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Português

Instrumental

MARIA TEREZA DE MOURA LEITE


VALQUIRIA DA CUNHA PALADINO
ORGANIZAÇÃO

SOLANGE FERREIRA DE MOURA


1ª edição
SESES
rio de janeiro  2014
Comitê editorial  solange ferreira de moura, camille guimarães e magda ventura

Organizadora do livro  solange ferreira de moura

Autoras dos originais  maria tereza de moura leite e valquiria da cunha paladino

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  rodrigo azevedo de oliveira

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  paulo vitor bastos

Supervisão de revisão  aderbal torres bezerra

Revisão linguística  katia souza

Capa  paulo vitor bastos

Estagiário  ricardo ribeiro

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quais-
quer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou
banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2014.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

L839 Português Instrumental


Solange Ferreira De Moura [organizador].
— Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2014.
256 p

isbn: 978-85-60923-29-8

1. Língua portuguesa. 2. Gramática. 3. Ortografia. I. Título.

cdd 469.5

Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido – Rio de Janeiro – rj – cep 20261-063
Agradecimentos
Aos parceiros “estacianos” da Diretoria do Centro de Ciências Jurídicas Solange Fer-
reira de Moura e Camille Guimarães que, com suas experiências e sugestões, tornaram
o nosso texto mais leve e mais claro, reforçando a certeza de que o resultado de tanto
esforço seria o melhor possível.
Um agradecimento especial à diretora do Centro de Ciências Jurídicas Solange Ferreira
de Moura que nos acompanhou capítulo a capítulo, partilhando generosamente as suas vi-
vências acadêmicas, dando-nos também o suporte emocional necessário para enfrentar os
muitos obstáculos que se apresentaram ao longo do caminho, desde a elaboração do Sumário.
Ao Roberto Paes que aliou seu olhar de especialista ao bom humor e mergulhou na lei-
tura de centenas de quadrinhos e similares para nos ajudar a escolher os melhores.
À Mariza Ferreira Bahia que nos auxiliou na diagramação final para entrega do livro.
De fato, todo trabalho de equipe é uma aprendizagem e, ao final deste livro, podemos
assegurar que uma das lições mais importantes que aprendemos nessa parceria já havia
sido vislumbrada com ‘arte e engenho’ pelo nosso grande Mestre Guimarães Rosa: “O real
não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para gente é no meio da travessia”.

maria tereza de moura leite


valquiria da cunha paladino
Sumário

Agradecimentos 3

Prefácio 7

1. Aspectos da escrita: ortografia, acentuação e pontuação 9

Regras ortográficas básicas 10


Uso do hífen - nomes compostos e prefixos 13
Emprego do porquê 16
Emprego dos pronomes: eu/mim 18
Uso de acentos gráficos na escrita 19
Palavras parônimas e homônimas 22
O fenômeno da crase 24
Emprego de À, À QUE, ÀS QUE 27
Os sinais de pontuação no português (1ª parte) 36
Qualidades da comunicação escrita: clareza, concisão,
adequação vocabular, correção gramatical. 47

2. Sintaxe: articulação dos termos da oração 53

Introdução ao estudo da sintaxe: frase, oração e período 54


Sintaxe de concordância nominal e verbal 58
Concordância do adjetivo com o substantivo: regras básicas 59
Sintaxe de concordância verbal 68
Particularidades da concordância verbal 69
Concordância dos verbos Fazer, Haver, Ser e Dar 78
Sintaxe de colocação pronominal 86

3. Coesão e coerência textuais 97

O que é um texto? 98
Coerência: a construção do sentido 99
Coesão textual: o uso dos conectivos na construção do texto 100
Mecanismos de coesão textual: referencial, sequencial e recorrencial 101
Textualidade e seus fatores de coerência 110
A pontuação como fator de coesão e coerência (2ª parte) 116
Coesão nos pronomes demonstrativos: tempo, espaço, discurso 128
4. Sintaxe de regência verbal e nominal 135

Sintaxe de regência verbal 136


Sintaxe de regência nominal 158

5. Tipologias textuais 167

Características e construção do texto narrativo 168


Características e construção do texto descritivo 186
Características e construção do texto dissertativo: expositivo e argumentativo 191
Texto dissertativo-argumentativo 194
Características e construção do texto injuntivo 198
Texto argumentativo: construção do parágrafo-padrão 200
Tipos de tópicos-frasais 202
Tipos de argumentos 205

6. A leitura do texto e a construção dos sentidos 217

Leitura, compreensão e produção de textos 218


Modalização da linguagem na produção de textos 231
Resumo: definição e usos 240
Resenha: definição e usos 242
Prefácio

“Deve-se escrever da mesma maneira com que as lavadeiras lá de Alagoas fazem em seu ofício.
Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho,
torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma,
duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando água com a mão. Batem
o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do
pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na
corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra
não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.”

RAMOS, Graciliano. Linhas Tortas. São Paulo: Record, 1981.

Caro aluno:

Como professores, conhecemos bem as dificuldades enfrentadas no estudo da Língua


Portuguesa e foi justamente isso que nos animou a aceitar o desafio de escrever um livro em
que o trabalho com a língua e com a gramática deixasse de ser uma apresentação cansativa
de descrições e regras.
O leitor perceberá no decorrer da leitura deste livro como as estruturas gramaticais fun-
cionam no interior dos diversos tipos de textos e, consequentemente, aprenderá a produzir
textos em que se faça um uso consciente dos aspectos estudados.
Desse modo, se desejamos, por exemplo, contar um fato vivido na infância, fazemos
uso de um relato, se queremos contar uma história de ficção, como uma fábula, construí-
mos um texto narrativo; se pretendemos ensinar alguém a fazer um doce de abóbora com
coco, produzimos um texto instrucional ou injuntivo, a receita, indicando os ingredien-
tes e orientando sobre o modo de fazer; se temos em vista transmitir um conhecimento
científico, optamos por um texto expositivo, se queremos expressar nossa opinião sobre
determinado assunto, recorremos a um texto argumentativo, pois a intenção é persuadir
o interlocutor de nossas ideias, se desejamos narrar um fato ou acontecimento, fazemos
uma narrativa e assim por diante.
Sabemos que compreender como se dá a construção do sentido nos textos é o objetivo
maior do estudo da Língua Portuguesa; assim, além de ampliar a competência linguística e
discursiva dos alunos, tornando-os bons leitores e produtores de todos os tipos de textos de
maneira crítica, reflexiva e consciente, este livro contribui também para enriquecer a sua
compreensão não só em razão de um texto lido, mas também da realidade, apontando-lhe
formas concretas de participação social.
Para tanto, oferecemos um grande número de fragmentos de textos (contos, crônicas,
romances), a fim de estimulá-lo também, caro aluno, ao hábito de ler e à prática da inter-
pretação e da produção textual. Aliado às normas gramaticais (sintaxe de regência e de con-
cordância, regras de ortografia e acentuação, emprego de pronomes, pontuação), aspectos
da linguística (coesão, coerência, fatores de textualidade) e à interpretação de imagens e
de textos, este livro oferece ao aluno os recursos necessários para que ele produza textos
adequados aos destinatários e aos objetivos de produção.

7
Esperamos, pois, que este livro Português Instrumental, voltado para a produção e in-
terpretação de textos, contribua não apenas para ampliar sua capacidade de lidar com as
dificuldades e exigências da vida acadêmica, mas também para prepará-lo a enfrentar os
desafios do atual mercado de trabalho.
Finalmente, acreditamos bastante que a utilização deste livro venha a contribuir para
que as aulas de Português sejam momentos muito especiais e de resultados ainda mais
satisfatórios a todos os envolvidos no processo ensino-aprendizado.

maria tereza de moura leite


valquiria da cunha paladino

8
Aspectos da

1 escrita: ortografia,
acentuação e
pontuação
1 Aspectos da escrita: ortografia,
acentuação e pontuação

Chega mais perto e contempla as palavras.


Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Carlos Drummond de Andrade

Neste capítulo, far-se-á uma revisão de alguns aspectos relacionados à ortografia do portu-
guês. Tratar-se-á também das regras que definem como devem ser utilizados os acentos gráfi-
cos e serão discutidos os contextos associados a cada um dos diferentes sinais de pontuação.

Regras ortográficas básicas


Ortografia significa escrita correta; logo, pode ser entendida como o conjunto de regras de
uma língua, estabelecido pela gramática normativa, para a grafia correta das palavras, o
uso correto de acentos, da crase e dos sinais de pontuação.
O alfabeto possui 26 letras para escrever todas as palavras da Língua Portuguesa. Observe.

ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ

As letras k, w e y, são usadas em várias situações, a saber:

Na escrita de símbolos de unidades de medida: km (quilômetro), W (watt);

Na escrita de palavras e nomes estrangeiros (e seus derivados): show, playboy, playground, windsurf,
kung fu, yin, yang, William, kaiser, Kafka, kafkiano.

A grafia de certos fonemas provoca uma série de dificuldades no ato da escrita, como no
caso dos fonemas /s/, /z/. Descrevem-se a seguir algumas regras ortográficas com a finalidade
de esclarecer essas dificuldades.

10 • capítulo 1
Regras para o uso de S, SS, Ç, SC, SÇ CONCEITO
Dígrafo
Em substantivos derivados de verbos terminados em –nder, a sequ-
Dígrafo é o grupo de duas letras usa-
1 ência nd + vogal temática + r é substituída pela sequência –NSÃO.
do para representar um único fonema.
Exemplos: Estender- estensão; Ascender – ascensão
Em Português há os seguintes dígrafos:
RR, SS, NH, LH, CH, SC, SÇ, XC, GU, QU.
Em substantivos derivados do verbo ceder e seus compostos, a
2 sequência ced + e + r é substituída pela sequência –CESS.
Exemplos: Conceder - concessão; Exceder - Excesso, excessivo

Em substantivos formados a partir dos compostos do verbo ter,


3 usa-se o ç.
Exemplos: Conter- contenção; Deter- detenção

Em algumas palavras de origem erudita, usam-se os dígrafos SC ou SÇ.


4 Exemplos: fascinante, descer, desço, adolescência, consciência,
nascer, nasço.

ATENÇÃO
Atenção à grafia das palavras obsessão e obcecado.

Escreve-se com XC
Em algumas palavras de origem erudita, usa-se o dígrafo XC: excitar, excep-
cional, excesso, exceder, excêntrico, exceção, excelente.

Escreve-se com S

Verbos terminados em –ISAR, derivados de palavras que já têm a


1 letra S em seu radical:
Exemplos: análise - analisar; paralisia – paralisar.

Palavras que indicam nacionalidade, origem, profissão e título de


nobreza, por meio das terminações –ês, –esa, –isa.
2 Exemplos: marquês, marquesa, princesa, duquesa, polonesa, sa-
cerdotisa, poetisa.

Adjetivos terminados em –oso, –osa:


3 Exemplos: gostoso, saboroso, luminoso, estudiosa.

capítulo 1 • 11
Escreve-se com Z

Substantivos abstratos derivados de adjetivos.


1 Exemplos: aridez, tristeza, palidez, sensatez, insensatez.

Verbos formados a partir do acréscimo da terminação –izar, quando derivados de pala-


2 vras que não possuam o z.
Exemplos: disponibilidade- disponibilizar; humano – humanizar.

Escreve-se com X

1 Depois de ditongos: peixe, caixa.

2 Depois da sílaba inicial me: mexer, mexicano, mexerica (exceção: mecha).

3 Depois da sílaba inicial en: enxada, enxofre, enxame, enxadrista.

4 Nas palavras de origem inglesa: xampu, xerife.

5 Nas palavras de origem indígena e africana: xavante, capixaba, xique-xique, xará, xingar.

Em algumas palavras, o fonema /z/ é representado pela letra x: exagero, exame, exausto,
6 executar, exemplo, êxito, exonerar, existir, exequível, exemplo, exílio.

Em algumas palavras, o fonema /s/ é representado pela letra x: exploração, sintaxe,


7 experiência, auxílio, extrovertido, exposição.

Escreve-se com G

Palavras terminadas em –ágio, –égio, –ígio, –ógio, –úgio: pedágio, colégio, prestígio,
1 relógio, refúgio.

2 Substantivos terminados em –gem: garagem, viagem, fuligem, vagem.

Escreve-se com J

1 Palavras derivadas de outras terminadas em –ja: gorja, gorjeta; gorjear, gorjeio.

12 • capítulo 1
Palavras de origem tupi, africana, árabe: jiboia, jirau, jiló, canjica, manjericão, jerimum,
2 pajé, canjica.

As formas derivadas dos verbos terminados em –jar no infinitivo: despejar – despejo,


3 despeje, despejem; enferrujar – enferruje, enferrujem; viajar- viajo, viaje, viajem; mane-
jar - manejo, manejemos.

Uso do hífen - nomes compostos e prefixos

O hífen, também chamado traço-de-união, é um sinal em forma de pequeno traço hori-


zontal (-), usado para unir os elementos de palavras compostas (pronto-socorro, terça-fei-
ra), separar sílabas no final de linha (certa-/mente) e marcar ligações enclíticas (dize-me)
1 e mesoclíticas (dir-te-ei).
Não confundir com o travessão (—), usado: a) para abrir diálogos (Ela pediu: “— Por favor,
ajude-me.”); b) para separar ou destacar frases (O governo — disse o ministro da Educa-
ção — vai promover a reforma ortográfica).

As palavras compostas (que formam um conjunto semântico) em geral são ligadas por hífen.
2 Exemplos: boa-fé, má-fé, decreto-lei, porta-retrato, primeiro-ministro, mesa-redonda.
Outras, consagradas pelo uso, NÃO levam hífen: girassol, pontapé, paraquedas, mandachuva.

Os elementos repetidos ou quase iguais, em geral, sem elementos de ligação, têm


hífen, como pingue-pongue, tico-tico, blá-blá-blá, lenga-lenga, zigue-zague, esconde-es-
conde, pega-pega, corre-corre. Assim também grafam-se com hífen os vocábulos cujo
3 1º elemento são as formas além, aquém, recém, bem, mal e sem: além-mar, aquém-
montanha, recém-casado, bem-estar, mal-estar, bem-aventurado, sem-vergonha. Mas
SEM hífen: benfazejo, benfeito, benfeitor, benfeitoria, benquerença.

NÃO se usa o hífen em compostos que apresentam elementos de ligação, como pé de


moleque, pé de vento, pai de todos, dia a dia, fim de semana, cor de vinho, camisa de
força, cara de pau, olho de sogra.
Incluem-se nesse caso os compostos de base oracional, como maria vai com as outras,
4 leva e traz, diz que diz, deus me livre, deus nos acuda, cor de burro quando foge, bicho de
sete cabeças, faz de conta.
Mas, há EXCEÇÕES, nestes casos: água-de-colônia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que
-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa.

capítulo 1 • 13
Usa-se o hífen nos compostos que designam espécies animais e botânicas (nomes
de plantas, flores, frutos, raízes, sementes), tendo ou não elementos de ligação, como
5 bem-te-vi, peixe-espada, peixe-do-paraíso, mico-leão-dourado, andorinha-da-serra,
lebre-da-patagônia, copos-de-leite, erva-doce, ervilha-de-cheiro, pimenta-do-reino,
peroba-do-campo, cravo-da-índia.

ATENÇÃO
NÃO se usa o hífen quando os compostos que designam espécies botânicas e zoológicas são empregados
fora de seu sentido original (sentido figurado). Observe a diferença de sentido entre os pares:
a)  bico-de-papagaio (espécie de planta ornamental) – bico de papagaio (deformação nas vértebras).
b)  olho-de-boi (espécie de peixe) – olho de boi (espécie de selo postal).

Expressões latinas, SEM hífen: advogado ad hoc, verbi gratia. As exceções consagra-
6 das pelo uso são habeas-corpus e habeas-data, com hífen, mas sem acento.

Usa-se o hífen nos compostos entre cujos elementos há o emprego do apóstrofo.


7 Exemplos: gota-d'água, pé-d'água.

Usa-se o hífen nas palavras compostas derivadas de topônimos (nomes próprios de


lugares), com ou sem elementos de ligação. Observe:
•  Belo Horizonte – belo-horizontino
8 •  Porto Alegre – porto-alegrense
•  Mato Grosso do Sul – mato-grossense-do-sul
•  Rio Grande do Norte – rio-grandense-do-norte
•  África do Sul – sul-africano

Nas formações com prefixo, usa-se o hífen quando o 1º elemento termina por vogal
9 igual à que inicia o 2º elemento: anti-ibérico, arqui-inimigo, auto-ônibus, sobre-estimar,
micro-ônibus, micro-ondas.

Mas se o 1º elemento termina por vogal diferente da que inicia o 2º elemento, NÃO se
usa hífen: aeroespacial, agroindustrial, antiácido, euroasiático, antiaéreo, autoescola. Se
10 o 2º elemento começa por r ou s, essas consoantes devem ser dobradas: antessala,
antirreligioso, contrarregra, contrassenso, corréu, corréus, contrarrazões, contrarrevolu-
ção, minissaia, antirracismo, ultrassom, semirreta.

14 • capítulo 1
Os prefixos co, pro, pre e re (todos sem acento) em geral se aglutinam com o 2º ele-
mento, mesmo quando iniciado por e ou o: coedição, coautor, coautoria, preeleito, reeleito,
11 reeleição, coabitar, coerdeiro, coerdar, preexistir, preencher, prejulgar, preordenar.
Mas usa-se hífen se o 1º elemento tiver acento gráfico: pós-graduação, pré-escolar,
pré-histórico, pré-molar, pré-cozido.

Usa-se hífen quando o 1º elemento termina por m ou n e o 2º elemento começa por


12 vogal, h, m e n: circum-escolar, pan-americano, pan-africano, pan-negritude, pan-histórico.

Usa-se hífen quando o 1º elemento é ex, vice, sota, soto: ex-presidente, vice-presidente,
13 ex-ministro, sota-almirante, soto-capitão.

Usa-se hífen quando o 1º elemento termina por vogal, sob, sub e prefixos terminados
em r (hiper, super e inter) e o segundo elemento começa por h: bio-histórico, poli-hidrite,
14 sub-hepático, sub-humano, super-homem.
Mas palavras de uso consagrado não mudam, como reidratar, reabilitar, reabituar, reabitar,
reumanizar, reaver. São aceitas as formas carboidrato e carbo-hidrato.

Usa-se hífen quando o 1º elemento termina por b (ab, ob, sob, sub) ou d (ad) e o 2º
elemento começa por b ou r: sub-bélico, sub-rogar, ad-referendum, sub-reitor, sub-reptil,
sub-reptício, ab-rogar, ab-rupto (ou abrupto).
15 Mas sem hífen nos demais casos, como subalimentar, subestimar, subchefe, subdiretor,
subfaturar, subgrupo, subemprego, subdividir, submundo, suburbano, subprocurador,
subliminar.

NÃO se usa hífen com os prefixos des e in quando o 2º elemento perde o h inicial:
16 desumano, inábil, inumano.

NÃO se usa hífen com a palavra não com função prefixal: não violência, não agressão,
17 não comparecimento.

Nas formações com sufixos de origem tupi-guarani, que representam formas adjetivas,
emprega-se o hífen quando o 1º elemento termina por vogal acentuada graficamente ou
18 quando a pronúncia exige a distinção gráfica dos dois elementos: amoré-guaçu, anafá-
mirim, capim-açu, Ceará-Mirim.
Mas, escreve-se sem o hífen em Mogi Guaçu, Mogi Mirim, Mogi das Cruzes.

capítulo 1 • 15
ATENÇÃO
Com mal, usa-se o hífen quando a palavra seguinte começar por vogal, h ou l, como em mal-entendido,
mal-estar, mal-humorado, mal-educado, mal-limpo.
Quando mal significa doença, usa-se o hífen, se não houver elemento de ligação, como em mal-francês.
Se houver elemento de ligação, escreve-se sem o hífen. Observe: mal de lázaro (lepra), mal de sete dias
(tétano umbilical ou tétano neonatal).

Emprego do porquê
Há quatro formas para o emprego do porquê, cada qual com um uso específico. O mais im-
portante é não se deixar enganar pela solução tradicional e superficial de saber “qual é o da
pergunta e qual é o da resposta”.
Com as explicações abaixo, não há mais como ter dúvidas. Basta utilizá-las como refe-
rência de pesquisa sempre que empregar os porquês, para saber exatamente a distinção
entre cada um deles.

POR QUE (= por qual motivo)

A forma POR QUE pode ser identificada ao se substituir por “por qual motivo, por qual ra-
zão”. Observe os exemplos abaixo:

EXEMPLO
Por que ainda temos tantas dúvidas?
Em breve entenderemos por que tínhamos tantas dúvidas.
Eles não disseram por que, depois de tanto tempo de estudo, ainda permaneciam as dúvidas.

ATENÇÃO
A forma POR QUE também pode ser simplesmente a preposição POR ao lado do pronome relativo QUE, e,
nesse caso, pode ser substituída, para efeito de confirmação, por “pelo qual” e flexões.
Exemplo: A transportadora por que os livros serão enviados definiu sua rota de entrega. (= pela qual)

POR QUÊ (= por qual motivo)

A forma POR QUÊ também significa “por qual motivo, por qual razão”. A diferença de
uso entre essa forma e POR QUE se dá pela observação da conclusão ou não da ideia
contida em POR QUE. Repare o exemplo:

Em breve entenderemos por que tínhamos tantas dúvidas.

16 • capítulo 1
Se tirarmos da frase a “continuação” do POR QUE, ele ganhará um acento. Normalmen-
te se diz que o acento aparece no fim da frase. Isso faz sentido, pois, se a frase termina, é
óbvio que a ideia não continua.
Ou, então:

Antes, tínhamos tantas dúvidas; em breve, entenderemos por quê.

Ele tem dúvidas. Por quê?

Embora tenhamos entendido por quê, ainda não estávamos satisfeitos.

PORQUE (= pois, uma vez que, já que)

A forma PORQUE pode ser substituída por algum termo que denote causa ou explicação,
como “pois, uma vez que, já que”. Independe se aparecer em uma pergunta ou resposta.
Antes de empregá-lo, confira se o sentido não é o de “por qual motivo”, o que indicaria que
a forma correta seria POR QUE.

EXEMPLO
Ainda temos muitas dúvidas porque faltou aprendizado em uma fase mais madura da vida.
Porque ele não tem dúvidas, todos não devem ter?

ATENÇÃO
Observe as duas frases abaixo:

Sabemos porque fomos informados.

Sabemos por que fomos informados.

No primeiro caso, o sentido é: “Sabemos, pois alguém nos informou.” Estamos apresentando a causa
de sabermos.
No segundo caso, o sentido é: “Sabemos por qual razão nos escolheram para receber a informação.” Esta-
mos dizendo o que sabemos, o complemento do verbo saber.

PORQUÊ (= substantivo, significa o motivo, a razão)

A forma PORQUÊ é um substantivo, e a maneira de saber isso é sempre buscar o determinan-


te que o acompanha. Se não houver um determinante, não será um substantivo. Observe:

capítulo 1 • 17
Esse porquê satisfez a todos.

Vá pensando em um porquê para a sua falta.

Ele sempre tem muitos porquês.

Em breve entenderemos o porquê de termos tantas dúvidas.

ATENÇÃO
Caso surja no final de uma frase, imediatamente antes de um ponto (final, de interrogação, de exclamação)
ou de reticências, a sequência deve ser grafada por quê, pois, devido à posição na frase, a palavra "que"
passa a ser tônica.
A forma porquê representa um substantivo, significando "causa", "razão", "motivo" e normalmente surge
acompanhada de palavra determinante (artigo, por exemplo).
A forma porque é uma conjunção, equivalendo a pois, já que, uma vez que, como, sendo geralmente utili-
zada em respostas, para explicação ou causa.

Emprego dos pronomes: eu/mim

EU Pronome pessoal reto. Sempre exerce a função de sujeito.

Pronome pessoal oblíquo tônico. Nunca exerce a função de sujeito e obrigatoriamen-


mim te deve ser usado com preposição: a mim, de mim, entre mim, para mim, por mim

EXEMPLO
EU li o jornal “O Globo” hoje. (sujeito)
Ela trouxe o jornal “O Globo” para MIM. (não é sujeito)
Entretanto, observe:
Ela trouxe o jornal “O Globo” para EU ler.

Nesse último caso são duas orações. “Ela trouxe o jornal “O Globo” é a oração principal e “para EU ler” é
oração reduzida de infinitivo (para que eu lesse).
Deve-se usar o pronome pessoal reto (EU), porque exerce a função de sujeito do verbo no infinitivo
(LER). Essa função só pode ser exercida pelos pronomes pessoais retos, nunca por pronomes pessoais
oblíquos, como é o caso do pronome MIM.

18 • capítulo 1
RESUMO
A diferença entre PARA MIM e PARA EU está na presença ou não de um verbo sempre no infinitivo
após o pronome.

A regra é clara: PARA + EU + INFINITIVO.

Este documento é PARA MIM.


Este documento é PARA EU escrever.
O suco é PARA MIM.
O suco é PARA EU beber agora.
Entregou a carta PARA MIM.
Entregou a carta PARA EU ler depois.

Portanto, sempre que houver um verbo no infinitivo, devem-se usar os pronomes pessoais retos, qualquer
que seja a preposição.

Paulo fez isso por EU estar muito cansada.


Lívia chegou antes de EU sair.

ATENÇÃO
No caso da expressão “entre MIM e você”, tem-se a preposição ENTRE antes e não há verbo após o
pronome. Isso significa que se deve usar sempre o pronome pessoal oblíquo “MIM” em vez do pronome
pessoal reto “EU”. Observe.

Nada há entre MIM e você.


Nada há entre MIM e ti.
Nada há entre MIM e João.

Uso de acentos gráficos na escrita


Na Língua portuguesa, todas as palavras de mais de uma sílaba têm sílabas pronunciadas
de forma mais acentuada – ou mais forte – do que as demais. A gramática classifica as pala-
vras de acordo com a sua tonicidade em oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas. Os monos-
sílabos podem ser classificados em tônicos e átonos.

Palavras oxítonas
Acentuam-se as palavras oxítonas terminadas nas vogais –a, –e, –o (seguidas ou não de –s):
sofá, bebês, pajé, cipó.

capítulo 1 • 19
Acentuam-se as palavras oxítonas terminadas em –em, –ens: alguém, parabéns, amém.

Acentuam-se os ditongos abertos e tônicos –éi, –éu, –ói (seguidos ou não de –s) apenas nas
palavras oxítonas e nos monossílabos tônicos: anéis, chapéus, herói, caubóis; véu, véus, céu, dói.

Os monossílabos tônicos seguem as regras das oxítonas terminadas nas vogais –a, –e, –o
(seguidas ou não de –s): pá, pés, pó, fé.

ATENÇÃO
As palavras oxítonas são aquelas em que a tonicidade está na última sílaba. As paroxítonas são aquelas em
que a tonicidade está na penúltima sílaba. Já as proparoxítonas são aquelas em que a tonicidade está na
antepenúltima sílaba. Monossílabos são palavras de uma só sílaba.

Palavras oxítonas
Recebem acento gráfico as palavras paroxítonas terminadas em:

•  –i, –is, –us: júri, táxi, biquíni, grátis, bônus, Vênus


•  –l, –n, –r, –x, –ps: hábil, fóssil, abdômen, âmbar, córtex, bíceps, fórceps
•  –ã, –ãs, –ão,–ãos: ímã, ímãs, órfão, órfãos
•  –on, ons: íon, elétron, elétrons
•  –um, –uns: álbum, álbuns, quórum
•  –ei, –eis: vôlei, pôneis, venderíeis, cantaríeis

Palavras proparoxítonas
Acentuam-se todas as palavras proparoxítonas.
Exemplos: cômoda, véspera, lívida, álibi, lâmpada, paralelepípedo.

Acentuam-se ainda as palavras terminadas em ditongo oral crescente, seguidas ou não de –s,
que admitem uma pronúncia com hiato final, como: náusea, história, glória, secretária, rosário,
espécies, vácuo, argênteo, amêndoa.

Casos especiais
Nas palavras oxítonas e paroxítonas, acentuam-se o –i e o –u tônicos dos hiatos quando ocor-
rem sozinhos na sílaba ou seguidos de –s, como Piauí ( Pi-au-í), baús (ba-ús), aí (a-í), juízes
(ju-í-zes), saúde (sa-ú-de), balaústre (ba-la-ús-tre).

Porém, não se acentuam o –i e o –u tônicos dos hiatos quando seguidos de nh na sílaba


seguinte: rainha (ra-i-nha), tainha (ta-i-nha).

20 • capítulo 1
Também não se acentuam o –i e o –u tônicos dos hiatos quando precedidos de ditongo decres-
cente: feiura (fei-u-ra), bocaiuva (bo-cai-u-va), piauiense (pi-au-i-en-se). Exceção: quando o hiato
vier no final da palavra: tuiuiús (tui-ui-ús), Piauí (Pi-au-í).

ATENÇÃO
Embora não esteja expresso no Acordo Ortográfico, o VOLP considera para essa regra apenas os ditongos
decrescentes. Em palavras com ditongo crescente, a regra não vale: ex.: guaíra, guaíba, suaíli.
Fonte: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=11930&sid=785

Acentos Diferenciais

Acentuam-se as formas verbais indicativas de terceira pessoa do plural dos verbos ter e vir (e
seus derivados), para distingui-las da forma da terceira pessoa do singular: ele tem – eles têm;
ele vem – eles vêm.

Pôr (infinitivo verbal, encontrado também no substantivo composto pôr-do-sol) e por (preposição).

Pôde (forma verbal de 3ª pessoa do singular, passado) e pode (forma verbal de terceira pes-
soa do singular, presente).

Em fôrma/forma, o acento circunflexo diferencial é facultativo.

Porquê (substantivo) e porque (conjunção).

Quê (substantivo, interjeição, pronome, quando ocorre no final do enunciado) e que (nas de-
mais funções e ocorrências).

ATENÇÃO
1.  Não se usam mais os acentos gráficos nos ditongos abertos “ei” e “oi” das palavras paroxítonas: ideia,
joia, boia (substantivo), boia (forma verbal), assembleia, apoia (forma verbal), apoio (forma verbal).

2.  O trema foi eliminado – aguentar, sequestro, bilíngue, tranquilo, cinquenta – e só será usado nas pala-
vras estrangeiras e em suas derivadas, como Müller, mülleriano; Bündchen.

3.  Não são assinaladas com acento gráfico as palavras com os hiatos –oo e –ee: formas verbais
creem, deem, leem, veem e seus derivados: descreem, desdeem, releem, reveem; voo, enjoo, entoo,
perdoo, povoo, zoo.

capítulo 1 • 21
4.  São assinaladas com acento gráfico os homógrafos: pôde (pretérito perfeito) e pode (presente), pôr
(verbo) e por (preposição).

5.  Não se assinala com acento gráfico o u tônico da forma rizotônica de arguir e redarguir: arguo,
arguis, argui.

6.  Verbos como aguar, apaziguar, averiguar, desaguar, enxaguar, obliquar, delinquir e afins possuem dois
paradigmas, a saber: com o u tônico em formas rizotônicas sem acento gráfico, como averiguo, averigue;
com o a ou o i dos radicais tônicos acentuados graficamente, como averíguo, enxáguo.

Palavras parônimas e homônimas


Palavras parônimas

A língua portuguesa apresenta palavras que são parecidas na grafia e/ou na pronúncia, mas
possuem significados diferentes. Essas palavras são chamadas de parônimas.

EXEMPLO
ABSORVER – fazer desaparecer um líquido CONCERTO – audição de música clássica, acordo
ABSOLVER –julgar inocente CONSERTO – reparo
AMORAL – ausência de moral CALDA – parte líquida de um doce
IMORAL – contrário à moral CAUDA – rabo de animais
ACENDER – iluminar CERRAR – fechar
ASCENDER – elevar SERRAR – cortar
ACENTO – símbolo gráfico CENSO – recenseamento
ASSENTO – lugar de sentar SENSO – juízo
ACIDENTE – acontecimento casual grave DEFERIR – conceder
INCIDENTE – acontecimento casual sem gravidade DIFERIR – adiar, divergir, distinguir-se
APRESSAR – acelerar DESCRIÇÃO – ato de descrever
APREÇAR – atribuir preço, perguntar preço DISCRIÇÃO – reserva em atos e atitudes
ANTI – ação contrária (prefixo) DESPERCEBIDO – desatento
ANTE – em frente (preposição) DESAPERCEBIDO – despreparado, desprevenido
ÁREA – espaço DESCRIMINAR – absolver, inocentar
ÁRIA – qualquer peça musical DISCRIMINAR – estabelecer diferença, segregar
COMPRIMENTO – extensão, medida, tamanho DISPENSA – isenção
CUMPRIMENTO – saudação DESPENSA – cômodo ou lugar para guardar objetos
CAVALHEIRO – homem de boas maneiras DELATAR – denunciar
CAVALEIRO – homem que monta a cavalo DILATAR – aumentar as dimensões
CASSAR – anular o mandato político EMERGIR – vir à tona, despontar
CAÇAR – capturar IMERGIR – mergulhar
COSER – costurar ESTÁTICO – parado
COZER – cozinhar EXTÁTICO – em estado de êxtase

22 • capítulo 1
EMIGRANTE – quem sai voluntaria- INSERTO – inserido CONCEITO
mente de seu próprio país para se esta- LAÇO – nó que se desata sem esforço
belecer em outro LASSO – frouxo Homônimas homógrafas
IMIGRANTE – quem entra em outro MANDATO – período de ação política Palavras de mesma grafia e diferente
país a fim de se estabelecer MANDADO – ordem pronúncia.
EMINENTE – destacado, elevado PLEITO – disputa Exemplos: jogo (substantivo) e jogo
IMINENTE – prestes a acontecer PREITO – homenagem (verbo).
ESPERTO – vivo, sagaz RATIFICAR – confirmar
EXPERTO – experiente, perito RETIFICAR – corrigir, alterar, modificar Homônimas homófonas
ESTADA – permanência de pessoas RECREAR – divertir Palavras com mesmo som e grafia di-
ESTADIA – permanência de veículos RECRIAR – criar novamente ferente.
ESPIAR – observar secretamente RUÇO – difícil, grisalho, descolorido Exemplos: cessão (ato de ceder), sessão
EXPIAR – pagar, redimir RUSSO – originário da Rússia (atividade), seção (setor).
ESPIRAR – respirar SOAR – emitir som
EXPIRAR – exalar o ar; morrer SUAR – transpirar Homônimas perfeitas
EMIGRAR – sair de determinado lugar SEXTA – numeral Palavras com mesma grafia e mesmo som.
IMIGRAR – entrar em determinado lugar CESTA – recipiente Exemplos: planta (substantivo) e planta
FLAGRANTE- evidente SESTA – descanso após o almoço (verbo); morro (substantivo) e morro
FRAGRANTE – perfumado, aromático SORTIDO – abastecido (verbo).
FLUIR – correr com abundância SURTIDO – provocado
FRUIR – desfrutar, aproveitar TRÁFEGO – trânsito de veículos em
FUZIL – arma de fogo vias públicas MULTIMÍDIA
FUSÍVEL – capacidade de se fundir TRÁFICO – comércio desonesto ou ilí-
INCIPIENTE – inexperiente cito Para assistir
INSIPIENTE – ignorante TERRAPLANAGEM – encher de terra O filme “Caramuru A Invenção do Bra-
INFLAÇÃO – desvalorização da moeda até tornar plano sil”, dirigido por Guel Arraes, trabalha as
INFRAÇÃO – violação da lei – desres- TERRAPLENAGEM – encher de terra relações semânticas na sociedade, por
peito até tornar pleno, cheio meio de recursos audiovisuais. O filme
INTEMERATO – puro, íntegro VIAJEM – flexão do verbo viajar traz trechos que explicitam essa relação
INTIMORATO – valente VIAGEM – substantivo do significado das palavras, suas defini-
INCERTO – que não é certo ções e propriedades semânticas.

Palavras homônimas

A palavra manga pode ser usada para definir o fruto tropical, próprio do
Brasil, a parte da camisa que cobre os braços e, no sentido de palavra
originária do verbete mangar, que significa zombaria, curtição, como se
o macaco estivesse mangando de alguém.
As palavras homônimas podem ser idênticas na pronúncia, mas di-
ferentes na escrita (homônimas homófonas); idênticas na escrita, mas
diferentes na pronúncia (homônimas homógrafas) ou idênticas na pro-
núncia e na escrita (homônimas homófonas homógrafas ou homônimas
perfeitas). Mas, em todos esses casos, os significados entre os pares de
palavras são sempre diferentes.

capítulo 1 • 23
A palavra manga pode ser classificada como homônima homófona homógrafa ou
homônima perfeita.

O fenômeno da crase
A palavra crase designa, em gramática normativa, a contração da preposição a com o artigo
feminino a. Graficamente, é o acento grave (`) o sinal que indica a presença da crase (a + a = à).

Como usar?

O emprego adequado do acento grave, indicativo da presença do fenômeno da crase, e as


regras de regência nominal e regência verbal são imprescindíveis para que se possa apre-
sentar um bom desempenho redacional. Leia o diálogo a seguir.

— Toma! E vê se aprende logo   escrever!


— Obrigada, Filipe.
— O que o Filipe escreveu nesse papelzinho?
— Uma das coisas que eu tenho que fazer na vida.
— Como não quero esquecer todas   coisas que tenho que fazer na vida,   medida que vou
me lembrando peço para o Filipe anotar.
— Ele acha ruim?
— Acha.

As palavras que completam adequadamente as lacunas, de acordo com a norma pa-


drão, são respectivamente: a, as, à.
Na primeira lacuna, não há crase porque antes de verbos jamais haverá artigo, apenas a
preposição “a”. Observe melhor:

EXEMPLO
• A perder de vista.
• A partir das 10h.
•  Começou a chorar.
•  Prefere sair a ficar em casa.

— Diga uma coisa, Manolito. Você nunca ficou de castigo um dia inteiro por causa de alguma
travessura?
— Nunca!
— Meu pai diz que esse negócio de castigo é como um cheque a prazo...
— ... e ele prefere dar umas bofetadas à vista

Se a compra é “a prazo”, deveria ser “a vista” sem o acento da crase, pois não haveria o ar-
tigo feminino. Há autores, contudo, que defendem a crase para todas as locuções adverbiais

24 • capítulo 1
femininas, incluindo aí o “à vista” e o “à venda”. Por uma questão até de clareza: “Vender
a vista” sem o acento da crase pode parecer que se está vendendo o órgão da visão: o olho.
Por essa razão, opta-se pelo uso do acento da crase para desfazer a ambiguidade. Sendo
assim, muitos estudiosos defendem o uso do acento da crase para todas as locuções adver-
biais femininas, como:

a à vista, à toa, às claras (de modo);

b à noite, às vezes, às 14h (de tempo);

c à porta, à mesa, à direita (de lugar).

Leia o diálogo a seguir:

— Eu estava contando à minha mãe o quanto somos diferentes.


— Mas eu disse à mamãe que não havia problema...
— Tão logo nos casássemos eu moldaria você ao meu jeito!
— Foi quando ela começou a rir sem parar!

Na primeira frase, em relação “à minha mãe”, o uso do acento da crase é facultativo, em


razão do pronome possessivo “minha”.
Na segunda frase, “à mamãe” ocorre o fenômeno da crase porque o verbo “dizer” exige
a preposição “a” e o substantivo “mamãe” admite o artigo definido “a”.
Na quarta frase “a rir” não se usa o acento da crase, porque antes de verbo não há artigo.
Observe, agora, o seguinte anúncio publicitário:

O DINHEIRO NÃO USADO PARA PINTURA DESTE MURO


SERÁ REVERTIDO À ENTIDADES ASSISTENCIAIS
O acento grave indicador de crase está incorreto, porque não existe crase, apenas o uso
da preposição “a” antes de uma palavra feminina no plural. Só haveria o acento da crase se
houvesse o artigo definido as: “... às entidades...”. Logo, não ocorre o fenômeno da crase
quando o a estiver no singular, seguido de palavra no plural.
Analiseo diálogo abaixo:

— Não volte tarde! Fique longe da taverna! Não se suje!


— A helga parece a minha mãe.
— Mas tudo bem, eu também não obedecia à minha mãe.

O acento grave indicador da crase está correto em “[...] não obedecia à minha mãe”,
porque é facultativo antes de pronome possessivo feminino.

capítulo 1 • 25
CONCEITO
A crase não é um acento, é a contração de 'a' mais 'a'. Para haver crase, é necessário que existam dois 'aa'.
O primeiro 'a' é a preposição, e o segundo 'a' pode aparecer em três casos diferentes, a saber:

a) Artigo definido:
“Ele se referiu a (preposição) + a (artigo) carta.” = “Ele se referiu à carta”.
“Ele entregou o documento a (preposição) + as (artigo) professoras” = “Ele entregou o documento às
professoras.”

b) Pronome demonstrativo:
“Sua camisa é igual a (preposição) + a (pronome = a camisa) do meu pai” = “Sua camisa é igual à do meu pai”.
“Ele fez referência a (preposição) + as (pronome = aquelas) que saíram” = “Ele fez referência às que saíram”.

c) Vogal 'a' inicial dos pronomes 'aquele', 'aqueles', 'aquela', 'aquelas' e 'aquilo':
“Ele se referiu a (preposição) + aquele livro” = “Ele se referiu àquele livro”
“Ele fez alusão a (preposição) + aquelas obras” = “Ele fez alusão àquelas obras”
“Prefiro isso a (preposição) + aquilo” = “Prefiro isso àquilo”.

O acento grave, indicador de crase, é obrigatório diante de palavras femininas determina-


das pelos artigos definidos a ou as quando subordinadas a termos que exigem a preposição a.

As crianças voltaram à piscina.

Ninguém é insensível à dor.

Fez uma excursão à cidade de Florianópolis.

Crase, portanto, não é acento, mas sim a fusão de duas vogais iguais.

Regras: uso do acento grave, indicador da crase

Existe crase quando acontece a contração da preposição a com:

O artigo definido a(s):


1 Fomos à cidade e assistimos às festas.

O pronome demonstrativo a(s), aquele(s), aquela(s):


2 •  Refiro-me à que foi transferida.
•  Comprei uma capa igual àquela que rasgou.

26 • capítulo 1
Emprego de À, À QUE, ÀS QUE
Quando o a das expressões a que, as que for pronome demonstrativo, elas podem vir regidas
da preposição a, caso em que se usam as formas acentuadas à que, às que. Se o a antes de
que for apenas preposição, não levará o acento grave indicativo da crase.

Não se referiu à que estava ao nosso lado. (à que = àquela que)


Os prêmios foram entregues às que discursavam. (às que = àquelas que)
A pessoa a que te referes não veio hoje. (a = preposição)

O a inicial dos pronomes demonstrativos aquele(s), aquela(s), aquilo.

Refiro-me àquele fato.


Vou àquele cinema.
Não irás àquela festa.
Não dei importância àquilo.

Para haver crase é necessário, pois, que existam dois aa. O primeiro a é preposição, o
segundo, como visto, pode ser: artigo definido (a/as), pronome demonstrativo (a/as), ou a
vogal a inicial dos pronomes demonstrativos aquele, aqueles, aquela, aquelas e aquilo.

1. Embora os pronomes demonstrativos femininos a, as tenham a mesma forma dos


artigos definidos, não há que confundi-los, pois quando forem pronomes demonstrativos,
virão acompanhados de preposição, geralmente, de ou do e do pronome relativo que
(oração subordinada adjetiva).
1
A capitania de Minas Gerais estava unida à de São Paulo.
Refiro-me à que você namora.
Falarei às que quiserem me ouvir.

2. Tem o acento indicativo da crase o pronome indefinido outra(s), quando estiver


empregado de modo determinado, referindo-se à restante de duas coisas, pessoas ou
animais, precedido do artigo definido a:
2
“Paz e guerra, senhores, são duas ideias que se contrapõem naturalmente em nosso
espírito, como as expressões antagônicas uma à outra do bem e do mal”. (Rui Barbosa,
Antologia, 1955, 106.)

3. Pronomes indefinidos que admitem o artigo feminino, dão ensejo à crase:

3 Não fale nada às outras colegas.


Estavam atentas umas às outras.

capítulo 1 • 27
Locuções: adverbiais, prepositivas e conjuntivas

Acentua-se, geralmente, o a ou as de locuções adverbiais, prepositivas e conjuntivas forma-


das de substantivo feminino (expresso ou elíptico/oculto).
As locuções adverbiais constam geralmente de preposição combinada com substantivo,
ou de preposição combinada com substantivo e mais um adjetivo ou termo determinante.
Das locuções formadas de preposição, substantivo e adjetivo, muitas há em que se su-
prime o substantivo. Diz-se indiferentemente à direita, à esquerda ou à mão direita, à mão
esquerda; mas deixa-se de mencionar o substantivo (modo, moda, maneira) em expres-
sões, como as seguintes: à francesa, à portuguesa, às boas, às cegas, às ocultas, às claras.
A locução prepositiva, em geral, é constituída de advérbio ou locução adverbial seguida
da preposição de, a ou com: A universidade ficava em frente à casa do coordenador.
As chamadas locuções conjuntivas são formadas da partícula que antecedida de advér-
bios, de preposições e de particípios: desde que, antes que, já que, até que, sem que, dado que,
posto que, visto que, à medida que, à proporção que.

ATENÇÃO
Nas locuções prepositivas e adverbiais, só haverá o acento grave com palavras femininas: à custa de, à
procura de, à mercê de, à moda de.

A seguir, apresenta-se uma relação das locuções de uso mais frequente:

à beça à paisana às ocultas

à noite à beira de à cata de

à risca à semelhança de à ocidental

à minuta à força à farta

à mercê de à vista à parte

à primeira vista às pressas à hora certa

à1h à esquerda às sete horas

à toda à direita à zero hora

à revelia à toa à custa de

à luz à força de à americana

28 • capítulo 1
À una (= conjuntamente) a
à espera de à espanhola
uma só voz

às avessas à vista de às cegas

à medida que à milanesa às claras

à oriental às escondidas à proporção que

às vezes (= algumas vezes,


à maneira de à deriva
de vez em quando)

à queima-roupa às moscas à distância (determinada)

Nas locuções à prestação, à máquina, à mão, à tinta, à faca, à chave, o acento grave está condi-
cionado ao sentido do contexto, pois nem sempre representa uma contração. Usa-se como sinal
esclarecedor do sentido da frase: cheirar a gasolina e cheirar à gasolina / receber a bala e rece-
ber à bala / matar a fome e matar à fome...

Casos inaceitáveis

Por NÃO haver artigo definido a/as, é impossível ocorrer crase, nos casos a seguir:

1 Antes de palavras masculinas

Não assisto a filmes de guerra ou de violência.


Isto cheira a vinho.
Admirei os quadros a óleo.
Escreveu um bilhetinho a lápis.
Fomos a São Lourenço, onde passeamos a pé, a cavalo, de charrete.
Amar a Deus.

2 Antes de artigos indefinidos

Ele chegou a uma certa hora.


Ele disse que chegaria a uma hora qualquer.
Referia-se a uma velha história.
Chegamos à cidade a uma hora morta.

capítulo 1 • 29
3 Antes de verbos

Prefiro isso a aceitá-lo na empresa.


Estamos dispostos a colaborar.
Entra em vigor a partir de hoje a nova legislação.
O Estado deveria estar sempre disposto a resolver os problemas sociais.
Quando me dispunha a sair, começou a chover.

4 Antes dos pronomes demonstrativos esta, essa, isso

Estamos atentos a essa tendência.


Ofereceu o prêmio a esta aluna aqui.
Entregou a essa secretária tudo que ela pediu.

5 Antes de pronomes pessoais

Recorreram a mim. (a nós, a ela, a você)


Ele se referiu a ti.
Tudo foi entregue a ela.
Eu me referia a você.

6 Antes de pronomes de tratamento

Solicito a Vossa Senhoria o obséquio de anotar nosso endereço.


Não me referi a Vossa Excelência.
Hei de pedir licença a Sua Majestade, e espero alcançá-la.
Cedeu o documento de propriedade a V. Sª.

Falou à senhora (= Falou ao senhor)


à senhorita (= ao jovem)
Quando a expressão de tratamento só se
à doutora (= ao doutor)
refere à mulher, pode ocorrer a crase.
à madame (= ao cavalheiro)
à senhora Maria Antônia (= ao senhor)

Antes da palavra Dona (que se abrevia D.), o


Entreguei a chave da casa a Dona Olga. emprego do artigo é facultativo. Isso significa
Contei tudo à D. Carminha. que poderá ocorrer ou não o uso do acento
grave.

30 • capítulo 1
7 Antes de pronomes indefinidos

O letreiro pode despencar a qualquer hora.


Estamos a pouca (ou a certa) distância da fronteira.
Começou a toda força.

Antes de qualquer nome feminino tomado em sentido genérico


8 ou indeterminado, isto é, sem artigo definido

Tudo cheirava a velhice.


Dedicas o trabalho a homem ou a mulher?
Não fui a reunião nenhuma. (Não fui a encontro nenhum.)
O tormento maior era não poder confiar a pessoa alguma os seus cuidados.

9 Antes de palavras no plural (quando o a estiver no singular)

Conferiu prêmios a pessoas que se destacaram na firma.


Não atendem a reclamações.
Não vai a festas nem a reuniões.
Não dê atenção a pessoas suspeitas.

10 Antes de substantivo repetido, nas locuções adverbiais

Tomou o remédio gota a gota.


Estavam frente a frente.
Foi de cidade a cidade.
Entravam uma a uma.
Dia a dia, a empresa foi crescendo.

EXEMPLO
— Acabou o carnaval. Não temos mais desculpas.
— Certo.
— Vamos enfrentar a realidade cara a cara. Chega de adiamentos.
— Certo.
— Alguma pergunta?
— Sim. Quando é a páscoa?

capítulo 1 • 31
Com as expressões daqui a, dali a, daí a, não ocorre a crase. Em adjuntos adverbiais de
tempo introduzidos por essas expressões, a partícula a é simples preposição.

Daqui a uma hora estarei de volta.


Daqui a duas horas entrego-lhe o trabalho.

Casos especiais

1.  Palavras Casa e Terra


Não se usa crase antes da palavra casa no sentido de lar, domicílio, quando ela não vem
acompanhada de adjetivo ou locução adjetiva que a caracterize:

Voltamos a casa tristes.


Chegou Raffaello a casa, e atirou-se a chorar sobre a cama.

Quando a palavra casa não significa lar, domicílio, e sim estabelecimento comercial, hos-
pitalar, residência oficial de chefe de Estado, dinastia, torna-se obrigatório o uso da crase:

Fui à Casa Olga comprar um presente.


O presidente americano regressou à Casa Branca.
Dirigi-me à Casa da Moeda.

Se a palavra casa vier acompanhada de adjetivo ou locução adjetiva, ocorrerá o acento


da crase.

Voltou à casa paterna.


Fiz uma visita à velha casa de meus avós.
Fui à casa de meu amigo.
Dirigi-me à casa da Lívia.

Como a palavra terra, no sentido de terra firme, chão (em oposição a bordo, mar), não
recebe artigo definido, NÃO haverá crase:

Os marinheiros tinham descido a terra para visitar a cidade.


Vendo o tubarão, o nadador voltou logo a terra.
Depois de tantos meses no mar, chegamos a terra.

Quando a palavra terra equivaler à pátria ou região determinada ocorrerá a crase:

Vou à terra dos meus avós.


Retornei à terra natal.
Chegamos à terra prometida.

32 • capítulo 1
2.  Pronomes Possessivos
O uso do artigo antes dos pronomes possessivos fica a critério de quem escreve. Daí a pos-
sibilidade de ser facultativo o emprego da crase:

A minha viagem é certa. Referiu-se à minha viagem.

Minha viagem é certa. Referiu-se a minha viagem.

As minhas colegas vêm. Fiz um apelo às minhas colegas.

Minhas colegas vêm. Fiz um apelo a minhas colegas.

Ocorrendo a elipse do substantivo, o a será obrigatoriamente acentuado:

Ele se referia à desgraça do amigo e não à sua.


Eu fui à formatura dele, mas ele não compareceu à minha.

É, também, facultativo o fenômeno da crase, antes de pronomes possessivos femininos,


mesmo seguidos de nomes de parentesco.

Recorri a minha mãe.


Peço desculpas a sua irmã.
Fizemos uma visita a nossa tia.
Nunca saio satisfeito das visitas que faço a minha mãe.
Arrependi-me de ter falado a minha prima.

Os pronomes adjetivos possessivos que aparecem nas expressões Nosso Pai, Nosso Senhor,
Nossa Senhora não admitem a presença de artigo:

A imprensa noticia que uma adolescente angrense diz ter visto Nossa Senhora.

3. Numerais
Antes de numerais cardinais, referentes a substantivos não determinados pelo artigo,
não há crase:

Chanceler inicia visita a oito países africanos.


Assisti a duas sessões (ou a uma só sessão).
A fazenda ficava a três léguas da cidade.
Daqui a quatro semanas tudo terá mudado.
O número de candidatas aprovadas não chega a vinte.

Usa-se, porém, o acento grave nas locuções adverbiais que exprimem hora determinada
e nos casos em que o numeral estiver precedido de artigo, pois há crase:

capítulo 1 • 33
Chegamos às oito horas da noite.
Assisti às duas sessões de ontem.
Entregaram-se os prêmios às três alunas vencedoras.
A aula começa sempre às 7 h.
A reunião será às 10 h.
A sessão só começará às 17 h.
A próxima reunião será à uma hora da tarde.

Se houver a presença de outra preposição, significa que não há a preposição a, logo não
haverá crase:

Após as 18 h, o leilão será encerrado.


Romário fez o gol com a mão.
A reunião ficou para as 16 h.
Ele teve de comparecer perante a justiça.
Ele ficará aqui até as 18 h. (facultativo)

4.  Palavras Masculinas


Só ocorre o fenômeno da crase antes de palavras masculinas, quando, antes delas, estiverem
em elipse as expressões moda de, maneira de ou estilo de:

Calçados à Luís XV.


Cabelos à Sansão.
Estilo à Machado de Assis.
Magníficas perucas à Luís XIV.

5.  Nomes Próprios


Facultativo é também, na linguagem familiar, o uso do artigo diante de nomes próprios
personativos:

Mandamos um convite à (ou a) Antonella.


Escrevi à (ou a) Solange.
Entreguei a carta à (ou a) Maria Teresa.

Haverá crase, se o nome vier acompanhado de um termo determinante (de um adjunto).

Refiro-me à Epitácia do Dr. Leite.


À querida Neida (nas dedicatórias).

Antes de nomes próprios (pessoa célebre ou lugar) que repelem o artigo, não ocor-
rerá a crase:

34 • capítulo 1
Rezo a Nossa Senhora.
Dedicaram templos a Minerva e a Júpiter.
O guerreiro falou a Iracema.
O historiador referiu-se a Joana d’Arc.
Fiz uma promessa a Santa Teresinha.
Iremos a Curitiba e depois a Londrina.
Fomos a Paquetá.

Haverá crase quando o nome próprio admitir o artigo ou vier acompanhado de adjetivo
ou locução adjetiva:

Fomos à Bahia.
Chegamos à Argentina.
Referiu-se à Roma dos Césares.
Cheguei à histórica Ouro Preto.

Não se emprega o artigo diante de nomes próprios quando os adjetivos São, Santo ou
Santa aparecem como parte integrante do nome:

Santa Bárbara sempre foi invocada nas horas de tempestade.

RESUMO
Há ocorrência da crase:
a)  Quando se pode trocar o a por ao.
b)  Antes da palavra casa, quando especificada.
c)  Antes da palavra terra — no sentido de “terra natal” (no sentido de chão não haverá crase).
d)  Antes da palavra distância — só quando determinada.
e)  Diante de palavra feminina subentendida — ocorrendo troca de a por ao.
f)  Antes de aquele, aquela, aquilo trocados por ao.
g)  Antes de localidade, na troca de a por da ou na, e ainda para a.

NÃO ocorre o fenômeno da crase:


a)  Antes de palavra masculina.
b)  O a no singular seguido de palavra no plural.
c)  Antes de pronome de tratamento.
d)  Depois das preposições para, ante, perante, após, sob, entre, contra.
e)  Nas locuções formadas por palavras repetidas (cara a cara, frente a frente, costa a costa e outras).
f)  Com o pronome relativo cuja e flexões.
g)  Com o pronome relativo quem.
h)  Com pronome relativo que, quando o a que o precede for antes uma preposição (A pessoa a que me
refiro estuda nesta Instituição).
i)  Quando o artigo a estiver precedido por outra preposição (Ele o esperava desde as oito horas).

capítulo 1 • 35
A Crase é facultativa:
a)  Antes de pronome possessivo (minha, sua).
b)  Antes de nomes próprios femininos.

Os sinais de pontuação no português (1ª parte)

Bilhete

Se tu me amas, ama-me baixinho


Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...
Mário Quintana

A pontuação tem um papel muito importante no sentido de expressar o pensamento do es-


critor ou produtor de texto e, por conseguinte, orientar o leitor durante o processo de leitura.
Embora os sinais de pontuação tenham surgido com a função primordial de “indicar
pausas para respirar” durante a leitura em voz alta, isto é, durante a oralização dos textos,
não podem mais ser considerados desse modo, constituindo-se, na realidade, recursos lin-
guísticos necessários à construção da textualidade.
A pontuação não deve ser relacionada apenas à respiração, conforme foi aprendido com
os nossos antigos Mestres, pois, se assim o fosse, o candidato a um concurso público, após
ter subido vários degraus ou lances de uma escada, ao receber a prova, não acertaria qual-
quer questão versando sobre esse tema, porque a pontuação seria bem diferente, devido à
sua respiração ofegante.
Se o candidato estivesse resfriado, apresentaria outra totalmente distinta; se tivesse fô-
lego de mergulhador, mataria o corretor de seu texto de infarto, ao final da leitura, pois ele
leria direto até o final do texto sem encontrar sinal algum de pontuação.
Se tivesse dispneia, quer dizer, insuficiência respiratória aguda, também apresentaria
outra forma de pontuar, e a leitura seria um desastre, na base do “soluço”, pois, com certe-
za, usaria uma vírgula após outra.
É inquestionável, portanto, que a pontuação é de natureza racional, sintática e até se-
mântica, em alguns casos especiais.
Como a pontuação também é de ordem sintática, atua no sentido de unir e separar
partes do discurso, realizando junções, disjunções, inclusões, exclusões, dependências e
hierarquizações no âmbito da organização do texto escrito, auxiliando o leitor a perceber
as relações entre as partes do texto que o compõem e, desse modo, reconhecer que a pontu-
ação é um grande recurso coesivo textual.

36 • capítulo 1
Atualmente, firma-se que, entre os instrumentos que a língua dispõe a todos aqueles
que dela fazem uso, encontra-se a pontuação, que é fundamental para que o efeito do sen-
tido se faça coerentemente compreensível: “Pontuar bem é ter visão clara da estrutura do
pensamento e da frase”. “Pontuar bem é governar as rédeas da frase”. “Pontuar bem é ter
ordem no pensar e na expressão”.
Para estudar a Pontuação da Língua Portuguesa, é importante observar a organização
mais usual das sentenças. Geralmente, os enunciados seguem certa sequência – chamada
ordem direta –, que se inicia com o sujeito, seguido de verbo, de complementos e, final-
mente, de expressões adverbiais (Sujeito + Verbo + O Restante).
Segundo Bechara (1999, p. 581-582), dentre os casos de colocação usual ou normal (or-
dem direta), em português sobressaem-se os seguintes:

a Colocação do adjunto preposicionado depois do seu substantivo (O carro de Paulo);

b Colocação do adjunto adjetivo depois do seu substantivo (Homem rico);

Colocação do adjunto não representado por adjetivo (artigo, pronome adjunto, quantifi-
c cadores) antes do substantivo (a mulher generosa, minha tia rica, sete pecados capitais,
muitos livros raros);

d Colocação do verbo depois do sujeito (Paulo mudou de colégio.);

e Colocação do complemento verbal depois do verbo (Assistiram à peça teatral.);

Colocação do objeto direto antes do indireto, quando constituídos por substantivos (Es-
f creveram cartas à família de Lílian Telles).

Colocação do objeto indireto antes do direto, quando constituídos por pronomes ou o


g direto por substantivos (Escreveram-lhe cartas. / Escreveram-lhas [= lhe + as]).

Uso dos Sinais de Pontuação [ 1ª parte]

A Vírgula

A vírgula serve apenas para separar os termos de uma oração ou as orações de um período,
assim como os elementos frasais deslocados. A ordem normal dos termos na frase é sujeito
+ verbo + complemento(s) (o restante). Quando há uma frase nessa ordem, não se separam
seus termos imediatos.
Ressalta-se que não pode haver vírgula entre o sujeito e o verbo e o verbo e o seu comple-
mento, nem entre o nome e seu complemento nominal.
As palavras em sua posição natural não precisam de vírgula, ou seja, não se coloca vírgu-
la entre sujeito e verbo, entre verbo e complementos – desde que atendam ao requisito da
sequência natural sem intercalações ou deslocamentos.

capítulo 1 • 37
O preceito básico é usar a vírgula somente onde haja uma quebra da estrutura lógica da
frase, porque a vírgula marca justamente um deslocamento de palavras ou orações da sua
ordem normal, ou uma quebra, uma interrupção do pensamento, que é o caso das duas
vírgulas que marcam as intercalações.

Emprego da vírgula

Utiliza-se a vírgula nos casos descritos abaixo.

1 Para separar o adjunto adverbial deslocado.

Um dia, na fronteira, um homem lutador levantou a nossa bandeira.


No Oriente, as mulheres curvam-se na presença dos homens. No Ocidente, é o inverso.

A decisão de deslocar o adjunto adverbial ou oração subordinada adverbial para o início


da frase tem, geralmente, a finalidade de definir um pano de fundo antes de apresentar a
ideia principal. Nem sempre o deslocamento do adjunto adverbial será usado como recur-
so estilístico, pois, em determinadas situações, o deslocamento é necessário para desfazer
as frequentes ambiguidades textuais.

ATENÇÃO
Ocorre elipse quando se omite um termo ou oração que facilmente se pode identificar ou subentender no
contexto. Pode ocorrer na supressão de pronomes, conjunções, preposições ou verbos.

Para separar complementos verbais ou nominais que foram deslocados para o


2 início da oração.

De sua terra natal, ela sente saudades.


Uma dor pavorosa, Paulo sentiu quando quebrou a braço.

3 Quando os sujeitos forem diferentes ou quando o e aparecer repetido.

Eles sairão de férias, e eu tomarei conta do sítio.


Trabalhava, e estudava, e tomava conta dos pais.

Para separar orações interferentes, justapostas ou intercaladas, que são aque-


4 las que aparecem no período de maneira independente, a fim de oferecer um
esclarecimento, uma citação ou um comentário.

Irei à praia, disse Antônio Tito, quando ninguém mais esperava.


O ladrão, perguntei eu, foi preso ou não?

38 • capítulo 1
Toda inserção na frase básica deve ser indicada ao leitor por meio de alguma forma de
pontuação; portanto, no caso de intercalações, devem-se usar vírgulas, travessões, parênte-
ses ou colchetes, sinais esses que marcam uma espécie de gradação natural, dando maior
rapidez e organização à leitura.

5 Para indicar, às vezes, a elipse de um verbo.

Maria Antônia deu a todos os seus primos um presente no Dia das Crianças; ao seu irmão, apenas
um beijo.

Para isolar expressões corretivas, continuação, conclusão, concessão e expli-


6 cativas, como: isto é, a saber, por exemplo, ou seja, aliás, digo, ou melhor e outras
similares.

O ministro afirmou, aliás, que não haverá aumento de impostos durante o seu governo.

Neste caso, como se vê, além dos componentes básicos da frase – sujeito, verbo, objeto
direto, objeto indireto e adjunto adverbial –, há outros elementos, geralmente, com função
persuasiva, que são adicionados depois que a frase básica está completa e que, portanto,
sempre virão separados por vírgulas.

CONCEITO
Aposto
O aposto é um termo que amplia, explica, desenvolve ou resume o conteúdo de outro termo.
Nem sempre o aposto é separado do termo a que se refere por vírgulas; podem ser utilizados também
travessões ou dois pontos.

O promotor fez sua proposta: que você passe a trabalhar em obras sociais. (Oração subordinada
substantiva apositiva)
A obra de Euclides da Cunha — sobretudo Os Sertões — entrou para a História. (Aposto)

7 Para separar os elementos paralelos de um provérbio.

Mocidade ociosa, velhice vergonhosa.


Um dia da caça, outro do caçador.

8 Para separar elementos coordenados de uma mesma classe ou função sintática.

Comprei um livro, um caderno, um lápis e um dicionário.

capítulo 1 • 39
ATENÇÃO
Na série de sujeitos seguidos imediatamente de verbo, o último sujeito da série não é separado do verbo
por vírgula.

Teus irmãos, tu e eu tomaremos a decisão.

As demais conjunções (porém, entretanto, contudo, no entanto dentre outras)


9 devem ser antecedidas por vírgula e, se deslocadas para o meio da oração,
ficam, neste caso, isoladas por duas vírgulas.

O assunto, porém, já estava esquecido.


Há aqueles que se esforçam muito, contudo nunca são premiados.

10 Para separar nome de lugar nas datações e endereços.

Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2014.

11 Para separar ou intercalar vocativos.

Não tenho como terminar o livro, Tereza.


Lívia, você é incontrolável.

O vocativo é o único termo isolado dentro da oração, pois não se liga ao verbo nem ao
nome; portanto, não faz parte do sujeito nem do predicado. A função do vocativo é chamar
ou interpelar o elemento a que se está dirigindo.
O vocativo é sempre marcado por sinal de pontuação (vírgula ou entre vírgulas).

12 Para separar ou intercalar apostos.

Vitória, capital do Espírito Santo, é uma ilha que possui belas praias.

O aposto especificativo, diferentemente dos demais tipos, não pode vir marcado
13 por sinais de pontuação (dois pontos, travessões ou vírgulas).

Gosto do poeta Carlos Drummond de Andrade.


Gosto da cidade de Natal.

40 • capítulo 1
O conector pois pode ser inserido na frase de duas formas, e isso acarreta-
rá classificações distintas. Quando vier no início da oração que introduz será
14 antecedido de vírgula (explicativo); mas se estiver deslocado, virá sempre entre
vírgulas (conclusivo), equivalente, nesse caso, a portanto.

Cumprimente-o, pois hoje é o seu aniversário.


O relógio é de ouro; não enferruja, pois.
A situação econômica é delicada; devemos, pois, agir cuidadosamente.

Ponto e Vírgula

Comentário ouvido num bonde

Que moça culta, a Maria Eduarda: usa ponto e vírgula!

Mário Quintana

O ponto e vírgula denota que o período não se encontra encerrado totalmente, mas que
também não pertence à oração anterior, evitando-se fragmentar as partes do período em
nome da clareza e buscando um emprego coesivo com melhor qualidade.

Usa-se o ponto e vírgula, a depender do contexto, não só para alongar a coesão


1 do período, mas também para atribuir maior clareza ao texto quando se tratar de
enumerações complexas, facilitando, assim, a leitura e a compreensão do texto.

“Um traz água pura, fonte de vida; o outro leva embora dejetos pútridos.”
“Assim, os livros ficam proibidos; a população, mais ignorante; os editores, cautelosos na seleção
do que publicar.”

2 O ponto e vírgula separa orações coordenadas extensas.

a)  Era incrível a variedade dos adornos; contudo, a pessoa não gostou de nenhum.
b)  As doses eram diminutas; tinham, portanto, de aguardar longo prazo pelo efeito.
c)  A natureza das relações sociais constitui a base do desenvolvimento das capacidades huma-
nas; logo, das qualificações.
d)  Mas a curiosidade por Roma é eterna; por isso a vanguarda da arqueologia mudou.

O ponto e vírgula é usado, inclusive, para separar parágrafos e sequência enu-


3 merativa, como decretos, leis, portarias, regulamentos ou outro documento.

capítulo 1 • 41
Há feitos, porém, que têm curso normal no período de férias, isto é, processam-se durante as fé-
rias e não se suspendem, como os demais pela superveniência delas. Acham-se eles enumerados
pelo artigo 174 do Código de Processo Civil e são os seguintes:

I.  os atos de jurisdição voluntária bem como os necessários à conservação de direitos, quando
possam ser prejudicados pelo adiamento;
II.  as causas de alimentos provisionais, de dação ou remoção de tutores e curadores, bem como
as mencionadas no art. 275;
III.  todas as causas que a lei federal determinar.

Em linhas gerais, quando os itens enumerados forem relativamente simples, as vírgu-


las serão suficientes para separá-los; mas se houver frases completas ou elementos simples
misturados com apostos, numa estrutura mais complexa, o ponto e vírgula é mais aconse-
lhável para tornar clara a divisão.

Dois Pontos
Os dois pontos apresentam uma função bastante própria: a da enunciação; aparecem em fra-
ses não concluídas com o objetivo de organizar e separar as partes componentes do período.
Usam-se dois pontos:

1 Antes de uma citação.

Gregório de Matos Guerra criticou asperamente a Justiça de seu tempo:

Que falta nesta cidade?


Verdade
Que mais por sua desonra
Honra
Falta mais que se lhe ponha
Vergonha.
[...]

2 Antes de uma enumeração.

Os convidados da festa que já chegaram são estes: Júlia, Renata, Paulo e Antônio.

São os dois pontos o sinal de pontuação preferível após o vocativo que encabeça ou ini-
cia uma carta, requerimento, ofício (quando menos por motivos estéticos, já que acaba
uma linha, e a seguinte começa com inicial maiúscula), embora muitos empreguem vírgu-
la, ponto de exclamação, ponto, ou mesmo dispensem qualquer sinal:

42 • capítulo 1
Caros amigos:
Prezados Senhores:
Senhor Diretor:

Ponto Final
O ponto simples final serve para encerrar períodos que terminem por qualquer tipo de ora-
ção que não seja a interrogativa direta, a exclamativa e as reticências. É empregado, ainda,
para acompanhar muitas palavras abreviadas. Com frequência, aproxima-se das funções
do ponto-e-vírgula e do travessão que, às vezes, aparecem em seu lugar.

“Ele é bochechudo. Dorme muito. Come com as mãos. Mora com a mãe. Não é exatamente o tipo de
personagem que se espera encontrar no foco das altas finanças, da diplomacia internacional e de
fascínio científico. Mas Tai Shan é um filhote de panda gigante e isso faz dele, bem, um urso especial.
Fonte: http://www.singularsaobernardo.com.br/portal/emn/ar/professores/zaine/pontuacao/pon-
tuacao.pdf, Acessado em 13.10.2014.

Ponto Parágrafo
Um grupo de períodos cujas orações se prendem pelo mesmo centro de interesse é sepa-
rado por ponto. Quando se passa de um para outro centro de interesse, impõe-se a obriga-
toriedade do emprego do ponto parágrafo iniciando-se a escrever, na outra linha, com a
mesma distância da margem com que foi começado o escrito.

Ponto de Exclamação
O ponto de exclamação é importante recurso para dar expressividade à leitura e à escrita,
além de ser responsável pela variação melódica que se imprime à voz. Põe-se no fim da ora-
ção enunciada com entonação exclamativa.

Funções desse sinal de pontuação:

Para indicar, dependendo da intenção da mensagem, surpresa, espanto, ani-


1 mação, alegria, ironia, dor, além de acompanhar as interjeições e intensificar as
mensagens imperativas.

a)  Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora e uma voz que bradava: “Missa do
Galo! Missa do Galo!” (Machado de Assis)
b)  — Viva o meu príncipe! Sim, senhor... Eis aqui um comedouro muito compreensível e muito
repousante, Jacinto!
— Então janta, homem! (Eça de Queiroz)

capítulo 1 • 43
Pode ser associado ao ponto de interrogação para indicar uma atitude de sur-
2 presa ou uma expectativa diante de algum fato, com ausência de resposta.

“— Que é que a gente podia fazer?!”

3 Algumas vezes aparece nas exclamações que contêm certo tom interrogativo.

“— Que faremos com os mortos!”

Ponto de Interrogação
O uso do ponto de interrogação implica uma inflexão de voz bem característica quando se lê
o texto em que ele aparece ou mesmo quando ao suscitar dúvida ou expectativa nas interro-
gações diretas. Normalmente é usado para indicar interrogações diretas – típicas dos diálo-
gos – e nas interrogações indiretas livres – fusão das linguagens do narrador e personagem.
Enquanto a interrogação concluída no final de enunciado requer maiúscula inicial da
palavra seguinte, a interrogação interna, quase sempre fictícia, não exige essa inicial mai-
úscula da palavra seguinte:

“— Esqueceu-se alguma coisa? perguntou Marcela de pé, no patamar”. (M.A.)

Usa-se o ponto de interrogação:

1 Quando o período pede uma resposta.

“O criado pediu licença para entrar:


— O senhor não precisa de mim?
— Não obrigado. A que horas janta-se?
— Às cinco, se o senhor não der outra ordem.
— Bem.
— O senhor sai a passeio depois do jantar? de carro ou a cavalo?
— Não”.
(José de Alencar)

2 Geralmente depois do advérbio NÃO, quando se deseja confirmar uma ideia:

Esse filho é seu mesmo, não?


Dia três é o aniversário de mamãe, não?

Para indicar dúvidas, expressas no interior da narrativa, referentes a ideias já


3 apresentadas:

“[...] Egídio Joia, presidente do Clube Comercial, tenta, em vão?, defender a Baixada Fluminense.”

44 • capítulo 1
Reticências
Usadas com o propósito da sugestão, as reticências dizem respeito à natureza emocional
do escritor que intenta tocar a imaginação do leitor com a interrupção violenta ou suave em
determinado pensamento.
São empregadas para:

1 Indicar a supressão de pensamento ou suspensão do sentido da frase.

És tu que tens um primo que na loja...

Indicar hesitações naturais do falante, sugerindo ironia, alegria, distância, surpre-


sa, dúvida, ameaça, sonho, melancolia, receio, censura; as partes omitidas numa
2 citação; pausas propositadas para explorar o poder de sugestão de uma ideia,
atribuindo-lhe maior ênfase:

“— D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...” (Machado de Assis)

Quando forem reticências iniciais, indicam que se omitiu parte do texto. Neste
3 caso devem vir entre colchetes.

“[...] Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapa-
lho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática,
ficou linda, ficou lindíssima.” (Machado de Assis)

4 Salientar os silêncios em uma situação de diálogo, nas narrativas.

“— De barbeiro? A senhora nunca foi à casa de barbeiro...” (Machado de Assis)

Aspas
As aspas, também conhecidas por vírgulas dobradas (às vezes em forma de cunhas), são
sinais com que, normalmente, se abrem e fecham citações.
As palavras e expressões estrangeiras, de igual modo, devem vir entre aspas, permi-
tindo-se também explicitar tal circunstância com o uso de grifo equivalente, sublinha-
do, itálico ou negrito:

“[...] O voltarete, o dominó e o ‘whist’ são remédios aprovados. O ‘whist’ tem até a rara vantagem de
acostumar ao silêncio, que é a forma mais acentuada da circunspecção. Não digo o mesmo da nata-
ção, da equitação e da ginástica, embora elas façam repousar o cérebro; mas por isso mesmo que o fa-
zem repousar, restituem-lhe as forças e a atividade perdidas. O bilhar é excelente”. (Machado de Assis)

Parênteses
Os parênteses são empregados para isolar, em algum momento do texto, palavras, locuções
ou frases intercaladas no período com caráter explicativo ou acessório.

capítulo 1 • 45
“Um gaiato anônimo, que sempre os há, comentou (e a piada se espalhou pela cidade) que só faltavam
ao arranjo floral alguns cravos-de-defunto”.

Travessão
Dos sinais de pontuação, o travessão é um dos mais requisitados atualmente, pelo fato de
proporcionar maior clareza do que as vírgulas nas intercalações longas e maior ênfase nos
destaques. Travessões substituem e são substituíveis por dois pontos, parênteses ou duas vír-
gulas, dependendo do caso. Trata-se de importante recurso expressivo, no caso de se querer
dar ênfase a certa expressão ou palavra especial.
Não pode ser confundido, entretanto, com o hífen, já que é um traço maior.

“Era uma vez uma choupana que ardia na estrada; a dona — um triste molambo de mulher — chorava
o seu desastre, a poucos passos, sentada no chão.”

É o sinal do diálogo, pois emprega-se um só travessão para indicar mudança de interlo-


cutor no discurso direto.

Transcreve-se, como exemplo, o centro da teoria do “humanitismo” — “Ao vencedor as batatas” —, o


momento em que Quincas Borba defende o caráter benéfico da guerra, como “seleção natural” do
mais forte:

“— Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar
a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma
é a condição da sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí
o caráter conservador e benéfico da guerra.
Machado de Assis

RESUMO
1.  A pontuação aparece sempre em posições que indicam fronteiras sintático-semânticas; aliás, é prin-
cipalmente para isso que ela serve, ou seja, para separar termos deslocados, evitando sentidos confusos,
incoerentes e ambiguidades.

2.  Há mais de uma possibilidade de pontuar um texto; daí muitos gramáticos apresentarem-na como “a
arte de dividir, por meio de sinais gráficos, as partes do discurso que não têm entre si ligação íntima, e de
mostrar do modo mais claro as relações que existem entre essas partes”.

46 • capítulo 1
Qualidades da comunicação escrita: clareza,
concisão, adequação vocabular, correção gramatical.

— Um bilhete para mamãe me acordar cedo!


— Quero ir bem no teste de redação!

Mamãe, preciso por que tem os teste que eu


acordo pro teste quando antes mais legal
Benedito

Será que Benedito, personagem do cartunista brasileiro Fernando Gonsales, organizou


bem os elementos de seu texto escrito?
Parece que a expressão da mãe dá pistas de que ela não está compreendendo o bilhete
do filho. Onde está o problema?
É justamente sobre esse tema que versa este capítulo, pois para que se estabeleça um
processo de comunicação eficaz, é imprescindível que a redação do texto possua certas
qualidades básicas, como Clareza; Concisão; Adequação vocabular; Correção gramatical.w

Clareza: palavras simples e ordem direta

Em nome da CLAREZA deve-se fazer uso de palavras simples e conhecidas, porque as pala-
vras de uso corrente são de mais fácil entendimento. O texto escrito com palavras conheci-
das é mais transparente e legível, ao contrário do texto que tem palavras difíceis e por isso
se torna confuso, de difícil entendimento.
Para facilitar a clareza do texto:

É importante o leitor entender o que o texto quer passar instantaneamente; isso faz com que
a ele continue a leitura até o final.

As palavras devem ser usadas em seu sentido denotativo, respeitando as acepções regis-
b tradas em nossos dicionários, evitando-se palavras em sentido figurado.

Não se pode confundir simplicidade com vulgarismo; logo, palavras e expressões popula-
c res ou chulas são inadequadas ao texto escrito.

d Além disso, deve-se explicitar com clareza os elementos centrais do texto.

Devem ser evitadas passagens ambíguas, pois frequentemente provocam dificuldades de


e compreensão de um texto.

A interpretação ambígua pode ser desencadeada pelo uso de uma palavra que não permite
identificação precisa de seu referente no texto. É o caso, por exemplo, do uso indevido do
f pronome relativo. Não é incomum o resultado de um mau uso desse pronome gerar inter-
pretações problemáticas.

capítulo 1 • 47
Deve-se evitar também a construção de orações intercaladas, porque alongam a frase e
g separam palavras que se complementam, dificultando o entendimento do texto.

As intercalações aceitáveis são sempre curtas e esclarecedoras, como neste exemplo: “A


h crise financeira internacional, que já demitiu milhares de trabalhadores em todo o mundo,
perde força”.

CONCEITO
Ambiguidade
É a indeterminação de sentido que certas palavras ou expressões apresentam, dificultando a compreensão
do enunciado.

Sentido literal
Sentido literal (ou denotativo) é o significado básico (dicionarizado) das palavras, expressões e enunciado
da língua.

Sentido figurado
Sentido figurado (ou conotativo) é aquele que as palavras, expressões e enunciados adquirem em situa-
ções particulares de uso, quando o contexto exige que o leitor perceba que o sentido literal foi modificado,
e as palavras e expressões ganham um novo significado.

Antítese
É uma figura de pensamento que consiste na associação de ideias contrárias, por meio de palavras ou
enunciados de sentido oposto.

Ironia
É o efeito resultante do uso de uma palavra ou expressão que, em um contexto específico, ganha sentido
oposto ou diverso daquele em que costuma ser utilizada.

Ordem direta: sujeito + verbo + o restante

Em nome da clareza, deve-se fazer uso da ordem direta, ou seja, o sujeito deve ser colocado
antes do predicado e a oração principal antes da subordinada, pois as informações mais
importantes devem vir no início da frase.
Deve-se priorizar a construção da voz ativa porque ela dinamiza, acelera a leitura, facili-
tando a compreensão, diferentemente do que ocorre na voz da passiva, que alonga o texto
e dificulta o entendimento.
Observe: “Governo anuncia pacote de medidas” (voz ativa) e “Pacote de medidas é anun-
ciado pelo Governo” (voz passiva). É perfeitamente perceptível a clareza e a dinamicidade
dada ao enunciado no primeiro exemplo.
Construir uma frase invertendo a posição natural dos termos não é “erro”, mas dificulta
a leitura. Logo, se hoje o objetivo principal é a clareza da frase ou do enunciado, é preferível
o uso de frases curtas, em ordem direta (sujeito + verbo + o restante).

48 • capítulo 1
CONCEITO
Voz passiva
É a estrutura sintática em que o sujeito é o paciente do processo expresso pelo verbo, ou melhor, em que
esse sujeito sintático sofre a ação verbal.

Voz passiva analítica


É expressa por meio de uma locução verbal formada pelo verbo ser + particípio passado do verbo principal.

Agente da passiva
É o termo que exprime, nas estruturas da voz passiva analítica, o agente da ação verbal, sofrida pelo sujeito
da oração.

Períodos curtos

Os períodos curtos são mais fáceis de ler e não cansam, enquanto o período longo é exaustivo
e complicado. Alguns períodos, de tão longos se tornam ininteligíveis. O leitor tem que reler,
voltando atrás para entender a ideia central do texto, o que pode fazê-lo desistir da leitura.

Concisão

Ser conciso é dizer o necessário com o mínimo de palavras. É ser objetivo e direto. Concisão
é, pois, antônimo de prolixidade (escrever o desnecessário)
Em nome da concisão, deve-se evitar: repetição de palavras, redundâncias e o desneces-
sário
A concisão consiste em apresentar um texto que consegue transmitir um máximo de
informações com um mínimo de palavras. Ser conciso, no entanto, não significa que se vá
eliminar passagens substanciais do texto, no intuito de reduzi-lo em tamanho.
Trata-se, exclusivamente, de evitar os circunlóquios ou perífrases, palavras inúteis, re-
dundâncias ou pleonasmos, passagens que nada acrescentam ao que já foi dito.
Alguns pleonasmos são considerados, inclusive, vícios de linguagem, por isso devem ser
evitados, pois representam má qualidade na escrita. Eles ocorrem sempre que a ideia repe-
tida informa uma obviedade e não desempenha qualquer função expressiva no enunciado.
Exemplos comuns de pleonasmo vicioso são as expressões subir para cima, descer para
baixo, entrar para dentro, sair para fora, ser o principal protagonista, evidências concretas.
Acrescenta-se, ainda, que se deve priorizar sempre as palavras com o menor número
possível de sílabas em busca de um texto mais enxuto, conciso.
O estilo deve ser o mais objetivo possível (impessoal), evitando-se o subjetivismo (mar-
cas pessoais) e tudo o que possa dificultar a progressão do pensamento.

EXEMPLO
“É uma triste realidade – tradicional e costumeira – que a diversão popular (e ela abrange várias modali-
dades circunscritas a épocas ou regiões diversas) geralmente é oferecida ao povo (podemos remontar à

capítulo 1 • 49
Roma Antiga), visando não ao objetivo precípuo da diversão – dar lazer a quem dele necessite –, mas sim
visando a uma alienação dos seres pensantes em relação à situação política vigente, a fim de que eles não
pensem na fome, na miséria e na injustiça, suas companheiras de infortúnio e dor.”

Percebe-se que o texto acima é prolixo, trazendo muitas informações desnecessárias,


dificultando o entendimento textual. A prolixidade é uma característica muito negativa no
texto escrito; deve, pois, ser evitada.
Apresentando apenas as informações essenciais, o parágrafo poderia ser reescrito da
seguinte forma:

“A diversão oferecida ao povo visa, em geral, à alienação política.”

Adequação vocabular

Muitas palavras podem assumir significados diferentes segundo o contexto. É como dizia
Carlos Drummond de Andrade em “Procura da poesia”: “[...] cada uma (a palavra) tem mil
faces sob a face neutra”.
Isso significa que por meio do contexto pode-se atribuir significados diferentes a uma
mesma palavra.
Agostinho Dias Carneiro (2001:66) descreve seis critérios de adequação vocabular, lis-
tados a seguir:

1 A adequação ao referente
A escolha de um vocábulo deve se basear na especificidade de seu conteúdo. Quanto mais espe-
cífica a palavra, melhor é o entendimento do texto.
Na frase “Paulo estava muito triste com a separação, por isso, foi à praia, sentou-se na areia e viu
o sol.” Se substituirmos o verbo ver por contemplar, a comunicação será certamente mais efetiva,
pois nesse contexto o uso do vocábulo contemplar é mais adequado.

2 Adequação ao ponto de vista


Aqui serão levados em consideração os vocábulos positivos, neutros e negativos.
Em “Você me deu um café gelado”, a palavra gelado assume valor negativo. Assume valor positivo,
entretanto, em “Depois do trabalho vamos tomar uma cerveja gelada?”

3 Adequação aos interlocutores


Há, nesse critério, quatro tipos de seleção vocabular: quanto à atividade profissional, com o uso
dos jargões; quanto à imagem social de um dos interlocutores, ou seja, um chefe de Estado se
expressa de acordo com o que se espera de alguém que ocupa tal cargo; quanto à idade, com o
uso de vocábulos modernos (luminária) ou antigos (abajur), ou quanto à origem dos interlocutores,
com emprego do vocábulo regional (piá – criança).

50 • capítulo 1
4 Adequação à situação de comunicação

Refere-se, esse critério, ao uso de vocábulos formais ou informais e ainda aos estrangeirismos.
Lembrando que palavras estrangeiras devem ser grafadas entre aspas nas redações e só devem
ser usadas quando necessárias, ou melhor, quando forem importantes para o entendimento, em
uma situação de estilo, ou quando não houver palavra equivalente na Língua Portuguesa.

5 Adequação ao código

É relevante para esse critério a correção não só ortográfica, mas também semântica, respeitando
os significados dicionarizados.

6 Adequação ao contexto

As situações textuais revelam-se nas relações desenvolvidas entre as palavras do texto. Por exem-
plo, se há relação de causa e consequência – tropeçar/cair; se há relação de finalidade – livro/
estudar; se há relação de parte e todo – rei/xadrez; se há relação de sinonímia – aroma/perfume;
se há relação de antonímia – entrar/sair; se há relação de unidade e coletivo – livro/biblioteca; se
há relação de objeto e ação – cadeira/sentar e se há relação simbólica – pomba/paz.

ATENÇÃO
Cuidado!
O uso do vocábulo fora de um desses critérios e até mesmo em critério inadequado à situação será erro.

Correção gramatical

Deve-se produzir textos na modalidade culta da língua, com competência linguística, obe-
decendo rigorosamente às normas gramaticais estabelecidas pela nossa Nomenclatura
Gramatical Brasileira (NGB), de ortografia, acentuação, concordância, regência, crase, pon-
tuação, sintaxe, dentre outras.

CONCEITO
Duplo sentido
É a propriedade que têm certas palavras e expressões da língua de serem interpretadas de duas maneiras
diferentes.

capítulo 1 • 51
RESUMO
Um texto coeso, coerente, conciso, correto linguisticamente e com uma boa seleção de palavras é, em
geral, elegante. E a elegância de um texto escrito não está em seu rebuscamento ou dimensão, mas em
sua simplicidade, adequação vocabular e nas demais qualidades da comunicação escrita aqui estudadas.

REFLEXÃO
E-mail
O correio eletrônico e-mail, por seu baixo custo e celeridade, transformou-se na principal forma de comu-
nicação. O e-mail institucional já é considerado como documento comprobatório, por essa razão deve-se
também ficar atento à formalidade nesse tipo de comunicação, fazendo uso adequado das normas gra-
maticais, da modalização da linguagem e do uso adequado dos pronomes pessoais de tratamento, não se
esquecendo, em momento algum, da obrigatoriedade do uso da modalidade culta da língua.

LEITURA
Manual de Redação da Presidência da República de 2002. Disponível em: http://www.biblioteca.presiden-
cia.gov.br/publicacoes-oficiais-manual-de-redacao-da-presidencia-da-epublica. Acessado em 11/9/2014.

52 • capítulo 1
Sintaxe:

12 articulação
dos termos da
oração
2 Sintaxe: articulação dos
termos da oração
Introdução ao estudo da sintaxe: frase, oração e
período

Este capítulo traz alguns conceitos fundamentais de Análise Sintática – frase, oração e pe-
ríodo –, bem como algumas regras gramaticais referentes à Língua Portuguesa, para maior
aprimoramento da produção textual.

Noções de Sintaxe: frase, oração e período

Sintaxe é a parte da Gramática que estuda a palavra, não em si, mas em relação às ou-
tras que com ela se unem para exprimir o pensamento. A sintaxe, ao disciplinar as re-
lações entre as palavras, contribui de modo fundamental para a clareza da exposição e
para a ordenação das ideias.
A Sintaxe pode ser definida como o conjunto de regras que determinam as diferen-
tes possibilidades de associação das palavras da língua para a formação dos enuncia-
dos. É função da sintaxe organizar a estrutura das unidades linguísticas que se combi-
narão em sentenças.
A sintaxe considera a oração ou proposição como um todo, e as palavras que a cons-
tituem como termos essenciais ou secundários da proposição. O que em análise mor-
fológica é substantivo, como termo de oração é sujeito ou objeto; o que lá se classifica
como verbo, por denotar ação ou estado, na oração faz papel de predicado e chama-se
predicado; o que num caso se denomina adjetivo, no outro, atendendo à função oracio-
nal, é o predicativo (atributo).
A sintaxe examina, assim, a estrutura do período, divide e classifica as orações que o
constituem e reconhece a função sintática dos termos de cada oração.

O que é frase?

As palavras, tanto na expressão escrita como na oral, são reunidas e ordenadas em frases.
Por meio da frase é que se alcança o objetivo do discurso ou atividade linguística, que é a
comunicação com o ouvinte ou com o leitor.

CONCEITO
Frase é todo enunciado capaz de transmitir, a quem ouve ou lê, tudo o que se pensa, quer ou sente, con-
forme exemplos apresentados na charge acima. Pode revestir as mais variadas formas, desde a simples
palavra até o período mais complexo, elaborado segundo os padrões sintáticos do idioma.

54 • capítulo 2
EXEMPLO
Socorro!
Sentinela, alerta!
Que horror!
As luzes da cidade estavam apagadas.

Muitas frases, mormente as que se desviam do esquema sujeito + predicado, só podem


ser entendidas dentro do contexto (= o escrito onde figuram) e na situação (= o ambiente, as
circunstâncias) em que o falante se encontra.
Chamam-se frases nominais as que se apresentam sem o verbo, conforme os exemplos
dados acima, com exceção do último, pois este apresenta verbo (estavam).
A mesma frase pode assumir sentidos diferentes, conforme o tom em que é proferida:

Paulo esteve aqui. (declarativa)

Paulo esteve aqui? (interrogativa)

Paulo esteve aqui! (exclamativa)

A frase é um enunciado de sentido completo com uma situação de comunicação, com


início e fim marcados pela entoação (na fala) ou pontuação (na escrita).
Descreve-se assim a frase como a expressão verbal de um pensamento ou o enunciado
capaz de estabelecer uma comunicação; para isso, deve ter um sentido completo. E, quanto
à extensão, pode ser formada por um termo ou pela combinação de elementos.
Na escrita, a frase se inicia por uma maiúscula e termina com sinais de pontuação.

O que é oração?

CONCEITO
A oração é a frase de estrutura sintática que apresenta, normalmente, sujeito e predicado e, excepcional-
mente, só o predicado.

Analisando apenas o enunciado “Por que não usamos meu celular”, percebe-se que se
está diante de um período simples, formado apenas por uma oração, pois só existe um úni-
co verbo (usar/usamos) nesse enunciado.
Na oração as palavras estão relacionadas entre si como partes de um conjunto harmô-
nico, pois elas são os termos ou as unidades sintáticas da oração. Cada termo da oração
desempenha uma função sintática.

capítulo 2 • 55
EXEMPLO

O jardineiro podou as roseiras.


sujeito predicado


Os termos essenciais são o sujeito e o predicado, responsáveis pela estrutura básica da
oração, ou seja, a oração reúne, na maioria das vezes, duas unidades significativas entre as
quais se estabelece a relação predicativa – o sujeito e o predicado.

CONCEITO
Sujeito
É o termo com o qual o verbo da oração concorda em número (singular ou plural) e pessoa (1ª, 2ª, 3ª).

Predicado
É o termo da oração que faz uma predicação, isto é, uma afirmação sobre o sujeito. No caso das orações
sem sujeito, a predicação é feita genericamente. O núcleo do predicado pode ser um verbo, um nome, ou
pode ser constituído de um verbo e de um nome.

Cada um dos termos da oração apresenta uma palavra principal (geralmente um subs-
tantivo, pronome ou verbo), que encerra a essência de sua significação.
Assim, no exemplo apresentado, as palavras jardineiro e podou são o núcleo do sujeito
e do predicado, respectivamente.
A maioria das orações apresenta um sujeito e um predicado, embora também possam
ocorrer orações sem sujeito, mas não sem predicado, já que oração se caracteriza por ter
uma palavra fundamental que é o verbo (ou sintagma verbal).
Em “Choveu durante a noite”, por exemplo, o verbo flexionado na 3ª pessoa marca o
sujeito gramatical, isto é, assinalado apenas gramaticalmente, pois não admite sujeito.
Diz-se que o verbo é impessoal e a oração é sem sujeito. Por essa razão, entende-se que
nem mesmo o sujeito é um constituinte imprescindível da oração e, por conseguinte, da
relação predicativa, pois há aqui sujeito inexistente.
De acordo com sua importância, os termos da oração se dizem essenciais, integrantes
e acessórios.
Os termos integrantes têm a função de complementar o sentido de determinados verbos
e nomes. São eles: o objeto direto e o objeto indireto (complementos verbais), o comple-
mento nominal e o agente da passiva.
Os termos acessórios modificam ou especificam outros termos, não sendo fundamentais
para a estrutura sintática das orações. São eles: o adjunto adnominal, o adjunto adverbial e
o aposto. Sua ocorrência nas orações se justifica por razões de ordem semântica e discursiva.
Portanto, a Oração é um enunciado linguístico que apresenta uma estrutura caracteri-
zada sintaticamente pela presença obrigatória de um predicado. O predicado é introduzi-
do, na oração, por um verbo.
Por esse motivo se diz que toda oração precisa ter um verbo.

56 • capítulo 2
A frase diferencia-se, basicamente, da oração por esta ser constituída de sujeito (po-
dendo não estar em nível oracional) e predicado (obrigatório), além de inúmeros termos e
também orações.
Sintaticamente, a oração é todo enunciado construído em torno de um verbo. Embora
não haja oração sem verbo, não basta simplesmente ter verbo para ser oração, é imprescin-
dível que as palavras estejam relacionadas e façam sentido.

Período

A gramática normativa prevê ainda um outro tipo de unidade sintática, que é o período. O
Período é um enunciado de sentido completo, constituído por uma ou mais orações. O iní-
cio e o fim do período são marcados, na fala, pelo uso de uma entoação característica e, na
escrita, pelo uso de uma pontuação específica, que delimita sua extensão.
O enunciado ou período é tudo aquilo que é dito ou escrito. É uma sequência de palavras
de uma língua que costuma ser delimitada por marcas formais: na fala, pela entoação; na es-
crita, pela pontuação. O enunciado está sempre associado ao contexto em que é produzido.
Assim, toda manifestação da linguagem com vistas à comunicação com nossos seme-
lhantes constrói-se com uma sequência de unidades linguísticas delimitadas a que se dá o
nome de enunciado ou período.

Tipos de períodos
O período pode ser simples (uma única oração) ou composto (mais de uma oração). No
período simples “A menina comprou uma linda boneca.” há apenas uma oração e ela é
classificada como oração absoluta.
Ao se estudar a sintaxe do período composto, identifica-se o tipo de relação (de coordena-
ção ou de subordinação) que se estabelece entre as orações no interior do período; investiga-
se a natureza da relação semântica que se estabelece entre as orações; e, quando o período é
composto por subordinação, procura-se identificar a que termos equivalem as orações subor-
dinadas na estrutura da oração principal e que função elas exercem em relação a essa oração.

Período composto por coordenação

Período composto por coordenação é aquele construído por orações sintaticamente indepen-
dentes, que se apresentam organizadas em uma sequência. Em termos de significação, cada
uma delas vale por si e o sentido do período é construído pela “soma” de todas elas.
Em “Saímos de manhã e voltamos à noite”, há um período composto formado por duas orações.
Essas orações são independentes, estando apenas coordenadas entre si, mas sem nenhuma
dependência sintática entre elas.

PERÍODO COMPOSTO POR SUBORDINAÇÃO

Já o período composto por subordinação é aquele constituído por uma oração principal à qual
se subordinam as demais orações, que atuam, sintaticamente, como termos da oração principal

capítulo 2 • 57
(sujeito, objeto direto, objeto indireto, complemento nominal, predicativo, aposto, agente da pas-
siva, adjunto adnominal e adjunto adverbial).
Em “O problema do projeto foi que ninguém previu todas as suas consequências”, o período é
composto por subordinação, contendo duas orações.
Nesse período, existe apenas uma oração principal e uma subordinada substantiva predicativa.
Nota-se que a oração principal –“O problema do projeto foi (...)”– é sempre incompleta, e as ora-
ções subordinadas é que desempenham a função sintática que falta na principal.

Sintaxe de concordância nominal e verbal


O conteúdo aqui apresentado sobre Sintaxe de Concordância Nominal e Verbal faz parte
de noções mais fundamentais que podem ser levadas aos alunos que pretendem conhecer,
por meio da análise sintática, a estrutura da frase, surgindo naturalmente conceitos como
sujeito, predicado e complementos, fazendo com que o falante perceba que essas denomi-
nações denunciam relações de fenômenos sintáticos no universo da oração e do discurso.
Ao construir orações, o falante conta com a liberdade de seleção dos vocábulos com que
elas se vão constituir; entretanto não pode modificar a estrutura em que eles se combinam no
intercâmbio das ideias. As estruturas oracionais obedecem a certos modelos formais que po-
dem não ser coincidentes de uma língua para outra, e que constituem os padrões estruturais.
As estruturas oracionais ou construções sintáticas apresentam seus processos caracte-
rísticos que são:

a Associação dos vocábulos de acordo com a sua função sintática (Regência);

b Concordância dos vocábulos de acordo com certos princípios fixados na língua (Concordância);

Ordem dos vocábulos de acordo com sua função sintática e importância na comunhão das
c ideias (Colocação).

A sintaxe se ocupa, assim, do estudo dos padrões estruturais vigentes em determinada


língua, motivados pelas relações recíprocas dos termos na oração e das orações no discur-
so. Pode ainda a sintaxe estudar o emprego dos vocábulos.
A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) divide a sintaxe em: de regência (nominal
e verbal); de concordância (nominal e verbal); de colocação.
Este estudo destina-se apenas ao estudo da sintaxe de concordância nominal e verbal.

Sintaxe de concordância nominal

A concordância é um processo utilizado pela língua para marcar formalmente as relações


de determinação ou dependência morfossintáticas existentes entre os termos dos sintag-
mas no interior das orações.
Assim, a concordância nominal se estabelece entre o núcleo de um sintagma nominal,
em suas flexões de gênero (masculino ou feminino) e número (singular ou plural), e todos
os termos que o determinam.

58 • capítulo 2
Já a concordância verbal se estabelece entre o verbo, em suas flexões de número e pes-
soa, e o sujeito da oração com o qual se relaciona.

Concordância do adjetivo com o substantivo:


regras básicas

O adjetivo varia em gênero e número de acordo com o gênero e o número do substantivo ao


qual se refere.
É por essa correspondência de flexões que os dois termos se acham intrinsecamente
relacionados, mesmo quando distantes um do outro na frase:

As minhas velhas paixões acabaram esquecidas

artigo pronome adjetivo substantivo verbo adjetivo

adjetivo referido

ATENÇÃO
Os adjetivos, pronomes adjetivos, artigos, numerais e particípios concordam em gênero e número com o
núcleo do sintagma nominal que determinam, isto é, flexionam-se em gênero e número, acompanhando as
flexões do elemento substantivo (substantivo, pronome ou numeral substantivo) a que se referem.

Sintagmas são unidades mínimas entre as quais se estabelecem uma relação de deter-
minação. Em uma relação sintagmática, um dos elementos modifica ou determina o outro,
especificando-o de alguma maneira. Em “menina levada”, o elemento determinado é “me-
nina”, pois é o elemento que sofre modificação; “levada” é o elemento determinante, isto é,
elemento que modifica o outro termo do sintagma.
Os sintagmas nominais têm por núcleo um substantivo; os sintagmas verbais têm por
núcleo um verbo (“comprei” flores).
Os substantivos são núcleos dos sintagmas nominais, funcionando como: sujeitos, ob-
jetos diretos, indiretos, predicativos do sujeito, predicativos do objeto, complementos no-
minais, adjuntos adnominais, adjuntos adverbiais, agentes da passiva, apostos,vocativos.

ATENÇÃO
Complemento nominal é o substantivo ou o pronome substantivo preposicionado que completa o sentido
de um substantivo, adjetivo ou de um advérbio que tenha base nominal.
Exemplo: Tenho necessidade de atividades físicas.
A expressão atividades físicas é um complemento nominal porque completa o sentido do substantivo abs-
trato necessidade.

capítulo 2 • 59
Adjetivo /adjunto adnominal

Adjetivo antes dos substantivos

Regra Geral

O adjetivo concorda em gênero e número com o substantivo mais próximo, ou seja, com o pri-
meiro deles.

Vivia em tranquilos bosques e montanhas.


Vivia em tranquilas montanhas e bosques.
Tinha por ela alta admiração e respeito.

ATENÇÃO
Quando os substantivos são nomes próprios ou nomes de parentesco, o adjetivo vai sempre para o plural.

Conheci ontem as gentis irmã e cunhada de Lívia.


Portugal cultua os feitos dos heróicos Diogo Cão e Bartolomeu Dias.

Adjetivo depois dos substantivos

Nesse caso, a concordância depende do gênero e do número dos substantivos.

Se os substantivos são do mesmo gênero e estão no singular, o adjetivo toma o


1 gênero (masculino ou feminino) dos substantivos e, quanto ao número, vai para
o singular ou para o plural.

A professora estava com um vestido e um chapéu escuro.


A professora estava com um vestido e um chapéu escuros.

Se os substantivos são de gêneros diferentes e estão no singular, o adjetivo


2 pode concordar com o substantivo mais próximo ou com os substantivos em
conjunto, caso em que vai para o masculino plural.

Estudo o idioma e a literatura portuguesa.


A aluna estava com uma saia e um chapéu escuros.

Se os substantivos são do mesmo gênero, mas de números diversos, o adjetivo


3 toma o gênero dos substantivos, e vai para o plural ou para o número do subs-
tantivo mais próximo.

60 • capítulo 2
Maria Antonia comprou dois vestidos e um chapéu escuros.
Maria Antonia comprou dois vestidos e um chapéu escuro.

Se os substantivos são de gêneros diferentes e estão no plural, o adjetivo vai para


4 o plural e para o gênero do substantivo mais próximo ou para o masculino plural.

Maria Antonia comprou chapéus e saias escuros.


Maria Antonia comprou saias e chapéus escuros.

Se os substantivos são de gêneros e números diferentes, o adjetivo pode ir para o


5 masculino plural ou para o gênero e o número do substantivo mais próximo (con-
cordância que não é rara quando o último substantivo é um feminino plural).

Maria Antonia comprou saias e chapéu escuros.


Maria Antonia comprou saias e chapéu escuro.
Paulo estuda os falares e a cultura portugueses.

ATENÇÃO
Quando está em concordância apenas com o substantivo mais próximo, o adjetivo nem sempre caracteriza
de forma precisa o substantivo dele distanciado. Por isso, em todas as hipóteses mencionadas, pode-se
e deve-se, caso a concordância origine qualquer dúvida, repetir o adjetivo para cada um dos substantivos.

Maria Antônia comprou uma saia escura e um chapéu escuro.


Paulo estuda os falares portugueses e a cultura portuguesa.

Casos gerais

1 Dois substantivos masculinos = adjetivo masculino plural

2 Dois substantivos femininos = adjetivo feminino plural

3 Um substantivo masculino e um feminino = adjetivo masculino plural

EXEMPLO
Cansados ficaram o pai e o filho.
Cansadas ficaram a mãe e a filha.
Cansados ficaram o pai e a mãe.

capítulo 2 • 61
Adjetivo/predicativo de sujeito simples ou composto

Quando o adjetivo exerce função de predicativo a vários substantivos é mais


1 aconselhável a concordância com o conjunto.

Declarei livres o inocente e a culpada.

predicativo do objeto.

O inverno e o abandono são nocivos ao idoso.

predicativo do sujeito.

Eram mudos a expressão, a presença e o gesto.

predicativo do sujeito.

ATENÇÃO
O predicativo anteposto deve concordar com o substantivo mais próximo, se o verbo estiver no singular.

Era muda a expressão, a presença e o gesto.

Se o sujeito for representado por um pronome de tratamento, a concordância do


2 predicativo será feita com o sexo da pessoa referida.

Vossa Alteza é (generoso / generosa).

Se o adjetivo predicativo estiver ligado a sujeito que exprime ideia genérica,


3 mantém-se na forma invariável.

É proibido entrada.

4 Havendo determinação do substantivo, o adjetivo concorda com ele.

É necessária nossa compreensão neste caso.


As vitaminas são boas.
É proibida a entrada.

É importante observar que um único substantivo pode ser modificado por dois ou
5 mais adjetivos. Nesse caso, o substantivo irá para o plural ou ficará no singular.

As escolas particular e pública.


As línguas portuguesa e francesa.

62 • capítulo 2
A escola particular e a pública.
A língua portuguesa e a francesa.

Observe, também, a concordância dos numerais adjetivos:



A primeira e segunda séries (ou série).
A primeira e a segunda série (ou séries).

Como as orações, e as palavras tomadas materialmente, se consideram do núme-


6 ro singular e do gênero masculino, quando o sujeito é expresso por uma oração
(plena ou reduzida), o adjetivo predicativo fica no masculino singular.

É justo que uma nação venere os seus poetas.


É honroso morrer pela pátria.

7 Um só adjetivo qualificando mais de um substantivo.

a) Quando vem posposto aos substantivos:


•  Vai para o plural, dando prioridade ao masculino.
Tratava-se de vaidade e orgulho excessivos.
•  Concorda com o elemento mais próximo.
Tratava-se de vaidade e orgulho excessivo.

ATENÇÃO
Quando o adjetivo vem posposto aos substantivos e funciona como predicativo, vai para o plural.

A vaidade e o orgulho são companheiros.

b) Quando o adjetivo vem anteposto aos substantivos, concorda, por norma, com o elemento
mais próximo.
Era dotado de extraordinária coragem e talento.

ATENÇÃO
No caso b, quando o adjetivo anteposto for um predicativo (do sujeito ou do objeto), poderá concordar com
o substantivo mais próximo ou ir para o plural.

Estava deserta a vila, a casa e o templo.


Estavam desertos a vila, a casa e o templo. (Forma verbal no plural)

capítulo 2 • 63
8 Um só substantivo e mais de um adjetivo.

Quando um único substantivo vem qualificado por mais de um adjetivo, ocorrem, de modo geral, as
seguintes concordâncias:
a)  o substantivo fica no singular e repete-se o artigo antes de cada adjetivo.
O produto conquistou o mercado europeu e o americano.

b)  o substantivo vai para o plural e não se repete o artigo antes de cada adjetivo.
O produto conquistou os mercados europeu e americano.

9 Bastante / bastantes

Há palavras que, na frase, podem funcionar ora com valor adverbial, ora com valor adjetivo.
Pode-se descrever o seu comportamento da seguinte maneira:
a)  são adverbiais – portanto invariáveis – quando se referem a verbos ou adjetivos.
Falaram bastante do assunto.
Suas opiniões são bastante discutíveis.
Os seres melhor adaptados sobrevivem.

b)  são adjetivos – portanto variáveis – quando se referem a substantivos.


Havia bastantes razões para confiarmos em Paulo.
Venceram as melhores propostas.

Estão, neste caso, palavras como pouco, muito, bastante, barato, caro, meio, longe.

10 Anexo – anexa / obrigado – obrigada

Anexo e obrigado são palavras adjetivas e, como tais, devem concordar com o nome a que se
referem.
Seguem anexas as listas de preços. Muito obrigado, disse ele.
Seguem anexos os planos de aula. Muito obrigada, disse ela.

Na expressão muito obrigado, o particípio é usado com valor adjetivo, razão por que deve concor-
dar em gênero e número com o gênero da pessoa que fala. Logo, se o agradecimento parte de
uma mulher, a expressão deve assumir a forma feminina; se parte de um homem, deve assumir a
forma masculina.

ATENÇÃO
Em anexo fica invariável.

Em anexo, seguem as listas de preços.

64 • capítulo 2
São também adjetivas as seguintes palavras: incluso, mesmo, apenso, próprio, quite, leso. Concordam,
portanto, com os nomes a que se referem.

Crime de lesa-pátria.
Eu estou quite com meus credores.
Elas mesmas falaram.

São sempre invariáveis: alerta, menos, pseudo.

Ele está sempre alerta.


A menina tinha menos roupas que seu irmão.

11 Só – sós / a sós

Só, quando equivale a somente, é palavra denotativa de exclusão e invariável; quando equivale a
sozinho, é adjetivo e variável.

Só eles não concordaram com a proposta apresentada.


Eles saíram sós.

A expressão a sós é invariável.

Gostaria de ficar a sós por uns momentos.

12 O mais claro possível / os mais claros possíveis

Nas expressões: o mais possível, o menos possível, o melhor possível, o pior possível, o vocábulo
possível varia ou não, em sintonia com o artigo que encabeça a expressão. Na expressão quanto
possível, o adjetivo possível é invariável.

Buscava exemplos os mais claros possíveis.


Buscava exemplos o mais claros possível.
Paisagens quanto possível belas.

ATENÇÃO
Todo substantivo com valor de adjetivo fica invariável.

Ternos gelo. Calças creme.

Blusas rosa. Luvas areia.

capítulo 2 • 65
todo (= totalmente) é o único advérbio que se flexiona.

A porta está toda aberta.


Marina surgiu toda arrumada.

Casos particulares

Palavra Particularidade Norma Exemplos


a) Precedido de o
São casas o melhor
mais, o menor, o me- Fica no singular
possível localizada
lhor, o pior, quanto.
Possível
b) Precedido de os
Eram as mais belas
mais, os menores, os Vai para o plural
cidades possíveis.
melhores, os piores.

Concordam com o Estão anexos os


Anexo e incluso substantivo a que se documentos e a pro-
referem curação.

Precedido da preposi- Em anexo seguem os


Anexo Fica invariável
ção em. documentos.

Elas têm menos força


Menos Não se flexiona
que os irmãos.

a) Substantivo em
Adjetivo no masculino Não é permitido en-
sentido indetermina-
(neutro) trada nesse recinto.
do (sem artigo)
Predicativo
b) Substantivo com
Adjetivo concorda com Só é permitida a en-
sentido determinado
o substantivo trada a funcionários.
(com artigo)

a) Numeral Bebeu meia garrafa


Variável
(= metade) de cerveja.
Meio
b) Advérbio Andava meio aborre-
Invariável
(= parcialmente) cida com os amigos.

a) Adjetivo (referido a Estavam caros os


Variável
substantivo) ovos.
Barato e Caro
b) Advérbio (referido Custavam caro os
Invariável
a verbo) ovos.

66 • capítulo 2
a) Pronome adjetivo
Tenho bastantes ami-
indefinido (= muitos), Variável
gos, felizmente.
referido a substantivo.
Bastante
b) Advérbio (= muito),
Estavam bastante
referido a adjetivo ou Invariável
alegres, na festa.
a verbo.

a) Adjetivo Remeto-lhe a conta


Variável
(= anexo junta.
Junto
b) Advérbio
Invariável Junto, segue a carta.
(= juntamente)

Concordam com o Ela disse:


Obrigado,
gênero e número – Muito obrigada. Eu
Mesmo, Próprio,
da pessoa a que se mesma cuidarei do
Ambos
referem assunto.

Concorda com o subs- Cometeu crime de


Leso
tantivo a que se refere lesa-pátria.

a) Adjetivo (= sozi- Elas se sentiam sós


Variável
nho) naquela casa.
Só b) Palavra denota- Eles só se sentiam
tiva de exclusão (= Invariável bem quando ela esta-
somente) va em casa.

Concorda com aquele Estamos quites com o


Quite Significa livre
a que se refere colégio.

Ela é pseudo-admi-
Pseudo, Alerta, nistradora. Por isso,
São palavras invariáveis
Salvo, Exceto fiquemos sempre
alerta.

ATENÇÃO
Caso os substantivos a serem modificados por um adjetivo no plural sejam de gêneros diferentes, a con-
cordância será feita no masculino plural.
Os adjetivos podem ir para o plural ou concordar em número com o substantivo mais próximo, se houver
uma sequência de substantivos no singular cujo encadeamento construa uma ideia de gradação:

Os noivos foram tomados por uma emoção, de uma alegria, de um entusiasmo contagiantes ao
final da cerimônia religiosa.

Os noivos foram tomados por uma emoção, de uma alegria, de um entusiasmo contagiante ao
final da cerimônia religiosa.

capítulo 2 • 67
RESUMO
A concordância nominal se baseia na relação entre um substantivo (ou pronome, ou numeral substan-
tivo) e as palavras que a ele se ligam para caracterizá-lo, como artigos, adjetivos, pronomes adjetivos,
numerais adjetivos e particípios.

Sintaxe de concordância verbal


É o estudo da flexão do verbo em concordância com o sujeito referido em número e pessoa,
venha ele claro ou oculto. Sujeito é o termo com o qual o verbo da oração concorda em nú-
mero (singular ou plural) e pessoa (1ª,2ª,3ª). Observe:

A paisagem ficou espiritualizada. (sujeito: A paisagem)

José chegou muito cedo ao evento cultural. (sujeito: José)

O rebanho e os pastores voltaram do pasto num tranquilo bando.( sujeito: o rebanho e os pastores)

Fomos à Floresta da Tijuca. (sujeito: Nós)

ATENÇÃO
O sujeito simples apresenta um único núcleo, enquanto o sujeito composto apresenta mais de um núcleo.
Núcleo é o termo central de um sintagma (nominal ou verbal). Outro termo pode ser a ele anexados e
subordinados.
Nos dois primeiros exemplos, cada sujeito apresenta um único núcleo: paisagem, José. No terceiro, há dois
núcleos: rebanho e pastores.
No último exemplo, tem-se sujeito desinencial ou elíptico (Nós). Esse tipo de sujeito é aquele que, em-
bora não venha explicitado na oração, pode ser identificado pela flexão número-pessoal do verbo ou pela
sua presença em outra oração do mesmo período ou de um período antecedente.
Sujeito indeterminado é quando não é possível identificar um referente explícito na oração - ou no con-
texto do enunciado - para a flexão verbal.
Sujeito inexistente acontece quando o verbo da oração é impessoal, ou seja, não se refere a nenhuma
pessoa do discurso. A esta dá-se o nome de Oração sem sujeito: No verão, anoitece mais tarde. (Anoite-
ce - verbo impessoal). Verbos impessoais são os que indicam fenômeno da natureza, como: chover, nevar,
relampejar, trovejar; é também o verbo haver no sentido de ‘existir’: havia muitas pessoas na fila do cinema.

Concordância verbal: regras básicas

A regra geral estabelece que o verbo assume a flexão de número (singular ou plural) e de
pessoa (1ª, 2ª, 3ª) com o termo da oração ao qual se refere. A concordância verbal está sem-
pre presente na articulação entre o sujeito e o verbo.

68 • capítulo 2
Sujeito composto

1 Quando o sujeito é composto e anteposto ao verbo, a concordância se faz no plural.

Pai e filho conversaram longamente.


Pais e filhos devem conversar com frequência.

Sujeito composto posposto ao verbo, o verbo poderá ir para o plural ou estabelecer


2 concordância com o núcleo do sujeito mais próximo.

Pouco falaram o presidente e o ministro.


Pouco falou o presidente e o ministro.

Quando ocorre ideia de reciprocidade, no entanto, a concordância é feita obrigatoria-


3 mente no plural.

Abraçaram-se vencedor e vencido. (Um ao outro/mutuamente)


Ofenderam-se o jogador e o árbitro. (Um ao outro/mutuamente)

Nos sujeitos compostos formados por pessoas gramaticais diferentes, a concordân-


4 cia no plural obedece ao seguinte esquema: a primeira pessoa prevalece sobre a
segunda pessoa que, por sua vez, prevalece sobre a terceira.

Teus irmãos, tu e eu tomaremos a decisão.


Tu e teus irmãos tomareis a decisão.
Pais e filhos precisam respeitar-se.

ATENÇÃO
Contemporaneamente, vários gramáticos e bons escritores empregam o verbo na 3ª pessoa do plural,
quando o sujeito composto é formado por um elemento da segunda pessoa e um da terceira, já que o
tratamento vós vem desaparecendo na língua portuguesa contemporânea.

Tu e teus irmãos tomarão a decisão.

Particularidades da concordância verbal

Sujeitos resumidos por um pronome indefinido (aposto resumitivo) – verbo no sin-


1 gular, pois o verbo concorda com este pronome e não com o sujeito.

Pontes, viadutos, túneis, nada disso é prioritário em uma cidade como São Paulo.
Filmes, teatros, novelas, amigos, nada o tirava de sua apatia.
Bombons, balas, pastéis, tudo era devorado pelas crianças.

capítulo 2 • 69
As expressões um e outro e nem um nem outras seguidas ou não por substantivo
2 singular, verbo no singular ou plural; porém a preferência atual é pelo singular.

Só um ou outro menino usava sapatos; a maioria de tamancos ou descalça.


Mas nem um nem outro pudera(m) compreender logo toda a extensão e a gravidade do mal.
Nem um nem outro previa(m) este encontro.

Quando o sujeito é constituído por expressão partitiva, como a maioria de, a


maior parte de, grande parte de, parte de, uma porção de, o grosso de, o resto de,

3 metade de e equivalentes, e um substantivo ou pronome plural, o verbo pode ir


para o singular (concordando com o núcleo do sujeito) ou para o plural (concor-
dando com o nome plural posposto ao partitivo).

A maior parte deles já não vai à empresa.


Uma porção de meninos de rua me olhavam surpresos.
Para meu espanto, a maioria dos alunos matriculados não dispunha de recursos financeiros.

ATENÇÃO
Verbo no singular – quando se quer destacar o conjunto como unidade.
Verbo no plural - para evidenciar os vários elementos que compõem o todo.

Não só...mas também; tanto ...quanto; tanto ...como – verbo no singular ou plural,
4 ambas as construções são corretas, embora seja preferível o plural.

É um homem excelente, e tanto Bianca como Eleonora o estimam muito, a seu modo.
Qualquer um se persuadirá de que não só a nação, mas também o príncipe estariam pobres.
Tanto um como outro se ocupavam em comercializar.

5 Um dos que, sintaxe dupla – verbo no singular ou plural.

Um dos que, sintaxe dupla – verbo no singular ou plural.


Foi uma das coisas que mais me surpreenderam.
Uma das coisas que sempre agradou a Deus.

Mais de um – verbo no singular, concordando com o substantivo; se houver


6 ideia de reciprocidade, verbo no plural.

Mais de um eleitor compareceu ao diretório.


Mais de um aniversariante se abraçaram na festa (Ideia de reciprocidade = mutuamente).

ATENÇÃO
O sujeito de que participa mais de dois leva o verbo ao plural.

70 • capítulo 2
Quais, aqueles, quantos, poucos, muitos – verbo na 3ª pessoa do plural ou em
7 concordância com o pronome que o acompanha.

Quais de vós me acusareis?


Quais de vós me acusarão?
Muitos de nós andam por aí querendo puxar conversas com vocês.

Se o interrogativo ou indefinido estiver no singular (qual de nós, qual de vós,


8 nenhum de vós ), o verbo deverá ficar no singular.

Quando as nuvens começaram a existir, qual de nós estava presente?


Qual dentre vós me amou realmente?

Com – verbo no plural; a não ser que se atribua a ação a uma só personagem;
9 nesse caso, verbo no singular.

O presidente com seus companheiros fazia a desordem da classe. (Ação participativa)


O presidente, com seus assessores, assinou o acordo internacional. (Ação personalizada – só o
presidente assinou)

Nem, ou – aconselha-se o singular, se a ideia for de exclusão; o plural, se for de


10 participação.

Nem o pai nem o filho será eleito governador. (Nenhum dos dois: exclusão)
Nem o pai nem o avô telefonavam. (Fato expresso pelo verbo pode ser atribuído a todos os sujeitos)
Fui devagar, mas o pé ou o espelho traiu-me. (Fato expresso pelo verbo só pode ser atribuído a um
dos sujeitos)
O último acerto ou o último erro é o que dá nome ao juízo de toda vida. (Vieira)

Se os sujeitos ligados por ou ou por nem não são da mesma pessoa, isto é, se
11 entre eles há algum expresso por pronome da 1ª ou da 2ª pessoa, o verbo irá
normalmente para o plural e para a pessoa que tiver predominância.

Ou ela ou eu havemos de abandonar para sempre esta casa.


Nem tu nem eu soubemos ser nós uma única vez.

Se o sujeito for interceptado por ou, com ideia de retificação de número grama-
12 tical, o verbo concordará com o mais próximo e, também, ficará no singular se a
conjunção indicar identidade ou equivalência.

Nenhuma pista deixou o bandido ou bandidos.


O bandido ou bandidos não deixaram nenhuma pista.
O professor ou o nosso segundo pai merece respeito da sociedade.

capítulo 2 • 71
Quando o núcleo do sujeito é um coletivo, verbo no singular (Concordância Gra-
13 matical) ou no plural (Concordância Atrativa ou Ideológica), quando o coletivo é
determinado.

A manada de elefantes foi afastada da estrada.


Uma quadrilha de bandidos invadiram o banco.
A quadrilha roubou mais de um milhão de reais do banco.

Os nomes de lugar, e também os títulos de obras, que têm forma de plural são
14 tratados como singular, se não vierem acompanhados de artigo.

Mas Campos é que não o esquecerá tão cedo!


Os Lusíadas consagraram o gênero épico de Portugal.
Os Estados Unidos, por sua vez, tentam contornar o caso Clinton.
As Memórias Póstumas de Brás Cubas afinavam-lhe a língua.
Os Andes ficam na América do Sul.

ATENÇÃO
Com nomes de obras artísticas, mesmo antecedidas de determinante no plural, há alguns gramáticos que
preferem o verbo no singular.

Os Lusíadas imortalizou Camões.


Os sertões narram a luta de Canudos.

Com o verbo Ser seguido de predicativo no singular, dá-se preferência ao verbo


15 no singular.

Os Lusíadas é a obra maior da literatura portuguesa.


Os Estados Unidos é a maior potência do mundo.
Os sertões é a obra máxima de Euclides da Cunha.

16 Se o artigo estiver no singular ou ausente, o verbo irá para o singular.

O Amazonas é considerado o pulmão do mundo.


Vidas Secas, de Graciliano Ramos, retrata um quadro social do Brasil.

Pronomes de tratamento (Vossa Excelência, Vossa Alteza, Você, etc.) exigem o


17 verbo na 3ª pessoa do singular.

Saiba, Vossa Alteza, que seus súditos o aguardam.


Aceite, Vossa Excelência, meus cumprimentos.

72 • capítulo 2
ATENÇÃO
Vossa Excelência – deve ser usado quando nos dirigimos à pessoa.
Sua Excelência – deve ser usado quando falamos a respeito da pessoa.

Que, Quem – o relativo que propõe a concordância com o antecedente. Já o

18 relativo quem leva o verbo para a 3ª pessoa do singular, qualquer que seja o
antecedente do relativo, ou concorda com este antecedente.

Sou eu que decido.


Fomos nós que o denunciamos.
Fui eu quem pagou a conta.
Fui eu quem paguei a conta.

Quando não houver o pronome que, o verbo deverá obrigatoriamente concordar


19 com o núcleo do sujeito (= pronome que está antes da preposição de.)

Nenhum de nós dois pôde comparecer ao casamento.


Alguém da coordenação resolveu o problema.
Muitos de nós leram ou lemos Dom Casmurro, de Machado de Assis. (inclusão do sujeito)

20 Em caso de fração, o verbo deve concordar com o numerador.

Um terço compareceu.
Dois terços compareceram.

Em caso de percentagem, sem especificador, o verbo deve concordar com a


21 percentagem.

1% votou (até 1,9% verbo no singular)


2% votaram (acima de 2% = verbo no plural)

Com especificador singular, o verbo pode concordar com o especificador no


22 singular.

20% da população votou.


90% da população brasileira recebem salário-mínimo.

23 Com especificador plural, o verbo deve concordar com a percentagem.

50% dos eleitores entrevistados votarão em Aécio Neves para presidente.

capítulo 2 • 73
Quando o percentual é antecedido por um determinante, a concordância é feita
24 com esse determinante.

Esses vinte por cento de terra serão ocupados.

Com as expressões cerca de, perto de, por volta de, em torno de, mais de, menos
25 de, o verbo deve concordar com o substantivo (= núcleo do sujeito).

Cerca de duzentos alunos entraram em confronto com a direção do colégio.


Perto de vinte mil torcedores assistiram ao jogo do Vasco.

26 Quando os sujeitos são dois ou mais infinitivos, o verbo fica no singular.

Olhar e ver era para mim um recurso de defesa.


Fazer e escrever é a mesma coisa.

Quando os infinitivos exprimem ideias nitidamente contrárias, o verbo pode ir


27 para o plural.

Em sua vida, à porfia, se alternam rir e chorar. (Alberto de Oliveira)

Quando o sujeito é constituído de quantidade (muito, pouco, bastante) ou de uma


28 expressão numérica que se considera em sua totalidade, o verbo Ser fica no singular.

Oito anos sempre é alguma coisa.


Trinta reais? Não será demais?

29 Termo tomado materialmente – verbo no singular.

Nós é pronome pessoal do caso reto.


Felicidades é o substantivo daquela frase.

Sujeito e predicativo representado por pronomes pessoais – o verbo concorda


30 com o sujeito.

Eu não sou ela, gritava a aluna.


Tu não és ele.

A concordância com a expressão não (nunca)... senão; o verbo concorda com o


31 termo que se segue a senão.

Ao aparecer o dia, por quanto os olhos podiam alcançar, não se viam senão cadáveres.
Não se viam mais que cadáveres.

74 • capítulo 2
ATENÇÃO
Tanto a concordância nominal quanto a concordância verbal podem, além da concordância rigidamente
gramatical, ser feitas também atrativa ou ideologicamente.

•  Concordância Rígida, Gramatical ou Lógica: é feita de acordo com as normas gramaticais.


•  Concordância Atrativa: é feita por uma questão de proximidade, abandonando as regras gramaticais.
•  Concordância Ideológica: é feita de acordo com a ideia transmitida pelas palavras, e não por sua forma
gramatical. A concordância ideológica é chamada também de silepse.

Concordância ideológica

Silepse de gênero: muito comum com os


a pronomes de tratamento
Vossa Senhoria foi injusto.

Silepse de pessoa: quando o falante


b também se considera incluído em um Todos chegamos atrasados à palestra.
sujeito na 1ª pessoa do plural

Silepse de número: quando se tem como


sujeito um substantivo coletivo que tem Caíram de joelhos aquele povo nordesti-
c forma singular, mas expressa ideia de no sofrido.
pluralidade.

Casos particulares

Tipo de sujeito Particularidade Norma Exemplos


A multidão vaiava o
Coletivo Como única palavra. Verbo no singular.
ladrão.

O pessoal quer a
Como única palavra,
Pode haver silepse vitória, sem dúvida,
Coletivo mas distanciado do
de número. mas sabem que será
verbo.
difícil.

A maioria de, a Verbo no singular A maioria dos jovens


Particularizado por
maior parte de, (realçando o todo) ou quer as reformas. A
complemento no
grande número de no plural (destacando maioria dos jovens
plural.
etc. a ação do indivíduo. querem as reformas.

capítulo 2 • 75
V. Exª. sabe que isso
Forma de Do tipo V.S.ª.,Ex.ª., S. não é verdade.S.Sªs.
Verbo na 3ª pessoa.
tratamento Ex.ªª.etc. estiveram aqui
ontem.

Mais de um ano se
Mais de, menos de, Verbo concorda com passou.Menos de
Com um substantivo
perto de, cerca de o substantivo. cem alunos vieram à
Universidade

Sou eu que, foste tu Sou eu que faço.


Verbo ser + pronome Verbo concorda com
que, seremos nós Seremos nós que
pessoal + Que o pronome pessoal.
que faremos.

Sou eu quem faço.


Verbo concorda com
Sou eu quem, foste Sou eu quem faz.
Verbo ser + pronome o pronome pessoal
tu quem, seremos Somos nós quem
pessoal + quem. ou fica na 3ª pessoa
nós quem fazemos.Somos nós
do singular.
quem faz.

Se o primeiro
elemento estiver
Quem de nós viu o
no singular o verbo
pôr-do-sol?Alguém
Pronome indefinido ficará na 3ª pessoa
Quem de nós, dentre nós sairá mais
ou interrogativo + do singular. Se o
alguém dentre vós, cedo.Quais de nós
preposição de ou primeiro elemento
quais de vós, vários viram (ou vimos) o
dentre + pronome for plural, o verbo
dentre vós. pôr-do-sol?Várias
pessoal. ficará na 3ª pessoa
dentre vós sairão (ou
do plural ou concor-
saireis) mais cedo.
dará com o pronome
pessoal.

Ela é uma das que


Antecedido da Verbo ficará na 3ª
mais impressiona (ou
Pronome relativo expressão “um dos”, pessoa do singular
impressionam) os
“uma das”. ou do plural.
colegas.

Aquela é uma das


Antecedido da
peças de Nélson
Pronome relativo expressão “um dos”, Verbo fica obrigato-
Rodrigues que hoje
que “uma das”, com ideia riamente no singular.
se apresentará neste
de seletividade.
teatro.

Se precedido de arti- Os Estados Unidos


Nomes próprios
go plural, o verbo irá exportam produtos
locativos ou
para o plural. Caso manufaturados.Minas
intitulativos de
contrário, irá para o Gerais progride
formas plurais
singular. intensamente.

76 • capítulo 2
Verbo vai para o O pai e o filho cami-
Composto Antes do verbo.
plural. nhavam.

Verbo concorda
Caminhavam o pai e
com o núcleo mais
Composto Após o verbo. o filho. Caminhava o
próximo, ou vai para
pai e o filho.
o plural.

A primeira pessoa Eu, tu e ela conver-


Verbo concordará
Composto predomina sobre as saremos.Tu e ela
conforme a priori-
por pronomes demais, a segunda conversareis. (Hoje,
dade gramatical das
diferentes pessoa predomina já se admite: tu e ela
pessoas.
sobre a terceira. conversarão).

O fato expresso O mestre com o ami-


Composto, com pelo verbo pode ser Em função disso o go visitaram a Itália.
núcleos ligados por atribuído a todos os verbo irá para o plu- A viúva, com o resto
com núcleos ou a apenas ral ou para o singular. da família, mudou-se
um, o primeiro. para Salvador.

O fato expresso Nem o cansaço


pelo verbo pode ser nem a ansiedade o
Composto, com Em função disso, o
atribuído a todos impediram de sonhar.
núcleos ligados verbo irá para o plu-
os núcleos ou a um Nem o amor nem o
por nem ral ou para o singular.
deles (ideia de alter- ódio me move nesse
nativa). caso.

Tanto um como o
Composto, com Normalmente o verbo
Núcleos considera- outro se ocupavam
núcleos ligados por irá para o plural
dos como termos que do caso.Não só o pai,
tanto, como, não só, (pode- se encontrar
se reforçam mas também os avós
mas também. o singular).
resolveram agir.

Pode-se valorizar um Em função disso, o Um e outro tinha


Um e outro elemento da locução, verbo irá para o plu- razão.Um e outro
ou os dois. ral ou para o singular. admitiram sua culpa.

Com expressão Um ou outro chegará


Verbo fica normal-
Um ou outro substantiva ou hoje.Um ou outro
mente no singular.
adjetiva. aluno fará o trabalho.

Como expressão Nem um nem outro


Verbo fica normal-
Nem um nem outro substantiva ou chegou.Nem um nem
mente no singular.
adjetiva. outro rei governou.

capítulo 2 • 77
Maria ou Luana será
a eleita do coração
Composto, com
Conjunção indica ex- Verbo fica no sin- do rapaz.A glotologia
núcleos ligados
clusão, ou sinonímia. gular. ou linguística estuda
por ou
fatos da linguagem
humana.

O inverno ou verão
Composto, com
Conjunção indica in- não me incomo-
núcleos ligados Verbo fica no plural.
clusão, ou antonímia. dam.O amor ou o
por ou
ódio estão presentes.

Não sei qual foi o


Composto, com Verbo concorda
Conjunção indica autor ou autores do
núcleos ligados com o núcleo mais
retificação. livro.O autor ou auto-
por ou próximo.
res não apareceram.

Amores, ódios, pai-


Seguido por aposto O verbo concorda
Sujeito Composto xões, tristezas, tudo
resumitivo. com o aposto.
aconteceu com ele.

RESUMO
Em regra, o verbo concorda com o núcleo do sujeito em número e pessoa. Assim, devem-se observar os
tipos de sujeitos existentes nas orações, em busca de uma perfeita concordância.

Concordância dos verbos Fazer, Haver, Ser e Dar


Regras especiais

Verbos Impessoais
Os verbos impessoais são os que não possuem sujeito, ficando na terceira pessoa do singular.
São verbos impessoais:

Os que denotam fenômeno da natureza: chover, nevar, ventar, gear, amanhecer, entarde-
a cer, anoitecer, relampejar, trovejar.

Choveu muito ontem.

b O verbo fazer quando indica fenômeno da natureza ou tempo decorrido.

Faz dez anos que eles chegaram de Salvador.


Em Natal faz verões terríveis.
Fazia dois meses.

78 • capítulo 2
c O verbo Haver no sentido de existir.

Havia muitos alunos em AV3.

Concordância do verbo Fazer


Se o verbo fazer vier com um auxiliar, transfere sua impessoalidade a seu auxiliar.

Vai fazer dois anos.


Ia fazer quatro semanas.
Há de fazer três dias.
Deve fazer frio.
Faz agora vinte anos que ali se inaugurou a sua Clínica Médica.
Faz agora três anos e um dia que ele partiu.

O verbo fazer é chamado também de verbo vicário, porque faz as vezes de outro verbo,
quando usado para evitar repetição do verbo principal.

Quis viajar, mas não pude fazê-lo. (não pude viajar)

Concordância do verbo Haver


O verbo Haver no sentido de existir é impessoal. Deve, pois, ficar na 3ª pessoa do singular.

Há festas.
Houve eleições.
Havia razões.
Haverá dúvidas.

Se o verbo Haver vier com um auxiliar, este se torna também impessoal.

Vai haver festas.


Deve haver razões.
Há de haver eleições.
Ia haver dúvidas.

Se o verbo Haver auxiliar um verbo pessoal, concordará com o sujeito deste verbo.

Vós haveis de crer.


Hás de voltar.
Hão de cair as folhas.
Haviam de calar as vozes.

O verbo Haver só é impessoal no sentido de existir e na indicação de tempo decorrido (=


fazer). Em outros sentidos é pessoal; tem sujeito com o qual concorda.

capítulo 2 • 79
Os trabalhadores houveram do empregador uma remuneração mais condigna. (obtiveram)
Os alunos houveram que a obra fosse camoniana. (Julgaram)
Os alunos houveram-se bem nos exames. (Portaram-se)
Se não estudares, haverás comigo. (Ajustarás contas)

O verbo Haver no sentido de existir é impessoal, porém o verbo Existir é pessoal; tem
sujeito com o qual concorda.

Existem festas.
Existiram dúvidas.
Existiam razões.
Existirão eleições.

Se o verbo Existir vier com um auxiliar, transfere sua pessoalidade para o seu auxiliar.

Devem existir festas.


Iam existir dúvidas.
Vão existir dúvidas.
Hão de existir eleições.

A expressão há pouco, há tempo, há século, há anos, há meses, há semanas, há dias, há ho-


ras, há minutos, há segundos são contruídas com o verbo Haver se a circunstância for passa-
do e sempre na terceira pessoa do singular.

Há dias vi-o.
Há pouco encontrei-o.
Há segundos partiu.
Há meses estudava inglês.

Se a circunstância for futura ou indicar distância, constroem-se com preposição aque-


las expressões.

A segundos partirás.
A meses estudarei inglês.
Mora a cem metros do colégio.

REFLEXÃO
Concordância de haja vista
A expressão haja vista é invariável quando seguida de termo singular ou preposicionada. Mas, quando o
termo que acompanhar a expressão estiver no plural sem preposição, ela poderá ser flexionada. Observe:

Haja vista o nordestino.


Haja vista o ideal.

80 • capítulo 2
Hajam vista os nordestinos.
Hajam vista os ideais.

Nas expressões bem haja, mal haja, o verbo haver tem sujeito com o qual concorda.

Bem hajam os inocentes.


Mal hajam as ilusões soçobradas.

ATENÇÃO
É erro grave, na modalidade culta da língua, usar o verbo Ter em substituição a Haver. O verbo Ter reclama
sistematicamente a presença do sujeito.

Hoje tem aula. (errado)


Na sala tem carteiras. (errado)
Hoje há aula. (certo)
Na sala há carteiras. (certo)

Concordância dos Verbos, Dar, Bater, Soar


Se houver sujeito o verbo concorda com o sujeito.

O relógio deu quatro horas.


Os relógios soaram uma hora.
O sino bateu oito horas.

Se não houver sujeito, o verbo concorda com o número de horas.

No relógio deram quatro horas.


Soaram duas horas.
Deram cinco horas no relógio da Matriz.
Cinco horas soaram, bateram, tangeram, tocaram, tiniram, marcaram, no relógio da Matriz.

Concordância especial: verbo Ser


O verbo Ser merece relevância quando se discute a concordância verbal. Há casos em que
esse verbo concorda com o sujeito da oração, há casos em que concorda com o predicativo
e há casos, ainda, em que pode concordar tanto com o sujeito como com o predicativo, a
depender do termo que se quer destacar.

capítulo 2 • 81
Verbo Ser indicando tempo
1 Na indicação de tempo, o verbo Ser concorda com o numeral que ocorre no predicativo.

Observe os exemplos.

São cinco horas da madrugada e você continua acordado!


Já é uma hora da tarde.
Já são mais de nove horas.
Hoje são três de outubro.
Observe que na especificação do dia do mês, conforme ocorre no último exemplo, o verbo ser
concorda no singular com o substantivo dia, se ele anteceder o numeral.

2 Verbo Ser + sujeito constituído por pronome interrogativo, indefinido ou demonstrativo.

Quando o sujeito do verbo Ser é um dos pronomes interrogativos que ou quem, pronome indefinido
ou um dos pronomes demonstrativos isto, isso,aquilo, a concordância se faz com o predicativo do
sujeito. Observe:

Quem são os alunos vencedores do Quiz.


Que são substantivos coletivos?
Isso são falares que se usem em sala de aula?

3 Verbo Ser + sujeito constituído por expressões que indicam quantidade.

Quando o sujeito da oração é constituído de expressões que indicam quantidade, preço, valor, me-
dida no plural, o verbo ser permanece na 3ª pessoa do singular.

Cem quilos é muita coisa.


Trezentos euros é um preço aceitável por uma diária no Hotel Fasano.

4 Verbo Ser + pronome pessoal do caso reto

Eu sou a Lóri de Clarice Lispector. A Lóri de Clarice Lispector sou eu.

5 Verbo Ser + substantivo próprio + substantivo comum

A Meryl Streep foi, por longas décadas, todos os meus sonhos.


Os meus sonhos, por longas décadas, foi a Meryl Streep.

6 Verbo Ser + núcleo do sujeito no singular + núcleo do predicativo no plural

Quando o verbo Ser ocorre entre um sujeito cujo núcleo é um substantivo comum no singular e um predi-
cativo cujo núcleo é um substantivo comum no plural, a tendência é o verbo concordar com o predicativo.

O problema do cartão são os juros.

82 • capítulo 2
Concordância verbal: voz passiva

Leia o texto abaixo.

O Gramático e o Ferreiro

Foi assim com o ferreiro da esquina, em cujo O honesto ferreiro não entendia nada de nada.
portão de tenda uma tabuleta – “Ferra-se ca- – Macacos me lambam se estou entendendo
valos” – escoicinhava a santa gramática. o que V. S.ª diz...
– Amigo - disse-lhe pachorrentamente Aldro- – Digo que está a forma verbal com eiva gra-
vando - natural a mim me parece que erres, ve. O ferra-se tem que cair no plural, pois que
alarve que és. a forma é passiva e o sujeito é cavalos.
Se erram paredros, nesta época de ouro da – Ah! – respondeu o ferreiro – começo agora
corrupção. a compreender.
O ferreiro pôs de lado o malho e entreabriu Diz V. S.ª que...
a boca. –... que “ferra-se cavalos” é um solecismo
– Mas da boa sombra do teu focinho espero – horrendo e o certo é “ferram-se cavalos”.
continuou o apóstolo – que ouvidos me darás. – V. S.ª me perdoe, mas o sujeito que ferra
Naquela tábua um desleixo existe que seria- os cavalos sou eu, e eu não sou plural. Aque-
mente à língua lusa ofende. Venho pedir-te, em le “se” da tabuleta refere-se cá a este seu
nome do asseio gramatical, que o expunjas. criado. É como quem diz: Serafim ferra cava-
–??? los – Ferra Serafim cavalos. Para economizar
– Que reformes a tabuleta, digo. tinta e tábua abreviaram o meu nome, e ficou
– Reformar a tabuleta? Uma tabuleta nova, como está: Ferra Se (rafim) cavalos. Isto me
com a licença paga? Estará acaso rachada? explicou o pintor, e entendi-o muito bem.
– Fisicamente, não. A racha é na sintaxe. Fo-
gem ali os dizeres à sã gramaticalidade. (Monteiro Lobato.)

CONCEITO
Escoicinhava: tratar brutalmente, insultar.
Alarve: rústico, grosseiro, rude.
Paredro: mentor guia; bras. dirigente de clube esportista.
Expungir: fazer desaparecer (uma escrita) para substituí-la por outra; apagar.

Na voz passiva, o verbo concorda com o sujeito paciente da ação verbal.

Os mares são iluminados pelo sol.


Iluminam-se os mares.

Há, em português, duas maneiras de se praticar a voz passiva, uma com o verbo Ser,
outra com a partícula se.

capítulo 2 • 83
Voz ativa: O professor ensina idiomas.

Idiomas são ensinados pelo professor.


Voz passiva:
Ensinam-se idiomas.

Em ambos os casos da voz passiva, o verbo concordou com idiomas que é o sujeito pas-
sivo da ação verbal. Só os verbos transitivos diretos permitem a voz passiva.
Observe a frase:

Vendem-se estas duas casas.

Aí não está escrito que “alguém vende estas duas casas”, mas que “estas duas casas são
vendidas”, ou seja, o sujeito não é o agente da ação verbal, mas o paciente; o verbo não está
na voz ativa, mas passiva. Eis por que concorda com o sujeito da oração.

Vendem-se  estas duas casas.


partícula apassivadora sujeito passivo

Leia a frase abaixo:

VENDEM-SE VOTOS

Na frase a concordância está perfeita, pois não está escrito que “alguém vende “votos”,
mas sim que “votos são vendidos”, ou seja, o sujeito não é o agente da ação verbal, mas o pa-
ciente; o verbo não está na voz ativa, mas na passiva pronominal ou sintética (se = pronome
apassivador). Eis por que o verbo concorda com o sujeito da oração.
Assim, quando o verbo vier acompanhado de pronome apassivador se, concordará em
número e pessoa com o sujeito.

Ainda se leem os clássicos. Nunca jamais se viu tanto peixe assim.

Dão-se aulas. Nunca jamais se viram tantos peixes assim.

No Brasil, fabricam-se carros e plantam-se


Só se visam cheques à tarde.
cereais.

Cobrem-se botões. Não se ouve a voz.

Abrem-se as portas com fragor. Não se ouvem as vozes.

ATENÇÃO
Só o verbo transitivo direto (ou transitivo direto e indireto) admite a voz passiva. O verbo transitivo in-
direto ou intransitivo não passam para voz passiva. A partícula se junto a eles funciona como índice de
indeterminação do sujeito e o verbo sempre fica na terceira pessoa do singular. Entretanto, atualmente,

84 • capítulo 2
alguns verbos transitivos indiretos são usados na voz passiva e aceitos pela Nomenclatura Gramatical
Brasileira - NGB, como: obedecer, assistir.

Se: índice de indeterminação do sujeito

Repare agora nos exemplos abaixo:

No Chile, come-se bem.

Essa oração está na voz ativa; alguém ou qualquer pessoa come bem no Chile.

No Chile, come-se bem.


verbo intransitivo índice de indeterminação do sujeito

Logo, o verbo ficará sempre na terceira pessoa do singular, quando o sujeito estiver inde-
terminado pela partícula se, que será classificada como índice de indeterminação do sujeito.

Sempre se obedece aos juízes. Precisa-se de técnicos.

Necessita-se de bons professores. Sempre se perdoa aos pecadores.

Morre-se nos campos de batalha. Vive-se nos campos e cidades.

No interior, dorme-se de portas e janelas abertas Não mais se viaja de trem.

RESUMO
Tipo de sujeito Particularidade Norma Exemplos
Deram dez horas da
Verbo concorda com
noite.O relógio deu
o sujeito explícito;
Pode ou não haver dez horas.
Com os verbos Dar, se não houver, verbo
um sujeito explícito Os relógios deram
Bater, Soar concorda com a
(relógio, por exemplo). uma hora.
expressão numérica
Deram dez horas no
das horas.
relógio...

A causa eram os seus


Verbo pode concor-
No geral concorda projetos eclesiásticos.
Com o verbo Ser dar com o sujeito ou
facultativamente. As causas era um
com o predicativo.
grande mistério.

capítulo 2 • 85
São sete horas.
Indicando hora, data Verbo concorda com Hoje são 13 de
Com o verbo Ser
ou distância. o predicativo. outubro.
Hoje é dia 13.

Com o verbo Ser Tudo eram sorrisos.


Verbo normalmente
(sujeito isto, isso, Predicativo é um Isso são modos?
concorda com o
tudo, quem, nada, substantivo no plural. Quem são os meni-
predicativo.
aquilo) nos?

Dois é pouco.Trinta
Indicando medida, quilos é muita coisa.
Com o verbo Ser Verbo fica no singular.
preço, peso. Dez reais é quase
nada.

Na voz passiva sinté- Vendem-se casas.


O verbo concorda
tica, com o pronome Podem-se ler vários
Passivo com o sujeito pa-
apassivador se. Ver- livros.
ciente.
bo transitivo direto. Escutavam-se rumores.

Com o pronome
indeterminador do Precisa-se de empre-
O verbo fica na 3ª
Indeterminado sujeito se. Verbo gados.
pessoa do singular.
intransitivo ou transi- Vive-se bem aqui.
tivo indireto.

Há fatos estranhos
Com o significado de O verbo fica na 3ª neste caso.
Com o verbo Haver
existir. pessoa do singular. Houve muitos apelos
do público.

Indicando o tempo Há dez noites ele


Com os verbos passado, os verbos Os verbos ficam na 3ª vigia a casa.
Haver e Fazer são impessoais, não pessoa do singular. Já faz três noites que
têm sujeito. ele se foi.

Sintaxe de colocação pronominal


— Vamos massacrá-los!
— Vamos!
— Vamos arrasar eles!
— Vamos!
— Mas antes, vamos acertar o pronome.

O objetivo aqui é ensinar a colocação pronominal, a posição preferencial do pronome


oblíquo átono no português do Brasil e as regras que definem o uso da ênclise, próclise e
em que contexto deve ser usada a mesóclise.

86 • capítulo 2
No texto humorístico em epígrafe, os pronomes los e eles substituem a palavra joga-
dores e dos dois empregos apresentados, apenas o da primeira frase está de acordo com
a norma padrão, pois os pronomes retos funcionam sempre como sujeito e nunca como
complemento verbal.

CURIOSIDADE
A gramática normativa recomenda que os pronomes oblíquos átonos o, a os, as, sejam usados quando
na função sintática de complemento verbal – objeto direto. Em linguagem informal, contudo, no lugar dos
pronomes o, a, os, as, são empregados pronomes retos de 3ª pessoa (ele, ela, eles, elas), conforme apre-
sentado na segunda frase.
Na frase “Encontrei Miguel na Floresta da Tijuca”, o complemento verbal provavelmente seria substituído,
em um contexto informal, por um pronome pessoal do caso reto: “Encontrei ele na Floresta da Tijuca.”

Para que servem os pronomes?

Pronomes são palavras que exercem papel fundamental nas interações verbais. São eles
que indicam as pessoas do discurso, expressam formas sociais de tratamento e substi-
tuem, acompanham ou retomam palavras e orações já expressas. Contribuem, assim, para
a clareza, a coerência e a coesão do texto.

Pronomes oblíquos átonos


Leia o texto intitulado “Papos”, de Veríssimo:

Papos

– Me disseram...
– Disseram-me.
– Hein?
– O correto é "disseram-me". Não "me disseram".
– Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é "digo-te"?
– O quê?
– Digo-te que você...
– O "te" e o "você" não combinam.
– Lhe digo?
– Também não. O que você ia me dizer?
– Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir
a sua cara. Como é que se diz?
– Partir-te a cara.
– Pois é. Parti-a hei de, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.
– É para o seu bem.
– Dispenso as suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender.
Mais uma correção e eu...
– O quê?

capítulo 2 • 87
– O mato.
– Que mato?
– Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-e. Ouviu bem?
– Eu só estava querendo...
– Pois esqueça-o e para-te. Pronome no lugar certo é elitismo!
– Se você prefere falar errado...
– Falo como todo mundo fala. O importante é me entenderem. Ou entenderem-me?
– No caso... não sei.
– Ah, não sabe? Não o sabes? Sabes-o não?
– Esquece.
– Não. Como "esquece"? Você prefere falar errado? E o certo é "esquece" ou
"esqueça"? Ilumine-me. Me diga. Ensines-o-me, vamos.
– Depende.
– Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-o-ias se o soubesses, mas não
sabes–o.
– Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.
– Agradeço-lhe a permissão para falar errado que mas dás. Mas não posso mais dizer-o-te o que dizer-
te-ia.
–Por que?
– Porque, com todo este papo, esqueci-o.

VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.65-66.

Percebe-se que, intencionalmente, Veríssimo criou o texto de forma humorística, por


meio de um contexto de uma conversa informal, para abordar a questão da colocação pro-
nominal. Assim, quando um dos interlocutores do texto afirma que o correto é “disseram-
me” e não “me disseram”, está fazendo referência a uma das regras da gramática normativa
para a colocação pronominal.
Há uma série de outras infrações gramaticais, além das de colocação pronominal, nesse
texto, como: “Me disseram...”, “Vê se esquece-me”, “Matar-lhe-ei-te”, dentre outros.
Leia, agora, as trechos humorísticos abaixo :

— Me diga uma coisa...


— O correto é "diga-me".
— Tá, me desculpe...
— O correto é "desculpe-me".
— Dane-se!
— Agora acertou.

— Como você chama isto?!


— Não tenho um nome para isso – simplesmente juntei algumas sobras.
— Me recuso a comer comida anônima.

Os trechos, retirados de tiras humorísticas, dialogam intertextualmente com o texto de


Veríssimo, pois todos eles tratam do mesmo tema, a saber: colocação pronominal. No pri-

88 • capítulo 2
meiro trecho, o uso do pronome oblíquo me nas frases “Me diga uma coisa” e “Me recuso a
comer comida anônima” não está de acordo com a norma culta, pois segundo as regras de
colocação pronominal, não se deve iniciar frase com pronome oblíquo átono.
Nesse caso, deve-se priorizar a ênclise, e não a próclise, embora esse uso seja bastante
frequente na linguagem informal ou coloquial.
Os pronomes pessoais oblíquos átonos atuam, sintaticamente, como complementos
de verbo. A colocação pronominal é a parte da gramática normativa que determina qual
deve ser a posição ocupada pelos pronomes oblíquos em relação aos verbos, a depender do
contexto sintático em que ocorrem.

ATENÇÃO
Os pronomes pessoais caracterizam-se:
•  Por denotarem as três pessoas gramaticais (quem fala; com quem se fala; de quem se fala).
•  Por poderem representar, quando na 3ª pessoa, uma forma nominal anteriormente expressa. Exemplo:
Levantaram Tina; quiseram levá-la, embora ela se opusesse [...].
•  Por variarem de forma, segundo a função que desempenham na oração:
Retos: função de sujeito e predicativo. Poderão ser vocativos (no caso de TU e VÓS)
Oblíquos: fundamentalmente função sintática de objeto direto ou indireto.

Quando o pronome oblíquo de 3ª pessoa, que funciona como objeto direto, vem antes do verbo, apresenta-
se sempre com as formas o, a, os, as.
Exemplo: Não o ver para mim é um suplício.

Quando, porém, está colocado depois do verbo e se liga a este por hífen (pronome enclítico), a sua forma
depende da terminação do verbo.
1.  Forma verbal terminada em vogal ou ditongo oral, emprega-se o, a ,os, as: Louvo-o; Louvei-os.
2.  forma verbal terminada em -r, -s, ou -z, suprimem-se estas consoantes, e o pronome assume as moda-
lidades lo, la, los, las: “Vê-lo para mim é um suplício”. “Encontramo-la em casa”.
3.  forma verbal terminada em nasal, a nasalidade transmite-se ao pronome: A professora passa os exercí-
cios e os alunos fazem-nos com prazer.

Infrações gramaticais

1.  O uso indevido de um pronome pode gerar ambiguidade, como em: Miguel disse a Paulo que ele
chegaria primeiro.

2.  Na fala vulgar e familiar do Brasil é frequente o uso do pronome ele(s), ela(s) como objeto direto em
frases como “Vi ele” e “Encontrei ela”. O certo é Vi-o e “Encontrei-a”, pois ambos os verbos são transitivos
diretos, exigindo como complemento objeto direto. Portanto é errado dizer também: “Não lhe via há muito
tempo”. O correto é: “Não o via há muito tempo”.
(CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2001)

capítulo 2 • 89
Em situações de maior formalidade, os pronomes pessoais oblíquos devem ser empre-
gados sempre após o verbo, desde que não haja a presença de um atrator que possa justifi-
car a ocorrência da próclise.

Colocação pronominal no português do Brasil e no de Portugal

Um dos aspectos que diferenciam bastante o português do Brasil do português de Portugal


é justamente a posição em que os pronomes oblíquos átonos costumam ocorrer.
Como a organização do aspecto rítmico dos enunciados é bem diferente para as duas
variedades do português, em Portugal, fatores produtivos da língua levaram ao uso siste-
mático do pronome oblíquo átono após o verbo, em contexto em que, no Brasil, refere-se o
emprego antes do verbo.

Posição ocupada pelos pronomes oblíquos átonos


Os pronomes oblíquos átonos podem ocupar três posições diferentes:

Quando o pronome oblíquo átono vem antes do verbo, diz-se que ocorreu uma próclise
1 pronominal.

Não se permitiam mulheres na política.

Quando o pronome oblíquo átono aparece após o verbo, diz-se que ocorreu uma ênclise
2 pronominal.

Justificou-nos a sua ausência à reunião.

Quando o pronome oblíquo átono aparece entre o radical e a desinência das formas ver-
3 bais do futuro do presente e do futuro do pretérito, diz-se que ocorreu uma mesóclise.

Inscrever-me-ei no Concurso para Magistratura do Paraná.

CONCEITO
Próclise
Pronome antes do verbo

Ênclise
Pronome depois do verbo

Mesóclise
Pronome entre o radical e a desinência das formas verbais no futuro do presente e no futuro do pretérito.

90 • capítulo 2
Regras: colocação dos pronomes oblíquos átonos

Próclise
Determinadas palavras da língua atraem o pronome oblíquo átono, obrigando ao uso da
próclise, por isso são consideradas “atratores” dos pronomes pessoais oblíquos átonos e,
nesses casos, esses pronomes devem anteceder o verbo que complementam.
Recomenda-se o uso da próclise nos seguintes casos:

1 Palavra ou locuções de sentido negativo:

Ninguém lhe devolverá o livro./ Nunca a esquecerei, Maria.

Em orações com o verbo precedido de advérbio, desde que não haja uma pausa
2 entre eles:

Aqui me furtaram o pouco que consegui./ Amanhã te procurarei para conversarmos.

3 Pronomes relativos:

A moça a que me referi é aquela.

4 Pronomes indefinidos:

Alguém o traiu naquela história.

Conjunções ou locuções conjuntivas coordenativas que formam orações coor-


5 denadas sindéticas alternativas:

Ou te inscreves no concurso, ou te esqueces do prêmio.

6 Conjunções e locuções subordinativas e integrantes:

O médico que a examinou é gaúcho./ Os professores ficaram frustrados, porque nos esperavam
para a festa e não pudemos comparecer.

7 Em orações optativas (que exprimem desejo) e exclamativas:

Deus o ajude! Tomara que me aceitem na Empresa.

8 Em orações interrogativas:

Quem me viu com você?

capítulo 2 • 91
9 Em orações subordinadas desenvolvidas:

Mesmo que me queiras, não voltarei.

10 Em orações com o verbo precedido de um pronome demonstrativo neutro:

Aquilo te deu uma péssima impressão. Isto me entristece muito.

Em orações com o verbo no gerúndio, precedido de preposição em ou de


11 advérbio de negação:

Em se tratando de criança, aceito a brincadeira./ Não nos favorecendo nesse caso, não poderemos
mais contar com ele.

Ênclise
O pronome oblíquo átono deve assumir uma posição enclítica (depois) ao verbo nestes
contextos:

1 Verbo iniciando a oração, seguido de pronome oblíquo átono:

Faça-me o favor de não se atrasar na próxima consulta médica.

2 Infinitivo impessoal:

Vai acompanhar-me até o aeroporto?

3 Imperativo afirmativo:

Deixe-o na gaveta do armário.

4 Verbo no gerúndio sem estar precedido da preposição em:

Não se explicou, deixando-nos apreensivos.

Usa-se pronome oblíquo em posição enclítica quando inexistirem motivos para o


emprego da próclise ou da mesóclise, ou ainda quando o verbo estiver no infinitivo
regido ou não de preposição.

Mesóclise
A gramática normativa recomenda o uso da mesóclise sempre que o verbo estiver no futuro
do presente ou no futuro do pretérito e não vier precedido por uma das palavras que atra-
em os pronomes átonos, vistas acima quando se falou em palavras consideradas atratores,
caso em que a próclise irá prevalecer.

92 • capítulo 2
Quanto ao uso da mesóclise, ressalta-se que essa colocação pronominal está pratica-
mente em desuso na língua, ficando hoje restrita somente a alguns contextos formais de
uso escrito da linguagem.
Observa-se frequentemente que, nas raras ocorrências de mesóclise na linguagem colo-
quial, ela costuma ser utilizada para provocar um efeito de humor ou de ironia, ou mesmo
para criar uma imagem associada ao formalismo excessivo e ao pedantismo.
Nos casos em que a próclise é obrigatória, o pronome fica proclítico, mesmo diante de
verbo no futuro:

Não se aceitarão passaportes vencidos.

Locuções verbais

Nas locuções verbais, pode ocorrer próclise ou ênclise em relação ao verbo auxiliar ou ao
verbo principal (expresso nas formas nominais).

Verbo auxiliar + gerúndio


Usa-se de preferência a próclise, mas são usados, além dela, mais dois tipos de colocação.

Essa ideia me foi surgindo como uma salvação. (Antes do verbo auxiliar)
A imagem dela vai-se delineando aos poucos. ( depois do verbo auxiliar)
Suas amigas estavam preparando-lhe uma festa surpresa.( depois do verbo principal)

Verbo auxiliar + infinitivo


Em geral, o pronome oblíquo átono vem após a locução verbal.

Jéssica pareceu comprometer-se com aquele sorriso.


Ter uma ideia e poder expressá-la é muito bom.

Verbo auxiliar + particípio


Geralmente, o pronome oblíquo átono é empregado no meio da locução verbal. É raro apa-
recer antes da locução verbal.

A lua tinha-se escondido atrás da montanha.

ATENÇÃO
Esta regra vale para todas as locuções verbais formadas por verbo auxiliar + forma nominal (gerúndio,
infinitivo ou particípio): quando se verificar algum dos casos que determinam a próclise, o pronome fica
antes do verbo auxiliar.
Nossa mãe não nos deixava ir ao clube sozinhas. (não - expressão negativa)

capítulo 2 • 93
Pronome oblíquo átono: fator de coesão

A coesão é revelada por meio de marcas linguísticas presentes na estrutura sequencial do tex-
to. Ela estabelece a relação semântica entre elementos do texto que são cruciais para a sua
interpretação. Nesse sentido, como os pronomes pessoais são palavras que têm sua carga se-
mântica plena apenas quando relacionadas a um substantivo, significa que nunca têm auto-
nomia e, por referir-se a outro termo, tornam-se peça fundamental na arquitetura de um texto.

RESUMO
Esta Unidade I estrutura-se em dois capítulos. O Capítulo 1 trata dos conceitos básicos da gramática, como
regras de acentuação gráfica e ortografia, uso do hífen, parônimos, homônimos, uso do porquê, emprego
dos sinais de pontuação, qualidades da comunicação escrita ( clareza, concisão, adequação vocabular e
correção gramatical).
O Capítulo 2 também compreende temas relacionados à descrição dos fatos linguísticos, ou seja, da es-
trutura da forma gramatical, focalizando o conteúdo descritivo tradicional, encontrado em toda gramática,
com ênfase, porém, na compreensão do papel que os elementos e processos gramaticais desempenham
na construção do sentido e na interação verbal.
Para isso, aborda-se, neste capítulo 2, frase, oração, período, termos da oração; concordância nominal;
concordância verbal; emprego dos verbos haver, existir, fazer; dar; soar; ser; colocação pronominal, dentre
outros elementos e processos gramaticais.

ATIVIDADE
1.  (IBMEC - SP-2007) Leia os enunciados a seguir:

I. Especialistas atribuem o alto número de casos de anorexia, em parte, à    cultural por   


II. A    de agentes da Polícia Federal teve grande    na imprensa.

As lacunas estão corretamente preenchidas em

a) obseção, magresa, paralisação, repercução


b) obsessão, magreza, paralização, repercussão
c) obsceção, magreza, paralisação, repercussão
d) obssessão, magresa, paralização, repercução
e) obsessão, magreza, paralisação, repercussão

2.  (ESAF) Indique a sequência que preenche corretamente as lacunas do texto abaixo.
A história nos mostra que o desenvolvimento econômico europeu,    partir das navegações, sempre se
fez    custa dos territórios ultramarinos. Não foram apenas as matérias-primas, destinadas ao consumo
ou    produção que o financiaram, mas também o capital propriamente dito, fruto dos lucros e resultado
do saqueio da natureza virgem. Hoje, a biotecnologia abre grande perspectiva    um país como o Brasil,
de ricos bancos genéticos. O nosso território foi dos primeiros    ser saqueado em sua riqueza vegetal.
É necessário impedir que os produtos da flora e da fauna nos sejam roubados, como roubados fomos no

94 • capítulo 2
passado. No entanto, o governo está empenhado em aprovar uma proposta de emenda    Constituição
que facilitará a entrega de nossos recursos biológicos    estrangeiros.

a) a, à, à, a, a, à, a
b) a, à, à, à, a, à, à
c) à, à, a, à, a, à, a
d) a, a, à, a, a, a, a
e) à, a, a, à, à, a, a

3.  Segue um pequeno trecho de Machado de Assis, pontuado de diversos modos. Só uma vez a pontuação
estará de acordo com as normas gramaticais. Assinale-a:

a) homem gordo, não faz revolução. O abdômen, é naturalmente amigo da ordem. O estômago pode des-
truir, um império: mas há de ser antes do jantar;
b) homem gordo não faz revolução. O abdômen é naturalmente amigo da ordem; o estômago pode destruir
um império: mas há de ser antes do jantar;
c) homem gordo não faz revolução, o abdômen é, naturalmente, amigo da ordem. O estômago, pode des-
truir um império: mas há de ser antes do jantar;
d) homem gordo não faz revolução: o abdômen e naturalmente, amigo da ordem. O estômago pode destruir
um império: mas há de ser antes do jantar;
e) homem gordo não faz revolução: o abdômen é naturalmente amigo da ordem. O estômago pode destruir
um império mas há de ser, antes do jantar.

4.  (FUVEST) Reescreva as frases, substituindo Existir por Haver e vice-versa:

a) Existiam jardins e manhãs naquele tempo: havia paz em toda a parte.


b) Se existissem mais homens honestos, não haveria tantas brigas por justiça.

GABARITO
1.  Alternativa E
2.  Alternativa A
3.  Alternativa B
4. 
a) Havia jardins e manhãs naquele tempo: existia paz em toda a parte.
b) Se houvesse mais homens honestos, não existiriam tantas brigas por justiça.

capítulo 2 • 95
13
Coesão e
coerência
textuais
3 Coesão e coerência textuais

O objetivo deste capítulo é possibilitar aos alunos uma visão necessária e básica sobre o
que se tem chamado nos estudos linguísticos de coerência e coesão textuais, como tam-
bém discorrer sobre os instrumentos necessários para entender o fenômeno da textuali-
dade em suas várias manifestações. Para isso, apresentar-se-á uma teorização mínima e
essencial, razão por que não será polemizada qualquer controvérsia, ainda que de ordem
terminológica, buscando-se trabalhar apenas a linha de ideias que se julga ser a mais perti-
nente e válida do nosso ponto de vista.

O que é um texto?
Conceitua-se texto como uma manifestação verbal, constituída de elementos linguísticos
selecionados e ordenados, que é tomada pelos usuários da língua, de modo a permitir-lhes,
na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos. (KOCH, 2013, p. 27).
Entende-se também que o texto não é uma unidade fechada de sentido – mas sim uma
“rede de sentidos”, formando um todo significativo. Embora ele possa ser considerado
uma unidade inteira – início, meio, fim, o texto é lugar de apreensão de sentidos, de traba-
lho da “linguagem, por excelência”.
O sentido de um texto é construído na interação Autor/Texto/Leitor, e não algo que pre-
exista a essa interação. Por essa razão, a coerência não pode ser entendida como simples
qualidade ou propriedade do texto, mas sim ao modo como os elementos presentes na su-
perfície textual, aliados a todos os elementos do contexto, vêm a constituir uma configura-
ção veiculadora de sentidos por parte da interação com seus interlocutores.
Observe o esquema abaixo:

AUTOR LEITOR

INTERSEÇÃO

TEXTO

98 • capítulo 3
Em volta de cada parte está o seu próprio contexto. O texto "funcionará" na zona de in-
terseção com traços paralelos. (KOCH, 2013, p. 27).
É necessário, portanto, que haja uma interação entre estes três elementos: - Autor/ Tex-
to/Leitor, para que sejam capazes de construir um determinado sentido diante do texto,
pois o sentido não está no texto, mas se constrói a partir dele, no curso dessa interação.

Coerência: a construção do sentido


A coerência é um dos fundamentos da textualidade. Ela se refere às ligações de sentido
construído no texto, que podem estar relacionadas a diferentes fatores: lógico-linguísticos,
textuais ou culturais.
A coerência, para Koch & Travaglia (2014:38), não é apenas uma característica do texto,
mas depende fundamentalmente da interação entre o texto, aquele que o produz e aquele
que busca compreendê-lo. Logo, pode-se sistematizar que o sentido é estabelecido não só
pelo texto, mas pelo leitor.
O leitor, com base em conhecimentos que possui, busca interpretar o texto, produzir
sentido, em uma verdadeira atitude de cooperação. Cabe-lhe, então, a tarefa de estabelecer
elos coesivos que não foram explicitados entre as ideias do texto – e, quanto mais informa-
ções tiver, maior será a possibilidade de fazê-lo.
Observe, abaixo, o trecho retirado de uma tira humorística:

— Lembre-se sempre: "atrás de cada grande mulher há um homem".


— A expressão não é "atrás de cada grande homem há uma mulher"?
— Isso foi antes de nos organizarmos.

As informações presentes num texto devem estar adequadas ao conhecimento de mundo


do leitor. Assim, para entender a mensagem da charge, o leitor tem que ter conhecimento do
ditado popular que diz que “atrás de cada grande homem há sempre uma grande mulher”.
Nesse trecho da tira humorística, houve intencionalmente a inversão do ditado popular
para provocar humor.
Nas falas das personagens há a presença da coesão entre os elementos “a expressão”,
“isso”, pois esses vocábulos se referem ao que foi dito anteriormente. E a coerência da últi-
ma fala relaciona-se ao conhecimento de mundo - do movimento feminista -, que se refere
à organização da mulher como força independente na sociedade atual.

CONCEITO
Coerência
Ligação, nexo ou harmonia entre dois fatos ou duas ideias; relação harmônica, conexão.

Incoerência
Falta de lógica; ausência de ligação, de nexo entre fatos, ideias, ações; desarmonia, desconexão, discre-
pância, inconsequência.

capítulo 3 • 99
Coesão textual: o uso dos conectivos na
construção do texto

Koch (2023, p.18) descreve coesão como o fenômeno que diz respeito ao modo como os
elementos linguísticos presentes na superfície textual se encontram interligados entre si,
por meio de recursos também linguísticos, formando sequências veiculadoras de sentidos.
Esses elementos linguísticos assinalam determinadas relações de sentido entre os enun-
ciados ou parte de enunciados, como: oposição ou contraste; finalidade; localização temporal;
explicação ou justificativa, adição de fatos. É por meio de mecanismos como esses que se vai
tecendo o “tecido” (tessitura) do texto. A este fenômeno é que se denomina coesão textual.
Entende-se assim por coesão a ligação, a relação, os nexos que se estabelecem entre os
elementos que constituem a superfície textual. Ao contrário da coerência, que é subjacen-
te, a coesão é explicitamente revelada por meio de marcas linguísticas e pode ser sintática,
gramatical e semântica.
Na verdade, há uma relação estreita entre esse tipo de sequenciação textual e os vários
modos de organização do texto. Assim, por exemplo, num texto descritivo é natural que a
progressão do texto seja realizada por meio de simples acréscimo de novos elementos da
realidade descrita, enquanto num texto argumentativo essa continuidade se processe por
meio de relações lógicas e, num texto narrativo, o fato ocorra e seja narrado por meio de
uma sucessão cronológica de fatos relevantes.
Em relação à coesão, reitera-se que os conectores coordenativos (conjunções e locuções
coordenativas), assim como as formas verbais pretéritas, advérbios e locuções adverbiais,
modalizadores, são fundamentais para garantir as relações de sentido – de coerência – en-
tre os fatos narrados e descritos, porque os parágrafos e as sequências textuais temporais
construídos no corpo textual da narrativa contribuem não só para a coesão, mas também
para a coerência, isto é, para melhor interpretabilidade do texto.
Produzir um texto se assemelha, assim, à arte de produzir um tecido, ou seja, conduz-se
um fio ora para cá, ora para lá, sempre com o cuidado de amarrá-lo para que o trabalho não
se perca. Quando se tece, um ponto deve estar ligado a outro para formar a trama, o que
significa que um ponto sozinho não forma um tecido.
O produtor de um texto é assim como o tecelão, num eterno desfazer e refazer de textos,
está sempre preocupado unicamente com a tessitura de um texto coeso e coerente por se
vir sempre rodeado de sentidos.
Percebe-se, pois, que a relação entre coesão é coerência é muito forte porque a coesão
é fundamental a qualquer tipo de texto e é construída pelos procedimentos linguísticos
que estabelecem relações de sentido entre segmentos do texto (enunciados ou parte deles,
parágrafos, sequências textuais) e o uso adequado dos elementos coesivos no texto é de
grande relevância para que o leitor possa construir a coerência, isto é, estabelecer um sen-
tido diante de um texto.

Coerência sem coesão textual

A coesão é apenas um dos fatores de coerência, que contribui para a constituição do texto
enquanto tal, mas não sendo nem necessária, nem suficiente para converter uma sequên-

100 • capítulo 3
cia linguística em texto. Há sequências sem coesão, mas com coerência e sequências com
coesão, mas sem coerência.
Leia o fragmento descritivo a seguir:

“[...] Uma folha no chão no outono, vermelha, dourada e marrom, delicada. [...] Poeira em um
peitoril de janela. Uma pilha de pimentões[...], amarelos, verdes, vermelhos. [...] O buraco de
uma agulha. [...] Uma mãe em sua cama, chorando, cheiro de manjericão no ar.[...] Uma torre para
preces, alta e octogonal, sacada aberta, solene, rodeada de brasões. Vapor subindo de um lago
no início da manhã. Uma gaveta aberta. Dois amigos em um café, o lustre iluminando o rosto de
um dos amigos, o outro na penumbra. Um gato olhando um inseto na janela. Uma jovem em um
banco, lendo uma carta, lágrimas de contentamento em seus olhos verdes.[...] O branco de um ve-
leiro, com o vento de popa, velas se agitando como asas de um gigantesco pássaro branco. [...]”
(LIGHTMAN, Alan. Sonhos de Einstein. “15 de maio de 1905”. São Paulo: Companhia das Letras,
1997, p.72-76).

Substantivos: em vermelho Adjetivos: em verde

ABAURRE, Maria Luiza M. & PONTARA, Marcela. Gramática. Texto: análise e construção de sentido. São
Paulo: Moderna, 2006, p.178.

Esse fragmento em estudo se organiza por justaposição - sem a presença de conectores,


isto é, sem a presença da coesão textual; mas, mesmo assim, pode ser considerado texto,
pois constitui uma unidade de sentido.
Nota-se que os substantivos constituem a base do texto e o autor recorre a adjetivos para
singularizar as imagens criadas, que vão sendo descritas e apresentadas simultaneamente
ao leitor, provocando uma sensação de presente em que todas as coisas existem ao mesmo
tempo, em uma linha coerente de raciocínio.
Portanto, pode sim haver coerência, mesmo sem coesão, mas este tipo de construção de
texto é muito usado na Literatura e em textos publicitários, diferentemente das produções
de textos jurídicos, expositivos, didáticos, jornalísticos, técnicos, científicos, entre outros,
que pela necessidade de clareza exigem a utilização explícita dos elementos de coesão.

Mecanismos de coesão textual: referencial,


sequencial e recorrencial

Os mecanismos de coesão textual, segundo Koch (2013), dizem respeito a “todos os proces-
sos de sequencialização que asseguram [...] uma ligação linguística significativa entre os
elementos [...]” de um texto.
Estudou-se há pouco que coesão textual são as conexões gramaticais existentes en-
tre palavras, orações, frases, parágrafos e partes maiores de um texto, e que os conec-
tores são portadores de sentido, razão por que também contribuem para construir a
coerência de um texto.

capítulo 3 • 101
Além disso, o bom uso dos elementos coesivos é de fundamental importância para que
o leitor possa construir a coerência, isto é, estabelecer um sentido diante de um texto.
Está-se considerando aqui como coesão todos aqueles elementos textuais, chamados
de conectores, que sinalizam para o leitor a relação entre as diversas partes do texto. São
eles: os pronomes, as elipses, as hiponímias e hiperonímias e as repetições, as conjunções e pre-
posições, os advérbios de sequência, as diversas maneiras de sinalizar o tempo, as relações
semânticas entre as palavras.
Quanto aos mecanismos de coesão, há apenas três tipos, a saber: referencial, sequen-
cial e recorrencial.

Coesão referencial

Coesão referencial, também chamada de lexical, é a que se estabelece entre dois ou mais
componentes da superfície textual que remetem (ou permitem recuperar) a um mesmo re-
ferente já citado anteriormente, que pode, geralmente, ser acrescido de outros traços que
vão se agregando a ele textualmente.
A coesão referencial é obtida por meio de dois mecanismos básicos:

Substituição: quando um componente de superfície textual é retomado (anáfora) ou precedi-


do (catáfora) por pronome, verbo, advérbio, quantificadores que substituem outros elementos
a do texto. Há também a substituição por zero (0), que é a elipse. Tem-se, nesse caso, a coesão
referencial por formas pronominais, formas verbais, formas adverbiais, formas numerais.

Reiteração: faz-se por meio de sinônimos, de hiperônimos, de nomes genéricos, de ex-


b pressões nominais definidas, de repetição do mesmo item lexical.

CONCEITO
Elemento de referência
Pode ser representado por um nome, expressão nominal, fragmentos de oração, uma oração ou todo um
enunciado.

Referente
É algo que se (re)constrói textualmente, no desenrolar do texto, modificando-se a cada novo nome que se
lhe dê ou a cada nova ocorrência do mesmo nome.

Substituição de um elemento por outro

Formas Pronominais

Encontrei os óculos que tanto procurava. Eles estavam guardados na estante. (Eles - prono-
a me pessoal do caso reto)

102 • capítulo 3
Os meninos saíram cedo de casa. Eles foram treinar para o torneio de futebol. (Eles - pro-
b nome pessoal do caso reto)

O aluno e a mãe foram chamados à direção da escola, mas ninguém compareceu. (nin-
c guém - pronome substantivo Indefinido)

João levou um romance policial para a escola, porém quis ler o meu. (meu - pronome
d substantivo possessivo)

Pedro experimentou um terno azul escuro, mas decidiu comprar aquele (aquele -pronome
e substantivo demonstrativo)

Antônio, João e Miguel depuseram na Delegacia, entretanto quem disse a verdade? (quem
f - pronome substantivo Interrogativo)

Todos os professores que foram convocados compareceram à reunião. (que - pronome


g substantivo relativo)

h Paulo foi para Itália e lá foi feliz. (lá- pronome adverbial)

Formas verbais (geralmente ser e fazer)


Os verbos são empregados em referência a todo o predicado e não apenas ao verbo.

O cantor apresentou apenas dois números, e o mágico fez o mesmo. (verbo Fazer)

Formas adverbiais

Saiu três vezes, e o outro, nunca.

Formas numerais

a Antônio e Rafaela saíram, mas os dois se desentenderam.

b Comprou vários presentes; o primeiro, uma bola de futebol.

c Fiz 10 exercícios de Português, mas o meu professor pediu o dobro.

capítulo 3 • 103
d Havia dez maçãs e ela comeu um terço delas.

Substituição por elipse

"Querido Júnior, como você tem passado? Sua mãe e eu estamos bem. Estamos com saudade.
Por favor, desligue seu computador e desça para comer alguma coisa. Com amor, Papai."

Outro processo utilizado na coesão dos elementos do texto é a substituição por elipse, que
é a omissão de termos já enunciados e que, por isso mesmo, podem ser facilmente recupe-
rados por meio de outros elementos textuais.
A elipse, segundo os ensinamentos da gramática normativa, é uma figura de constru-
ção (ou de sintaxe) caracterizada pela omissão de um termo facilmente subentendido pelo
contexto ou pela situação.
A elipse pode também ser entendida como um processo de economia discursiva que
tanto pode resultar de ocorrências ligadas ao contexto ou à situação, como de usos estabe-
lecidos na língua.
No trecho acima, há a elipse dos pronomes com função de sujeito nas formas verbais
estamos, desligue, desça.

REITERAÇÃO DE ELEMENTOS DO TEXTO

Sinônimos ou quase sinônimos

Por hipônimos e hiperônimos


Hiperônimo é o termo geral e hipônimos são os termos específicos nele contidos. Assim,
fruta é hiperônimo de laranja, pera, abacaxi e estes vocábulos são hipônimos.
Hiperônimos e Hipônimos são vocábulos que pertencem a um mesmo campo semân-
tico, ou seja, campo de sentido. O hiperônimo é o termo mais abrangente e o hipônimo,
o mais específico.
As palavras como computador, monitor, impressora e teclado apresentam certa fami-
liaridade de sentido pelo fato de pertencerem ao mesmo campo semântico, ou seja, ao uni-
verso da informática. Já a palavra equipamento tem um sentido mais amplo, que engloba
todas as outras. No caso, diz-se que o computador, monitor, impressora e teclado são hi-
pônimos de equipamento. Equipamento, por sua vez, é um hiperônimo dessas palavras.

BEBIDA → REFRIGERANTE → COCA-COLA

Notem que as palavras “bebida”, “refrigerante” e “Coca-Cola” estabelecem entre si


uma relação de sentido, porém há uma espécie de uma escala de significação entre elas.
“Bebida” é um hiperônimo de “refrigerante”, que por sua vez funciona como hipônimo
nesse caso. Já em relação à “Coca-Cola”, “refrigerante” é um hiperônimo e “Coca-Cola”
torna-se o seu hipônimo.

104 • capítulo 3
O normal é o hipônimo preceder o hiperônimo, pois, quando se inverte a ordem, o texto
perde a clareza. Geralmente, a regra é esta: o hipônimo precede o hiperônimo. Contudo, há
casos especiais em que se deve inverter a ordem, por exemplo, quando um hiperônimo ou
uma locução hiperônima precede uma enumeração de hipônimos, anunciando-a:

“Na primeira metade do século XVIII, a região paraense progressivamente se transforma em


centro exportador de produtos florestais, como: cacau, baunilha, canela, cravo, resinas aromá-
ticas.” FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 32. ed. São Paulo: Nacional, 2005.

Outra exigência para o emprego da hiperonímia é que para se retomar um referente por
meio de um hiperônimo, é necessário que a expressão que nomeia esse referente tenha
sido explicitamente mencionada antes.

EXEMPLO
Nomes genéricos:
Miguel comprou camisas, sapatos e outras coisas.

Termos simbólicos:
Antonio Tito não tinha certeza se iria ou não à missa, mas o apelo da cruz foi mais forte.

Repetições do mesmo termo:

a De forma idêntica: Paulo comprou a lancha, mas viu que a lancha não tinha seguro.

Com um mesmo determinante: Paulo comprou a lancha, mas essa lancha lhe trouxe
b problemas.

De forma abreviada: Fernando Henrique Cardoso foi um bom político, mas FHC não
c quer mais se recandidatar a cargo algum.

De forma ampliada: Lula não goza do mesmo prestígio na política, logo certamente Luís
d Inácio Lula da Silva seria voto vencido numa eleição presidenciável.

e Por forma cognata: Trabalhar é bom e o trabalho enobrece o homem.

Por expressões nominais definidas:

Pelé foi a Paris, onde o jogador do Século XX foi premiado.

capítulo 3 • 105
Coesão referencial: anafórica ou catafórica
Reitera-se que a coesão referencial ocorre quando determinado elemento textual remete a
outro, substituindo-o. A referência, inicialmente, pode ser em relação a um dado externo
ou interno ao texto. Dessa forma, tem-se:

Coesão por Referência Exofórica

É aquela que se refere a um elemento fora do texto.

Coesão por Referência Endofórica

É aquela que faz referência a algo dentro do texto.

À ativação de referentes já mencionados no texto, nomeia-se anáfora, enquanto que à


ativação de referentes que ainda serão mencionados, chama-se catáfora.
Segundo Koch (2013), na coesão exofórica o referente está fora do texto, enquanto na
coesão endofórica o referente se acha expresso no próprio texto. Neste último caso, se o
referente precede o item coesivo, tem-se a anáfora; se vem após, a catáfora.
Observe o diagrama abaixo:

REFERÊNCIA

SITUACIONAL — COESÃO EXOFÓRICA TEXTUAL — COESÃO ENDOFÓRICA

ANÁFORA CATÁFORA
(AO QUE PRECEDE) (AO QUE SE SEGUE)

Na coesão endofórica, todo o processo de remissão é explícito ao texto, enquanto na


coesão exofórica o leitor é obrigado a realizar todo esse processo sozinho, com o seu conhe-
cimento de mundo, com as suas vivências.
Esse tipo de coesão por remissão pode ser efetuado mediante os recursos de ordem gra-
matical – pronomes pessoais de terceira pessoa (retos e oblíquos) e os demais pronomes
(possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos, relativos), os diversos tipos de
numerais, advérbios pronominais (aqui, aí, lá, ali) e artigos definidos; ou, então, por inter-
médio de recursos de natureza lexical, como sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos,
descrições definidas e, finalmente, por meio da elipse.
A remissão para a frente – catáfora – realiza-se preferencialmente por meio dos prono-
mes demonstrativos (isto, aquilo) ou indefinidos neutros (tudo, nada) ou de nomes gené-
ricos, como também por meio dos demais tipos de pronomes, de numerais e de advérbios
pronominais, conforme analisado há pouco no texto-piada, de autor desconhecido.
O texto a seguir, de autor desconhecido, é um exemplo de um texto – piada em que vá-
rios desses mecanismos de coesão referencial ou lexical se presentificam.

106 • capítulo 3
Observe:

Num hospital para doentes mentais, certa vez, um dos pacientes passou horas escrevendo fu-
riosamente.
Um psiquiatra, vendo-o em tão intensa atividade, perguntou-lhe:
— O que é que você está fazendo?
— Escrevendo, respondeu.
— Escrevendo o quê? - perguntou-lhe o médico.
— Uma carta.
— Ah! Muito interessante! E para quem é a carta?
— Para mim mesmo.
— O que é que está escrito aí? – perguntou-lhe o psiquiatra, curioso.
Ao que o paciente respondeu:
— Não sei. Ainda não recebi...

Nesse texto-piada, podem-se identificar os seguintes casos de coesão referencial es-


tudados: psiquiatra (hipônimo - termo específico), vendo-o (o - pronome pessoal oblíquo
anafórico, retoma o termo paciente), perguntou-lhe ( lhe - pronome pessoal oblíquo anafó-
rico, retoma o termo paciente), (você - pronome de tratamento anafórico, retoma o termo
paciente), respondeu (zero - coesão por elipse/sujeito oculto), perguntou-lhe (lhe- pronome
pessoal oblíquo anafórico, retoma o termo paciente) e respondeu (zero- coesão por elipse/
sujeito oculto), o médico (coesão por hiperônimo), (aí- pronome adverbial anafórico, reto-
ma o termo carta), sei e recebi (zero- coesão por elipse/sujeito oculto).
O referente do constituinte um dos pacientes, da primeira frase, é retomado pelos pro-
nomes oblíquos o e lhe (uma ocorrência do primeiro e duas do segundo). O de um psiquia-
tra é retomado por o médico (hiperonímia). Em seguida, tem-se o pronome adverbial aí,
equivalente a “nesse lugar”, que remete para a carta mencionada anteriormente, a qual é
retomada por “zero” (elipse total) no final do texto, quando o paciente, em resposta à per-
gunta do médico, diz: “Não sei. Ainda não recebi”, ou seja, Ainda não recebi a carta.
Leia este fragmento, extraído do conto machadiano "Quem conta um conto", sobre a
arte de contar ou narrar:

“Eu compreendo que um homem goste de ver brigar galos ou de tomar rapé. O rapé dizem os
tomistas que alivia o cérebro. A briga de galos é o Jockey Club dos pobres. O que eu não com-
preendo é o gosto de dar notícias.
E todavia quantas pessoas não conhecerá o leitor com essa singular vocação? O noveleiro não
é tipo muito vulgar, mas também não é muito raro. Há família numerosa deles. São mais peritos
e originais que outros. Não é noveleiro quem quer. É ofício que exige certas qualidades de bom
cunho, quero dizer as mesmas que se exigem do homem de Estado. O noveleiro deve saber
quando lhe convém dar uma notícia abruptamente, ou quando o efeito lhe pede certos prepara-
tivos: deve esperar a ocasião e adaptar-lhe os meios.”

MACHADO DE ASSIS, J. M. Quem conta um conto. In: Contos fluminenses. Rio de Janeiro:
Saraiva, 1999.

capítulo 3 • 107
A referência em "Quem conta um conto" está resumida em "o gosto de dar notícias",
uma vez que em torno dele gravitam as indagações contidas no conto. Tanto que, ao iniciar
suas considerações, o narrador mostra-se intrigado diante da natureza humana para espa-
lhar novas, declarando-se capaz de perceber a legitimidade de certos prazeres duvidosos,
unicamente com a intenção de tornar mais incisiva a declaração seguinte: "O que eu não
compreendo é o gosto de dar notícias" (1999:57).
Por constituir a referência textual básica, "o gosto de dar notícias" será continua-
mente retomado por meio de elementos coesivos. A primeira retomada ocorre por "essa
singular vocação", em que o pronome adjetivo "essa", além de determinar o nome e seu
modificador, faz uma referência anafórica ao "gosto de dar notícias", gosto este que en-
gendra um tipo, o "noveleiro", em relação ao qual o narrador declara: "Não é tipo muito
vulgar, mas também não é tipo muito raro" (1999, p. 57), criando pressupostos nada enal-
tecedores da singularidade de tal tipo.
Ao declarar que o noveleiro não é um tipo nem muito raro, nem muito vulgar, informa
implicitamente que de "vulgar" a "raro" há uma considerável gradação de sentidos; pressu-
põe-se, assim, que poucos são realmente habilidosos e, contudo, existe grande número deles.
Um relevante elemento coesivo é o vocábulo "ofício" que remete ao vocábulo "novelei-
ro", revelando o humor severo que move o narrador, uma vez que este compara as habi-
lidades do noveleiro às do homem de Estado, já que ambos precisam ser especialmente
versados na técnica de subjugar seus interlocutores.
A seguir, o narrador retoma a questão preliminar, ou melhor, a questão de sua perple-
xidade quanto ao "gosto de dar notícias", estabelecendo o vínculo com a declaração inicial
mediante a recorrência de estruturas sintáticas: "Não compreendo, como disse, o ofício no-
veleiro" (1999, p. 57), na qual o conector "como" e o pretérito perfeito do indicativo do verbo
"dizer" retomam, reiterando, o aparente desconcerto do narrador diante do noveleiro.
O narrador, como já posto, parece não compreender bem o ofício de noveleiro. Escapa-
lhe ao entendimento que se encontre satisfação em contar, recriando, um episódio qual-
quer: "É coisa muito natural que um homem diga o que sabe a respeito de algum objeto;
mas que tire satisfação disso, lá me custa a entender" (1999, p. 57).
Utilizando-se de uma oração adversativa, vinculou-se um novo sentido a noveleiro, "que
tira satisfação" de dar notícias. A seguir, o desvelamento do que motiva o noveleiro: "Ga-
nha-se sempre em conhecer-se os caprichos do espírito humano" (1999, p. 58).
Ao focalizar o "gosto de dar notícias" como um hipônimo de "caprichos do espírito hu-
mano", o narrador implicitamente parece admitir a legitimidade do referido gosto, porque
o reconheceu como uma das tantas marcas características da condição humana.

Coesão sequencial
A coesão sequencial é o estabelecimento de um sistema de referências e do correto enca-
deamento de ideias para que haja sentido nos textos. Esse encadeamento de ideias é que
permite que o texto avance, progrida, mas sem haver retomada de termos ou expressões,
por isso se chama coesão sequencial.
A coesão sequencial se dá por sequenciação temporal e sequenciação por conexão. A
primeira pode ser por ordenação linear, por expressões sequenciais, por marcadores tem-
porais ou por correlação dos tempos verbais. Já a segunda, é a sequência que se faz por meio
de conectores argumentativos (condicionalidade, causalidade, concessão, finalidade).

108 • capítulo 3
Não é sem propósito, que a utilização precisa dos mecanismos coesivos ajuda a garantir
a progressão textual e a promover uma boa articulação das ideias, informações e argumen-
tos no interior do texto, pois é por meio da coesão por sequenciação que o texto avança,
garantindo-se, porém, a continuidade dos sentidos.

EXEMPLO
Condicionalidade Se amanhã houver greve dos rodoviários, não haverá aula.

Todos os alunos foram ao passeio de bermuda porque estava fa-


Causalidade zendo muito calor.

Implicação lógica Só há um meio de escrever melhor: lendo.

Explicação ou Todos os professores chegaram atrasados, pois o trânsito estava


justificativa um caos.

Conjunção Cheguei a Brasília às 22h, e todos já estavam dormindo.

Charolles (apud KOCH, 2014:69) enfatiza que o uso dos mecanismos coesivos tem por
função facilitar a interpretação do texto e a construção da coerência pelos usuários.
No entanto, seu uso inadequado pode dificultar a compreensão do texto, pois por pos-
suírem, por convenção, funções bem específicas, eles não podem ser usados sem respeito
a tais convenções. Se o seu emprego estiver em desacordo com sua função, o texto parecerá
destituído de sequencialidade, o que dificultará a sua compreensão e, portanto, a constru-
ção da coerência pelo leitor/ouvinte.
Desse modo, por mais que as conjunções estejam incluídas no campo da coesão,
elas são importantes para que o texto seja coerente, pois o uso indevido de uma conjun-
ção em uma sequência pode alterar o sentido da frase, podendo, inclusive, comprome-
ter o sentido do texto.

Coesão recorrencial
A coesão recorrencial é um mecanismo de coesão muito frequente, na Literatura, especifi-
camente no poema, que consiste em fazer o texto progredir pela repetição dos termos, de
estruturas, de conteúdos, de recursos fonológicos e de tempos verbais.
No poema “Cidadezinha qualquer”, de Drummond, as palavras “entre”, “devagar” e
“vai” repetem-se, mas com finalidade poética, representando iconicamente, isto é, os
versos imitam a coisa designada, que é a mesmice interiorana: “Um homem vai deva-
gar. / Um cachorro vai devagar. / Um burro cai devagar. /Devagar... as janelas olham. /
Eta vida besta, meu Deus.”

capítulo 3 • 109
CONCEITO
Anáfora
Quando retoma os elementos expressos anteriormente no texto.

Catáfora
Quando o termo pressuposto aparece depois do elemento coesivo.

Coesão lexical
Quando envolve a substituição de um vocábulo por outro de mesmo significado – sinônimo – ou por pala-
vras que estabeleçam entre si uma relação de sentido – hiperônimos e hipônimos.

Coesão referencial
É a que cria, no interior do texto, um sistema de relação de palavras e expressões, permitindo que o leitor
identifique os referentes sobre os quais se fala no texto.

Coesão sequencial
É a que cria, no interior do texto, condições para que o texto progrida, avance.

Conjunção (conectores)
Quando se estabelecem relações semânticas entre elementos ou orações do texto; pode ser aditiva, ad-
versativa, causal, temporal.

Elipse
Quando um elemento do texto é substituído por zero e, assim, como a classificação anterior, pode ser
nominal, verbal ou frasal.

Referência
Quando um elemento do texto remete a outro, necessário à sua interpretação.

Reiteração
É a repetição de expressões que têm a mesma referência no texto.

Substituição
Quando um elemento do texto é colocado no lugar de outro, para evitar repetição; pode ser nominal, verbal
ou frasal.

Textualidade e seus fatores de coerência

“Todo texto assemelha-se a um iceberg — o que fica à tona, isto é, o que é explicitado no texto
é apenas uma pequena parte daquilo que fica submerso, ou seja, implicitado.” Ingedore Koch

110 • capítulo 3
Leia o fragmento abaixo. Trata-se de um grande ensinamento acerca de textualidade e
como narrar com coesão e coerência. O narrador, o ex-jagunço Riobaldo, apesar de ser um
homem simples do sertão, faz profundas reflexões filosóficas de como se deve contar histó-
rias para que elas tenham sentido:

“Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia que têm certas
coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. A lembrança da vida da gente
se guarda em trechos diversos; uns com outros acho que nem se misturam [...] Contar seguido,
alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância. Tem horas antigas que ficaram muito
mais perto da gente do que outras de recente data. Toda saudade é uma espécie de velhice.
Talvez, então, a melhor coisa seria contar a infância não como um filme em que a vida acontece
no tempo, uma coisa depois da outra, na ordem certa, sendo essa conexão que lhe dá sentido,
princípio, meio e fim, mas como um álbum de retratos, cada um completo em si mesmo, cada um
contendo o sentido inteiro. Talvez seja esse o jeito de escrever sobre a alma em cuja memória se
encontram as coisas eternas, que permanecem [...]."
(Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas.)

Percebe-se que a palavra “Não” nega a ideia anteriormente expressa: "Contar é muito
dificultoso.” Assim, o narrador ao empregar a palavra “Não” se opõe à possibilidade de se
pensar que contar seja difícil por causa do tempo passado, e o próprio conector adversativo
“Mas” introduz essa ideia que se opõe à anterior, mostrando que a dificuldade está “pela
astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares”.
Nesse texto nota-se a importância dada à coesão e à coerência nesta passagem: “se guar-
da em trechos diversos; uns com outros acho que nem se misturam [...] Contar seguido,
alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância”.
A importância da ordem cronológica ou linear no ato de narrar é presentificada nestas
linhas: “a melhor coisa seria contar a infância... acontece no tempo, uma coisa depois da
outra, na ordem certa, sendo essa conexão que lhe dá sentido, princípio, meio e fim, mas
como um álbum de retratos”.
Em “Talvez seja esse o jeito de escrever sobre a alma”, o pronome demonstrativo ana-
fórico “esse” é um conector, pois retoma o que foi desenvolvido antes sobre o método de
contar fatos do passado como um “álbum de retratos”.
Com a sequência de ideias apresentada pelo narrador, nota-se que o texto se mostra
coerente, pois as ideias se complementam de modo lógico, racional. Percebe-se, então, por
meio da escritura de Guimarães Rosa que um texto não pode ser construído com frases
soltas, desconexas e para que tenha sentido, é necessário que haja coerência, considerada
um dos fatores fundamentais da textualidade, por ser responsável pelo sentido do texto.

CONCEITO
Textualidade
Textualidade é o conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma
sequência de frases; e para que ela se efetive, o texto precisa apresentar, no mínimo, dois dos seus fatores
que são a coerência e a coesão.

capítulo 3 • 111
Há necessidade também da presença da coesão, que é tida como a manifestação da co-
erência e responsável pela unidade formal do texto, construindo-se por meio de mecanis-
mos gramaticais e lexicais, razão por que é também um dos requisitos imprescindíveis à
construção de todo e qualquer texto.
Desse modo, pode-se chamar de textualidade ao conjunto de características que fazem
com que um texto seja um texto, e não apenas uma sequência de frases; e para que ela se efeti-
ve, o texto precisa apresentar, no mínimo, dois dos seus fatores que são a coerência e a coesão.
Logo, para que haja textualidade, o texto tem que ser bem estruturado, ter palavras, fra-
ses e ideias articuladas entre si. Palavras relacionando-se com palavras, frases com outras
frases, parágrafos com outros parágrafos. Essa conexão, como já posto, é garantida pela
coerência e pela coesão textual.

Fatores de textualidade

A constituição dos sentidos nos textos, para Beaugrande & Dressler (2013:18), é ancorada
por cinco fatores da textualidade responsáveis não só pela textualidade, mas também por
todo o processamento cognitivo do texto. São eles: a informatividade, a situacionalidade, a
intertextualidade, a intencionalidade e a aceitabilidade (centrados nos usuários, relaciona-
dos aos aspectos pragmáticos), sem se desconsiderar aqui a coerência e a coesão (centra-
dos no texto), que se relacionam com o material conceitual e linguístico de um texto.
Após os estudos já realizados acerca de Coerência e Coesão, passa-se, agora, ao entendi-
mento de cada um dos demais fatores pragmáticos de textualidade já especificados.

Informatividade
Este fator relaciona-se ao interesse do leitor pelo texto e pelo montante de informações de
que ele dispõe sobre o tema do texto.
Se as informações do texto forem previsíveis, isto é, de acordo com as expectativas do
leitor, esse texto será avaliado como de baixa informatividade. Em contrapartida, o texto
que contém certo grau de informações previsíveis, como também novas informações, será
considerado como de maior informatividade e, finalmente, o texto quase imprevisível em
suas informações será o mais rico em informatividade, apesar de exigir maior dedicação do
receptor para sua interpretabilidade.
Para que os sentidos possam ser atingidos no texto, é necessária, portanto, a utili-
zação de informações com um nível de informatividade adequado aos participantes da
situação comunicativa. A ligação com a realidade do momento, que é o ponto essencial
do texto informativo.

Intencionalidade
O produtor de um texto tem, necessariamente, determinados objetivos, que vão desde a
simples intenção de estabelecer o contato com o receptor até a de levá-lo a partilhar de opi-
niões ou a agir ou comportar-se de determinada maneira. Assim, a intencionalidade refere-
se ao modo como os emissores usam textos para realizar suas intenções, produzindo, para
tanto, textos adequados à obtenção dos efeitos desejados. É por essa razão que o emissor
procura, de modo geral, construir seu texto de modo coerente e dar pistas ao receptor que
lhe permitam constituir o sentido desejado.

112 • capítulo 3
Leia o texto humorístico abaixo:

“Um grupo de perigosos cidadãos assaltou, ontem, à noite, dois pacíficos meliantes. Três de-
tonações acorreram ao ruído de um guarda. Uma calçada jazia sobre a vítima de um dos
cadáveres. A pista já está na polícia do assaltante.”

(FERNANDES, Millôr. Literatura Comentada. São Paulo: Abril Educação, 1980, p. 52)

Apropriando-se de um texto típico de uma ocorrência policial, Millôr Fernandes al-


terou intencionalmente as palavras em destaque para provocar um efeito humorístico
em seu texto, tornando-o incoerente, em razão da desarticulação das ideias que compro-
mete a coerência textual, visto que cidadãos não assaltam bandidos e detonações não
correm em direção a um guarda.
Recuperando o sentido do texto:

Um grupo de perigosos meliantes assaltou, ontem, à noite, dois pacíficos cidadãos. Três guar-
das acorreram ao ruído de uma detonação. O cadáver de uma das vítimas jazia sobre a calça-
da. A polícia já está na pista dos assaltantes.

Com efeito, a incoerência local adveio do emprego inadequado dos itens lexicais; no
entanto, essa falta de sentido passa a fazer parte do sentido que o autor queria veicular na
interlocução com o leitor.

REFLEXÃO
A intencionalidade tem relação estrita com o que se tem chamado de argumentatividade. Se se aceita
como verdade que não existem textos neutros, que há sempre alguma intenção ou objetivo da parte de
quem produz um texto, e que este não é jamais uma “cópia” do mundo real, pois o mundo é recriado no
texto por meio da mediação de nossas crenças, convicções, perspectivas e propósitos, então se admite que
existe sempre uma argumentatividade subjacente ao uso da linguagem.

(KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Intencionalidade e aceitabilidade. In: A coe-
rência textual. 18. ed. São Paulo: Contexto, 2013, p. 84).

Situacionalidade
Outro fator responsável pela coerência, a situacionalidade pode ser vista atuando em
duas direções: da situação para o texto e do texto para a situação, ou seja, na produção e
na recepção do texto.
Desse modo, a situacionalidade determina como deve ser produzido o texto. O contexto
deve servir como orientação para a produção e para a recepção, sendo fundamental que o
produtor saiba quem é o receptor de seu texto e quais os seus conhecimentos.
Um professor, por exemplo, na condição de palestrante, não utilizará o mesmo registro
de linguagem para dar uma palestra para outros professores em um Congresso e para um
grupo de estudantes do Ensino Médio em uma atividade escolar.

capítulo 3 • 113
Aceitabilidade
A aceitabilidade é a contraparte da intencionalidade, ou seja, o autor ao produzir um texto
tem uma intenção ou objetivo provável com o leitor, e o leitor, por sua vez, esforça-se (intui-
tivamente) para compreender e entender o enunciado.
Na verdade, a união destes três fatores intencionalidade, aceitabilidade e situacionali-
dade é responsável pelo tipo de texto utilizado em cada situação comunicativa.

REFLEXÃO
A aceitabilidade constitui a contraparte da intencionalidade. [...] quando duas pessoas interagem por meio
da linguagem, elas se esforçam por fazer-se compreender e procuram calcular o sentido do texto do(s)
interlocutor(es), partindo das pistas que ele contém e ativando seu conhecimento de mundo, da situação.
Assim, mesmo que um texto não se apresente, à primeira vista, como perfeitamente coerente, [...] o recep-
tor vai tentar estabelecer a sua coerência, dando-lhe a interpretação que lhe pareça cabível, [...].

[KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Intencionalidade e aceitabilidade. In: A coe-
rência textual. 18. ed. São Paulo: Contexto, 2013, p. 85].

Observe o texto a seguir:

“Era meia-noite. O Sol brilhava. Pássaros cantavam pulando de galho em galho. O homem
cego, sentado à mesa de roupão, esperava que lhe servissem o desjejum. Enquanto esperava,
passava a mão na faca sobre a mesa como se a acariciasse tendo ideias, enquanto olhava fixa-
mente a esposa sentada à sua frente. Esta, que lia o jornal, absorta em seus pensamentos, de
repente começou a chorar, pois o telegrama lhe trazia a notícia de que o irmão se enforcara
num pé de alface. O cego, pelado com a mão no bolso, buscava consolá-la e calado dizia: a
Terra é uma bola quadrada que gira parada em torno do Sol. Ela se queixa de que ele ficou
impassível, porque não é o irmão dele que vai receber as honrarias. Ele se agasta, olha-a com
desdém, agarra a faca, passa manteiga na torrada e lhe oferece, num gesto de amor.
(Esse texto reproduz aproximadamente versão ouvida junto a crianças de Araguari-MG).
KOCH; TRAVAGLIA, 2014, 18. ed, p. 59.

Nota-se, de pronto, na abertura do texto os marcadores temporais, por meio dos quais
se tem a ideia de sequência de fatos, como: “Era meia-noite”,“Enquanto esperava”, “de
repente”. Contudo, apesar de aparentemente bem-redigido, o texto apresenta graves pro-
blemas de coerência, pois a narração ocorre à meia-noite, entretanto, as informações apre-
sentadas contradizem isso, como: “O Sol brilhava,” “o homem espera que lhe servissem o
desjejum”; além de outros elementos que contrariam o conceito de que a Terra gira em
torno do Sol, como: “Terra quadrada”; “Terra que gira parada”.
Há outras contradições ou incoerências relacionadas ao cego e à esposa, a saber: “O cego
olhava fixamente a esposa”; “o homem cego de roupão x o cego pelado”; a esposa lia o jornal
x começou a chorar com o telegrama”.
Após essas primeiras reflexões, percebe-se que a coerência é regulada pelo próprio con-
texto discursivo, razão por que as frases não podem ser avaliadas isoladamente, de forma
descontextualizada, desconsiderando-se a situação de comunicação.

114 • capítulo 3
O texto apresenta também marcas de coesão, como “esperava que lhe servissem” (ser-
vissem ao cego), “passava a mão na faca sobre a mesa como se a acariciasse” (acariciasse a
faca), Esta lia o jornal (a esposa sentada), o telegrama lhe trazia a notícia (à esposa), Ela se
queixa (a esposa), ele ficou impassível... (o homem cego), Ele se agasta... (o homem cego),
olha-a ... ( a esposa), dentre outros.
Compreende-se que dos quesitos para se avaliar a coerência de um texto é o da inten-
cionalidade e o da situacionalidade, segundo o qual basta o texto ser adequado à inten-
ção e situação com que foi produzido para ser coerente e chegar à aceitabilidade, embora
seu conteúdo seja incoerente no sentido leigo do termo. No caso em análise, o leitor
sabe que o texto é incoerente, mas faz disso o seu sentido. Logo, o leitor vai entender
que o produtor fez o texto absurdo, incoerente com um propósito e deve considerar que
a não coerência é que lhe dá sentido.

CONCEITO
Agasta (verbo agastar)
Zanga-se, irrita-se.

Absorta
Imersa nos seus pensamentos, pensativa.

Intertextualidadade
Outro fator de coerência é a intertextualidade porque para o processamento cognitivo (pro-
dução/recepção) de um texto recorre-se ao conhecimento prévio de outros textos, isto é, um
texto pode sempre ler um outro e, assim por diante, até o fim dos textos.
Dessa forma, a intertextualidade faz-se por intermédio do conhecimento advindo de
outro(s) texto(s): diálogo entre os textos. Em outros dizeres: “Todo texto se constrói como
um mosaico de citações, todo texto é a absorção e transformação de um outro texto”. (KRIS-
TEVA, Julia, 1974, p.64.)
Quando o produtor cria o novo texto, ele nem sempre o constrói a partir de ideias iné-
ditas, mas como resultado daquilo que já foi apreendido em outros textos. Por outro lado,
a recepção desse mesmo texto depende também, por parte do receptor, do conhecimento
proveniente de outros textos.

(Bertold Brecht)
— Eu disse: infeliz do povo que depende de heróis.
(Maçã)
— Eu digo: infelizes os consumidores que dependem de heróis.

O texto acima é parte de uma charge de Zop. Nela há uma intertextualidade com esta
frase de Bertold Brecht: “Infeliz do povo que depende de heróis”, na qual o pronome relati-
vo “que” substitui coesivamente o termo anterior “povo”; a frase dita pela maçã apresenta
a mesma estrutura, com o elemento coesivo “que,” substituindo o termo anterior “consu-
midores”. A coerência dessas duas frases – o que faz com que elas ganhem algum sentido

capítulo 3 • 115
– acontece em função da analogia com a morte do criador da Apple (“maçã”, em inglês),
Steve Jobs, que parecia ter deixado a empresa de computação sem comando.

RESUMO
Na parte de coesão textual, trabalhou-se com os mecanismos constitutivos do texto e, a partir deles, os pro-
cessos de ordenação e de retomada dos termos da oração, os tempos verbais, tipos ou mecanismos de co-
esão, dentre outros fenômenos. Na parte de coerência textual, foi feita não só uma exposição sobre a orga-
nização discursiva de cada tipo de texto, mas também a constituição dos sentidos nos textos e seus demais
fatores de textualidade: os elementos linguísticos, a informatividade, a intencionalidade, a intertextualidade.

A pontuação como fator de coesão e coerência (2ª parte)

Questão de Pontuação

Todo mundo aceita que ao homem


cabe pontuar a própria vida:
que viva em ponto de exclamação
(dizem: tem alma dionisíaca);

viva em ponto de interrogação


(foi filosofia, ora é poesia);
viva equilibrando-se entre vírgulas
e sem pontuação (na política):

o homem só não aceita do homem


que use a só pontuação fatal:
que use, na frase que ele vive
o inevitável ponto final.

(João Cabral de Melo Neto)

Pontuar um texto envolve tanto a utilização quanto a supressão de sinais gráficos no intui-
to de produzir sentido. Daí a necessidade de desenvolver-se um olhar mais cuidadoso e aplica-
do ao emprego dos diferentes sinais gráficos como dado prioritário na construção escrita, pois
eles são participantes ativos da textualidade, interferindo seja na coesão, seja na coerência.
Com efeito, a pontuação adequada é também um elemento fundamental para garan-
tir a coerência e a coesão textual, por isso deve ser entendida, reitera-se, como marca de
coerência e coesão para estabelecimento do sentido do texto em determinadas situações
comunicativas, pois ela influencia não só na construção de um texto coeso e coerente, mas
também fornece importantes pistas para o entendimento do texto, que poderão ser com-
partilhadas ou não pelo leitor.

116 • capítulo 3
A pontuação deve, então, ser vista como um dos componentes de organização de ideias
– que é tão importante quanto a escolha lexical e o uso dos conectivos –, associando-a ao
entendimento do texto, em uma parceria também entre sintaxe e semântica.
Repare o caso a seguir em que o uso de uma vírgula evidencia uma completa alteração
de sentido, proporcionando quatro versões diferentes para o mesmo fato:

Um homem rico, à beira da morte, pediu caneta e papel para determinar como seriam distribuídos
os seus bens. Infelizmente, faleceu antes de fazer a pontuação e deixou o seu testamento assim:
“Deixo meus bens a minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do alfaiate nada
aos pobres.” (Autor desconhecido)

Afinal, a quem ele deixou a fortuna?


Eram quatro concorrentes: a irmã, o sobrinho, o alfaiate e os pobres. O escrito chegou
às mãos deles e cada um o reescreveu em benefício próprio. Sendo assim, produziu-se o
texto de várias formas.

1 Primeiramente, chegou o sobrinho e fez estas pontuações numa cópia do bilhete:

“Deixo meus bens: a minha irmã, não; a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do alfaiate. Nada
aos pobres.”

Em seguida, a irmã do morto chegou, com outra cópia do escrito, pontuada


2 deste modo:

"Deixo os meus bens à minha irmã. Não ao meu sobrinho. Jamais será paga a conta do alfaiate.
Nada aos pobres".

3 Logo após, surgiu o alfaiate que, pedindo a cópia do original, fez estas pontuações:

“Deixo meus bens: a minha irmã, não; a meu sobrinho, jamais. Será paga a conta do alfaiate. Nada
aos pobres.”

O Juiz estudava o caso, quando chegaram os pobres da cidade; e um deles, mais sabido,
tomando outra cópia, pontuou-a assim:

4 Pobres:

"Deixo os meus bens à minha irmã? Não. Ao meu sobrinho? Jamais. Será paga a conta do alfaiate?
Nada. Aos pobres."

O caso acima evidencia como o uso intencional das diversas pontuações apresentadas
pode promover no texto quatro sentidos diferentes e como a escolha consciente por um
modo específico de pontuação e de articulação sintática das ideias pode auxiliar o produtor
de texto a alcançar a sua intenção, em um texto mais claro, coerente e seguro.

capítulo 3 • 117
Por que pontuar e onde pontuar? Ao pontuar, que sinal deve ser utilizado?

A pontuação adequada é também um elemento fundamental para garantir a coesão textu-


al. Isso implica a utilização dos sinais de pontuação, incluindo travessão e ponto-e-vírgula,
e não apenas a vírgula e o ponto, como se percebe na maioria dos textos. A pontuação deve
ser entendida como marca de coerência e coesão para estabelecimento do sentido do texto
em determinadas situações comunicativas.
Assim como se usam os conectores e outros elementos de coesão para articular vocábu-
los ou orações e indicar as relações existentes entre eles, os sinais de pontuação também
contribuem para a costura do texto, orientando o leitor para a construção do sentido.
Dessa forma, o sentido e as intenções pretendidas para o texto, às vezes, são construí-
dos e indicados pelo uso dos diversos sinais de pontuação que funcionam como importan-
tes pistas para o entendimento do texto.
Os sinais de pontuação na construção do texto também são responsáveis pelos efeitos
de sentido – ironia, humor, diversão.

— Não é justo! Um menino sensível como eu nascido na idade das trevas!


— As pessoas só falam de guerra, assassinato, crime...
— As pessoas não estão seguras nem nas suas próprias casas!
— Por que é que eu não nasci daqui a mil anos?

O texto acima foi retirado de uma charge. Observe existem sinais de pontuação ao tér-
mino de todas as falas, evidenciando, respectivamente, ideia de admiração(!), ideia inter-
rompida [...], ideia de admiração(!) e ideia de indagação(?).
Diferentemente da fala, que, além da palavra, conta com outros recursos para a cons-
trução do sentido - expressão facial, entonação, gestos, postura corporal, ambiente -, a lin-
guagem escrita dispõe apenas de recursos gráficos. Entre esses recursos a pontuação é um
dos mais importantes, pois ajuda a organizar sintaticamente o texto, a evitar ambiguidade,
a enfatizar um termo da oração e a tornar as ideias do texto mais claras, coesas e precisas.
Entretanto, para se entender bem as regras de uso dos sinais de pontuação, é preciso
compreender primeiramente o conceito de frase, oração e período, conforme já trabalhado
no Capítulo 2 em “A pontuação e a sintaxe”.

Sinais de pontuação

Estudou-se no Capítulo 1, a pontuação em relação aos termos da oração. Agora se estudará


a pontuação em relação aos diversos tipos de oração; para isso, faz-se uma revisão dos ele-
mentos fundamentais da sintaxe.
Estudou-se no capítulo mencionado que frase é todo enunciado linguístico com sen-
tido completo, que começa sempre com letra maiúscula e termina sempre com um dos
seguintes sinais de pontuação: o ponto simples (.), o ponto de exclamação (!), o ponto de
interrogação (?). As reticências [...] indicam que a frase foi cortada sem terminar. Os de-
mais sinais de pontuação: vírgula, ponto e vírgula; dois-pontos; travessão; parênteses ( )
não terminam uma frase, mas aparecem dentro dela.
Leia agora o texto a seguir:

118 • capítulo 3
"Quando, às duas horas da tarde do dia seguinte, Natividade se meteu no bonde, para ir a não
sei que compras na Rua do Ouvidor, levava a frase consigo. A vista da enseada não a distraiu,
nem a gente que passava, nem os incidentes da rua, nada; a frase ia dentro dela, com o seu as-
pecto e tom de ameaça. No Catete, alguém entrou de salto, sem fazer parar o veículo. Adivinha
que era o conselheiro; adivinha também que, posto o pé no estribo, e vendo logo adiante a nossa
amiga, caminhou para lá rápido e aceitou a ponta do banco que ela lhe ofereceu.
Depois dos primeiros cumprimentos:
— Pareceu-me vê-la olhar assustada — disse Aires.
— Naturalmente, não imaginei que fosse capaz deste ato de ginástica.
— Questão de Costume. As pernas saltam por si mesmas. Um dia, deixam-me cair, as rodas
passam por cima...
— Fosse como fosse, chegou a propósito.
— Chego sempre a propósito."
(ESAÚ e JACÓ - Machado de Assis, cap. XXXVIII.)

Percebe-se que o fragmento em estudo é formado por 11 frases. Observe a primeira fra-
se: “Quando, às duas horas da tarde do dia seguinte, Natividade se meteu no bonde, para
ir a não sei que compras na Rua do Ouvidor, levava a frase consigo”. Note que a frase só
termina quando o narrador completa o seu enunciado. A frase pode ser longa ou pode ser
curta como esta: "Questão de Costume".
Observa-se no texto dado que há frases que possuem mais de um verbo (os verbos es-
tão em negrito), frases que possuem apenas um verbo e frases que não possuem nenhum
verbo. Com base nisso, pode-se entender o conceito de período e oração. Assim, oração é a
frase que possui verbo, e Período é a frase que possui oração ou orações.
O período, como já estudado na Unidade I, pode ser simples, quando possui apenas
uma oração; ou composto, quando possui mais de uma oração. Lembrando-se de que a
quantidade de verbos em uma frase é a mesma quantidade de orações. Já a frase nominal
acontece quando na frase não há verbos, portanto, não há oração.
Análise de exemplos do texto:

Frase Questão de costume. (Nessa frase não há nenhum verbo, portanto, nenhuma oração).
Nominal

Período Chego sempre a propósito. (Nessa frase há apenas um verbo — "chego" — por-

Simples tanto, há apenas uma oração).

Adivinha que era o conselheiro; adivinha também que, posto o pé no estribo, e ven-
Período do logo adiante a nossa amiga, caminhou para lá rápido e aceitou a ponta do banco
Composto que ela lhe ofereceu. (Nessa frase há 7 verbos, portanto, 7 orações).

A pontuação pode ser usada dentro de um período simples para destacar os termos de
uma oração ou dentro de um período composto separando orações.

capítulo 3 • 119
Para evitar sinais de pontuação desnecessários e dar ainda maior clareza ao texto na
construção dos períodos, segue-se, preferencialmente, o padrão, isto é, a ordem direta (su-
jeito + verbo + o restante).

Orações coordenadas e subordinadas

Para o estudo do uso da vírgula entre as orações do período há necessidade de se conhecer


as regras de sua aplicação para separar as orações e, consequentemente, a identificação
dos períodos, das orações e seus tipos.
Atente agora para as explicações que seguem acerca dos períodos com mais de uma
oração e para compreensão de toda a estrutura dos períodos, das orações e de seus diversos
tipos que se ligam para formar o período.
Além disso, as orações estabelecem relações diversas entre si, podendo ser um comple-
mento sintático de outra, ou pode entre elas apenas haver relação de sentido. Todas essas
informações são fundamentais para que se utilize não só da pontuação de forma precisa,
mas também para se construir um texto bem estruturado com coesão e coerência, ou seja,
com textualidade.

Orações coordenadas
As orações coordenadas não mantêm entre si dependência gramatical, são independentes.
Existe entre elas, evidentemente, uma relação de sentido, mas do ponto de vista sintático,
uma não depende da outra. A essas orações independentes, dá-se o nome de orações coor-
denadas, que podem ser assindéticas ou sindéticas.
Emprega-se a vírgula para separar as orações coordenadas assindéticas (ligadas sem a
conjunção) e as orações coordenadas sindéticas (unidas pela conjunção), com exceção das
introduzidas pela conjunção e:

Vim, vi, venci. (Orações coordenadas assindéticas)


Maria Antonia está muito doente, logo não vai ao cinema com Paulo Elísio.

As orações coordenadas sindéticas unidas pela conjunção e podem vir separadas por vír-
gulas quando tiverem sujeitos diferentes ou, então, se a conjunção e for repetida várias vezes.
Repare estes exemplos:

O rapaz nem se preocupou em se explicar, e seu pai também não fez questão de saber.
“Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua”.

A conjunção e pode funcionar com valor adversativo (= mas) e, nesse caso, exige-se a vírgula.
Observe:

Usufruí dos seus serviços, e não os paguei.


O homem chorava copiosamente, e não parecia ter perdido sua razão.

120 • capítulo 3
CONCEITO
Orações coordenadas
Orações colocadas lado a lado, sem que uma seja termo integrante da outra, ou seja, não existindo relação
sintática entre elas. Na verdade, a classificação de uma oração coordenada leva em conta fundamental-
mente o aspecto lógico-semântico da relação que se estabelece entre as orações.

Orações coordenadas assindéticas (sem conjunção)


Orações que se encadeiam sem a presença de uma conjunção. Aparecem justapostas (uma ao lado da
outra), separadas por vírgulas.

Orações coordenadas sindéticas


Orações coordenadas que vêm articuladas umas às outras por meio de conjunções coordenativas.

Orações Subordinadas Substantivas


A oração subordinada substantiva tem valor de substantivo e vem introduzida, geralmente,
por conjunção integrante (que, se).
Quanto ainda às orações subordinadas substantivas, somente as subordinadas subs-
tantivas apositivas devem ser separadas por vírgula (ou dois pontos) da oração principal; as
demais substantivas, não.

EXEMPLO
O diretor da empresa necessita de que todos os colaboradores estejam presentes na reunião. (Objetiva indireta)
A testemunha informou que viu uma só arma. (objetiva direta)
Não cabe agora a afirmação de que o autor é pobre. (Completiva nominal)
Só lhe faço uma observação: que não desrespeite seus colegas. (Apositiva)

CONCEITO
Orações Subordinadas Substantivas são as que exercem, em relação à oração principal, funções próprias
dos substantivos, como: sujeito (subjetiva), objeto direto (objetiva direta), objeto indireto (objetiva indireta),
complemento nominal (completiva nominal), predicativo (predicativa) e aposto (apositiva).

Orações Subordinadas Adverbiais


A pontuação dos períodos em que há orações subordinadas adverbiais obedece aos mes-
mos princípios observados em relação aos adjuntos adverbiais. Isso significa que a oração
subordinada adverbial sempre pode ser separada da oração principal por vírgulas. Essa
separação é optativa quando a oração subordinada adverbial estiver posposta à principal e
será obrigatória quando a oração subordinada adverbial estiver intercalada ou anteposta.
Sendo assim, as orações subordinadas adverbiais são separadas por vírgula nestes casos:

capítulo 3 • 121
a Opcionalmente, se vierem após a oração principal

— Se a professora não se zangasse, eu escreveria uma composição só de perguntas.


— Nós amamos nosso país porque nascemos aqui?
— Os turcos amam a Turquia porque nasceram na Turquia?
— Os suecos amam a Suécia porque nasceram na Suécia?
— Os javaneses amam Java porque nasceram em Java?
— O título seria "Patriotismo e comodidade".

No discurso acima, Mafalda questiona se a ação de “amar um país”, apresentada na


oração principal, é provocada por uma circunstância específica, informada na oração su-
bordinada: o fato de ter nascido nele.
Em todas as perguntas, essa estrutura sintática se repete, mudando apenas o país iden-
tificado, como Turquia, Suécia, Java.
A oração da primeira frase é subordinada adverbial condicional porque expressa uma
circunstância de condição em relação ao predicado da oração principal. Mas, da segunda à
quinta frase, as orações são adverbiais causais porque exprimem uma circunstância de causa.
Na primeira frase, a vírgula é obrigatória, pois a oração subordinada adverbial condicio-
nal veio antes da oração principal; nas demais, as orações subordinadas adverbiais causais
vêm após a principal, logo, a vírgula é opcional.

B Obrigatoriamente, se vierem antepostas ou intercaladas à oração principal

Disse que, quando chegar, tomará todas as providências. A oração intercalada (em itálico) fica
entre vírgulas.

C Obrigatoriamente, quando forem reduzidas de gerúndio, particípio e infinitivo

Por precisar muito de dinheiro, minha irmã fez um empréstimo no Banco. (oração subordinada
adverbial causal, reduzida de infinitivo = “Porque precisava muito de dinheiro”- oração subordinada
adverbial causal ( desenvolvida).
Chegando a São Paulo, iremos logo à Bienal de Livros. (oração subordinada adverbial temporal, reduzida
de gerúndio = “Quando chegarmos a São Paulo...” oração subordinada adverbial temporal (desenvolvida).
O réu, condenado a quatro anos de detenção, cometeu novo crime. (oração subordinada adjetiva
explicativa, reduzida de particípio = “que foi condenado a quatro anos de detenção”).
Encontrei seu pai, usando gravata borboleta. (oração subordinada adjetiva explicativa, reduzida de
gerúndio = “que usava gravata borboleta”).

CONCEITO
Orações subordinadas adverbiais
São aquelas que exercem a função de adjuntos adverbiais, própria dos advérbios e vêm introduzidas por
conjunções subordinativas, quando desenvolvidas. As orações subordinadas adverbiais podem ser: com-
parativas, causais, consecutivas, condicionais, concessivas, temporais, finais, proporcionais, conformativas.

122 • capítulo 3
Orações subordinadas reduzidas
As orações subordinadas reduzidas podem ser de gerúndio, particípio ou de infinitivo, dependendo da for-
ma verbal de que se utilizam para evitar o uso da conjunção ou do pronome relativo (orações subordinadas
adjetivas). As orações reduzidas contribuem, assim, para evitar o uso excessivo da palavra que.

Orações subordinadas adjetivas


Na relação que estabelecem com o termo que caracterizam, as orações subordinadas adje-
tivas podem atuar de duas maneiras diferentes. Há aquelas que restringem ou especificam
o sentido do termo a que se referem, individualizando-o. Nessas orações não há marcação
de pausa, sendo chamadas subordinadas adjetivas restritivas. Existem também orações
que realçam um detalhe ou amplificam dados sobre o antecedente, que já se encontra sufi-
cientemente definido, as quais se denominam subordinadas adjetivas explicativas.
Logo, somente as orações subordinadas adjetivas explicativas devem ser separadas por
vírgula da oração principal; as restritivas, não. Sendo assim, o uso da vírgula define o senti-
do explicativo ou restritivo da subordinada adjetiva.
Repare os exemplos abaixo:

O corretor de imóvel, que me pareceu muito ético, enviou sua proposta de acordo. (Oração su-
bordinada adjetiva explicativa)
Os alunos que têm preguiça de ler escrevem muito mal. (oração subordinada adjetiva restritiva)

CONCEITO
Orações subordinadas adjetivas restritivas
São as que delimitam, restringem ou particularizam o sentido de um nome (substantivo ou pronome) ante-
cedente. Na escrita, ligam-se ao antecedente diretamente, sem vírgulas.

Orações subordinadas adjetivas explicativas


São as que acrescentam ao antecedente uma informação que já é do conhecimento do interlocutor; assim,
generalizam ou universalizam o sentido do antecedente. Na escrita, aparecem entre vírgulas.

Valores semânticos: orações subordinadas adjetivas

As orações subordinadas adjetivas - geralmente iniciadas pelo pronome relativo que - são
aquelas que têm valor de adjetivo, pois cumprem papel de determinar um substantivo
(nome ou pronome) antecedente, por isso funcionam como adjunto adnominal, referin-
do-se sempre a um substantivo ou pronome substantivo, explicando ou restringindo o seu
sentido, daí serem classificadas em explicativas e restritivas. Leia o diálogo a seguir:

capítulo 3 • 123
— Não há lugar em minha equipe para covardes sujos e escorregadios!!
— Você tem lugar para alguém que tem só o estômago fraco?

Na segunda frase, há a presença do pronome relativo que, referindo-se de forma restrita


ao pronome substantivo indefinido alguém. Trata-se de uma oração subordinada adjetiva
restritiva: “que tem só o estômago fraco”, por isso não deve ser separada por vírgula.
As orações subordinadas adjetivas explicativas modificam um termo da oração princi-
pal que não necessita de restrição. Assim, as explicativas procuram apenas dar informa-
ções sobre ele, realçando alguma de suas qualidades e são sempre separadas por vírgula do
restante do período:

O elefante africano, que é um animal terrestre, chega a 4 metros de altura e a 7000 quilos de peso.
oração subordinada
adjetiva explicativa

oração principal

Orações subordinadas adjetivas restritivas são aquelas que restringem o sentido do


termo a que se referem.
Observe:

Jamais teria chegado aqui, não fosse a gentileza de um homem que passava naquele momento.

Nesse período, observa-se que a oração em destaque restringe e particulariza o sentido


da palavra "homem": trata-se de um homem específico, único. A oração limita o universo
de homens, isto é, não se refere a todos os homens, mas sim àquele que estava passando
naquele momento. Lembre-se de que a oração subordinada adjetiva restritiva nunca vem
separada da oração principal por vírgula.
Imagine agora a seguinte situação: está acontecendo uma reunião de professores na
Estácio de Natal – RN, e o coordenador do curso de Direito diz:

“Neste semestre, se todos concordarem, adotaremos algumas medidas pedagógicas. Os alunos


que têm dificuldades em compreensão e interpretação de textos terão aulas aos sábados”.

No exemplo dado, a intenção do coordenador é informar que apenas uma parte dos
alunos terá aulas aos sábados, isto é, aqueles que têm dificuldades em compreensão e in-
terpretação de textos.
Repare, agora, na alteração de sentido que ocorre na frase quando a oração adjetiva é
colocada entre vírgulas:

“Os alunos, que têm dificuldades em compreensão e interpretação de textos, terão aulas aos sábados.”

No segundo exemplo, a intenção do coordenador é outra, pois ele afirma que todos os
alunos têm dificuldades em compreensão e interpretação de textos. No primeiro caso, a

124 • capítulo 3
oração subordinada adjetiva restringe, particulariza o sentido da palavra alunos; portan-
to, é uma oração subordinada adjetiva restritiva. No segundo caso, a oração explica ou
acrescenta à palavra alunos uma informação que já é de conhecimento do interlocutor;
por isso é uma oração subordinada adjetiva explicativa. Ela generaliza, universaliza o sen-
tido da palavra alunos: todos os alunos têm dificuldade em compreensão e interpretação
de textos; por isso todos terão aulas aos sábados.
O uso da vírgula, como se pode notar, define o sentido explicativo ou restritivo da su-
bordinada adjetiva. Daí ser necessária muita atenção para que se evite alteração grave no
sentido de todo o período.

CONCEITO
Pronome relativo
Pronome relativo é aquele que liga orações e se refere a um termo anterior - o antecedente.

Observe o diálogo, retirado de uma tirinha, abaixo:

— Esta é uma flor que esguicha água.


— E estas são aquelas garras que arranham.
— Isso é o que eu chamo de impasse.

Há três pronomes relativos no diálogo acima que retomam estes antecedentes presen-
tes em cada uma das orações: flor (substantivo); garras (substantivo); pronome substantivo
demonstrativo o = aquilo.
Para reconhecer um pronome relativo e uma oração subordinada adjetiva, procure tro-
car o pronome relativo que introduz a oração por o(a) qual, os(as) quais, regidos ou não de
preposição. O emprego desse artifício só não é possível com o conectivo cujo e suas flexões;
contudo cujo é sempre pronome relativo.

ATENÇÃO
A oração subordinada adjetiva explicativa é separada da oração principal por uma pausa, que, na escrita, é repre-
sentada pela vírgula. É comum, por isso, que a pontuação seja indicada como forma de diferenciar as orações
explicativas das restritivas, razão por que as explicativas vêm sempre isoladas por vírgulas; as restritivas, não.

RESUMO
Orações coordenadas
Orações colocadas lado a lado, sem que uma seja termo integrante da outra, ou seja, não existindo relação
sintática entre elas.

Orações coordenadas assindéticas (sem conjunção): orações que se encadeiam sem a presença de
uma conjunção. Aparecem justapostas (uma ao lado da outra), separadas por vírgulas.

capítulo 3 • 125
Orações coordenadas sindéticas: orações coordenadas que vêm articuladas umas às outras por meio
de conjunções coordenativas que podem ser: aditivas (sequência ou adição de fatos ou acontecimentos
– soma de ideias – sem que entre as orações se estabeleça alguma outra relação de sentido), adversa-
tivas (o conteúdo da segunda oração opõe-se àquilo que se declara na primeira, estabelecendo-se uma
ideia de compensação ou contraste, oposição), conclusivas (a segunda oração expressa uma conclusão
ou consequência lógica, baseada em uma oração anterior), explicativas (a oração coordenada fornece
uma explicação, razão ou motivo para aquilo que se afirma em uma oração anterior) , alternativas (ex-
pressam duas ou mais ideias que se alternam ou se excluem).

Orações subordinadas
Funcionam como termo de uma principal.

Orações subordinadas substantivas: são as que exercem, em relação à oração principal, funções pró-
prias dos substantivos, como: sujeito (subjetiva), objeto direto (objetiva direta), objeto indireto (objetiva
indireta), complemento nominal (completiva nominal), predicativo (predicativa) e aposto (apositiva).

Orações subordinadas adjetivas: são as que exercem, em relação à oração principal, a função de ad-
junto adnominal, própria dos adjetivos. Essas orações, em sua forma desenvolvida, são introduzidas por
pronomes relativos e podem ser explicativas ou restritivas.

Orações subordinadas adverbiais: são aquelas que exercem a função de adjuntos adverbiais, própria
dos advérbios. As orações subordinadas adverbiais, em sua forma desenvolvida, vêm introduzidas por con-
junções subordinativas.
As orações subordinadas adverbiais podem ser: causais (exprimem uma circunstância de causa); con-
secutivas (traduzem a ideia de consequência, indicando um fato que pode ser entendido como um
efeito ou uma consequência de algo que se afirma na oração principal; condicionais (expressam uma
circunstância de condição [real ou hipotética] em relação ao predicado da oração principal); concessi-
vas (fazem uma concessão ao que está sendo afirmado na oração principal); conformativas (expressam
ideia de conformidade em relação a algo que foi afirmado na oração principal); comparativas (ex-
pressam uma comparação - de igualdade, de superioridade ou de inferioridade – com um dos termos
da oração principal); finais (expressam finalidade, objetivo ou fim daquilo que se declara na oração
principal); proporcionais (expressam gradação ou proporcionalidade, relacionando o processo verbal
indicado na oração principal com aquele expresso na subordinada); temporais (exprimem circunstân-
cias temporais – de anterioridade, simultaneidade, posterioridade – relativas ao acontecimento que vem
expresso na oração principal).

Orações reduzidas
Subordinadas substantivas reduzidas: apresentam o verbo em uma das formas nominais (infinitivo, ge-
rúndio e particípio) e desempenham com relação à oração principal a mesma função que suas equivalentes
na forma desenvolvida. Para classificá-las, portanto, basta desenvolvê-las e analisar que tipo de relação
sintática estabelecem com a oração à qual se subordinam.

Subordinadas adverbiais reduzidas: Não são introduzidas por uma conjunção subordinativa e apresen-
tam o verbo em uma das formas nominais (infinitivo, gerúndio e particípio).

126 • capítulo 3
Subordinadas adjetivas reduzidas (explicativas e restritivas): não são introduzidas por pronome rela-
tivo e apresentam o verbo em uma das formas nominais (infinitivo, gerúndio e particípio).

REFLEXÃO
Os conectores ou articuladores têm como função articular, conectar, ligar grupos de palavras; unir frases
simples, formando frases complexas; estabelecer nexos lógicos entre períodos e parágrafos, de modo a
construir textos coesos e coerentes.
O papel coesivo das conjunções na articulação com o texto é de grande importância, pois, dependendo
da escolha de diferentes conjunções coordenativas ou subordinativas, o sentido de um período composto
modifica-se consideravelmente. Daí ser fundamental o estudo das conjunções ou conectores para a com-
preensão das relações semânticas que estabelecem entre as orações, pois só assim haverá condições de
se utilizar adequadamente esses importantes elementos coesivos na elaboração dos textos.
Os conectores podem ser classificados com funcionalidades lógicas distintas, de acordo com o contexto de uso.
Observe o quadro a seguir:

Conectores/
Designação Função Articuladores
e, nem (negativa), bem como,
agrupar, adicionar ideias, segmentos, não só… mas também, além
Aditivos sequências, informação disso, mais ainda, igualmente,
ainda, além de tudo isso.

ou, ou… ou, ora… ora, seja…


Alternativos apresentar opções, alternativas seja, alternativamente, em
alternativa, opcionalmente.

mas, porém, todavia, contudo,


no entanto, contrariamente,
Adversativos indicar uma oposição, um contraste
pelo contrário, entretanto, e
(= mas).

portanto, assim, logo, por


conseguinte, concluindo,
expressar uma conclusão, uma infe- para concluir, em conclusão,
Conclusivos rência (dedução lógica a partir do já em consequência, daí, então,
exposto) deste modo, por isso, por
este motivo, pois (depois do
verbo).

expressar o motivo, a razão de uma pois (antes do verbo), porque,


Explicativos afirmação anterior. que (= porque).

para (que), a fim de, a fim de


Finais traduzir o fim, a intenção, o objetivo
que, com o objetivo de.

capítulo 3 • 127
como, tal como, assim como,
Comparativos exprimir uma comparação bem como, mais / menos do
que, tanto quanto.

porque, visto que, como, uma


Causais exprimir a causa, a razão
vez que, já que.

se, caso, desde que, a não ser


Condicionais introduzir hipóteses ou condições
que, contanto que.

por isso, de tal forma… que,


exprimir a ideia de consequência,
Consecutivos resultado, efeito
tanto… que, tal… que, tão…
que.

indicar ação que ocorre proporcio-


ao passo que, à medida que, à
Proporcionais nalmente à ação indicada na oração
proporção que.
principal.

embora, ainda que, mesmo


que, conquanto, apesar de, a
negar o efeito, a conclusão,
Concessivos exprimir uma concessão.
despeito de, malgrado, não
obstante, mesmo assim, ainda
assim.

quando, mal, assim que, logo


exprimir relações de tempo entre os que, enquanto, depois que,
Temporais segmentos do texto antes de, mais tarde, ao mes-
mo tempo.

Coesão nos pronomes demonstrativos: tempo,


espaço, discurso

— Quem foi o culpado?


— Ele.
— Essa.
— Este.
— Ela
— Esse.
— Aquele.
— Nada melhor do que um escritório para aprender os PRONOMES.

No texto retirado de uma charge, os pronomes demonstrativos são os que indicam a


posição dos seres em relação às três pessoas do discurso.
Do ponto de vista semântico, os pronomes estão caracterizados porque indicam dêixis
– que significa designar, dizer – o apontar para –, isto é, estão habilitados, como verdadei-
ros gestos verbais, como indicadores, determinados ou indeterminados, ou de umas dêixis

128 • capítulo 3
contextuais a um elemento inserido no contexto – a anafórica e a catafórica [...]” (BECHA-
RA, 2009, p. 162), já trabalhados anteriormente em Coesão textual.

— Vamos ver, Liberdade; Este é um triângulo... Como?


— Como Deus manda.
— Não, preste atenção; se este lado, este lado e este lado medem a mesma coisa, é um triângulo...?
— Chatíssimo.
— Não!! "Um triângulo cujos lados SÃO TODOS IGUAIS" é...?
— Ah! Socialista!

No texto acima, retirado de uma charge, tem-se o pronome demonstrativo este quatro
vezes em função catafórica, referindo-se ao termo que vem depois — lados, logo é classifica-
do como pronome demonstrativo catafórico. Há também o pronome indefinido anafórico
todos, retomando a palavra lados.
Os pronomes demonstrativos são os que indicam a posição dos seres em relação às três
pessoas do discurso. A localização pode ser no tempo, no espaço ou no discurso:

1ª pessoa Este, esta, isto (e flexões)

2ª pessoa Esse, essa, isso (e flexões)

3ª pessoa Aquele, aquela, aquilo (e flexões)

Sendo assim, os pronomes demonstrativos, assim como os outros pronomes, tam-


bém possuem natureza dêitica, porque fazem referência a algo de acordo com a posição
das pessoas do discurso. Em sua relação com as pessoas do discurso, os pronomes de-
monstrativos servem para localizar os objetos (seres e coisas) que entram no conteúdo
dos enunciados. Para tanto, as pessoas do discurso passam a ser unidades referenciais
em cujos limites o enunciador situa.
Em: “Este livro de Graciliano Ramos” é o livro que está perto da pessoa que fala; “Esse
livro de Graciliano Ramos” é o que está longe da pessoa que fala e perto da pessoa a quem se
fala; “Aquele livro de Graciliano Ramos” é o que se acha distante da 1ª e da 2ª pessoa.
Tem-se o seguinte emprego dos pronomes demonstrativos em relação às pessoas do dis-
curso: este para próximo de quem fala (eu); esse para próximo de quem ouve ou a quem se
fala (tu); aquele para o objeto distante dos dois – tanto do emissor quanto do receptor (ele).
Verifique agora um estudo mais detalhado quanto ao emprego dos pronomes demons-
trativos em relação às pessoas do discurso:

Para a primeira pessoa: os pronomes demonstrativos este, esta, estes, estas,


a isto designam o que está próximo da pessoa que fala.

Esta é minha família: esta é a minha esposa e estes são os meus filhos.

capítulo 3 • 129
O pronome demonstrativo este vem empregado com as flexões exigidas pelo contexto,
pois acompanha os substantivos família, esposa e filhos. Aquele que fala, encontra-se pró-
ximo da família, da esposa, dos filhos.
Observe o discurso a seguir:

— Olha, este é o mundo. Está vendo?


— Sabe por que este mundo é bonito?
— Porque é um modelo reduzido. O original é um desastre!

Repare que a expressão “este mundo” demonstra proximidade em relação ao falante.

Para a segunda pessoa: os pronomes demonstrativos esse, essa, esses, essas,


b isso designam o que está próximo da pessoa a quem se fala.

Borges falou e disse:


— Por que o senhor publicou esse livro? Qual foi sua maior motivação?
— Motivação? Meu filho, um escritor publica um livro para PARAR DE ESCREVÊ-LO!
— Eu não aguentava mais escrever e reescrever e revisar e acrescentar e suprimir e reescrever e
consertar palavrinhas e revisar e reescrever...

No texto acima, retirado de uma charge, houve um deslize gramatical quanto ao em-
prego do pronome demonstrativo esse, pois o objeto encontra-se próximo do entrevistador
- está próximo da pessoa que fala (Eu), logo, deveria ter empregado o pronome demonstra-
tivo Este: “Por que o Senhor publicou este (e não esse) livro”?

Para a terceira pessoa: os pronomes demonstrativos aquele, aquela, aqueles,


c aquelas, aquilo designam o que está afastado tanto da pessoa que fala, quanto
daquela a quem se fala.

— Que estrela é aquela, Muketa?


— É o crocodilo gigante que protege a colheita.
— E aquela?
— É onde mora o Deus dos raios.
— Tudo crendice.
— Que verruga é essa?
— Outra crendice.

No diálogo, os pronomes demonstrativos de terceira pessoa – aquele (e flexões) – indi-


cam distância tanto da pessoa que fala, quanto daquela a quem se fala.
Repare o emprego do pronome neste diálogo, retirado de uma charge:

— Ai, ai. Nunca acontece nada aqui!


— É, é muito chato!
— Ei! O que é aquilo ali?!

130 • capítulo 3
— Olha! Um papel em uma garrafa! Pegue e leia!
— Certo!
— Aqui diz: "Parabéns! Você ganhou o primeiro prêmio de 10.000.000.000 moedas de ouro em
nosso concurso!"
— Uhuuu! Nossos problemas acabaram!
— Aí diz como podemos pegar o prêmio?
— Sim! Nós temos até as 5 horas de amanhã para pegá-lo.

A frase “O que é aquilo ali?” refere-se a algo distante dos falantes.

ATENÇÃO
Na correspondência, este (e flexões) se refere ao lugar de onde se escreve, e esse (e flexões) denota o lu-
gar para onde a carta se destina. A referência ao documento que se escreve se faz com este, esta. Quando
se quiser apenas indicar que o objeto se acha afastado da pessoa que fala, sem nenhuma referência à 2ª
pessoa, usa-se esse.

Exemplos:
a)  Dirijo-me a essa universidade Estácio de Sá com o objetivo de solicitar informações sobre a XXII Con-
ferência Nacional de Advogados. (Trata-se da universidade destinatária.)
b)  Reafirmamos a disposição desta universidade Estácio de Sá em participar na próxima XXII Conferência
Nacional de Advogados. (Trata-se da universidade que envia a mensagem.)

No tempo : presente, passado e futuro

Este (e flexões) refere-se ao tempo presente e ao passado ou futuro próximos da fala.

EXEMPLO
a)  Nestas próximas semanas, estarão ocorrendo as inscrições para o concurso vestibular na Estácio.
(Futuro próximo)
b)  Esta noite (= noite passada) tive um sonho belíssimo.
c)  Este ano de 2014 está sendo marcado pelo caos no trânsito em razão das grandes obras que vêm
sendo realizadas na cidade do Rio de Janeiro. (Presente)

Esse (e flexões) refere-se a tempo já passado ou a um passado recente.


Em “Nessa época, o Brasil também atravessava uma fase bastante difícil.”, o pronome
demonstrativo essa (a contração da preposição em com o pronome demonstrativo essa =
nessa) refere-se a um passado recente.
Aquele (e flexões) refere-se a um passado distante.
Em “Comentávamos aquele período em que as mulheres eram apenas senhoras do lar.”,
o pronome demonstrativo aquele se refere a um passado distante.

capítulo 3 • 131
Pronomes demonstrativos este e aquele (e flexões): anafóricos e catafóricos

Quando bem utilizados, os demonstrativos são eficientes elementos de coesão entre o que
se está falando e o que já se disse ou irá dizer adiante. Deve-se utilizar este e suas flexões para
adiantar o que se vai dizer, e esse, quando se refere ao já-dito, fazendo-se apenas uma retomada.
Observe o uso do pronome demonstrativo anafórico isso abaixo:

— Não é justo que uma mulher trabalhe tanto com um sol desses! Por que não faz isso à noite?

No texto, tem-se o pronome demonstrativo anafórico isso, retomando o verbo “trabalhar”.


Quando indica, portanto, elementos do discurso, o pronome esse tem função anafórica,
ou seja, aponta para uma palavra ou ideia já citada. Por sua vez, o pronome este tem função
catafórica, ou seja, aponta para uma palavra ou ideia que vai ser citada.

Emprego dos pronomes demonstrativos anafóricos: este e aquele ( e flexões)

1º TERMO 2ª TERMO ESTE AQUELE

Quando houver dois elementos anteriormente citados e é necessário referir-se somente a


um deles, usa-se este em oposição a aquele (e flexões). Este refere-se ao mais próximo, e
aquele, ao mais distante.

a “Política e politicalha: esta é a arma dos espertos; aquela, dos sábios.”

Na frase, o pronome demonstrativo esta indica o vocábulo a que o autor se referiu por último – po-
liticalha-, e o pronome demonstrativo aquela indica o a que se referiu em primeiro lugar - Política.

Os Estados Unidos (EUA) têm estreitado as relações com o Brasil e o Chile, mas aquele
b país ainda sofre fortemente os impactos da última crise econômica.

Na sentença, o pronome demonstrativo aquele é usado para retomar anaforicamente um elemento


textual distante – os EUA.

132 • capítulo 3
Pessoa do
Pronome Lugar Tempo Discurso
Discurso
Com função ana-
fórica, identifica
o termo mais
Faz referência próximo, havendo
ESTE à pessoa ou Refere-se ao lu-
Refere-se ao
dois anterior-
ESTA coisa próxima da gar em que está
presente.
mente citados.
ISTO pessoa que fala o emissor. Com função
(Eu). catafórica,
refere-se ao que
vai ser citado no
discurso.

Faz referência
Com função ana-
ESSE à pessoa ou Refere-se ao lu- Refere-se a pas-
fórica, refere-se
ESSA coisa próxima da gar em que está sado ou futuro
ao que foi citado
ISSO pessoa a quem o receptor. próximos.
no discurso.
se fala (Tu).

Faz referência à
Com função ana-
pessoa ou coisa
fórica, identifica
AQUELE distante da pes- Refere-se a lugar Refere-se a pas-
o termo mais
AQUELA soa que fala e da distante do emis- sado ou futuro
distante, havendo
AQUILO pessoa a quem sor e do receptor. distantes.
dois anterior-
se fala. Corres-
mente citados.
ponde a Ele.

RESUMO
“Coloque na estante estes livros de Administração que estão comigo junto a esses de Direito Civil; retire
esses de Português e coloque-os com aqueles de Literatura, do outro lado da sala. Em relação às reformas
da previdência, administrativa e fiscal, todas essas (ou todas elas) são importantes; mas a mais urgente é
esta: a reforma da legislação penal.”
A regra ou norma é esta: o demonstrativo este se refere ao termo mais próximo; afastando-se, usa-se
esse; o mais afastado é aquele. Isso também vale para os termos mais próximos e os mais remotos da
oração ou período.
“Há dois princípios constitucionais básicos, a saber: a dignidade humana e a liberdade de escolha. Aquela
(a dignidade humana) não pode ser exercida sem esta (a liberdade de escolha)”.
Além disso, este representa algo que se pretende designar, mostrar ou dizer, ou seja, ainda não conhecido,
enquanto esse se refere à coisa já mencionada, já conhecida:
“Essa situação (passada, já referida) provocou esta reação na Educação brasileira (que agora vou mencio-
nar): uma greve geral dos professores”.
Assim também isto e isso:
“Prestem atenção nisto (que vamos dizer agora) – não foi isso que nós explicamos”.

capítulo 3 • 133
REFLEXÃO
Coesão textual trata da ligação, da conexão entre as palavras de um texto por meio de elementos formais
que assinalam o vínculo entre os seus componentes. A coesão textual pode se estabelecer por meio de
diversos elementos linguísticos. Dentre esses elementos, os pronomes assumem grande relevância, princi-
palmente pelo fato de ser por meio deles que se faz a retomada do referente, isto é, aquilo a que o texto se
refere. Todos os tipos de pronomes podem funcionar como recurso de referência a termos ou expressões
anteriormente empregados, conforme já estudado em Coesão textual.

CURIOSIDADE
Alguns estudiosos têm-se insurgido contra o emprego anafórico do demonstrativo mesmo, substantivado
pelo artigo, precedido ou não de preposição, para referir-se à palavra ou declaração expressa anteriormen-
te por considerarem-no em desuso. Para eles, o mesmo deve ser substituído por ele (dele, dela).

Exemplo:
Os políticos presos tiveram habeas corpus. Apareceu um relatório contra eles (e não os mesmos) e contra
outros também envolvidos no esquema da corrupção.

134 • capítulo 3
14
Sintaxe de
regência verbal
e nominal
4 Sintaxe de regência
verbal e nominal
Regência deriva de reger ‘governar, comandar, dirigir’ e significa ‘governo, comando,
direção’. A relação necessária que se estabelece entre duas palavras, uma das quais serve
de complemento à outra, é o que se chama Regência. A palavra dependente denomina-se
regida, e o termo a que ela se subordina, regente.
A língua prevê dois tipos de regência, a depender dos termos que se subordinam. A re-
gência nominal, estabelecida entre nomes e seus complementos, e a regência verbal, esta-
belecida entre verbos e seus complementos.

CONCEITO
Termo regente
Palavra principal a que outra se subordina.

Termo Regido
Palavra dependente que serve de complemento e que se subordina ao termo regente.

Sintaxe de regência verbal


Leia o trecho a seguir, retirado de uma tira humorística:

— Os homens são todos uns insensíveis!


— Eles nunca lembram de uma data importante!
— Nada a ver...
— ... Lembro do dia de nossa primeira briga feia...

Na 2ª e na 4ª frase, a regência do verbo lembrar está em desacordo com a variedade pa-


drão, pois o verbo lembrar rege um objeto direto e a sua regência é zero, pois não pede pre-
posição, ou seja, o verbo lembrar liga-se a seu complemento sem o auxílio da preposição.
Já o verbo lembrar-se, pronominal, rege objeto indireto, a ele subordinado no interior
do predicado verbal. A preposição de marca a regência desse verbo pronominal. Observe
como ficaria, segundo a norma padrão:

a Transitivo indireto, com o pronome.

Eles nunca se lembram de uma data importante. / Lembro-me do dia de nossa primeira briga feia.

136 • capítulo 4
b Transitivo direto, sem o pronome.

Eles nunca lembram uma data importante! Lembro o dia de nossa primeira briga feia.

Assim, o verbo lembrar ou lembrar-se é o termo regente, e o complemento verbal (objeto


direto ou indireto), o termo regido.
Uma construção semelhante e bastante frequente ocorre também com o verbo esque-
cer, pois é comum, na fala, em vez de se usar “Esqueci os documentos” ou Esqueci-me dos
documentos”, as pessoas dizerem: “Esqueci dos documentos”.
Esse uso é perfeitamente aceitável na modalidade coloquial da fala, mas inaceitável na
escrita.
Também já se tornou bastante usual no português corrente a forma implicar em. No
entanto, em contextos mais formais da escrita, deve-se observar a regência desse verbo, que
é transitivo direto, ligando-se, pois, a seu complemento sem o auxílio da preposição, como
em “Maior consumo implica mais despesas por parte da empresa.”
Observe abaixo uma construção também muito frequente com o verbo assistir:

O aluno não veio mais assistir aula.

O verbo assistir no sentido de presenciar, estar presente, ver é transitivo indireto, e a pre-
posição a marca a sua regência. Logo, o certo seria: “O aluno não veio mais assistir à aula”.
Os verbos aspirar, assistir, obedecer, desobedecer e visar, quando transitivos indiretos,
rejeitam o pronome oblíquo átono lhe(s) como complemento; em seu lugar são emprega-
dos os pronomes oblíquos tônicos a ele(s), a ela(s).

Esse filme, já assistimos a ele durante nossa viagem a Paris.

Observe o trecho abaixo, retirado de uma charge:

VIOLÊNCIA AUMENTA EM SÃO PAULO


— Oba! Estou com sorte. Consegui chegar em casa sem sofrer nenhuma violência!

Repare que há outro erro clássico de regência, incluindo o verbo chegar. Esse verbo exi-
ge a preposição a, na indicação de destino e não em.

CONCEITO
Regência verbal é a denominação que se dá à relação particular que se estabelece entre verbos e respec-
tivos complementos (objetos diretos e indiretos). Essa relação vem sempre marcada por uma preposição,
no caso dos objetos indiretos. O verbo é considerado o termo regente e seu complemento, o termo regido.

capítulo 4 • 137
Regência de alguns verbos

Alguns verbos costumam apresentar certas dificuldades de regência, ora porque o uso po-
pular se apresenta em desacordo com a norma culta, ora porque têm mais de um sentido e,
consequentemente, mais de uma regência. E, também, há os que apresentam dupla regên-
cia (Avisar, Cientificar, Informar, Certificar-se, entre outros). Eis por que relaciona-se apenas
a regência de alguns verbos mais usuais, pois o objetivo deste livro não é apresentar um
dicionário de regimes verbais e nominais.

Abdicar

Com o sentido de renunciar voluntariamente (ao poder, a um cargo, a um título),


a desistir, pode ser transitivo direto ou indireto regido da preposição de.

Não abdicava de seus direitos.


Dona Inês abdicou da sua coroa de orgulho.

Abraçar

a No sentido de apertar entre os braços é transitivo direto:

O mais velho abraçou-a, beijou-a e subiu para o seu berço de palha.


Abracei-o, dizendo que eu era quem devia pedir perdão.

Abraçar-se, pronominal, é transitivo indireto, passando a ter outra regência.


b Abraçar-se com (ou de, contra, a):

Quando melhorou, abraçou-se à menina.


Valentina abraçou-se contra o seio da mãe.

Ajudar

a Com o sentido fundamental de prestar ajuda, auxiliar:

O confeiteiro veio ajudá-lo.


Ajudou o padre a guardar o pão sagrado.

O verbo Ajudar se vier seguido de infinitivo ou oração infinitiva, pode ser


b transitivo direto ou indireto:

Ajudei-o a guardar os livros ou Ajudei-lhe a guardar os livros.


Tendes vossos pais: ajudai-lhes a levar a sua cruz.

138 • capítulo 4
c Mas se o infinitivo for intransitivo, somente transitivo direto:

Ajudei-o a fugir.

d Mas unicamente:

Ajudei-o bastante.

Agradar /Desagradar

Agradar e Desagradar são transitivos indiretos (com preposição a) no sentido


a de satisfazer, contentar, ser agradável:

As novas medidas agradaram/desagradaram aos contribuintes.


A reportagem agradou/desagradou à maioria dos leitores.
Nada lhes agradaria/desagradaria ou Nada agradaria/desagradaria mais a eles.
Agradava aos estranhos e desagradava aos familiares.

Agradar, apenas, pode ser transitivo direto (sem preposição), equivalendo a


b acariciar, afagar, fazer agrados:

Agradou o neto Paulo.


Gostava muito de agradar os seus cachorros.

Agradecer

a Agradecer no sentido de mostrar-se grato por é transitivo direto:

Agradeceu a ajuda das amigas.


Agradeceram os aplausos.

b Demonstrar gratidão a (transitivo indireto):

Recebi o livro e vou agradecer ao autor.

c Demonstrar gratidão a alguém (transitivo direto e indireto):

Agradeceu a Deus a graça alcançada.


Agradeceu-lhes o favor.

capítulo 4 • 139
d Mostrar gratidão, apenas (intransitivo):

Ganhou um elogio e nem agradeceu.

Atender

Atender – no sentido de acolher ou receber alguém com atenção, responder a


a alguém que se dirige a nós, pede objeto direto.

Atender o cliente.
Atendê-lo.
A professora não o atendeu.
A tenista não atendeu o repórter. Ela não quis atendê-lo.

Atender costuma aparecer com objeto indireto regido da preposição a, principal-


b mente em referência a dar atenção a alguém, ouvir-lhe os conselhos, levar em consi-
deração o que alguém nos diz, considerar, atentar, prestar atenção a, considerar:

Não atendera aos amigos, fora entregar-se a impostores.


Atenda bem ao (ou para o) que lhe digo.
Atendemos ao apelo (ou ao chamado, aos conselhos, aos interesses, às exigências, às reivindica-
ções) de Fulano.

Aposentar

a Dar aposentadoria a alguém, pôr de lado alguma coisa (transitivo direto):

O governo aposentou os funcionários públicos licenciados.


O bacharel aposentou seus confortáveis chinelos.
Os petistas aposentaram sua filosofia política.

b Obter aposentadoria, retirar-se do trabalho (exige o pronome se):

Ele se aposentou (e não “ele aposentou”) aos 60 anos de idade.


Antônio não vê a hora de se aposentar.

140 • capítulo 4
Aspirar

Aspirar pede objeto direto no sentido de sorver, inalar, absorver, atrair o ar aos
a pulmões (transitivo direto):

Aspirou o ar poluído da Restinga de Marambaia.


Preferia aspirar o doce perfume do amante.

Aspirar pede complemento preposicionado (objeto indireto) no sentido de desejar


b muito, pretender com ardor:

Aspirava ao cargo de presidente.


Ter uma casa na praia era tudo a que aspirava.

ATENÇÃO
Em tal caso, não admite o seu complemento preposicionado representado por pronome átono:
Jamais aspirou a ela (e não: lhe aspirou).

Estão, nesse caso, os verbos Assistir (= presenciar), Responder (com objeto indireto referente a coisa),
Aludir, Visar (= desejar), Aceder e Referir-se.

Assistir

Assistir pede complemento preposicionado iniciado pela preposição a, quando


a significa estar presente a, presenciar (transitivo indireto).

Assistir ao espetáculo.
Os fiéis assistiram à missa.
Todos assistimos aos espetáculos, à sessão, aos trabalhos.
Gostava muito de assistir à televisão.
Ontem assistimos ao jogo.

ATENÇÃO
Nesse sentido, Assistir não admite seu complemento representado por pronome átono:
Não pude assistir a ele (e não: lhe pude assistir).

Logo, por ser indireto, também rejeita as formas pronominais o, a, lo, la, os, as, los e las como comple-
mento. Não escreva:
Perdi a corrida, mas queria tanto assisti-la.
Chegou cedo ao treino e assistiu-o com interesse.

capítulo 4 • 141
Verbos com dupla regência

Avisar, Informar, Cientificar, Certificar, Proibir, Assegurar, Agradecer, Incumbir

a Avisar ou informar alguma coisa (transitivo direto):

Já avisamos (informamos) os alunos do curso de direito.


Já os avisamos (informamos).

b Avisar ou informar de (transitivo indireto):

Os jornais avisavam (informavam) da epidemia.

Avisar ou informar alguém (objeto direto) de alguma coisa (objeto indireto) ou


c Avisar ou informar alguma coisa (objeto direto) a alguém (objeto indireto):

A direção já avisou (informou) os funcionários das mudanças nauniversidade.


A direção já avisou (informou) aos funcionários as mudanças na universidade.
Ninguém queria avisar (informar) a eles o risco que corriam.
Avisaram-lhes (informaram-lhes) que a missão era difícil.

Chamar

O verbo chamar pede objeto direto no sentido de convocar ou solicitar a presen-


a ça de alguém:

Chamou o técnico de computador.


Chamou-o às 7 horas.
Chamou os sócios para uma reunião.

Chamar no sentido de invocar, pedindo auxílio ou proteção, rege objeto direto


b preposicionado com a preposição por como posvérbio:

Na hora de dificuldade, chamava pelos pais.


Chamava por todos os santos.

Chamar no sentido de dar nome, apelidar pede objeto direto ou complemento

c preposicionado (objeto indireto) e predicativo do objeto (direto ou indireto) com


ou sem preposição:

Chamou o inimigo de covarde.


Chamou a ideia de absurda
Chamavam-lhe de tolo.
Chamavam-lhe tolo.
Nós o chamamos de tolo.
Nós o chamamos tolo.

142 • capítulo 4
Chegar (e os demais verbos de movimento)

Na norma culta da língua, chegar, verbo intransitivo, exige a preposição a junto à


a expressão locativa, e não em:

A comissão da ONU chegou hoje a (e não em) São Paulo.


Os jogadores chegaram atrasados ao campo.
Tiveram dificuldades para chegar ao estacionamento.

b Chegar deve ser acompanhado de a no sentido figurado (transitivo indireto).

Ele chegou a uma conclusão inesperada.


Sua tolerância chegara ao limite.

O único caso em que se pode empregar em com chegar é na referência a tempo


c (intransitivo):

O palestrante chegará em dez minutos.


Chegamos em cima da hora.
Cheguei na hora exata.

d Com chegada, use igualmente a e não em:

A chegada do presidente Fidel Castro ao (e não: no) Brasil está marcada para amanhã.

Os demais verbos de movimento (Ir, Levar, Descer, Subir) também se constro-


e em com a:

Fui ao (e não no) cinema.


Levou o neto Paulo ao (e não no) circo.
Desceu pelas escadas ao (e não no) quarto andar.
Saiu à (e não na) janela.

f Seguem a mesma regência os substantivos correspondentes:

Sua ida ao circo estava marcada para o domingo.


Na sua saída à janela, viu um belo homem.
Pretendia resolver muitos problemas na sua vinda ao Rio de Janeiro.

capítulo 4 • 143
Comunicar

a Comunica-se alguma coisa a alguém (transitivo direto e indireto):

O diretor comunicou as decisões aos assessores.


O diretor comunicou-lhe o seu casamento.

b Nunca diga nem escreva:

O ministro comunicou os assessores sobre (ou as) decisões.

Da mesma forma, ninguém pode ser comunicado de ou sobre alguma coisa. Pode,
c isso sim, ser informado, avisado, cientificado ou notificado:

Foi informado sobre a decisão.


Foi avisado de que não deveria voltar aqui.
Os funcionários foram cientificados sobre as mudanças na empresa.
O réu foi notificado da decisão da Justiça.

Confraternizar

Confraternizar não é verbo pronominal, portanto não pode ser flexionado com
a pronomes oblíquos átonos:

Os amigos confraternizaram.
Confraternizava até com os adversários.

Contribuir

Contribuir para (concorrer para alguma coisa, cooperar para que alguma coisa
a ocorra):

O juiz condenou o réu a contribuir para o Fome Zero.


A sua presença contribuiu para a melhoria do debate.
A imprensa contribuiu para a divulgação da campanha.

b Contribuir com (dar apoio material a):

Cada um vai contribuir com 1.000 reais.


A empresa contribuiu com 100 mil reais para as obras da igreja.
Convidado a escrever na revista, o escritor contribuiu com dois artigos.
Contribuíram com tijolos e cimento para a reconstrução do muro.

144 • capítulo 4
Custar

Custar tanto ou alguma coisa; no sentido de “ser difícil”, “ser custoso”, tem por
a sujeito aquilo que é difícil.

Custam-me estas respostas.


O livro custava 40 reais.
A vitória custou muitos sacrifícios.

b Custar alguma coisa a alguém:

A falta de visão custou-lhe a falência da empresa.


A aprovação no exame custou a eles muito esforço.

ATENÇÃO
Se o verbo vier seguido de um sujeito oracional no infinitivo, este poderá ou não vir precedido da preposição a:

Custou-me acreditar nessa história.


Custa a crer que não virão para as bodas dos pais.
Custa muito manter uma família.
Custou-me resolver estes problemas.
Custou-me a resolver estes problemas.

Por uma valorização da pessoa a quem o fato é difícil, a linguagem coloquial dá essa pessoa como sujeito
da oração, e constrói dessa maneira, condenada por muitos gramáticos.

Custei resolver (ou a resolver) estes problemas.

Esquecer

a Esquecer alguma coisa, pede objeto direto da coisa esquecida:

Esqueceu o tema da palestra.


Esqueceu que era o dia do aniversário do chefe.
Esqueceu o que queria escrever.
Não os esquecemos.

ATENÇÃO
A coisa esquecida pode aparecer como sujeito e a pessoa passa a complemento (uso escasso):

Esqueceram-nos os livros.
Esqueceu-te o meu aniversário.

capítulo 4 • 145
b Esquecer-se de alguma coisa:

Esqueceu-se de fazer o trabalho.


Esqueceram-se da festa.
Queria que ninguém se esquecesse dela.

ATENÇÃO
Esquecer-se, pronominal, pede objeto indireto encabeçado pela preposição de.

Favorecer

a Favorecer alguém ou alguma coisa (transitivo direto):

O árbitro favoreceu o (e nunca ao) time da casa.


O talento favoreceu-a.

b Favorecer alguém com:

A natureza favoreceu a atriz com rara beleza.

Implicar

No sentido de acarretar, trazer consequência, é verbo transitivo direto, com re-


a gência zero, isto é, sem preposição.

Toda ação implica uma reação igual em sentido contrário.

No sentido de ter implicância - verbo transitivo indireto, com regência da prepo-


b sição Com.

Maria vivia implicando com o irmão.

O verbo Implicar quando pronominal - Implicar-se - é transitivo indireto, com


c regência da preposição em.

Embora jovem, implicou-se em situações delicadas.

Iniciar

a Iniciar no sentido de começar alguma coisa não pede complemento preposicionado:

146 • capítulo 4
O clube iniciou as obras da piscina.

Iniciar no sentido de instruir alguém numa atividade ou ciência pede dois com-
b plementos (transitivo direto e indireto):

Ele os iniciou em artes marciais.


O tio o iniciou no Direito.

c Exige se como sinônimo de começar, apenas:

A festa inicia-se (e não inicia) hoje.


As inscrições para o vestibular iniciaram-se (e não: iniciaram) domingo.

Informar

O verbo informar pede tanto objeto direto da pessoa informada e preposicionado


a de coisa (com de ou sobre), quanto, inversamente, objeto indireto de pessoa e
direto de coisa informada, como dito antes:

Informei o peticionário do andamento do processo.


Informei-o do (sobre o) andamento do processo.
Informei-lhe o andamento do processo.
Informei ao peticionário (informei-lhe) o andamento do processo.

Ir

a O verbo Ir pede a preposição a ou para junto à expressão de lugar:

Fui à cidade.
Foram para França.

ATENÇÃO
Nem sempre é indiferente o emprego de a ou para depois do verbo Ir e outros que denotam movimento. A
preposição a ora denota a simples direção, ora envolve a ideia de retorno. A preposição para lança a atenção
do nosso ouvinte para o ponto terminal do movimento ou não condiciona a ideia de volta ao local de partida.
Nesta última acepção pode trazer para a ideia de transferência demorada ou definitiva para o lugar.
Evite-se a construção popular: Fui na praia.

capítulo 4 • 147
Investir

a No sentido de dar posse ou investidura, empossar:

O governo o investiu no cargo de presidente da empresa.

b Na acepção de fazer investimentos, empregar dinheiro:

A empresa investiu ali enormes capitais.


Ele investe parte dos lucros em pesquisas científicas.
Investir em tecnologia, na compra de ações, em imóveis, etc.

No sentido de atacar, acometer, arremeter, pode ser transitivo direto ou transitivo


c indireto regido de preposição com ou contra:

Quando a onda investe a praia.


O bacharelando em Direito, seguido de seus oito colegas, investiu com os de Administração.
O touro enfurecido investiu contra (ou com) o toureiro.

Lembrar

a Lembrar alguma coisa (transitivo direto):

Lembrou os ensinamentos do pai.


Lembrou que era dia de pagamento.
Lembrou o que precisava fazer.

b Lembrar-se de alguma coisa (transitivo indireto):

Lembrou-se da infância, com muita saudade.


Queria que todos se lembrassem dele de maneira favorável.

ATENÇÃO
Lembrar-se, pronominal, pede objeto indireto encabeçado pela preposição de.

Morar, Residir

a Constroem-se com a preposição em:

Eles moram (residem) no campo.

148 • capítulo 4
O casal morava (residia) na Rua do Bosque.
A família morou (residiu) na Praça da República.
Não conheço a casa em que ele mora (reside).

ATENÇÃO
Morador e residente, cognatos dos verbos morar e residir, exigem, como os verbos, a preposição em.

O juiz era residente na comarca.


Caio era morador em Juiz de Fora.

Obedecer/Desobedecer

a Exigem sempre a preposição a:

Obedeceu /desobedeceu aos superiores.


Obedeceu /desobedecia às ordens.
Obedecia-lhe / desobedecia-lhe sem hesitar.
Obedecia / desobedecia a ele.

b Embora esses verbos sejam indiretos, admitem a voz passiva:

Suas determinações foram obedecidas /desobedecidas pelos subordinados.


Os pais são obedecidos pelos filhos.

Obstar

a Obstar pede objeto indireto acompanhado da preposição a:

Isto não obsta aos nossos planos.

Pagar

a Pagar alguma coisa (transitivo direto)

Pagou a consulta, as compras e a camisa.


Pagou a camisa barato.
Pagou os pecados.

capítulo 4 • 149
b Pagar a alguém ou a uma entidade (transitivo indireto):

O deputado não pagou ao assessor.


Os fraudadores devem pagar aos lesados.
Os Estados afinal pagaram às empreiteiras.
Devia pagar-lhe religiosamente.

c Pagar alguma coisa a alguém (transitivo direto e indireto):

O Estado pagou o salário aos servidores.


Pagou-lhe o que prometera.

Perdoar

a Perdoar alguma coisa (transitivo direto):

Perdoou as indiretas dos amigos.


É difícil perdoar um crime.
Não conseguiu perdoar tanta falsidade.

b Perdoar a alguém (transitivo indireto):

Perdoai aos pobres de espírito.


É mais fácil perdoar aos invejosos do que aos mal-intencionados.
Achou mais conveniente perdoar-lhes.

c Perdoar alguma coisa a alguém (transitivo direto e indireto):

Perdoou-lhes os defeitos.
O padre perdoou os pecados a todos.

ATENÇÃO
a.  Perdoar pede objeto direto de coisa perdoada e indireto de pessoa a quem se perdoa. O verbo Pagar
admite as mesmas regências do verbo Perdoar:

Pagou a dívida.
Paguei ao médico.
Paguei-lhe a dívida, conforme já vimos.

b.  O verbo Perdoar, como o verbo Obedecer, admite a forma passiva:

Seus pecados foram perdoados pelo padre.

150 • capítulo 4
c.  Embora comum, a regência perdoar alguém é condenada pelos gramáticos. Evite, pois, frases como:

A Justiça perdoou os infratores (o adequado: A Justiça perdoou aos infratores).


Eles perdoaram os seus devedores (o adequado: Eles perdoaram aos seus devedores).

Presidir

a O verbo Presidir pede complemento sem preposição ou indireto com a preposição a:

Tu presidiste a reunião. (objeto direto)


Tu presidiste à reunião. (complemento preposicionado)
Presidi o concurso.
Presidi ao concurso.
Pode-se dizer ainda:
Tu presidiste na reunião.

O complemento preposicionado pode ser substituído por forma pronominal


b tônica ou átona:

Ninguém lhe presidiu.


Ninguém presidiu a ela.

Precisar, Necessitar

a Precisar é transitivo direto quando significa indicar com precisão, particularizar:

Não soube precisar o dia da partida.


Era difícil precisar o número de pessoas presentes.

No sentido de carência, use precisar e necessitar, de preferência, com a prepo-


b sição de:

Todos precisamos (necessitamos) de amigos.


O País precisa (necessita) de novos empregos.
Era o sinal de que precisávamos (necessitávamos).

c Antes de infinitivo, dispense o de:

Eles precisavam (necessitavam) sair cedo.


O País precisa (necessita) criar empregos.

capítulo 4 • 151
Pode também ser usado com o pronome se (porém, não como regência, mas
d como índice de indeterminação do sujeito):

Precisa-se (necessita-se) de ascensoristas.


Não se precisa (necessita) de muita coisa para viver ali.

Preferir

a Usa-se com a preposição a e não com a locução do que:

Prefere a mãe ao pai (e não “do que” o pai).


Os alunos preferiam jogar futebol a (e não: do que) praticar atletismo.
“Prefiro os que colocam bem as ideias aos (a + aqueles) que colocam bem os pronomes”. (Sílvio Romero.)

b Também não se deve empregar Preferir com em vez de:

O lateral prefere jogar no Brasil a (e não: “em vez de”) ir para a Espanha.

c Como Preferir já tem valor absoluto, são inadequadas construções deste tipo.

Prefiro antes morrer a renunciar.


Os times preferem mais atacantes a defensores.
Preferia mil vezes brincar a estudar.

d Com o adjetivo correlato preferível, proceda da mesma forma:

Achou preferível sair a ficar.


É preferível lutar a morrer sem glória.

e O do que pode ser usado com melhor:

É melhor um pássaro na mão do que dois voando.


Achou melhor sair do que ficar em casa.

Proceder

Proceder – no sentido de executar alguma coisa, iniciar, levar a efeito, realizar,


a solicita objeto indireto com a preposição a:

O inquérito a que se procedeu nada apurou.


Procedemos ao concurso.

152 • capítulo 4
b É intransitivo no sentido de ter fundamento:

O depoimento da testemunha procedia.


Como a queixa não procedia, ela foi arquivada.
Não procedem as acusações que lhe fazem.

c Na acepção de comportar-se, agir é também intransitivo:

A senhora procedeu bem.


Procedi de acordo com a lei.
O menino procedia mal na escola.
Proceda de maneira que não levante suspeitas.

Constrói-se com a preposição de, na acepção de originar-se, provir, derivar,


d descender:

Da ambição humana procedem muitos males.


A língua portuguesa procede do latim.
O Espírito Santo procede do Pai e do Filho.

Querer

a Desejar alguma coisa (transitivo direto):

Ele quis a todo custo voltar para a cidade natal.


A secretária queria um computador mais potente.

Com o significado de gostar ou ter apreço por, exige preposição a ou o pronome


b lhe (transitivo indireto):

Todos sabiam que ela queria muito ao noivo.


Receba o abraço do amigo que muito lhe quer.
Jurou que lhe queria demais.

Reclamar

a Exigir alguma coisa (transitivo direto):

Reclamaram melhores salários.


O empregado reclamou seus direitos.

capítulo 4 • 153
b Protestar contra alguma coisa (transitivo indireto):

Reclamou das condições de trabalho.


Reclamou contra as injustiças.

c Exigir alguma coisa de alguém (transitivo direto e indireto):

Reclamou da empresa o pagamento de horas extras.

Recorrer

a Pedir ajuda a alguém ou a alguma coisa (transitivo indireto):

O fiel recorre a Deus quando está aflito.


O clube recorreu à justiça.
Quando tem dúvidas, recorre a um dicionário.

b Apresentar recurso contra (transitivo indireto):

O acusado recorreu da decisão (e nunca: recorreu à decisão).


A empresa recorreu da multa.

Responder

O verbo Responder pode funcionar como transitivo direto e indireto. Neste caso,
a isto é, quando os dois complementos aparecem simultaneamente na frase, é útil
a distinção entre o complemento direto e o indireto:

A testemunha respondeu ao juiz a pergunta.

Porém, havendo um só complemento verbal, seja ele qual for, o verbo Respon-
b der é transitivo indireto:

A testemunha respondeu ao juiz.


A testemunha respondeu à pergunta.

Responder comporta-se como transitivo direto quando tomado como verbo


c dicendi, ou seja, quando introduz uma declaração:

A testemunha respondeu que não conhecia o réu.


Respondeu cobras e lagartos.

154 • capítulo 4
ATENÇÃO
O objeto indireto pode ser representado por pronome átono:

Vou responder-lhe.

Servir

a Servir no sentido de prestar serviço, ser útil, convir é transitivo indireto:

Isto não nos serve.


O prezado amigo nos serve sempre.

b No significado de estar ao serviço de alguém é transitivo direto:

Fazia pouco que o empregado o servia.

c No sentido de oferecer alguma coisa a alguém é transitivo direto e indireto:

O amigo serviu-me um copo de suco de abacaxi.

d No sentido de prestar serviços militares é intransitivo:

Paulo servia em Barbacena.

Simpatizar

a Simpatizar pede objeto indireto regido da preposição com:

Não simpatizei com ele nem com as suas ideias.


Há pessoas com quem não simpatizamos.

ATENÇÃO
a.  Esse verbo não é pronominal.

Não se diz, portanto, simpatizei-me com ele, mas simpatizei com ele.

b.  Tem o mesmo regime o antônimo antipatizar:

Quando fomos apresentados, não antipatizei com ele.

capítulo 4 • 155
Sobressair

a Sobressair não deve ser usado com o pronome se:

Ele sobressaía (e não se sobressaía) entre os colegas.


Os pinheiros sobressaíam na paisagem.
Na vida, alguns naufragam e outros sobressaem.
Sua doçura sobressaía pela naturalidade.

Socorrer

Socorrer no sentido de prestar ajuda ou socorro pede objeto direto de pessoa


a (transitivo direto):

O policial socorreu os acidentados.


Sempre que pode, socorre os pobres.
Devemos socorrer os mendigos.

b Socorrer alguém em algum lugar:

Socorreram os atropelados na rua.


O médico socorreu-a no consultório.

c Ser socorrido em (intransitivo):

As vítimas foram socorridas no Hospital das Clínicas (e não: “socorridas para o HC”, por influência
de “levadas ao HC para serem socorridas”).

Socorrer pronominal, com o sentido de valer-se, pede complemento iniciado


d pelas preposições a ou de (transitivo indireto):

Socorreu-se ao empréstimo.
Socorremo-nos dos amigos nas dificuldades.
Socorreu-se das economias para pagar os credores.

Suceder

Suceder como sinônimo de acontecer, substituir, ser o sucessor de, pede comple-
a mento preposicionado da pessoa ou coisa substituída, iniciado pela preposição a:

D. Pedro I sucedeu a D. João VI.


Os acertos sucedem aos erros no trabalho.

156 • capítulo 4
O filho sucedeu ao pai na chefia da família.
George W. Bush sucedeu a Bill Clinton no governo dos Estados Unidos.
Sucedeu ao chefe.

b No sentido de acontecer é intransitivo:

Sucede que a professora Maria Antônia é extraordinária Mestra.

Ver

a O verbo Ver pede objeto direto (complemento sem preposição):

Nós o vimos na cidade (e não: lhe vimos!).

Visar

Como equivalente a ter em vista, pretender ou ter por objetivo ou almejar exige a
a preposição a (transitivo indireto):

Visou exclusivamente a seus interesses.


Nunca visaram aos bens materiais.

ATENÇÃO
A norma vale também quando Visar precede infinitivo, mas, nesse caso, a preposição pode ficar elíptica.

Visava (a) atender aos pedidos dos parentes.


O bom governo visa (a) melhorar as condições da população.

b Visar no sentido de mirar, dar o visto em alguma coisa, pede objeto direto:

O atirador visou o alvo.


A polícia visou o passaporte.
O gerente do banco não quis visar o cheque.
Visou o peito do inimigo (= mirar, apontar).

capítulo 4 • 157
Sintaxe de regência nominal
Lembre-se de que complemento de verbo é o que se chama complemento verbal e a previsão
deste pelo verbo constitui a regência verbal.
De forma análoga, leva o nome de complemento nominal o complemento de palavras que
não são verbos, e regência nominal, o respectivo fenômeno semântico-sintático, ou seja, a
exigência ou previsão de complementação por parte dessas palavras.
Como o termo nominal, na sua estrutura, significa de ou relativo a nome, os termos com-
plemento/regência nominal correspondem a complemento/regência de nome(s).
Nome é termo abrangente, pois abrange as classes substantivo, adjetivo, advérbio:
nome substantivo, nome adjetivo e nome advérbio.
Assim como alguns verbos não podem vir desacompanhados de complemento, sendo,
por vezes, regidos de preposição, alguns nomes (substantivos, adjetivos ou advérbios) tam-
bém, por não encerrarem, em si mesmos, sentido completo, necessitam de complementa-
ção. A essa complementação dá-se o nome de complemento nominal.
Todos os complementos nominais são indiretos, isto é, ligam-se ao nome mediante
preposição: é o que se chama de regência nominal.
Na condição de regentes, há substantivos e adjetivos que exigem a presença determina-
da de uma única preposição para que o seu sentido se complete na oração.
Dessa forma, o adjetivo contrário pede a preposição a: contrário a todos os valores; con-
trário às normas de conduta social. Por sua vez, o substantivo perda liga-se a de: perda da
dignidade, perda da confiança.
Na maior parte dos casos, contudo, os substantivos e adjetivos combinam-se com mais
de uma preposição. Intolerância, por exemplo, compõe-se com as seguintes preposições a,
com, contra, em e para com: intolerância ao governo, intolerância em aceitar determinadas
opiniões, intolerância contra os críticos, intolerância para com os jovens escritores.
Já o adjetivo preocupado pode ser seguido por com, de, em, para com e por: preocupado
com os filhos, preocupado da qualidade de vida, preocupado em sair mais tarde, preocupa-
do para com os colegas, preocupado pela saúde dos filhos.
Sendo assim, as preposições que fazem a ligação entre substantivos, adjetivos e deter-
minados advérbios e seus complementos variam. Por esse motivo, é importante conhecer
a regência de alguns nomes e, assim, saber quais as preposições podem ser utilizadas para
vinculá-los a seus complementos.
Leia o fragmento do poema “Dispersão”, do poeta português Mário de Sá Carneiro:

“Perdi-me dentro de mim


Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida


Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida [...]”
(Mário de Sá Carneiro)

158 • capítulo 4
Observe que a escolha por determinada preposição não é aleatória, pois quem tem sau-
dades, tem saudades de alguém ou de alguma coisa e quem sente ânsia, sente ânsia de ou
por alguma coisa.
Nota-se que as palavras saudade e ânsia são substantivos (termos regentes) que neces-
sitam de uma preposição para se ligar ao seu complemento (termo regido). Assim como
os verbos, em algumas situações os nomes também precisam de complementos para
possuir sentido completo.
Leia agora o poema “Versos Íntimos”, de Augusto dos Anjos:

“Vês?! Ninguém assistiu ao formidável


Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
(Augusto dos Anjos)

Nesse poema, há o emprego da palavra necessidade, substantivo (termo regente) que


necessita de uma preposição para se ligar ao seu complemento (termo regido).
A partir desses exemplos, vemos regência nominal como a denominação que se dá à relação
particular que se estabelece entre substantivos, adjetivos e determinados advérbios e respecti-
vos complementos nominais. E essa relação vem sempre intermediada por uma preposição.
Muitos desses nomes apresentam a mesma regra dos verbos de que derivam. Observe:
quem obedece, obedece a alguém ou a algo e quem é obediente, é obediente a alguém ou a algo.
Destaca-se que as preposições que ligam substantivos, adjetivos e advérbios a seus com-
plementos podem variar.
Apresenta-se a seguir uma relação de substantivos, adjetivos e advérbios acompanha-
dos pelas preposições.

REGÊNCIAS DE ALGUNS NOMES


acessível, adequado, alheio, análogo, apto, avesso, benéfico, cego, conforme, con-
tíguo, desatento, desfavorável, desleal, equivalente, fiel, grato, guerra, hostil, idên-
a tico, inacessível, inerente, indiferente, infiel, insensível, nocivo, obediente, odioso,
oposto, peculiar, pernicioso, próximo (de), superior, surdo (de), visível

amante, amigo, ansioso, ávido, capaz, cobiçoso, comum, contemporâneo, curioso,


devoto, diferente, digno, dessemelhante, dotado, duro, estreito, fértil, fraco, in-
de certo, indigno, inocente, menor, natural, nobre, orgulhoso, pálido, passível, pobre,
pródigo (em), temeroso, vazio, vizinho

capítulo 4 • 159
afável, amoroso, aparentado, compatível, conforme, cruel, cuidadoso, desconten-
com te, furioso (de), inconsequente, ingrato, intolerante, liberal, misericordioso, orgu-
lhoso, parecido (a), rente (a, de)

contra desrespeito, manifestação, queixa

constante, cúmplice, diligente, entendido, erudito, exato, fecundo, fértil, fraco,


em forte, hábil, impossibilidade (de), incansável, incerto, inconstante, indeciso, lento,
morador, parco (de), perito, prático, sábio, sito, último (de, a), único

entre convênio, união

apto, bom, diligente, disposição, essencial, idôneo, incapaz, inútil, odioso, pronto
para (em), próprio (de), útil

para com afável, amoroso, capaz, cruel, intolerante, orgulhoso

por ansioso, querido (de), responsável, respeito (a, de)

sobre dúvida, influência, triunfo

ATENÇÃO
Advérbios com sufixo – mente, originados de radicais de adjetivos, seguem a mesma regência dos adjeti-
vos de que foram formados. Observe:

As ações dos políticos deveriam ser compatíveis com os projetos de governo que defendem em
campanha.

Os políticos deveriam conduzir suas ações compativelmente com os projetos de governo que
defendem em campanha.

COMENTÁRIO
O objeto direto é o complemento do verbo que não possui preposição e que também pode ser representa-
do pelos pronomes oblíquos o, a, os, as.
Já o objeto indireto vem acrescido de preposição e igualmente pode ser representado pelos pronomes
lhe, lhes.
Deve-se, porém, tomar cuidado com alguns verbos, como Assistir e Aspirar, , que não admitem o emprego
desses pronomes.
Os pronomes me, te, se, nos e vos podem, entretanto, funcionar como objetos diretos ou indiretos.

160 • capítulo 4
O aspecto mais importante desse estudo é constatar que a articulação dos termos nas
orações depende das relações de regência nominal e verbal. Por essa razão, deve-se procu-
rar conhecê-las e respeitá-las nas produções de texto.
Assim, a relação entre o verbo (termo regente) e o seu complemento (termo regido) chama-
se regência verbal, orientada pela transitividade dos verbos, que podem se apresentar diretos
ou indiretos, ou seja, exigindo um complemento na forma de objeto direto ou indireto.
Por fim, a regência é o mecanismo que regula as ligações entre um verbo ou nome e os seus
complementos.

RESUMO
No capítulo 3, na parte de coesão textual, trabalha-se com os mecanismos constitutivos do texto e, a partir
deles, classes de palavras, conectivos, processos de ordenação e de retomada do tema, os tempos verbais,
tipos ou mecanismos de coesão, a função retórica dos operadores argumentativos, dentre outros fenômenos.
No que se refere à coerência textual, apresenta-se não só uma exposição sobre a organização discursiva
de cada tipo de texto, mas também a constituição dos sentidos nos textos e seus demais fatores de textu-
alidade, como: os elementos linguísticos, a informatividade, a intencionalidade, a intertextualidade.
Em “Emprego dos pronomes demonstrativos este, esse e aquele (flexões)” realça-se que esses prono-
mes são os que indicam a posição dos seres em relação às três pessoas do discurso e que localização
pode ser no tempo, no espaço ou no discurso, como também a sua função no texto como elemento de
referência anafórico e catafórico.
Em “A pontuação como fator de coesão e coerência” [2ª parte] evidencia-se a coesão, coerência e pontua-
ção como fatores de textualidade, ressaltando-se a relevância desses elementos na construção dos textos.
Por fim, no capítulo 4, estuda-se que a regência é a relação que se estabelece entre duas palavras, por
meio da qual uma das palavras se subordina à outra, funcionando como seu complemento, e que a regên-
cia verbal é estabelecida entre verbos e seus complementos, já a regência nominal é estabelecida entre
nomes e seus complementos.

capítulo 4 • 161
ATIVIDADE

(ENADE 2012)

Cultivar um estilo de vida saudável é extremamente importante para diminuir o risco de infarto,
mas também de problemas como morte súbita e derrame. Significa que manter uma alimentação
saudável e praticar atividade física regularmente já reduz, por si só, as chances de desenvolver
vários problemas. Além disso, é importante para o controle da pressão arterial, dos níveis de
colesterol e de glicose no sangue. Também ajuda a diminuir o estresse e aumentar a capacidade
física, fatores que, somados, reduzem as chances de infarto. Exercitar-se, nesses casos, com
acompanhamento médico e moderação, é altamente recomendável.
ATALIA, M. Nossa vida. Época, 23 mar. 2009.

1.  As ideias veiculadas no texto se organizam, estabelecendo relações que atuam na construção do sen-
tido. A esse respeito, identifica-se, no fragmento, que:
a)  a expressão “Além disso” marca uma sequenciação de ideias.
b)  o conectivo “mas também” inicia oração que exprime ideia de contraste.
c)  o termo “como”, em “como morte súbita e derrame”, introduz uma generalização.
d)  o termo “Também” exprime uma justificativa.
e)  o termo “fatores” retoma coesivamente “níveis de colesterol e de glicose no sangue”.

2. Leia os parágrafos jurídicos abaixo e depois responda à questão:

“Definida a competência de um juiz, a qual se determina no momento em que a ação é proposta,


permanece ela até o julgamento definitivo da causa. Este princípio é chamado da “Perpetuação
da Jurisdição” e tem por finalidade impedir que modificações, que venham a ocorrer depois de
proposta a demanda, interfiram no juízo competente para sua decisão.
A disposição legal que consagra essa ideia tem por fim evitar que uma causa iniciada em uma
Comarca e juízo seja deslocada para outro por razões de fato ou de direito ocorridas posterior-
mente. Uma vez proposta a demanda, a situação de fato e de direito a ser examinada para a
determinação da competência é a desse momento, sendo irrelevantes as alterações do estado
de fato ou de direito que ocorrem posteriormente”.

Marque a afirmação INCORRETA em relação ao texto abaixo:


a)  Tanto o primeiro como o segundo parágrafo jurídico estão ligados por meio de elementos gramaticais. O pro-
nome demonstrativo “essa”, na expressão “essa ideia”, tem a função de ligar o segundo parágrafo ao primeiro.
b)  O conector “a qual” retoma competência de juiz, “essa” retoma todo o parágrafo jurídico anterior, “desse”
retoma a expressão “uma vez proposta a demanda”.
c)  Os elementos gramaticais presentes no texto mantêm a coesão estabelecida entre orações e parágra-
fos e recebem o nome de conectores gramaticais.
d)  O pronome demonstrativo “Este” é catafórico.
e)  O primeiro e segundo parágrafos jurídicos apresentam este tópico frasal ou ideia-núcleo: “Definida a
competência de um juiz, a qual se determina no momento em que a ação é proposta, permanece ela até o
julgamento definitivo da causa.”

162 • capítulo 4
3.  Leia o texto chárgico:

— Por Júpiter! ... Uma fortuna em tecnologia e não saímos do lugar!

A conjunção é um fator indicativo da natureza das relações entre orações. Quando se trata de conjunções
coordenadas, pode-se, então, falar não só de uma classificação sintática, mas de um valor semântico subja-
cente que estabelece o vínculo das orações. Dessa forma, é correto afirmar que a conjunção coordenativa
presente no quadrinho.
a)  funciona com valor de explicação e justifica o sentido tanto da primeira quanto da segunda oração.
b)  tem valor semântico de soma, pois agrega duas orações sem estabelecer relações semânticas entre elas.
c)  funciona com valor adversativo nas ideias expressas na sentença e poderia ser substituída por uma
conjunção dessa natureza.
d)  funciona com valor expletivo e pode ser extraída das sentenças sem alteração no modo de conexão
sintática e semântica do período.
e)  funciona como elo conclusivo entre as ideias contidas nas orações e expressa a conclusão a que che-
gou um dos personagens do quadrinho.

UM EM CADA 4 BRASILEIROS CONSEGUE COMPREENDER O TEXTO QUE LÊ

Apenas 26% da população brasileira com mais de 15 anos têm domínio pleno das habilidades
de leitura e escrita. Isso significa que somente um em cada quatro jovens e adultos consegue
compreender totalmente as informações contidas em um texto e relacioná-las com outros dados.
O restante são os chamados analfabetos funcionais, que “mal conseguem identificar enunciados
simples, sendo incapazes de interpretar texto mais longo ou com alguma complexidade”, aponta
estudo do Inaf (Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional), feito pelo Instituto Paulo Mon-
tenegro, que é ligado ao Ibope. Segundo o trabalho, o Brasil possui 16 milhões de analfabetos
com mais de 15 anos (9% da população).
Em contraponto, a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” diz que 67% dos brasileiros têm interes-
se pela leitura. O Plano Nacional do Livro, Leitura e Biblioteca – Fome de Livro, do governo federal,
considera que as pessoas têm vontade de ler e, para estimular o hábito, agirá em várias frentes.
Uma delas é zerar o número de cidades brasileiras sem uma biblioteca. A outra é criar uma políti-
ca federal centralizada para aumentar a leitura. A democratização do acesso ao livro se dará por
meio das bibliotecas públicas, da revitalização das 5.000 bibliotecas existentes, construção de
acervos básicos infanto-juvenis, proliferação de centros de inclusão digital, livrarias e realização
de campanhas de distribuição de livros.
[...]
Segundo pesquisa encomendada pela Câmara Brasileira do Livro e pelo Sindicato Nacional
de Editores de Livros em 2001, 61% dos brasileiros adultos alfabetizados têm muito pouco ou
nenhum contato com os livros, não existem livrarias em 89% dos municípios brasileiros e 6,5
milhões de pessoas não têm condições financeiras de comprar um livro. De acordo com o Mapa
do Analfabetismo no Brasil, produzido pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu-
cacionais), 35% dos analfabetos brasileiros já freqüentaram a escola.

capítulo 4 • 163
O título do projeto é uma homenagem a um de seus idealizadores, o poeta Waly Salomão, que
costumava dizer: o povo tem fome de comida e de livros.
“O governo criou o Fome Zero para combater a fome e a miséria que têm, como eixos estrutu-
rantes, a educação e a cultura”. [...]
UOL – EDUCAÇÃO, 30 set. 2004. (Adaptado) As informações são da Agência Brasil.

4.  No texto acima, alguns sinais de pontuação são muito expressivos, como o emprego de aspas, traves-
sões e parênteses. O emprego do sinal de pontuação está corretamente justificado em:
a)  “(Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional)” (l. 7) – os parênteses introduzem um comentário do autor.
b)  “(9% da população)” (l. 9) – os parênteses explicam os dados que serão mencionados posteriormente.
c)  “...‘Retratos da Leitura no Brasil’...” (l. 10) – as aspas indicam que a expressão não está em seu sentido real.
d)  “O Plano Nacional do Livro, Leitura e Biblioteca – Fome de Livro,” (l. 11) – o travessão explica a infor-
mação anterior.
e)  “O governo criou o Fome Zero para combater a fome [...].” (l. 28) – as aspas indicam uma citação da
fala de alguém.

5. 

“A outra é criar uma política federal centralizada para aumentar a leitura.” (l. 14-15)

Apesar de não apresentar conectivo, a oração acima se liga à primeira com determinada relação de sentido.
Essa relação de sentido é caracterizada por uma ideia de:
a)  proporção.
b)  concessão.
c)  finalidade.
d)  comparação.
e)  consequência.

6.  Estabeleça as proposições pedidas a seguir eliminando todas as redundâncias:


6.1. A 
O advogado chegou ao Rio.
B 
O advogado hospedou-se num hotel famoso.
Proposição: Adicione A e B

6.2. A  Ele é o juiz responsável pelo processo.


B  Devemos respeitar a decisão do juiz sobre o processo.
Proposição: Faça de B conclusão de A

6.3. A  Os funcionários federais estão há seis anos sem reajuste.


B  Os funcionários federais resolveram entrar em greve.
Proposição: Faça de A causa de B

6.4. A  Eu não consegui entender o laudo pericial.


B  Eu estudei a noite inteira o laudo pericial.
Proposição: Faça de B concessão de A

164 • capítulo 4
6.5. A  O candidato (não) leu as obras indicadas para o concurso da Defensoria Pública.
B  O candidato (não) passou no exame da Defensoria Pública.
Proposição: B oposição de A:

7.  Opere os períodos simples A e B, atendendo às relações solicitadas abaixo:


A  O candidato (não) leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura.
B  O candidato (não) passou no exame da Magistratura.
Sendo:
7.1.  A causa de B:
7.2.  A concessão de B:
7.3.  A condição de B:
7.4.  B finalidade de A:
7.5.  B conclusão de A:

8.  Conecte os períodos simples abaixo, transformando-os em períodos compostos únicos, coerentes e
coesos, fazendo as adaptações necessárias. Atenção à Regência!

8.1.  A revolução foi vencida pelos legalistas. Tu te referiste a essa revolução.


8.2.  A ponte foi destruída pela enchente. Vários mendigos moravam sob os arcos dessa ponte.
8.3.  As leis são justas. Nós obedecemos a essas leis.
8.4.  Os telefones públicos são frequentemente depredados. A importância dos telefones públicos é ines-
timável.
8.5.  A causa do meu cliente era perdida. Eu me empenhei no conhecimento dessa causa perdida.

9. 

Diversidade e respeito às diferenças

Nas últimas décadas, governos de diferentes países têm adotado políticas de inclusão e res-
peito à diversidade e às diferenças relacionadas, por exemplo, a raça, etnia, gênero, religião,
deficiência física e mental, entre outros. Algumas dessas políticas podem ser exemplificadas a
partir da obrigatoriedade de rampas em espaços públicos, o ensino obrigatório de Libras, cultura
afro-brasileira e indígena em todos os níveis do Ensino Formal (Lei 11645/2008), a adoção
de cotas para negros no ingresso às universidades, entre várias outras. Por outro lado, atitudes
como a disseminação de discursos racistas na internet, a proibição do uso de véus islâmicos em
território francês, a deportação frequente de estrangeiros realizada por países ricos, entre tantos
outros exemplos, revela que nem sempre é fácil conviver com quem é diferente.

Redija um texto dissertativo-argumentativo, em torno de cinco parágrafos, posicionando-se quanto ao


tema “Diversidade e respeito às diferenças.”

capítulo 4 • 165
GABARITO
1. A
2.  E
3.  C
4.  E
5.  C
6.1  O advogado chegou ao Rio e hospedou-se em um hotel famoso.
6.2  Ele é o juiz responsável pelo processo, devemos, pois, (portanto, por conseguinte), respeitar a decisão dele.
6.3  Como os funcionários federais estão há seis anos sem reajuste, resolveram entrar em greve.
6.4  Eu não consegui entender o laudo pericial, embora o tenha estudado a noite inteira.
6.5  O candidato leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura, mas não passou no exame.
7.1  A causa de B: Como o candidato não leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura, não
passou no exame.
7.2  A concessão de B: Embora o candidato tenha lido as obras indicadas para o concurso da Magistratura,
não passou no exame.
7.3  A condição de B: Se o candidato tivesse lido as obras indicadas para o concurso da Magistratura, teria
passado no exame.
7.4  B finalidade de A: O candidato leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura, a fim de passar
no exame.
7.5  B conclusão de A: O candidato leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura, por conse-
guinte passou no exame.
8.1.  A revolução a que te referiste foi vencida pelos legalistas.
8.2.  A ponte sob cujos arcos vários mendigos moravam foi destruída pela enchente.
8.3.  As leis a que ( ou às quais) obedecemos são justas.
8.4.  Os telefones públicos cuja importância é inestimável são frequentemente depredados.
8.5.  A causa em cujo conhecimento me empenhei era perdida.
9.  Itens a serem avaliados:
•  Pertinência ao tema e qualidade da argumentação: o aluno deve basear o tema da redação na proposta,
evitando copiar partes do texto motivador, a fim de garantir o ineditismo e a qualidade argumentativa do texto.
•  Coesão e coerência: o aluno deve empregar, adequadamente, os mecanismos coesivos e os fatores de
coerência.
•  Aspectos gramaticais: é exigido do aluno o adequado emprego da acentuação, ortografia, pontuação,
construção morfossintática de frases, orações e períodos.
•  Estrutura textual: a redação deve conter introdução, desenvolvimento e conclusão, respeitando as princi-
pais características de um texto dissertativo bem como o número mínimo de linhas e parágrafos sugerido
na proposta.
•  Adequação à norma-padrão: o aluno deve respeitar a norma-padrão da língua portuguesa.

166 • capítulo 4
15 Tipologias
textuais
5 Sintaxe de regência
verbal e nominal
Neste capítulo pretende-se trabalhar com a teoria clássica, visto que o objetivo é estudar ape-
nas as tipologias textuais, enfocando os modos de organizar os textos e as características pre-
dominantes em cada um dos tipos de textos, a saber: Descritivo, Narrativo, Dissertativo-Expo-
sitivo, Dissertativo-Argumentativo e Injuntivo, porque se acredita que o estudo da tipologia
textual, no meio acadêmico, prepara o aluno para reconhecer e produzir qualquer tipo de
gênero textual de maneira progressiva, segundo as dificuldades que se apresentam na língua
materna e, também, de acordo com as suas necessidades comunicativas e com os fins a que
se destinam.
A expressão tipologia textual apresenta certas propriedades linguísticas intrínsecas,
como o uso de determinadas palavras, determinados tempos verbais, determinadas re-
lações lógicas. Além dessas marcas linguísticas, cada tipo textual tem um propósito. Em
outros dizeres, uma narração “conta uma história”, uma descrição apresenta as caracte-
rísticas físicas (ou psicológicas) de uma entidade, uma exposição ou dissertação apresenta
fatos da realidade, uma argumentação defende uma ideia ou uma tese e uma injunção pro-
cura provocar uma reação do interlocutor, seja ela física ou verbal.
Sendo assim, quando se produz um determinado texto, precisa-se decidir se se trata
de narrar algum acontecimento, expor ideias, argumentar, descrever alguma situação ou
cena, dar instruções ou ordens. Raramente, encontra-se um texto que seja totalmente nar-
rativo, descritivo, e assim por diante. Em geral, os textos são formados por uma sequência
de vários tipos, mas um deles, em regra, é predominante.

Características e construção do texto narrativo


Contar histórias faz parte da natureza humana. Quanto mais se recua no tempo, mais se
encontram testemunhos dessa nossa capacidade, como os homens pré-históricos, ao re-
dor das fogueiras, que certamente contavam uns aos outros as caçadas do dia. As pinturas
egípcias, assim como filmes, revistas em quadrinhos, desenhos animados continuam a
tradição de contar histórias.
A narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as socie-
dades; a narrativa começa com a própria história da humanidade; não há, nunca houve em
lugar nenhum povo algum sem narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos têm
as suas narrativas, muitas vezes essas narrativas são apreciadas em comum por homens de
culturas diferentes.
Leia o texto a seguir, retirado de uma tira humorística.

— Agora coma... você já contou tantas vezes!


— É que eu não entendo como foi que aquela besta me bateu! eu vinha por aqui, esta é a avenida...
— ... Quando cheguei no cruzamento vi aparecer aquele animal correndo feito doido.

168 • capítulo 5
— Porque só mesmo louco para cruzar uma avenida daquele jeito. Sorte que eu o vi em tempo...
— E eu tenho reflexos rápidos. Então meti o pé no freio mas o desgraçado, em vez de...
— ... Reflexos rápidos. Então meti o pé no freio mas o desgraçado...

Como se vê, atualmente, as narrativas existentes são as mais variadas, e tão diversos
também são os meios em que elas são encontradas, como: mitos, lendas, adivinhas, con-
tos, crônicas, romances, histórias em quadrinhos, novelas e seriados de televisão, jogos
eletrônicos, filmes de ação ao vivo e de animação, entre tantos outros tipos de narrativas.
Das pinturas nas paredes das cavernas à televisão interativa, muitas são as formas possí-
veis de se narrarem acontecimentos.
Observe agora o fragmento narrativo abaixo:

“[Zeffirino] Atravessou um arco rebaixado ao pé da rocha e reviu acima de si a água alta e o


céu. Sombras de pedra clara circundavam o fundo em toda sua extensão e, na parte mais larga,
declinavam num arrecife semi-submerso. Com um giro de cintura e um impulso nas nadadeiras,
Zeffirino subiu para respirar. O tubo de ar veio à tona e cuspiu umas gotas infiltradas na más-
cara, mas a cabeça do garoto continuou na água. Tinha reencontrado o sargo _ aliás, dois! Já
estava fazendo a mira quando avistou um cardume inteiro deles, navegando tranquilo à esquerda,
enquanto à direita brilhava outra esquadra. Era um local riquíssimo de pesca, quase um espelho
d´água, e para onde Zeffirino olhasse via o bater de nadadeiras sutis e o piscar de escamas; o
espanto e a alegria foram tantos que ele não fez nenhum ataque.
Era preciso não se afobar e pensar na melhor estratégia, sem espalhar o terror. Com a cabeça
sempre submersa, Zeffirino rumou para a pedra mais próxima e, na água, ao longo da parede, viu
uma mão branca balançando. O mar estava imóvel; sobre a superfície lisa e límpida se alargavam
círculos concêntricos como pingos de chuva. O menino ergueu a cabeça e olhou. Deitada de
bruços à beira da pedra, uma mulher gorda de maiô tomava sol. E chorava. As lágrimas desciam
uma a uma pelas faces e caíam no mar.”

(CALVINO, Italo. "Peixinhos, peixões". In: Piauí. São Paulo: Abril, ano 1, n. 4, p. 44-5, jan. 2007.
(Fragmento).

Percebe-se, no texto, que, embora se presentifiquem algumas passagens descritivas


(destaque em itálico), há a predominância da narração porque a intenção do autor é narrar
o que aconteceu durante a pesca submarina de Zeffirino.
A descrição minuciosa das circunstâncias em que os fatos ocorreram serve não só para
levar o leitor a acreditar naquilo que está sendo narrado, mas também para esclarecer as
relações de causalidade entre os diversos fatos narrados, além de proporcionar certo movi-
mento à história contada.
Tem-se a marcação de tempo estabelecida pela flexão dos tempos verbais nas formas
pretéritas, advérbios e expressões temporais, permitindo, assim, ao leitor reconstituir, em
termos cronológicos, o desenvolvimento da ação. Há também a presença de um narrador
que se preocupa em criar a ambientação perfeita para a história que irá contar. Logo, as
características predominantes são as do texto narrativo.
A narração só pode girar sempre em torno do fato, isto é, de qualquer acontecimento de
que a personagem [ou o homem] venha a participar direta ou indiretamente.

capítulo 5 • 169
CONCEITO
A narrativa apresenta fatos em sequência e decorrentes de uma relação de causa e consequência, isto
é, um fato causa uma consequência que dá origem a outro fato, e assim por diante. Isso significa afirmar
que entre uma ação e outra, entre um fato e outro, há um lapso temporal, e é a indicação de transcurso do
tempo a tarefa principal do autor da narrativa, depois de selecionar os fatos narrados. Os fatos são vividos
por personagens, em determinado tempo e lugar e apresenta um narrador que, diante dos fatos narrados,
pode assumir dois pontos de vista: o de narrador-personagem ou o de narrador-observador.

Construção dos elementos da narrativa

Enredo
O enredo é a própria estrutura narrativa, ou seja, o desenrolar dos acontecimentos. Como
o próprio nome indica, enredar significa “tecer, entrelaçar os fatos”. Todos os enredos en-
volvem um conflito: o homem contra a natureza, o homem contra os outros homens, ou
o homem lutando contra si próprio. Por isso, pode-se afirmar que a “alma da narrativa é
justamente esse conflito”.
Para determinar quais as ações que se encontram em evolução cronológica num texto
narrativo, é indispensável identificar qual a ação narrativa inicial a partir da qual as demais
se sucedem, ou seja, qual o ponto de partida de uma sequência de ações narrativas. A iden-
tificação se prende ao tempo verbal empregado, que é geralmente o pretérito perfeito do
indicativo, mas que também pode ser o presente do indicativo, naquelas narrativas interes-
sadas em dar maior dinamismo à narrativa.
Leia o poema em prosa de Manuel Bandeira:

“Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade, conheceu Maria Elvira na Lapa, – prosti-
tuída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, ma-
nicura… Dava tudo quanto ela queria. Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou
logo um namorado. Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não
fez nada disso: mudou de casa. Viveram três anos assim: toda vez que Maria Elvira arranjava na-
morado, Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso,
Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos
os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos…
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com
seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.”
(BANDEIRA, Manuel “A tragédia Brasileira”. In: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1990.)

Como já visto, toda narração transmite uma história que, organizada em um enredo,
evolui no tempo e no espaço. Os acontecimentos de uma narrativa se organizam em uma li-
nha temporal. O poema de Manuel Bandeira possui todos os elementos da narrativa, como:
enredo, personagens, espaço, tempo. Observe:

170 • capítulo 5
O quê? Romance conturbado, que resulta em crime passional.

Quem? Misael, personagem de classe média, e de classe baixa, Maria Elvira.

Narra um assassinato e suas causas em decorrência do envolvimento de um


Como? homem de 63 anos com uma prostituta.

Onde? Lapa, Estácio, Rocha, Catete e vários outros lugares, sempre no Rio de Janeiro.

Quando? Duração do relacionamento: três anos.

Por quê? Promiscuidade de Maria Elvira.

Por isso... Condenação por crime de homicídio.

Organização estrutural dos enredos


Um percurso narrativo bastante tradicional é o que indica a existência de cinco fases: a
introdução, na qual as informações necessárias ao perfeito entendimento do texto são
dadas; a complicação, em que os personagens começam a relacionar-se; o desenvolvi-
mento, no qual as histórias latentes começam a realizar-se; o clímax, em que o ponto de
maior tensão do relacionamento se verifica; e a conclusão, em que tudo se reorganiza ou
não, segundo um novo (des)equilíbrio.
Repare a organização estrutural do enredo no poema narrativo de Bandeira:

Exposição ou apresentação

Apresenta as personagens, localizando-as no tempo e no espaço: a união de Misael, 63 anos, fun-


cionário público, com Maria Elvira, prostituta.
Na apresentação já há uma estrutura concentrada, voltada para o equilíbrio, para uma situação
estável, mas que, certamente, será perturbada por algo, desencadeando-se, assim, um processo de
desequilíbrio do universo narrativo apresentado. É a parte que precede o conflito tematizado pelo
autor. É a etapa em que o narrador faz a ambientação da história em seu estado inicial de equilíbrio,
localizando-a no tempo (quando?) e no espaço (onde?) e identificando personagens (quem?).

Complicação

A infidelidade de Maria Elvira obriga Misael a buscar novos espaços de moradia para o casal. Per-
cebe-se que esse elemento aponta para o surgimento do conflito, ou melhor, para o desequilíbrio
da narrativa. Momento em que se rompe o equilíbrio inicial da ação, passando o protagonista a
vivenciar um problema ou um conflito, que pode trazer-lhe consequências desastrosas ou positivas,

capítulo 5 • 171
até porque um texto em que não houvesse a passagem de uma situação de harmonia para uma
situação de desarmonia não seria um texto narrativo, mas sim descritivo.

Clímax

As sucessivas mudanças de residência, provocadas pelo comportamento desregrado de Maria


Elvira, acarretam o descontrole emocional de Misael.
A solução do conflito é o ponto central da estrutura da narrativa. Assim, o clímax é o momento de
maior tensão da narrativa, quando o antagonismo gerado pelo problema ou conflito chega a seu
ponto máximo, que é o da restauração da ordem.

Desfecho

Misael matou Maria Elvira com seis tiros, e a polícia a encontrou caída em decúbito dorsal.
O desfecho irá apresentar a solução do conflito. Pode ser feliz, trágico, cômico, surpreendente.
Pode apresentar uma avaliação do narrador a respeito da história e/ou também uma moral, que
orientará a interpretação da história narrada.

ATENÇÃO
Diferença entre ações e acontecimentos
Observe a diferença entre ações e acontecimentos. As ações são ligadas a motivos, enquanto os acon-
tecimentos são ligados a causas. Os fatos presentes numa narrativa podem ser causados por agentes
físicos, desprovidos de intenção - rolar uma pedra do alto do morro, um raio atingir uma árvore, um temporal
inundar as ruas - e, nesse caso, são denominados acontecimentos (causa e efeito), ou podem estar ligados
a atos intencionais de agentes humanos e, nesse caso, são denominadas ações (causa e consequência).
CARNEIRO, Agostinho Dias. O caminho pelo texto. Disponível em: http://eadsaraiva.entende.com.br/ fi-
les/arquivosAulas/20129/MD_Modulo02_Aula03.pdf

CONCEITO
Enredo
Enredo, também chamado de trama ou intriga, é o conjunto dos fatos de uma história. Nele estão envol-
vidas a apresentação das personagens e das situações, além das sucessivas transformações pelas quais
elas vão passando ao longo do tempo transcorrido. O enredo pode se desenvolver de modo linear, isto
é, numa sucessão contínua dos fatos, que vêm um após o outro, num encadeamento lógico de causa e
consequência. Pode, todavia, desenvolver-se também de modo não linear, ou seja, sem que haja uma sequ-
ência entre os fatos, que evoluem aos saltos, com omissões, interrupções e cortes (flashbacks).

Ponto de vista
Leia o fragmento do conto “Pai Contra mãe”, de Machado de Assis, de 15.8.1876:

172 • capítulo 5
“A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais.
[Tia Mônica] Não [...] Se tiverem um filho, morrem de fome [...] Não fique zangado; não digo que
você seja vadio, mas a ocupação que escolheu é vaga”. [...] “mas em que é que o pai dessa infeliz
criatura que aí vem, gasta o tempo? [...] Tia Mônica deu ao casal o conselho de levar a criança que
nascesse à Roda dos Enjeitados. Em verdade, não podia haver palavra mais dura [...] Mais tarde,
quando o senhor tiver a vida mais segura, os filhos que vierem serão recebidos com o mesmo cui-
dado que este ou maior. Este será bem criado sem lhe faltar nada [...].
[...] – Estou grávida, meu senhor! exclamou. Se Vossa Senhoria tem algum filho, peço-lhe por amor
dele que me solte; eu serei tua escrava, vou servi-lo pelo tempo que quiser. – Me solte, meu senhor
moço! – Siga! repetiu Cândido Neves. - Me solte! – Não quero demoras; siga!
Houve aqui luta, porque a escrava, gemendo, arrastava-se a si e ao filho. Quem passava ou estava
à porta de uma loja, compreendia o que era e naturalmente não acudia. Arminda ia alegando que o
senhor era muito mau, e provavelmente a castigaria com açoutes,– cousa que, no estado em que
ela estava, seria pior de sentir. Com certeza, ele lhe mandaria dar açoutes.
– Você é que tem culpa. Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois? Perguntou Cândido Neves.
Não estava em maré de riso, por causa do filho que lá ficara na farmácia, à espera dele.
Também é certo que não costumava dizer grandes cousas. Foi arrastando a escrava pela Rua dos
Ourives, em direção à da Alfândega, onde residia o senhor. Na esquina desta a luta cresceu; a escrava
pôs os pés à parede, recuou com grande esforço, inutilmente. O que alcançou foi, apesar de ser a casa
próxima, gastar mais tempo em lá chegar do que devera. Chegou, enfim, arrastada, desesperada, ar-
quejando. Ainda ali ajoelhou-se, mas em vão. O senhor estava em casa, acudiu ao chamado e ao rumor.
– Aqui está a fujona, disse Cândido Neves. - É ela mesma. - Meu senhor! – Anda, entra.
Arminda caiu no corredor. Ali mesmo o senhor da escrava abriu a carteira e tirou os cem mil-réis
de gratificação. Cândido Neves guardou as duas notas de cinquenta mil réis, enquanto o senhor
novamente dizia à escrava que entrasse. No chão, onde jazia, levada do medo e da dor, e após
algum tempo de luta a escrava abortou.
O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo, entre os gemidos da mãe e os gestos
de desespero do dono. Cândido Neves viu todo esse espetáculo. Não sabia que horas eram,
quaisquer que fossem, urgia correr à Rua da Ajuda, e foi o que ele fez sem querer conhecer
as consequências do desastre.
Quando lá chegou, viu o farmacêutico sozinho, sem o filho que lhe entregara. Quis esganá-lo. Fe-
lizmente, o farmacêutico explicou tudo a tempo; o menino estava lá dentro com a família, e ambos
entraram. O pai recebeu o filho com a mesma fúria com que pegara a escrava fujona de há pouco,
fúria diversa, naturalmente, fúria de amor.
Agradeceu depressa e mal, e saiu às carreiras, não para a Roda dos enjeitados, mas para a casa de
empréstimo com o filho e os cem mil-réis de gratificação. Tia Mônica, ouvida a explicação, perdoou
a volta do pequeno, uma vez que trazia os cem mil-réis. Disse, é verdade, algumas palavras duras
contra a escrava, por causa do aborto, além da fuga.
Cândido Neves, beijando o filho, entre lágrimas, verdadeiras, abençoava a fuga e não se lhe dava
do aborto.
–Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração.”

ASSIS, Machado de. “Pai Contra Mãe”. In: Relíquias da Velha Casa. Rio de Janeiro:Garnier,
1990, PP.30-35.

capítulo 5 • 173
Partindo do conto de Machado de Assis, entende-se que quem narra uma história é
quem a experimenta, ou quem a vê, ou seja, é aquele que narra ações a partir da experiência
que tem delas, ou é aquele que narra ações a partir de um conhecimento que passou a ter
delas por tê-las observado em outro ou escutado de terceiro.
É fato, contudo, que o ponto de vista é inerente a todo e qualquer discurso, pois
surge simultaneamente à sua elaboração, estruturando-o e nele deixando pistas des-
sa organização. Para reconhecer o ponto de vista que organiza um discurso narrativo,
deve-se prestar atenção ao modo de narrar do narrador, procurando saber o que ele faz
exatamente nessa função.
Quando o narrador não participa da história, mas apenas relata o que fazem as perso-
nagens, diz-se que se trata de um narrador em terceira pessoa ou narrador-observador como
nesse fragmento em estudo, narrado em 3ª pessoa, e a sua perspectiva aproxima o leitor do
tempo e do espaço por meio de relatos históricos sobre os fatos que envolviam a escravidão,
como na descrição das crueldades das quais os escravos eram vítimas.
Nesse conto a escravidão é o próprio ENREDO da narrativa. Aliás, na primeira linha do
conto, o autor escreve: "A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido
a outras instituições sociais".
Leia o fragmento “A Morte da Porta- Estandarte”, de Aníbal Machado:

“[...] Andar na praça assim, todos desconfiam... Quanto mais agora, que estão tocando o seu
samba... Está sombrio, inquieto, sem ouvir a sua música, na obsessão de que a amada pode ser
de outrem, se abraçar com outro... [...]. A Praça transbordava. Dos afluentes que vinham enchê-la,
eram os do Norte da cidade e os que vinham dos morros que traziam maior caudal de gente. [...].”
[...] O crime do negro abriu uma clareira silenciosa no meio do povo. Ficaram todos estarrecidos
de espanto vendo Rosinha fechar os olhos. O preto ajoelhado bebia-lhe mudamente o último
sorriso, e inclinava a cabeça de um lado para outro como se estivesse contemplando uma crian-
ça. Uma Escola de Samba repontava no Mangue. Ainda se ouviam aclamações à turma da Man-
gueira. Quando o canto foi se aproximando, a mulata parecia que ia levantar-se.
E estava sorrindo como se fosse viva, como se estivesse ouvindo as palavras que o assassino
agora lhe sussurra baixinho aos ouvidos.
O negro não tira os olhos da vítima. Ela parecia sorrir; os curiosos é que queriam chorar. A
qualquer momento ela poderia se erguer para dançar. Nunca se viu defunto tão vivo. Estavam
esperando esse milagre. Ouvia-se uma canção que parece ter falado ao criminoso:
Quem quebrou meu violão de estimação?
Foi ela…
Ainda apareceram algumas mães retardatárias rondando de longe a morta.
A morta não tinha mãe nem parentes, só tinha o próprio assassino para chorá-la. É ele quem lhe
acaricia os cabelos, lhe faz uma confidência demorada, a chama pelo nome:
– Está na hora, Rosinha… Levanta, meu bem… É o “Lira do Amor” que vem chegando… Rosi-
nha, você não me atende! Agora não é hora de dormir… Depressa, que nós estamos perdendo…
O que é que foi? Você caiu? Como foi? … Fui eu? Eu? … Eu, não! Rosinha…
Ele dobra os joelhos para beijá-la. Os que não queriam se comover foram se retirando. O assas-
sino já não sabe bem onde está. Vai sendo levado agora para um destino que lhe é indiferente.
É ainda a voz da mesma canção que fala alguma coisa ao desespero:

174 • capítulo 5
Quem fez do meu coração seu barracão?
Foi ela… [...]”

(MACHADO, Aníbal. A Morte da Porta-Estandarte. São Paulo: José Olympio, 1997, p. 20- 28- 35-39).

Enfatiza-se que, quando se afirma que uma narrativa é em primeira ou terceira pessoa,
o que se está dizendo é se o narrador toma ou não parte nos acontecimentos. Nesse frag-
mento, há o narrador onisciente em terceira pessoa. No enredo, é dada atenção especial ao
assassino que é apresentado pelo narrador onisciente como aquele homem angustiado
que circula entre a multidão e cujo ciúme lhe corrói a alma: “Andar na praça assim, todos
desconfiam... Quanto mais agora, que estão tocando o seu samba... e os que vinham dos
morros que traziam maior caudal de gente. [...].”
Leia o fragmento do conto “Estranhos”, de Sérgio Sant’Anna:

“Cheguei à portaria daquele edifício, em Botafogo, para ver o apartamento, quase ao mesmo
tempo que uma mulher. Notei que ela estava nervosa, pelo modo como dava tragadas seguidas
no cigarro, amassava com a mão fortemente cerrada o caderno de classificados de um jornal,
e também pelo batom que transbordava da linha dos seus lábios, como se houvesse se pintado
às pressas. Mas nem por isso era menos bonita ou elegante, usando um vestido listrado, de
tecido meio rústico, que ostentava uma simplicidade que devia ter custado algum dinheiro. Os
sapatos pretos grandões, desses de amarrar, concediam-lhe uma aparência um tanto exótica,
um ar de força, quase de brutalidade, talvez premeditada, um toque masculino que não impedia
de se evidenciar nela a mulher em todos os seus aspectos. Ou talvez eu só tenha pensado essas
coisas todas depois, tornando-me capaz de escrever sobre elas desse modo. Naquele instante
eu estava preocupado em ver logo o apartamento.”
(SANT’ANNA. “Estranhos”. In: Contos e novelas reunidos. São Paulo: Companhia das Letras
1997, p. 704).

No fragmento acima, o narrador participa da história como personagem, logo é narra-


dor-personagem, e pode-se perceber isso pelas formas verbais usadas sempre em primeira
pessoa, como: “Cheguei”, “Notei”.
Ressalta-se que o exemplo mais famoso de narrador protagonista da Literatura brasileira
talvez seja a personagem Bentinho, do romance Dom Casmurro (1900), de Machado de Assis. O
enredo se desenvolve a partir da dúvida do narrador protagonista sobre a fidelidade da esposa.
O narrador informa o leitor sobre a possível traição de Capitu, seu grande amor, sem, no
entanto, o leitor ter certeza de que a traição de fato ocorreu, uma vez que a história narrada
ao leitor é construída a partir da própria consciência do protagonista, não havendo a certe-
za de uma visão onisciente ou um segundo ponto de vista em que se possa basear.
Impregnada de incertezas, a mente de Bentinho o leva a narrar acontecimentos do seu
momento presente, do passado, do real e do seu imaginário.
O narrador intruso é o narrador na terceira pessoa que se dirige diretamente ao aprecia-
dor e/ou julga de maneira direta as personagens e os acontecimentos. Ou seja, não assume
uma posição de neutralidade diante daquilo que narra. A intrusão é seu traço característico
mais marcante — à medida que narra os acontecimentos, o narrador intruso tece comen-

capítulo 5 • 175
tários próprios, entrosados ou não com a estória narrada, sobre os acontecimentos, a vida
das personagens, seus costumes, a moral vigente e tudo mais que lhe ocorrer.
Mas há também narradores "intrusos" que, mesmo não sendo personagens da história,
fazem comentários em primeira pessoa. Assim, descem ao nível da narrativa, transforman-
do-se também em personagem de papel, como ocorre no conto “O Dicionário”, de Macha-
do de Assis, em que o narrador instaura um leitor no texto e fala com ele. Observe:

“[...] ERA UMA VEZ um tanoeiro, demagogo, chamado Bernardino, o qual em cosmografia profes-
sava a opinião de que este mundo é um imenso tonel de marmelada, e em política pedia o trono
para a multidão. Com o fim de a pôr ali, pegou de um pau, concitou os ânimos e deitou abaixo
o rei; mas, entrando no paço, vencedor e aclamado, viu que o trono só dava para uma pessoa, e
cortou a dificuldade sentando-se em cima. — Em mim, bradou ele, podeis ver a multidão coroada.
Eu sou vós, vós sois eu. O primeiro ato do novo rei foi abolir a tanoaria, indenizando os tanoeiros,
prestes a derrubá-lo, com o título de Magníficos. O segundo foi declarar que, para maior lustre
da pessoa e do cargo, passava a chamar-se, em vez de Bernardino, Bernardão. Particularmente
encomendou uma genealogia a um grande doutor dessas matérias, que em pouco mais de uma
hora o entroncou a um tal ou qual general romano do século IV, Bernardus Tanoarius; — nome que
deu lugar à controvérsia, que ainda dura, querendo uns que o rei Bernardão tivesse sido tanoeiro,
e outros que isto não passe de uma confusão deplorável com o nome do fundador da família. Já
vimos que esta segunda opinião é a única verdadeira. [...]”
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Contos definitivos. Porto Alegre: Novo Século, 1998, p. 8.

A expressão Era uma vez é tradicional no começo de histórias, principalmente nas in-
fantis, logo é própria da ficção. Ela está relacionada ao momento em que é feita a narrativa,
mas depois de os fatos já terem ocorrido, localizando os acontecimentos relatados em al-
gum momento indefinido do passado.
Sendo assim, toda a ação já foi supostamente iniciada, desenvolvida e concluída em
um momento anterior ao ato da narração e o narrador já demonstra conhecer tudo o que
aconteceu na história, inclusive como esta termina. Encontra-se fora dos acontecimentos,
relatando-os, ordenando-os de forma linear, porém não de forma neutra, mas sim, toman-
do parte da ação e fazendo juízo do narrado.
Identifica-se no texto, portanto, a figura do narrador intruso – com total conhecimento
da intriga ou ação - um narrador que capta tanto a vida do lado de fora da personagem, por
meio de um foco narrativo externo, quanto a vida interior, dela, por meio de um foco nar-
rativo interno (discurso indireto livre). Assim, ciente até da presença de um interlocutor,
que ele imagina ser um leitor, interrompe a narração para falar-lhe (diálogo direto com o
leitor): “Já vimos que esta segunda opinião é a única verdadeira. [...]”. Esse tipo de narrador
intruso é muito comum nas obras machadianas, o que faz com que a ironia crítica seja uma
das características definidoras de sua escritura.

ATENÇÃO
Durante a leitura, não saber significados pode comprometer o entendimento. A utilização do dicionário é
um ótimo recurso para garantir um verdadeiro mergulho no mundo das palavras.

176 • capítulo 5
RESUMO
Nos textos narrativos em prosa (paragrafação), o narrador é quem conta a história. Se o narrador fizer uso
da primeira pessoa é narrador-personagem. Logo, se o narrador é personagem, todos os acontecimentos,
ações ou motivações e demais personagens são apresentados a partir do seu ponto de vista.
Contudo, embora o narrador construa o foco narrativo em primeira pessoa, ele pode não ser o protagonista
da história. Assim, há variantes do narrador em primeira pessoa, pois ele pode ser o narrador-testemunha
ou o narrador-protagonista.
O narrador-testemunha vive os fatos narrados como personagem secundária, condição em que pode ob-
servar os acontecimentos e testemunhá-los ao leitor de forma mais direta e verossímil. Entretanto, o seu
ângulo de visão é limitado, pois não sabe o que se passa no pensamento das demais personagens, apenas
pode levantar hipóteses sobre o que viu ou ouviu.
O narrador-protagonista vive os fatos como personagem principal, mas não tem acesso aos pensamentos
das demais personagens e narra os acontecimentos, limitando-se às suas percepções, pensamentos e
sentimentos, como já posto.
Já o narrador onisciente, que é uma variante do narrador em terceira pessoa, tem conhecimento total dos
fatos, podendo, inclusive, por exemplo, antecipar para o leitor algum fato futuro ou revelar os traços, os
desejos e os sentimentos mais íntimos das personagens.
Outra variante do narrador em terceira pessoa é o narrador intruso, que é aquele que fala com o leitor ou
que julga o comportamento das personagens. É o caso, por exemplo, que ocorre no conto “O Dicionário”,
de Machado de Assis, trabalhado há pouco.
O narrador-observador, como um observador distante, narra os acontecimentos na terceira pessoa. Esse
tipo de narrador-observador é o que se presentifica nas narrativas jurídicas. A “imparcialidade” do narrador
em terceira pessoa é relativa, porque o texto sempre irá revelar diferentes pontos de vista sobre os acon-
tecimentos narrados.

CONCEITO
Chama-se foco narrativo o ponto de vista ou perspectiva estabelecido pelo narrador a partir do qual a
história será contada. A adoção de um determinado ponto de vista afeta o modo como a história contada é
interpretada pelos seus leitores. A narração pode ser feita em primeira ou em terceira pessoa e classifica-
se como narrador em 1ª pessoa (narrador-personagem) e narrador em 3ª pessoa (narrador-observador).

Modos de narrar: discurso direto, indireto, indireto livre


O discurso direto se presentifica quando o narrador reproduz textualmente as palavras
da personagem, a forma como ela as diz. O discurso direto caracteriza-se pela presença
de verbos de elocução, aqueles que servem para introduzir a fala da personagem (dizer,
afirmar, perguntar, responder, declarar, pedir, exclamar), de verbos da área semântica
(sentido) de perguntar (indagar, inquirir, questionar, interrogar) e de verbos que expres-
sam estado de espírito, reação psicológica da personagem, emoções (gemer, lamentar(-
se), suspirar, queixar-se, explodir). Esses verbos podem vir explícitos ou implícitos. Esse
tipo de discurso direto não deve ser utilizado na narrativa jurídica, ressalvadas apenas
situações excepcionais, ímpares.

capítulo 5 • 177
No discurso indireto, escrito em terceira pessoa, o narrador conta a história e reproduz
fala e reações das personagens. Nesse caso, o narrador se utiliza das palavras dele para re-
produzir aquilo que foi dito pela personagem.
Já o discurso indireto livre é um tipo de discurso misto, em que se associam as carac-
terísticas do discurso direto e do indireto. Nesse tipo de discurso, a fala interior da per-
sonagem (as emoções, as ideias, os sentimentos, as reflexões) insere-se em meio à fala
do narrador de forma sutil, causando certa confusão em relação a quem está se pronun-
ciando (narrador ou personagem). Por conseguinte, na maioria dos casos, desaparecem
os verbos de elocução, travessão, dois pontos, enfim, os sinais de pontuação. Além disso,
esse tipo de discurso é mais frequente com o foco narrativo na 3ª pessoa. Esse tipo de
discurso é próprio da Literatura.

Passagem do discurso direto para discurso indireto

Mudança das pessoas do discurso

A 1.ª pessoa no discurso direto passa para a 3.ª pessoa no discurso indireto.
Os pronomes eu, me, mim, comigo no discurso direto passas para ele(s), ela(s), se, si, consigo,
o(s), a(s), lhe(s) no discurso indireto.
Os pronomes nós, nos, conosco no discurso direto passam para eles, elas, os, as, lhes no dis-
curso indireto.
Os pronomes meu, meus, minha, minhas, nosso, nossos, nossa, nossas no discurso direto pas-
sam para seu, seus, sua, suas, dele (a) (s) no discurso indireto.

Mudança de tempos verbais

Presente do indicativo no discurso direto passa para pretérito imperfeito do indicativo no dis-
curso indireto.
Pretérito perfeito do indicativo no discurso direto passa para pretérito mais-que-perfeito do in-
dicativo no discurso indireto.
Futuro do presente do indicativo no discurso direto passa para futuro do pretérito do indicativo
no discurso indireto.
Presente do subjuntivo no discurso direto passa para pretérito imperfeito do subjuntivo no dis-
curso indireto.
Futuro do subjuntivo no discurso direto passa para pretérito imperfeito do subjuntivo no discurso
indireto.
Imperativo no discurso direto passa para pretérito imperfeito do subjuntivo no discurso indireto.

Mudança na pontuação das frases

Frases interrogativas, exclamativas e imperativas no discurso direto passam para frases decla-
rativas no discurso indireto.

178 • capítulo 5
Mudança dos advérbios e adjuntos adverbiais

Ontem no discurso direto passa para no dia anterior no discurso indireto.


Hoje e agora no discurso direto passam para naquele dia e naquele momento no discurso indireto.
Amanhã no discurso direto passa para no dia seguinte no discurso indireto.
Aqui, aí, cá no discurso direto passam para ali e lá no discurso indireto.
Este, esta e isto no discurso direto passam para aquele, aquela, aquilo no discurso indireto.

ATENÇÃO
O narrador é o autor?
O autor é o sujeito que escreve o texto, o escritor; é o que recebe da realidade em que vive os estímulos
que o levam à produção do texto. No texto narrativo, no entanto, é fundamental entender que o narrador é
uma entidade fictícia, como as personagens e a história contada; logo, ele não pode ser confundido com
o autor, que é um ser real, de “carne e osso”, mesmo quando a narrativa for contada em terceira pessoa.

Tempo
Pela narração, verifica-se que os fatos do enredo são narrados pelo narrador por uma se-
quência de ações, realizadas pelas personagens construídas no próprio texto, regidas pelo
transcurso do tempo. Os fatos podem ser narrados na ordem linear ou cronológica, seguin-
do o transcurso do tempo tal como no calendário ou relógio, ou, então, na ordem alterada,
chamada de alinear (“vaivém” do tempo), narrando-se os fatos acontecidos posteriormente
em relação a outros que tenham ocorrido antes, isto é, não obedecendo à sequência tempo-
ral do antes e do depois (relação de causa – consequência).
Em Senhora, José de Alencar trabalha com o flashback, narrando o casamento de Aurélia
e Fernando até a noite de núpcias, promovendo um corte e narrando fatos bem anteriores
ao casamento, para finalmente retomar fatos acontecidos depois do casamento.
Dessa maneira, na construção do tempo de uma narrativa, deve-se, em primeiro lugar,
determinar em que momento as ações se sucederão e, depois, escolher os verbos, advér-
bios e locuções adverbiais de acordo com o momento a ser caracterizado, pois a marcação
do tempo é estabelecida em uma narrativa com o auxílio desses elementos linguísticos.
A construção do tempo na narrativa é muito relevante para a compreensão do enredo.
Inclusive, há narrativas que são construídas pelo tempo cronológico ou psicológico e ou-
tras até em função do tempo histórico, chegando a tematizar a marcação do tempo.
Leia o fragmento:

"Sempre que me acontece alguma coisa importante, está ventando", costumava dizer Ana Terra.
Mas, entre todos os dias ventosos de sua vida, um havia que lhe ficara para sempre na memória,
pois o que sucedera nele tivera a força de mudar-lhe a sorte por completo. Mas em que dia da
semana tinha aquilo acontecido? Em que mês? Em que ano? Bom, devia ter sido em 1777: ela se
lembrava bem porque esse fora o ano da expulsão dos castelhanos do território do Continente.

capítulo 5 • 179
Mas, na estância onde Ana vivia com os pais e os dois irmãos, ninguém sabia ler, e mesmo na-
quele fim de mundo não existia calendário nem relógio. Eles guardavam na memória os dias da
semana; viam as horas pela posição do sol; calculavam a passagem dos meses pelas fases da
lua; e era o cheiro do ar, o aspecto das árvores e a temperatura que lhes diziam as estações do
ano. Ana Terra era capaz de jurar que aquilo acontecera na primavera, porque o vento andava
bem doido, empurrando grandes nuvens brancas no céu, os pessegueiros estavam floridos e as
árvores que o inverno despira se enchiam outra vez de brotos verdes.”
(Veríssimo, Érico. O tempo e o vento. Porto Alegre: Globo, 1978, p. 73, v.1).

A frase “Sempre que me acontece alguma coisa importante, está ventando” pertence à
memória de Ana Terra e encontra-se na primeira parte d’O continente. Nesse trecho nota-
se que há a reconstituição de um momento do passado histórico da ocupação da região
sul do Brasil, no século XVIII. Como se sabe, naquele tempo, era muito comum as pessoas
serem analfabetas e não terem sequer instrumentos para marcação do tempo, pois não
tinham acesso a calendário nem a relógio. As personagens têm, pois, que recorrer a aconte-
cimentos importantes, como a expulsão dos castelhanos, em 1777, para localizarem algum
acontecimento no tempo histórico.
Nesse fragmento, o espaço é que fornece os indícios a partir dos quais Ana Terra e seus
familiares procuram “marcar” a passagem do tempo, como: o vento, o cheiro do ar, o as-
pecto das árvores, a temperatura, a posição do Sol, as fases da Lua, que são, na verdade, as
referências da mudança das estações do ano.
Lembre-se de que num texto narrativo predominam os verbos de ação. Afinal, na narra-
ção, o desenrolar de um fato ou de um acontecimento pressupõe mudanças; isto significa
que se estabelecem relações anteriores, concomitantes e posteriores.
Para se organizar um bom texto narrativo há necessidade de se trabalhar a estrutura
gramatical que o sustenta, sem se esquecer das passagens descritivas, pois é por meio de-
las que se obtém o movimento na narrativa, além das suas características fundamentais, a
saber: qualificar, individualizar e localizar.

RESUMO
Tempo Cronológico
É o tempo que transcorre na ordem linear, na ordem natural dos fatos do enredo (= calendário), do começo
para o final. Chama-se tempo cronológico porque pode ser medido em horas, meses, anos, séculos. Os
textos “O Monstro”, “Tragédia brasileira”, por exemplo, foram construídos na ordem linear.

Tempo Psicológico
É o tempo que transcorre numa ordem determinada pela vontade, pela memória ou pela imaginação do
narrador ou personagem. É característico do enredo não linear, ou melhor, do enredo em que os aconteci-
mentos estão fora da ordem natural. No fragmento “O tempo e o vento” há a presença desse tempo, como
também do tempo histórico.

Tempo Histórico
É referente ao momento histórico em que se situam os fatos narrados. Conforme apresentado no fragmento
“O tempo e o vento”: “Bom, devia ter sido em 1777”, referindo-se à expulsão dos castelhanos naquele ano.

180 • capítulo 5
Tempo do Flashback
O flashback é um recurso narrativo que consiste em voltar no tempo. Ocorre, por exemplo, quando uma
personagem lembra um fato ou conta a outras personagens fatos que acrescentam informações ou escla-
recem uma situação. No romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis apresenta essa
técnica, pois o tempo para o narrador-personagem Brás Cubas tem como referência a sua condição de
morto, o que lhe permite voltar tanto para o passado recente, contando como morreu, como no passado
mais distante, narrando fatos de sua infância e juventude.

CONCEITO
O tempo de uma narrativa é caracterizado pela duração da ação nela apresentada. Na narrativa há dife-
rentes tempos, a saber: tempo cronológico, quando os fatos são narrados, segundo a ordem em que acon-
tecem, tempo psicológico, quando a rememoração do passado desencadeia a narrativa e tempo histórico,
referente ao momento histórico em que se situam os fatos narrados.

CURIOSIDADE
Quando o filme começa pelo final, geralmente se emprega essa técnica do flashback. É o caso do filme
Cinema Paradiso no qual um cineasta de sucesso em Roma, ao receber a notícia de que Alfredo, o proje-
cionista do cinema de sua cidade natal morrera, volta ao passado e recorda-se de sua infância e adoles-
cência vividas na Sicília, Itália.
O gênero policial se utiliza bastante dessa técnica como recurso narrativo, pois testemunhas, detetive,
criminoso e suspeitos geralmente reconstroem, cada um a seu modo, a cena do crime e contam como ele
aconteceu, tal qual acontece na reconstrução dos crimes em Direito.

Personagens
As personagens são as que participam do desenrolar dos acontecimentos, isto é aquelas que
vivem o enredo. A personagem principal de uma narrativa é o protagonista (o principal ator
ou lutador) e, dependendo do escritor e do estilo de época, pode ser apresentado de maneira
mais idealizada (como os heróis românticos) ou mais próxima do real. O protagonista, via de
regra, vai se defrontar com o antagonista – o que luta contra algo ou alguém. Observe que as
palavras protagonista/antagonista já denunciam, em sua significação, o conflito.
Há personagens que não representam individualidades e sim tipos humanos, identifi-
cados primeiramente pela profissão, pelo comportamento, pela classe social. É o caso, por
exemplo, da maioria das personagens de Memórias de um sargento de milícias, de Manuel
Antônio de Almeida, em que se tem o Barbeiro, a Parteira, os Meirinhos, o Major, os ciganos.
Pode haver personagens que tenham determinados traços ou comportamentos extre-
mamente realçados: são as personagens caricaturais.
É fato que grandes escritores preocupam-se com a relação personagem/nome próprio.
Graciliano Ramos, em Vidas Secas cria os seguintes nomes: Vitória que é o nome de uma
mulher, retirante nordestina, que alimenta pequenos sonhos, sempre frustrados; Baleia é
o nome de uma cachorra que morre em consequência da seca, em pleno sertão nordestino.

capítulo 5 • 181
Machado de Assis é outro exemplo, pois os nomes em suas obras já denunciam caracte-
rísticas de suas personagens. Em Dom Casmurro, a personagem-narradora chama-se Bento e
tem sua vida em grande parte determinada pela carolice da mãe, que queria torná-lo padre.
Há personagens que aparecem nos grandes romances de um país, acabam por ganhar
“vida” e fazer parte do seu imaginário cultural, tornando-se conhecidos até por quem não
leu os livros em que aparecem, como no caso de Dom Quixote. No Brasil, entre outros, tem-
se a personagem Macabéa do romance Hora da Estrela, de Clarice Lispector.
A personagem, de forma verossímil, é criada traço a traço ao longo da obra, por meio
de traços qualificacionais (dados na descrição de gestos, características físicas ou mo-
rais) ou funcionais, representados pelos papéis e depreendidos das ações e das falas
narradas das personagens.

CONCEITO
Verossímil
Aquilo que parece verdadeiro. No caso das narrativas ficcionais a verossimilhança é muito importante por-
que é ela que garante a coerência da história contada. Embora todos os elementos sejam construídos pela
imaginação de um dado autor e não tenham qualquer relação com a realidade, o texto será verossímil se o
leitor aceitar que a história contada poderia ser real, porque parece ser verdadeira.

Espaço
O espaço de ambiente (físico, social) é o cenário por onde circulam as personagens e onde
se desenrola o enredo. Em alguns casos, a importância do ambiente é tão fundamental que
se transforma em personagem. Observe como o Nordeste, em grande parte do romance
modernista brasileiro - o colégio interno, em O Ateneu, de Raul Pompeia; o cortiço, em O
Cortiço, de Aluísio Azevedo - funciona como espaço ambiente.
Perceba também como sempre há relação estreita entre a personagem, seu comporta-
mento e o ambiente que a cerca. Repare como, muitas vezes, por meio dos objetos possuí-
dos pode-se fazer um retrato perfeito do possuidor (personagem).
Leia o fragmento descritivo seguir:

“Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de
portas e janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete
horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da
última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um
suspiro de saudade perdido em terra alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um fartum acre
de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos
azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.
Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos,
fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xí-
caras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de
janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se conversas interrompidas

182 • capítulo 5
à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de
crianças que ainda não andam.
No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem
se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos
saíam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à
semelhança dos donos, cumprimen-tavam-se ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia.”
(AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. 36. ed. São Paulo: Ática, 1995, p.44-45.)

CONCEITO
Fartum
Mau cheiro.

Traquinava
Do verbo traquinar, "fazer travessuras".

Altercavam
Do verbo altercar, "discutir"; "provocar polêmica".

Espanejando-se
Do verbo espanejar, "sacudir (as aves) o pó das asas, batendo-as".

No parágrafo acima, a personificação do cortiço evidencia a imagem de que o lugar é


um todo orgânico, com vida própria: o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas uma
infinidade de portas e janelas alinhadas.
Esse fragmento descritivo a serviço da narrativa, refere-se ao amanhecer do cortiço, cria-
do pelo narrador pelo viés naturalista, em que o homem é visto dentro de sua animalidade,
sendo um produto do meio social (espaço) no qual está inserido, em que as personagens
são expostas a um ambiente hostil, desenvolvendo comportamento violento e os espaços
entre os humanos e não-humanos se entrecruzam, não havendo distinção alguma.
Logo, quando se faz referência ao espaço, em um texto narrativo, pode-se identificar
dois tipos distintos, a saber: o espaço físico ou geográfico e o espaço social. O espaço físico
é um conjunto de elementos da paisagem exterior, ou seja, trata-se do cenário criado pelo
autor onde será ambientada a ação. Já o espaço social refere-se às vivências da personagem,
seus sentimentos, seus sonhos, seus pensamentos, isto é, aquilo que permite ao leitor co-
nhecer a motivação (causa) para seus comportamentos.
Além da caracterização específica do espaço físico, os aspectos morais, psicológi-
cos, culturais e socioeconômicos das personagens aparecem, geralmente, na constru-
ção do espaço social.

RESUMO
Espaço físico
O espaço físico ou geográfico é o lugar onde acontecem os fatos que envolvem as personagens. O espaço

capítulo 5 • 183
pode ser descrito pormenorizadamente ou suas características podem aparecer diluídas na narração. Qua-
se sempre é possível identificá-lo como espaço aberto ou fechado, urbano ou rural.
No conto “A morte da Porta-Estandarte estudado há pouco, o espaço onde os fatos são narrados é urbano
carioca - carnaval na Praça Onze, no Centro da cidade do Rio de Janeiro. O período de tempo em que os
fatos são narrados é curto, sendo equivalente a uma noite. Já no romance de tese “O Cortiço”, o espaço é
o próprio cortiço carioca do final do século XIX que acaba se tornando, de certa forma, uma personagem
do livro devido a uma personificação do espaço. Por exemplo, em certo momento o narrador diz que: “Eram
cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos [...]”.

Espaço social
É o espaço referente às condições socioeconômicas, morais e psicológicas que dizem respeito às perso-
nagens. Dessa maneira, esse espaço possibilita situar as personagens na época, no grupo social e nas
condições em que se passa a história, projetar os conflitos vividos por elas, fornecer pistas para certo tipo
de desfecho, como no caso do conto machadiano “Pai contra mãe”, em que se tem o espaço físico, porque
ocorre no Rio de Janeiro nos fins do Segundo Império, como também o social - escravidão.

Na narrativa, o espaço é o lugar onde se passa a ação ou acontecimento. Articula-se com as


personagens, podendo influenciar suas atitudes ou sofrer transformações provocadas por elas.
Os fatos de uma narrativa mantêm relações com o espaço nestes dois níveis, a saber:
físico ou geográfico e social, este também chamado por muitos estudiosos de espaço de
ambiente, por englobar, segundo eles, o tempo e o espaço.
Leia a seguir o miniconto de Marina Colasanti, intitulado “A honra passada a limpo” em
que se apresentam todos os elementos da narrativa estudados para perceber a importância
do reconhecimento deles não só em sua produção textual, mas também no momento de
interpretar um determinado texto:

“Sou compulsiva, eu sei. Limpeza e arrumação.


Todos os dias boto a mesa, tiro a mesa. Café, almoço, jantar. E pilhas de louça na pia, e espumas
redentoras.
Todos os dias entro nos quartos, desfaço camas, desarrumo berços, lençóis ao alto como velas.
Para tudo arrumar depois, alisando colchas de crochê.
Sou caprichosa, eu sei. Desce o pó sobre os móveis. Que eu colho na flanela. Escurecem-se
as pratas. Que eu esfrego com a camurça. A aranha tece. Que eu enxoto. A traça rói. Que eu
esmago. O cupim voa. Que eu afogo na água da tigela sob a luz.
E de vassoura em punho gasto tapetes persas.
Sou perseverante, eu sei. À mesa que ponho ninguém senta. Nas camas que arrumo ninguém
dorme. Não há ninguém nesta casa, vazia há tanto tempo.
Mas, sem tarefas domésticas, como preencher de feminina honradez a minha vida?”
(COLASANTI. Contos de amor rasgado. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.)

Percebe-se que o narrador pode se posicionar de diferentes modos em relação ao tempo


dos acontecimentos – ele pode narrar os fatos no tempo em que eles estão acontecendo;
pode narrar um fato já perfeitamente concluído; pode entremear presente e passado, uti-
lizando a técnica de flashback. No conto, o momento escolhido é o presente visando a dar
maior dinamismo à narrativa.

184 • capítulo 5
O conto A honra passada a limpo possui apenas uma personagem, uma mulher. O enre-
do do conto baseia-se na descrição feita pela personagem de sua rotina, e inicia-se com a
seguinte afirmação: “Sou compulsiva, eu sei. Limpeza e arrumação”. A partir daí, a perso-
nagem relata as ações que se repetem, na mesmice de cada um de seus dias.
A intensidade que é dada as suas ações revelam o quanto a personagem está acostuma-
da a realizar essas tarefas, como se já estivesse programada, automatizada.
Ao final do conto, a revelação da personagem causa certo estranhamento no leitor, pois
diante de todos os encargos que ela possui naquela casa, e a regularidade com que os rea-
liza, jamais se poderia supor que ela estivesse sozinha, pelo contrário, a impressão que se
tem é a de que a casa estaria sempre cheia de gente.
Nota-se que a personagem vive numa situação de solidão, e que se dedicar aos afazeres
domésticos seria sua única atividade, seu único passatempo, a única coisa que sabia fa-
zer e bem. Apesar de a casa estar vazia, há muito tempo, seu dever era aquele, não haveria
outra forma de preencher sua vida, e ainda mais, de ser honrada. Dedicar-se à casa e a sua
manutenção é sinônimo de virtude feminina, cujos atributos ela mesma diz ter: capricho,
perseverança, compulsividade na realização de suas tarefas.

ATENÇÃO
Cada palavra criada dentro de um texto é selecionada criteriosamente pelo seu autor e tem sempre uma
intenção, ou seja, um sentido, pois se nada significasse não estaria no texto, mas sim no cesto de lixo. Logo,
no texto tudo faz sentido.

Considerações finais
Pode-se afirmar que a produção do texto narrativo pressupõe a construção de um enredo,
baseado em fatos que se modificam no tempo, a criação de personagens que vivenciam os
fatos em um determinado espaço, e a instituição de um narrador que, a partir de um ponto
de vista, organiza todos esses elementos constitutivos da narrativa.
Assim, construir uma narrativa é mostrar, no texto, a ação de uma personagem, que
opera uma transformação em seu meio. Em toda narrativa, alguém age e muda o estado
das coisas, alterando a situação inicial. Se se propõe a construir um texto narrando fatos, é
porque há uma alteração, uma mudança neles, e alguém a opera.
Não se deve esquecer ainda de que esse tipo de texto tem um forte cunho informativo, embo-
ra traga sempre um ponto de vista implícito, pois é impossível uma narração isenta, imparcial.

LEITURA
Missa do galo: variações sobre o mesmo tema
Em Missa do Galo: Variações sobre o mesmo tema, um dos mais célebres contos de Machado de Assis é
recontado por seis grandes escritores brasileiros (várias versões sobre um mesmo fato): Antonio Callado,
Autran Dourado, Julieta de Godoy Ladeira, Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon e Osman Lins.
O conto original é o relato de um rapaz que, retomando um momento do passado, tenta compreender o
que se passou, na rapidez cronológica de pouco mais de uma hora, entre ele, então com dezesseis anos, e
Conceição, já na casa dos trinta.

capítulo 5 • 185
Nas releituras, os seis autores jogam com o tempo e o espaço, além de dividirem os pontos de vista.
Disponível em: http://www.skoob.com.br/livro/40535-missa_do_galo. Acessado em 20/7/2014.

MULTIMÍDIA
Memórias Póstumas de Brás Cubas, inspirado na obra de Machado de Assis
Sinopse: após sua morte em 1869, Brás Cubas (Reginaldo Faria / Petrônio Gontijo), disposto a se distrair
um pouco na eternidade, decide narrar suas memórias e revisitar os fatos mais marcantes de sua vida.
E adverte: “A franqueza é a primeira virtude de um defunto”. É com desconcertante sinceridade que ele
relembra sua infância, juventude, incidentes familiares e personagens marcantes, como o amigo Quincas
Borba (Marcos Caruso), que passa de mendigo a milionário. Fala ainda sobre sua formação acadêmica em
Portugal e o discutível privilégio de nunca ter precisado trabalhar. Com a mesma franqueza, Brás Cubas
convida o espectador a testemunhar sua tumultuada vida amorosa. Lembra o primeiro amor, a cortesã
espanhola Marcela (Sonia Braga) que amou-o por “15 meses e 11 contos de réis”.

Características e construção do texto descritivo

Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham


caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas
como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas.
Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através
dos galhos pelados da catinga rala. Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho
mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça; Fabiano sombrio, cambaio, o aió
a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no
ombro. O menino mais velho e a cachorra baleia iam atrás.”
Vidas Secas, Graciliano Ramos.

Descrição é o ato de descrever. Descrever é apontar atributos da pessoa ou coisa descrita,


que se costuma denominar objeto da descrição. Pode ser uma pessoa, um animal, um pro-
cesso, um ser inanimado, uma cena, um local. Assim, o texto descritivo é entendido como
o que descreve, fazendo uma representação verbal de um objeto (ser, coisa, circunstância
do acontecimento do fato, paisagem), por meio da indicação dos seus aspectos mais ca-
racterísticos, dos seus atributos, dos pormenores que o individualizam, que o distinguem.
Para Platão e Fiorin (2012), a descrição “é o tipo de texto em que se relatam as característi-
cas de uma pessoa, de um objeto ou de uma situação qualquer, inscritos num certo momento
estático do tempo” (p. 297). Os autores ressaltam que o texto descritivo não relata mudanças
de estado que ocorrem no tempo, apenas retrata as propriedades e aspectos dos elementos
descritos em um certo estado, tomando-os como se estivessem parados no tempo.
O fragmento de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, citado em epígrafe, apresenta uma
predominância de sequências descritivas. As sequências descritivas nesse contexto têm
a função de desacelerar a narrativa, trazendo uma lentidão tanto na narrativa quanto na

186 • capítulo 5
vida das personagens que se arrastam pelo sertão, vagando, em busca de uma melhor
condição de vida.
No texto descritivo, podem ocorrer tanto caracterizações objetivas (físicas, concretas),
quanto subjetivas (aquelas que dependem do ponto de vista de quem descreve). A finali-
dade da descrição é transmitir a impressão que a coisa vista desperta em nossa mente me-
diante os sentidos. Ela é mais que fotografia, porque é interpretação também, salvo se se
tratar de descrição técnica ou científica.
A descrição apresenta ainda algumas características, como: presença de substantivos,
que marcam traços genéricos do objeto descrito, de adjetivos e locuções adjetivas, que atri-
buem características específicas que permitem um detalhamento maior.
Além disso, há também o uso de verbos de ligação; predomínio da coordenação de
ideias; predomínio de verbos no pretérito imperfeito - porque permite tornar “presente”
o que já passou. Já o uso do presente do indicativo em uma descrição é para fazer com que
aquilo que se descreve apareça como um quadro vivo à nossa frente. Assim como o empre-
go de metáforas e de comparações objetiva materializar a imagem descrita.

Metáfora e comparação

A metáfora consiste em utilizar uma palavra ou uma expressão em lugar de outra, sem que
haja uma relação real, mas em virtude da circunstância de que o nosso espírito as associa
e depreende entre elas certas semelhanças. Na comparação (ou símile) aparece sempre um
conectivo comparativo (como, assim como, que nem, tal qual), o que a diferencia da metá-
fora. "Meu pensamento é um rio subterrâneo." (Fernando Pessoa). Nesse caso, a metáfora é
possível porque o poeta estabelece relações de semelhança entre um rio subterrâneo e seu
pensamento (pode estar relacionando a fluidez, a profundidade, a inatingibilidade).
Se Pessoa fizesse uso de um conector comparativo, passaria a ser uma comparação:
"Meu pensamento é como (ou tal qual) um rio subterrâneo." Na verdade, toda metáfora é
uma espécie de comparação implícita, em que o elemento comparativo não aparece.
Verifique em Capitães da Areia, de Jorge Amado, como o narrador apresenta as suas per-
sonagens:

O grupo liderado por Pedro Bala beirava o número de cem e era composto por:
João Grande, o "negro bom", nos dizeres do próprio Pedro Bala: "Engajou com 9 anos nos Capi-
tães da Areia, quando o Caboclo ainda era o chefe e o grupo pouco conhecido, pois o Caboclo
não gostava de se arriscar. Cedo João Grande se fez um dos chefes" (p. 23);
Volta Seca, que tinha ódio das autoridades e o desejo de se tornar cangaceiro (posteriormente
integra-se ao grupo de Lampião, transformando-se em um frio e sanguinário assassino);
Professor, que recebe este apelido por gostar de ler e desenhar. Assim o narrador o apresenta:
"João José, o Professor, desde o dia em que furtara um livro de histórias numa estante de uma
casa da Barra, se tornara perito nestes furtos. Nunca, porém, vendia os livros, que ia empilhando
num canto do trapiche, sob tijolos, para que os ratos não os roessem. Lia-os todos numa ânsia
que era quase febre" (p. 25).
Gato, sujeito conquistador, vive entre as prostitutas, com seu jeito malandro atrai uma delas: Dalva;
Sem-Pernas, garoto deficiente de uma perna, que serve de espião para o grupo. Fazia-se de órfão

capítulo 5 • 187
desamparado para ser acolhido pelas famílias e, assim, com a confiança destas, conhecia cada
ponto estratégico de suas residências, retransmitindo tais informações ao grupo. É em uma des-
sas casas que Sem-Pernas é bem acolhido por um casal que perdera o filho pequeno. Nesse epi-
sódio a personagem vive um grande conflito: sente remorsos por ter de roubar aqueles que lhe
acolheram com a um filho, ficando, dessa forma, dividido entre passar as informações da casa
para os companheiros e ser leal à família. Decide-se por manter-se fiel aos "Capitães da Areia";
Pirulito, "magro e muito alto, uma cara seca, meio amarelada, os olhos encovados e fundos, a
boca rasgada e pouco risonha" (p. 28). Era o único do grupo que tinha vocação religiosa, embora
pertencesse aos Capitães da Areia;
Dora, a única mulher do grupo, tinha quatorze anos, era muito simples, dócil e bonita. Represen-
tará para os Capitães da Areia a figura da madre protetora, que dará colo, carinho e atenção, e
também, a figura da irmã que para eles até então inexistia. Já para Pedro Bala, Dora será a “noi-
va" e a "esposa". Morre ardendo em febre e seu corpo é levado ao mar, onde será "sepultado"
com a ajuda de padre José Pedro, que, mais uma vez indo contra a lei e a moral estabelecidas,
decide ajudar os meninos do Trapiche. Dora será uma personagem de fundamental importância
na construção da lógica do romance. Será por sua causa que Pedro Bala, apaixonado, iniciará
sua transformação e tomada de consciência rumo à ação política e social.

AMADO, Jorge. Capitães da Areia. 42. ed. Rio de Janeiro: Record, 1995.

Em suas descrições, Jorge Amado apresenta sempre as três qualidades inerentes a esse
tipo de texto, como identificação, localização e qualificação. A descrição presente no frag-
mento dado, assim como em todos os textos do autor, é a mais fotográfica possível, criando
no leitor a sensação de estar "vendo" a personagem como ser real - como construção de
perfis humanos -, ou a cena tal como aconteceu na realidade. É como se o escritor estivesse
pintando um quadro com palavras.
No texto descritivo, como se sente, ao escritor cabe fotografar o real com palavras e ao
leitor, "ler para ver".
Sabe-se, contudo, que não se apreende a realidade apenas por meio da visão, apesar de
se falar em “retrato verbal” ou “ler para ver”, pois uma boa descrição não pode prescindir
das outras sensações. Nossa percepção da realidade se dá por meio da visão, da audição,
do olfato, do tato, da gustação. Por essa razão, é comum encontrar sinestesias em textos
descritivos, conforme ocorre no fragmento de O Cortiço, de Aluísio Azevedo, já estudado há
pouco em elementos da narrativa.

Descrição: objetiva e subjetiva

Há dois tipos de descrição, dependendo da postura assumida pelo observador, a saber: a


descrição subjetiva e a descrição objetiva.
A descrição objetiva é aquela em que o observador se limita aos valores exteriores, apro-
ximando-se o mais possível da realidade, sem emitir juízos de valor. Mas, na verdade, sal-
vo as descrições técnicas ou científicas, toda descrição revela, em maior ou menor grau, a
impressão que o autor tem daquilo que descreve, pois não existe texto sem intenção: “O
santeiro, velho magro de carapinha branca estendia-se em detalhes: uma negra, vendedora
de mingau, acarajé, abará e outras comilanças, tinha um importante assunto a tratar com

188 • capítulo 5
Quincas naquela manhã.” (AMADO, Jorge. A morte e a morte de Quincas Berro D’água.)
Já a descrição subjetiva é aquela em que o observador emite juízos de valor, salienta
determinadas características que o impressionam. Portanto, o que está sendo descrito é
filtrado pelo observador; interessa o que ele quer ver, como ele vê, a exemplo tem-se a des-
crição literária, como em São Bernardo, de Graciliano Ramos:

“Começo declarando que me chamo Paulo Honório, peso oitenta e nove quilos e completei cin-
quenta anos pelo São Pedro. A idade, o peso, as sobrancelhas cerradas e grisalhas, estes rostos
vermelhos e cabeludos têm-me rendido muita consideração. Quando me faltavam essas qualida-
des, a consideração era menor.”

CURIOSIDADE
Na descrição subjetiva, a interferência do autor é sempre maior e costuma ser caracterizada pela emissão
de juízos de valor. Já na descrição objetiva, o autor interfere menos, tentando nos passar uma imagem mais
próxima ao real, evitando os julgamentos pessoais.

A articulação textual: narrativo e descritivo

A narrativa corresponde à finalidade do “que é contar?”, e para fazê-lo, descreve ao mesmo


tempo ações e qualificações, utilizando, assim, os modos de organização do discurso nar-
rativo e descritivo. Descritivo e narrativo distinguem-se pelo tipo de visão do mundo que
constroem e pelos papéis desempenhados pelo sujeito que descreve ou narra.
O descritivo faz o ser descobrir um mundo que se presume existir como um estar-aí que
se apresenta como tal, de maneira imutável. O narrativo, ao contrário, leva o ser a descobrir
um mundo que é construído no desenrolar de uma sucessão de ações que se influenciam
umas às outras e se transformam num encadeamento progressivo.
A ideia central de um parágrafo descritivo é um quadro, ou melhor, um fragmento da-
quilo que está sendo descrito (uma pessoa, uma paisagem, um ambiente), visto sob deter-
minada perspectiva, em um determinado momento.
A descrição constitui uma forma de organização sequencial que pode ser inserida em
diferentes tipos de discurso, sendo no interior dos discursos da ordem do narrar (geral-
mente na sequência narrativa) que a tradição e o uso identificam as sequências descritivas,
ocorrendo uma articulação entre os segmentos narrativos e descritivos, que pode ser anali-
sada de forma a perceber frases que expressam a progressão cronológica dos acontecimen-
tos e outras que apresentam características do quadro em que se inscreve essa progressão.
Na realidade, existem três operações que definem a descrição: identificação, localiza-
ção e qualificação.

A função persuasiva da descrição

A verossimilhança (semelhança com a verdade ou realidade) muitas vezes é utilizada como


recurso de persuasão. Uma descrição rica em detalhes, nomes completos, idades e cená-
rios, cria a impressão de realidade, auxiliando no convencimento em favor de alguma cau-

capítulo 5 • 189
sa. Busca-se provocar a sensibilidade do interlocutor a fim de se conseguir dele a adesão à
determinada forma de pensar e, quem sabe, agir.
Koch (2013:65) afirma em razão dos diversos tipos de textos que não há nenhum tipo
de texto neutro, objetivo, imparcial: “os índices de subjetividade se introjetam no discurso,
permitindo que se capte a sua orientação argumentativa”.
Dessa forma, ao se observar uma sequência descritiva, depreende-se pela seleção lexical
o ponto de vista do narrador do texto na tentativa de persuadir o seu interlocutor:

“O réu ameaçava a vítima que, aos gritos, clamava por não ser morta. Ele pediu as joias e, ao ouvir
a negativa da vítima, que dizia não possuir nenhuma, não teve dúvida: com frieza desumana, puxou
o gatilho do revólver encostado à cabeça da vitimada, prostrando-a no chão sem vida, de forma
cruel, por motivo absolutamente fútil.” (RODRÍGUEZ, 2002, p.178)
“O réu, no intento de roubar, pediu à vítima joia e dinheiro. Assustado, temeroso e alterado, pois
não é bandido profissional, mas incidentalmente cometendo aquele equívoco, ouviu a ríspida ne-
gação da vítima e, supondo tendo ela chance de reação, que por certo poria sua vida em risco, em
um ímpeto de emoção e medo apertou o gatilho, temendo por sua sobrevivência.”

(RODRÍGUEZ, Víctor. A argumentação jurídica. Técnicas de persuasão e lógica informal.


São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 178).

Nos parágrafos em análise, há duas narrativas da mesma cena, e cada narrador a descreve
exatamente como se tinha passado. Não é que um tenha visto uma coisa e o outro, outra di-
ferente, mas cada um a descreveu com um ponto de vista diferente (acusatório e defensivo).
O autor tem, portanto, de selecionar e ordenar adequadamente os elementos a serem
incluídos no texto, tendo como diretriz, nesse processo decisório, o objetivo com que o tex-
to é produzido. Afinal, todo tipo de texto tem um objetivo; por essa razão, ao se interpretar
um fragmento descritivo em outro tipo de texto, deve-se procurar identificar a motivação
subjacente à seleção e ordenação do objeto descrito.

ATENÇÃO
Descrever é pintar um quadro, retratar um objeto, uma personagem, um ambiente. A descrição difere da
narração fundamentalmente por não se preocupar com a sequência de ações, com o desenrolar do tempo.
A descrição enfrenta um ou vários objetos, uma ou várias personagens, uma ou várias ações, em um de-
terminado momento, em uma mesma fração da linha cronológica. É a foto de um instante. Sendo assim, a
descrição é o “retrato verbal” de seres (pessoas, objetos), paisagens ou situações; trabalha com imagens,
permitindo uma visualização do que está sendo descrito.

RESUMO
O texto descritivo pode ser conceituado como o que descreve, fazendo uma representação verbal de um
objeto (ser, coisa, circunstância do acontecimento do fato, paisagem), por meio da indicação dos seus
aspectos mais característicos, dos seus atributos, dos pormenores que o individualizam, que o distinguem.

190 • capítulo 5
LEITURA
Vidas secas
Vidas Secas, romance publicado em 1938, retrata a vida miserável de uma família de retirantes sertane-
jos obrigada a se deslocar de tempos em tempos para áreas menos castigadas pela seca. O estilo seco
de Graciliano Ramos, que se expressa principalmente por meio do uso econômico dos adjetivos, parece
transmitir a aridez do ambiente e seus efeitos sobre as pessoas que ali estão. O livro consegue desde
o título mostrar a desumanização que a seca promove nas personagens, cuja expressão verbal é tão
estéril quanto o solo castigado da região. A miséria causada pela seca, como elemento natural, soma-se
à miséria imposta pela influência social, representada pela exploração dos ricos proprietários da região.
Os retirantes, como o próprio nome indica, estão alijados da possibilidade de continuar a viver no espaço
que ocupavam. São, portanto, obrigados a retirar-se para outros lugares. Uma das implicações dessa vida
nômade dos sertanejos é a fragmentação temporal e espacial.

A descrição também está a serviço de outras artes, como a pintura, a fotografia e a escultura.
A Pietá, de Michelangelo, é talvez a mais conhecida e uma das mais famosas esculturas
feitas pelo artista. Representa Jesus morto nos braços da Virgem Maria.
Observá-la permite perceber a descrição da dor de uma mãe ao ter nos braços o filho morto.
Vitalino Pereira dos Santos, conhecido como Mestre Vitalino, artesão ceramista brasi-
leiro, filho de lavradores, ficou conhecido por retratar em seus bonecos de barro cenas que
descrevem o folclore do povo nordestino, especialmente do interior de Pernambuco, e o
modo de vida dos sertanejos.
Johann Moritz Rugendas (Augsburg, Alemanha 1802 - Weilheim, Alemanha, 1858). Pin-
tor, desenhista, gravador.

Características e construção do texto dissertativo:


expositivo e argumentativo

“Tudo é e não é” (Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas)

Texto dissertativo expositivo

Leia o trecho abaixo, retirado de uma tira humorística.

— Estatuto?! O que é isso?


— Já vi que não é de comer...
— Calma! Eu explico!
— Estatuto é um conjunto de regras, que são as leis, e está previsto na constituição de 1988, no
artigo 227, para defender os direitos da criança e do adolescente...
— É ele que garante as facilidades e oportunidades para que nós cresçamos com liberdade e
respeito

capítulo 5 • 191
A dissertação-expositiva, também chamada de texto expositivo ou exposição, é o tipo de
texto em que são apresentadas as informações a respeito de um determinado tema ou as-
sunto. Esse tipo de texto é o mais utilizado em textos acadêmicos, científicos, jornalísticos,
informativos, objetivos, técnicos.
No exemplo dado, tem-se esse tipo de texto porque a personagem apenas informa ou
esclarece o que vem a ser o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Assim, o texto dissertativo analisa e interpreta a realidade a partir de conceitos abstra-
tos (científicos, filosófico, religiosos) e pode adotar duas caracterizações mais gerais: uma
centrada no sujeito que expressa determinada opinião – subjetiva; e outra centrada na pró-
pria opinião e em sua fundamentação – objetiva.
Dessa maneira, a dissertação deve apresentar um discurso generalizante, dirigido a um
interlocutor de perfil genérico, por essa razão que os textos expositivos são os mais utili-
zados em discursos da ciência, da filosofia, em livros didáticos, em divulgação científica.
Quanto à sua estrutura, deve apresentar três momentos: introdução, desenvolvimento e
conclusão. Repare a função de cada um desses elementos:

Apresenta-se o assunto que será o objeto da dissertação, o tema,


Introdução a matéria a ser discutida. Essa introdução é de caráter geral. Geral-
mente, é o primeiro parágrafo.

Alinham-se ideias, fatos, exemplos, comparações, citações, argu-


mentos, com que o autor pretende demonstrar seu ponto de vista.
Desenvolvimento É a parte mais importante porque se passa da generalização para
a especificação. É essencial que esses itens específicos estejam
em uma ordem lógica.

É o último parágrafo do texto e nele se dá o desfecho do assunto


Conclusão abordado.

Leia o texto abaixo – “Cidade: sincretismo do mundo” – que trata do tema da multipli-
cidade das cidades:

Cada cidade é um mundo em miniatura onde coexistem os mais diferentes tipos humanos, arqui-
tetônicos e naturais. Com seu dinamismo, a cidade atrai e expele, glorifica e massacra, dá a vida
e também tira de seus filhos, sejam eles naturais ou adotivos. Somos nela criados, somos por ela
educados, sentimo-nos estrangeiros fora da nossa cidade – ela é o centro da nossa existência.
Miscigenação de raças, classes sociais e profissionais, desenhos habitacionais cotidianos e irre-
gulares, sede do poder e da pobreza, o centro urbano reúne em si vitória e derrota, felicidade e
dor, contradição. Há o que busca a vida tranquila na Rocinha, há o que busca apenas o lazer no
shopping center, o reduto mundial do consumismo. Cidade é permissão. Cidade é coação. “Faz o
que tu queres, mas serás julgado por tudo.” A cidade é o espaço singular onde nascemos, vivemos
e morreremos; que conhecemos tão bem, mas que explicamos sem explicar. A cidade ou não tem
explicação, ou permite todas as explicações.

192 • capítulo 5
O espaço urbano é construído com base nos tipos que nele habitam ou são os tipos moldados
pelo ambiente? Local da multiplicidade, da integração e da discórdia, o sincretismo urbano é, para
muitos, o sonho da mudança acertada, o caminho da felicidade. É São Paulo para os sertanejos.
É o Rio de Janeiro para Macabeia: é cidade feita contra pessoas. Visão ingênua deste mundo
contraditório, ela representa a realização do sonho das massas. A cidade, em sua grandiosidade,
é protetora e é perversa, é a paz é o inferno, é a certeza e é a contradição. Há a possibilidade
de se filosofar sobre ela, de divagar sobre seus prós e seus contras, sobre seu bem e sobre seu
mal. Todavia, conhecer uma cidade é como conhecer uma pessoa: é vivê-la, é sofrê-la, é amá-la.
A cidade é a nossa própria vida.
Tanto é nossa vida que está em nós. Está em nossas roupas, em nosso jeito de ser, em nossos
gostos, em nossa falta. O porto-alegrense é um singular. Ao florianopolitano não tem igual: é o
mané da ilha, Guga para o mundo. Quem confunde um carioca e um soteropolitano? Cidade é a
identidade. Somos nossa cidade, somos estrangeiros fora dela. Curitibano em Manaus é brasileiro
no Japão – ambos expatriados porque o fixo e o fluxo de Curitiba e de Manaus são opostos, como
os do Brasil são do Japão. Uma cidade forma-se de pessoas, partículas homogêneas que, todas
juntas com suas diferenças, dão o ar heterogêneo que é a cara da cidade.
Mundo, vasto mundo: teu início é na minha cidade, ainda que a cidade não seja minha. Com a glo-
balização que conectou todo o globo, as fronteiras fecharam-se mais e mais. O mundo todo está
em todas as cidades, enquanto cada uma tenta manter-se sua: espaço múltiplo, porém restrito.
Cada cidade é de cada um que a tem como sua. Cidade é propriedade, a cidade é pública.

JUNKES, Larissa. “Cidade: sincretismo do mundo”. Vestibular Unicamp. In: Redações 2004 Cam-
pinas: Unicamp, 2004. p. 77-80. Disponível em: http://concursos.urisantiago.br/saopedro/pro-
vas2/ Arquiteto.pdf, acessado em 20/9/2014.

CONCEITO
Sincretismo
Fusão de elementos culturais diversos, ou de culturas distintas, ou de diferentes sistemas sociais.

Após a leitura do texto, percebe-se que a autora organiza uma estrutura argumenta-
tiva com o objetivo de demonstrar ao leitor a diversidade como um elemento constitu-
tivo das cidades.
No primeiro parágrafo, tem-se a Introdução com a apresentação da tese a ser defendida
– “a cidade é um mundo em miniatura”, destacando a importância da cidade na vida de
seus habitantes.
No segundo parágrafo, a autora enumera várias características observadas nas cidades,
que por si sós, já constituem argumentos para sustentação da tese de que a cidade é o espa-
ço do múltiplo – “é um mundo em miniatura”.
No terceiro parágrafo, por meio de uma pergunta retórica – “O espaço urbano é construí-
do com base nos tipos que nele habitam ou são os tipos moldados pelo ambiente?” – a autora
continua a enumerar os aspectos observáveis nos centros urbanos que reiteram sua diversi-
dade no que se refere às condições de vida presente e às perspectivas de vida futura, servindo
essas observações como argumentos para a defesa da análise que está sendo construída.

capítulo 5 • 193
No quarto parágrafo, a autora apresenta argumentos por exemplos que reafirmam o
que foi dito antes, dando-lhes uma função argumentativa.
No quinto parágrafo, a autora, fazendo a citação de um verso do “Poema de Sete Faces”
de Drummond, em forma de vocativo para cidade, retoma por meio da intertextualidade a
tese apresentada no primeiro parágrafo “a cidade é um mundo em miniatura”, para con-
cluir a defesa de sua tese.
Nota-se que a autora, em todos os parágrafos, reafirma a sua tese principal e que ini-
cialmente ela faz uma afirmação mais generalizante sobre a cidade e, em seguida, reúne
os exemplos que comprovam a verdade do que foi dito, razão por que eles têm uma função
argumentativa no texto.

Texto dissertativo-argumentativo
Diferentemente do dissertativo-expositivo, cujo propósito principal é expor, explicar ou in-
terpretar ideias, o dissertativo-argumentativo visa, sobretudo, a persuadir o leitor ou o ou-
vinte. No dissertativo-argumentativo, além da análise cuidadosa e detalhada de um tema,
espera-se que o texto também apresente os argumentos para a defesa do ponto de vista.
Em razão desses dois tipos de textos, Othon M. Garcia (2010:370) explica que, na dis-
sertativo-expositiva, expressa-se o que se sabe ou o que se acredita saber acerca de um de-
terminado assunto, externando-se uma opinião sobre o que é ou parece ser. Já no disser-
tativo-argumentativo, além disso, procura-se principalmente formar a opinião do leitor ou
do ouvinte, tentando convencê-lo e persuadi-lo de que a razão está com o argumentador, e
que ele é quem está de posse da “verdade”. O texto argumentativo sempre estabelece uma
polêmica com aqueles que defendem uma tese contrária à apresentada.
Assim, estabelece-se a seguinte diferença entre estes tipos de textos: explicar uma ver-
dade ou tese, em uma visão racional, para influenciar o interlocutor, para convencê-lo (dis-
sertativo-expositivo ou expositivo) ou persuadi-lo (dissertativo- argumentativo).
Quanto à linguagem do texto dissertativo-expositivo ou dissertativo-argumentativo pre-
domina o uso dos verbos no presente do indicativo – por não ter esse tempo verbal conota-
ção temporal –, ou seja, ele não faz referência a acontecimentos ocorridos. Deve-se evitar
também o uso das formas em primeira pessoa (eu/nós) no texto dissertativo para que não
seja visto como expressão de um olhar subjetivo, particular, mas sim como uma argumen-
tação racional, válida para todas as pessoas.
Sendo assim, o texto dissertativo-argumentativo visa a defender uma tese ou ponto de
vista e é classificado como argumentativo porque nele o argumentador precisa desenvolver
argumentos a fim de comprovar a sua tese, por isso apresenta sempre dois elementos fun-
damentais, a saber: Tese e Argumentos.

ATENÇÃO
Persuadir significa convencer alguém a aceitar uma ideia, acreditar em algo, agir de uma determinada ma-
neira. A persuasão sempre envolve a utilização de argumentos no contexto da interlocução, visto que um
dos interlocutores procura influenciar o outro.

194 • capítulo 5
CONCEITO
Tese
É o ponto de vista ou posicionamento a ser defendido pelo argumentador.

Argumento
É a fundamentação da tese ou as razões ou justificativas evocadas com o objetivo de demonstrar a vali-
dade da tese.

Com efeito, produzir um texto argumentativo equivale a inserir-se em um debate, em


uma disputa de opiniões conflitantes. Ao argumentar a favor de uma determinada opinião,
está-se também, ao mesmo tempo, argumentando contra todas as possíveis opiniões con-
trárias. Em um texto argumentativo, portanto, o argumentador não apenas defende o seu
ponto de vista, mas também ataca os pontos de vista contrários.
É por isso que, nesse tipo de texto, estão presentes pelo menos estas duas vozes ou pon-
tos de vista distintos: a voz do argumentador (que defende a tese apresentada no texto) e a
voz do indivíduo ou grupo que defende a tese contrária.
Leia o texto argumentativo abaixo, que apresenta uma visão possível, mas que não ex-
clui outras, certamente.

“O adolescente infrator vem sendo bombardeado pela mídia como um dos grandes responsáveis
pelo crescente aumento da violência e da marginalidade. São colocados como chefes de qua-
drilhas com condições suficientes para o discernimento necessário à imputabilidade. A solução
para o problema parece ser a diminuição da maioridade penal, o que significaria a alteração do
artigo 228 da Constituição da República Federativa do Brasil/88 e do artigo 27 do Código Penal.
Acreditam os que defendem essa tese que isso alteraria substancialmente a segurança no país.
Parece um pouco ingênuo esse posicionamento porquanto, se assim o fosse, não haveria maior
criminoso, visto que há punibilidade prevista para o maior de dezoito anos. É preciso que se escla-
reça que o menor não fica impune aos atos que pratica, pois por isso o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) elenca uma série de medidas socioeducativas para recuperá-lo e adequá-lo
à vida em sociedade, o que na maioria dos casos foi subtraído por toda uma injustiça social que
há muito campeia neste país.
Sobre essa questão, há dois pontos que merecem atenção. De um lado, se a função do Estado
é garantir a dignidade da pessoa humana, parece mais razoável que se invista no cumprimento
do disposto no artigo 227 da CRFB/88, proporcionando um ambiente saudável para a formação
integral do adolescente e respeitando o seu caráter peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Observe-se que o texto utiliza a expressão “absoluta prioridade”:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adoles-


cente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negli-
gência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela
Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

capítulo 5 • 195
Parece que o Estado vem descumprindo a sua parte em garantir esses direitos ao adolescente. E
não se trata de norma programática, mas de um imperativo.
Por outro lado, se os direitos e garantias fundamentais não podem sofrer alterações que venham
a restringi-los, parece lógico que o artigo 228 da CRFB/88 contempla uma garantia individual
da pessoa humana que não pode ser objeto de alteração. É uma garantia ao menor de dezoito
anos que não seja responsabilizado penalmente por seus atos: “São penalmente inimputáveis os
menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.
Enfim, diante da Constituição da República Federativa do Brasil/88, não há que falar em diminui-
ção da maioridade penal. Se o texto constitucional contempla a dignidade da pessoa humana, a
diminuição da idade para responsabilização penal, divorcia-se do mandamento que determina o
respeito à condição peculiar do adolescente, de pessoa em desenvolvimento. Ademais, a ques-
tão dos direitos fundamentais do adolescente é uma prioridade para um Estado que tem de se
preocupar com as futuras gerações. A dimensão social do texto não pode ser negligenciada. A
formação de uma nova geração depende da intenção política de se fundar um Estado em que a
felicidade não seja uma ficção ou uma referência aos autores clássicos do Direito.”

(CHALITA, Gabriel. “Heurística e direito”. In. Hermenêutica Plural. 2002, p.235-237, com adaptações.)

1. Introdução - Formulação de tese


Ao se escrever um texto dissertativo-argumentativo, o ponto de partida será a formulação
de uma tese. A tese é a ideia principal que se pretende defender no decorrer do texto a ser
produzido. Ela deve estar relacionada ao tema da proposta apresentada e ser apoiada por
argumentos válidos e consistentes em busca da persuasão dos leitores ou ouvintes. A tese
deve, pois, ser clara, definida, quanto ao que afirma ou nega e deve ser suficientemente
específica para permitir uma tomada de posição contra ou a favor, pois é fato que a argu-
mentação tem um caráter dialético, pois implica uma resposta da parte do receptor, um
confronto de pontos de vista.
No primeiro parágrafo do fragmento em estudo, tem-se a apresentação da tese do autor
– contra a diminuição da maioridade penal, reforçada no início do segundo parágrafo, já no
desenvolvimento: “Acreditam os que defendem essa tese que isso [...]”.
O primeiro parágrafo cria assim uma expectativa do que deverá ser demonstrado pelo
texto para comprovar a tese anunciada.

2. Desenvolvimento - Formulação dos argumentos


No desenvolvimento do corpo do texto dissertativo-argumentativo, será feita a formulação
dos argumentos que constitui a argumentação propriamente dita. É o momento no qual o
autor apresenta as provas ou razões que são o suporte de suas ideias.
Os argumentos devem se basear em fatos (exemplos, comparações, ilustrações, decla-
rações, narrações, citações). Também devem ser fundamentados os argumentos contrários
à tese apresentada, momento este em que o argumentador passa à contestação ou à refu-
tação da possível tese contrária àquela formulada por ele, para que a sua argumentação
torne-se mais convincente e persuasiva.
Observa-se que, no segundo parágrafo do desenvolvimento, ao fazer uso de um argu-
mento de concessão - “Acreditam os que defendem essa tese que isso alteraria substan-

196 • capítulo 5
cialmente a segurança no país. Parece um pouco ingênuo esse posicionamento[...]” “[...]
se assim o fosse, não haveria maior criminoso[...]” e de autoridade- CRFB/88 e do ECA -,
o argumentador continua a enumerar argumentos sobre a tese proposta, articulando-os
entre os demais parágrafos para defesa e análise da tese que está sendo construída - não
diminuição da maioridade penal, como a demonstração das razões pelas quais se afigura
mais consistente com as normas e princípios constitucionais.
Nesse parágrafo, o argumentador se propõe a refutar a tese oposta à sua. Para isso, ele preci-
sa desacreditar os argumentos da parte adversa: “Acreditam os que defendem essa tese que isso
alteraria substancialmente a segurança no país. Parece um pouco ingênuo ... dezoito anos”.
O terceiro parágrafo enfatiza novamente o argumento de autoridade, ao discorrer sobre
a importância da garantia do Princípio da dignidade da pessoa humana, julgando-se ser
mais razoável que se invista no cumprimento do disposto no artigo 227 da CRFB/88, objeti-
vando-se assim a sustentação da tese principal.
Na verdade, em todos os parágrafos do desenvolvimento, o produtor do texto reafirma a
tese principal, sempre com base no argumento de autoridade e na responsabilização social
do Estado em relação aos adolescentes infratores.

3. Conclusão - Confirmação da tese


Ao final da formulação dos argumentos, segue-se a conclusão, sem a qual a argumenta-
ção ficará vaga; e que deve ser iniciada por conjunções conclusivas ou locuções conjuntivas
conclusivas, como: logo, portanto, assim, enfim, por isso, por conseguinte, isso posto. Po-
de-se também iniciar esse trecho final da argumentação, fazendo uso de locuções conjunti-
vas consecutivas, como: de modo que, de forma que, ao passo que, de sorte que.
A conclusão se constrói naturalmente das provas arroladas, dos argumentos apresen-
tados. Sendo um fechamento do texto, deve também propor, neste elemento, sempre que
possível, a solução do problema, a partir dos pontos já levantados durante o texto produzi-
do e a retomada e confirmação da tese.
Na conclusão do texto em análise, o argumentador reafirmou a tese principal - da não
diminuição da maioridade penal -, citando, mais uma vez, o texto constitucional que con-
templa a dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais do adolescente e apresen-
tando como solução uma maior prioridade do Estado sobre esse tema por ser responsabili-
dade deste a preocupação com as futuras gerações.
Constata-se, no texto dissertativo-argumentativo sobre a Redução da Maioridade Penal,
que o argumentador não apresentou um argumento sequer a favor da redução da maiori-
dade penal. Em vez disso, ocupou-se de combater e desconstruir, por meio de um questio-
namento, um dos argumentos daqueles que são a favor dessa redução.

CONCEITO
Argumento de autoridade
É o argumento baseado na opinião de um especialista ou nas diversas fontes do Direito.

Argumento por Concessão


É um tipo eficiente de contra-argumentação. Essa estratégia é executada em duas etapas. Em primeiro
momento, o argumentador dá a impressão de concordar com o seu adversário, isto é, ele parece conceder

capítulo 5 • 197
a razão ao seu adverso (daí o nome concessão); contudo, em seguida, a tese adversária é combatida e
devidamente refutada.

ATENÇÃO
Quanto aos aspectos formais, a dissertação dispensa o uso abusivo de figuras de linguagem, bem como
o valor conotativo das palavras. Por suas características, o texto dissertativo requer uma linguagem mais
sóbria, denotativa, sem rodeios; preferindo-se sempre o uso da terceira pessoa.
Diferentemente da narração, a dissertação não apresenta uma progressão temporal; os conceitos são ge-
néricos, abstratos e, em geral, não se prendem a uma situação de tempo e espaço. Daí o emprego de ver-
bos no presente. Ao contrário também da descrição, que se caracteriza pelo período simples, a dissertação
trabalha com o período composto, com o encadeamento de ideias e, nesse tipo de construção, o emprego
correto dos conectores é fundamental para se obter um texto claro, coeso e coerente.

Características e construção do texto injuntivo


Os textos injuntivos são aqueles cujo objetivo é levar as pessoas a agirem de determinada
maneira, como modo de alcançarem um resultado específico: instalar ou configurar um
aparelho, preparar uma refeição.
Nesse tipo de texto, o conteúdo é sempre algo a ser feito e/ou como ser feito, uma ou
várias ações ou fatos e fenômenos cuja realização é pretendida por alguém.
O texto injuntivo distingue-se de uma sequência narrativa pela ausência de um sujeito
responsável pelas ações a praticar e pelo caráter diretivo no qual as formas verbais específi-
cas dessas frases estão geralmente no modo subjuntivo, infinitivo e imperativo, sendo este
último - o imperativo - o modo mais frequente nesse tipo de texto:

NÃO ESQUEÇA: A DENGUE SE COMBATE TODO DIA.


CONTRA A DENGUE, NÃO DEIXE ÁGUA PARADA.

Desse modo, o texto injuntivo objetiva dizer a ação requerida, desejada, dizer o que e/ou
como fazer e assim incitar o receptor à realização da situação.
Os textos instrucionais se caracterizam pela apresentação de uma série de procedimen-
tos a serem seguidos em uma determinada circunstância e estabelecem uma interlocução
direta com o leitor, como: prescrição médica, bulas de remédio, receitas culinárias, manu-
ais, regras de jogo, guias de uso.
Mas todos os textos instrucionais são considerados injuntivos, porque apresentam
também procedimentos a serem seguidos.
A letra de música “Feijoada Completa” de Chico Buarque apresenta alguma semelhan-
ça com a estrutura de textos instrucionais. Observe:

Mulher, você vai gostar:


Tô levando uns amigos para conversar.

198 • capítulo 5
Eles vão com uma fome
Que nem me contem;
Eles vão com uma sede de anteontem.
Salta a cerveja estupidamente
Gelada para um batalhão
E vamos botar água no feijão.
Mulher, não vá se afobar;
Não tem que pôr a mesa, nem dá lugar.
Ponha os pratos no chão que o chão tá posto
E prepare as linguiças pro tira gosto.
Uca, açúcar, cumbuca de gelo, limão
E vamos botar água no feijão.

Mulher, você vai fritar


Um montão de torresmo pra acompanhar:
Arroz branco, farofa e a malagueta;
A laranja-bahia ou da seleta.
Joga o paio, carne seca,
Toucinho no caldeirão
E vamos botar água no feijão.

Mulher, depois de salgar


Faça um bom refogado,
Que é pra engrossar.
Aproveite a gordura da frigideira
Pra melhor temperar a couve mineira.
Diz que está dura, pendura
A fatura no nosso irmão
E vamos botar água no feijão.

O cantor e compositor Dorival Caymmi também se utilizou do texto instrucional para


fazer uma de suas canções mais conhecidas - Vatapá:

Quem quiser vatapá, ô


Que procure fazer
Primeiro o fubá
Depois o dendê
Procure uma nega baiana, ô
Que saiba mexer
Que saiba mexer
Que saiba mexer
Procure uma nega baiana, ô
Que saiba mexer

capítulo 5 • 199
Que saiba mexer
Que saiba mexer

Bota castanha de caju


Um bocadinho mais
Pimenta malagueta
Um bocadinho mais
Bota castanha de caju
Um bocadinho mais
Pimenta malagueta
Um bocadinho mais
Amendoim, camarão, rala um coco
Na hora de machucar
Sal com gengibre e cebola, iaiá
Na hora de temperar
Não para de mexer, ô
Que é para não embolar
Panela no fogo
Não deixa queimar
Com qualquer dez mil réis e uma nega ô
Se faz um vatapá
Se faz um vatapá
Que bom vatapá

Bota castanha de caju


Um bocadinho mais
Pimenta malagueta
Um bocadinho mais
Bota castanha de caju
Um bocadinho mais
Pimenta malagueta
Um bocadinho mais
Amendoim, camarão, rala um coco
Na hora de machucar
Sal com gengibre e cebola iaiá
Na hora de temperar

Texto argumentativo: construção


do parágrafo-padrão

Entende-se o parágrafo-padrão (GARCIA, 2010:188) como uma unidade de composição


constituída por um ou mais de um período, em que se desenvolve determinada ideia central

200 • capítulo 5
ou nuclear, também chamada de tópico frasal, a que se agregam outras, secundárias, inti-
mamente relacionadas pelo sentido e logicamente decorrentes dela (coesão e coerência).
O parágrafo-padrão é composto de três partes, a saber: a introdução, representada ge-
ralmente por um ou dois períodos curtos iniciais, em que se expressa de maneira sumária
a ideia-núcleo (ou tópico frasal); o desenvolvimento, isto é, a explanação dessa ideia-núcleo;
e a conclusão, mais rara nos parágrafos curtos ou naqueles em que a ideia central não apre-
senta maior complexidade.
Observe:

No aniversário de dez anos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o Ministério da Saúde divulgou
uma triste estatística: 35 mil pessoas, a maioria jovens, morreram em acidentes nas estradas e ruas
do país em 2007. Esse elevado número de mortes revela que a violência no trânsito está longe de ter
um fim. Causados, em grande parte, pela mistura de álcool e velocidade, esses acidentes tiram a vida
de nossos jovens, destroem famílias, mutilam corpos, interrompem sonhos. E exigem de nós atitudes
que visem não apenas à redução do número de acidentes, mas a uma mudança radical de atitude.
“Limites”, de Jorge Picciani, In: O Globo, 20/11/2007

Trata-se de um texto argumentativo, que parte de um problema – a grande quantidade de


pessoas mortas em acidentes de trânsito -, apela para a afetividade a fim de agir sobre o leitor,
em busca da persuasão, e termina com a demonstração de interesse na solução de um proble-
ma que atinge grande número de pessoas, mostrando preocupação e responsabilidade social.
Observe o parágrafo, retirado do livro As formas do falso (1986), de Walnice Nogueira
Galvão, em que a autora faz um estudo sobre a ambiguidade no Grande sertão: veredas, de
Guimarães Rosa:

Dá-se o nome de sertão a uma vasta e indefinida área do interior do Brasil, que abrange boa parte
dos Estados de Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Maranhão, Goiás e Mato Grosso. É
o núcleo central do país. Sua continuidade é dada mais pela forma econômica predominante, que é
a pecuária extensiva, do que pelas características físicas, como tipo de solo, clima e vegetação. Em-
bora uma das aparências do sertão possa ser radicalmente diferente de outra não muito distante – a
caatinga seca ao lado de um luxuriante barranco de rio, o grande sertão rendilhado de suas veredas
–, o conjunto delas forma o sertão, que não é uniforme, antes bastante diversificado.

Nesse parágrafo em estudo, pode-se extrair como ideia central a caracterização do ser-
tão e como ideias que giram em torno da ideia central as seguintes: a localização geográfi-
ca, a economia predominante, as várias configurações do sertão, o conjunto formado.
Ao se analisar a estrutura desse parágrafo, percebe-se esta ideia central. “Dá-se o
nome de sertão a uma vasta e indefinida área do interior do Brasil, que abrange boa parte
dos Estados de Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Maranhão, Goiás e Mato
Grosso.” Essas frases servem de introdução ao parágrafo, apresentando a ideia-núcleo
que será desenvolvida adiante. A essa ideia-núcleo, que inicia o parágrafo, convencionou-
se chamar de tópico frasal.
Em outros exemplos, pode-se encontrar o tópico frasal colocado em até uma frase. Um
tópico frasal claro, objetivo, consistente, é ponta de lança para a obtenção de um parágrafo
bem redigido.

capítulo 5 • 201
Tipos de tópicos-frasais
A expressão “tópico-frasal”, utilizada por Othon M. Garcia (2010:206), é a designação dada
a um ou dois períodos curtos iniciais que contêm a ideia-núcleo do parágrafo em texto dis-
sertativo, dissertativo-argumentativo, descritivo, narrativo e injuntivo. O tópico frasal é uma
maneira bastante prática e eficiente de estruturar o parágrafo, pois já de início expõe a ideia
que se quer passar, a qual é comprovada e reforçada pelos períodos subsequentes.
Dessa forma, o tópico frasal (também chamado de frase-síntese ou período tópico) é o
enunciado mais relevante do parágrafo porque serve de fio condutor do raciocínio, garan-
tindo a qualidade da escrita; coerência, coesão, objetividade e a unidade de significação. A
ideia central ou tópico frasal, geralmente, vem no começo do parágrafo, seguida de outros
períodos que explicam ou detalham a ideia central.
Os tipos mais comuns de tópicos-frasais são aqueles organizados com base em:

Declaração inicial

Afirma-se ou nega-se algo de início para, em seguida, justificar-se e comprovar-se a afirmativa


com exemplos, comparações, testemunhos de autores. Essa é a maneira mais comum de ini-
ciar um parágrafo: as ideias secundárias desenvolvem a ideia-núcleo, contida na primeira frase:

“É um grave erro a liberação da maconha. Provocará de imediato violenta elevação do consumo. O Es-
tado perderá o precário controle que ainda exerce sobre as drogas psicotrópicas e nossas instituições
de recuperação de dependentes químicos não terão estrutura suficiente para atender à demanda.”

Enumeração

Forma de indicação de fatos (ou algo), um por um, em uma exposição ou relação metódica:

“Os turistas visitaram o Corcovado, conheceram a Floresta da Tijuca, telefonaram para seus
parentes na Suíça, passearam de bondinho no Pão de Açúcar e tomaram caipirinha na beira
da praia de Copacabana”.

Machado de Assis (1992), no capítulo XLV das Memórias póstumas de Brás Cubas, utili-
zou este tipo de tópico frasal na fala em que a personagem-título fala do enterro de seu pai:

“Soluços, lágrimas, casa arrumada, veludo preto nos portais, um homem que veio vestir o cadáver,
outro que tomou a medida do caixão, caixão, essa, tocheiros, convites, convidados que entravam,
lentamente, a passo surdo, e apertavam a mão à família, alguns tristes, todos sérios e calados,
padre e sacristão, rezas, aspersões de água benta, o fechar do caixão, a prego e martelo, seis pes-
soas que o tomam da essa, e o levantam, e o descem a custo pela escada, não obstante os gritos,
soluços e novas lágrimas da família, e vão até o coche fúnebre, e o colocam em cima e trespassam
e apertam as correias, o rodar do coche, o rodar dos carros, um a um... Isto que parece um simples
inventário, eram notas que eu havia tomado para um capítulo triste e vulgar que não escrevo”.

202 • capítulo 5
Esse capítulo, intitulado “Notas”, enumera coisas, ações e circunstâncias relaciona-
das a um enterro, evitando frases completas. Como diz o próprio narrador, trata-se de um
inventário (= enumeração) dos elementos que constituiriam o capítulo e não do capítulo
propriamente dito que, aliás, Brás Cubas diz que não escreve. Mas é claro que escreveu:
estamos falando sobre ele.”

Descrição de detalhes

Tópico frasal desenvolvido por descrição de detalhes é o processo típico do desenvolvimen-


to de um parágrafo descritivo:

“Entreabriu a porta, mergulhou na faixa de luz que passou pela fresta, correu o trinco devagarinho.
Avançou, temendo esbarrar nos móveis. Acostumando a vista, começou a distinguir manchas: cadeiras
baixas e enormes, que atravancavam a saleta. Escorregou para uma delas, o coração aos baques, o
fôlego curto. Afundou no assento gasto. As rótulas estalaram, as molas do traste rangeram levemente.
Ergueu-se precipitado, encostou-se à parede, com receio de vergar os joelhos. Se as juntas fizessem
barulho, os moradores iriam acordar, prendê-lo. Achou-se fraco, sem coragem para fugir ou defen-
der-se. Acendeu a lâmpada e logo se arrependeu. O círculo de luz passeou no assoalho, subiu numa
cadeira e sumiu-se. A escuridão voltou. Temeridade acender a lâmpada.
(Graciliano Ramos, “Um ladrão”)

Nesse parágrafo, há uma descrição de caráter visual, que se fixa em uma imagem, como
objeto de uma descrição: “cadeiras baixas e enormes, que atravancavam a saleta; o coração
aos baques, o fôlego curto”.

Oposição

A estratégia do parágrafo de oposição na contra-argumentação consiste em combater e


desconstruir o ponto de vista do adversário, isto é, em vez de argumentar diretamente a fa-
vor da sua tese, argumenta-se contra o posicionamento do adversário. Esse questionamen-
to tem o objetivo de contestar o raciocínio do adversário, buscando invalidar a tese dele:

[...] “Acreditam os que defendem essa tese que isso alteraria substancialmente a segurança no
país. Parece um pouco ingênuo esse posicionamento porquanto, se assim o fosse, não haveria
maior criminoso, visto que há punibilidade prevista para o maior de dezoito anos. É preciso que
se esclareça que o menor não fica impune aos atos que pratica, pois por isso o Estatuto da
Criança e do Adolescente elenca uma série de medidas socioeducativas para recuperá-lo e
adequá-lo à vida em sociedade, o que na maioria dos casos foi subtraído por toda uma injustiça
social que há muito campeia neste país”.

Razões

No desenvolvimento apresentam-se as razões, as causas e as consequências que compro-


vam o que se afirma no tópico frasal:

capítulo 5 • 203
“A maior parte da classe política não goza de muito prestígio e confiabilidade por parte da popula-
ção. A causa para isso pode ser o fato dos inúmeros escândalos de corrupção e o enriquecimento
ilícito por parte dos eleitos. Em consequência, os grandes problemas que afligem o povo brasileiro
deixam de ser convenientemente discutidos”.

Divisão

Apresenta-se a divisão do todo em partes, isto é, a ideia-núcleo é subdividida e desenvolvi-


da por meio de ideias secundárias. A divisão é método eminentemente didático, pelo qual
o tópico frasal apresenta-se na forma de sequência de elementos ou de itens, que serão
desenvolvidos no mesmo parágrafo ou em parágrafos distintos. Muitas vezes, a divisão é
antecedida de uma definição:

“Predominam ainda no Brasil duas convicções errôneas sobre o problema da exclusão social: a
de que ela deve ser enfrentada apenas pelo poder político e a de que a sua superação envolva
muitos recursos extraordinários. Experiências relatadas mostram que o combate à marginali-
dade social em Nova York vem contando com intensivos esforços do poder público e ampla
participação da iniciativa privada”.

Exemplificação

Trata-se de apresentar exemplos concretos que ajudem a sustentar uma determinada posição.
No parágrafo abaixo, o argumentador se posiciona contra a pena de morte e, para sustentação
da tese dele, recorreu à exemplificação, citando os casos dos Estados de Geórgia e do Canadá:

“É preciso recusar a pena de morte por esta razão muito simples: ela não reduz os índices de
criminalidade. Basta observar a experiência dos países que a adotam. O Estado americano da
Geórgia, maior aplicador de pena capital, tem 20% mais homicídios que a média nacional. No
Canadá, entretanto, a criminalidade caiu em 27% depois que a pena de morte foi abolida”.
Disponível em: http://www.dhnet.org.br/abc/onu/onu_humana_ global_onu.pdf, acessado em 17/8/2014

Definição

Muitas vezes, o tópico frasal apresenta-se sob a forma de definição, o que lhe confere ca-
racterística didática. O objetivo do parágrafo é definir a ideia-núcleo ou principal – o artigo
constitucional– e as ideias secundárias explicam a definição expressa pela ideia-núcleo:

“O mito, entre os povos primitivos, é uma forma de se situar no mundo, isto é, de encontrar seu
lugar entre os demais seres da natureza. É um modo ingênuo, fantasioso, anterior a toda refle-
xão e não crítico de estabelecer algumas verdades que não só explicam parte dos fenômenos
naturais ou mesmo a construção cultural, mas que dão, também, as formas da ação humana”.

204 • capítulo 5
Citação

Neste parágrafo, há uma citação direta de dados levantados pelo IBGE:

Brasil tem mais ex-fumantes do que fumantes, diz IBGE:


O número de ex-fumantes supera o de fumantes no Brasil. O País tem 24,6 milhões de fumantes,
o equivalente a 17,2% da população adulta. Por outro lado, já possui 26 milhões de pessoas que
deixaram de fumar, a maioria há mais de dez anos”.
Disponível em:www.tabagismohoje.blogspot.com, acessado em 17/8/2014.

Forma do Parágrafo

Quanto à forma, o parágrafo é indicado materialmente na página digitada ou manuscrita


por um ligeiro afastamento da margem esquerda da folha (aproximadamente dois centí-
metros). À semelhança do texto como um todo e do desenvolvimento das teses, cada pará-
grafo também é estruturado em introdução, desenvolvimento e conclusão. Essas partes do
texto são compostas de um ou de vários parágrafos, os quais são constituídos por períodos
que, por sua vez, são constituídos por orações.
Além disso, deve-se respeitar também a utilização da folha em branco do caderno, escre-
vendo sempre até o final de cada linha. Parando-se a qualquer momento da linha constante
da folha de papel, só se for iniciar um novo parágrafo, assim como não se deve pular linhas
entre os parágrafos, quando se tratar de texto manuscrito (com letra cursiva, de próprio pu-
nho, e não digitada). O parágrafo deve apresentar no mínimo, de 4 a 6 linhas e, no máximo, 10
a 11 linhas e devem se apresentar sempre alinhados, um abaixo do outro, na mesma direção.
Lembre-se de que paragrafação única existe somente em atas de reunião.

Tipos de argumentos
A argumentação se baseia em dois elementos principais: a consistência do raciocínio e a
evidência das provas. As evidências referem-se a fatos, exemplos, ilustrações, dados estatís-
ticos, testemunhos (GARCIA, 2010:389).
Ressalta-se, contudo, que cada tipo de argumento tenta convencer ou persuadir o leitor
de uma maneira um pouco diferente. O argumento de autoridade, por exemplo, se sustenta
na credibilidade da palavra do outro, que geralmente é algum filósofo, cientista renomado,
ou ainda alguma pessoa que ocupa ou ocupou um cargo relevante, relacionado ao tema que
se está discutindo. Em contrapartida, no argumento por evidência, o articulista sustenta
sua tese com base em dados que evidenciam que sua tese é verdadeira.
Pode-se pensar também no argumento por comparação, no qual a argumentação se dá
por meio do raciocínio lógico.
Segundo Garcia (2010:389) são cinco os tipos mais comuns de evidência: os fatos pro-
priamente ditos, os exemplos, as ilustrações, os dados estatísticos (tabelas, números, ma-
pas) e o testemunho.

capítulo 5 • 205
Os fatos constituem o elemento mais importante da argumentação em particular, assim como da
dissertação ou explanação de ideias em geral. Os fatos provam, convencem, persuadem, embora
nem todos os fatos sejam irrefutáveis.

Exemplos são fatos típicos ou representativos de determinada situação.


Quando o exemplo se alonga em narrativa detalhada e entremeada de descrições, tem-se a ilustração.

Dados estatísticos são também fatos, mas fatos específicos. Têm grande valor de convicção, cons-
tituindo quase sempre prova ou evidência incontestável.

Testemunho – O testemunho é ou pode ser o fato trazido à colação por intermédio de terceiros.
Se autorizado ou fidedigno, seu valor de prova é inegável. Entretanto, sua eficácia também é
relativa. Mas sua presença na argumentação em geral constitui, desde que fidedigno ou autori-
zado, valioso elemento de prova.

Atente agora para alguns tipos de argumentos:

Argumento pelo absurdo

O argumento por absurdo consiste em levar o interlocutor a uma conclusão absurda para
convencê-lo a admitir uma determinada tese. Ao se admitir a concepção do mal cometido
conscientemente, chega-se pela lógica a conclusões absurdas.
A mais caracterizada argumentação pelo ridículo consiste em admitir momentanea-
mente uma tese oposta àquela que se quer defender, em desenvolver-lhe as consequências,
em mostrar a incompatibilidade dessas com o que se crê e, por outro lado, em pretender
passar daí a verdade da tese que se sustenta.
Exemplifica-se esse tipo de argumento com a fábula do Lobo e o cordeiro, de Esopo
(REBOUL, 2005:145):

Um cordeiro estava bebendo água num riacho. O terreno era inclinado e por isso havia uma cor-
renteza forte. Quando ele levantou a cabeça, avistou um lobo, também bebendo da água.
- Como é que você tem a coragem de sujar a água que eu bebo - disse o lobo, que estava alguns
dias sem comer e procurava algum animal apetitoso para matar a fome.
- Senhor - respondeu o cordeiro - não precisa ficar com raiva porque eu não estou sujando nada.
Bebo aqui, uns vinte passos mais abaixo, é impossível acontecer o que o senhor está falando.
- Você agita a água - continuou o lobo ameaçador - e sei que você andou falando mal de mim no
ano passado.
- Não pode - respondeu o cordeiro - no ano passado eu ainda não tinha nascido.
O lobo pensou um pouco e disse:
- Se não foi você foi seu irmão, o que dá no mesmo.
- Eu não tenho irmão - disse o cordeiro - sou filho único.
- Alguém que você conhece, algum outro cordeiro, um pastor ou um dos cães que cuidam do re-
banho, e é preciso que eu me vingue.

206 • capítulo 5
Então ali, dentro do riacho, no fundo da floresta, o lobo saltou sobre o cordeiro, agarrou-o com os
dentes e o levou para comer num lugar mais sossegado.

MORAL: A razão do mais forte é sempre a melhor.

O argumento pelo absurdo consiste, de modo geral, em se refutar uma asserção, mostran-
do-lhe a falta de cabimento ao contrariar a evidência. É o argumento contrário à razão
ou que está para além dos limites da racionalidade. No exemplo dado, absurdo foi o ar-
gumento do primeiro ao dizer que o cordeiro lhe turvava a água, porque este (o cordeiro)
estava muito mais abaixo.

Argumento por comparação ou analogia

Estabelece o confronto entre duas realidades diferentes, seja no tempo, seja no espaço, seja
quanto às características físicas:

“Há alguns anos a preocupação maior do jovem era casar, constituir uma nova família e obter li-
berdade. Atualmente, ocorre o inverso. Os filhos estão ficando cada vez mais na casa de seus pais,
retardando a sua independência.”

No argumento por comparação ou por analogia, o argumentador pretende levar o au-


ditório a aderir à tese ou conclusão com base em fatores de semelhança, evidenciados pe-
los dados apresentados. A analogia baseia-se, assim, na semelhança entre ideias ou coisas,
procurando explicar o desconhecido pelo conhecido, o estranho pelo familiar.
Observe mais este exemplo:

”Enquanto países como a Inglaterra e o Canadá têm leis que protegem as crianças de ex-
posição ao sexo e à violência da televisão, no Brasil não há nenhum controle eletivo sobre a
programação. Não é de surpreender que muitos brasileiros estejam defendendo alguma forma
de censura sobre a TV aberta.”

Argumento por exemplificação

No argumento por exemplificação, o argumentador baseia a tese ou conclusão em exem-


plos representativos, os quais, por si sós, já são suficientes para justificá-la:

“É inegável que a Internet propicia aos seus usuários um poder fantástico. Pode-se conhecer
as diversas culturas do mundo, utilizar seus serviços, fazer compras, sem falar nas disputadas
salas de bate-papo. Porém é preciso discernir seus sites, o que uma criança e até mesmo um
adolescente, em sua maioria, não é capaz.”

capítulo 5 • 207
Argumento por causa e consequência

No argumento por causa e consequência, a tese, ou conclusão, é aceita justamente por ser
uma causa ou uma consequência dos dados:

“A Zona Rural apresenta inúmeros problemas que dificultam a permanência do homem no cam-
po. As cidades encontram-se despreparadas para absorver esses migrantes e oferecer-lhes
condições de subsistência e de trabalho.”

Estabelece-se, assim, uma relação de causalidade, pois são apresentadas as causas e as


consequências a respeito de determinado fato.

Argumento Pragmático

O argumento pragmático fundamenta-se na relação de dois acontecimentos sucessivos por


meio de um vínculo causal:

“Uma semana após a implantação do Novo Código Nacional de Trânsito, em 1998, os jornais
divulgaram uma estatística que comprovava um decréscimo de acidentes com vítimas da ordem
de 56%. Essa estatística serviu de tese de adesão inicial para a tese principal: a de que o novo
Código era uma coisa boa.“

Para que o argumento pragmático funcione é preciso que o auditório (destinatário/in-


terlocutor) concorde com o valor da consequência.

Argumento de autoridade

No argumento de autoridade, o interlocutor é levado a aceitar a validade da tese ou conclu-


são defendida a respeito de certos dados, pela credibilidade atribuída à palavra de alguém
publicamente considerado autoridade na área do assunto em discussão.
Consiste em fazer uso de frases célebres, ou de trechos escritos de cientistas, técnicos,
artistas, filósofos, políticos, citados em discurso direto ou indireto.
A declaração que confere autoridade ao argumento pode ser introduzida por citação
direta ou indireta. No caso de citação em discurso indireto (paráfrase), cita-se o nome da
pessoa e faz-se um resumo de suas ideias. Quando transcrita em discurso direto, a citação
dever vir entre aspas:

“O cinema nacional conquistou nos últimos anos qualidade e faturamento nunca vistos antes.
‘Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça’ - a famosa frase-conceito do diretor Glauber
Rocha – virou uma fórmula eficiente para explicar os R$ 130 milhões que o cinema brasileiro
faturou no ano passado”. (Época, 14/04/2010)

208 • capítulo 5
Discurso indireto: Paráfrase
Paráfrase é um resumo, cuidadoso e original, do conteúdo da obra ou trecho lido, elabora-
do com as próprias palavras do pesquisador. [...] Deve ser redigida com bastante clareza,
objetividade e exatidão, de modo a possibilitar, no futuro, a sua utilização sem necessidade
de retorno à obra original. (MARCHI, Eduardo Silveira. Guia de metodologia jurídica. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 240).

Argumentos consensuais ou de senso comum

São aqueles em que certas “verdades” aceitas por todos são utilizadas. São afirmações que
não dependem de comprovação, como:

“Atualmente, considera-se a Educação um dos setores mais importantes para o desenvolvimento


de uma nação. É mediante a produção de conhecimentos que um país cresce, aumentando sua
renda e a qualidade de vida das pessoas. Embora o Brasil tenha avançado neste campo nas
últimas décadas, ainda há muito para ser feito. A escola (Ensino Fundamental e Médio) ou a
universidade tornaram-se locais de grande importância para a ascensão social e muitas famílias
têm investido muito neste setor.”

ATENÇÃO
O emprego de argumentos baseados no senso comum, além da baixa informatividade, pode comprometer
a qualidade de um texto dissertativo-argumentativo. Esse tipo de argumento, como visto, consiste em jul-
gamentos que, embora não apresentem base científica, acabam sendo tomados como “verdades sociais”.

Argumentos com provas concretas

Consistem na apresentação de dados estatísticos, de resultados de enquetes, dentre


outros similares:

“Segundo a recente pesquisa da Ação Educativa e do Instituto Paulo Montenegro, com o Ibope,
32,5 milhões de brasileiros acima de 15 anos são analfabetos funcionais, ou seja, apenas deco-
dificam as palavras, mas são incapazes de compreender o que leem e de usar a leitura e a escrita
como instrumentos de ação efetiva nas práticas sociais. E, mais grave, o ensino universitário não
assegura solução, pois 38% dos portadores de diploma de curso superior não alcançam o nível
de alfabetização plena.
É urgente reverter o quadro da leitura no Brasil.”
Disponível em: http://www.stellabortoni.com.br/index.php/4103-leitura- emancipadora. Acesso
em30/9/2014.

capítulo 5 • 209
Alusão histórica

O produtor de texto retoma acontecimentos do passado para explicar fatos do presente.

“Sabe-se que o Brasil, desde antes de proclamar a República, carrega consigo problemas de
várias ordens, inclusive de cunho político. Suas bases foram fundadas em ideologia colonialista,
o que acarreta sérias falhas na estrutura organizacional do país; sucessivos equívocos quanto às
estratégias utilizadas em políticas econômicas a serem adotadas também vieram contribuir para
o quadro que se observa hoje. Daí dizer-se hoje que os brasileiros são, historicamente, vítimas de
um processo que ainda não está terminado.”

Argumento de exemplificação

A exemplificação consiste no relato de um pequeno fato (real ou fictício). Esse recurso ar-
gumentativo é amplamente usado quando a tese defendida é muito teórica e necessita de
esclarecimentos com mais dados concretos.
Leia o exemplo a seguir:

“A condescendência com que os brasileiros têm convivido com a corrupção não é propriamente
algo que fale bem de nosso caráter. Conviver e condescender com a corrupção não é, contudo,
praticá-la, como queria um líder empresarial que assegurava sermos todos corruptos. Somos
mesmo? Um rápido olhar sobre nossas práticas cotidianas registra a amplitude e a profundidade
da corrupção, em várias intensidades.
Há a pequena corrupção, cotidiana e muito difundida. É, por exemplo, a da secretária da repar-
tição pública que engorda seu salário datilografando trabalhos “para fora”, utilizando máquina,
papel e tempo que deveriam servir à instituição. Os chefes justificam esses pequenos desvios
com a alegação de que os salários públicos são baixos. Assim, estabelece-se um pacto: o chefe
não luta por melhores salários de seus funcionários, enquanto estes, por sua vez, não “funcio-
nam”. O outro exemplo é o do policial que entra na padaria do bairro em que faz ronda e toma de
graça um café com coxinha. Em troca, garante proteção extra ao estabelecimento comercial, o
que inclui, eventualmente, a liquidação física de algum ladrão pé-de-chinelo”.
(Jaime Pinksky/Luzia Nagib Eluf. Brasileiro(a) é Assim Mesmo. São Paulo: Contexto. s/d)

Dessa maneira, os exemplos são recursos argumentativos que ajudam a ilustrar a tese
defendida ou uma proposição que sirva de tese de adesão inicial para a tese propriamente
dita. Os argumentos por exemplos, na verdade, são fatos típicos ou representativos de de-
terminada situação.

Argumento por ilustração

O argumento por ilustração difere do de exemplo em razão do estatuto da regra em que um


e outro se apoiam. Enquanto o exemplo fundamenta a regra, a ilustração reforça a adesão
a uma regra conhecida e aceita:

210 • capítulo 5
“Creio que foi Oscar Wilde quem disse certa vez (referindo-se obviamente às pessoas que es-
crevem) que no mundo só existe uma coisa pior do que ser comentado desfavoravelmente: é
não ser comentado.”

Argumento por modelo

O uso do argumento do modelo ocorre quando se considera uma determinada conduta


admirável e se sugere a sua imitação:

“Dizem que, quando Tancredo Neves pretendia ser candidato à presidência da República, houve,
dentro do PMDB, rumores contrários à sua candidatura, alegando ter ele idade avançada. Imedia-
tamente, Tancredo argumentou pelo exemplo, dizendo que, aos “23” anos, Nero tinha posto fogo
em Roma e que, com 71 anos, Churchil tinha vencido os nazistas, na Segunda Guerra Mundial.”

Já o antimodelo é utilizado para demonstrar a repulsa de uma determinada conduta ou


a vontade de provocar a mudança de uma atitude já adotada:

“Pode haver alguns iguais a mim, que me educo mais contrariando os exemplos do que os imitando e
mais deles fugindo do que os seguindo. Nessa espécie de disciplina pensava o velho Catão, quando
disse que os sensatos têm mais que aprender com os loucos do que os loucos com os sensatos; e
Pausânias conta que um velho tocador de lira costumava obrigar seus discípulos a irem ouvir um mau
músico que morava em frente, para aprenderem a odiar suas desafinações e compassos errados [...]”

Argumento de retorsão

O autor utiliza os próprios argumentos do interlocutor para destruí-los. Esse tipo de argu-
mento é, pois, bastante eficiente para tentar invalidar o argumento do outro por meio da
demonstração das suas incoerências.
A retorsão nem sempre precisa estar clara e explicitamente presente no texto; tampouco
o argumentador precisa expressar o que o outro afirmou para usar o argumento a seu favor.
Observe a carta de reclamação e a resposta dada a ela pela secretaria de uma subprefei-
tura da cidade de São Paulo, para entender a retorsão:

Carta do leitor

“Desde novembro estão fazendo uma obra em um imóvel na esquina da Oscar Freire com a Haddock
Lobo, identificada apenas pelas letras SH num tapume. Desde o início, a lei de silêncio é desrespei-
tada, pois eles trabalham aos domingos e feriados e, na semana, em horários impróprios. É impossível
descansar em qualquer dia e horário da semana. Já fizemos várias reclamações ao Psiu, polícia e
subprefeitura, mas tudo leva a crer que o dono do imóvel ou a construtora têm algum poder para que
não se respeite a lei”. J. L. de M. C. - Cerqueira César

capítulo 5 • 211
Resposta da Prefeitura

“Esteja certo de que a construtora não está acima da lei, assim como a Prefeitura, que deve res-
peitar a legislação. A obra no imóvel na esquina citada é regular. Em relação ao barulho, agentes do
Psiu estiveram no local no dia 19 de maio de 2008, constatando que o ruído está dentro do que é
permitido pela legislação. Peço ao leitor que, caso o problema persista, nos avise, para que uma nova
vistoria seja feita.”
(Andrea Matarazzo- Secretaria das subprefeituras (In: O Estado de São Paulo, 9/6/2008)

Argumento ad hominem

Trata-se da estratégia de se desviar da discussão em pauta para criticar de alguma maneira


o próprio adversário – em vez de criticar, refutar ou combater suas ideias. O exemplo abaixo
traz uma situação muito comum em um debate político:

Debatedor 1:
Há fortíssimas evidências de que o senhor está envolvido em um mega escândalo de corrupção.

Debatedor 2:
Quem é o senhor para me criticar? No ano passado, o seu chefe de gabinete foi envolvido no
escândalo do caixa 2 para financiamento de campanha.

TÉCNICAS DE CONTRA-ARGUMENTAÇÃO

A estratégia da contra-argumentação consiste em combater e desconstruir o ponto de vista


do adversário. Ou seja: em vez de argumentar diretamente a favor da sua tese, argumenta-se
contra o posicionamento do rival. Um procedimento semelhante ocorre no texto abaixo.
Observe:

Alguns doutrinadores defendem que reduzir a maioridade penal seria inconstitucional, já que o artigo
60, parágrafo 4º, da Constituição Federal proíbe emendas que venham a abolir direitos e garantias
individuais. Ora, têm-se dois fatores a explanar quanto a esse assunto. O primeiro é: o que é incons-
titucional? Hoje é implementada uma série de emendas constitucionais.
Disponível em: http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp? codnoticia =8216&cod_
canal=48. Acesso em: 17/9/2014.

O exemplo acima é um parágrafo do texto “Impunidade”, no qual se propõe a redução da


maioridade penal no Brasil para 16 anos. Esta é, portanto, a tese defendida no texto. Nota-se
que, no trecho transcrito, o argumentador não apresenta um argumento a favor da redução
da maioridade penal. Em vez disso, ele se ocupa de combater e desconstruir, por meio de um
questionamento, um dos argumentos daqueles que são contrários a essa redução.

212 • capítulo 5
Concessão: refutação e/ou restrição
Um tipo particularmente eficiente de contra-argumentação é a concessão. A concessão é
um recurso discursivo por meio do qual o argumentador concede razão a uma tese contrá-
ria à dele, ou a um argumento a ela favorável, dando impressão de certa empatia para com
o ponto de vista da outra parte, para em seguida invocar um argumento mais forte em favor
da sua tese, ou seja, concordar num aspecto de importância secundária, com um opositor
(real ou imaginário, presente ou ausente, que pode ou não ser o leitor/ouvinte), para em
seguida refutar ou negar a tese adversária.
Logo, essa estratégia é executada em duas etapas. Em um primeiro momento, o argu-
mentador dá a impressão de concordar com o seu rival – ou seja, ele parece conceder razão
ao seu adversário, daí o nome “concessão”. Logo em seguida, contudo, a tese adversária é
combatida e devidamente refutada:

“Muitos dizem que o aborto é uma forma de assassinato, e que a vida deve sempre ser preser-
vada. É verdade. Mas por que, então, o mesmo raciocínio não deve valer para preservar a vida
das milhares de gestantes que acorrem todos os anos a clínicas clandestinas cujos procedi-
mentos “cirúrgicos” não raro resultam em morte?”

No fragmento dado, procura-se defender a tese de que o aborto deve ser legalizado no
Brasil. Em um primeiro momento, o argumentador parece concordar com seus rivais, ou
seja, parece se inclinar contra a legalização do aborto. Essa impressão é transmitida pelo
emprego da expressão “É verdade.” Mas isso dura pouco. Logo em seguida, ele levanta um
questionamento: “Mas por que, então, o mesmo raciocínio […]”
Esse questionamento, claro, tem o objetivo de contestar o raciocínio do adversário e,
em última instância, invalidar a tese rival.

As sequências concessão/restrição e restrição/ concessão


Na construção que utiliza conectores adversativos, estes introduzem a restrição e a ordem
é fixa: concessão-restrição.
A restrição (conectores adversativos) é favorável à tese do argumentador e nega uma
consequência “indesejável” da concessão, tornando-se argumentativamente mais forte do
que esta, pelo simples fato de desempenhar no texto o papel da restrição. Isso significa que
“A mas B” equivale a “A, mas (o que importa é) B:

Paulo é brasileiro, mas prefere Fórmula 1 a futebol.

Na construção que emprega os conectores concessivos, ao contrário, o conector intro-


duz a concessão, por isso se denomina concessivo e há possibilidade de inversão.
Em “Embora seja brasileiro, o Paulo prefere Fórmula 1 a futebol” pode ser reescrita em
outra ordem, passando a

“Paulo prefere Fórmula 1 a futebol, embora seja brasileiro”.

Há um conflito de expectativas entre concessão e restrição. A asserção restritiva irá sempre


contrariar a expectativa gerada pela concessão; já a concessão, com o conector que a introduz
(embora, ainda que) no início da frase, anuncia desde o começo uma quebra de expectativa.

capítulo 5 • 213
Percebe-se que a asserção argumentativamente mais forte é sempre a restrição, que
direciona o leitor/ouvinte para a conclusão a que deseja chegar o argumentador, ou seja,
para a tese. Este concorda com a concessão, porém minimiza sua importância argumen-
tativa em proveito da restrição.

Desconstruindo argumentos: a contra-argumentação


Tente descobrir incoerências ou contradições nos argumentos do interlocutor; se houver,
1 aponte-as e transforme-as em novos argumentos em seu favor.

Sempre que possível, procure se servir de dados e informações (estatísticas, pesquisa, pu-
2 blicações, exemplos da História, comparações com realidades diferentes, citações) capazes
de demonstrar que o argumento do interlocutor é falso ou apenas parcialmente verdadeiro.

Se as afirmações do adversário são generalizantes, demonstre, com um ou mais exem-


3 plos de casos ou situações particulares, que o argumento dele é inconsistente ou apenas
parcialmente verdadeiro quando confrontado com a realidade.

Faça concessões: é possível que você concorde em parte com algumas das ideias do adver-
sário. Nesse caso, é conveniente fazer concessões, isto é, admitir que o outro tem razão em
4 parte. Provavelmente o interlocutor fará o mesmo, o que pode ser um caminho para um acordo,
isto é, para que as partes cheguem a uma posição intermediária entre as ideias divergentes.

Ao final, faça uma síntese dos argumentos do adversário e dos contra-argumentos que
5 você apresentou, demonstrando, de forma global, que o ponto de vista do adversário está
fundamentado em razões equivocadas, falsas ou apenas parcialmente verdadeiras.

CEREJA, William & COCHAR, Thereza. Texto e Interação. 3. ed. São Paulo: Atual, 2009.

Avalie seu texto dissertativo-argumentativo

Observe se seu texto apresenta essas três partes essenciais: introdução (com a tese ou
1 ideia central), desenvolvimento e conclusão;

Se no desenvolvimento, os argumentos fundamentam devidamente a sua tese ou ponto


de vista, estabelecendo relações de causa e consequência, apoiando-se em comparações,
2 depoimentos ou citações de pessoas especializadas no assunto, dados estatísticos, pes-
quisas, alusões históricas;

Se a linguagem empregada está adequada ao tipo de texto, ao público e à situação co-


3 municacional.

214 • capítulo 5
RESUMO
A escolha dos argumentos pelos produtores dos textos dissertativo-argumentativos, como se pôde observar, é
feita a partir do conhecimento dos tipos de argumentos que podem ajudá-los a defender uma determinada tese.
Muitas vezes na falta de conhecimento sobre outras possibilidades de defesa do ponto de vista, os alunos,
como produtores de texto, habituam-se a utilizar sempre o mesmo tipo de argumento. É preciso, contudo,
que exercitem as mais diversas formas de persuadir o leitor, já que em determinadas circunstâncias, o uso
do argumento a que estão habituados pode ser menos eficiente do que outro desconhecido.
Nesse ponto, o ensino de tipos de argumentos é fundamental. Argumentar prescinde também de amadu-
recimento cognitivo-intelectivo.

capítulo 5 • 215
A leitura do

16 texto e a
construção dos
sentidos
6 A leitura do texto e a
construção dos sentidos

— Antigamente eu não gostava de fazer redações, mas agora eu adoro.


— Descobri que o objetivo da criação escrita é insuflar ideias débeis. Obscurecer o raciocínio e
suprimir a clareza.
— Com um pouco de prática, qualquer texto pode se tornar uma coisa intimidante e hermética!
Quer ver minha redação?
— "Dinâmica interpessoal e solilóquios imperativos em João e Maria: um estudo sobre os modos
de gênero psico-transrelacionais."
— Meio acadêmico, aqui vou eu!

O texto acima, retirado de uma tira de Calvin traz uma crítica ao modo de ler e escrever,
que parece estar focado ainda, segundo o aluno, no estudo da forma e dos aspectos formais
da língua, não entendendo o estudante que, ao escrever, ele o faz tendo em vista um inter-
locutor, a intencionalidade/finalidade, adequação da linguagem aos objetivos e ao tipo de
texto eleito. Esse exemplo permite uma reflexão sobre a possibilidade de a leitura não ser
concebida ainda pelo aluno como um ato interlocutivo e dialógico.
Por compreender que o ato de ler e escrever constitui-se em ferramenta básica para o
desenvolvimento integral do indivíduo na sociedade, buscou-se, neste capítulo — A Leitura
do Texto e a Construção dos Sentidos —, ressaltar ao aluno-leitor que a leitura é uma questão
de modos de relações de produção de sentidos, de condições, enfim, de historicidade. O
sentido em que se toma a leitura é, em uma acepção mais ampla, a ideia de interpretação
e de compreensão, seja na escrita ou oralidade. Afinal, a legibilidade está relacionada às
questões de condições, e não de essência.
É preciso, pois, atribuir sentidos para a leitura, porque eles não existem a priori e é pre-
ciso que o aluno-leitor reflita sobre como e por que aqueles objetos produzem, ou não, de-
terminados sentidos.

Leitura, compreensão e produção de textos


A leitura é uma habilidade fundamental para o desenvolvimento de qualquer ser humano,
tanto no cenário profissional quanto no cenário pessoal.
A leitura é como um meio de aproximação entre os indivíduos e a produção cultural, po-
dendo significar a possibilidade concreta de acesso ao conhecimento e intensificar o poder
de crítica por parte do público leitor, e assim expressar os anseios da sociedade.
No mundo moderno e globalizado, inúmeras tarefas dependem dela, desde ler uma
placa na rua até ler uma bula de remédio corretamente. A leitura está presente no coti-
diano das pessoas.
Segundo Koch (2008) "a leitura é uma atividade na qual se leva em conta as experiên-
cias e os conhecimentos do leitor", cabendo, pois, a ele buscar subsídios para compreender

218 • capítulo 6
determinado assunto abordado, por meio de recursos, como o dicionário, pesquisando os
significados de certas palavras e também o interesse em conhecer a biografia do autor, para
ter a possibilidade de desenvolver e organizar as suas próprias ideias, pois um leitor crítico
é também um pesquisador.
A leitura, por um lado, nos fornece ainda a matéria-prima para a escrita: o que escrever.
Por outro, contribui para a constituição de modelos: o como escrever.
Nessa mesma linha de raciocínio, a professora Eliana Yunes afirma que:

O ato de leitura não corresponde unicamente ao entendimento do mundo do texto, seja ele escrito
ou não. A leitura carece da mobilização do universo de conhecimento do outro – do leitor – para
atualizar o universo do texto e fazer sentido na vida, que é o lugar onde o texto realmente está.
Aprender a ler é familiarizar-se com diferentes textos produzidos em diferentes esferas sociais (jor-
nalística, artística, judiciária, científica, didático-pedagógica, cotidiana, midiática, literária, publicitária,
entre outras) para desenvolver uma atitude crítica, quer dizer, de discernimento, que leve a pessoa a
perceber as vozes presentes nos textos e perceber-se capaz de tomar a palavra diante deles.
YUNES, Eliana. Apresentação. In: Tecendo um leitor: uma rede de fios cruzados. Curitiba:
Aymará, 2009. p. 9.

Por essa razão, a compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utili-
zação de conhecimento prévio, pois o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conheci-
mento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhe-
cimento, como o conhecimento linguístico, o textual e o conhecimento de mundo, que o
leitor consegue construir o sentido do texto.
E porque o leitor utiliza justamente diversos níveis de conhecimento que interagem en-
tre si, a leitura é considerada um processo interativo. Pode-se dizer com segurança que sem
o engajamento do conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão.

Discurso e Texto

O texto é lugar de interação de sujeitos sociais, os quais, dialogicamente, nele se consti-


tuem e são constituídos.
O texto não só se dirige a interlocutores com perfil definido, mas também faz referência
às circunstâncias de natureza cultural, social, política que precisam ser conhecidas pelos
leitores/ouvintes para que o sentido do texto possa ser construído.
Assim como o aluno-leitor deve atentar também para a relação entre o discurso e texto,
visto que o discurso é social e o texto é uma manifestação de natureza individual.
Todo texto vincula-se ao discurso que lhe deu origem. O modo como um texto espe-
cífico manifesta um determinado discurso é o que define o seu caráter subjetivo porque
ele nasce do olhar específico de um autor, que toma decisões particulares sobre como
falar acerca de determinados temas.

Texto e Contexto

O contexto é a situação concreta a que um texto faz referência. Ele é formado pelas relações es-
tabelecidas entre o conjunto de circunstâncias associadas à ocorrência de determinado fato ou

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situação de que trata o texto. Há diferentes tipos de contexto (social, cultural, estético, político,
religioso, ideológico) e sua identificação é essencial para que se compreenda o sentido do texto.
Os textos, escritos ou orais, não têm existência autônoma, porque sua significação depende
do reconhecimento de um contexto e da relação que os leitores/ouvintes estabelecem com ele.
O recurso ao contexto é indispensável para a produção e a compreensão e para a construção
do sentido. O contexto engloba não só o co-texto, como a situação de interação imediata, a si-
tuação mediata (entorno sócio-político-cultural), o contexto sociocognitivo dos interlocutores.
Este último, na verdade, subsume os demais. Ele reúne todos os tipos de conhecimentos
arquivados na memória dos sujeitos sociais, que necessitam ser mobilizados por ocasião do
intercâmbio verbal, como o conhecimento linguístico propriamente dito, o conhecimento
enciclopédico, o conhecimento da situação comunicativa e de suas “regras” (situacionalida-
de), o conhecimento superestrutural ou tipológico (gêneros e tipos textuais), o conhecimento
estilístico (registros, variedades de língua e sua adequação às situações comunicativas), bem
como o conhecimento de outros textos que permeiam nossa cultura (intertextualidade).
A liberdade do autor de um texto, contudo, nunca será total, visto que todos os mem-
bros de um grupo social expressam, em alguma medida, a formação discursiva que reflete
a sua ideologia.
É relevante o aluno-leitor ter conhecimento do que seja ideologia, dos fatores que par-
ticipam da constituição de uma formação ideológica, de como as marcas ideológicas se
manifestam na linguagem, do conceito de formação discursiva e como essa formação dis-
cursiva se relaciona com a formação ideológica para que obtenha resultados mais satisfa-
tórios em suas leituras.

ATENÇÃO
O discurso, quando produzido, manifesta-se linguisticamente por meio de textos. Assim, pode-se afirmar que
texto é o produto da atividade discursiva oral ou escrita que forma um todo significativo e acabado, qualquer
que seja sua extensão. É uma sequência verbal constituída por um conjunto de relações que se estabelecem
a partir da coesão e da coerência. Esse conjunto de relações tem sido chamado de textualidade.
Dessa forma, um texto só é um texto quando pode ser compreendido como unidade significativa global,
quando possui textualidade.

O texto e suas marcas ideológicas

Primeiramente, há de se entender os conceitos acerca de Discurso e Ideologia. O termo dis-


curso refere-se ao uso da língua em um contexto específico, isto é, à relação entre os usos da
língua e os fatores extralinguísticos presentes no momento em que esse uso ocorre.
Por essa razão, o discurso é o espaço da materialização das formações ideológicas, sen-
do por elas determinado. Nesse sentido, pode ser visto como uma abstração, porque cor-
responde à “voz” de um grupo social.
A ideologia produz, portanto, seus efeitos no discurso, materializando-se nele. Há, as-
sim, uma relação recíproca entre ideologia e linguagem.
Por esse motivo, um dos fatores essenciais para a compreensão de um texto é o conhe-
cimento prévio do aluno. Durante a leitura, o aluno deve utilizar-se de sua bagagem de co-

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nhecimento, como também do conhecimento linguístico, do textual e do conhecimento de
mundo para construir o seu significado, pois sem esse conhecimento não haverá compre-
ensão, ou pelo menos, haverá um comprometimento em relação ao seu significado.
É na interação desses níveis de conhecimento que o leitor consegue construir o sentido
do texto; portanto, esses conhecimentos devem ser ativados durante a leitura para se atin-
gir o momento da compreensão.
A leitura é entendida, assim, como um ato individual de construção de significado num
contexto que se apresenta mediante a interação entre autor, texto e leitor.
A operação da ideologia na vida humana basicamente envolve a constituição e padroni-
zação de como os seres humanos vivem como atores conscientes e reflexivos, em um mun-
do estruturado e significativo. A ideologia opera como discurso que se dirige ou interpela
os seres humanos como sujeitos.
A ideologia é, na verdade, um sistema de ideias (crenças, tradições, princípios e mitos)
interdependentes, sustentadas por um grupo social de qualquer natureza ou dimensão, as
quais refletem, racionalizam e defendem os próprios interesses e compromissos institu-
cionais, sejam estes morais, religiosos, políticos ou econômicos.
Todas as classes sociais deixam as marcas de sua visão de mundo, dos seus valores e
crenças, ou seja, de sua ideologia, no uso que fazem da linguagem. A linguagem, portanto,
é a materialização da nossa ideologia. É por isso que a cada formação ideológica correspon-
de uma formação discursiva específica.
A formação discursiva é governada por uma formação ideológica e como uma formação
discursiva é um dos componentes de uma formação ideológica específica, ela é um espaço
de embates, de lutas ideológicas.
INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janei-
ro: Objetiva, 2001, p.1566.

ATENÇÃO
A ideologia é entendida como um mecanismo de naturalização dos sentidos. Nenhum signo está despido
de ideologia; toda palavra enunciada pertence a uma formação discursiva que tem subjacente uma forma-
ção ideológica. Sendo assim, não há ideologia sem sujeito nem sujeito sem ideologia.
O discurso é ideológico. A ideologia constitui o sujeito e materializa-se no discurso e este é um processo
inconsciente.

Passa-se agora a analisar os textos a seguir para que o aluno-leitor possa compreender
que há uma organização interna no texto que também pode ser sistematizada e aprendida.
Leia o texto abaixo de Clarice Lispector:

“Somente uma mulher, e dona de casa, sabe e reconhece a grande tarefa que é bem dirigir uma
casa. A dona de casa tem de ser, antes de tudo, uma economista, uma “equilibrista” das finan-
ças, principalmente com as dificuldades da vida atual. O lar é o lugar onde devemos encontrar a
nossa paz de espírito num ambiente limpo, sadio e agradável e cabe à mulher providenciar isso.
Muitas erram ao fazer de sua casa uma vitrina permanente onde não há liberdade para o marido
fumar o seu cachimbo, para o filhinho brincar. [...]

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A boa dona de casa é a que sabe dar ordens e acompanha de perto a sua execução. É a que
mantém a limpeza, a ordem, o capricho em sua casa, sem fazer desta um eterno local de cerimô-
nias, de deveres, onde tudo é proibido. É a que faz de sua casa o lugar de descanso, da felicidade
do marido e dos filhos, onde eles se sentem realmente bem, à vontade, e são bem tratados. O
melhor lugar do mundo.”

LISPECTOR, Clarice. Correio feminino. Org. Aparecida Maria Nunes. Rio de Janeiro: Rocco,
2006, p.45. In: ABAURRE, Maria Luiza M; ABAURRE, Maria Bernadete M. Produção de texto.
Interlocução e Gêneros. São Paulo: Moderna, 2007.

A protagonista feminina representada no texto de Lispector é a dona de casa em sentido


amplo, pois se refere às “rainhas do lar”, como eram chamadas as mulheres nessa época,
ilustrando, assim, como se apresentava a sociedade do século XIX, na qual, escondidas sob
máscaras, as famílias atinham-se ao “padrão” exigido na época, demonstrando felicidade e
estabilidade, mesmo quando o seio familiar encontrava-se devastado.
Pode-se dizer que Lispector mostrou o “por trás das câmeras”, narrando o interior das
famílias burguesas da época, deixando-se perceber como era a vida e como se sentia a figu-
ra feminina dentro dos moldes familiares patriarcais que ainda vigoravam.
Não havia opção para a mulher, ela devia ater-se àquilo que, quase que desde sempre,
lhe fora impingido culturalmente, ou seja, aos homens era dado o direito à vida pública e a
ela o da vida privada.
O universo feminino devia resumir-se, no caso da família burguesa, que é a apresentada
por Lispector, ao desvelo com a casa, o marido e os filhos.
Não se pode deixar de mencionar que, para as mulheres dessa época, tornar-se uma ex-
celente “dona do lar”, mantendo a organização da casa e dos empregados e acompanhando
a educação dos filhos, era um papel que muitas faziam questão de desempenhar, como
bem demonstra o texto lido.
A mulher demorou muito a visualizar nesse modo de vida o fardo que carregava, a não
percepção das injustiças e discriminações sofridas, visto que o modo de vida feminino da-
quela época era um aspecto cultural que perdurou por longos séculos, sendo transmitido
de geração em geração.
A figura feminina era privada de educação escolar, por exemplo, uma vez que não preci-
sava saber ler ou escrever para aprender a cozinhar, lavar ou passar.
O homem, em contraposição, era preparado, desde a juventude para ser um chefe, res-
ponsável pela sobrevivência e segurança de sua família e pela perpetuação de suas terras e
do nome familiar.

AUTOR
Clarice Lispector
Clarice Lispector, nascida Haya Pinkhasovna Lispector (Chechelnyk, 10 de dezembro de 1920 — Rio de
Janeiro, 9 de dezembro de 1977), foi escritora e jornalista nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira.
Quanto à sua brasilidade, Clarice declarava-se pernambucana.

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Leia agora o texto de Martha Medeiros:

Sou eu que começo? Não sei bem o que dizer sobre mim. Não me sinto uma mulher como as
outras. Por exemplo, odeio falar sobre crianças, empregadas e liquidações. Tenho vontade de
cometer haraquiri quando me convidam para um chá de fraldas e me sinto esquisita à beça usan-
do um lencinho amarrado no pescoço. Mas segui todos os mandamentos de uma boa menina:
brinquei de boneca, tive medo do escuro e fiquei nervosa com o primeiro beijo.
Quem me vê caminhando na rua, de salto alto e delineador, jura que sou tão feminina quanto as
outras: ninguém desconfia do meu hermafroditismo cerebral.
Adoro massas cinzentas, detesto cor-de-rosa. Penso como um homem, mas sinto como mulher.
Não me considero vítima de nada. Sou autoritária, teimosa e um verdadeiro desastre na cozinha.
Peça para eu arrumar uma cama e estrague meu dia. Vida doméstica é para os gatos.
[...] Sou tantas que mal consigo me distinguir. Sou estrategista, batalhadora, porém traída pela
comoção. Num piscar de olhos fico terna, delicada. Acho que sou promíscua, doutor Lopes. São
muitas mulheres numa só, e alguns homens também. Prepare-se para uma terapia de grupo.

MEDEIROS, Martha. Divã. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. p. 9-11. In: ABAURRE, Maria Luiza M;
ABAURRE, Maria Bernadete M. Produção de texto. Interlocução e Gêneros. São Paulo: Moderna, 2007.

Ao se lançar um olhar para a passagem do século XIX para o XX percebe-se, facilmente,


que ocorreram razoáveis mudanças no contexto social brasileiro.
O texto de Martha Medeiros pontua as mudanças significativas que aconteceram e
como ampliaram o universo da atuação feminina na sociedade. Não há registros no texto
dessa autora de uma série de ideais conservadores que se mantinham presentes como as-
pectos culturais, conforme analisado no texto de Lispector.
Sendo assim, o texto de Martha Medeiros insere-se em outra formação discursiva na
qual se reflete a ideologia da autora, diferenciando-se da que foi “enaltecida” no texto de
Lispector; porque subliminarmente entende-se que a intenção de Clarice Lispector tam-
bém é fazer uma denúncia ao modelo patriarcal da sociedade dessa época. Aliás, essa é
uma das funções da Literatura.
Como toda escritura é prenhe de intencionalidade, faz-se uma observação sobre os no-
mes da protagonista M(ercedes) e o de M(artha) autora, pois ambos têm as mesmas iniciais
do nome e sobrenome da autora do romance.
Esse texto destaca que, com o passar do tempo, a mulher foi conquistando mais autono-
mia e independência e, certamente, um fator que a auxiliou na aquisição de direitos e fixou
deveres foi o movimento feminista.

AUTOR
Martha Medeiros
Escritora gaúcha que descobriu em si as vozes de várias mulheres. Além de seu livro Divã – que, depois de
teatro e cinema, virou série de televisão –, outros dois foram adaptados para o teatro e estão em cartaz no
Rio de Janeiro: Doidas e santas e o monólogo Tudo que eu queria te dizer.

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Leia agora o fragmento do conto de Dalton Trevisan, um moderno escritor paranaense:

“Primeira noite ele conheceu que Santina não era moça. Casado por amor, Bento se desesperou.
Matar a noiva, suicidar-se, e deixar o outro sem castigo? Ela revelou que, havia dois anos, o primo
Euzébio lhe fizera mal, por mais que se defendesse. De vergonha, prometeu a Nossa Senhora ficar
solteira. O próprio Bento não a deixava mentir, testemunha de sua aflição antes do casamento.
Santina pediu perdão, ele respondeu que era tarde - noiva de grinalda sem ter direito.

O Primo e está incluído no livro Cemitério de elefantes. “Primo”. 9. ed. Rio de Janeiro: Record, 1994.
CARNEIRO, Agostinho Dias. O caminho do texto. Disponível em: http://eadsaraiva.entende.
com.br/files/arquivosAulas/20129/MD_Modulo02Aula01.pdf, acessado em 15 de setembro
de 2014.

As questões contextuais são sempre importantes para que se entenda um texto. Dalton
Trevisan é um autor paranaense e nomes como Bento, Santina são usuais em seu Estado,
além de serem nomes que os antigos usavam.
Pelo desenrolar da história, consegue-se perceber que é um fato acontecido em tempos
distantes. Tinham toda uma preocupação com a honra, com a verdade, com o medo do es-
cândalo. Fato que hoje em dia é “comum” e, certamente, não causaria estranheza.
Dalton Trevisan não retrata em sua obra a família burguesa, atém-se às classes popula-
res, citadinas e rurais, do século XX. Os casamentos já não são arranjados, não são acordos
comerciais estabelecidos para dar continuidade à fortuna e ao nome de família, mesmo
porque não há fortuna nem nomes de família a serem resguardados.
No entanto, percebe-se que a questão cultural é muito maior e muito mais forte,
pois mesmo em um contista que aborda o lado mais grotesco e chocante dos seres hu-
manos, retirando suas personagens de contextos de degradação e decadência, a visão
sobre a mulher e sobre o homem ainda guarda resquícios da ordem cultural patriarcal,
ou seja, o que se queria era ainda manter a chamada “dignidade masculina” às custas
da opressão sobre a mulher.
É preciso ter o conhecimento de mundo de que a grinalda, o véu (subentendido no tex-
to) representam a pureza, a inocência da mulher e uma vez que ela não era mais virgem não
poderia utilizar esses adornos. O modelo patriarcal, como se percebe, continua sendo o
foco também nesta análise
As perguntas inferenciais levam a uma leitura mais profunda, pois elas obrigam os lei-
tores a interagir com o texto. Assim, pode-se partir da seleção intencional, por exemplo, dos
nomes “Bento” e “Santina”, embora sejam comuns no Paraná, com certeza, que nada há de
“Bento” e “Santina” nesse enredo.
Percebe-se como o modelo familiar em questão se mostra enraizado na sociedade, visto
que, mesmo não se tratando de um caso de adultério, a figura feminina “não pura” não era
aceita pelo marido.
Em razão desse fato, Bento decide, afinal, entregar a esposa de volta ao pai. Nesse pon-
to, observa-se que o modelo patriarcal ainda estava impregnado nas famílias rurais do sé-
culo XX, pois este conto é dessa época.
A partir daí percebe-se que Bento demonstra aspectos de vingança, pois decide devolver
Santina à família.

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Há um outro aspecto característico dos séculos anteriores, ao homem cabia o direito de
vingar sua reputação em casos como o de casar-se com mulheres impuras, ou de adultério,
podendo assassinar os “traidores” sem que houvesse punição.
O conto de Dalton Trevisan em evidência mostra cenas de preconceito e de violência
física e moral.
Por fim, o conto “O Primo” representa, ao seu estilo, uma figura feminina que não era
frágil e sim fragilizada, que não nasceu submissa, mas que foi condicionada a isso pela
sociedade eminentemente machista. A representação da mulher situa-se a partir da ótica
masculina e denota o pensamento masculino, não apenas por parte do homem, mas por
parte da sociedade como um todo.
A análise dos textos apresentados evidencia como é importante reconhecer pressupos-
tos implícitos, ser capaz de fazer inferências e de estabelecer relações intertextuais. Somen-
te os bons leitores, que dispõem de um repertório cultural mais amplo, enfrentam sem difi-
culdade o desafio de ler não apenas as linhas, mas principalmente as entrelinhas dos textos.
Como se percebe, na leitura de um texto, o resultado da compreensão depende da qua-
lidade das inferências geradas, pois os textos possuem informações explícitas e implícitas;
existem sempre lacunas a serem preenchidas.
O leitor infere ao associar as informações explícitas aos seus conhecimentos prévios e,
a partir daí, gera sentido para o que está, de algum modo, informado pelo texto ou por meio
dele.
A informação fornecida direta ou indiretamente é uma pista que ativa uma operação
de construção de sentido. Logo, a inferência não está no texto, mas na leitura, e vai sendo
construída à medida que leitor vai interagindo com o texto .
Daí a leitura ser polissêmica, pois caracteriza-se pela atribuição de múltiplos sentidos
ao texto, e isso depende, certamente, do acesso do sujeito à exterioridade constitutiva do
dizer e dos diferentes tipos de discurso.
O sujeito que realiza uma leitura deve ir além do significado literal do texto, historici-
zando os sentidos e duvidando da ilusão de sentido único.

O silêncio não é vazio, o sem-sentido; ao contrário, ele é o indício de uma totalidade signifi-
cativa. Isto nos leva à compreensão do “vazio” da linguagem como um horizonte e não como
falta.”(ORLANDI; 1997:70).
Significa que o silêncio é garantia do movimento dos sentidos. Sempre se diz a partir do silêncio.
[...] Ele é, sim, a possibilidade para o sujeito trabalhar sua contradição constitutiva, a que o situa na
relação do “um” com o “múltiplo”, a que aceita a reduplicação e o deslocamento que nos deixam
ver que o todo discurso sempre se remete a outro discurso que lhe dá realidade significativa.

ORLANDI, E. Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas, S.P.: Uni-
camp, 1997, p.23.

Acervo ou conhecimento prévio

Acervo ou conhecimento prévio é essa configuração historiográfica, somada ao tempo his-


tórico de composição do texto e do processamento efetivo dos atos de leitura, que produz os

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sentidos. Um leitor que possui um repertório mais vasto poderá acionar um processo de diá-
logo com outros textos mais apurado e, portanto, depreenderá muito mais sentidos do texto.
Assim, considerar o leitor e seus conhecimentos, e que esses conhecimentos são dife-
rentes de um leitor para outro, implica, necessariamente, aceitar uma pluralidade de leitu-
ras e de sentidos em relação a um mesmo texto.
Pela consonância com essa posição, destaca-se aqui um trecho dos Parâmetros Curricu-
lares Nacionais de Língua Portuguesa (1998):

“A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado


do texto, a partir dos seus objetivos, do conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo
o que sabe sobre a língua: características dos tipos e gêneros textuais, do portador, do sistema
de escrita. Não se trata simplesmente de ‘extrair informação da escrita’ decodificando-a letra
por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente, compre-
ensão. Qualquer leitor experiente que conseguir analisar sua própria leitura constatará que a
decodificação é apenas um dos procedimentos que utiliza quando lê: a leitura fluente envolve
uma série de outras estratégias como seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as
quais não é possível rapidez e proficiência. É o uso de procedimentos desse tipo que permite
controlar o que vai sendo lido, tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, arriscar-
se diante do desconhecido, buscar no texto a comprovação das suposições feitas.”

ATENÇÃO
“Os sentidos são produzidos em face aos lugares ocupados pelos sujeitos em interlocução. Assim,
uma mesma palavra pode ter diferentes sentidos em conformidade com o lugar socioideológico
daqueles que a empregam.”
FERNANDES, C.A. Análise do discurso: reflexões introdutórias. Goiânia: Trilhas Urbanas, 2005 p. 23.

Nesse fragmento, encontra-se reforçado, na atividade de leitura, o papel do leitor enquanto um construtor
de sentido, utilizando-se, para tanto, de uma série de estratégias, dentre as quais a seleção, antecipação,
inferência e verificação.
Observe, agora, a função de cada uma delas no ato de ler:
•  Estratégias de seleção: permitem que o leitor se atenha aos índices úteis, desprezando os irrelevantes.
•  Estratégias de antecipação: tornam possível prever o que ainda está por vir, com base em informações
explícitas e em suposições.
O tipo textual (ou gênero textual), o autor, o título e muitos índices informam ao leitor o que é possível que
se encontre em um texto. Assim, ao se ler uma história de Monteiro Lobato chamada Viagem ao céu, é
previsível que se encontrem determinados personagens, certas palavras da astronomia e que, certamente,
alguma travessura acontecerá.
•  Estratégias de inferência: permitem captar o que não está dito no texto de forma explícita.
A inferência é aquilo que se “lê”, mas não está escrito. São conclusões baseadas tanto em pistas dadas
pelo próprio texto como em conhecimentos que o leitor possui. Às vezes essas inferências se confirmam,
às vezes, não. Logo, é um tipo de raciocínio que conclui alguma coisa a partir de outra já conhecida.
O contexto, na verdade, contribui decisivamente para a interpretação do texto e, com frequência, até mes-
mo para inferir a intenção do autor.

226 • capítulo 6
•  Estratégias de verificação: tornam possível o controle da eficácia ou não das demais estratégias, per-
mitindo confirmar, ou não, as especulações realizadas.
Esse tipo de checagem, para confirmar – ou não – a compreensão, é inerente à leitura.
Todas essas estratégias de leitura são utilizadas pelo leitor mais ou menos ao mesmo tempo, sem que
ele tenha consciência disso. Ele só dará conta do uso delas ao analisar com cuidado o processo de
leitura que está realizando.

Intertextualidade: pluralidade de leituras e sentidos

A intertextualidade, como já estudado, é o processo de incorporação de um texto em ou-


tro, seja para produzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo. Intertextualidade é,
pois, a propriedade de os textos se relacionarem.
Vejamos como identificar este processo a partir deste trecho retirado de uma tirinha de
Maurício de Souza:

— Minha terra tem Corinthians. Onde canta o sabiá!


— É "minha terra tem palmeiras"!
— Cada um tem o time que quiser!...

O texto incorpora a forma do verso inicial da Canção do Exílio. A palavra palmeiras é em-
pregada como substantivo próprio – o nome de um conhecido time de futebol. A rivalidade
entre este e outro time conhecido está remetendo ao texto de Gonçalves Dias.
O efeito de humor provocado por esta intertextualidade é reforçado pela fala da perso-
nagem do último quadrinho, surpreendente por fugir da “forma” do poema, apresentada
nos quadrinhos anteriores.
Um leitor que não possui conhecimento prévio do texto principal – o poema – dificil-
mente compreenderia esse efeito de humor e não construiria um sentido eficaz para o texto
lido, ainda que soubesse da referida rivalidade entre os times.

CONCEITO
A paródia é uma imitação, na maioria das vezes cômica, de uma composição literária (também existem
paródias de filmes e músicas), sendo, pois, uma imitação que geralmente possui efeito cômico, utilizando
a ironia e o deboche.
Ela geralmente é parecida com a obra de origem, mas quase sempre tem sentidos diferentes. É um pro-
cesso de intertextualização com a finalidade de desconstruir ou reconstruir um texto.
Pode-se ver a seguir um outro exemplo de intertextualidade, no texto retirado da tirinha de Maurício de
Sousa, com a personagem Magali.

— Olha, Papai! Troquei a nossa vaca velha por um saco de feijões mágicos!
— Oba! Agora é só a gente plantar para nascer um pé de feijão gigante e...
— CHOMP! CHOMP!
— Ah! Deixa pra lá!

capítulo 6 • 227
O cruzamento dos textos só é possível de ser verificado se o sujeito tiver leitura que dê suporte a isso, caso
contrário, não será observado.
Examinando melhor as entrelinhas, verifica-se que Maurício faz jogo com o leitor, não lhe sonegando um
dado sequer, porém, apostando no conhecimento prévio do leitor da obra “João e o Pé de Feijão”.
Inicialmente, Magali dá a impressão de reconhecimento do efeito produzido - do que pode fazer com o
feijão; seu pai se alegra na expectativa de plantar e o pé crescer, e ficar rico com a galinha que botava ovos
de ouro, como na obra escrita pelos irmãos Grimm.
Já Magali, a personagem gulosa, como é apresentada em todas as outras histórias escritas por Maurício,
não aguenta toda a espera e acaba comendo seus feijões mágicos.
Quem tem no repertório a leitura da obra original relaciona a tirinha com facilidade e sabe que João plantou
sua semente, a planta brotou, e assim, cresceu um enorme pé de feijão, possibilitando João subir e encon-
trar o gigante e a galinha que o tornou rico novamente.
No texto a seguir, retirado de mais uma tirinha de Maurício de Sousa, fica evidente a importância dessa
intertextualidade, pois um leitor menos atento, que não reconhece o poema de Carlos Drummond de An-
drade, não estabelece relação com o seu discurso e não consegue perceber que a “pedra” no caminho
do Cebolinha – a Mônica, remete ao discurso do poeta, que se refere às dificuldades e obstáculos
da vida, em seu verso consagrado: “No meio do caminho tinha uma pedra”:

— Havia uma pedla no meio do caminho! No meio do caminho havia uma pedla...
— Falou comigo, Cebolinha? — Diz Mônica retirando a pedra.

Assim, a intertextualidade inerente a todo texto é também uma das responsáveis pela construção dos sentidos.

Relação Interdiscursiva e Relação Intertextual: o movimento dos sentidos

O russo Mikhail Bakhtin (1895-1975), filósofo e teórico da linguagem, defendia a tese de


que não há discurso puro e original. Todo discurso, segundo esse autor, é uma resposta
ao discurso de outra pessoa, seja para confirmar, seja para ampliar ou discordar do outro.
Assim, discurso citado é o discurso que é incorporado por outro discurso e ele pode
ocorrer em todos os tipos de linguagem, como: no cinema, no teatro, na música, na literatu-
ra, nas artes plásticas, no jornalismo, nas tiras humorísticas, nas charges, na publicidade.
Desse modo, mesmo que não se tenha consciência disso, a todo instante se está dia-
logando com o discurso dos outros e trazendo para dentro do nosso discurso, diferentes
vozes com que se tem contato, como: as vozes dos autores de livros, jornais e revistas
lidos, dos professores... Enfim, para se constituir, nosso discurso incorpora os discursos
de muitas outras pessoas.
Ressalta-se ainda que toda relação interdiscursiva é uma relação intertextual; con-
tudo, a interdiscursividade é mais ampla que a intertextualidade. Naquela, quando um
discurso cita outro, não há apenas referência ao texto ou às partes do texto citado, mas
também à situação de produção dele (quem fez, para quê, em que momento histórico,
com qual finalidade), à ideologia subjacente e aos significados que aquele discurso foi
assumido historicamente.

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CURIOSIDADE
Segundo recente pesquisa da Ação Educativa e do Instituto Paulo Montenegro, com o Ibope, 32,5 milhões
de brasileiros acima de 15 anos são analfabetos funcionais, ou seja, apenas decodificam as palavras, mas
são incapazes de compreender o que leem e de usar a leitura e a escrita como instrumentos de ação
efetiva nas práticas sociais. E, mais grave, o ensino universitário não assegura solução, pois 38% dos por-
tadores de diploma de curso superior não alcançam o nível de alfabetização plena.
Esses dados não são surpreendentes em um país de não leitores. A pesquisa Retratos da leitura no Brasil
2011, do Instituto Pró-LIVRO, mostrou que 50% dos brasileiros não têm o costume de ler, 75% da popu-
lação nunca entrou numa biblioteca, e a média de livros por habitante/ano é 4, inclusive os didáticos; sem
os didáticos, a leitura cai para 1 livro por habitante/ano.
Em países de Primeiro Mundo, os índices indicam mais de 10 livros por habitante/ano. Se considerarmos
que a LEITURA é fator essencial para o desenvolvimento humano, social e econômico de um país, pois o
avanço tecnológico depende de qualificação, e a qualificação está ligada à habilidade de leitura, encontra-
mos um dos motivos do nosso atraso.
É urgente reverter o quadro da leitura no Brasil.
Fonte: http://www.stellabortoni.com.br/index.php/103-leitura-emancipadora, acessado em 30/9/2014.

CONCEITO
Leitor competente
O leitor competente deve compreender o que lê; como também saber ler o que não está escrito, identifi-
cando elementos implícitos; estabelecer relações entre o texto que lê e outros textos já lidos; saber que
vários sentidos podem ser atribuídos a um texto; conseguir justificar e validar a sua leitura a partir da loca-
lização de elementos discursivos.

RESUMO
Pode-se concluir que a leitura está sempre presente no meio social, levando o individuo à capacidade de
comunicação e informação, basta este, por sua vez, ter vontade de descobrir o mundo no qual ele vive e
compreender o quanto o ato de ler é prazeroso, dinâmico e conscientizador.
Em uma leitura, os sujeitos (autor e leitor) são privilegiados pelo processo de interação de seus conheci-
mentos. E o texto é o lugar dessa interação, cujo sentido não está lá, no texto, mas sim construído, consi-
derando-se, para tanto, as “sinalizações” ou pistas textuais fornecidas pelo autor, às quais o leitor agrega
os seus conhecimentos durante todo o processo de leitura, para que, espera-se, concordando ou não com
as ideias do autor, complete-as, adapte-as.
Como nem sempre os textos trazem explícitos todos os elementos que participam da construção do seu
sentido, o leitor está frequentemente complementando as informações fornecidas pelos textos com outras
informações de que dispõe, ou que infere a partir do que foi dito pelo autor (ou narrador) do texto.
Por isso a sociedade atual exige um cidadão leitor e não “ledor”.
Assim, para ser um leitor competente, é necessário compreender o que se lê, lendo também o que
está implícito no texto, fazendo inferências e checando se elas se confirmam ou não de acordo com as
exigências do texto.

capítulo 6 • 229
Desse modo, a leitura deve ser entendida também como um processo de (re)significação .
Por fim, como a leitura emerge da interação, acredita-se, então, em vários modos de ler e, consequente-
mente, em vários modos de interpretar e entender um texto.

CONCEITO
•  Cognição é o ato ou processo da aquisição do conhecimento que se dá por meio da percepção, da
atenção, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento e linguagem.
•  Contexto é o conjunto das circunstâncias (sociais, políticas, históricas, culturais) a que um texto se refere.
•  Discurso é uma atividade comunicativa - constituída de texto e contexto discursivo (quem fala, com
quem fala, com que finalidade) – capaz de gerar sentido, desenvolvida entre os interlocutores. É uma mani-
festação individual do modo como um sujeito escolhe organizar os elementos de expressão de que dispõe
para veicular o discurso do grupo a que pertence.
•  Discurso citado é o discurso que é incorporado por outro discurso.
•  Enunciado é tudo aquilo que é dito ou escrito por meio de palavras, delimitadas por marcas formais. Na
fala, pela entoação; na escrita, pela pontuação. O enunciado está sempre associado ao contexto em que
é produzido.
•  Formação discursiva é um conjunto de temas - categorias ordenadoras do mundo natural (alegria,
medo, vergonha, solidariedade, honra, liberdade, opressão) e de termos (elementos que estabelecem uma
relação com o mundo natural: mesa, carro, árvores, mulher) que concretizam uma visão específica. Sempre
que for possível identificar, em um conjunto de textos, uma regularidade (recorrência de temas e termos),
está-se diante de uma mesma formação discursiva.
•  Formação ideológica é um conjunto de valores e crenças a partir dos quais julgamos a realidade na
qual estamos inseridos.
•  Gêneros discursivos correspondem a certos padrões de composição de texto determinados pelo con-
texto em que são produzidos, pelo público a que se destinam, por sua finalidade, por seu contexto de circu-
lação. São exemplos de gêneros discursivos o conto, a história em quadrinhos, a carta, o bilhete, a receita,
o anúncio, o ensaio, o editorial, entre outros.
•  Ideologia é um sistema de ideias (crenças, tradições, princípios e mitos) interdependentes, sustentadas
por um grupo social de qualquer natureza ou dimensão, as quais refletem, racionalizam e defendem os
próprios interesses e compromissos institucionais, sejam estes morais, religiosos, políticos ou econômicos.
•  Interdiscursividade é a relação dialógica entre dois discursos, caracterizada por um citar o outro.
•  Intertextualidade é a relação entre dois textos caracterizada por um citar o outro.
•  Interlocutor – designa cada um dos participantes de um diálogo. Como o texto se dirige a um leitor
em quem o autor pensa no momento de escrever, diz-se que os leitores a quem um texto se dirige são os
interlocutores.
•  Ironia é o efeito resultante do uso de uma palavra ou expressão que, em um contexto específico, ganha
sentido oposto ou diverso daquele com que costuma ser utilizada.
•  Juízo de valor é um conceito filosófico e se refere a um julgamento que expressa uma apreciação, uma
avaliação ou uma interpretação sobre a realidade. Os juízos de valor se opõem aos juízos de fato, que dizem
o que as coisas são, como são e por que são.
•  Língua é um sistema de representação socialmente construído, constituído por signos linguísticos.
•  Linguagem é uma atividade humana que, nas representações de mundo que constrói, revela aspectos
históricos, sociais e culturais. É por meio da linguagem que o ser humano organiza e dá forma às suas

230 • capítulo 6
experiências. Seu uso ocorre na interação social e pressupõe a existência de interlocutores.
•  Lugar discursivo é a posição ocupada no discurso pelos interlocutores, que ora assumem o papel de
falantes, ora o de ouvintes.
•  Paródia é um tipo de relação intertextual em que um texto cita outro, geralmente com objetivo de fazer-
lhe uma crítica ou inverter ou distorcer suas ideias.
•  Persuadir significa convencer alguém a aceitar uma ideia, acreditar em algo, agir de uma determinada
maneira. A persuasão sempre envolve a utilização de argumentos no contexto da interlocução, já que um
dos interlocutores procura influenciar o outro.
•  Polissemia é a multiplicidade de sentidos que uma mesma palavra da língua pode apresentar, em dife-
rentes contextos de uso.
•  Premissa é uma afirmação que se toma como ponto de partida para realizar um raciocínio.
•  Texto é o espaço de concretização do discurso. Trata-se sempre de uma manifestação individual, do
modo como um sujeito escolhe organizar os elementos de expressão de que dispõe para veicular o discur-
so do grupo a que pertence.

Modalização da linguagem na produção de textos

Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado. Cada um
me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um
me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão. Não era que um via
uma coisa e outro outra, ou um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um
via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao
do outro. Mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso
desta dupla existência da verdade.
Fernando Pessoa

Nesta parte deste capítulo, discute-se a aplicação dos estudos da modalização, conside-
rando não só o ensino da análise linguística, mas também o ensino da leitura e da produ-
ção textual. O objetivo é demonstrar de que maneira o fenômeno da modalização é indis-
pensável para a construção de sentidos em um enunciado ou texto, e como o aluno pode
utilizar esse fenômeno para desenvolver a sua competência linguístico-discursiva.
Aqui a modalização é vista como uma estratégia semântico-discursiva presente em dife-
rentes tipos e gêneros textuais/discursivos, a partir da linha teórica de Koch (2002), Nasci-
mento (2010) e Nascimento e Silva (2012).
Pontua-se que a modalização se apresenta como um fenômeno que permite ao locutor
deixar registrado, no seu discurso, marcas de sua subjetividade por meio de determinados
elementos linguístico-discursivos e, portanto, imprimir um modo como esse discurso deve
ser lido. Dessa forma, age em função da interlocução.
Em outros dizeres, a modalização é um fenômeno inerente à linguagem humana
porque, por meio dela, pode-se expressar avaliação sobre o dito e interagir com nossos
interlocutores, indicando ora como nosso enunciado deve ser lido, ora como se quer que
o interlocutor (re)aja.

capítulo 6 • 231
Assim, ao asseverar em enunciado “É certo que Paulo venha”, o locutor além de expres-
sar certeza com relação ao fato da vinda futura de Paulo, ele o faz em função do seu interlo-
cutor, ou porque queira que seu interlocutor acredite também que essa informação é verda-
deira, ou porque tem outra intenção, que, algumas vezes, só é recuperada pela enunciação.
Logo, o estudo dos elementos modalizadores deve estar voltado para o uso da lingua-
gem, para os efeitos de sentido que esses elementos provocam nos enunciados e nos textos.
Note os efeitos produzidos pela modalização no texto a seguir, retirado de uma tira.

— Essa história de Papai Noel me incomoda... Principalmente porque ele é o júri e o juiz...
— Quem nomeou o Papai Noel? Como a gente sabe que ele é imparcial? Que critérios ele usa
para determinar o que é bom e o que é mau?
— E onde foram parar as circunstâncias atenuantes? As crianças deviam poder contar com um
advogado, você não acha?
— Você está preocupado com o incidente da salamandra, não é?
— Insanidade temporária! Foi só isso!

Observa-se, no texto, que Calvin não argumenta explicitamente, mas por meio de per-
guntas, as quais ajudarão o leitor a construir o sentido da tirinha e a perceber o verdadeiro
grau de comprometimento entre o emissor e o que está sendo proferido. Com a estratégia
modalizadora, Calvin interage com o interlocutor de modo a levá-lo a uma reflexão.
Em relação a esse assunto, Koch (2002:85) apresenta uma lista de vários tipos de lexica-
lização das modalidades, transcritos a seguir:

Performativos explícitos: eu ordeno, eu proíbo, eu permito;

Auxiliares modais: poder, dever, querer, precisar;

Predicados cristalizados: é certo, é preciso, é necessário, é provável;

Advérbios modalizadores: provavelmente, certamente, necessariamente, possivelmente;

Formas verbais perifrásticas: dever, poder, querer + infinitivo;

Modos e tempos verbais: imperativo; certos empregos de subjuntivo; uso do pretérito imperfeito
do indicativo pelo futuro do pretérito com valor de probabilidade, hipótese, promessa ou como
uma forma coloquial de solicitação; uso do futuro do pretérito; uso do imperfeito do indicativo
com valor de irrealidade;

Verbos de atitude proposicional: eu creio, eu sei, eu duvido, eu acho;

Entonação: (que permite, por ex.: Distinguir uma ordem de um pedido, na linguagem oral);

Operadores argumentativos: pouco, um pouco, quase, apenas, mesmo.

232 • capítulo 6
Os modalizadores, elementos linguísticos que materializam, explicitamente, a modali-
zação, classificam-se de acordo com o tipo de modalização que expressam, nos enunciados
e discursos em que aparecem.
Para o estudo da modalização da linguagem, parte-se também do entendimento de que
o discurso é o efeito de sentidos entre interlocutores, pensando o fato dos sentidos se rela-
cionarem com os textos e suas condições de produção; com os diferentes tipos de textos; e
com as relações do dizer com o que não é dito. Resulta daí o caráter múltiplo e incompleto
do sentido, jamais fechado e acabado.
A modalidade está expressa na atitude do falante ao produzir um enunciado. Ela revela
a maneira como o enunciador tenta persuadir seu interlocutor em uma proposição, que po-
derá ser ou não verdadeira, divulga as intenções desse enunciador, a forma de se expressar
e de opinar sobre o conteúdo do assunto em foco.
Sempre que o falante pronuncia seu discurso, seja ele político, religioso, científico ou
cultural, deixa marcas linguísticas que expressam sua opinião e que, na maioria das vezes,
revelam o que ele conhece acerca do assunto. O modo como o falante veicula sua mensa-
gem está presente na estrutura semântica, sintática e pragmática do discurso que produz.
O sujeito enunciador marca, assim, sua presença no enunciado pelas marcas de modaliza-
ção, entendidas como índice das atitudes, opiniões e pontos de vista do enunciador em relação
ao seu dizer. A modalização contribui para oferecer ao leitor um direcionamento argumentati-
vo, possibilitando perceber o grau de adesão do falante ao seu discurso. O emprego dos modali-
zadores possibilita, assim, a identificação do ponto de vista do enunciador no discurso.
Dessa maneira, a modalização tem um papel importante na argumentação, uma vez
que é responsável pela instauração dos modos de existência e presença dos sujeitos no
discurso. Por essa razão, apesar dos procedimentos, muitas vezes utilizados para produ-
zir o efeito de objetividade e neutralidade, é possível perceber, a partir dos procedimentos
de modalização, um posicionamento do enunciador e uma intencionalidade por meio da
orientação argumentativa construída no texto. Essa orientação aponta sempre para uma
direção argumentativa, indicando um modo de ler o texto e analisar os fatos que enuncia.
A narração, apesar de apresentar um foco meramente informativo, voltando-se, pois, para
a função referencial da linguagem, tende sempre a adotar um ponto de vista inicial. É esse pon-
to de vista que faz com que o narrador, ao narrar qualquer fato, de acordo com a sua intenção,
procure convencer o leitor/ouvinte, a partir de sua interpretação pessoal dos fatos narrados.
As escolhas lexicais são responsáveis por deslizamentos de sentido e os vocábulos que
dão suporte a essas escolhas são os nomes – substantivos e adjetivos – em sua maioria, axio-
lógicos (avaliativos) e advérbios. Os axiológicos (valorativos, avaliativos) constituem uma
categoria lexical que está intimamente ligada às apreciações do enunciador.
A maior parte dos substantivos afetivos e avaliativos é derivada de verbos ou de adjeti-
vos. Nessa visão, à medida que alguns substantivos revelam uma avaliação do sujeito enun-
ciador, podem variar de uma enunciação para outra e devem ser eliminados de um discurso
com pretensões de objetividade. Esses substantivos, que podem ser considerados como
portadores de subjetividade, possuem traços axiológicos. Os substantivos axiológicos se-
rão, portanto, mais numerosos em enunciados de pretensão avaliativa.
Em relação aos adjetivos, constata-se que as unidades lexicais de uma língua são carre-
gadas de subjetividade, de acordo com uma escala significativa que transita do mais obje-
tivo para o mais subjetivo.

capítulo 6 • 233
O emprego dos adjetivos subjetivos afetivos não se aplica a certos tipos de discurso, que
pretendem objetividade. Algumas vezes, no entanto, é possível encontrá-los em editoriais.
Há também os advérbios modalizadores que podem ser reveladores de julgamentos de
verdade, como talvez, sem dúvida, certamente e aqueles que implicam um julgamento de
realidade como realmente, verdadeiramente, efetivamente.
Os advérbios modalizadores são importantes na análise linguística, visto que compõem
uma classe de elementos adverbiais que têm como característica básica expressar alguma
intervenção do falante na definição da validade e do valor de seu enunciado. Além disso, o
uso dos modalizadores constitui uma das estratégias para marcar essa atitude do falante
em relação ao que ele próprio diz.
É grande a importância de substantivos, adjetivos e advérbios subjetivos, sobretudo os
avaliativos, na enunciação argumentativa porque marcam, de maneira significativa, a pre-
sença do sujeito enunciador e permitem a orientação para o sujeito destinatário de deter-
minadas conclusões ou interpretações, que interessam ao sujeito enunciador.

ATENÇÃO
É importante destacar que quanto mais um discurso se esforça em ser exaustivo, tanto mais tende à ob-
jetividade; quanto mais seleciona as informações que verbalizará, tanto mais corre o risco de ser subjetivo.

Efeito Modalizador dos Pressupostos

A noção de pressuposição é relevante para o estudo do significado linguístico. Os pressu-


postos podem ser considerados como sensíveis ao contexto discursivo, seja ele de natureza
semântica ou pragmática, no qual o enunciado poderá ser desenvolvido.
A pressuposição é a relação que se estabelece entre os elementos, de modo que a pre-
sença de um deles é condição necessária para a presença do outro.
A outra forma de implícito – o subentendido – só aparece ligada à enunciação, ao com-
ponente retórico, constituindo uma opção de organização do discurso e produzindo efeitos
de sentido que surgem na interpretação.
O subentendido não aparece marcado na frase; é fruto de um processo interpretativo.
Pelo fato de sugerir, sem dizer, o subentendido funciona como estratégia de não-compro-
metimento do enunciador.
Assim, o pressuposto é uma informação estabelecida como indiscutível ou evidente tan-
to para o falante quanto para o ouvinte, pois a estrutura linguística oferece os elementos ne-
cessários para depreender o sentido do enunciado. Já o subentendido, por possibilitar dizer
alguma coisa, sem dizê-la explicitamente, passa a ser de responsabilidade do ouvinte/leitor.

CONCEITO
Os modalizadores, elementos que ativam modalização nos enunciados e no discurso, podem gerar dife-
rentes efeitos de sentido e, dependendo do sentido que veiculam, é possível classificá-los em epistêmicos
(ligados ao conhecimento), deônticos (ligados à obrigatoriedade, permissão, proibição ou volição), avalia-
tivos (expressando juízo de valor) e delimitadores (estabelecendo limites para o conteúdo do enunciado).

234 • capítulo 6
Assinala-se que a classificação de um modalizador não é fechada e depende do contexto em que ele
aparece, uma vez que um mesmo modalizador pode assumir diferentes funções.
Optou-se aqui por não dar relevância a essa classificação ou nomenclatura dos elementos modalizado-
res, por acreditar-se que se pode muito bem trabalhar a modalização na análise linguística sem se valer
de uso de nomenclaturas classificatórias, mas voltando-se, principalmente, para o uso desses elementos
em enunciados e textos.

ATENÇÃO
Os implícitos são basicamente de dois tipos: pressupostos e subentendidos. Os pressupostos estão inscritos na
língua; não há como fugir ao sentido que eles determinam. Já os subentendidos dependem de interpretação.
Se um professor diz a um aluno: “Finalmente você veio à aula”, pressupõe-se que o aluno há tempo não
comparecia às aulas; o advérbio que introduz a oração indica isso.
Caso o professor acrescentasse uma observação do tipo: “Deixou o orgulho de lado”, estaria formulando
um subentendido. A ausência do outro teria sido interpretada como soberba. O subentendido sempre en-
volve um julgamento, um juízo de valor, e, por vezes, leva à distorção da verdade.

Modalização e Leitura
Em determinados textos, a observância dos modalizadores é de fundamental importância
para a construção de um sentido mais global do próprio texto.
Por essa razão, quando da ocorrência de modalizadores, o aluno deve considerar os
efeitos de sentido que eles geram, bem como de que maneira esses modalizadores interfe-
rem na compreensão global.
A seguir estão transcritos alguns textos em que a identificação e compreensão dos mo-
dalizadores são indispensáveis para uma leitura mais profunda.
Para cada texto segue uma análise do funcionamento discursivo dos modalizadores,
com o objetivo de indicar, para o aluno, como os elementos modalizadores devem ser tra-
tados no processo de leitura.
Observe também como é impossível uma narração isenta, imparcial:

O réu ameaçava a vítima que, aos gritos, clamava por não ser morta. Ele pediu as joias e, ao ouvir
a negativa da vítima, que dizia não possuir nenhuma, não teve dúvida: com frieza desumana,
puxou o gatilho do revólver encostado à cabeça da vitimada, prostrando-a no chão sem vida, de
forma cruel, por motivo absolutamente fútil. (RODRÍGUEZ, 2002, p.178)

O réu, no intento de roubar, pediu à vítima joias e dinheiro. Assustado, temeroso e alterado, pois não
é bandido profissional, mas incidentalmente cometendo aquele equívoco, ouviu a ríspida negação da
vítima e, supondo tendo ela chance de reação, que por certo poria sua vida em risco, em um ímpeto
de emoção e medo apertou o gatilho, temendo por sua sobrevivência. (RODRÍGUEZ, 2002, p.178)

Têm-se, aqui, duas narrativas da mesma cena. Cada narrador a descreve exatamente
como se tinha passado. Não é que um tenha visto uma coisa e o outro, outra diferente, ou
seja, desviando-se da verdade. Não: cada um via a cena exatamente como se havia passado,
mas cada um a descreveu com um ponto de vista diferente (acusatório e defensivo).

capítulo 6 • 235
Pontos de vista diversos também estão visivelmente marcados no trecho de Pessoa uti-
lizado como epígrafe na abertura deste capítulo.
Nota-se, então, que, na narrativa dos fatos, o ponto de vista é implícito, pois não é
enunciado diretamente, apenas sugerido, em uma modalização da linguagem “aparen-
temente” imparcial.
Para maior compreensão do que está sendo afirmado até o momento, leia os textos hi-
potéticos, extraídos também do livro de Rodríguez (2002:177):

CAMELÔS INVADEM O CENTRO DA CIDADE E TUMULTUAM A VIDA DO PAULISTANO


Revoltados porque a Prefeitura resolveu retirá-los das ruas do centro da cidade, camelôs fizeram
ontem manifestação agressiva, destruindo vitrines de lojas e tumultuando o centro da cidade, inclu-
sive ferindo transeuntes. A polícia foi obrigada a apaziguar o tumulto, dispersando os manifestantes.

POLÍCIA AGRIDE MANIFESTANTES NO CENTRO DA CIDADE


Camelôs, que foram expulsos de seu local de trabalho nas ruas do centro da cidade, fizeram ontem
manifestação na região central. A tropa de choque foi chamada para reprimir a manifestação, agre-
dindo vários camelôs, que saíram feridos.

Observa-se que ambos os textos narram um mesmo evento: a manifestação dos camelôs e a
repressão dos policiais. Entretanto, cada autor apresenta seu ponto de vista implícito mediante
a utilização de dois procedimentos: a seleção vocabular e a seleção de fatos a serem narrados.
Como se pode verificar, não há diferença entre os fatos apresentados, apenas o modo
de ver ou o ponto de vista varia, escolhendo, cada um dos narradores, relatar aquilo que lhe
parece mais relevante.
Nos fatos mais importantes - manifestação de camelôs em virtude de uma conduta da
prefeitura e o chamado da polícia para pôr fim ao tumulto -, os textos coincidem. No en-
tanto, fatos diferentes, atendendo à necessidade de comprovação do ponto de vista apre-
sentado por cada um dos redatores, foram selecionados, mostrando o objetivo acusatório
ou defensivo, sem, entretanto, enunciar que cada um deles narra os fatos da forma que lhe
interessa ou que ambos fujam à verdade.
Perceba a escolha lexical opositiva, apresentada em ambos os textos:

“dispersa” x “agride”;

“apaziguar o tumulto” x “reprimir a manifestação”;

“os camelôs feriram transeuntes” x “a polícia feriu camelôs”.

Constata-se, pois, que a seleção vocabular e a intencionalidade do narrador funcionam


como elementos de persuasão e modificam a recepção do texto.

236 • capítulo 6
EXEMPLO
1º exemplo:
O comandante do policiamento de Belém, coronel PM Geraldo Magela, recuou e decidiu anteontem não cum-
prir a ordem judicial de despejo de 400 famílias sem-teto em Ananindeua, região metropolitana de Belém. Os
cerca de mil sem-teto ocupam desde agosto uma área de 90 mil metros quadrados. Anteontem, os sem-teto se
armaram com facões, paus e pedras e o coronel Magela ordenou a suspensão da operação. “Esperamos uma
segunda ordem da Justiça”, disse Teodoro Nagano, gerente da empresa Agropel, que é proprietária da área.
“Cabia a mim avaliar a situação e preferi evitar o massacre”, disse Magela ao se reunir com a juíza Odete Silva
e explicou os motivos do recuo. A juíza aguarda um relatório dos oficiais da Justiça. (Folha de São Paulo, 2006 )

2º exemplo:
Um grupo de 40 famílias de sem-teto ocupou o plenário da Câmara de Campinas (99 Km de SP) entre 14h e
21 h de ontem após ser desalojado de uma área invadida em abril deste ano por cerca de 600 pessoas. Os sem-
teto permaneceram no plenário da Câmara e só concordaram em deixar o local após o juiz Jamil Miguel, da 5ª
Vara Civil de Campinas, anular liminar para reintegração de posse expedida ontem. (Folha de São Paulo, 2008 )

Percebe-se, nos textos acima, como é significativa a escolha desta ou daquela palavra e
como esta escolha constrói sentidos distintos. Sabe-se que a questão da “escolha” é consciente,
diz respeito a um sujeito intencional. Dizer invadir ou dizer ocupar traz, necessariamente, dife-
rentes efeitos de sentido, pois estas palavras trazem consigo uma memória discursiva distinta.
No exemplo 1, há a presença do discurso jurídico-militar e a situação é de confronto, pois
o vocabulário da notícia é jurídico-militar também: os sem-teto estão em operação de guerra,
armam-se, o coronel suspende a operação, recua, evita um massacre. O coronel tem nome,
o proprietário da área também. Os sem-teto são anônimos, sem voz, e a notícia os silencia.
Nota-se, portanto, as diferentes maneiras de funcionamento de uma prática discursiva
que permite o apagamento de um sentido para os sem-teto, mas que, contraditoriamente,
pela falta de sentido, mais possibilidades de sentido apresentam.
Também requer atenção o uso da palavra invadida no texto 2, pois diz-se invadir para
não se dizer ocupar. Invadir é tomar à força; ocupar, no sentido jurídico, é o ato de apode-
rar-se legalmente, ter ou possuir por direito.
Dessa forma, os sentimentos contra ou a favor dos sem-teto vão se sedimentando; res-
saltando, assim, como o funcionamento dos sentidos resulta da escolha lexical que corres-
ponde ao ponto de vista do relator.
Conclui-se, assim, que a seleção de fatos da narrativa deve ser feita de acordo com as
intenções da argumentação daquele que a redige.
Leia, a seguir, o trecho retirado de uma tirinha de Calvin:

— Oi, Susie, é o Calvin. Eu perdi minha lição de casa. Você podia me dizer o que nós temos que
ler pra amanhã?
— Tem certeza que você não está me ligando por outro motivo?
— Por que então eu te ligaria?
— Talvez você estivesse com saudades do som melodioso da minha voz.
— Você está louca?? Tudo que eu quero é a maldita lição!

capítulo 6 • 237
— Primeiro diga que você está com saudades do som melodioso da minha voz.
— Isso é chantagem!

Na primeira frase, Calvin, ao telefonar para Susie, pede-lhe que diga qual é a tarefa de
casa para a aula do dia seguinte. Esse pedido é apresentado por meio do modalizador “po-
dia”. Na incerteza de que Susie lhe dará a resposta, ou para parecer mais persuasivo, o pedi-
do é apresentado como uma possibilidade.
Na frase seguinte, Susie, mediante a expressão modalizadora “tem certeza”, questiona
o grau de certeza de Calvin com relação a seu pedido, ou seja, questiona Calvin sobre a cer-
teza de ser isso mesmo o que ele quer.
Calvin responde, perguntando-lhe por que outro motivo ligaria. Na terceira frase, por
meio do modalizador “talvez” e do verbo no subjuntivo “tivesse”, Susie apresenta uma pos-
sibilidade para Calvin: ele estaria com saudades da voz da garota. A reação de Calvin, gri-
tando, quebra, portanto, a expectativa de Susie, e a possibilidade que a menina apresenta:
“Você está louca? Tudo que eu quero é a maldita lição.”
Susie, por sua vez, reage, na penúltima frase mediante este enunciado: “Primeiro diga
que você está com saudade do som melodioso de minha voz”, em que aparece o verbo “di-
zer”, no imperativo, indicando obrigatoriedade. Em outras palavras, Susie impõe uma obri-
gatoriedade a Calvin, para fornecer-lhe o que foi pedido. O verbo dizer no imperativo fun-
ciona, portanto, como um modalizador de obrigatoriedade.
Observe-se que da primeira à última frase o sentido do texto vai se construindo com o
uso de elementos modalizadores. Os modalizadores vão tecendo, ao longo do texto, um
caminho discursivo que começa na volição (primeira frase, passa pelo questionamento da
certeza (segunda frase) e pela apresentação de uma possibilidade (quarta frase), finalizan-
do em uma ordem (quinta frase).
É certo que outros elementos textuais precisam ser lidos nesse texto, mas a não obser-
vância dos elementos modalizadores, embora não prejudique a compreensão global do
texto, impede que se aprofunde essa compreensão, a qual, se efetivada mediante o estudo
auxiliar dos modalizadores, levaria a uma avaliação ou a uma reflexão crítica de um com-
portamento humano em relação à forma como a mulher (no caso Susie) se porta com rela-
ção ao homem (no caso Calvin).
Por essa razão, em um texto como esse, o aluno deve realizar leituras mais profundas,
identificando os efeitos de sentido gerados pelos modalizadores, que certamente conver-
gem para uma compreensão além texto.
Leia o texto abaixo:

PUDIM DE PÃO COM CHOCOLATE

INGREDIENTES
20 fatias de pão de forma sem casca e picadas
120 ml de leite
8 ovos
1 xícara (chá) + 1/2 xícara (chá) de açúcar (340 g)

238 • capítulo 6
2 xícaras (chá) de chocolate em pó (240 g)
100 g de chocolate meio amargo cortado em quadradinhos

CALDA DE CHOCOLATE

1 xícara (chá) de açúcar (190 g)


1 xícara (chá) de chocolate em pó (120 g)
1 colher (sopa) de margarina
1/2 xícara (chá) de leite

MODO DE PREPARO

Num processador coloque 20 fatias de pão de forma sem casca e picadas e processe por 1
minuto. Acrescente 120 ml de leite, 8 ovos, 340 g de açúcar e 2 xícaras (chá) de chocolate em
pó e bata bem até formar um creme.
Numa fôrma de pudim, untada com manteiga, coloque metade do creme e salpique 50 g de cho-
colate meio amargo picado. Coloque o restante do creme e a outra metade do chocolate picado.
Leve ao forno pré-aquecido a 180 graus em banho-maria por +/- 45 minutos.

CALDA DE CHOCOLATE

Numa panela coloque 1 xícara (chá) de açúcar, 1 xícara (chá) de chocolate em pó, 1 colher
(sopa) de margarina e 1/2 xícara (chá) de leite e leve ao fogo brando mexendo sempre até
ferver (+/- 5 minutos). Retire do fogo e deixe esfriar.

O texto acima é um exemplo de texto injuntivo, pois se trata de receita culinária. É carac-
terística composicional desse tipo textual a existência de duas partes.
Na primeira, como o próprio nome sugere, estão presentes os ingredientes necessários
para que seja realizada a receita. Na segunda parte é descrito o modo de preparo da receita,
que tem o objetivo de levar o cozinheiro a produzir o alimento com sucesso.
Como se observa nesse exemplo, essa descrição é comumente realizada de forma ins-
trucional, ou seja, o locutor se vale de estratégias linguístico-discursivas para instruir o co-
zinheiro a conseguir realizar o preparo de forma adequada. No referido exemplo, a estraté-
gia utilizada foi o uso de verbos no modo imperativo (coloque, acrescente, salpique, leve,
retire, deixe).
O imperativo acima funciona como um modalizador de obrigatoriedade no sentido em
que indica que o interlocutor tem de obrigatoriamente realizar as ações previstas pelo ver-
bo, na ordem em que aparecem, para que o alimento seja preparado adequadamente. Ele
é usado para dar instruções claras para o interlocutor a fim de que este atinja o objetivo
esperado pelo locutor.
No quadrinho, Susie utiliza o modalizador de obrigatoriedade para dar uma ordem e,
assim, chantagear Calvin, o que imprime uma leitura de obrigação. Já no caso da receita,
os modalizadores utilizados devem ser lidos a partir das próprias características do gênero,
isto é, sob a perspectiva da instrução.

capítulo 6 • 239
CURIOSIDADE
Em determinados tipos textuais, a presença desses elementos linguístico-discursivos é tão necessária que
se torna difícil a produção do texto sem a sua utilização. É o caso dos chamados textos instrucionais (a
exemplo dos manuais de instruções), em que a presença de modalizadores de obrigatoriedade determina
de que maneira o leitor deve proceder para executar determinada tarefa.

RESUMO
A partir da modalização da linguagem, observa-se como há diferentes formas para se trabalhar os proces-
sos de produção de sentidos nos diversos tipos de textos.
Adquirir a capacidade de ler e produzir enunciados em que esses elementos modalizadores aparecem,
expressando diferentes efeitos de sentido, é uma das habilidades que o aluno precisa adquirir para ser
competente linguisticamente.
Logo, faz-se necessário estudar esses elementos não somente no processo de análise linguística, mas
também no processo de leitura e produção textual.
Por fim, a modalização é indispensável para a construção de sentido em determinados tipos textuais e, em ra-
zão disso, o aluno tem que dar atenção a esse tema para que venha a ler e produzir textos com competência.

Resumo: definição e usos


Em diversas situações de fala ou escrita, costuma-se resumir a história de um filme a que se
assiste ou de um livro lido, uma notícia, porque há a intenção de provocar em nosso inter-
locutor o desejo de ler o livro, ou assistir ao filme, ou porque o resumo de um livro ou texto
pode ser um ponto de partida para outros estudos, citações.
O resumo pode apresentar-se de várias formas, conforme o objetivo a que se destina.
No sentido estrito, padrão, deve reproduzir as opiniões do autor do texto original, a or-
dem como essas são apresentadas e as articulações lógicas do texto, sem emitir comen-
tários ou juízos de valor.
Dito de outro modo, resumir consiste em reduzir o texto a uma fração da extensão origi-
nal, mantendo sua estrutura e seus pontos essenciais.
Em qualquer tipo de resumo, entretanto, certos cuidados são indispensáveis, como:
buscar a essência do texto e manter-se fiel às ideias do autor.
Copiar partes do texto e fazer uma "colagem", sob a alegação de buscar fidelidade às
ideias do autor não é permitido, pois o resumo deve ser o resultado de um processo de
"filtragem", uma (re)elaboração de quem resume. Se for conveniente utilizar excertos do
original (para reforçar algum ponto de vista, por exemplo), esses devem ser breves e estar
identificados (autor e página).
É evidente que o grau de dificuldade para resumir um texto depende basicamente de
dois fatores:

240 • capítulo 6
Da complexidade do próprio texto (vocabulário, estruturação sintático-semântica, rela-
A ções lógicas, o tipo de assunto tratado);

Da competência do leitor (grau de amadurecimento intelectual, o repertório de informa-


B ções que possui, a familiaridade com os temas explorados)

EXEMPLO
O texto abaixo refere-se ao livro Capitães de Areia, de Jorge Amado. Por que se pode afirmar que ele
é um resumo?

O livro Capitães de Areia, de Jorge Amado, objeto do resumo em estudo, traz reflexões sobre a
história que é conduzida em função dos destinos individuais de cada integrante do bando. Assim,
Jorge Amado ilustra a marginalização definitiva de uns (por exemplo: Sem-Pernas e Volta Seca)
e a desalienação de outros, como Professor, Pirulito e Pedro Bala.
Este último, tomando consciência das injustiças sociais, ao final do romance, torna-se líder (tal
como o pai), lutando ao lado dos trabalhadores grevistas. Pirulito, devido à vocação, descrita
desde o início do romance, torna-se frade capuchinho, justificando a incansável luta de padre
José Pedro em resgatar aqueles jovens da marginalidade. Padre José Pedro é uma das poucas
personagens adultas, juntamente com a mãe-de-santo Don'Aninha, a se aproximar do grupo
marginalizado.
Fonte: http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/literatura/capitaes-areia-resumo-obra-jor-
ge-amado-03759 .shtml, acessado em 7/10/2014.

Como se observa, o resumo apresentado sintetiza o conteúdo do romance e fornece in-


formações acerca do enredo do livro, com o objetivo de orientar o leitor em sua escolha.
Pelo resumo o leitor, de acordo com suas preferências de leitura e interesses pessoais
ou profissionais, pode decidir se lê esse livro ou não.
Verifica-se, então, que resumo é uma forma de condensar de maneira coerente e com-
preensível as ideias e informações ou os fatos contidos em um texto literário, científico,
expositivo, jornalístico.
Resumir é, assim, reduzir o texto original ao essencial, sem destruir o conteúdo. Para
isso, ao resumir, deve-se captar as ideias essenciais do texto, considerando a progressão em
que as ideias se sucedem e se relacionam em cada uma das partes e no texto como um todo.
Resumir um texto não é reproduzir frases ou partes integrais do texto original, cons-
truindo uma espécie de colagem de suas ideias principais. Isso é fragmentar um texto, não
resumi-lo. Em um resumo deve-se apresentar, com as próprias palavras, com autonomia de
linguagem, os pontos relevantes de um texto.
Fazer um resumo, portanto, requer técnica e significa elaborar um novo texto. Assim, é
impossível fazê-lo sem antes compreender o conteúdo global do texto primitivo.

capítulo 6 • 241
Técnica do resumo

Ler integralmente o texto a ser resumido, do começo ao fim, tentando responder men-
A talmente à pergunta: do que trata o texto?

Ler uma segunda vez, interrompendo a leitura para compreender o significado de pa-
lavras que desconhece ou captar o sentido das frases mais longas ou complexas que
possuam inversões. Nessa leitura é preciso, ainda, estar atento à relação entre as frases,
B prestando atenção nas locuções adverbiais, como, em primeiro lugar, consequentemen-
te, e nos elementos relacionais, isto é, aqueles que estabelecem as conexões entre as
ideias, como os conectores já que, entretanto, embora, no entanto.

Segmentar o texto em blocos de ideias que contenham alguma unidade de significação.


Desse modo, se for resumir um texto pequeno, pode segmentá-lo em parágrafos; se um
capítulo do livro, ou um livro todo, deve-se procurar outros critérios de segmentação,
C de acordo com o tipo de texto. Se for um romance, por exemplo, pode segmentá-lo,
colocando em oposição fatos, personagens, tempo. Ao terminar essa etapa, resumem-
se as ideias contidas em cada segmento, procurando-se empregar palavras abstratas e
abrangentes.

Redigir o resumo com palavras próprias, procurando não só reduzir ao essencial as seg-
D mentações, mas também encadeá-las numa ordem em que as ideias se sucedem e se
relacionem em cada uma das partes e no texto como um todo.

Ao fazer o resumo, é possível eliminar palavras, expressões e até frases inteiras, quando
elas não forem necessárias à compreensão de outras partes do texto. Pode-se também
E substituir palavras e expressões por outras equivalentes ou reduzi-las a um termo que
as inclua.

O resumo tem por objetivo apresentar com fidelidade ideias ou fatos essenciais con-
tidos num texto. Sua elaboração é bastante complexa, já que envolve habilidades como
leitura competente, análise detalhada das ideias do autor, discriminação e hierarquização
dessas ideias e redação clara e objetiva do texto final.
Em contrapartida, dominar a técnica de fazer resumos é de grande utilidade para qual-
quer atividade intelectual que envolva seleção e apresentação de fatos, processos, ideias.

Resenha: definição e usos


Resenha é um texto que, além de resumir o objeto, faz uma avaliação sobre ele, uma crítica,
apontando os aspectos positivos e negativos. Trata-se, portanto, de um texto de informação
e de apreciação crítica.

242 • capítulo 6
A resenha, por ser em geral um resumo crítico, exige que o resenhista seja alguém com
conhecimentos na área, uma vez que avalia a obra, julgando-a criticamente.
O objetivo da resenha é divulgar objetos de consumo cultural - livros, filmes peças de
teatro, por isso a resenha é um texto de caráter efêmero, pois "envelhece" rapidamente,
muito mais que outros textos de natureza opinativa.

EXEMPLO
Jorge Amado, escritor consagrado da literatura brasileira, conhecido internacionalmente e famoso, principal-
mente, pelas obras Dona Flor e seus dois maridos e Gabriela, cravo e canela, também escreveu Capitães de
areia, seu sexto romance, livro em que a Baía de Todos os Santos é o cenário de uma realidade social brasileira.
Em seus livros estão representados problemas sociais de períodos de nossa história que, infelizmente,
repetem-se ainda hoje, daí o caráter sempre atual e o sucesso internacional de suas obras.
Em Capitães de Areia o autor trata da problemática do menor abandonado e das consequências deste
abandono, como a violência, a criminalidade e a prostituição.
Escrito em 1937, pouco depois da implantação do Estado Novo por Getúlio Vargas, Capitães da Areia é um
poema em prosa, recheado de poesia e temperado com ação, aventura, comédia e drama.
A obra vem precedida por uma sequência de reportagens, para situar os leitores sobre a forma como, se-
gundo a visão da sociedade, da polícia e da imprensa daquela época, um grupo de menores abandonados
e marginalizados, aterrorizavam, com seus roubos, a cidade de Salvador.
Capitães da Areia é, sem dúvida, um documento valioso para a compreensão de uma época, na Bahia.
Percebe-se que a sua elaboração resultou da observação intensa do autor das ruas, becos e ladeiras da
cidade, presenciando a desigualdade social e a discriminação entre as raças, numa sociedade em que
somente os ricos tinham privilégios.
A triste conclusão que sua leitura nos proporciona é que continuam a fazer parte da história da pátria novos
meninos, tão excluídos e dominados pela marginalidade quanto aqueles, os quais, apesar de frequentarem
cada vez mais espaços públicos, não têm acesso a uma educação de qualidade, à segurança de uma famí-
lia ou a quaisquer encaminhamentos que lhes vislumbrem oportunidades futuras.
É uma leitura recomendável pela atualidade do tema, por tratar-se de um livro que relata uma realidade
histórica que permanece, provocando uma reflexão sobre a atuação de nossos governantes em prol do
futuro destes meninos, ao mesmo tempo em que mexe com nossa consciência social, política e econômica.
Fonte: http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/literatura/capitaes-areia-resumo-obra-jorge-ama-
do-703759.shtml, acessado em 7/10/2014.

Técnica da resenha

A resenha não é um simples comentário. Trata-se de um trabalho científico que pres-


supõe conhecimento do conjunto da obra e não apenas de um de seus componentes
(capítulos), leitura analítica, realização de anotações, maturidade intelectual, poder de
síntese, capacidade crítica, objetividade, seriedade e uso de linguagem culta e, por isto,
deve seguir as seguintes orientações:

capítulo 6 • 243
A estrutura de uma resenha associa informações, argumentos e juízos de valor de modo
A a convencer o leitor de que a opinião do autor sobre a obra avaliada é justa.

A preocupação com a contextualização é necessária, porque ajuda o leitor a situar a


B obra no conjunto maior a que ela pertence. Esse procedimento é essencial para que ele
acompanhe os juízos de valor que são apresentados ao longo do texto.

Pela mesma razão, as comparações são parte da estratégia argumentativa e uma carac-
terística das resenhas críticas. Elas promovem o confronto entre a obra que está sendo
C avaliada e outras (boas ou ruins), que passam a servir de parâmetro para o juízo que está
sendo formado.

O título representa o primeiro contato do leitor com a obra analisada e deve informá-lo
D do tema da obra. A leitura já pode trazer algum juízo de valor. A identificação do autor da
resenha pode preceder o texto ou aparecer no final.

A resenha crítica não deve ser vista ou elaborada mediante um resumo a que se acres-
centa, ao final, uma avaliação ou crítica. A postura crítica deve estar presente desde a
E primeira linha, resultando em um texto em que o resumo e a voz crítica do resenhista se
interpenetram.

No primeiro parágrafo, que é a introdução, apresenta-se o contexto no qual a obra rese-


nhada se insere. O autor da resenha também deve trazer neste parágrafo as informações
F básicas (título, autor, editora, número de páginas, preço, exemplares vendidos) sobre o
livro que será analisado.

Dentre essas informações, merece atenção especial a descrição resumida do conteúdo


G da obra e uma breve apresentação do autor do texto resenhado, bem como explicitar
também alguns dos seus juízos de valor.

O que se deve observar é que o parágrafo inicial costuma sempre trazer uma contextu-
H alização do tema abordado, para que o leitor possa se “localizar” e recuperar as informa-
ções de que já dispõe sobre o assunto.

A partir do segundo parágrafo começa o desenvolvimento do texto, em que é construída


uma cadeia argumentativa. As estratégias exploradas para convencer o leitor da tese
i defendida pelo texto vão variar de autor para autor, mas todos precisam organizar os
argumentos de modo a sustentar sua análise.

244 • capítulo 6
Deve haver neste parágrafo uma expansão do contexto mais geral no qual se insere o
j livro resenhado.

O autor do texto deve informar aos seus leitores outras obras semelhantes, publicadas
no Brasil, por exemplo. Esse tipo de comparação é comum nas resenhas. Pode ser feito
k de duas formas, a saber: confrontando a obra resenhada com outras do mesmo tipo, ou
comparando diferentes obras de um mesmo autor.

A informação sobre outras obras do mesmo tipo é utilizada como base para a explicita-
l ção do juízo de valor.

No terceiro parágrafo, o autor deve concentrar-se na análise do objeto da resenha e


m partir de um breve resumo do enfoque que a obra dá para introduzir mais alguns juízos
de valor, agora voltados para a avaliação da obra resenhada.

Os juízos de valor procuram orientar o leitor sobre a qualidade da abordagem da quali-


n dade da obra.

É importante observar que as comparações feitas ao longo do texto têm valor argu-
o mentativo, porque ajudam o resenhista a validar suas opiniões, fazendo com que não
pareçam juízos de valor, emitidos sem qualquer referência mais concreta.

Reitera-se que a avaliação crítica é a parte principal da resenha, pois é o momento em


que o resenhista realiza uma apresentação crítica da obra, destacando sua coerência
p interna, originalidade, contribuição científica, clareza na exposição da ideia central e nos
argumentos, êxito no objetivo proposto, avaliação da disposição de sua estrutura (capí-
tulos), do método, da linguagem e do estilo utilizados.

No último parágrafo, apresenta-se a conclusão que deve ser uma reafirmação da avalia-
q ção feita sobre a obra resenhada.

Resenha é um trabalho científico que objetiva apresentar uma obra, devidamente anali-
sada e criticada. Enquanto a resenha exige capacidade de análise crítica, o resumo, por pos-
suir a finalidade de difundir as principais ideias do autor de um determinado livro, artigo
ou tese, demanda apenas apresentação concisa de seu conteúdo.

RESUMO
No capítulo anterior, abordamos os tipos textuais, como Narração, Descrição, Dissertação Expositiva, Dis-
sertação-Argumentativa, Injunção, dialogando-os com a organização discursiva do texto, dentre outros
estudos linguísticos e textuais enfocados, como conhecimentos gramaticais, apresentando-se criteriosa-

capítulo 6 • 245
mente as características predominantes em cada um deles. Foram abordados textos de tipologia variada,
analisados, mesmo em fragmentos, à procura também da construção do significado e da organização de
uma linha de raciocínio clara, coesa e coerente. Assim como foram descritas estratégias textuais que,
conscientizadas, darão ao aluno oportunidade de progresso na escrita.
Neste capítulos, abordamos o importante papel da leitura para o aprimoramento da escrita. Enfatiza-se que
a leitura consiste em perceber e compreender as relações existentes no mundo e que ler é atribuir sentido
ao texto, e também relacioná-lo com o contexto e com as experiências vivenciadas pelo leitor.
Em relação à modalização da linguagem, estuda-se que os modalizadores atuam nos textos provocando
diferentes efeitos de sentido, tais como: um ponto de vista, um sentimento ou um julgamento do locutor
em relação ao enunciado. Percebe-se também que o locutor se utiliza dessas marcas linguísticas para
direcionar a forma como ele quer que o seu texto seja lido pelo interlocutor.
Verifica-se também que a modalização é indispensável para a construção de sentido em determinados
tipos textuais.
Mostra-se a diferença entre resumo e resenha e aborda-se ainda que a resenha traz uma caracterização
resumida da obra analisada, apresentando, também, uma opinião sustentada por comentários e avaliações
críticas sobre sua qualidade, enquanto que o resumo tem por objetivo apresentar com fidelidade ideias ou
fatos essenciais contidos num texto, reduzindo-o a uma fração da extensão original, mas mantendo sua es-
trutura e seus pontos essenciais, ou seja, mantendo-se a essência do texto e a fidelidade às ideias do autor.

ATIVIDADE

Valsinha

“Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar
E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz.”

Chico Buarque de Holanda e Vinicius de Moraes

246 • capítulo 6
1.  (UFF/2009) Identifique o comentário adequado sobre aspectos sintáticos, semânticos e discursivos do
texto “Valsinha”.

a.  Dentre as marcas verbais presentes na progressão do texto, há a predominância do pretérito perfeito
para indicar fatos passados habituais, de ação mais curta.
b.  A progressão do texto se opera por modelo narrativo, em que o desenvolvimento dos acontecimentos se
dá por meio da repetição do conectivo “e” e das expressões de tempo verbais e adverbiais.
c.  A presença frequente da ênclise no desenvolvimento do sentido de um encontro amoroso implica um
registro informal da língua, próprio de uma canção.
d.  A gradação dos substantivos – praça, vizinhança, cidade, mundo – constrói um sentido de crítica incom-
patível com as atitudes dos personagens envolvidos na história narrada.
e.  As diferentes marcas da relação de causa-consequência (tanto que/e) ocorrem ao longo do texto, para
explicitar a construção linguística do desencontro amoroso.

2.  Marque a afirmação correta em relação ao texto abaixo:

"Senti tocar-me no ombro; era Lobo Neves. Encaramo-nos alguns instantes, mudos, inconsolá-
veis. Indaguei de Virgília, depois ficamos a conversar uma meia hora. No fim desse tempo, vieram
trazer-lhe uma carta; ele leu-a, empalideceu muito e fechou-a com a mão trêmula." (Machado de
Assis, in. Memórias Póstumas de Brás Cubas)

a.  É texto dissertativo com alguns elementos descritivos.


b.  Não se trata de texto narrativo, pois não há personagens.
c.  É um texto descritivo, com alguns elementos narrativos.
d.  O texto não apresenta personagem-narrador.
e.  Trata-se de uma narração, sem nenhum traço dissertativo.

3.  Qual a tipologia textual do trecho apresentado abaixo?

Dona Julieta chamou os filhos mais novos para uma conversa séria. Era uma manhã de domingo,
o dia estava claro e ensolarado. Pediu a eles que compreendessem a situação do pai, que não
tinha no momento condição de colocá-los em uma escola melhor.

a.  Dissertação subjetiva


b.  Descrição
c.  Narração com alguns traços descritivos
d.  Dissertação objetiva com alguns traços descritivos
e.  Narração com alguns traços dissertativos

capítulo 6 • 247
4.  Produção de Texto

“Na volta do cemitério, vovô subiu uma última vez ao sótão, só o tempo de tirar uma caixa de sa-
patos que, ao descer, entregou a mamãe com algumas palavras de explicação. [...] Dentro havia
fotografias, cartões-postais, cartas, um broche e dois cadernos. A letra do mais estragado deles,
caprichada no começo ia piorando à medida que se viravam as páginas, até ficar no fim qua-
se ilegível, algumas notas arremessadas que se diluíam no branco das últimas folhas virgens”.
(ROUAUD, Jean. Os campos de honra. Rio de Janeiro: Record, 1996.)

O fragmento acima é parte histórica de uma família contada por um narrador que “vasculha” a memória,
buscando encontrar um sentido para a existência e decifrar um enigma cuja chave pode estar guardada
numa caixa escondida no sótão.
Continue a narrativa, elaborando um parágrafo narrativo, seguindo as seguintes instruções:
•  Sua história pode ser narrada em primeira ou terceira pessoa.
•  O episódio narrado deverá estar centrado em pelo menos um dos objetos guardados na caixa de sapatos
(fotografias, cartões-postais, cartas, broche, dois cadernos).

5.  Produção de Texto


Em toda sociedade convivem gerações diversas, que se relacionam de formas distintas, exigindo de todos
o exercício contínuo de lidar com a diferença.

As relações intergeracionais permitem a transformação e a reconstrução da tradição no espaço


dos grupos sociais. A transmissão dos saberes não é linear; ambas as gerações possuem sa-
bedorias que podem ser desconhecidas para a outra geração, e a troca de saberes possibilita
vivenciar diversos modos de pensar, de agir e de sentir e, assim, renovar as opiniões e visões
acerca do mundo e das pessoas. As gerações se renovam e se transformam reciprocamente, em
um movimento constante de construção e desconstrução. (Adaptado de Diálogo intergeracional
entre idosos e crianças. Rio de Janeiro. PUC-RJ, 2007, p 52.)

Leia o texto acima e elabore sua narrativa a partir do seguinte recorte temático:

“O convívio entre gerações tem lugar privilegiado no ambiente familiar.”

Instruções:
•  Imagine uma personagem jovem que vai estudar em outra cidade e passa a morar com os avós.
•  Narre o(s) conflito(s) da personagem, dividida entre os sentimentos em relação aos avós e as dificulda-
des de convívio com essa outra geração.
•  Sua história pode ser narrada em primeira ou terceira pessoa.

6.  Produção de Texto

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência como o uso de força física ou po-
der, por ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comuni-
dade, que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento

248 • capítulo 6
prejudicado ou privação. Essa definição agrega a intencionalidade à prática do ato violento pro-
priamente dito, desconsiderando o efeito produzido.
DAHLBERG, L. L.; KRUG, E. G. Violência: um problema global de saúde pública. Disponível em:
<http://www.scielo.br>. Acesso em: 18 jul. 2012 (adaptado).

A partir da definição de violência formulada pela OMS, apresentada acima, redija um texto dissertativo
-argumentativo a respeito da violência na atualidade. Em sua abordagem, deverão ser contemplados os
seguintes aspectos:
•  Tecnologia e violência;
•  Causas e consequências da violência na escola;
•  Proposta de solução para o problema da violência na escola.

GABARITO
1.  A
2.  E
3.  C

4.  Espera-se que, o produtor de texto narre um acontecimento com coesão e coerência, centrado em um
dos objetos guardados na caixa de sapatos, e que a memória do objeto escolhido seja entendida como
vínculo e convívio entre diferentes gerações. A narração pode ser feita em primeira ou terceira pessoa.

5.  Espera-se que o produtor de texto construa uma narrativa decorrente de uma rotina de convivência
entre a personagem jovem e seus avós, como: adaptação aos horários da nova casa (refeições, hora de
acordar e de dormir, hora de voltar para casa), necessidade de prestar assistência em certas ocasiões, de
lidar com os limites impostos à sua privacidade. O produtor de texto deve mostrar que esse conflito pode
envolver, por exemplo, a alternância entre reações negativas e positivas, atitudes de revolta ou rejeição
seguidas de momentos de alegria e descontração; sentimento de culpa, entremeado de afeto; brigas e
reconciliações nascidas da dificuldade de lidar com outra geração.
Espera-se, finalmente, que, ao narrar tal(is) conflito(s), levem-se em consideração questões para as quais
a coletânea aponta, tais como a descoberta do valor da experiência e da memória como possibilidade de
vínculo e convívio entre diferentes gerações, o conflito gerado pelo despreparo para lidar ou conviver, de
modo mais próximo, com as demandas específicas de uma outra geração.
A narração deve ser feita em terceira pessoa.

6.  Deve-se redigir texto dissertativo-argumentativo, abordando os seguintes tópicos:


A – Comentários gerais a respeito da violência na atualidade, considerando o papel de tecnologias no
estímulo ou combate à violência.
B – Aspectos relacionados à educação escolar e a violência, apontando suas causas e consequências.
C – Ações/soluções para a violência na escola. Exemplos: atualização dos profissionais da educação,
conscientização da comunidade escolar sobre o assunto, desenvolvimento de políticas públicas ligadas ao
combate à violência.

capítulo 6 • 249
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