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BLINDADOS

95 ANOS DE HISTÓRIA
CARLOS ALEXANDRE GEOVANINI DOS SANTOS,
Major de Cavalaria, Comandante do 3º Esquadrão de Cavalaria
Mecanizado, Brasília –DF.
capgeovanini@hotmail.com

“Eu a considero (a arma blindada), depois da invenção da


pólvora, como o instrumento mais certo da vitória.”
(Voltaire)

INTRODUÇÃO

A intrincada história militar do século XX registrou uma série de conflitos bélicos, desde guerras
assimétricas de baixa intensidade até duas conflagrações de nível mundial. Contudo, um traço marcante
foi verificado na maioria delas: a presença de veículos blindados.

A incorporação do motor de combustão interna na arte da guerra, em meados da década de


1910, ensejou o surgimento de “dinâmicas plataformas que disparavam destruidoras ogivas”. Dessa
forma, os blindados representaram a volta aos campos de batalha do princípio da manobra, surgindo
como arma de decisão das batalhas.

Desde então, uma série de alterações na forma de emprego, bem como aperfeiçoamentos
técnicos, foram pesquisados e introduzidos na tática das frações blindadas.

No presente artigo, será feita uma análise da história da utilização dos meios blindados nos
principais conflitos desde a Primeira Guerra Mundial até os dias atuais, relatando prováveis
desenvolvimentos futuros. Para tanto, será adotada uma abordagem cronológica.

PERÍODO DE 1914 -1945

Durante a Primeira Guerra Mundial, as potências beligerantes chegaram a um impasse: a


metralhadora ceifava os campos de batalha, dificultando e até mesmo impedindo a progressão de
homens e cavalos, o que levou a uma forma de combate estática. Após dois anos de luta, chegou-se à
conclusão de que a infantaria não tinha poder de combate suficiente para definir a batalha no momento
e local onde se buscava a decisão. A cavalaria deveria ser reorganizada, sendo alterada sua forma de
emprego, pois, conforme já demonstrado, as velhas táticas custavam um elevado preço em vidas
humanas e de animais.
Na tentativa de resolver o problema, os alemães optaram pelo emprego de armas químicas,
enquanto os ingleses deram início ao desenvolvimento de uma nova arma capaz de neutralizar as
metralhadoras inimigas e abrir caminho para que os infantes ocupassem o terreno. Dessa forma, em
1916, durante a ofensiva do Somme, os britânicos lançaram mão dos chamados “tanques”, veículos de
blindagem espessa que transportavam canhões e metralhadoras com o objetivo de levar o fogo para o
interior das posições inimigas.

No pós-guerra, destacaram-se como teóricos da guerra de movimento os ingleses Lidell Hart e


John F. C. Füller. Contudo, contrariando o pensamento de ambos, o Exército britânico optou por criar o
Corpo Real de Tanques, constituído apenas por unidades de carros de combate, sem infantaria ou
artilharia.

Conforme descrição contida no livro Os “tanques” na Guerra Européia, primeira obra sobre o
tema na América Latina, o então Cap José Pessoa destacava que a organização da força blindada inglesa
era a seguinte:

“As tropas britânicas se compunham de 20 brigadas, cada uma com três


batalhões de carros pesados (guarnição de 1 oficial e 7 homens), formados por
três companhias a três seções compostos por quatro viaturas. O batalhão de
blindados leves era repartido em três subunidades a quatro seções com quatro
veículos”. (ALBUQUERQUE, José Pessôa Cavalcanti de. Os “Tanks” na Guerra
Européia. Rio de Janeiro:Albuquerque & Neves, 1921).

Após um vitorioso emprego na guerra de 1914-1918, os franceses resolveram subordinar os seus


“tanques” à cavalaria. Como os ingleses, não dotaram a infantaria e a artilharia de veículos blindados.

Sua organização repousava na ordem ternária em todos os níveis. Os pelotões eram dotados com
cinco carros. A companhia constituía-se em unidade técnica, tática e administrativa, revelando o caráter
centralizador francês, pois não admitiam o emprego de um pelotão isolado.

Quanto à mentalidade, os gauleses encaravam o carro de combate como um canhão que se


movimentava, não aproveitando a mobilidade deste. Para o oficial francês Armand Mermet (1933) “a
base da doutrina francesa era a necessidade de ação em segurança, sem correr riscos, prudência,
centralização, mentalidade defensiva e lentidão nas ações”.

Os americanos adotaram uma solução mista para o problema da inserção do carro de combate
no contexto operacional do exército. Criaram uma arma blindada recrutando oficiais e praças de outros
segmentos da força terrestre, voluntários para o serviço nos “tanques”, nos moldes ingleses.

Na parte organizacional e doutrinária assimilaram os princípios franceses; inclusive, tendo


adotado o veículo Renault numa versão um pouco modificada em relação ao adquirido pelo Brasil.

Antes da Segunda Guerra Mundial, a Rússia possuía o maior número de blindados do planeta,
vindo em segundo lugar a França. Os soviéticos já dominavam a tecnologia da produção em série de
veículos militares, tendo repassado alguns desses segredos industriais para a Alemanha, que, por sua
vez, orientava a organização e doutrina russa. Acerca desse assunto, havia nessa época um intercâmbio
entre os dois países, utilizando os germânicos de campos de instrução nas estepes para treinamentos e
experimentações doutrinárias.

No decurso do conflito, as duas nações vieram a confrontar-se e os russos desenvolveram uma


doutrina própria para emprego de blindados, baseada na massa de carros de combate, ataques em
profundidade, ou seja, em ondas, de forma a não deixar o inimigo se recompor e intensamente móvel
(várias direções de ataque). A artilharia era um ponto forte, tendo desenvolvido poderosos sistemas de
saturação de área. O apoio logístico, em contrapartida, era um ponto fraco.

Após a Primeira Guerra Mundial, alguns oficiais alemães elegeram o carro de combate como
objeto de estudo, passando a ler tudo a respeito. Dentre eles destacou-se Guderian, que aliou os
ensinamentos de Lidell Hart e Füller à sua experiência em campanha. Como resultado, arquitetou uma
nova estrutura para o combate terrestre: a famosa “Divisão Panzer”. A nova grande unidade
caracterizava-se por possuir formações mistas de carros de combate e infantaria embarcada, apoiados
por artilharia autopropulsada e aviação (reconhecimentos e apoio de fogo).
Ademais, o comando e controle fora revolucionado com o advento do posto de comando móvel e
transmissão das ordens pelo meio rádio. Assim, verificou-se um incrível aumento na velocidade das
operações, acelerando o ritmo do combate terrestre a proporções jamais vistas. Conseqüentemente, os
alemães foram os primeiros a adotar formações mescladas de blindados e fuzileiros, o moderno conceito
de força-tarefa, com elementos de aviação e apoio de fogo. Uma máxima alemã rezava: “à cada missão, a
sua organização”, revelando grande flexibilidade organizacional.

Para Armand Mermet (1933), as principais tendências germânicas no emprego de blindados


eram descentralização, importância do conhecimento da intenção do comandante, atribuição de missões
por sua finalidade, privilégio do princípio da ofensiva, comando e controle ágil e liderança.

“A campanha da polônia revelou a nova tática para a qual as forças alemãs foram
equipadas e treinadas. Chamada de Blitzkrieg, ela concentrava os tanques das divisões
Panzer numa falange ofensiva, apoiadas por caças de mergulho, que quando direcionada
para um ponto fraco de uma linha de defesa a rompia e prosseguia espalhando confusão
em sua esteira... A Blitzkrieg obteve resultados negados a comandantes anteriores, cuja
habilidade para explorar o sucesso no ponto de assalto estava limitada pela velocidade e
resistência do cavalo. O tanque não somente deixava para trás a infantaria, como podia
manter um ritmo de avanço de cinqüenta até oitenta quilômetros em vinte e quatro
horas, ao mesmo tempo que seu aparelho de rádio permitia ao QG receber informações e
transmitir ordens com a mesma velocidade que as operações pediam”. (Keegan, John.
Uma História da Guerra, pág. 381)

Do exposto, conclui-se que a introdução dos blindados nos campos de batalha europeus durante
o conflito de 1914-1918 marcou de tal forma a arte da guerra que os principais protagonistas
internacionais passaram a estudar seu emprego, adotando cada um a solução que melhor lhe convinha.
Contudo, foi na Segunda Grande Guerra que o emprego de blindados consolidou-se, prevalecendo desde
então as ações descentralizadas, balizadas pela intenção do comandante, a transmissão de ordens pelo
meio rádio, bem como a flexibilidade de organização para o combate através da composição de forças-
tarefa.

PERÍODO DE 1945 -1990

Por ocasião da Guerra da Coréia (1950-1953), o estudo realizado por oficiais americanos
concluíra que o terreno daquele teatro de operações apresentava-se como impeditivo para blindados.
Entretanto, logo nos primeiros embates, os norte-coreanos utilizaram na vanguarda de suas penetrações
o CC T-34, surpreendendo as forças da ONU. Esse acontecimento levou a uma reformulação tática pelo
Exército dos EUA.

Assim, a despeito do terreno adverso, as frações blindadas passaram a ser empregadas em


pequenos efetivos, com a finalidade principal de apoiar o avanço dos elementos desembarcados. O
resultado dessa forma de atuação foi registrado da seguinte forma:

“As resistências inimigas, sobre as quais se atirava com morteiros e artilharia


durante horas, além de se efetuarem numerosas incursões aéreas sem resultado,
capitulavam desde o instante em que um carro chegasse a entrar em posição para atirar
sobre as mesmas. De início, os infantes queriam sempre e a qualquer preço que os carros
progredissem o mais a frente possível. Mas, cedo, compreenderam que o essencial para
um blindado, não era ganhar algumas centenas de metros, e sim ocupar boas posições de
tiro, porque o mesmo agia sobretudo pelo fogo”. (Alves, J. V. Portella. Os Blindados
através dos séculos, pág. 339-340)

Semelhante atuação pôde ser verificada também nos conflitos da Indochina, tanto por franceses
quanto por americanos. Estes, na década de 1970, utilizaram nas selvas vietnamitas pequenas formações
do CC M-48 e da VBTP M-113. Inclusive, alguns autores estadunidenses ressaltaram que o M-113 teria
sido o “carro principal” do Exército americano naquela campanha.

Sem sombra de dúvida, no período em questão, as maiores contribuições para a evolução da


arma blindada vieram dos conflitos árabe-israelenses. A Guerra dos Seis Dias (1967) confirmou a
importância do treinamento intensivo das guarnições blindadas, bem como o êxito do emprego
combinado com tropas aerotransportadas. 1

O conflito do Yom Kippur (1973) revelou que a utilização judiciosa do armamento anticarro (AC),
sobretudo o míssil, poderia ser eficaz para frear o ímpeto ofensivo das divisões blindadas. Ambas as
guerras trouxeram à tona o fato de que uma tropa blindada menos numerosa, dotada de inferior
capacidade tecnológica, poderia impor sua vontade sobre outra, com características inversas. A chave
para o sucesso fora a sincronização do combate.

Segundo Alvin Toffler, baseado nessas lições aprendidas, o Exército americano reformulou sua
doutrina de emprego, lançando as bases para a doutrina ar-terra, cuja característica marcante seria a
integração sistêmica dos sistemas operacionais.

A Operação Paz na Galiléia, lançada pelo Exército israelense em 1982, com o objetivo de livrar o
Líbano da influência Síria e neutralizar bases da OLP, evidenciou vários aspectos quanto ao emprego de
blindados em ambientes urbanos. Nesse conflito, os israelenses tiveram subsídios para realizar
aperfeiçoamentos técnicos em suas viaturas. Assim, a VBC Merkava passou a ser dotada de um morteiro
de 60 mm e a transportar, em detrimento de munição para seu canhão, uma esquadra de fuzileiros.
Chegou-se à conclusão de que a blindagem do M-113 era insuficiente em face das ameaças representadas
pelas armas AC. A solução provisória foi a introdução de blindagem adicional. No longo prazo, planejou-
se o desenvolvimento de outro veículo de combate para a infantaria, mantendo a antiga VBTP para
manobras logísticas. Aperfeiçoamentos táticos foram introduzidos, surgindo a necessidade de criação de
doutrina e treinamento específicos para a utilização de meios blindados em áreas urbanas.

A Guerra Irã-Iraque (1980-1988) também trouxe valiosos ensinamentos no tocante ao


aperfeiçoamento técnico das viaturas, sobretudo para a indústria bélica brasileira. As alterações sofridas
no projeto da VBR EE-9 Cascavel, tais como introdução de um indicador de derivas para o tiro noturno,
posicionamento mais protegido dos faróis dianteiros e adição de uma torreta para o comandante da
viatura, foram resultados das observações feitas naquele conflito.

Sendo assim, deduz-se que, nenhuma força armada envolvida nos conflitos do período em tela
renunciou à utilização de blindados, mesmo em condições de terreno bastante adversas. Certamente que
alguns princípios de emprego forma revistos. Além disso, houve intenso desenvolvimento técnico e
tático, motivado pela necessidade de sobrevivência das guarnições expostas aos mísseis AC, bem como a
adaptação aos cenários urbanos e à natureza dos conflitos nos quais os blindados passaram a tomar
parte.

PERÍODO DE 1990 ATÉ 2003

Em agosto de 1990, as tropas iraquianas invadiram o Kuwait, desencadeando forte reação


internacional. Uma coalizão de países, liderada pelos EUA, interveio militarmente. A Guerra do Golfo
(1990) caracterizou-se pelo amplo emprego de blindados, cujo poder de combate foi extremamente
potencializado pela sincronização dos diversos sistemas operacionais, aliada aos avanços tecnológicos
na área militar, obtidos com a revolução tecno-científica iniciada no final da década de 1970. Dessa
forma, a integração sistêmica, aliada à tecnologia, constituíram-se, entre outras, em pilares da doutrina
de combate ar-terra, gestada no período pós-vietnã.

Empregou-se pela primeira vez em um conflito de alta intensidade os aperfeiçoamentos técnicos


introduzidos nas viaturas blindadas, oriundos do período da Guerra Fria. O ícones do conflito foram o CC
Abrams e a VBC Fuzileiro Bradley. Com elas, as distâncias de engajamento direto, que anteriormente
chegavam no máximo a 2500m, superaram a linha de 4000m. Sistemas de visão termais ampliaram as
possibilidades de utilização da noite, aumentando o número de horas disponíveis para as operações
militares. O ritmo operacional tornou-se intenso, impondo maiores necessidades de substituições de
tropas e medidas de prevenção ao fratricídio. Além disso, o aumento do poder de fogo, o treinamento
intenso e realístico dos recursos humanos, amplamente apoiado em meios de simulação de combate,

1 O emprego combinado de tropas aerotransportadas e forças blindadas foi realizado com êxito pelo Exército alemão durante

o ataque aos Países Baixos em 1940, destacando-se a tomada da fortaleza de Eben Emael, na Bélgica, por pára-quedistas, que
logo fizeram a junção com as colunas blindadas. Entretanto, após a invasão de Creta, tal forma de emprego foi abandonada. A
retomada desse tipo de manobra deu-se nos conflitos árabe-israelenses.
criando condições para a formação de um núcleo profissional altamente adestrado, desempenhou
importante papel na vitória da coalizão. O somatório desses fatores criou condições para o
encerramento da fase terrestre da campanha em 100 horas.

Em bases organizacionais, o modelo americano de criação de centros de instrução especializados


em blindados e um comando de doutrina e treinamento, onde as lições aprendidas pudessem ser
rapidamente processadas e absorvidas pela doutrina militar, mostrou-se eficiente e decisivo para a
vitória.

O conflito da Chechênia (1994-1996) foi uma intervenção militar russa para conter o ímpeto
separatista prevalecente na região. A importância do episódio para a análise em questão reside nas
lições colhidas no campo de batalha. Em Grozny, os russos aprenderam que uma força combatente
altamente motivada, explorando corretamente as potencialidades de lança-rojões AC (RPG ironicamente
de origem russa), poderia impor severas baixas a uma força blindada com alto poder de combate, porém
com baixo nível de treinamento.

O padrão operativo dos separatistas chechenos era a constituição de equipes móveis, dotadas de
caçadores, metralhadoras e armas AC. A tática empregada era a preparação de emboscadas rápidas e
retraimento para atacar em outro local, evitando o engajamento decisivo. Ademais, estes destacaram-se
pelo correto aproveitamento das vulnerabilidades dos blindados e da tática russos. Assim, a maior parte
dos disparos era realizada no chassi, devido à dificuldade natural dos carros de combate de engajar alvos
em ambiente urbano, aliada à ausência de fuzileiros junto aos CC.

O resultado foi impressionante. As perdas giraram em torno de 80 viaturas nos dois primeiros
dias. O exército russo, mais voltado em termos doutrinários ao emprego de blindados em ambientes
rurais, teve que se adaptar à realidade daquela campanha. Dessa forma, as unidades combatentes foram
reconfiguradas, privilegiando a formação de forças-tarefa fortes em fuzileiros. Os apoios à mobilidade e
de fogo foram descentralizados para o nível subunidade. Além disso, o aumento da dosagem de unidades
de engenharia foi impositivo.

Outra lição colhida pelos russos foi a importância da manutenção do material de emprego militar
em tempo de paz. Devido ao colapso da antiga URSS, o orçamento de defesa foi reduzido, bem como o
efetivo das unidades. Tais fatores tiveram impacto na execução da manutenção dos blindados e
armamentos. Segundo o Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, em sumário de ensinamentos publicado em
1999, na marcha para Grozny, de cada 10 viaturas, 8 apresentaram problemas de manutenção. Em outra
situação, de todo o inventário de uma divisão, apenas o equivalente a um regimento encontrava-se em
condições ideais para o combate.2

Dos aspectos levantados acima, infere-se que o incremento da tecnologia embarcada passou a
ser uma das principais características dos carros de combate. Entretanto, somente o agregado
tecnológico não garantia por si só a conquista dos objetivos militares. Tais avanços deveriam constituir-
se em meios para melhorar o ciclo da instrução militar e a sincronização dos sistemas operacionais.
Esses fatores, aliados aos investimentos em recursos humanos e manutenção, passaram a constituir os
pilares da operacionalidade das forças blindadas.

PERÍODO DE 2003 - ATÉ OS DIAS ATUAIS

A segunda intervenção militar americana no Iraque em 2003 subdividiu-se, grosso modo, em


duas fases. A primeira teve como objetivos a conquista dos principais centros urbanos e a derrubada do
regime político vigente. A segunda pretendia assegurar um ambiente estável para a reforma
institucional, político-administrativa e militar do país.

A fase inicial, batizada de “operação choque e pavor”, caracterizou-se pelo rápido avanço das
forças blindadas anglo-americanas pelo território iraquiano, tendo registrado ainda combates urbanos
de baixa intensidade. Nessa oportunidade, os efetivos americanos empregados foram ainda menores que
em 1990. Contudo, o nível tecnológico foi incrementado, principalmente através da introdução de

2 “ On the Road march into Grozny, for instance, two out of every ten tanks fell out of formation due to mechanical problems.
In another case, the Russians were only able to find one regiment's worth of functioning armored vehicles from an entire
division's inventory”.( US MARINE CORPS. Urban Warfare Study: City Case Studies Compilation. Washington, 1999.
sistemas informatizados de gerenciamento de combate. Com tais recursos, os comandantes de
subunidades blindadas podiam saber a localização, com baixa margem de erro, de suas próprias
viaturas, bem como transmitir e receber ordens por meio digital. Em síntese, todo o aparato tecnológico
permitiu reduzir a incerteza do campo de batalha e atenuar a fricção do combate. 3

Isso levou a um aprimoramento no ciclo de tomada de decisão, tanto nos níveis de planejamento,
quanto nos de execução, aumentando o ritmo operacional das formações blindadas. Nesse contexto, não
raro observavam-se soldados dormindo próximo às viaturas, exaustos, reforçando a necessidade de um
criterioso planejamento de substituição de unidades para a manutenção do ímpeto ofensivo da tropa.

Quanto à logística, em que pese toda a experiência acumulada na Guerra do Golfo e a adequada
estrutura do Exército americano, houve grande dificuldade de sustentar o avanço das vanguardas
encouraçadas. Assim, registraram-se interrupções no deslocamento devido à falta de combustível e
munições.

Na segunda fase, o conflito evoluiu para uma mistura de operações ofensivas em ambiente
urbano, com operações típicas de manutenção da paz, como escoltas de comboio, proteção de
instalações, estabelecimentos de postos de bloqueio e controle de vias urbanas, além de apoio às forças
de segurança pública na manutenção da lei e da ordem.

Os meios blindados foram bastante empregados para a conquista do controle de áreas sob a
influência das milícias islâmicas, como o distrito de Sadr City, nas cercanias de Bagdá. O uso de
explosivos improvisados passou a ser uma constante, constituindo junto com os lança-rojões AC as
maiores ameaças aos carros de combate.

O recrudescimento da atividade da milícia Taleban no Afeganistão demandou a utilização de


meios blindados no conflito atualmente em curso naquele país. Desse modo, as potências européias da
OTAN começaram a deslocar para a região veículos de rodas para transporte de pessoal com blindagem
relativamente leve, para fins de patrulhamento. Entretanto, em 2006, a escalada do conflito fez com que
o Canadá mobilizasse uma subunidade de carros de combate Leopard 1 C2 semelhante ao Leopard 1 A5,
com diferenças na torre para aumentar seu poder de combate e neutralizar a resistência rebelde.

Atualmente, os canadenses empregam os Leopard 2 A6 cedidos pela Alemanha. Um dos motivos


da mudança foi a necessidade de aumentar a proteção blindada em face dos dispositivos explosivos
improvisados empregados e incrementar o poder de fogo com um canhão de 120 mm de maior alcance e
letalidade. 4

Ainda em 2006, as forças de defesa de Israel realizaram outra investida no sul do Líbano. Mais
uma vez os blindados constituíram-se na espinha dorsal do ataque terrestre israelense. A experiência
mostrou o imperativo de aumentar o número de rádios, devido à grande descentralização das ações.

De maneira geral, os conflitos dos últimos cinco anos revelaram a necessidade de realização de
aperfeiçoamentos técnicos nas viaturas, tais como instalação de blindagem gaiola5, adaptação de
metralhadoras com acionamento de dentro do veículo, utilização de implementos de engenharia,
introdução de sistemas de refrigeração, além de modificações nos uniformes das guarnições blindadas
para emprego em ambientes operacionais urbanos e sob altas temperaturas, bem como estudos sobre o
impacto de munições em alvos inertes e estruturas de concreto.

Nesse contexto, conclui-se que o início deste século tem sido marcado por uma série de conflitos
assimétricos de baixa intensidade. Nestas conflagrações, os blindados têm desempenhado importante

3 O conceito de fricção foi enunciado por Clausewitz em seu livro “Da Guerra”. Pode ser resumido na célebre frase do autor:

“na guerra tudo é muito simples, mas a coisa mais simples é difícil. As dificuldades acumulam-se e levam a uma fricção de que
ninguém faz corretamente ideia se não viu a guerra”. (CLAUSEWITZ, Carl Von. Da Guerra. São Paulo, Martins Fontes, 1996.)

4 Os dispositivos explosivos improvisados, também conhecidos como IED, sigla em língua inglesa, são apontados como uma
das maiores ameaças aos blindados na atualidade. Na reunião do grupo de emprego do clube Leopard internacional, realizada
em 2007 no Reino dos Países Baixos, a delegação canadense informou que muitos destes dispositivos estavam sendo
confeccionados com munições de 155mm de artilharia, interligadas por um cordel detonante, e dotadas de um dispositivo de
acionamento remoto.
5 A blindagem gaiola caracteriza-se por uma série de barras de metal soldadas à blindagem dos veículos blindados. Sua

principal finalidade é a defesa contra munições químicas.


papel, inclusive em missões de estabilização sob a égide de organismos internacionais, sobretudo
quando há a dificuldade de neutralizar os grupos adversos presentes. Mais uma vez a tecnologia
contribui para o aumento do poder de combate e para a tentativa de redução dos efetivos empenhados.
As condicionantes de terreno e clima, além da natureza de tais conflitos, têm balizado o desenvolvimento
técnico das viaturas dos principais protagonistas.

O FUTURO

O intenso desenvolvimento tecnológico das últimas décadas contribui para revolucionar as


sociedades em todo o mundo. Dessa forma, tendo em vista a metáfora das ondas, idealizada por Toffler,
estaríamos abandonando a era industrial e entrando na era da informação; ou da sociedade em rede,
como sustenta Castells. O fato é que todas essas transformações terão reflexo na forma de combater.
Quanto ao aprimoramento do combate embarcado, EUA e Reino Unido posicionam-se na vanguarda dos
projetos de modernização.

Em 1999, os americanos implementaram um projeto denominado Sistema de Combate do Futuro


(FCS). O objetivo maior é o de reduzir a blindagem e potência de fogo, substituindo-os por informação e
velocidade no ciclo de tomada de decisão. Essa é, possivelmente, uma radical tentativa de reescrever as
regras do combate terrestre. A previsão do início dos testes é 2014.

O FCS consiste de 18 sistemas, integrando os blindados a veículos aéreos não tripulados (UAVs) e
sensores. Tais sistemas estão divididos da seguinte forma:

-oito veículos terrestres tripulados, que compartilharão o mesmo chassi e 90% dos
componentes. Neste subgrupo estão incluídos as viaturas de transporte de infantaria, de
comando e controle, vigilância e reconhecimento, além dos blindados do sistema de combate
embarcado;

-seis veículos terrestres não tripulados, dentre eles o veículo robótico armado, a ser
empregado no assalto;

-quatro veículos aéreos não tripulados. A integração de todos os componentes será


obtida através de um sistema de comunicação via satélite posicional, o qual receberá e enviará
informações em tempo real.

Especificamente no tocante aos blindados, o grande problema é diminuir o seu peso total. A
questão central do FCS para esses veículos é evitar repetir a experiência da Força Tarefa Falcão, na
Albânia, durante a guerra de Kosovo ou a da 4ª Divisão de Infantaria na Turquia, durante a invasão do
Iraque em 2003. A ação de ambas as forças foi dificultada por uma inabilidade de mover seus veículos
pesados, pelo ar, para os locais onde os mesmos eram necessários.

O FCS tem como um de seus objetivos fazer com que as viaturas que integram o sistema possam
ser transportadas em uma aeronave de médio porte, como o C-130 Hércules. Este objetivo foi, até agora,
parcialmente alcançado. A idéia é transportar em um C-130 um veículo que, pronto para o combate,
pesasse cerca de 24 toneladas.

Do exposto, deduz-se que as transformações sociais ocorridas nos últimos anos provocarão
mudanças na estrutura organizacional e nas táticas de emprego das forças blindadas. Até o presente
momento, há uma tendência de que tais alterações tragam melhor gerenciamento das informações
captadas no campo de batalha por uma série de sensores. Tendo-as processado de forma centralizada, o
comandante tático poderia empregar o melhor meio que tivesse à disposição para enfrentar a ameaça
identificada. Para acelerar ainda mais o processo de tomada de decisão, sinaliza-se para a redução de
escalões tradicionais de comando. Quanto à aplicação do poder de combate, a tendência é o aumento da
modularidade das tropas blindadas, bem como o emprego de veículos mais leves e dotados de
mobilidade estratégica.
CONCLUSÃO

O blindado, introduzido no complicado cenário das guerras em 1916, conquistou seu espaço
através dos tempos, permanecendo até os dias atuais como um dos principais vetores dos exércitos
modernos.

Em síntese, a incorporação do carro de combate à arte da guerra representou uma revolução na


forma de combater. A consolidação dos novos princípios e táticas deu-se na Segunda Guerra Mundial,
quando os principais exércitos do mundo passaram a adotar formações blindadas mistas, baseadas no
conceito de composição de forças-tarefa. Desde então, os blindados estiveram presentes nos principais
conflitos pós 1945. Nem mesmo terrenos restritivos ou a natureza assimétrica das conflagrações os
afastaram da cena. Em algumas, foram protagonistas principais; em outras, meros coadjuvantes; porém,
sempre presentes.

Atualmente, o emprego de novas tecnologias suscita pesquisas com o objetivo de otimizar a


estrutura organizacional e a tática de emprego dos meios blindados. Seu resultado, contudo, ainda é
incerto, sendo prematuro antecipar resultados.

Finalmente, como última reflexão, pode-se afirmar que, embora não consigamos prever
exatamente qual será o impacto das inovações, certamente elas representarão para a evolução dos meios
de guerra tanto quanto o motor de combustão interna representou para a criação da tropa blindada na
Primeira Guerra Mundial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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________. Renault FT-17 - O Primeiro carro de Combate do exército Brasileiro. Coleção Blindados no Brasil -
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