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Uma reflexão comunicacional na festa popular do


Padre Cícero
Maria Érica de Oliveira Lima1

Resumo

As festas populares fazem parte do imaginário popular, especialmente, no Nordeste.


Este artigo pretende registrar a festa da romaria do Padre Cícero - da cidade de Juazeiro do
Norte, região do Cariri, no sul do Estado do Ceará (Brasil) - estudar a natureza das festas
populares identificando os processos comunicacionais que as determinam como um espaço
de diversão cultural e ao mesmo tempo, uma "celebração cívica".

Palavras-chave

Festas populares, comunicação, religiosidade.

Abstract
Popular festivities make part of the popular imaginary, specially, in the Northwest.
This article intends to register the Priest Cicero pilgrimage festivity, of Juazeiro do Norte
city, located in Cariri, in the south of the State of Ceara, to study the nature of the popular
festivities identifying the comunication processes that decide how a culture space of
entertainment and is at same time, a "civic celebration".

key-words
Popular festivities, comunication, devotion.

1. Introdução
Estudar a natureza das festas populares é o objetivo do IV Folkcom – Conferência
Brasileira de Folkcomunicação que tem como intenção explorar o dinamismo que constitui
alguns elementos do folclore brasileiro. Este artigo pretende registrar a festa popular a
partir das romarias do Padre Cícero – da cidade de Juazeiro do Norte, região do Cariri, no
sul do Estado do Ceará – estudar a natureza das festas populares, identificando os
1
Jornalista, doutoranda em Comunicação Social, UMESP. Profa. de Comunicação, FAE.
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processos comunicacionais que as determinam como um espaço de diversão cultural e ao


mesmo tempo, uma celebração cívica.

A festa é um acontecimento social, coletivo, que envolve toda a sociedade,


significando mais do que um elemento de diversão – comemorativo ou celebração – , mas
também um fator que quebra a rotina cotidiana, valorizando a natureza social em si.

As festas populares fazem parte do imaginário popular, especialmente, no Nordeste.


No Estado do Ceará, por exemplo, as festas populares são temas de muitos trabalhos
científicos e culturais. Recentemente, em Fortaleza, encontra-se uma exposição fotográfica
sobre as “festas populares” numa série de álbuns e produções isoladas, “enfocando uma das
temáticas mais sofisticadas do imaginário popular nordestino, em particular, o cearense”
(2001, p. 6). Neste trabalho é apresentado xilogravuras que representam festividades
tradicionais, como a Festa do Pau da Bandeira, em Barbalha, sul do Ceará; as festas juninas
por vários lugares do interior da região do Cariri; as cantorias; os maracatus, e etc. O
destaque está na concentração de ritos na região do Cariri onde se encontra a principal
cidade do interior do estado, Juazeiro do Norte.

Segundo João Pedro (2001, p.6) “(...) a exposição mostra um pouco dessas festas,
muito ligadas à religiosidade e que não morrem jamais”. Esse sentido “imortal” da festa
popular caracteriza a necessidade social que está muito representada em cada rito, seja uma
festa religiosa – do padroeiro –, ou profana – do carnaval.

As romarias do Padre Cícero representam mais do que uma religiosidade em si, mas
também um grande caráter festivo e divertido. Por traz da manifestação religiosa, o povo
nordestino também comemora, de maneira lúdica, sua devoção ao “santo” querido.

Padre Cícero nasceu na cidade do Crato, sul do Ceará, em março de 1844, no dia 24,
inclusive, uma data muito especial e comemorada pelos romeiros. No natal de 1871, após a
conclusão de seus estudos e ordenação, Padre Cícero é convidado pelo Prof. Semeão
Correia de Mâcedo para visitar o povoado de Juazeiro – distrito que pertencia à cidade do
Crato. No povoado, Padre Cícero celebrou a tradicional “missa do galo”. Em 1972, 11 de
abril, Padre Cícero fixa residência no povoado de Juazeiro. A partir daí, inicia-se o trabalho
pastoral e político de um dos maiores mitos do Nordeste brasileiro.

As romarias da cidade de Juazeiro do Norte representam muito bem, características


do conceito de festa, pois além da necessidade social, da superação das condições normais
da vida – especialmente do nordestino, sertanejo, que ainda sofre com a seca e outras
injustiças sociais e econômicas –, é um acontecimento que se espera, criam-se expectativas,
tensão coletiva, pois toda a cidade se prepara para receber os romeiros. A festa também
expressa momentos de esperança – sentimento fundamental à pessoa religiosa.

“ (...) A festa é a expressão de uma expansividade coletiva, uma válvula de


escape ao constrangimento da vida quotidiana. Da economia passa-se à
prodigalidade; da discrição à exuberância. Surgem as manifestações de
excesso, nos mais ricos por ostentação, nos mais pobres por compensação”
(BIROU, 1966, P. 166).
3

Mais do que a festa em si, de caráter comemorativo, poderemos observar a


excessiva religiosidade do povo nordestino, que se manifesta através do imaginário
popular; os processos comunicacionais que estão inseridos nas festas, através dos
significados e símbolos que representam, na tentativa de uma hegemonia cultural; os
espaços sociais que revelam as formas de relações sociais, como por exemplo, a integração,
às vezes, não muito cordial, de pessoas de classes econômicas distintas e também uma
questão industrial no qual a mídia e outras instituições comerciais transformam as festas em
espetáculos grandiosos e massificados.

2. Os processos comunicacionais
2.1– A festa popular
A festa popular apresenta uma natureza muito complexa, mas a partir de uma
reflexão sobre o conceito de “frentes culturais” no sentido de observar os “espaços sociais,
entrecruzamentos e formas de relações sociais não especializadas, onde luta ou se vem
lutando pelo monopólio legítimo da construção e reconstrução semiótica (modulação e
modelação) de determinados elementos culturais transclassistas” (GONZALES, 1994, P.
82), podemos entender como a questão comunicacional permeia as festas populares.

O processo comunicacional se dá na medida em que nas festas populares, no mesmo


espaço social, classes distintas se interagem, numa tentativa à hegemonia cultural, já que
agentes sociais de diferentes características culturais-econômicas “se misturam” no mesmo
espaço. Mas esse “se misturam” entre aspas revelam uma interação dialética.

“(...) coexistindo de forma aparente, mas na verdade enfrentando-se, ora


sutil, ora de modo ostensivo, na tentativa de conquista da hegemonia
cultural. Por isso mesmo, elas se caracterizam como processos
comunicacionais, na medida em que agentes socialmente desnivelados
operam intercâmbios sígnicos, negociam significados e produzem
mensagens coletivas, cujo conteúdo vai se alterando conjunturalmente,
sempre de acordo com a correlação de forças em movimento”
(MARQUES DE MELO, 2000, p 6).

Também ainda podemos completar o processo comunicacional das festas populares


através do exemplo assumido, atualmente, da apropriação da mídia e outras instituições das
manifestações populares.

“Esse perfil eminentemente comunicacional assumido hoje pelas festas


populares alterou-lhes profundamente a fisionomia primitiva. As antigas
tradições vão sendo substituídas por novos padrões de interação sócio-
cultural. A mídia e as instituições comerciais transformam as festas em
espetáculos coletivos, fruídos por usuários dispersos, muitas vezes,
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convocados aleatoriamente, até mesmo fora dos calendários cívicos ou


religiosos” (MARQUES DE MELO, 2000, p 7).

As romarias do Padre Cícero sempre são notícias nos principais jornais do Estado,
como fonte de renda e atividade econômica da cidade de Juazeiro do Norte. O destaque, às
vezes, não está no caráter religioso da festa, mas o grande evento comercial que a festa
adquiriu atualmente:

“Na realidade, a maior fonte de riqueza do município está no turismo de


motivação religiosa. Diariamente, centenas de pessoas desembarcam na
movimentada Estação Rodoviária ou no Aeroporto Regional do Cariri para
realizar negócios ou, como faz a grande maioria, pagar suas promessas,
cumprindo um roteiro tradicional (...)” (O POVO, 1999, p. 6)

Portanto, a festa passa a ter um caráter mais de valor “conteudístico, preenchendo


espaços na programação das emissoras de rádio ou TV, bem como motivando reportagens e
coberturas especiais nos jornais diários ou revistas semanais” (MARQUES DE MELO,
2000, p. 07). Por isso, todos os anos, a romaria de Padre Cícero é pauta nos telejornais de
âmbito nacional, como o “Jornal Nacional” da Rede Globo e “Jornal da Record”, Rede
Record; cobertura especial nas TV locais, como a retransmissão ao vivo da missa do Padre
Cícero – no dia 24 de março, data do seu nascimento – pelo Canal 22, do sistema Verdes
Mares de Comunicação; destaque em matérias nos principais jornais impressos da capital e
cobertura das celebrações de missas e shows pelas emissoras de rádio.

Segundo Marques de Melo (2000), este processo comunicacional, ao mesmo


tempo, ainda funciona como “alavancas para o acionamento da engrenagem econômica,
mobilizando produtores industriais, entrepostos comerciais e prestadores de serviços”.

Nas romarias de Juazeiro do Norte, o artesanato é o principal produto que


“alavanca” a economia local. O consumo dos romeiros sobre objetos religiosos, como
fitinhas coloridas de lembrança do Padre Cícero, estátuas de gesso do padre, quadros,
camisetas, e a estampa do rosto do Padre Cícero em muitos outros objetos, além do
tradicional artesanato, fazem destes produtos o dinamismo da economia local.

“(...) Juazeiro do Norte é o maior empório comercial da região, com


grandes lojas, magazines e supermercados. Ali está localizado o principal
pólo de artesanato do Estado, responsável pela produção de objetos de
palha, cerâmica, madeira, couro, sisal, metais, bordados (...)” (O POVO,
1999, p. 07).

Paralelo à figura do fundador de Juazeiro do Norte, Padre Cícero; as festas


populares, romarias; as divulgações pela mídia; os investimentos e atividades econômicas
do comércio, do turismo e das indústrias locais; o folclore é outro elemento fundamental ao
imaginário popular nordestino.
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“(...) o folclore também é uma forte atração. Violeiros-repentistas animam


as festas com suas emboladas; as bandas cabaçais, características da região,
reminiscências dos antigos escravos; o Maneiro-Pau e o Reisado e outras
danças trazidas de outros lugares pelos romeiros são manifestações
autênticas da alma e criatividade popular. A literatura em cordel e a
xilogravura são também formas de expressão do povo, que contam em
versos e imagens histórias de fé, da violência, do sobrenatural e do
cangaço” (O POVO, 1999, p. 07).

Todos estes elementos são atrativos ao comércio e à mídia. Portanto, surge uma teia
complexa de relações e interesses, do qual participam também o Estado e a questão política
local. Como o poder político é responsável pelo espaço público onde se realizam as festas
populares, muitas vezes, não só a questão da segurança, mas também o sucesso e a
organização da festa dependem muito do apoio da política local. Neste sentido, os políticos
da situação, como prefeitos e deputados estaduais aproveitam para se promoverem,
politicamente, diante da população. As influências de um político junto à comunidade
extrapolam o caráter significativo e festivo da manifestação cultural. Em muitas cidades do
interior do Nordeste, em época de eleição, muitos candidatos oferecem caminhões – “paus-
de-arara”, ônibus e caminhonetes de graça para aqueles que desejam ir às romarias de
Juazeiro. Ou então, depois de eleito, oferecem transporte gratuito como pagamento de
promessa. Assim, as oligarquias se perpetuam através de muitas ações, inclusive, nas festas
populares.

“(...) as influências das práticas políticas locais – os chefes políticos –


são áreas controladas principalmente, pelas oligarquias e são
beneficiadas com a destinação de verbas, as comunidades a serem
favorecidas e que estariam automaticamente, manipuladas pelo
interesse eleitoral” (LIMA, 2000, p. 81).

Ainda identificando o caráter comunicacional da festa popular, podemos citar o


pensamento de Marques de Melo (1970), como um processo que determina fluxos
convergentes: a festa como ativadora das relações humanas; a festa enquanto mobilizadora
das relações entre os grupos primários, a coletividade, e a festa enquanto articuladora de
ralações institucionais.

“Relações humanas, produzindo comunhão grupal ou comunitária em torno


de motivações socialmente relevantes. Trata-se de um fluxo de
comunicação interpessoal. (...) das relações primárias e a coletiva, através
das mediações tecnológicas propiciadas pelas indústrias midiáticas, em
espaços geograficamente delimitados – locais, regionais, nacionais. Trata-se
de um fluxo de comunicação massiva. (...) Institucionais desencadeando
iniciativas de entidade enraizadas comunitariamente e antenadas
coletivamente, que decidem o que celebrar, em que circunstâncias, com que
parceiros. Trata-se de um fluxo de intermediação comunicativa, produzindo
a interação das comunicações interpessoais e massivas”.
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Portanto, a festa popular apresenta fluxos interdependentes que geram processos


comunicacionais. Esses processos potencializam outras variáveis como no campo da
cultura, política e economia.

2.2 – A religiosidade

A religiosidade nordestina, em especial a de Juazeiro do Norte, está intrinsecamente


ligada não só a uma questão religiosa em si, mas também a uma questão cultural,
econômica e política.

O sertão nordestino, em fins do século 18 e início do século 19, foi um campo fértil
para o surgimento de líderes religiosos. Padre Cícero, ao instalar-se no povoado de
Juazeiro, encontra um lugar propício para seu desenvolvimento pastoral e político.

“(...) Padre Cícero, encontra em Juazeiro terra propícia para a formação de


‘feudo religioso’, mais tarde, também econômico e político, embora nos
primeiros dezessete anos de seu apostolado (1872-1889) tenha vivido uma
fase de ‘profundo misticismo, penitência, meditação e pobreza’”
(BARBOSA, 2000, p. 32).

Depois da emancipação do distrito de Juazeiro, em 22 de julho de 1911, Padre


Cícero foi eleito Prefeito do recém município. Era filiado ao Partido Republicano
Conservador – PRC. Aos 82 anos de idade foi eleito Deputado Federal, mas nunca assumiu
a vaga.

Portanto, a vida política de Padre Cícero faz parte da religiosidade e da história


cultural do Nordeste. Apesar de não ter sido canonizado pela Igreja, é tido como santo por
sua imensa legião de fiéis por todo o Nordeste e outras cidades do Brasil.

“Suas primeiras desavenças com o poder constituído só se manifestam a


partir daquela última data, quando a Igreja não aceita os ‘prováveis’
milagres que começa a fazer e o proíbe de ministrar as missas na Igreja. Sua
incompatibilidade com as autoridades políticas é manifestada mais tarde,
quando ele próprio, mesmo que indiretamente, lidera um movimento para
derrubar o Coronel Franco Rabelo, então presidente do Ceará (1913-1914)
e daí, até pouco antes da sua morte, sempre exerceu grande influência na
política” (BARBOSA, 2000, p. 32).

As posturas religiosas como o “cristianismo e a umbanda interagem no imaginário


popular (...)”, portanto, as festas populares são ritos provenientes da religião e misticismo.
Neste sentido, identificamos que as festas populares – as romarias – não representam
apenas o significado religioso, mas também comercial, comunicacional e profano, no
âmbito ultra-festivo e divertido.
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2.3 - As romarias

Em Juazeiro do Norte, as romarias iniciam-se em fevereiro, no dia 2, na festa de


Nossa Senhora das Candeias; em setembro a festa da Padroeira, Nossa Senhora das Dores e
em novembro, no dia 2, feriado de finados. Todas são datas que aglomeram milhares de
fiéis, romeiros e turistas. Além destas datas fixas ainda são comemorados o nascimento de
Padre Cícero, 24 de março, e a morte em 20 de julho. Ocasionalmente, nesta data, do dia
20, os juazeirenses e romeiros vestem-se de preto, na tradicional “missa do dia 20” de cada
mês.

Todo ano 1,2 milhão2 de pessoas visitam Juazeiro. A maioria são nordestinos que
chegam de pau-de-arara ou a pé. Muitos hospedam-se nos 427 ranchos da cidade – casarões
com banheiro coletivo e redes com capacidade para até 500 pessoas. Os turistas pagam de
R$ 5 a R$ 10 por três dias, e seu roteiro inclui o túmulo do padre, a Capela do Socorro, o
memorial ao padre e uma estátua de 27 metros erguida em sua homenagem. Embora a
Igreja não o tenha canonizado, Padre Cícero para eles é santo.

O Ceará revelou sua religiosidade ao eleger como Cearense do Século, padre Cícero
Romão Batista, com quase 1 milhão de votos, seguido do industrial Edson Queiroz, com
diferença de 9,08%. A campanha da Rede Globo e TV Verdes Mares disponibilizou 44
urnas em todo o Estado, em 20 dias de participação efetiva, na Capital e no Interior. Ao
todo, foram 1.694.930 votos, sendo 38,78% para o vencedor 3. A lista com outros mais oito
nomes foi sugerida por representantes de 18 entidades cearenses ligadas à cultura popular,
política, economia, literatura, religião, educação, magistério e medicina. A escolha foi feita
através de votação entre membros e dirigentes das instituições. O mesmo processo foi
desenvolvido em todos os estados brasileiros, com o objetivo de homenagear brasileiros
ilustres que contribuíram para o desenvolvimento do País.

Juazeiro do Norte muda muito na época das datas festivas. No dia de comemorar a
festa de Nossa Senhora das Candeias – ocasião em que Juazeiro, de ruas calmas e ar
brejeiro, de casas de apenas um andar, de bucólicas praças – a cidade rende-se ao
movimento frenético de centenas de milhares de pessoas. Luxuosos ônibus de turismo até
velhos caminhões “paus-de-arara” passam a transitar por todo município. “São grupos e
mais grupos de romeiros, de vendedores ambulantes e pedintes. Na maioria, gente que
passou a vida toda em longínquos vilarejos e que, chegando a Juazeiro, sente-se ao mesmo
tempo encantada e perdida na ‘grandiosidade’ desta cidade. E muitos se perdem mesmo!
Ficam horas perambulando boquiabertos (ou apavorados) procurando os seus ‘ranchos’, os
cortiços onde se apinham os peregrinos a preços módicos” (VELOSO, 2001, p. 6).

Na romaria do dia 2 de fevereiro ascender velas é o maior símbolo da religiosidade


dos romeiros. Desde a estátua do Padre Cícero – com o pensamento voltado à Nossa
Senhora das Candeias – até as pedras ditas sagradas do morro do Santo Sepulcro, na Matriz
ou na Igreja do Perpétuo Socorro, onde está a sepultura do Padre Cícero, as pessoas se
2
Fonte: Revista IstoÉ, 30 de dezembro de 1998.
3
Fonte: Diário do Nordeste, 22 de março de 2001.
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“esquecem da enxada, da terra dura e seca, das agruras, do sol calcinante, e partem em
busca do místico, do sobrenatural. Do alento para suas vidas. Um sorriso para suas faces
enrugadas. É esta confiança cega em dias melhores que faz toda a magia de Juazeiro”
((VELOSO, 2001, p. 7).

Nesta época de festa em Juazeiro, todos estão protegidos e desde o alto, na serra do
Horto, por este santo popular, beatificado não pelo Vaticano, mas pela fé de um povo.
Segundo Veloso (2001) a festa das Candeias representa a festa das luzes:

“´A luz que mais alumeia´”, segundo o canto dos romeiros do Padre Cícero.
A luz das velas que acendem (ou ascendem) pedidos ao céus. A luz que traz
o calor nas noites frias. Romeiros e suas velas plantadas no chão da Praça
da Igreja do Socorro. Pontinhos de luz na escuridão da noite marcando para
Deus, que do alto tudo e a todos observa, as suas presenças ora iluminadas
na Terra. Como se cada um suplicasse ‘olhe aqui para baixo’!, ‘olha para
mim’!.

Na época de finados, Juazeiro também recebe muitos romeiros e turistas. Muitas


pessoas humildes, que passam o ano juntando dinheiro que não têm para fazer a tão
sonhada viagem, e reverenciar seus mortos e a imagem de Padre Cícero. “Elas vão
cantando os benditos ao longo do caminho, benditos que rasgam o sertão” (PERSICHETTI,
2000, p.01).

As romarias de Juazeiro já foram retratadas em muitas exposições fotográficas. Uma


das mais conhecidas é do fotógrafo Tiago Santana que recebeu em 1995 o prêmio Marc
Ferraz de Fotografia e que resultou no livro “Benditos”. Apesar das matérias da imprensa,
as exposições sobre as romarias revelam, como diz o fotógrafo, “algo investigativo, um
mergulho no tema, sem pressa e sem pré-conceitos” (PERSICHETTI, 2000, p. 01) . Neste
mesmo raciocínio, Tiago Santana critica a superficialidade das imagens divulgadas pela
imprensa: “(...) o fim único de levar o leitor não a refletir, mas a consumir”
(PERSICHETTI, 2000, p. 01).

Dentro do processo comunicacional de uma festa popular, na maioria das vezes, os


meios de comunicação retratam de maneira superficial e rápida a manifestação popular.
Portanto, o conteúdo cultural da festa, muitas vezes, não é destacado, mais sim, o
movimento comercial, turístico ou trágico – caso aconteça algum acidente. Os meios de
comunicação, seja rádio, TVs ou jornais estarão voltados ao imediatismo da notícia e a
cobertura voltada ao âmbito da indústria cultural ou comercial.

“Acho que a imprensa se esquece de que o leitor merece ter acesso a


imagens que não sejam meramente ilustrações descartáveis, e sim
expressões de uma linguagem que possibilite uma melhor leitura e reflexão
do mundo em que vivemos” (SANTANA, entrevista a PERSICHETTI,
2000).
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As festas populares do Ceará revelam muito mais do que a diversão ou a


religiosidade. É possível perceber a importância de rituais, principalmente, os religiosos,
assim como os processos comunicacionais. As festas populares, as romarias, estão
presentes nas pesquisas científicas, no cinema, nas exposições de telas, xilogravuras e, etc.

3. Conclusão
O estudo das festas populares é muito importante para a produção cultural brasileira.
É neste campo que podemos destacar os elementos comunicacionais e seus processos. Esta
reflexão busca registrar os processos comunicacionais que estão inseridos nas festas
populares, que muitas vezes, são desconsiderados por muitos pesquisadores.

Não podemos desconsiderar a comunicação nas grandes romarias e manifestações


culturais, seja através da relação interpessoal, ou de divulgação massiva, a comunicação
influência consideravelmente o significado da festa. Mas do que uma festa religiosa ou
profana, que seja, a comunicação está pulverizada valorizando elementos que tornam o
evento um acontecimento rico em símbolos e motivos.

As romarias de Juazeiro do Norte não são apenas para cultuarem a imagem e


memória do Padre Cícero. Elas representam uma atividade econômica para a cidade, uma
integração social, um acontecimento cultural, uma devoção mística e religiosa.

As romarias – manifestação da festa popular – de Juazeiro do Norte representam em


suas estruturas caráter nacional que acaba gerando projeções midiáticas, nos quais várias
emissoras de rádio e TVs registram como um fenômeno da “religiosidade do povo
nordestino”. Como pesquisadores da área de comunicação, não podemos apenas pensar a
festa popular como elemento cultural, sociológico ou religioso. Mas do que esses pontos, a
comunicação determina muitas ações e novos valores que são adequados às manifestações
folclóricas ou as mais antigas. Tanto a mídia como a indústria, atreladas ao
desenvolvimento, acabam contribuindo, significativamente, para grandes mudanças no
caráter da festa em si.

As festas populares “nunca morrem”, mas certamente, sofrem grandes modificações


no decorrer dos anos.
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4. Bibliografia

ARARIPE, Antônio de Alencar. O Padre Cícero: pretensos milagres de Juazeiro.


Revista Itaitera nº. 19, Crato/CE, 1975.

BARBOSA, Sérgio. Antônio Conselheiro e Padre Cícero: uma abordagem mística


de um ensaio jornalístico. Revista Omnia, v.3, Faculdades Adamantinenses
Integradas, Adamantina: Editora Omnia, 2000.

BIROU, A. Vocabulaire Pratique des Sciences Sociales. Paris: Editions Ouvriéres.


(Edição portuguesa – Dicionário das Ciências Sociais, Lisboa, Dom Quixote, 2ª.
ed. 1976).

JORNAL O POVO. Juazeiro do Norte em tempo de romaria. Fortaleza, 1999.

JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE. As “festas populares” segundo João Pedro.


Fortaleza, junho 2001.

JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE. Padre Cícero é o cearense do Século.


Fortaleza, 22 de março de 2001.

LIMA, Maria Érica de O. Neo-Coronelismo na Mídia Nordestina. Dissertação


(Mestrado). Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo,
2000.

MARQUES DE MELO, José. Comunicação social: teoria e pesquisa. Petrópolis:


Vozes, 1970.

PERSICHETTI, Simonetta. Um olhar reflexivo sobre Juazeiro do Norte. O Estado


de S. Paulo, caderno 2. 5 de outubro de 2000.

REVISTA ISTOÉ. Em nome do Padim. São Paulo: Editora Três, 1998.

VELOSO, Guy. Candeias: a fé anônima de um povo. www.arvoredavida.com.br.

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