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Dossiê

Tendo c o m o eixo o
direito à educação para
I N C L U S Ã O ESCOLAR
t o d o s , explora-se parti-
c u l a r m e n t e neste texto E EDUCAÇÃO
c o m o tal direito v e m
se c o n c r e t i z a n d o p a r a
p a r c e l a d e a l u n o s defi- ESPECIAL:
cientes físicos, sensoriais
ou m e n t a i s q u e , p a r a
seu d e s e n v o l v i m e n t o , CONSIDERAÇÕES
m u i t a s vezes d e m a n -
dam condições não
usualmente disponíveis
SOBRE A POLÍTICA
nos sistemas de ensino.
Procura-se e v i d e n c i a r o
p o t e n c i a l de e x c l u s ã o
EDUCACIONAL
q u e decorre d o s p r i n c í -
pios q u e vêm BRASILEIRA
norteando, na atualida-
de, as políticas educacio-
nais, n o c o n t e x t o d e re-
f o r m a d o Estado, evi-
denciando sua contradi-
ção c o m o d i s c u r s o d a
iVIarcos J o s é da S i l v e i r a M a z zotta
i n c l u s ã o escolar.
Inclusão; política
O a n d r a M . Z á k i a L . S ousa
educacional; educação
especial

SCHOOL INCLUSION
AND SPECIAL
EDUCATION:
CONSIDERATIONS ON
BRAZILIAN
EDUCATIONAL POLICY
The authors explore
N
À \ | o Brasil, particularmente nos anos 90,
how the riaght to o tema da inclusão escolar tem estado presente nos
"Education for all" is
estudos, debates e proposições de professores, pes-
becoming a reality for
part of physical, senso- quisadores, gestores, pais e a l u n o s , direta ou indire-
rial, and mental tamente, envolvidos com a educação especial. Esse
handicapped students.
tema, e m ú l t i m a instância, nos remete à análise de
These students demand
unusual conditions c o m o v e m se c o n c r e t i z a n d o o direito à educação
which are not available em nossa realidade.
in the learning systems.
Sem dúvida, discutir-se a concretização do di-
The authors try to
show the potential oi reito de todos à educação escolar i m p l i c a a conside-
exclusion that comes
from principles which
direct the educational
policies. These principles • Professor titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie, professor
contradict the school associado da Universidade de São Paulo, membro-fundador do
inclusion discourse.
Laboratório Interunidades de Estudos sobre Deficiências (Lide), do
Inclusion; educational
Instituto de Psicologia da USP.
policy; special
education • • Professora doutora da Faculdade de Educação da Universidade
de São Paulo.
r a ç ã o d a m u l t i p l i c i d a d e de m a n i f e s t a ç õ e s d e e x c l u s ã o , seja s o c i a l , ra-
c i a l , d e g ê n e r o o u das pessoas deficientes na sociedade e na escola.
Ou seja, a o se a s s u m i r a p e r s p e c t i v a d a i n c l u s ã o , tem-se c o m o su-
posto o reconhecimento da exclusão, "processo complexo e
m u l t i f a c e t a d o , u m a c o n f i g u r a ç ã o de d i m e n s õ e s m a t e r i a i s , p o l í t i c a s ,
r e l a c i o n a i s e s u b j e t i v a s . E p r o c e s s o s u t i l e d i a l é t i c o , p o i s só e x i s t e
em relação à inclusão como parte constitutiva dela. Não é uma
coisa ou u m estado, é processo que envolve o h o m e m por inteiro
e s u a s r e l a ç õ e s c o m os o u t r o s . N ã o t e m u m a ú n i c a f o r m a e não é
falha d o s i s t e m a , (...) é p r o d u t o d o funcionamento do sistema"
(Sawaia, 1999, p.9).
O processo de e x c l u s ã o , no e n t a n t o , concretiza-se de diversas
m a n e i r a s e c o m d i f e r e n t e s i n t e n s i d a d e s , n ã o só e m r e l a ç ã o a o t e m -
po e espaço em que ocorre, m a s t a m b é m e m relação aos segmentos
e pessoas envolvidas. Assim, não devemos abstrair dos mecanismos
e s p e c í f i c o s de d i s c r i m i n a ç ã o o u m a r g i n a l i z a ç ã o d o s d e f i c i e n t e s , sob
o r i s c o de, e m n o m e d e u m a e d u c a ç ã o p a r a t o d o s , m a n t e r , tempo-
r a r i a m e n t e , dados a l u n o s na escola sem que lhes sejam g a r a n t i d a s
c o n d i ç õ e s de a p r e n d i z a g e m .
N e s t e t e x t o , as c o n s i d e r a ç õ e s t ê m c o m o foco a e d u c a ç ã o esco-
lar de a l u n o s c o m d e f i c i ê n c i a e q u e d e m a n d a m , p a r a seu d e s e n v o l -
vimento, condições não usualmente disponíveis nos sistemas de
e n s i n o , p a r a c o n c r e t i z a ç ã o de seu d i r e i t o à e d u c a ç ã o . E m b o r a nosso
horizonte seja a c o n c r e t i z a ç ã o d e u m a e d u c a ç ã o c o m u m inclusiva,
não se p o d e a b s t r a i r d o potencial de e x c l u s ã o q u e d e c o r r e dos
princípios que vêm norteando, n a a t u a l i d a d e , as p o l í t i c a s e d u c a c i o -
nais, no contexto de reforma do Estado. Procura-se indicar os
i m p a c t o s dessa r e f o r m a n a gestão e d u c a c i o n a l , a n a l i s a n d o - s e p a r t i c u -
larmente a concepção de a v a l i a ç ã o de sistemas de e n s i n o q u e tem
sido dominante em iniciativas governamentais.

EDUCAÇÃO ESCOLAR: DIMENSÃO PÚBLICA

De i n í c i o c o n v é m l e m b r a r q u e , m e s m o n u m a r á p i d a incursão
em nossa política educacional, p o d e m o s c o n s t a t a r r e g i s t r o s q u e re-
velam preocupações governamentais com a educação para todos.
Embora constando de d o c u m e n t o s oficiais, tais preocupações, in-
tenções ou prerrogativas não têm sido a c o m p a n h a d a s de ações que
as t o r n e m r e a l i d a d e .
Reiterada sempre como propósito consensual e inquestionável
numa s o c i e d a d e d e m o c r á t i c a , a educação para todos, em diversos
momentos de nossa história, mereceu e v e m m e r e c e n d o importan-
tes d e b a t e s , t a n t o p o r i n i c i a t i v a s g o v e r n a m e n t a i s c o m o não-gover-
namentais^.
Para não nos determos em tantas reminiscências, a i n d a que im-
portantes, é o p o r t u n o lembrar aqui, por exemplo, o tão propalado
"Dia D", ou Dia N a c i o n a l de Debate sobre Educação, o c o r r i d o em
18 d e s e t e m b r o de 1985, p r o m o v i d o pelo Ministério da Educação
e envolvendo educadores, comunidade, instituições e sociedade em
g e r a l . T a l d e b a t e se d e u no contexto da p o l í t i c a e d u c a c i o n a l da
"Nova República", segundo a q u a l "a e d u c a ç ã o b r a s i l e i r a , sob a
égide dos princípios da democratização, participação e
descentralização, deverá garantir a todos u m e n s i n o de q u a l i d a d e ,
fator e s s e n c i a l à c o n s o l i d a ç ã o d a d e m o c r a c i a " ( B r a s i l , 1 9 8 5 , p . 9 ) . O
tema norteador d a s d i s c u s s õ e s foi " a e s c o l a q u e t e m o s e a e s c o l a
que q u e r e m o s " e m vista de u m a E d u c a ç ã o p a r a T o d o s - Caminho
para a M u d a n ç a .
Outro debate importante, t a m b é m de i n i c i a t i v a do Ministério
da E d u c a ç ã o , foi d e s e n c a d e a d o e m m a i o d e 1994 t e n d o c o m o alvo
o Plano Decenal de Educação para Todos - 1993/2003. Tal plano
i n s p i r o u - s e n a Declaração Mundial sobre a Educação para Todos:
Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, aprovada na
Conferência M u n d i a l realizada em 1989, em J o m t i e n , na T a i l â n d i a .
T e n d o c o m o n ú c l e o "o i m p e r a t i v o de u n i v e r s a l i z a ç ã o c o m q u a l i d a -
de, aspiração maior da s o c i e d a d e brasileira, c o m a conseqüente
erradicação do analfabetismo", inclui a preocupação com a
" i n t e g r a ç ã o à escola de c r i a n ç a s e jovens p o r t a d o r e s de d e f i c i ê n c i a
e, q u a n d o necessário, o a p o i o a i n i c i a t i v a s de a t e n d i m e n t o espe-
c i a l i z a d o " (Brasil, 1993, p.48).
Diversos outros eventos registram-se a partir da e d i ç ã o da
P o l í t i c a N a c i o n a l de E d u c a ç ã o Especial, e m 1993, b a s e a d a n o referi-
d o Plano Decenal e no Estatuto da C r i a n ç a e do Adolescente, de
1990; b e m c o m o a p ó s a Declaração de Salamanca e linhas de ação
sobre necessidades educativas especiais, aprovada pela Conferência
M u n d i a l , de 1994, o r g a n i z a d a pelo governo da Espanha com a
c o o p e r a ç ã o da U n e s c o . Esses d o c u m e n t o s nacionais e internacionais
apontam para posicionamentos, rumos e recomendações dirigidos à
ação das organizações g o v e r n a m e n t a i s e não-governamentais na área
da educação.
E o p o r t u n o a s s i n a l a r q u e a Declaração de Salamanca tem sido
o r e f e r e n c i a l b á s i c o p a r a os m a i s r e c e n t e s d e b a t e s s o b r e Educação
para T o d o s c o m a d e n o m i n a ç ã o "Educação Inclusiva", e m razão de
firmar posição consensual comprometida com o "ensino ministra-
do, no sistema c o m u m d e e d u c a ç ã o , a t o d a s as c r i a n ç a s , j o v e n s e
adultos com necessidades educativas especiais". Propugna que "as
e s c o l a s d e v e m a c o l h e r a t o d a s as c r i a n ç a s , i n d e p e n d e n t e m e n t e de
suas condições físicas, intelectuais,
sociais, emocionais, lingüísticas ou
outras", reiterando que "as escolas
d e v e m ser c a p a z e s d e ter s u c e s s o na
e d u c a ç ã o d e t o d o s os a l u n o s , i n c l u s i -
ve os q u e s o f r e m deficiências graves"
(Brasil, 1997, p.17).
Tais recomendações n ã o são ab-
solutamente novas. Haja vista o que
foi a q u i r e m e m o r a d o a p o n t a n d o ape-
n a s a l g u n s a t o s e e v e n t o s e m q u e es-
sas p o s i ç õ e s p o l í t i c o - i d e o l ó g i c a s e s t ã o
explicitadas. Entretanto é fundamen-
tal o b s e r v a r q u e os p r i n c í p i o s e p r o -
postas contidos n e s s a Declaração de
1994 refletem a consolidação de
a n s e i o s de g r u p o s o r g a n i z a d o s , com
renovado poder de pressão sobre os
órgãos governamentais e fortaleci-
m e n t o da c o n v i c ç ã o da i m p o r t â n c i a e
u r g ê n c i a de t r a n s f o r m a ç õ e s sócio-edu-
cacionais compatíveis com o impres-
cindível respeito à diversidade do
ser humano.
Parece óbvio e s i m p l e s ressaltar
a d i v e r s i d a d e d o ser h u m a n o . Toda-
via, no âmbito da sociedade
globalizada, que p r i m a pelo controle
d o c o m p o r t a m e n t o d e seus membros
c o m v i s t a s à p a d r o n i z a ç ã o , as d i f e -
renças e desigualdades a c a b a m sendo
interpretadas como questões mera-
mente individuais. E importante
compreendermos que "a p l u r a l i d a d e é
a condição da ação h u m a n a pelo fato
d e s e r m o s t o d o s os m e s m o s , i s t o é,
h u m a n o s , s e m q u e n i n g u é m seja exa-
tamente igual a q u a l q u e r pessoa que
tenha existido, exista ou venha a
existir" (Arendt, 1 9 9 7 , p . 1 6 ) . S ã o os
homens e as m u l h e r e s , e n ã o o ho-
m e m e a mulher, que vivem na Ter-
ra. E a p a r a d o x a l p l u r a l i d a d e d e se-
res s i n g u l a r e s . Seja d o p o n t o de v i s t a
b i o l ó g i c o o u s o c i a l , é p r e c i s o q u e se tem sido algo cada vez m a i s distante
atente para a variedade na u n i d a d e e e desconhecido nas relações h u m a n a s ,
a unidade na variedade como condi- p o r c e r t o m u i t o se e s p e r a d a e s c o l a .
ção da vida humana. Sendo um espaço público de
No e s p a ç o p ú b l i c o , essa i g u a l d a - capital importância na construção da
d e d e d e s i g u a i s p r e c i s a ser a s s e g u r a d a c i d a d a n i a , p a r a c u m p r i r essa função,
sob certos aspectos e por motivos a escola tem de ser o r g a n i z a d a de
e s p e c í f i c o s , já q u e ela n ã o d e c o r r e d a m o d o que atenda a diversidade dos
natureza humana. Daí a necessidade educandos, configurando-se como
fundamental da participação social u m a i n s t i t u i ç ã o social aberta e desti-
de todos na produção, gestão e nada a todos, com sentido integra-
fruição dos bens e serviços de uma dor ou inclusive
sociedade democrática. O fundamental é q u e a escola se
Nesse e n t e n d i m e n t o , todo aquele firme c o m o espaço p r i v i l e g i a d o das re-
q u e se i s o l a , o u é e x c l u í d o d a parti- lações sociais p a r a todos, n ã o i g n o r a n -
c i p a ç ã o a t i v a n o c o n v í v i o s o c i a l , tor- do, portanto, aqueles que apresentem
na-se i m p o t e n t e e perde a condição necessidades e d u c a c i o n a i s especiais. E m
d e s u j e i t o de s u a s a ç õ e s . M e s m o por- outros termos, a c o l h e n d o "crianças c o m
que, é oportuno lembrar, cada vez deficiências e crianças bem dotadas,
m a i s " s ã o os g r u p o s o r g a n i z a d o s que c r i a n ç a s q u e v i v e m n a s r u a s e q u e tra-
têm poder p a r a c r i a r d i r e i t o , e só o b a l h a m , crianças de populações distantes
direito pode limitar o poder", lem- ou n ô m a d e s , c r i a n ç a s d e m i n o r i a s l i n -
b r a n d o aqui o ilustre pensador italia- güísticas, étnicas o u c u l t u r a i s e crianças
no Norberto Bobbio. de o u t r o s g r u p o s ou z o n a s desfavoreci-
E mediante a participação ativa dos ou m a r g i n a l i z a d o s (...)" (Brasil,
n a f a m í l i a , n o t r a b a l h o , n o lazer, o u 1997, p.l8), conforme aponta a Decla-
seja, n o s variados grupos sociais e ração de S a l a m a n c a .
c o m u n i t á r i o s , a l é m d a e s c o l a , q u e se Tal escola, c o m o instrumento
d á a e d u c a ç ã o p a r a a c i d a d a n i a . Nes- social coerente com uma educação
se sentido, cabe esclarecer, com inclusiva, calcada em atitudes éticas
apoio em Habermas, que "a violên- q u e se c o n c r e t i z a m no respeito mú-
cia, e x e r c i d a p o r m e i o da a ç ã o estra- tuo m e d i a d o pela competência, deve
tégica, é a c a p a c i d a d e de impedir a t u a r p a r a a l é m d a s r e s t r i ç õ e s d e sen-
o u t r o s i n d i v í d u o s o u g r u p o s d e de- tido i m p o s t a s aos termos integração
fenderem os seus p r ó p r i o s interesses" e i n c l u s ã o , m u i t a s vezes, c o m propó-
(Freitag & Rouanet, 1993, p . l 12). sitos m e r a m e n t e ideológicos.
N u m a s o c i e d a d e e m q u e a cres- E p r e c i s o q u e se d e i x e d e im-
c e n t e f a l t a d e r e s p e i t o a si e a o ou- p o r slogans, c o m o "o professor espe-
t r o se e x t e r i o r i z a e m discriminação cializado em todos os alunos", e
negativa, competição, corrupção, metáforas c o m o "cascata" e "caleidos-
m a r g i n a l i z a ç ã o e exclusão; em que a c ó p i o " , e se p r o c u r e consolidar in-
solidariedade, tolerância, aceitação e tenções realísticas m e d i a n t e u m a ob-
cooperação têm sido atitudes raras jetiva política educacional voltada
em suas variadas instâncias; e a ética para a inclusão social.
N a e s t r u t u r a ç ã o de s e r v i ç o s e d u c a c i o n a i s e s c o l a r e s q u e possam
s a t i s f a z e r as n e c e s s i d a d e s b á s i c a s d e a p r e n d i z a g e m d o s a l u n o s , e m
v a r i a d a s situações, é preciso que o sistema de e n s i n o conte, tam-
b é m , c o m a e d u c a ç ã o especial e n q u a n t o a e d u c a ç ã o c o m u m n ã o seja
cabalmente transformada e m e d u c a ç ã o i n c l u s i v a . Isto p a r a , d e fato,
voltar-se para o a t e n d i m e n t o da diversidade dos educandos.

EDUCAÇÃO ESPECIAL: PARA QUE E PARA


QUEM

O sentido da educação especial tem sido, muitas vezes,


d i s t o r c i d o d e m o d o q u e e l a seja s i t u a d a c o m o mero mecanismo
de d i s c r i m i n a ç ã o das c a m a d a s p o p u l a r e s sob a r o t u l a ç ã o de pro-
b l e m a s de a p r e n d i z a g e m e c o n s e q ü e n t e segregação d o m e i o escolar
r e g u l a r . Em razão disso, entendemos ser o p o r t u n o r e s g a t a r o seu
significado:
"Educação Especial é u m c o n j u n t o de r e c u r s o s e s e r v i ç o s e d u -
c a c i o n a i s e s p e c i a i s o r g a n i z a d o s p a r a a p o i a r , s u p l e m e n t a r e, e m al-
g u n s c a s o s , s u b s t i t u i r os s e r v i ç o s e d u c a c i o n a i s c o m u n s , p a r a g a r a n -
tir a e d u c a ç ã o f o r m a l d o s e d u c a n d o s q u e a p r e s e n t a m necessidades
educacionais m u i t o diferentes das da m a i o r i a das crianças e jovens"
(Mazzotta, 1989, p.39).
P a r a m e l h o r c o m p r e e n s ã o d o s t e r m o s dessa d e f i n i ç ã o , p a r t i c u -
l a r m e n t e p a r a a q u e l e s q u e t ê m se m a n t i d o n o p l a n o d a s d i s c u s s õ e s
t e ó r i c a s s o b r e essa á r e a , c a b e u m a b r e v e e x p o s i ç ã o s o b r e s u a s i g n i -
ficação no sistema escolar.
" O a p o i o e a s u p l e m e n t a ç ã o são a u x í l i o s e d u c a c i o n a i s e s p e c i a i s
proporcionados no contexto da escola c o m u m ou r e g u l a r aos alu-
nos c o m necessidades e d u c a c i o n a i s especiais, na classe c o m u m .
APOIO: ocorre q u a n d o u m professor especializado orienta a
equipe da escola e o professor da classe c o m u m , a l é m de prestar
atendimento ao a l u n o a u x i l i a n d o - o em suas necessidades educacio-
n a i s e s p e c i a i s p a r a seu m e l h o r a c o m p a n h a m e n t o d o c u r r í c u l o esco-
lar c o m u m e da p r o g r a m a ç ã o de sua classe. N o atendimento ao
a l u n o , a t u a t e n d o c o m o r e f e r ê n c i a os c o n t e ú d o s curriculares e/ou
a p r e p a r a ç ã o de m a t e r i a i s d i d á t i c o s fazendo uso de m é t o d o s e re-
cursos especiais. Tal professor será u m professor de recursos, po-
d e n d o ser u m c o n s u l t o r , u m p r o f e s s o r i t i n e r a n t e ou u m professor
d e s a l a de r e c u r s o s .
SUPLEMENTAÇÃO: o c o r r e q u a n d o u m professor e s p e c i a l i z a d o
o r i e n t a a e q u i p e d a e s c o l a , os p r o f e s s o r e s das classes c o m u n s e
presta a t e n d i m e n t o ao a l u n o m e d i a n t e d e s e n v o l v i m e n t o de ativida-
des e c o n t e ú d o s curriculares específicos, a l é m daqueles destinados a
t o d o s os a l u n o s d e s u a classe, de m o d o a f a v o r e c e r seu d e s e n v o l v i -
m e n t o e a p r e n d i z a g e m e garantir sua escolarização no contexto do
e n s i n o regular. São e x e m p l o s de c o n t e ú d o s e atividades específicos
o b r a i l e , t é c n i c a s de c o m u n i c a ç ã o , a t i v i d a d e s da v i d a d i á r i a . Para
prestar tal a u x í l i o e s p e c i a l , o professor especializado poderá ser
i t i n e r a n t e , d e s a l a de r e c u r s o s o u d e c l a s s e e s p e c i a l .
S U B S T I T U I Ç Ã O : caracteriza-se c o m o u m serviço e d u c a c i o n a l es-
p e c i a l q u e se t o r n a n e c e s s á r i o q u a n d o a organização, o currículo,
os m é t o d o s e os r e c u r s o s d a e s c o l a c o m u m e da classe comum
n ã o são suficientes ou a p r o p r i a d o s para o atendimento das neces-
sidades educacionais dos alunos. C o n s t i t u e m serviços e d u c a c i o n a i s
especiais para substituir a e d u c a ç ã o c o m u m : a classe especial c o m
o r g a n i z a ç ã o curricular específica em que o a l u n o a freqüente com
e x c l u s i v i d a d e , o u seja, e m t o d o o p e r í o d o e m q u e está na escola
c o m u m ; a escola especial, c o m o r g a n i z a ç ã o a d m i n i s t r a t i v a e d i d á t i c a
específica para determinados grupos de a l u n o s c o m necessidades
e d u c a c i o n a i s especiais, a l é m de o u t r o s m e n o s usuais" (Mazzotta,
1997, pp.15-6).
Se desmistificada do papel de v i l ã das camadas menos
f a v o r e c i d a s d a p o p u l a ç ã o e s c o l a r , ela p o d e r á , p o i s , ser interpretada
no conjunto das alternativas e d u c a c i o n a i s escolares, que tanto po-
d e m ser q u a l i f i c a d a s q u a n t o d e s q u a l i f i c a d a s e m a l g u m ou nos di-
versos níveis da a d m i n i s t r a ç ã o e d u c a c i o n a l e o r g a n i z a ç ã o escolar.

REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO: TEN-


DÊNCIAS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS

D a s c o n s i d e r a ç õ e s até a q u i e x p o s t a s p o d e m - s e d e p r e e n d e r prin-
cípios que devem nortear políticas educacionais em direção à cons-
tituição da escola e n q u a n t o e s p a ç o p ú b l i c o , p a r a q u e se v i a b i l i z e o
direito à educação para todos.
A d e c o r r ê n c i a d o s e n t i d o de e d u c a ç ã o e s p e c i a l a q u i explorado
é que o princípio da inclusão ou não-segregação deve ser o
n o r t e a d o r da o r g a n i z a ç ã o da e d u c a ç ã o escolar. No entanto, até
mesmo p a r a s u a c o n c r e t i z a ç ã o , p o d e m se f a z e r n e c e s s á r i o s , para
alguns alunos, recursos ou serviços especiais. A sua não
d i s p o n i b i l i z a ç ã o p o d e se c o n s t i t u i r , n o l i m i t e , e m u m a a ç ã o muito
m a i s d i s c r i m i n a t ó r i a d o q u e a s u a g a r a n t i a . A i n d a , p a r a q u e se
concretize a escola enquanto espaço público é condição q u e as
políticas em curso apoiem e estimu- se e x p r e s s a n o c r e s c i m e n t o d o s gas-
lem relações de c o o p e r a ç ã o intra e tos p ú b l i c o s s e m r e c u r s o s p a r a seu
interescolas, visando a inclusão. financiamento;
Todavia, em um momento em • a g l o b a l i z a ç ã o , a r t i c u l a n d o as
q u e se a s s i s t e à r e f o r m a do Estado ações dos grandes grupos econômi-
assentada em u m pressuposto ideoló- cos, resultou no a u m e n t o do poder
gico de que o m e r c a d o é o agente desses g r a n d e s g r u p o s e no conse-
p r i n c i p a l de p r o m o ç ã o de bem-estar qüente enfraquecimento dos Estados
social, tem-se, c o m o u m a das conse- n a c i o n a i s n o d e l i n e a m e n t o de políti-
qüências, a restrição da noção de cas macroeconômicas;
direitos sociais e a ênfase na noção • centralização e burocratização
d e serviços sociais, sendo necessário excessivas d a m á q u i n a estatal, g e r a n d o
examinar o movimento de redefini- a i n e f i c i ê n c i a e m seu funcionamento.
ção do papel do Estado, do Estado • D i a n t e desse q u a d r o de crise
de b e m - e s t a r social para o Estado do Estado, com menos recursos e
m í n i m o , para u m a compreensão das menos poder, emergem perspectivas
iniciativas localizadas no âmbito edu- p a r a seu e n f r e n t a m e n t o . São formula-
cacional. das proposições voltadas ao redire-
Em m e a d o s dos anos 70, c o m a cionamento do papel do Estado,
p e r d a de d i n a m i s m o e c o n ô m i c o das a b r a n g e n d o desde sua relação com a
principais economias ocidentais, é economia até a g e s t ã o d a s p o l í t i c a s
posto em questão o padrão dominan- sociais. Ainda neste contexto, são
te d e r e l a ç ã o E s t a d o / s o c i e d a d e v i g e n - delineados modelos direcionados à
te n o c a p i t a l i s m o o c i d e n t a l , d e s d e o busca de eficiência d o setor p ú b l i c o ,
fim da S e g u n d a Guerra Mundial. abarcando iniciativas visando mu-
Abala-se o consenso a respeito da d a n ç a s na l ó g i c a de gestão da má-
i n t e r v e n ç ã o estatal n o m e r c a d o , vi- q u i n a estatal.
s a n d o c o n t o r n a r as crises e c o n ô m i c a s A transformação do papel do
e os seus r e s u l t a d o s s o c i a l m e n t e ad- E s t a d o e de seu f u n c i o n a m e n t o in-
versos, bem como seu nível de t e r n o se p u s e r a m como horizonte
r e s p o n s a b i l i z a ç ã o na implementação não só n o s países de capitalismo
de p o l í t i c a s sociais. avançado, mas também naqueles em
As análises, presentes na literatu- desenvolvimento, com impactos di-
ra acerca da natureza da crise do ferentes, é claro, tendo sido refe-
Estado social, a p o n t a m , c o m diferen- r ê n c i a s as i n i c i a t i v a s d o s governos
tes ênfases, para argumentos tais Thatcher e Reagan, respectivamente na
cornou Grã-Bretanha e nos Estados Unidos.
• o a g r a v a m e n t o , nos anos 80, No Brasil, apesar da tendência
da crise e c o n ô m i c a m u n d i a l , a o m e s - à a m p l i a ç ã o e à u n i v e r s a l i z a ç ã o de
mo tempo que gerou aumento da algumas políticas setoriais, não se
demanda por p r o g r a m a s s o c i a i s , re- concretizou o Estado de bem-estar
sultou em d i m i n u i ç ã o das receitas social. C o m o diz Weffort:
públicas; "Se se e n t e n d e p o r welfare State,
• a crise fiscal do Estado, que ou Estado de b e m - e s t a r social, o
conjunto de d i r e i t o s e dos benefí- iniciativas de a v a l i a ç ã o e d u c a c i o n a l
cios sociais que o Estado democráti- têm centralidade, constituindo o ele-
co assegura aos c i d a d ã o s nas socieda- m e n t o capaz de i n d u z i r a competiti-
des m o d e r n a s , creio que n ã o apenas v i d a d e e, e m c o n s e q ü ê n c i a , a q u a l i d a -
o Brasil não o superou como está de, tal c o m o n o m e r c a d o . Conforme
l o n g e d e a t i n g i - l o . Welfare State é diz Guareschi, o "pressuposto do li-
isso: educação, saúde, previdência, beralismo, ou n e o l i b e r a l i s m o , hege-
transporte público, seguro-desempre- mônico em nossos dias, tanto no
go, g a r a n t i a de a l i m e n t a ç ã o etc. de plano econômico, como no filosófi-
boa qualidade e para todos. No caso co e s o c i a l , é q u e o p r o g r e s s o e o
do Brasil - onde deveríamos incluir desenvolvimento só são possíveis
também o acesso à terra, o que i m - através da c o m p e t i t i v i d a d e . E o con-
plica u m a reforma agrária -, o que fronto, o c h o q u e entre interesses di-
temos é um arremedo disso tudo" f e r e n t e s o u c o n t r á r i o s , q u e v a i fazer
(Weffort, 1989, p.3). c o m q u e as p e s s o a s l u t e m , t r a b a l h e m ,
Assim como o Brasil, outros se e s f o r c e m p a r a c o n s e g u i r melhorar
p a í s e s " e m d e s e n v o l v i m e n t o " n e m se- seu b e m - e s t a r , s u a q u a l i d a d e d e v i d a ,
q u e r t i v e r a m c o m o r e a l i d a d e o Esta- sua ascensão e c o n ô m i c a " ( 1 9 9 9 , p . 1 4 6 ) .
do de bem-estar social. No entanto, Tal pressuposto, transportado
t a m b é m a esses se i r r a d i a r a m as teses para o campo educacional, possibili-
n e o l i b e r a i s de defesa do Estado mí- ta-nos c o m p r e e n d e r (não necessaria-
n i m o , q u e se p a u t a m p e l a perspecti- mente aceitar) o papel nuclear que
va de "um Estado mais enxuto e vem sendo atribuído, pelo poder
m a i s e f i c i e n t e , q u e p r e s t a r á u m servi- público, à avaliação, sendo esta en-
ço de melhor q u a l i d a d e aos cida- tendida como instrumento capaz de
d ã o s " (Bresser Pereira, 1998, p.341). informar sobre a eficiência e produ-
A r e f e r ê n c i a a esse movimento tividade dos serviços educacionais,
de redefinição do papel do Estado o u seja, i n d a g a - s e s o b r e os produtos
q u e se r e a l i z a e m â m b i t o m u n d i a l é e d u c a c i o n a i s e as c o n d i ç õ e s e c u s t o s
importante não para aceitá-lo como de sua p r o d u ç ã o , ficando sem lugar
algo inexorável, mas para possibilitar as q u e s t õ e s r e l a t i v a s às f i n a l i d a d e s e
a e x p l i c i t a ç ã o de p r i n c í p i o s que têm aos beneficiários dessa produção.
norteado a i m p l e m e n t a ç ã o das políti- A avaliação tem sido assumida,
cas e d u c a c i o n a i s no Brasil, pelo go- nos planos e propostas governamen-
v e r n o federal e por governos estadu- tais, c o m o um m e c a n i s m o capaz de
ais e m u n i c i p a i s . promover a melhoria da qualidade e
Levando em conta os limites c o n d u z i d a sob o c o m p r o m i s s o d e se
deste ensaio, vamos nos deter em dar visibilidade e controle público
considerações relativas a u m novo aos p r o d u t o s ou resultados educacio-
m o d e l o d e g e s t ã o a s s u m i d o p e l o Es- nais, estimulando-se a competição, ao
tado, que transpõe a lógica da gestão d i s p o n i b i l i z a r aos usuários elementos
privada para a educação pública com para escolha dos serviços ou pressão
seus reflexos nos processos de traba- s o b r e as i n s t i t u i ç õ e s o f e r t a n t e s . Entre
l h o d a e d u c a ç ã o b á s i c a , e m q u e as as i m p l i c a ç õ e s da adoção de um
ethos competitivo na prestação dos t e m v i n d o a ser d e s i g n a d o p o r neo-
serviços públicos, A b r u c i o comenta d a r w i n i s m o social, passando a admi-
q u e "o m o d e l o de c o m p e t i ç ã o pode tir a l ó g i c a do mercado com a im-
levar ao que a ciência política deno- portação para o d o m í n i o público de
m i n a j o g o de s o m a z e r o . I s t o é, o m o d e l o s de g e s t ã o p r i v a d a c u j a ênfa-
e q u i p a m e n t o social vencedor (aprova- se é p o s t a n o s r e s u l t a d o s o u produ-
do pela população) no começo do tos dos s i s t e m a s e d u c a t i v o s . Como
j o g o ' l e v a t u d o ' (takes ali), ganhando a s s i n a l a G. W a l f o r d ( 1 9 9 0 ) , esta i d e o -
t o d o s os i n c e n t i v o s p a r a continuar logia da p r i v a t i z a ç ã o , ao enaltecer o
s e n d o o m e l h o r . J á a u n i d a d e d e ser- capitalismo de livre mercado, condu-
viço público que obtiver as piores ziu a alterações e m u d a n ç a s funda-
'notas' dos consumidores 'perde mentais no papel do Estado, tanto
tudo', o que resultará indiretamente no nível local, c o m o no nível nacio-
na a p l i c a ç ã o de i n c e n t i v o s p a r a que nal. Neste s e n t i d o , p o r e x e m p l o , di-
esse e q u i p a m e n t o s o c i a l c o n t i n u e sen- minuir as d e s p e s a s p ú b l i c a s e x i g i u
do o pior. Nesse jogo, no entanto, não só a a d o p ç ã o de u m a cultura
o maior perdedor é o princípio da g e s t i o n á r i a ( o u g e r e n c i a l i s t a ) n o sec-
eqüidade na prestação dos serviços tor p ú b l i c o , c o m o também induziu
p ú b l i c o s ( P o l l i t t , 1 9 9 0 , p . 1 2 5 ) , confe- a c r i a ç ã o de m e c a n i s m o s de controle
rindo a alguns consumidores a pos- e responsabilização m a i s sofisticados.
sibilidade de ser m a i s c i d a d ã o do A avaliação aparece assim como um
que outros" (1999, p.189). p r é - r e q u i s i t o p a r a q u e seja p o s s í v e l a
Nos moldes em que vem sendo implementação desses mecanismos"
conduzida, a avaliação tem potencial (Afonso, 1998, p . l 13).
para concretizar a transformação do No Brasil, até o m o m e n t o , no
papel do Estado na gestão da educa- âmbito da educação básica, não se
ção pública, Estado que tem assumi- tem tido a prática de associar aos
do como funções prioritárias legislar resultados da avaliação a premiação
e avaliar, como expressão de um ou p u n i ç ã o . Têm-se d i v u l g a d o classi-
movimento m a i s a m p l o de concreti- ficações d e u n i d a d e s f e d e r a d a s o u de
z a ç ã o de u m Estado mais enxuto e escolas, e l a b o r a d a s a p a r t i r d e resulta-
m a i s e f i c i e n t e , q u e p r e s t a r á u m servi- dos obtidos p o r a l u n o s e m testes d e
ço d e melhor qualidade, para alguns rendimento e s c o l a r , as q u a i s , n o en-
cidadãos. tanto, a o q u e se s a b e , n ã o se v ê m
Comentando esse movimento, traduzindo explicitamente em prêmio
Afonso explora a expressão "Estado ou castigo.
a v a l i a d o r " , q u e c o m e ç a a ser u t i l i z a d a E n t r e t a n t o , se se c o n s i d e r a r que
a p a r t i r da d é c a d a de 80, s o b r e t u d o essa é u m a p r á t i c a v i g e n t e e m p a í s e s
por governos neoconservadores e n o s q u a i s os g o v e r n a n t e s brasileiros
neoliberais de países centrais. D i z o t ê m se i n s p i r a d o p a r a delineamento
a u t o r q u e " p a r a d i f e r e n t e s p a í s e s , esta dos sistema de a v a l i a ç ã o , c o m o é o
expressão quer significar, em sentido caso da Inglaterra, b e m c o m o as de-
amplo, que o Estado adotou um corrências da avaliação dos progra-
ethos competitivo, decalcado no que m a s de p ó s - g r a d u a ç ã o j á v i g e n t e s e m
nosso p a í s , será preciso m a i o r aten- concretização do direito à educação
ç ã o a essas i n i c i a t i v a s . escolar para parcela de a l u n o s defici-
Políticas educacionais formuladas entes físicos, sensorials ou mentais?
e i m p l e m e n t a d a s sob os a u s p í c i o s d a E oportuno mencionar algumas
classificação e seleção incorporam, conclusões de estudos que, embora
conseqüentemente, a exclusão, como tenham sido desenvolvidos em reali-
i n e r e n t e a o s seus r e s u l t a d o s , o q u e é dades que não a brasileira, trazem
i n c o m p a t í v e l c o m o d i r e i t o de t o d o s u m a d e n ú n c i a q u e n ã o se p o d e i g n o -
à educação. rar, o u seja, d o p o t e n c i a l de e x c l u s ã o
A própria luta popular para fa- inerente às p r á t i c a s d e a v a l i a ç ã o d e
zer valer esse direito tende a se s i s t e m a , tal c o m o v ê m s e n d o d e l i n e a -
fragilizar, prevalecendo a busca por das no B r a s i l . Estes e s t u d o s foram
conquistas individuais. E ilustrativo mencionados por W h i t t y (1998), ao
desse m o v i m e n t o o comentário feito alertar sobre o potencial das iniciati-
p o r W h i t t y ( 1 9 9 8 ) s o b r e as r e a ç õ e s à vas de a v a l i a ç ã o de p r o v o c a r e m a se-
reforma educacional na Inglaterra e leção, pelas escolas, dos a l u n o s que
n o País de Gales: "...as escolas, pro- tenham maior probabilidade d e se-
fessores e pais enfrentam-se como r e m b e m - s u c e d i d o s n o s testes, o b s e r -
concorrentes n o m e r c a d o , e resta-lhes vando que entre a clientela menos
pouco espaço em que possam explo- desejada p e l a s escolas e n c o n t r a m - s e as
rar interesses c o m u n s e empreender crianças com necessidades educacio-
ações coletivas". nais especiais.
Nesse q u a d r o é q u e se s i t u a nos- Uma pesquisa citada é a de
so a l e r t a s o b r e o p a r a d o x o a q u e se G e r w i t z et al. ( 1 9 9 5 ) , q u e mostraram
assiste hoje no â m b i t o da educação q u e as e s c o l a s b u s c a m a l u n o s q u e se-
especial: jam "capazes", "talentosos", "motiva-
• de um lado, o estímulo e dos e c o m p r o m e t i d o s " e "de classe
fortalecimento de i n i c i a t i v a s de a t e n - m é d i a " ; garotas e c r i a n ç a s de o r i g e m
d i m e n t o e s c o l a r de a l u n o s d e f i c i e n t e s e f o r m a ç ã o s u l - a s i á t i c a são c o n s i d e r a -
nas classes c o m u n s de e n s i n o , sem dos p a t r i m ô n i o especial, e m vista do
que sejam a c o m p a n h a d a s de investi- seu p o t e n c i a l de elevar a c u r v a das
mentos nos sistemas de e n s i n o que notas de p r o v a s . A c l i e n t e l a menos
d ê e m s u p o r t e a tal encaminhamento, d e s e j a d a a b r a n g e os q u e s ã o "menos
o u , p i o r a i n d a , e m a l g u n s casos tem- c a p a z e s " , a p r e s e n t a m n e c e s s i d a d e s edu-
se a d e s a t i v a ç ã o d e s e r v i ç o s e a u x í l i - cacionais específicas, especialmente
os d e e d u c a ç ã o e s p e c i a l e m n o m e d a dificuldades emocionais e comporta-
inclusão; mentais (Whitty, 1998, p.200).
• de o u t r o , a utilização, cada Comentando os i n d í c i o s d e d i s -
vez m a i s i n t e n s a , n o s s i s t e m a s escola- criminação contra crianças com ne-
res, da a v a l i a ç ã o , p a u t a d a por um cessidades educacionais especiais, o
m o d e l o g e r a d o r de competição. autor m e n c i o n a que "o p r ê m i o atual
A questão q u e se a p r e s e n t a é: pago por crianças portadoras d e ne-
e m n o m e d a i n c l u s ã o , será q u e não c e s s i d a d e s e s p e c i a i s p o d e n ã o ser su-
se está, n a r e a l i d a d e , i n v i a b i l i z a n d o a ficiente, se fizer cair a procura pela
escola p o r p a r t e de c l i e n t e s q u e , e m b o r a r e p r e s e n t e m m e n o s receita,
trazem consigo outros atributos d e s e j á v e i s . B o w e et ai. ( 1 9 9 2 ) e
V i n c e n t et al. ( 1 9 9 5 ) d ã o e x e m p l o s de e s c o l a s q u e f a z e m exatamente
este t i p o d e c á l c u l o " ( W h i t t y , 1 9 9 8 , p . 2 0 1 ) .
Na m e s m a direção, Afonso, ao explorar possíveis conseqüências
da a v a l i a ç ã o de sistemas e d u c a c i o n a i s , t e n d o como meio a utiliza-
ç ã o d e testes e s t a n d a r d i z a d o s p a r a m e d i r e c o m p a r a r o rendimento
a c a d ê m i c o d o s a l u n o s de d i f e r e n t e s t i p o s de e s c o l a s , d e s t a c a q u e "as
b o a s e s c o l a s e s t ã o d e s e n c o r a j a d a s d e a b r i r as s u a s p o r t a s a o s estu-
dantes com necessidades educativas específicas..." (1998, p.124).
Essas referências p e r m i t e m i n d a g a r sobre q u e r e s p a l d o encontra
nas políticas educacionais em curso a proposta da educação inclu-
siva, q u a n d o essa a d o t a a l ó g i c a d o m e r c a d o , d a c o m p e t i ç ã o e con-
seqüentemente da exclusão.
Nossa expectativa é n o s e n t i d o de q u e a educação inclusiva con-
cretize-se n u m a escola para todos n ã o só n o s debates p o l í t i c o s , acadê-
m i c o s , profissionais, m a s c o n t a n d o c o m u m a c l a r i f i c a ç ã o de diretrizes
e p r o v i s ã o de m e i o s p a r a a a ç ã o e d u c a c i o n a l escolar a b r a n g e n t e , inte-
g r a d o r a , i n c l u s i v a , e m todos os n í v e i s da a d m i n i s t r a ç ã o e d u c a c i o n a l e
p a r t i c u l a r m e n t e n a escola. •

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9/2000, Rio de J a n e i r o , R J .

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tentes teóricas, referentes à crise do welfare
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Paulo, SP (mimeo)
das neste texto.
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