova York vem contando com intensivos esforços do poder público e ampla
participação da iniciativa privada”.
Exemplificação
Trata-se de apresentar exemplos concretos que ajudem a sustentar uma determinada posição.
No parágrafo abaixo, o argumentador se posiciona contra a pena de morte e, para sustentação
da tese dele, recorreu à exemplificação, citando os casos dos Estados de Geórgia e do Canadá:
“É preciso recusar a pena de morte por esta razão muito simples: ela não reduz os índices de
criminalidade. Basta observar a experiência dos países que a adotam. O Estado americano da
Geórgia, maior aplicador de pena capital, tem 20% mais homicídios que a média nacional. No
Canadá, entretanto, a criminalidade caiu em 27% depois que a pena de morte foi abolida”.
Disponível em: http://www.dhnet.org.br/abc/onu/onu_humana_ global_onu.pdf, acessado em 17/8/2014
Definição
Muitas vezes, o tópico frasal apresenta-se sob a forma de definição, o que lhe confere ca-
racterística didática. O objetivo do parágrafo é definir a ideia-núcleo ou principal – o artigo
constitucional– e as ideias secundárias explicam a definição expressa pela ideia-núcleo:
“O mito, entre os povos primitivos, é uma forma de se situar no mundo, isto é, de encontrar seu
lugar entre os demais seres da natureza. É um modo ingênuo, fantasioso, anterior a toda refle-
xão e não crítico de estabelecer algumas verdades que não só explicam parte dos fenômenos
naturais ou mesmo a construção cultural, mas que dão, também, as formas da ação humana”.
204 • capítulo 5
Citação
Forma do Parágrafo
Tipos de argumentos
A argumentação se baseia em dois elementos principais: a consistência do raciocínio e a
evidência das provas. As evidências referem-se a fatos, exemplos, ilustrações, dados estatís-
ticos, testemunhos (GARCIA, 2010:389).
Ressalta-se, contudo, que cada tipo de argumento tenta convencer ou persuadir o leitor
de uma maneira um pouco diferente. O argumento de autoridade, por exemplo, se sustenta
na credibilidade da palavra do outro, que geralmente é algum filósofo, cientista renomado,
ou ainda alguma pessoa que ocupa ou ocupou um cargo relevante, relacionado ao tema que
se está discutindo. Em contrapartida, no argumento por evidência, o articulista sustenta
sua tese com base em dados que evidenciam que sua tese é verdadeira.
Pode-se pensar também no argumento por comparação, no qual a argumentação se dá
por meio do raciocínio lógico.
Segundo Garcia (2010:389) são cinco os tipos mais comuns de evidência: os fatos pro-
priamente ditos, os exemplos, as ilustrações, os dados estatísticos (tabelas, números, ma-
pas) e o testemunho.
capítulo 5 • 205
Os fatos constituem o elemento mais importante da argumentação em particular, assim como da
dissertação ou explanação de ideias em geral. Os fatos provam, convencem, persuadem, embora
nem todos os fatos sejam irrefutáveis.
Dados estatísticos são também fatos, mas fatos específicos. Têm grande valor de convicção, cons-
tituindo quase sempre prova ou evidência incontestável.
Testemunho – O testemunho é ou pode ser o fato trazido à colação por intermédio de terceiros.
Se autorizado ou fidedigno, seu valor de prova é inegável. Entretanto, sua eficácia também é
relativa. Mas sua presença na argumentação em geral constitui, desde que fidedigno ou autori-
zado, valioso elemento de prova.
O argumento por absurdo consiste em levar o interlocutor a uma conclusão absurda para
convencê-lo a admitir uma determinada tese. Ao se admitir a concepção do mal cometido
conscientemente, chega-se pela lógica a conclusões absurdas.
A mais caracterizada argumentação pelo ridículo consiste em admitir momentanea-
mente uma tese oposta àquela que se quer defender, em desenvolver-lhe as consequências,
em mostrar a incompatibilidade dessas com o que se crê e, por outro lado, em pretender
passar daí a verdade da tese que se sustenta.
Exemplifica-se esse tipo de argumento com a fábula do Lobo e o cordeiro, de Esopo
(REBOUL, 2005:145):
Um cordeiro estava bebendo água num riacho. O terreno era inclinado e por isso havia uma cor-
renteza forte. Quando ele levantou a cabeça, avistou um lobo, também bebendo da água.
- Como é que você tem a coragem de sujar a água que eu bebo - disse o lobo, que estava alguns
dias sem comer e procurava algum animal apetitoso para matar a fome.
- Senhor - respondeu o cordeiro - não precisa ficar com raiva porque eu não estou sujando nada.
Bebo aqui, uns vinte passos mais abaixo, é impossível acontecer o que o senhor está falando.
- Você agita a água - continuou o lobo ameaçador - e sei que você andou falando mal de mim no
ano passado.
- Não pode - respondeu o cordeiro - no ano passado eu ainda não tinha nascido.
O lobo pensou um pouco e disse:
- Se não foi você foi seu irmão, o que dá no mesmo.
- Eu não tenho irmão - disse o cordeiro - sou filho único.
- Alguém que você conhece, algum outro cordeiro, um pastor ou um dos cães que cuidam do re-
banho, e é preciso que eu me vingue.
206 • capítulo 5
Então ali, dentro do riacho, no fundo da floresta, o lobo saltou sobre o cordeiro, agarrou-o com os
dentes e o levou para comer num lugar mais sossegado.
O argumento pelo absurdo consiste, de modo geral, em se refutar uma asserção, mostran-
do-lhe a falta de cabimento ao contrariar a evidência. É o argumento contrário à razão
ou que está para além dos limites da racionalidade. No exemplo dado, absurdo foi o ar-
gumento do primeiro ao dizer que o cordeiro lhe turvava a água, porque este (o cordeiro)
estava muito mais abaixo.
Estabelece o confronto entre duas realidades diferentes, seja no tempo, seja no espaço, seja
quanto às características físicas:
“Há alguns anos a preocupação maior do jovem era casar, constituir uma nova família e obter li-
berdade. Atualmente, ocorre o inverso. Os filhos estão ficando cada vez mais na casa de seus pais,
retardando a sua independência.”
”Enquanto países como a Inglaterra e o Canadá têm leis que protegem as crianças de ex-
posição ao sexo e à violência da televisão, no Brasil não há nenhum controle eletivo sobre a
programação. Não é de surpreender que muitos brasileiros estejam defendendo alguma forma
de censura sobre a TV aberta.”
“É inegável que a Internet propicia aos seus usuários um poder fantástico. Pode-se conhecer
as diversas culturas do mundo, utilizar seus serviços, fazer compras, sem falar nas disputadas
salas de bate-papo. Porém é preciso discernir seus sites, o que uma criança e até mesmo um
adolescente, em sua maioria, não é capaz.”
capítulo 5 • 207
Argumento por causa e consequência
No argumento por causa e consequência, a tese, ou conclusão, é aceita justamente por ser
uma causa ou uma consequência dos dados:
“A Zona Rural apresenta inúmeros problemas que dificultam a permanência do homem no cam-
po. As cidades encontram-se despreparadas para absorver esses migrantes e oferecer-lhes
condições de subsistência e de trabalho.”
Argumento Pragmático
“Uma semana após a implantação do Novo Código Nacional de Trânsito, em 1998, os jornais
divulgaram uma estatística que comprovava um decréscimo de acidentes com vítimas da ordem
de 56%. Essa estatística serviu de tese de adesão inicial para a tese principal: a de que o novo
Código era uma coisa boa.“
Argumento de autoridade
“O cinema nacional conquistou nos últimos anos qualidade e faturamento nunca vistos antes.
‘Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça’ - a famosa frase-conceito do diretor Glauber
Rocha – virou uma fórmula eficiente para explicar os R$ 130 milhões que o cinema brasileiro
faturou no ano passado”. (Época, 14/04/2010)
208 • capítulo 5
Discurso indireto: Paráfrase
Paráfrase é um resumo, cuidadoso e original, do conteúdo da obra ou trecho lido, elabora-
do com as próprias palavras do pesquisador. [...] Deve ser redigida com bastante clareza,
objetividade e exatidão, de modo a possibilitar, no futuro, a sua utilização sem necessidade
de retorno à obra original. (MARCHI, Eduardo Silveira. Guia de metodologia jurídica. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 240).
São aqueles em que certas “verdades” aceitas por todos são utilizadas. São afirmações que
não dependem de comprovação, como:
ATENÇÃO
O emprego de argumentos baseados no senso comum, além da baixa informatividade, pode comprometer
a qualidade de um texto dissertativo-argumentativo. Esse tipo de argumento, como visto, consiste em jul-
gamentos que, embora não apresentem base científica, acabam sendo tomados como “verdades sociais”.
“Segundo a recente pesquisa da Ação Educativa e do Instituto Paulo Montenegro, com o Ibope,
32,5 milhões de brasileiros acima de 15 anos são analfabetos funcionais, ou seja, apenas deco-
dificam as palavras, mas são incapazes de compreender o que leem e de usar a leitura e a escrita
como instrumentos de ação efetiva nas práticas sociais. E, mais grave, o ensino universitário não
assegura solução, pois 38% dos portadores de diploma de curso superior não alcançam o nível
de alfabetização plena.
É urgente reverter o quadro da leitura no Brasil.”
Disponível em: http://www.stellabortoni.com.br/index.php/4103-leitura- emancipadora. Acesso
em30/9/2014.
capítulo 5 • 209
Alusão histórica
“Sabe-se que o Brasil, desde antes de proclamar a República, carrega consigo problemas de
várias ordens, inclusive de cunho político. Suas bases foram fundadas em ideologia colonialista,
o que acarreta sérias falhas na estrutura organizacional do país; sucessivos equívocos quanto às
estratégias utilizadas em políticas econômicas a serem adotadas também vieram contribuir para
o quadro que se observa hoje. Daí dizer-se hoje que os brasileiros são, historicamente, vítimas de
um processo que ainda não está terminado.”
Argumento de exemplificação
A exemplificação consiste no relato de um pequeno fato (real ou fictício). Esse recurso ar-
gumentativo é amplamente usado quando a tese defendida é muito teórica e necessita de
esclarecimentos com mais dados concretos.
Leia o exemplo a seguir:
“A condescendência com que os brasileiros têm convivido com a corrupção não é propriamente
algo que fale bem de nosso caráter. Conviver e condescender com a corrupção não é, contudo,
praticá-la, como queria um líder empresarial que assegurava sermos todos corruptos. Somos
mesmo? Um rápido olhar sobre nossas práticas cotidianas registra a amplitude e a profundidade
da corrupção, em várias intensidades.
Há a pequena corrupção, cotidiana e muito difundida. É, por exemplo, a da secretária da repar-
tição pública que engorda seu salário datilografando trabalhos “para fora”, utilizando máquina,
papel e tempo que deveriam servir à instituição. Os chefes justificam esses pequenos desvios
com a alegação de que os salários públicos são baixos. Assim, estabelece-se um pacto: o chefe
não luta por melhores salários de seus funcionários, enquanto estes, por sua vez, não “funcio-
nam”. O outro exemplo é o do policial que entra na padaria do bairro em que faz ronda e toma de
graça um café com coxinha. Em troca, garante proteção extra ao estabelecimento comercial, o
que inclui, eventualmente, a liquidação física de algum ladrão pé-de-chinelo”.
(Jaime Pinksky/Luzia Nagib Eluf. Brasileiro(a) é Assim Mesmo. São Paulo: Contexto. s/d)
Dessa maneira, os exemplos são recursos argumentativos que ajudam a ilustrar a tese
defendida ou uma proposição que sirva de tese de adesão inicial para a tese propriamente
dita. Os argumentos por exemplos, na verdade, são fatos típicos ou representativos de de-
terminada situação.
210 • capítulo 5
“Creio que foi Oscar Wilde quem disse certa vez (referindo-se obviamente às pessoas que es-
crevem) que no mundo só existe uma coisa pior do que ser comentado desfavoravelmente: é
não ser comentado.”
“Dizem que, quando Tancredo Neves pretendia ser candidato à presidência da República, houve,
dentro do PMDB, rumores contrários à sua candidatura, alegando ter ele idade avançada. Imedia-
tamente, Tancredo argumentou pelo exemplo, dizendo que, aos “23” anos, Nero tinha posto fogo
em Roma e que, com 71 anos, Churchil tinha vencido os nazistas, na Segunda Guerra Mundial.”
“Pode haver alguns iguais a mim, que me educo mais contrariando os exemplos do que os imitando e
mais deles fugindo do que os seguindo. Nessa espécie de disciplina pensava o velho Catão, quando
disse que os sensatos têm mais que aprender com os loucos do que os loucos com os sensatos; e
Pausânias conta que um velho tocador de lira costumava obrigar seus discípulos a irem ouvir um mau
músico que morava em frente, para aprenderem a odiar suas desafinações e compassos errados [...]”
Argumento de retorsão
O autor utiliza os próprios argumentos do interlocutor para destruí-los. Esse tipo de argu-
mento é, pois, bastante eficiente para tentar invalidar o argumento do outro por meio da
demonstração das suas incoerências.
A retorsão nem sempre precisa estar clara e explicitamente presente no texto; tampouco
o argumentador precisa expressar o que o outro afirmou para usar o argumento a seu favor.
Observe a carta de reclamação e a resposta dada a ela pela secretaria de uma subprefei-
tura da cidade de São Paulo, para entender a retorsão:
Carta do leitor
“Desde novembro estão fazendo uma obra em um imóvel na esquina da Oscar Freire com a Haddock
Lobo, identificada apenas pelas letras SH num tapume. Desde o início, a lei de silêncio é desrespei-
tada, pois eles trabalham aos domingos e feriados e, na semana, em horários impróprios. É impossível
descansar em qualquer dia e horário da semana. Já fizemos várias reclamações ao Psiu, polícia e
subprefeitura, mas tudo leva a crer que o dono do imóvel ou a construtora têm algum poder para que
não se respeite a lei”. J. L. de M. C. - Cerqueira César
capítulo 5 • 211
Resposta da Prefeitura
“Esteja certo de que a construtora não está acima da lei, assim como a Prefeitura, que deve res-
peitar a legislação. A obra no imóvel na esquina citada é regular. Em relação ao barulho, agentes do
Psiu estiveram no local no dia 19 de maio de 2008, constatando que o ruído está dentro do que é
permitido pela legislação. Peço ao leitor que, caso o problema persista, nos avise, para que uma nova
vistoria seja feita.”
(Andrea Matarazzo- Secretaria das subprefeituras (In: O Estado de São Paulo, 9/6/2008)
Argumento ad hominem
Debatedor 1:
Há fortíssimas evidências de que o senhor está envolvido em um mega escândalo de corrupção.
Debatedor 2:
Quem é o senhor para me criticar? No ano passado, o seu chefe de gabinete foi envolvido no
escândalo do caixa 2 para financiamento de campanha.
TÉCNICAS DE CONTRA-ARGUMENTAÇÃO
Alguns doutrinadores defendem que reduzir a maioridade penal seria inconstitucional, já que o artigo
60, parágrafo 4º, da Constituição Federal proíbe emendas que venham a abolir direitos e garantias
individuais. Ora, têm-se dois fatores a explanar quanto a esse assunto. O primeiro é: o que é incons-
titucional? Hoje é implementada uma série de emendas constitucionais.
Disponível em: http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp? codnoticia =8216&cod_
canal=48. Acesso em: 17/9/2014.
212 • capítulo 5
Concessão: refutação e/ou restrição
Um tipo particularmente eficiente de contra-argumentação é a concessão. A concessão é
um recurso discursivo por meio do qual o argumentador concede razão a uma tese contrá-
ria à dele, ou a um argumento a ela favorável, dando impressão de certa empatia para com
o ponto de vista da outra parte, para em seguida invocar um argumento mais forte em favor
da sua tese, ou seja, concordar num aspecto de importância secundária, com um opositor
(real ou imaginário, presente ou ausente, que pode ou não ser o leitor/ouvinte), para em
seguida refutar ou negar a tese adversária.
Logo, essa estratégia é executada em duas etapas. Em um primeiro momento, o argu-
mentador dá a impressão de concordar com o seu rival – ou seja, ele parece conceder razão
ao seu adversário, daí o nome “concessão”. Logo em seguida, contudo, a tese adversária é
combatida e devidamente refutada:
“Muitos dizem que o aborto é uma forma de assassinato, e que a vida deve sempre ser preser-
vada. É verdade. Mas por que, então, o mesmo raciocínio não deve valer para preservar a vida
das milhares de gestantes que acorrem todos os anos a clínicas clandestinas cujos procedi-
mentos “cirúrgicos” não raro resultam em morte?”
No fragmento dado, procura-se defender a tese de que o aborto deve ser legalizado no
Brasil. Em um primeiro momento, o argumentador parece concordar com seus rivais, ou
seja, parece se inclinar contra a legalização do aborto. Essa impressão é transmitida pelo
emprego da expressão “É verdade.” Mas isso dura pouco. Logo em seguida, ele levanta um
questionamento: “Mas por que, então, o mesmo raciocínio […]”
Esse questionamento, claro, tem o objetivo de contestar o raciocínio do adversário e,
em última instância, invalidar a tese rival.
capítulo 5 • 213
Percebe-se que a asserção argumentativamente mais forte é sempre a restrição, que
direciona o leitor/ouvinte para a conclusão a que deseja chegar o argumentador, ou seja,
para a tese. Este concorda com a concessão, porém minimiza sua importância argumen-
tativa em proveito da restrição.
Sempre que possível, procure se servir de dados e informações (estatísticas, pesquisa, pu-
2 blicações, exemplos da História, comparações com realidades diferentes, citações) capazes
de demonstrar que o argumento do interlocutor é falso ou apenas parcialmente verdadeiro.
Faça concessões: é possível que você concorde em parte com algumas das ideias do adver-
sário. Nesse caso, é conveniente fazer concessões, isto é, admitir que o outro tem razão em
4 parte. Provavelmente o interlocutor fará o mesmo, o que pode ser um caminho para um acordo,
isto é, para que as partes cheguem a uma posição intermediária entre as ideias divergentes.
Ao final, faça uma síntese dos argumentos do adversário e dos contra-argumentos que
5 você apresentou, demonstrando, de forma global, que o ponto de vista do adversário está
fundamentado em razões equivocadas, falsas ou apenas parcialmente verdadeiras.
CEREJA, William & COCHAR, Thereza. Texto e Interação. 3. ed. São Paulo: Atual, 2009.
Observe se seu texto apresenta essas três partes essenciais: introdução (com a tese ou
1 ideia central), desenvolvimento e conclusão;
214 • capítulo 5
RESUMO
A escolha dos argumentos pelos produtores dos textos dissertativo-argumentativos, como se pôde observar, é
feita a partir do conhecimento dos tipos de argumentos que podem ajudá-los a defender uma determinada tese.
Muitas vezes na falta de conhecimento sobre outras possibilidades de defesa do ponto de vista, os alunos,
como produtores de texto, habituam-se a utilizar sempre o mesmo tipo de argumento. É preciso, contudo,
que exercitem as mais diversas formas de persuadir o leitor, já que em determinadas circunstâncias, o uso
do argumento a que estão habituados pode ser menos eficiente do que outro desconhecido.
Nesse ponto, o ensino de tipos de argumentos é fundamental. Argumentar prescinde também de amadu-
recimento cognitivo-intelectivo.
capítulo 5 • 215
A leitura do
16 texto e a
construção dos
sentidos
6 A leitura do texto e a
construção dos sentidos
O texto acima, retirado de uma tira de Calvin traz uma crítica ao modo de ler e escrever,
que parece estar focado ainda, segundo o aluno, no estudo da forma e dos aspectos formais
da língua, não entendendo o estudante que, ao escrever, ele o faz tendo em vista um inter-
locutor, a intencionalidade/finalidade, adequação da linguagem aos objetivos e ao tipo de
texto eleito. Esse exemplo permite uma reflexão sobre a possibilidade de a leitura não ser
concebida ainda pelo aluno como um ato interlocutivo e dialógico.
Por compreender que o ato de ler e escrever constitui-se em ferramenta básica para o
desenvolvimento integral do indivíduo na sociedade, buscou-se, neste capítulo — A Leitura
do Texto e a Construção dos Sentidos —, ressaltar ao aluno-leitor que a leitura é uma questão
de modos de relações de produção de sentidos, de condições, enfim, de historicidade. O
sentido em que se toma a leitura é, em uma acepção mais ampla, a ideia de interpretação
e de compreensão, seja na escrita ou oralidade. Afinal, a legibilidade está relacionada às
questões de condições, e não de essência.
É preciso, pois, atribuir sentidos para a leitura, porque eles não existem a priori e é pre-
ciso que o aluno-leitor reflita sobre como e por que aqueles objetos produzem, ou não, de-
terminados sentidos.
218 • capítulo 6
determinado assunto abordado, por meio de recursos, como o dicionário, pesquisando os
significados de certas palavras e também o interesse em conhecer a biografia do autor, para
ter a possibilidade de desenvolver e organizar as suas próprias ideias, pois um leitor crítico
é também um pesquisador.
A leitura, por um lado, nos fornece ainda a matéria-prima para a escrita: o que escrever.
Por outro, contribui para a constituição de modelos: o como escrever.
Nessa mesma linha de raciocínio, a professora Eliana Yunes afirma que:
O ato de leitura não corresponde unicamente ao entendimento do mundo do texto, seja ele escrito
ou não. A leitura carece da mobilização do universo de conhecimento do outro – do leitor – para
atualizar o universo do texto e fazer sentido na vida, que é o lugar onde o texto realmente está.
Aprender a ler é familiarizar-se com diferentes textos produzidos em diferentes esferas sociais (jor-
nalística, artística, judiciária, científica, didático-pedagógica, cotidiana, midiática, literária, publicitária,
entre outras) para desenvolver uma atitude crítica, quer dizer, de discernimento, que leve a pessoa a
perceber as vozes presentes nos textos e perceber-se capaz de tomar a palavra diante deles.
YUNES, Eliana. Apresentação. In: Tecendo um leitor: uma rede de fios cruzados. Curitiba:
Aymará, 2009. p. 9.
Por essa razão, a compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utili-
zação de conhecimento prévio, pois o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conheci-
mento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhe-
cimento, como o conhecimento linguístico, o textual e o conhecimento de mundo, que o
leitor consegue construir o sentido do texto.
E porque o leitor utiliza justamente diversos níveis de conhecimento que interagem en-
tre si, a leitura é considerada um processo interativo. Pode-se dizer com segurança que sem
o engajamento do conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão.
Discurso e Texto
Texto e Contexto
O contexto é a situação concreta a que um texto faz referência. Ele é formado pelas relações es-
tabelecidas entre o conjunto de circunstâncias associadas à ocorrência de determinado fato ou
capítulo 6 • 219
situação de que trata o texto. Há diferentes tipos de contexto (social, cultural, estético, político,
religioso, ideológico) e sua identificação é essencial para que se compreenda o sentido do texto.
Os textos, escritos ou orais, não têm existência autônoma, porque sua significação depende
do reconhecimento de um contexto e da relação que os leitores/ouvintes estabelecem com ele.
O recurso ao contexto é indispensável para a produção e a compreensão e para a construção
do sentido. O contexto engloba não só o co-texto, como a situação de interação imediata, a si-
tuação mediata (entorno sócio-político-cultural), o contexto sociocognitivo dos interlocutores.
Este último, na verdade, subsume os demais. Ele reúne todos os tipos de conhecimentos
arquivados na memória dos sujeitos sociais, que necessitam ser mobilizados por ocasião do
intercâmbio verbal, como o conhecimento linguístico propriamente dito, o conhecimento
enciclopédico, o conhecimento da situação comunicativa e de suas “regras” (situacionalida-
de), o conhecimento superestrutural ou tipológico (gêneros e tipos textuais), o conhecimento
estilístico (registros, variedades de língua e sua adequação às situações comunicativas), bem
como o conhecimento de outros textos que permeiam nossa cultura (intertextualidade).
A liberdade do autor de um texto, contudo, nunca será total, visto que todos os mem-
bros de um grupo social expressam, em alguma medida, a formação discursiva que reflete
a sua ideologia.
É relevante o aluno-leitor ter conhecimento do que seja ideologia, dos fatores que par-
ticipam da constituição de uma formação ideológica, de como as marcas ideológicas se
manifestam na linguagem, do conceito de formação discursiva e como essa formação dis-
cursiva se relaciona com a formação ideológica para que obtenha resultados mais satisfa-
tórios em suas leituras.
ATENÇÃO
O discurso, quando produzido, manifesta-se linguisticamente por meio de textos. Assim, pode-se afirmar que
texto é o produto da atividade discursiva oral ou escrita que forma um todo significativo e acabado, qualquer
que seja sua extensão. É uma sequência verbal constituída por um conjunto de relações que se estabelecem
a partir da coesão e da coerência. Esse conjunto de relações tem sido chamado de textualidade.
Dessa forma, um texto só é um texto quando pode ser compreendido como unidade significativa global,
quando possui textualidade.
220 • capítulo 6
nhecimento, como também do conhecimento linguístico, do textual e do conhecimento de
mundo para construir o seu significado, pois sem esse conhecimento não haverá compre-
ensão, ou pelo menos, haverá um comprometimento em relação ao seu significado.
É na interação desses níveis de conhecimento que o leitor consegue construir o sentido
do texto; portanto, esses conhecimentos devem ser ativados durante a leitura para se atin-
gir o momento da compreensão.
A leitura é entendida, assim, como um ato individual de construção de significado num
contexto que se apresenta mediante a interação entre autor, texto e leitor.
A operação da ideologia na vida humana basicamente envolve a constituição e padroni-
zação de como os seres humanos vivem como atores conscientes e reflexivos, em um mun-
do estruturado e significativo. A ideologia opera como discurso que se dirige ou interpela
os seres humanos como sujeitos.
A ideologia é, na verdade, um sistema de ideias (crenças, tradições, princípios e mitos)
interdependentes, sustentadas por um grupo social de qualquer natureza ou dimensão, as
quais refletem, racionalizam e defendem os próprios interesses e compromissos institu-
cionais, sejam estes morais, religiosos, políticos ou econômicos.
Todas as classes sociais deixam as marcas de sua visão de mundo, dos seus valores e
crenças, ou seja, de sua ideologia, no uso que fazem da linguagem. A linguagem, portanto,
é a materialização da nossa ideologia. É por isso que a cada formação ideológica correspon-
de uma formação discursiva específica.
A formação discursiva é governada por uma formação ideológica e como uma formação
discursiva é um dos componentes de uma formação ideológica específica, ela é um espaço
de embates, de lutas ideológicas.
INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janei-
ro: Objetiva, 2001, p.1566.
ATENÇÃO
A ideologia é entendida como um mecanismo de naturalização dos sentidos. Nenhum signo está despido
de ideologia; toda palavra enunciada pertence a uma formação discursiva que tem subjacente uma forma-
ção ideológica. Sendo assim, não há ideologia sem sujeito nem sujeito sem ideologia.
O discurso é ideológico. A ideologia constitui o sujeito e materializa-se no discurso e este é um processo
inconsciente.
Passa-se agora a analisar os textos a seguir para que o aluno-leitor possa compreender
que há uma organização interna no texto que também pode ser sistematizada e aprendida.
Leia o texto abaixo de Clarice Lispector:
“Somente uma mulher, e dona de casa, sabe e reconhece a grande tarefa que é bem dirigir uma
casa. A dona de casa tem de ser, antes de tudo, uma economista, uma “equilibrista” das finan-
ças, principalmente com as dificuldades da vida atual. O lar é o lugar onde devemos encontrar a
nossa paz de espírito num ambiente limpo, sadio e agradável e cabe à mulher providenciar isso.
Muitas erram ao fazer de sua casa uma vitrina permanente onde não há liberdade para o marido
fumar o seu cachimbo, para o filhinho brincar. [...]
capítulo 6 • 221
A boa dona de casa é a que sabe dar ordens e acompanha de perto a sua execução. É a que
mantém a limpeza, a ordem, o capricho em sua casa, sem fazer desta um eterno local de cerimô-
nias, de deveres, onde tudo é proibido. É a que faz de sua casa o lugar de descanso, da felicidade
do marido e dos filhos, onde eles se sentem realmente bem, à vontade, e são bem tratados. O
melhor lugar do mundo.”
LISPECTOR, Clarice. Correio feminino. Org. Aparecida Maria Nunes. Rio de Janeiro: Rocco,
2006, p.45. In: ABAURRE, Maria Luiza M; ABAURRE, Maria Bernadete M. Produção de texto.
Interlocução e Gêneros. São Paulo: Moderna, 2007.
AUTOR
Clarice Lispector
Clarice Lispector, nascida Haya Pinkhasovna Lispector (Chechelnyk, 10 de dezembro de 1920 — Rio de
Janeiro, 9 de dezembro de 1977), foi escritora e jornalista nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira.
Quanto à sua brasilidade, Clarice declarava-se pernambucana.
222 • capítulo 6
Leia agora o texto de Martha Medeiros:
Sou eu que começo? Não sei bem o que dizer sobre mim. Não me sinto uma mulher como as
outras. Por exemplo, odeio falar sobre crianças, empregadas e liquidações. Tenho vontade de
cometer haraquiri quando me convidam para um chá de fraldas e me sinto esquisita à beça usan-
do um lencinho amarrado no pescoço. Mas segui todos os mandamentos de uma boa menina:
brinquei de boneca, tive medo do escuro e fiquei nervosa com o primeiro beijo.
Quem me vê caminhando na rua, de salto alto e delineador, jura que sou tão feminina quanto as
outras: ninguém desconfia do meu hermafroditismo cerebral.
Adoro massas cinzentas, detesto cor-de-rosa. Penso como um homem, mas sinto como mulher.
Não me considero vítima de nada. Sou autoritária, teimosa e um verdadeiro desastre na cozinha.
Peça para eu arrumar uma cama e estrague meu dia. Vida doméstica é para os gatos.
[...] Sou tantas que mal consigo me distinguir. Sou estrategista, batalhadora, porém traída pela
comoção. Num piscar de olhos fico terna, delicada. Acho que sou promíscua, doutor Lopes. São
muitas mulheres numa só, e alguns homens também. Prepare-se para uma terapia de grupo.
MEDEIROS, Martha. Divã. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. p. 9-11. In: ABAURRE, Maria Luiza M;
ABAURRE, Maria Bernadete M. Produção de texto. Interlocução e Gêneros. São Paulo: Moderna, 2007.
AUTOR
Martha Medeiros
Escritora gaúcha que descobriu em si as vozes de várias mulheres. Além de seu livro Divã – que, depois de
teatro e cinema, virou série de televisão –, outros dois foram adaptados para o teatro e estão em cartaz no
Rio de Janeiro: Doidas e santas e o monólogo Tudo que eu queria te dizer.
capítulo 6 • 223
Leia agora o fragmento do conto de Dalton Trevisan, um moderno escritor paranaense:
“Primeira noite ele conheceu que Santina não era moça. Casado por amor, Bento se desesperou.
Matar a noiva, suicidar-se, e deixar o outro sem castigo? Ela revelou que, havia dois anos, o primo
Euzébio lhe fizera mal, por mais que se defendesse. De vergonha, prometeu a Nossa Senhora ficar
solteira. O próprio Bento não a deixava mentir, testemunha de sua aflição antes do casamento.
Santina pediu perdão, ele respondeu que era tarde - noiva de grinalda sem ter direito.
O Primo e está incluído no livro Cemitério de elefantes. “Primo”. 9. ed. Rio de Janeiro: Record, 1994.
CARNEIRO, Agostinho Dias. O caminho do texto. Disponível em: http://eadsaraiva.entende.
com.br/files/arquivosAulas/20129/MD_Modulo02Aula01.pdf, acessado em 15 de setembro
de 2014.
As questões contextuais são sempre importantes para que se entenda um texto. Dalton
Trevisan é um autor paranaense e nomes como Bento, Santina são usuais em seu Estado,
além de serem nomes que os antigos usavam.
Pelo desenrolar da história, consegue-se perceber que é um fato acontecido em tempos
distantes. Tinham toda uma preocupação com a honra, com a verdade, com o medo do es-
cândalo. Fato que hoje em dia é “comum” e, certamente, não causaria estranheza.
Dalton Trevisan não retrata em sua obra a família burguesa, atém-se às classes popula-
res, citadinas e rurais, do século XX. Os casamentos já não são arranjados, não são acordos
comerciais estabelecidos para dar continuidade à fortuna e ao nome de família, mesmo
porque não há fortuna nem nomes de família a serem resguardados.
No entanto, percebe-se que a questão cultural é muito maior e muito mais forte,
pois mesmo em um contista que aborda o lado mais grotesco e chocante dos seres hu-
manos, retirando suas personagens de contextos de degradação e decadência, a visão
sobre a mulher e sobre o homem ainda guarda resquícios da ordem cultural patriarcal,
ou seja, o que se queria era ainda manter a chamada “dignidade masculina” às custas
da opressão sobre a mulher.
É preciso ter o conhecimento de mundo de que a grinalda, o véu (subentendido no tex-
to) representam a pureza, a inocência da mulher e uma vez que ela não era mais virgem não
poderia utilizar esses adornos. O modelo patriarcal, como se percebe, continua sendo o
foco também nesta análise
As perguntas inferenciais levam a uma leitura mais profunda, pois elas obrigam os lei-
tores a interagir com o texto. Assim, pode-se partir da seleção intencional, por exemplo, dos
nomes “Bento” e “Santina”, embora sejam comuns no Paraná, com certeza, que nada há de
“Bento” e “Santina” nesse enredo.
Percebe-se como o modelo familiar em questão se mostra enraizado na sociedade, visto
que, mesmo não se tratando de um caso de adultério, a figura feminina “não pura” não era
aceita pelo marido.
Em razão desse fato, Bento decide, afinal, entregar a esposa de volta ao pai. Nesse pon-
to, observa-se que o modelo patriarcal ainda estava impregnado nas famílias rurais do sé-
culo XX, pois este conto é dessa época.
A partir daí percebe-se que Bento demonstra aspectos de vingança, pois decide devolver
Santina à família.
224 • capítulo 6
Há um outro aspecto característico dos séculos anteriores, ao homem cabia o direito de
vingar sua reputação em casos como o de casar-se com mulheres impuras, ou de adultério,
podendo assassinar os “traidores” sem que houvesse punição.
O conto de Dalton Trevisan em evidência mostra cenas de preconceito e de violência
física e moral.
Por fim, o conto “O Primo” representa, ao seu estilo, uma figura feminina que não era
frágil e sim fragilizada, que não nasceu submissa, mas que foi condicionada a isso pela
sociedade eminentemente machista. A representação da mulher situa-se a partir da ótica
masculina e denota o pensamento masculino, não apenas por parte do homem, mas por
parte da sociedade como um todo.
A análise dos textos apresentados evidencia como é importante reconhecer pressupos-
tos implícitos, ser capaz de fazer inferências e de estabelecer relações intertextuais. Somen-
te os bons leitores, que dispõem de um repertório cultural mais amplo, enfrentam sem difi-
culdade o desafio de ler não apenas as linhas, mas principalmente as entrelinhas dos textos.
Como se percebe, na leitura de um texto, o resultado da compreensão depende da qua-
lidade das inferências geradas, pois os textos possuem informações explícitas e implícitas;
existem sempre lacunas a serem preenchidas.
O leitor infere ao associar as informações explícitas aos seus conhecimentos prévios e,
a partir daí, gera sentido para o que está, de algum modo, informado pelo texto ou por meio
dele.
A informação fornecida direta ou indiretamente é uma pista que ativa uma operação
de construção de sentido. Logo, a inferência não está no texto, mas na leitura, e vai sendo
construída à medida que leitor vai interagindo com o texto .
Daí a leitura ser polissêmica, pois caracteriza-se pela atribuição de múltiplos sentidos
ao texto, e isso depende, certamente, do acesso do sujeito à exterioridade constitutiva do
dizer e dos diferentes tipos de discurso.
O sujeito que realiza uma leitura deve ir além do significado literal do texto, historici-
zando os sentidos e duvidando da ilusão de sentido único.
O silêncio não é vazio, o sem-sentido; ao contrário, ele é o indício de uma totalidade signifi-
cativa. Isto nos leva à compreensão do “vazio” da linguagem como um horizonte e não como
falta.”(ORLANDI; 1997:70).
Significa que o silêncio é garantia do movimento dos sentidos. Sempre se diz a partir do silêncio.
[...] Ele é, sim, a possibilidade para o sujeito trabalhar sua contradição constitutiva, a que o situa na
relação do “um” com o “múltiplo”, a que aceita a reduplicação e o deslocamento que nos deixam
ver que o todo discurso sempre se remete a outro discurso que lhe dá realidade significativa.
ORLANDI, E. Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas, S.P.: Uni-
camp, 1997, p.23.
capítulo 6 • 225
sentidos. Um leitor que possui um repertório mais vasto poderá acionar um processo de diá-
logo com outros textos mais apurado e, portanto, depreenderá muito mais sentidos do texto.
Assim, considerar o leitor e seus conhecimentos, e que esses conhecimentos são dife-
rentes de um leitor para outro, implica, necessariamente, aceitar uma pluralidade de leitu-
ras e de sentidos em relação a um mesmo texto.
Pela consonância com essa posição, destaca-se aqui um trecho dos Parâmetros Curricu-
lares Nacionais de Língua Portuguesa (1998):
ATENÇÃO
“Os sentidos são produzidos em face aos lugares ocupados pelos sujeitos em interlocução. Assim,
uma mesma palavra pode ter diferentes sentidos em conformidade com o lugar socioideológico
daqueles que a empregam.”
FERNANDES, C.A. Análise do discurso: reflexões introdutórias. Goiânia: Trilhas Urbanas, 2005 p. 23.
Nesse fragmento, encontra-se reforçado, na atividade de leitura, o papel do leitor enquanto um construtor
de sentido, utilizando-se, para tanto, de uma série de estratégias, dentre as quais a seleção, antecipação,
inferência e verificação.
Observe, agora, a função de cada uma delas no ato de ler:
• Estratégias de seleção: permitem que o leitor se atenha aos índices úteis, desprezando os irrelevantes.
• Estratégias de antecipação: tornam possível prever o que ainda está por vir, com base em informações
explícitas e em suposições.
O tipo textual (ou gênero textual), o autor, o título e muitos índices informam ao leitor o que é possível que
se encontre em um texto. Assim, ao se ler uma história de Monteiro Lobato chamada Viagem ao céu, é
previsível que se encontrem determinados personagens, certas palavras da astronomia e que, certamente,
alguma travessura acontecerá.
• Estratégias de inferência: permitem captar o que não está dito no texto de forma explícita.
A inferência é aquilo que se “lê”, mas não está escrito. São conclusões baseadas tanto em pistas dadas
pelo próprio texto como em conhecimentos que o leitor possui. Às vezes essas inferências se confirmam,
às vezes, não. Logo, é um tipo de raciocínio que conclui alguma coisa a partir de outra já conhecida.
O contexto, na verdade, contribui decisivamente para a interpretação do texto e, com frequência, até mes-
mo para inferir a intenção do autor.
226 • capítulo 6
• Estratégias de verificação: tornam possível o controle da eficácia ou não das demais estratégias, per-
mitindo confirmar, ou não, as especulações realizadas.
Esse tipo de checagem, para confirmar – ou não – a compreensão, é inerente à leitura.
Todas essas estratégias de leitura são utilizadas pelo leitor mais ou menos ao mesmo tempo, sem que
ele tenha consciência disso. Ele só dará conta do uso delas ao analisar com cuidado o processo de
leitura que está realizando.
O texto incorpora a forma do verso inicial da Canção do Exílio. A palavra palmeiras é em-
pregada como substantivo próprio – o nome de um conhecido time de futebol. A rivalidade
entre este e outro time conhecido está remetendo ao texto de Gonçalves Dias.
O efeito de humor provocado por esta intertextualidade é reforçado pela fala da perso-
nagem do último quadrinho, surpreendente por fugir da “forma” do poema, apresentada
nos quadrinhos anteriores.
Um leitor que não possui conhecimento prévio do texto principal – o poema – dificil-
mente compreenderia esse efeito de humor e não construiria um sentido eficaz para o texto
lido, ainda que soubesse da referida rivalidade entre os times.
CONCEITO
A paródia é uma imitação, na maioria das vezes cômica, de uma composição literária (também existem
paródias de filmes e músicas), sendo, pois, uma imitação que geralmente possui efeito cômico, utilizando
a ironia e o deboche.
Ela geralmente é parecida com a obra de origem, mas quase sempre tem sentidos diferentes. É um pro-
cesso de intertextualização com a finalidade de desconstruir ou reconstruir um texto.
Pode-se ver a seguir um outro exemplo de intertextualidade, no texto retirado da tirinha de Maurício de
Sousa, com a personagem Magali.
— Olha, Papai! Troquei a nossa vaca velha por um saco de feijões mágicos!
— Oba! Agora é só a gente plantar para nascer um pé de feijão gigante e...
— CHOMP! CHOMP!
— Ah! Deixa pra lá!
capítulo 6 • 227
O cruzamento dos textos só é possível de ser verificado se o sujeito tiver leitura que dê suporte a isso, caso
contrário, não será observado.
Examinando melhor as entrelinhas, verifica-se que Maurício faz jogo com o leitor, não lhe sonegando um
dado sequer, porém, apostando no conhecimento prévio do leitor da obra “João e o Pé de Feijão”.
Inicialmente, Magali dá a impressão de reconhecimento do efeito produzido - do que pode fazer com o
feijão; seu pai se alegra na expectativa de plantar e o pé crescer, e ficar rico com a galinha que botava ovos
de ouro, como na obra escrita pelos irmãos Grimm.
Já Magali, a personagem gulosa, como é apresentada em todas as outras histórias escritas por Maurício,
não aguenta toda a espera e acaba comendo seus feijões mágicos.
Quem tem no repertório a leitura da obra original relaciona a tirinha com facilidade e sabe que João plantou
sua semente, a planta brotou, e assim, cresceu um enorme pé de feijão, possibilitando João subir e encon-
trar o gigante e a galinha que o tornou rico novamente.
No texto a seguir, retirado de mais uma tirinha de Maurício de Sousa, fica evidente a importância dessa
intertextualidade, pois um leitor menos atento, que não reconhece o poema de Carlos Drummond de An-
drade, não estabelece relação com o seu discurso e não consegue perceber que a “pedra” no caminho
do Cebolinha – a Mônica, remete ao discurso do poeta, que se refere às dificuldades e obstáculos
da vida, em seu verso consagrado: “No meio do caminho tinha uma pedra”:
— Havia uma pedla no meio do caminho! No meio do caminho havia uma pedla...
— Falou comigo, Cebolinha? — Diz Mônica retirando a pedra.
Assim, a intertextualidade inerente a todo texto é também uma das responsáveis pela construção dos sentidos.
228 • capítulo 6
CURIOSIDADE
Segundo recente pesquisa da Ação Educativa e do Instituto Paulo Montenegro, com o Ibope, 32,5 milhões
de brasileiros acima de 15 anos são analfabetos funcionais, ou seja, apenas decodificam as palavras, mas
são incapazes de compreender o que leem e de usar a leitura e a escrita como instrumentos de ação
efetiva nas práticas sociais. E, mais grave, o ensino universitário não assegura solução, pois 38% dos por-
tadores de diploma de curso superior não alcançam o nível de alfabetização plena.
Esses dados não são surpreendentes em um país de não leitores. A pesquisa Retratos da leitura no Brasil
2011, do Instituto Pró-LIVRO, mostrou que 50% dos brasileiros não têm o costume de ler, 75% da popu-
lação nunca entrou numa biblioteca, e a média de livros por habitante/ano é 4, inclusive os didáticos; sem
os didáticos, a leitura cai para 1 livro por habitante/ano.
Em países de Primeiro Mundo, os índices indicam mais de 10 livros por habitante/ano. Se considerarmos
que a LEITURA é fator essencial para o desenvolvimento humano, social e econômico de um país, pois o
avanço tecnológico depende de qualificação, e a qualificação está ligada à habilidade de leitura, encontra-
mos um dos motivos do nosso atraso.
É urgente reverter o quadro da leitura no Brasil.
Fonte: http://www.stellabortoni.com.br/index.php/103-leitura-emancipadora, acessado em 30/9/2014.
CONCEITO
Leitor competente
O leitor competente deve compreender o que lê; como também saber ler o que não está escrito, identifi-
cando elementos implícitos; estabelecer relações entre o texto que lê e outros textos já lidos; saber que
vários sentidos podem ser atribuídos a um texto; conseguir justificar e validar a sua leitura a partir da loca-
lização de elementos discursivos.
RESUMO
Pode-se concluir que a leitura está sempre presente no meio social, levando o individuo à capacidade de
comunicação e informação, basta este, por sua vez, ter vontade de descobrir o mundo no qual ele vive e
compreender o quanto o ato de ler é prazeroso, dinâmico e conscientizador.
Em uma leitura, os sujeitos (autor e leitor) são privilegiados pelo processo de interação de seus conheci-
mentos. E o texto é o lugar dessa interação, cujo sentido não está lá, no texto, mas sim construído, consi-
derando-se, para tanto, as “sinalizações” ou pistas textuais fornecidas pelo autor, às quais o leitor agrega
os seus conhecimentos durante todo o processo de leitura, para que, espera-se, concordando ou não com
as ideias do autor, complete-as, adapte-as.
Como nem sempre os textos trazem explícitos todos os elementos que participam da construção do seu
sentido, o leitor está frequentemente complementando as informações fornecidas pelos textos com outras
informações de que dispõe, ou que infere a partir do que foi dito pelo autor (ou narrador) do texto.
Por isso a sociedade atual exige um cidadão leitor e não “ledor”.
Assim, para ser um leitor competente, é necessário compreender o que se lê, lendo também o que
está implícito no texto, fazendo inferências e checando se elas se confirmam ou não de acordo com as
exigências do texto.
capítulo 6 • 229
Desse modo, a leitura deve ser entendida também como um processo de (re)significação .
Por fim, como a leitura emerge da interação, acredita-se, então, em vários modos de ler e, consequente-
mente, em vários modos de interpretar e entender um texto.
CONCEITO
• Cognição é o ato ou processo da aquisição do conhecimento que se dá por meio da percepção, da
atenção, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento e linguagem.
• Contexto é o conjunto das circunstâncias (sociais, políticas, históricas, culturais) a que um texto se refere.
• Discurso é uma atividade comunicativa - constituída de texto e contexto discursivo (quem fala, com
quem fala, com que finalidade) – capaz de gerar sentido, desenvolvida entre os interlocutores. É uma mani-
festação individual do modo como um sujeito escolhe organizar os elementos de expressão de que dispõe
para veicular o discurso do grupo a que pertence.
• Discurso citado é o discurso que é incorporado por outro discurso.
• Enunciado é tudo aquilo que é dito ou escrito por meio de palavras, delimitadas por marcas formais. Na
fala, pela entoação; na escrita, pela pontuação. O enunciado está sempre associado ao contexto em que
é produzido.
• Formação discursiva é um conjunto de temas - categorias ordenadoras do mundo natural (alegria,
medo, vergonha, solidariedade, honra, liberdade, opressão) e de termos (elementos que estabelecem uma
relação com o mundo natural: mesa, carro, árvores, mulher) que concretizam uma visão específica. Sempre
que for possível identificar, em um conjunto de textos, uma regularidade (recorrência de temas e termos),
está-se diante de uma mesma formação discursiva.
• Formação ideológica é um conjunto de valores e crenças a partir dos quais julgamos a realidade na
qual estamos inseridos.
• Gêneros discursivos correspondem a certos padrões de composição de texto determinados pelo con-
texto em que são produzidos, pelo público a que se destinam, por sua finalidade, por seu contexto de circu-
lação. São exemplos de gêneros discursivos o conto, a história em quadrinhos, a carta, o bilhete, a receita,
o anúncio, o ensaio, o editorial, entre outros.
• Ideologia é um sistema de ideias (crenças, tradições, princípios e mitos) interdependentes, sustentadas
por um grupo social de qualquer natureza ou dimensão, as quais refletem, racionalizam e defendem os
próprios interesses e compromissos institucionais, sejam estes morais, religiosos, políticos ou econômicos.
• Interdiscursividade é a relação dialógica entre dois discursos, caracterizada por um citar o outro.
• Intertextualidade é a relação entre dois textos caracterizada por um citar o outro.
• Interlocutor – designa cada um dos participantes de um diálogo. Como o texto se dirige a um leitor
em quem o autor pensa no momento de escrever, diz-se que os leitores a quem um texto se dirige são os
interlocutores.
• Ironia é o efeito resultante do uso de uma palavra ou expressão que, em um contexto específico, ganha
sentido oposto ou diverso daquele com que costuma ser utilizada.
• Juízo de valor é um conceito filosófico e se refere a um julgamento que expressa uma apreciação, uma
avaliação ou uma interpretação sobre a realidade. Os juízos de valor se opõem aos juízos de fato, que dizem
o que as coisas são, como são e por que são.
• Língua é um sistema de representação socialmente construído, constituído por signos linguísticos.
• Linguagem é uma atividade humana que, nas representações de mundo que constrói, revela aspectos
históricos, sociais e culturais. É por meio da linguagem que o ser humano organiza e dá forma às suas
230 • capítulo 6
experiências. Seu uso ocorre na interação social e pressupõe a existência de interlocutores.
• Lugar discursivo é a posição ocupada no discurso pelos interlocutores, que ora assumem o papel de
falantes, ora o de ouvintes.
• Paródia é um tipo de relação intertextual em que um texto cita outro, geralmente com objetivo de fazer-
lhe uma crítica ou inverter ou distorcer suas ideias.
• Persuadir significa convencer alguém a aceitar uma ideia, acreditar em algo, agir de uma determinada
maneira. A persuasão sempre envolve a utilização de argumentos no contexto da interlocução, já que um
dos interlocutores procura influenciar o outro.
• Polissemia é a multiplicidade de sentidos que uma mesma palavra da língua pode apresentar, em dife-
rentes contextos de uso.
• Premissa é uma afirmação que se toma como ponto de partida para realizar um raciocínio.
• Texto é o espaço de concretização do discurso. Trata-se sempre de uma manifestação individual, do
modo como um sujeito escolhe organizar os elementos de expressão de que dispõe para veicular o discur-
so do grupo a que pertence.
Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado. Cada um
me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um
me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão. Não era que um via
uma coisa e outro outra, ou um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um
via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao
do outro. Mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso
desta dupla existência da verdade.
Fernando Pessoa
Nesta parte deste capítulo, discute-se a aplicação dos estudos da modalização, conside-
rando não só o ensino da análise linguística, mas também o ensino da leitura e da produ-
ção textual. O objetivo é demonstrar de que maneira o fenômeno da modalização é indis-
pensável para a construção de sentidos em um enunciado ou texto, e como o aluno pode
utilizar esse fenômeno para desenvolver a sua competência linguístico-discursiva.
Aqui a modalização é vista como uma estratégia semântico-discursiva presente em dife-
rentes tipos e gêneros textuais/discursivos, a partir da linha teórica de Koch (2002), Nasci-
mento (2010) e Nascimento e Silva (2012).
Pontua-se que a modalização se apresenta como um fenômeno que permite ao locutor
deixar registrado, no seu discurso, marcas de sua subjetividade por meio de determinados
elementos linguístico-discursivos e, portanto, imprimir um modo como esse discurso deve
ser lido. Dessa forma, age em função da interlocução.
Em outros dizeres, a modalização é um fenômeno inerente à linguagem humana
porque, por meio dela, pode-se expressar avaliação sobre o dito e interagir com nossos
interlocutores, indicando ora como nosso enunciado deve ser lido, ora como se quer que
o interlocutor (re)aja.
capítulo 6 • 231
Assim, ao asseverar em enunciado “É certo que Paulo venha”, o locutor além de expres-
sar certeza com relação ao fato da vinda futura de Paulo, ele o faz em função do seu interlo-
cutor, ou porque queira que seu interlocutor acredite também que essa informação é verda-
deira, ou porque tem outra intenção, que, algumas vezes, só é recuperada pela enunciação.
Logo, o estudo dos elementos modalizadores deve estar voltado para o uso da lingua-
gem, para os efeitos de sentido que esses elementos provocam nos enunciados e nos textos.
Note os efeitos produzidos pela modalização no texto a seguir, retirado de uma tira.
— Essa história de Papai Noel me incomoda... Principalmente porque ele é o júri e o juiz...
— Quem nomeou o Papai Noel? Como a gente sabe que ele é imparcial? Que critérios ele usa
para determinar o que é bom e o que é mau?
— E onde foram parar as circunstâncias atenuantes? As crianças deviam poder contar com um
advogado, você não acha?
— Você está preocupado com o incidente da salamandra, não é?
— Insanidade temporária! Foi só isso!
Observa-se, no texto, que Calvin não argumenta explicitamente, mas por meio de per-
guntas, as quais ajudarão o leitor a construir o sentido da tirinha e a perceber o verdadeiro
grau de comprometimento entre o emissor e o que está sendo proferido. Com a estratégia
modalizadora, Calvin interage com o interlocutor de modo a levá-lo a uma reflexão.
Em relação a esse assunto, Koch (2002:85) apresenta uma lista de vários tipos de lexica-
lização das modalidades, transcritos a seguir:
Modos e tempos verbais: imperativo; certos empregos de subjuntivo; uso do pretérito imperfeito
do indicativo pelo futuro do pretérito com valor de probabilidade, hipótese, promessa ou como
uma forma coloquial de solicitação; uso do futuro do pretérito; uso do imperfeito do indicativo
com valor de irrealidade;
Entonação: (que permite, por ex.: Distinguir uma ordem de um pedido, na linguagem oral);
232 • capítulo 6
Os modalizadores, elementos linguísticos que materializam, explicitamente, a modali-
zação, classificam-se de acordo com o tipo de modalização que expressam, nos enunciados
e discursos em que aparecem.
Para o estudo da modalização da linguagem, parte-se também do entendimento de que
o discurso é o efeito de sentidos entre interlocutores, pensando o fato dos sentidos se rela-
cionarem com os textos e suas condições de produção; com os diferentes tipos de textos; e
com as relações do dizer com o que não é dito. Resulta daí o caráter múltiplo e incompleto
do sentido, jamais fechado e acabado.
A modalidade está expressa na atitude do falante ao produzir um enunciado. Ela revela
a maneira como o enunciador tenta persuadir seu interlocutor em uma proposição, que po-
derá ser ou não verdadeira, divulga as intenções desse enunciador, a forma de se expressar
e de opinar sobre o conteúdo do assunto em foco.
Sempre que o falante pronuncia seu discurso, seja ele político, religioso, científico ou
cultural, deixa marcas linguísticas que expressam sua opinião e que, na maioria das vezes,
revelam o que ele conhece acerca do assunto. O modo como o falante veicula sua mensa-
gem está presente na estrutura semântica, sintática e pragmática do discurso que produz.
O sujeito enunciador marca, assim, sua presença no enunciado pelas marcas de modaliza-
ção, entendidas como índice das atitudes, opiniões e pontos de vista do enunciador em relação
ao seu dizer. A modalização contribui para oferecer ao leitor um direcionamento argumentati-
vo, possibilitando perceber o grau de adesão do falante ao seu discurso. O emprego dos modali-
zadores possibilita, assim, a identificação do ponto de vista do enunciador no discurso.
Dessa maneira, a modalização tem um papel importante na argumentação, uma vez
que é responsável pela instauração dos modos de existência e presença dos sujeitos no
discurso. Por essa razão, apesar dos procedimentos, muitas vezes utilizados para produ-
zir o efeito de objetividade e neutralidade, é possível perceber, a partir dos procedimentos
de modalização, um posicionamento do enunciador e uma intencionalidade por meio da
orientação argumentativa construída no texto. Essa orientação aponta sempre para uma
direção argumentativa, indicando um modo de ler o texto e analisar os fatos que enuncia.
A narração, apesar de apresentar um foco meramente informativo, voltando-se, pois, para
a função referencial da linguagem, tende sempre a adotar um ponto de vista inicial. É esse pon-
to de vista que faz com que o narrador, ao narrar qualquer fato, de acordo com a sua intenção,
procure convencer o leitor/ouvinte, a partir de sua interpretação pessoal dos fatos narrados.
As escolhas lexicais são responsáveis por deslizamentos de sentido e os vocábulos que
dão suporte a essas escolhas são os nomes – substantivos e adjetivos – em sua maioria, axio-
lógicos (avaliativos) e advérbios. Os axiológicos (valorativos, avaliativos) constituem uma
categoria lexical que está intimamente ligada às apreciações do enunciador.
A maior parte dos substantivos afetivos e avaliativos é derivada de verbos ou de adjeti-
vos. Nessa visão, à medida que alguns substantivos revelam uma avaliação do sujeito enun-
ciador, podem variar de uma enunciação para outra e devem ser eliminados de um discurso
com pretensões de objetividade. Esses substantivos, que podem ser considerados como
portadores de subjetividade, possuem traços axiológicos. Os substantivos axiológicos se-
rão, portanto, mais numerosos em enunciados de pretensão avaliativa.
Em relação aos adjetivos, constata-se que as unidades lexicais de uma língua são carre-
gadas de subjetividade, de acordo com uma escala significativa que transita do mais obje-
tivo para o mais subjetivo.
capítulo 6 • 233
O emprego dos adjetivos subjetivos afetivos não se aplica a certos tipos de discurso, que
pretendem objetividade. Algumas vezes, no entanto, é possível encontrá-los em editoriais.
Há também os advérbios modalizadores que podem ser reveladores de julgamentos de
verdade, como talvez, sem dúvida, certamente e aqueles que implicam um julgamento de
realidade como realmente, verdadeiramente, efetivamente.
Os advérbios modalizadores são importantes na análise linguística, visto que compõem
uma classe de elementos adverbiais que têm como característica básica expressar alguma
intervenção do falante na definição da validade e do valor de seu enunciado. Além disso, o
uso dos modalizadores constitui uma das estratégias para marcar essa atitude do falante
em relação ao que ele próprio diz.
É grande a importância de substantivos, adjetivos e advérbios subjetivos, sobretudo os
avaliativos, na enunciação argumentativa porque marcam, de maneira significativa, a pre-
sença do sujeito enunciador e permitem a orientação para o sujeito destinatário de deter-
minadas conclusões ou interpretações, que interessam ao sujeito enunciador.
ATENÇÃO
É importante destacar que quanto mais um discurso se esforça em ser exaustivo, tanto mais tende à ob-
jetividade; quanto mais seleciona as informações que verbalizará, tanto mais corre o risco de ser subjetivo.
CONCEITO
Os modalizadores, elementos que ativam modalização nos enunciados e no discurso, podem gerar dife-
rentes efeitos de sentido e, dependendo do sentido que veiculam, é possível classificá-los em epistêmicos
(ligados ao conhecimento), deônticos (ligados à obrigatoriedade, permissão, proibição ou volição), avalia-
tivos (expressando juízo de valor) e delimitadores (estabelecendo limites para o conteúdo do enunciado).
234 • capítulo 6
Assinala-se que a classificação de um modalizador não é fechada e depende do contexto em que ele
aparece, uma vez que um mesmo modalizador pode assumir diferentes funções.
Optou-se aqui por não dar relevância a essa classificação ou nomenclatura dos elementos modalizado-
res, por acreditar-se que se pode muito bem trabalhar a modalização na análise linguística sem se valer
de uso de nomenclaturas classificatórias, mas voltando-se, principalmente, para o uso desses elementos
em enunciados e textos.
ATENÇÃO
Os implícitos são basicamente de dois tipos: pressupostos e subentendidos. Os pressupostos estão inscritos na
língua; não há como fugir ao sentido que eles determinam. Já os subentendidos dependem de interpretação.
Se um professor diz a um aluno: “Finalmente você veio à aula”, pressupõe-se que o aluno há tempo não
comparecia às aulas; o advérbio que introduz a oração indica isso.
Caso o professor acrescentasse uma observação do tipo: “Deixou o orgulho de lado”, estaria formulando
um subentendido. A ausência do outro teria sido interpretada como soberba. O subentendido sempre en-
volve um julgamento, um juízo de valor, e, por vezes, leva à distorção da verdade.
Modalização e Leitura
Em determinados textos, a observância dos modalizadores é de fundamental importância
para a construção de um sentido mais global do próprio texto.
Por essa razão, quando da ocorrência de modalizadores, o aluno deve considerar os
efeitos de sentido que eles geram, bem como de que maneira esses modalizadores interfe-
rem na compreensão global.
A seguir estão transcritos alguns textos em que a identificação e compreensão dos mo-
dalizadores são indispensáveis para uma leitura mais profunda.
Para cada texto segue uma análise do funcionamento discursivo dos modalizadores,
com o objetivo de indicar, para o aluno, como os elementos modalizadores devem ser tra-
tados no processo de leitura.
Observe também como é impossível uma narração isenta, imparcial:
O réu ameaçava a vítima que, aos gritos, clamava por não ser morta. Ele pediu as joias e, ao ouvir
a negativa da vítima, que dizia não possuir nenhuma, não teve dúvida: com frieza desumana,
puxou o gatilho do revólver encostado à cabeça da vitimada, prostrando-a no chão sem vida, de
forma cruel, por motivo absolutamente fútil. (RODRÍGUEZ, 2002, p.178)
O réu, no intento de roubar, pediu à vítima joias e dinheiro. Assustado, temeroso e alterado, pois não
é bandido profissional, mas incidentalmente cometendo aquele equívoco, ouviu a ríspida negação da
vítima e, supondo tendo ela chance de reação, que por certo poria sua vida em risco, em um ímpeto
de emoção e medo apertou o gatilho, temendo por sua sobrevivência. (RODRÍGUEZ, 2002, p.178)
Têm-se, aqui, duas narrativas da mesma cena. Cada narrador a descreve exatamente
como se tinha passado. Não é que um tenha visto uma coisa e o outro, outra diferente, ou
seja, desviando-se da verdade. Não: cada um via a cena exatamente como se havia passado,
mas cada um a descreveu com um ponto de vista diferente (acusatório e defensivo).
capítulo 6 • 235
Pontos de vista diversos também estão visivelmente marcados no trecho de Pessoa uti-
lizado como epígrafe na abertura deste capítulo.
Nota-se, então, que, na narrativa dos fatos, o ponto de vista é implícito, pois não é
enunciado diretamente, apenas sugerido, em uma modalização da linguagem “aparen-
temente” imparcial.
Para maior compreensão do que está sendo afirmado até o momento, leia os textos hi-
potéticos, extraídos também do livro de Rodríguez (2002:177):
Observa-se que ambos os textos narram um mesmo evento: a manifestação dos camelôs e a
repressão dos policiais. Entretanto, cada autor apresenta seu ponto de vista implícito mediante
a utilização de dois procedimentos: a seleção vocabular e a seleção de fatos a serem narrados.
Como se pode verificar, não há diferença entre os fatos apresentados, apenas o modo
de ver ou o ponto de vista varia, escolhendo, cada um dos narradores, relatar aquilo que lhe
parece mais relevante.
Nos fatos mais importantes - manifestação de camelôs em virtude de uma conduta da
prefeitura e o chamado da polícia para pôr fim ao tumulto -, os textos coincidem. No en-
tanto, fatos diferentes, atendendo à necessidade de comprovação do ponto de vista apre-
sentado por cada um dos redatores, foram selecionados, mostrando o objetivo acusatório
ou defensivo, sem, entretanto, enunciar que cada um deles narra os fatos da forma que lhe
interessa ou que ambos fujam à verdade.
Perceba a escolha lexical opositiva, apresentada em ambos os textos:
“dispersa” x “agride”;
236 • capítulo 6
EXEMPLO
1º exemplo:
O comandante do policiamento de Belém, coronel PM Geraldo Magela, recuou e decidiu anteontem não cum-
prir a ordem judicial de despejo de 400 famílias sem-teto em Ananindeua, região metropolitana de Belém. Os
cerca de mil sem-teto ocupam desde agosto uma área de 90 mil metros quadrados. Anteontem, os sem-teto se
armaram com facões, paus e pedras e o coronel Magela ordenou a suspensão da operação. “Esperamos uma
segunda ordem da Justiça”, disse Teodoro Nagano, gerente da empresa Agropel, que é proprietária da área.
“Cabia a mim avaliar a situação e preferi evitar o massacre”, disse Magela ao se reunir com a juíza Odete Silva
e explicou os motivos do recuo. A juíza aguarda um relatório dos oficiais da Justiça. (Folha de São Paulo, 2006 )
2º exemplo:
Um grupo de 40 famílias de sem-teto ocupou o plenário da Câmara de Campinas (99 Km de SP) entre 14h e
21 h de ontem após ser desalojado de uma área invadida em abril deste ano por cerca de 600 pessoas. Os sem-
teto permaneceram no plenário da Câmara e só concordaram em deixar o local após o juiz Jamil Miguel, da 5ª
Vara Civil de Campinas, anular liminar para reintegração de posse expedida ontem. (Folha de São Paulo, 2008 )
Percebe-se, nos textos acima, como é significativa a escolha desta ou daquela palavra e
como esta escolha constrói sentidos distintos. Sabe-se que a questão da “escolha” é consciente,
diz respeito a um sujeito intencional. Dizer invadir ou dizer ocupar traz, necessariamente, dife-
rentes efeitos de sentido, pois estas palavras trazem consigo uma memória discursiva distinta.
No exemplo 1, há a presença do discurso jurídico-militar e a situação é de confronto, pois
o vocabulário da notícia é jurídico-militar também: os sem-teto estão em operação de guerra,
armam-se, o coronel suspende a operação, recua, evita um massacre. O coronel tem nome,
o proprietário da área também. Os sem-teto são anônimos, sem voz, e a notícia os silencia.
Nota-se, portanto, as diferentes maneiras de funcionamento de uma prática discursiva
que permite o apagamento de um sentido para os sem-teto, mas que, contraditoriamente,
pela falta de sentido, mais possibilidades de sentido apresentam.
Também requer atenção o uso da palavra invadida no texto 2, pois diz-se invadir para
não se dizer ocupar. Invadir é tomar à força; ocupar, no sentido jurídico, é o ato de apode-
rar-se legalmente, ter ou possuir por direito.
Dessa forma, os sentimentos contra ou a favor dos sem-teto vão se sedimentando; res-
saltando, assim, como o funcionamento dos sentidos resulta da escolha lexical que corres-
ponde ao ponto de vista do relator.
Conclui-se, assim, que a seleção de fatos da narrativa deve ser feita de acordo com as
intenções da argumentação daquele que a redige.
Leia, a seguir, o trecho retirado de uma tirinha de Calvin:
— Oi, Susie, é o Calvin. Eu perdi minha lição de casa. Você podia me dizer o que nós temos que
ler pra amanhã?
— Tem certeza que você não está me ligando por outro motivo?
— Por que então eu te ligaria?
— Talvez você estivesse com saudades do som melodioso da minha voz.
— Você está louca?? Tudo que eu quero é a maldita lição!
capítulo 6 • 237
— Primeiro diga que você está com saudades do som melodioso da minha voz.
— Isso é chantagem!
Na primeira frase, Calvin, ao telefonar para Susie, pede-lhe que diga qual é a tarefa de
casa para a aula do dia seguinte. Esse pedido é apresentado por meio do modalizador “po-
dia”. Na incerteza de que Susie lhe dará a resposta, ou para parecer mais persuasivo, o pedi-
do é apresentado como uma possibilidade.
Na frase seguinte, Susie, mediante a expressão modalizadora “tem certeza”, questiona
o grau de certeza de Calvin com relação a seu pedido, ou seja, questiona Calvin sobre a cer-
teza de ser isso mesmo o que ele quer.
Calvin responde, perguntando-lhe por que outro motivo ligaria. Na terceira frase, por
meio do modalizador “talvez” e do verbo no subjuntivo “tivesse”, Susie apresenta uma pos-
sibilidade para Calvin: ele estaria com saudades da voz da garota. A reação de Calvin, gri-
tando, quebra, portanto, a expectativa de Susie, e a possibilidade que a menina apresenta:
“Você está louca? Tudo que eu quero é a maldita lição.”
Susie, por sua vez, reage, na penúltima frase mediante este enunciado: “Primeiro diga
que você está com saudade do som melodioso de minha voz”, em que aparece o verbo “di-
zer”, no imperativo, indicando obrigatoriedade. Em outras palavras, Susie impõe uma obri-
gatoriedade a Calvin, para fornecer-lhe o que foi pedido. O verbo dizer no imperativo fun-
ciona, portanto, como um modalizador de obrigatoriedade.
Observe-se que da primeira à última frase o sentido do texto vai se construindo com o
uso de elementos modalizadores. Os modalizadores vão tecendo, ao longo do texto, um
caminho discursivo que começa na volição (primeira frase, passa pelo questionamento da
certeza (segunda frase) e pela apresentação de uma possibilidade (quarta frase), finalizan-
do em uma ordem (quinta frase).
É certo que outros elementos textuais precisam ser lidos nesse texto, mas a não obser-
vância dos elementos modalizadores, embora não prejudique a compreensão global do
texto, impede que se aprofunde essa compreensão, a qual, se efetivada mediante o estudo
auxiliar dos modalizadores, levaria a uma avaliação ou a uma reflexão crítica de um com-
portamento humano em relação à forma como a mulher (no caso Susie) se porta com rela-
ção ao homem (no caso Calvin).
Por essa razão, em um texto como esse, o aluno deve realizar leituras mais profundas,
identificando os efeitos de sentido gerados pelos modalizadores, que certamente conver-
gem para uma compreensão além texto.
Leia o texto abaixo:
INGREDIENTES
20 fatias de pão de forma sem casca e picadas
120 ml de leite
8 ovos
1 xícara (chá) + 1/2 xícara (chá) de açúcar (340 g)
238 • capítulo 6
2 xícaras (chá) de chocolate em pó (240 g)
100 g de chocolate meio amargo cortado em quadradinhos
CALDA DE CHOCOLATE
MODO DE PREPARO
Num processador coloque 20 fatias de pão de forma sem casca e picadas e processe por 1
minuto. Acrescente 120 ml de leite, 8 ovos, 340 g de açúcar e 2 xícaras (chá) de chocolate em
pó e bata bem até formar um creme.
Numa fôrma de pudim, untada com manteiga, coloque metade do creme e salpique 50 g de cho-
colate meio amargo picado. Coloque o restante do creme e a outra metade do chocolate picado.
Leve ao forno pré-aquecido a 180 graus em banho-maria por +/- 45 minutos.
CALDA DE CHOCOLATE
Numa panela coloque 1 xícara (chá) de açúcar, 1 xícara (chá) de chocolate em pó, 1 colher
(sopa) de margarina e 1/2 xícara (chá) de leite e leve ao fogo brando mexendo sempre até
ferver (+/- 5 minutos). Retire do fogo e deixe esfriar.
O texto acima é um exemplo de texto injuntivo, pois se trata de receita culinária. É carac-
terística composicional desse tipo textual a existência de duas partes.
Na primeira, como o próprio nome sugere, estão presentes os ingredientes necessários
para que seja realizada a receita. Na segunda parte é descrito o modo de preparo da receita,
que tem o objetivo de levar o cozinheiro a produzir o alimento com sucesso.
Como se observa nesse exemplo, essa descrição é comumente realizada de forma ins-
trucional, ou seja, o locutor se vale de estratégias linguístico-discursivas para instruir o co-
zinheiro a conseguir realizar o preparo de forma adequada. No referido exemplo, a estraté-
gia utilizada foi o uso de verbos no modo imperativo (coloque, acrescente, salpique, leve,
retire, deixe).
O imperativo acima funciona como um modalizador de obrigatoriedade no sentido em
que indica que o interlocutor tem de obrigatoriamente realizar as ações previstas pelo ver-
bo, na ordem em que aparecem, para que o alimento seja preparado adequadamente. Ele
é usado para dar instruções claras para o interlocutor a fim de que este atinja o objetivo
esperado pelo locutor.
No quadrinho, Susie utiliza o modalizador de obrigatoriedade para dar uma ordem e,
assim, chantagear Calvin, o que imprime uma leitura de obrigação. Já no caso da receita,
os modalizadores utilizados devem ser lidos a partir das próprias características do gênero,
isto é, sob a perspectiva da instrução.
capítulo 6 • 239
CURIOSIDADE
Em determinados tipos textuais, a presença desses elementos linguístico-discursivos é tão necessária que
se torna difícil a produção do texto sem a sua utilização. É o caso dos chamados textos instrucionais (a
exemplo dos manuais de instruções), em que a presença de modalizadores de obrigatoriedade determina
de que maneira o leitor deve proceder para executar determinada tarefa.
RESUMO
A partir da modalização da linguagem, observa-se como há diferentes formas para se trabalhar os proces-
sos de produção de sentidos nos diversos tipos de textos.
Adquirir a capacidade de ler e produzir enunciados em que esses elementos modalizadores aparecem,
expressando diferentes efeitos de sentido, é uma das habilidades que o aluno precisa adquirir para ser
competente linguisticamente.
Logo, faz-se necessário estudar esses elementos não somente no processo de análise linguística, mas
também no processo de leitura e produção textual.
Por fim, a modalização é indispensável para a construção de sentido em determinados tipos textuais e, em ra-
zão disso, o aluno tem que dar atenção a esse tema para que venha a ler e produzir textos com competência.
240 • capítulo 6
Da complexidade do próprio texto (vocabulário, estruturação sintático-semântica, rela-
A ções lógicas, o tipo de assunto tratado);
EXEMPLO
O texto abaixo refere-se ao livro Capitães de Areia, de Jorge Amado. Por que se pode afirmar que ele
é um resumo?
O livro Capitães de Areia, de Jorge Amado, objeto do resumo em estudo, traz reflexões sobre a
história que é conduzida em função dos destinos individuais de cada integrante do bando. Assim,
Jorge Amado ilustra a marginalização definitiva de uns (por exemplo: Sem-Pernas e Volta Seca)
e a desalienação de outros, como Professor, Pirulito e Pedro Bala.
Este último, tomando consciência das injustiças sociais, ao final do romance, torna-se líder (tal
como o pai), lutando ao lado dos trabalhadores grevistas. Pirulito, devido à vocação, descrita
desde o início do romance, torna-se frade capuchinho, justificando a incansável luta de padre
José Pedro em resgatar aqueles jovens da marginalidade. Padre José Pedro é uma das poucas
personagens adultas, juntamente com a mãe-de-santo Don'Aninha, a se aproximar do grupo
marginalizado.
Fonte: http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/literatura/capitaes-areia-resumo-obra-jor-
ge-amado-03759 .shtml, acessado em 7/10/2014.
capítulo 6 • 241
Técnica do resumo
Ler integralmente o texto a ser resumido, do começo ao fim, tentando responder men-
A talmente à pergunta: do que trata o texto?
Ler uma segunda vez, interrompendo a leitura para compreender o significado de pa-
lavras que desconhece ou captar o sentido das frases mais longas ou complexas que
possuam inversões. Nessa leitura é preciso, ainda, estar atento à relação entre as frases,
B prestando atenção nas locuções adverbiais, como, em primeiro lugar, consequentemen-
te, e nos elementos relacionais, isto é, aqueles que estabelecem as conexões entre as
ideias, como os conectores já que, entretanto, embora, no entanto.
Redigir o resumo com palavras próprias, procurando não só reduzir ao essencial as seg-
D mentações, mas também encadeá-las numa ordem em que as ideias se sucedem e se
relacionem em cada uma das partes e no texto como um todo.
Ao fazer o resumo, é possível eliminar palavras, expressões e até frases inteiras, quando
elas não forem necessárias à compreensão de outras partes do texto. Pode-se também
E substituir palavras e expressões por outras equivalentes ou reduzi-las a um termo que
as inclua.
O resumo tem por objetivo apresentar com fidelidade ideias ou fatos essenciais con-
tidos num texto. Sua elaboração é bastante complexa, já que envolve habilidades como
leitura competente, análise detalhada das ideias do autor, discriminação e hierarquização
dessas ideias e redação clara e objetiva do texto final.
Em contrapartida, dominar a técnica de fazer resumos é de grande utilidade para qual-
quer atividade intelectual que envolva seleção e apresentação de fatos, processos, ideias.
242 • capítulo 6
A resenha, por ser em geral um resumo crítico, exige que o resenhista seja alguém com
conhecimentos na área, uma vez que avalia a obra, julgando-a criticamente.
O objetivo da resenha é divulgar objetos de consumo cultural - livros, filmes peças de
teatro, por isso a resenha é um texto de caráter efêmero, pois "envelhece" rapidamente,
muito mais que outros textos de natureza opinativa.
EXEMPLO
Jorge Amado, escritor consagrado da literatura brasileira, conhecido internacionalmente e famoso, principal-
mente, pelas obras Dona Flor e seus dois maridos e Gabriela, cravo e canela, também escreveu Capitães de
areia, seu sexto romance, livro em que a Baía de Todos os Santos é o cenário de uma realidade social brasileira.
Em seus livros estão representados problemas sociais de períodos de nossa história que, infelizmente,
repetem-se ainda hoje, daí o caráter sempre atual e o sucesso internacional de suas obras.
Em Capitães de Areia o autor trata da problemática do menor abandonado e das consequências deste
abandono, como a violência, a criminalidade e a prostituição.
Escrito em 1937, pouco depois da implantação do Estado Novo por Getúlio Vargas, Capitães da Areia é um
poema em prosa, recheado de poesia e temperado com ação, aventura, comédia e drama.
A obra vem precedida por uma sequência de reportagens, para situar os leitores sobre a forma como, se-
gundo a visão da sociedade, da polícia e da imprensa daquela época, um grupo de menores abandonados
e marginalizados, aterrorizavam, com seus roubos, a cidade de Salvador.
Capitães da Areia é, sem dúvida, um documento valioso para a compreensão de uma época, na Bahia.
Percebe-se que a sua elaboração resultou da observação intensa do autor das ruas, becos e ladeiras da
cidade, presenciando a desigualdade social e a discriminação entre as raças, numa sociedade em que
somente os ricos tinham privilégios.
A triste conclusão que sua leitura nos proporciona é que continuam a fazer parte da história da pátria novos
meninos, tão excluídos e dominados pela marginalidade quanto aqueles, os quais, apesar de frequentarem
cada vez mais espaços públicos, não têm acesso a uma educação de qualidade, à segurança de uma famí-
lia ou a quaisquer encaminhamentos que lhes vislumbrem oportunidades futuras.
É uma leitura recomendável pela atualidade do tema, por tratar-se de um livro que relata uma realidade
histórica que permanece, provocando uma reflexão sobre a atuação de nossos governantes em prol do
futuro destes meninos, ao mesmo tempo em que mexe com nossa consciência social, política e econômica.
Fonte: http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/literatura/capitaes-areia-resumo-obra-jorge-ama-
do-703759.shtml, acessado em 7/10/2014.
Técnica da resenha
capítulo 6 • 243
A estrutura de uma resenha associa informações, argumentos e juízos de valor de modo
A a convencer o leitor de que a opinião do autor sobre a obra avaliada é justa.
Pela mesma razão, as comparações são parte da estratégia argumentativa e uma carac-
terística das resenhas críticas. Elas promovem o confronto entre a obra que está sendo
C avaliada e outras (boas ou ruins), que passam a servir de parâmetro para o juízo que está
sendo formado.
O título representa o primeiro contato do leitor com a obra analisada e deve informá-lo
D do tema da obra. A leitura já pode trazer algum juízo de valor. A identificação do autor da
resenha pode preceder o texto ou aparecer no final.
A resenha crítica não deve ser vista ou elaborada mediante um resumo a que se acres-
centa, ao final, uma avaliação ou crítica. A postura crítica deve estar presente desde a
E primeira linha, resultando em um texto em que o resumo e a voz crítica do resenhista se
interpenetram.
O que se deve observar é que o parágrafo inicial costuma sempre trazer uma contextu-
H alização do tema abordado, para que o leitor possa se “localizar” e recuperar as informa-
ções de que já dispõe sobre o assunto.
244 • capítulo 6
Deve haver neste parágrafo uma expansão do contexto mais geral no qual se insere o
j livro resenhado.
O autor do texto deve informar aos seus leitores outras obras semelhantes, publicadas
no Brasil, por exemplo. Esse tipo de comparação é comum nas resenhas. Pode ser feito
k de duas formas, a saber: confrontando a obra resenhada com outras do mesmo tipo, ou
comparando diferentes obras de um mesmo autor.
A informação sobre outras obras do mesmo tipo é utilizada como base para a explicita-
l ção do juízo de valor.
É importante observar que as comparações feitas ao longo do texto têm valor argu-
o mentativo, porque ajudam o resenhista a validar suas opiniões, fazendo com que não
pareçam juízos de valor, emitidos sem qualquer referência mais concreta.
No último parágrafo, apresenta-se a conclusão que deve ser uma reafirmação da avalia-
q ção feita sobre a obra resenhada.
Resenha é um trabalho científico que objetiva apresentar uma obra, devidamente anali-
sada e criticada. Enquanto a resenha exige capacidade de análise crítica, o resumo, por pos-
suir a finalidade de difundir as principais ideias do autor de um determinado livro, artigo
ou tese, demanda apenas apresentação concisa de seu conteúdo.
RESUMO
No capítulo anterior, abordamos os tipos textuais, como Narração, Descrição, Dissertação Expositiva, Dis-
sertação-Argumentativa, Injunção, dialogando-os com a organização discursiva do texto, dentre outros
estudos linguísticos e textuais enfocados, como conhecimentos gramaticais, apresentando-se criteriosa-
capítulo 6 • 245
mente as características predominantes em cada um deles. Foram abordados textos de tipologia variada,
analisados, mesmo em fragmentos, à procura também da construção do significado e da organização de
uma linha de raciocínio clara, coesa e coerente. Assim como foram descritas estratégias textuais que,
conscientizadas, darão ao aluno oportunidade de progresso na escrita.
Neste capítulos, abordamos o importante papel da leitura para o aprimoramento da escrita. Enfatiza-se que
a leitura consiste em perceber e compreender as relações existentes no mundo e que ler é atribuir sentido
ao texto, e também relacioná-lo com o contexto e com as experiências vivenciadas pelo leitor.
Em relação à modalização da linguagem, estuda-se que os modalizadores atuam nos textos provocando
diferentes efeitos de sentido, tais como: um ponto de vista, um sentimento ou um julgamento do locutor
em relação ao enunciado. Percebe-se também que o locutor se utiliza dessas marcas linguísticas para
direcionar a forma como ele quer que o seu texto seja lido pelo interlocutor.
Verifica-se também que a modalização é indispensável para a construção de sentido em determinados
tipos textuais.
Mostra-se a diferença entre resumo e resenha e aborda-se ainda que a resenha traz uma caracterização
resumida da obra analisada, apresentando, também, uma opinião sustentada por comentários e avaliações
críticas sobre sua qualidade, enquanto que o resumo tem por objetivo apresentar com fidelidade ideias ou
fatos essenciais contidos num texto, reduzindo-o a uma fração da extensão original, mas mantendo sua es-
trutura e seus pontos essenciais, ou seja, mantendo-se a essência do texto e a fidelidade às ideias do autor.
ATIVIDADE
Valsinha
“Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar
E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz.”
246 • capítulo 6
1. (UFF/2009) Identifique o comentário adequado sobre aspectos sintáticos, semânticos e discursivos do
texto “Valsinha”.
a. Dentre as marcas verbais presentes na progressão do texto, há a predominância do pretérito perfeito
para indicar fatos passados habituais, de ação mais curta.
b. A progressão do texto se opera por modelo narrativo, em que o desenvolvimento dos acontecimentos se
dá por meio da repetição do conectivo “e” e das expressões de tempo verbais e adverbiais.
c. A presença frequente da ênclise no desenvolvimento do sentido de um encontro amoroso implica um
registro informal da língua, próprio de uma canção.
d. A gradação dos substantivos – praça, vizinhança, cidade, mundo – constrói um sentido de crítica incom-
patível com as atitudes dos personagens envolvidos na história narrada.
e. As diferentes marcas da relação de causa-consequência (tanto que/e) ocorrem ao longo do texto, para
explicitar a construção linguística do desencontro amoroso.
"Senti tocar-me no ombro; era Lobo Neves. Encaramo-nos alguns instantes, mudos, inconsolá-
veis. Indaguei de Virgília, depois ficamos a conversar uma meia hora. No fim desse tempo, vieram
trazer-lhe uma carta; ele leu-a, empalideceu muito e fechou-a com a mão trêmula." (Machado de
Assis, in. Memórias Póstumas de Brás Cubas)
Dona Julieta chamou os filhos mais novos para uma conversa séria. Era uma manhã de domingo,
o dia estava claro e ensolarado. Pediu a eles que compreendessem a situação do pai, que não
tinha no momento condição de colocá-los em uma escola melhor.
capítulo 6 • 247
4. Produção de Texto
“Na volta do cemitério, vovô subiu uma última vez ao sótão, só o tempo de tirar uma caixa de sa-
patos que, ao descer, entregou a mamãe com algumas palavras de explicação. [...] Dentro havia
fotografias, cartões-postais, cartas, um broche e dois cadernos. A letra do mais estragado deles,
caprichada no começo ia piorando à medida que se viravam as páginas, até ficar no fim qua-
se ilegível, algumas notas arremessadas que se diluíam no branco das últimas folhas virgens”.
(ROUAUD, Jean. Os campos de honra. Rio de Janeiro: Record, 1996.)
O fragmento acima é parte histórica de uma família contada por um narrador que “vasculha” a memória,
buscando encontrar um sentido para a existência e decifrar um enigma cuja chave pode estar guardada
numa caixa escondida no sótão.
Continue a narrativa, elaborando um parágrafo narrativo, seguindo as seguintes instruções:
• Sua história pode ser narrada em primeira ou terceira pessoa.
• O episódio narrado deverá estar centrado em pelo menos um dos objetos guardados na caixa de sapatos
(fotografias, cartões-postais, cartas, broche, dois cadernos).
Leia o texto acima e elabore sua narrativa a partir do seguinte recorte temático:
Instruções:
• Imagine uma personagem jovem que vai estudar em outra cidade e passa a morar com os avós.
• Narre o(s) conflito(s) da personagem, dividida entre os sentimentos em relação aos avós e as dificulda-
des de convívio com essa outra geração.
• Sua história pode ser narrada em primeira ou terceira pessoa.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência como o uso de força física ou po-
der, por ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comuni-
dade, que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento
248 • capítulo 6
prejudicado ou privação. Essa definição agrega a intencionalidade à prática do ato violento pro-
priamente dito, desconsiderando o efeito produzido.
DAHLBERG, L. L.; KRUG, E. G. Violência: um problema global de saúde pública. Disponível em:
<http://www.scielo.br>. Acesso em: 18 jul. 2012 (adaptado).
A partir da definição de violência formulada pela OMS, apresentada acima, redija um texto dissertativo
-argumentativo a respeito da violência na atualidade. Em sua abordagem, deverão ser contemplados os
seguintes aspectos:
• Tecnologia e violência;
• Causas e consequências da violência na escola;
• Proposta de solução para o problema da violência na escola.
GABARITO
1. A
2. E
3. C
4. Espera-se que, o produtor de texto narre um acontecimento com coesão e coerência, centrado em um
dos objetos guardados na caixa de sapatos, e que a memória do objeto escolhido seja entendida como
vínculo e convívio entre diferentes gerações. A narração pode ser feita em primeira ou terceira pessoa.
5. Espera-se que o produtor de texto construa uma narrativa decorrente de uma rotina de convivência
entre a personagem jovem e seus avós, como: adaptação aos horários da nova casa (refeições, hora de
acordar e de dormir, hora de voltar para casa), necessidade de prestar assistência em certas ocasiões, de
lidar com os limites impostos à sua privacidade. O produtor de texto deve mostrar que esse conflito pode
envolver, por exemplo, a alternância entre reações negativas e positivas, atitudes de revolta ou rejeição
seguidas de momentos de alegria e descontração; sentimento de culpa, entremeado de afeto; brigas e
reconciliações nascidas da dificuldade de lidar com outra geração.
Espera-se, finalmente, que, ao narrar tal(is) conflito(s), levem-se em consideração questões para as quais
a coletânea aponta, tais como a descoberta do valor da experiência e da memória como possibilidade de
vínculo e convívio entre diferentes gerações, o conflito gerado pelo despreparo para lidar ou conviver, de
modo mais próximo, com as demandas específicas de uma outra geração.
A narração deve ser feita em terceira pessoa.
capítulo 6 • 249
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