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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

GISELA DÓRIA SIRIMARCO

(DE) COMPOSIÇÃO E PRODUÇÃO DE SENTIDO:


DRAMATURGIAS NA DANÇA CONTEMPORÂNEA

(DE) COMPOSITION AND MEANING:


CONTEMPORARY DANCE DRAMATURGIES

CAMPINAS
2015
GISELA DÓRIA SIRIMARCO

(DE) COMPOSIÇÃO E PRODUÇÃO DE SENTIDO:


DRAMATURGIAS NA DANÇA CONTEMPORÂNEA

(DE) COMPOSITION AND MEANING:


CONTEMPORARY DANCE DRAMATURGIES

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Artes da Cena do Instituto de Artes da
Universidade Estadual de Campinas como parte
dos requisitos exigidos para a obtenção do título de
Doutora em Artes da Cena.

Thesis presented to the Arts Institute of the


Univesrsity of Campinas in partial fulfillment of
the requirements for the Degree of Doctor in
Scenic Arts.

ORIENTADORA: PROF.A DRA CASSIA NAVAS ALVES DE CASTRO

ESTE EXAMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE, DEFENDIDA


PELA ALUNA GISELA DÓRIA SIRIMARCO E ORIENTADA PELA
PROF.A DRA CASSIA NAVAS ALVES DE CASTRO

PROF.A DRA CASSIA NAVAS ALVES DE CASTRO

CAMPINAS
2015
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Artes
Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180

Dória, Gisela, 1971-


D83 D_A(de) Composição e produção de sentidos : dramaturgias na dança
contemporânea / Gisela Dória Sirimarco. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.

D_AOrientador: Cássia Navas Alves de Castro.


D_ATese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

D_A1. Dança. 2. Coreografia. 3. Dramaturgia. I. Navas, Cássia,1959-. II.


Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: (de) Composition and Meaning : contemporary dance


dramaturgies
Palavras-chave em inglês:
Dance
Choreography
Dramaturgy
Área de concentração: Artes da Cena
Titulação: Doutora em Artes da Cena
Banca examinadora:
Cássia Navas Alves de Castro [Orientador]
Holly Elizabeth Cavrell
Silvia Maria Geraldi
Marina Souza Lobo Guzzo
Jussara Correa Miller
Data de defesa: 30-07-2015
Programa de Pós-Graduação: Artes da Cena
RESUMO

A presente tese propõe uma investigação sobre as especificidades que emergem da relação
entre a dança contemporânea e as diferentes noções de dramaturgia. Objetiva-se, assim,
problematizar e ampliar a noção de dramaturgia cênica. O percurso investigativo envolve o
exame crítico das dramaturgias vigentes nas artes cênicas, a fim de verificar seus níveis de tensão
em relação à dança contemporânea. Desse modo, busca-se perceber em que medida a dança
contemporânea vem abrindo espaço para a reinvenção da noção de dramaturgia e de que maneira
ela está relacionada aos modos de composição e produção de sentido. Três estudos de caso foram
selecionados com o objetivo de viabilizar o desenvolvimento desta tese: L’aprés-midi d’un faune
(1912), de Vaslav Nijinsky; A Trilogia Kafka, composta por três espetáculos de Sandro Borelli, a
saber: Metamorfose (2002), O Processo (2003) e Carta ao Pai (2006); e, por fim, Man Walking
Down the Side of a Building (1970) e Primary Accumulation (1973), ambos de autoria de Trisha
Brown. Todos esses casos funcionaram como matrizes geradoras de um amplo spectrum de
aspectos, princípios e procedimentos dramatúrgicos.

Palavras-chave: dança contemporânea, dramaturgia, coreografia.


ABSTRACT

This dissertation proposes an investigation into the specificities that emerge from the
relation between contemporary dance and the different notions of dramaturgy. The intention is to
discuss and enrich the notion of scenic drama. Thus, we seek to realize the extent to which
contemporary dance has opened space for the reinvention of the concept of drama, and how it is
related to the ways of composition and production of meaning. Three case studies were selected
in order to enable the development of this dissertation: "L'après-midi d'un faune" (1912) by
Vaslav Nijinsky, "The Kafka Trilogy" which consists of three shows by Sandro Borelli, namely:
"Metamorphosis" (2002), "The Process" (2003) and "Letter to the Father" (2006), and finally
"Man Walking Down the Side of a Building" (1970) and "Primary Accumulation" (1973), both
created by Trisha Brown. All these cases serve as matrices generating a broad spectrum of issues,
principles and dramaturgical procedures.

Key words: dramaturgy, contemporary dance, choreography


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Caderno de Balé de Gisela Dória. Fonte: acervo pessoal................................................2


Figura 2: Caderno de Balé de Gisela Dória. Fonte: acervo pessoal................................................4
Figura 3: Marina Abramovic em Body Pressure, 1974, obra de Bruce Nauman. Foto: Kathryn
Carr. Fonte: Marina Abramović Archives and Sean Kelly Gallery, 2007.....................................22
Figura 4: Seed Bed, 1972, obra de Vito Acconti. Foto: Kathryn Carr. Fonte: Marina Abramović
Archives and Sean Kelly Gallery, 2007.........................................................................................22
Figura 5: Marina Abramovic em Action Pants: Genital Panic, 1964, obra de Valie Export. Foto:
Kathryn Carr. Fonte: Marina Abramović Archives and Sean Kelly Gallery, 2007.......................23
Figura 6: How to Explain Pictures to the Dead Hare, 1965, de Joseph Beuys. Foto: Kathryn Carr.
Fonte: Marina Abramović Archives and Sean Kelly Gallery, 2007..............................................23
Figura 7: The Conditioning, 1973, de Gina Pane. Foto: Kathryn Carr. Fonte: Marina Abramović
Archives and Sean Kelly Gallery, 2007.........................................................................................24
Figura 8: Lips of Thomas, 1975, de Marina Abramovic. Foto: Kathryn Carr. Fonte: Marina
Abramović Archives and Sean Kelly Gallery, 2007......................................................................24
Figura 9: Entering to the Other Side, 2005, de Marina Abramovic. Foto: Kathryn Carr. Fonte:
Marina Abramović Archives and Sean Kelly Gallery, 2007..........................................................25
Figura 10: Cartas sobre a Dança e Sobre os Balés, 1760, de Jean-Jacques Noverre. Folha de
Rosto. Foto: autor desconhecido. Fonte: Open Library, 2015.......................................................29
Figura 11: Les Sylphides, 1909, de Michel Fokine, Londres. Foto: Fotógrafo desconhecido.
Fonte: Getty Images, 2015.............................................................................................................31
Figura 12: Martha Graham em Lamentation, 1930. Foto: Barbara Morgan. Fonte: Dance
Heritage, 2015................................................................................................................................35
Figura 13: Icosaedro Labaniano. Foto: fotógrafo desconhecido. Fonte: Halsman, 1990............38
Figura 14: Mary Wigman em seu solo A Feiticeira, 1926. Foto: excerto do vídeo Mary Wigman
Tantz, 1930. Fonte: Moma, 2015...................................................................................................39
Figura 15: A Mesa Verde, 1929, remontagem de American Ballet, coreografia de Kurt Jooss.
Foto: Andrea Mohin. Fonte: The New York Times, 2015.............................................................40
Figura 16: Ballet Triádico, 1922, coreografia de Oskar Schlemmer. Foto: fotógrafo
desconhecido. Fonte: Encuentros em el subsuelo, 2015................................................................42
Figura 17: Anna Halprin e alunos, na década de 1980, em seu famoso deck de aulas em São
Francisco, EUA. Foto: Peter Larson. Fonte: Anna Halprin, 2015.................................................43
Figura 18: Merce Cunninhgam (segunda da direita para a esquerda) dançando Quartet, com sua
companhia, nos anos 1980. Foto: fotógrafo desconhecido. Fonte: Le Figaro, 2015......................45
Figura 19: Points and Space, 1986, de Merce Cunningham. Foto: fotógrafo desconhecido. Fonte:
Seventeen Gallery, 2015.................................................................................................................47
Figura 20: Cravos, 1992, de Pina Bausch. Foto: Clau Damaso. Fonte: Pina Baushc, 2015........49
Figura 21: Água, 2011, de Pina Bausch. Foto: Iko Fresse Fonte: Pina Bausch, 2015..................50
Figura 22: Meredith Monk em performance nos anos sessenta. Foto: Monica Moseley. Fonte:
Dance Heritage, 2015.....................................................................................................................54
Figura 23: Jérome Bel em Shirtologie, 1997, um exemplo de não-dança. Foto: Gabrielle Fonseca
Fonte: Tate, 2012............................................................................................................................56
Figura 24: O jovem bailarino Vaslav Nijinsky. Foto: fotógrafo desconhecido. Fonte: Teoria de la
Danza, 2015....................................................................................................................................70
Figura 25: Nijinsky em O Espectro da Rosa, ano desconhecido. Fotógrafo desconhecido. Fonte:
Teoria de la Danza, 2015................................................................................................................71
Figura 26: Programa da temporada de 1912 dos Ballet Russes. Foto: Gisela Dória (acervo
pessoal). Fonte: Biblioteca do Palais Garnier, Paris, 2015.............................................................73
Figura 27: Referências Helenísticas em um vaso, séc.III. Foto: fotógrafo desconhecido. Fonte:
Estudando Arte e Cristianismo, 2015.............................................................................................80
Figura 28: Nijinsky como Fauno na posição de abertura do espetáculo. Foto: Barão de Meyer.
Fonte: The Red List, 2015..............................................................................................................81
Figura 29: Nijinsky na posição final do espetáculo. Foto: Barão de Meyer. Fonte: The Red List,
2015................................................................................................................................................82
Figura 30: Nijinsky como Fauno e Sokolova como a Grande Ninfa, no momento que entrelaçam
seus braços. Foto: Barão de Meyer. Fonte: The Red List, 2015....................................................84
Figura 31: Olivier Dubois na segunda cena do espetáculo Faune(s). Foto: Michel Gangne. Fonte:
AFP/Getty Images, 2015................................................................................................................88
Figura 32: Dubois e elenco na segunda cena de Faune(s). Foto: Michel Gangne. Fonte:
AFP/Getty Images, 2015................................................................................................................88
Figura 33: Dubois na Terceira cena do espetáculo Faune(s). Foto: Michel Gangne. Fonte:
AFP/Getty Images, 2015................................................................................................................89
Figura 34: Dubois na quarta e última cena do espetáculo Faune(s). Foto: Michel Gangne. Fonte:
AFP/Getty Images, 2015................................................................................................................90
Figuras 35, 36, 37 e 38: Quatour Albert Kunst em cena de ...d'un Faune (éclats!). Foto: Laurant
Philippe. Fonte: Divergence Images, 2015.....................................................................................92
Figura 39: Men Walking Down the side of a building. Foto: Carol Golden, 1970. Trisha Brown
Company, 2015.............................................................................................................................104
Figura 40: Men Walking Down the side of a Building, em versão mais recente com o bailarino
Stefen Petronio em Nova Iorque, 2010. Foto: Andrea Mohin. Fonte: New York Times, 2015.. 105
Figura 41: Trisha Brown em Accumulation with Talking Solo, 1973. Foto: Nathaniel Tileston,
1979. Fonte: Trisha Brown Company, 2015................................................................................107
Figura 42: Group Primary Accumulation, 1973. Foto: Hugo Glendinnig, 2010. Fonte: Trisha
Brown Company, 2015.................................................................................................................108
Figura 43: Group Primary Accumulation, 1973. Foto: Hugo Glendinnig, 2010. Fonte: Trisha
Brown Company, 2015.................................................................................................................109
Figura 44: Group Primary Accumulation, 1973. Foto: fotgrafo desconhecido Fonte: Trisha
Brown Company, 2015.................................................................................................................109
Figura 45: Sandro Borelli e Roberto Alencar em A Metamorfose, 2002. Foto: Gal Oppido.
Fonte: Cia Carne Agonizante, 2015.............................................................................................126
Figura 46: A Metamorfose, 2002. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia Carne Agonizante, 2015.......127
Figura 47: O Processo, 2003. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia Carne Agonizante, 2015..............129
Figura 48: O Processo, 2003. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia Carne Agonizante, 2015..............130
Figura 49: Carta ao Pai. 2006. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia Carne Agonizante, 2015.............131
Figura 50: Carta ao Pai, 2006. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia Carne Agonizante, 2015.............133
Figura 51: O Processo, 2003. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia Carne Agonizante, 2015..............136
Figura 52: O Processo, 2003. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia Carne Agonizante, 2015..............140
Figura 53: Cenografia de L'aprés-midi d'un Faune, 1912, de Nijinski, criada por Léon Bakst.
Fonte: Encyclopaedia Brittanica Kids, 2015................................................................................149
Figura 54: Miss Julie, 2014, versão Ópera de Paris. Foto: copyright de Anne Deniau. Fonte:
Roy, 2014.....................................................................................................................................150
Figura 55: Carta ao Pai, 2006, de Sandro Borelli. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia Carne
Agonizante, 2015..........................................................................................................................152
Figura 56: May B, 1981, Maguy Marin, Paris. Foto: Aghate Poupeney. Fonte: Photo Scene,
2015..............................................................................................................................................153
Figura 57: Errand into the Maze, 2015, Martha Graham Dance Company. Foto: Andrea Mohin.
Fonte: New York Times, 2015.....................................................................................................154
Figura 58: Roof Piece, 1971, Trisha Brown. Foto: Babette Mongolte. Fonte: Trisha Brown
Company, 2015.............................................................................................................................156
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO________________________________________________________________13
Primeiras Palavras: da Gênese desse Processo________________________________________13
PRIMEIRO CAPÍTULO_________________________________________________________20
Desmontar a Dramaturgia: um Olhar para a Dramaturgia no Teatro_______________________20
1.1 Primeira Viga: Aristóteles___________________________________________________21
1.2 Segunda Viga: Lessing e a Dramaturgia de Hamburgo_____________________________22
1.3 Terceira Viga: Reformas do Século XX________________________________________23
1.3.1 Brecht e a Dramaturgia Não-Aristotélica____________________________________24
1.3.2 Artaud e a Dramaturgia Matemática________________________________________26
1.3.3 Eugenio Barba e as Três Dramaturgias______________________________________28
1.4 Performance Art: uma Viga Deslizante_________________________________________29
SEGUNDO CAPÍTULO_________________________________________________________38
Sobre Corpos Modernos e a Dança Contemporânea____________________________________38
2.1 Cartas para a Posteridade____________________________________________________39
2.2 Dança das Margens________________________________________________________43
2.3 Dança de Expressão________________________________________________________47
2.4 Anna Halprin e o Espaço Deslocado___________________________________________53
2.5 Abstração e o Zen__________________________________________________________55
2.6 Pina Bausch e o Tanztheater_________________________________________________58
2.7 A Dança Ainda Pode Ser Considerada Dança?___________________________________62
2.8 Que Dramaturgia é Essa?____________________________________________________67
2.9 Tipologias da Dramaturgia___________________________________________________69
2.9.1 Dramaturgia do Olhar e Dramaturgia Orientada para o Processo__________________70
2.9.2 Dramaturgia do Espaço e do Público________________________________________72
2.9.3 Dramaturgia do Corpo___________________________________________________74
2.9.4 Dramaturgia do Movimento_______________________________________________75
2.9.5 Conceito Hidra?________________________________________________________76
TERCEIRO CAPÍTULO_________________________________________________________77
Vaslav Nijinsky: Pré-Pós-Moderno_________________________________________________77
3.1 Algumas Palavras sobre Vaslav Nijinsky_______________________________________77
3.2 Pré-Pós-Moderno__________________________________________________________78
3.3 Dramaturgia Simbolista ou Evocativa__________________________________________84
3.4 O Crime de Nijinsky e a Coreografia de Autor___________________________________87
3.5 As Portas Abertas para a Contemporaneidade____________________________________92
QUARTO CAPÍTULO_________________________________________________________102
Trisha Brown: Ilhas De Sentido__________________________________________________102
4.1 Trisha Brown – The Early Works____________________________________________102
4.2 Ready Mades Coreográficos________________________________________________104
4.3 Cultura de Sentido / Cultura de Presença_______________________________________107
4.4 Dança Performativa e Dramaturgia de Presença_________________________________110
4.5 As Ilhas de Sentido________________________________________________________120
4.6 Adendo ou Resquícios Coreográficos_________________________________________122
QUINTO CAPÍTULO__________________________________________________________125
Sandro Borelli: Dramaturgia Da Violência__________________________________________125
5.1 Sandro Borelli e um Tríptico para Kafka_______________________________________126
5.2 Em Busca de uma Dramaturgia Particular______________________________________128
5.3 Dramaturgia da Violência___________________________________________________130
5.4 Corpos Interditados ou A Violência da Dramaturgia______________________________131
5.5 Sobre Sentido e Significado_________________________________________________133
5.6 A Respeito da Atuação_____________________________________________________136
5.7 A Respeito da Encenação___________________________________________________141
5.8 A respeito da Pesquisa de Linguagem_________________________________________143
5.9 Dramaturgia como Poética?_________________________________________________144
SEXTO CAPÍTULO___________________________________________________________148
Entrelaçando os Fios: Eixos, Latências, Aberturas____________________________________148
6.1 Dramaturgia Descritiva____________________________________________________153
6.2 Dramaturgia Evocativa_____________________________________________________156
6.3 Dramaturgia Instauradora de Estados Emocionais ou Dramaturgia da Presença________160
CONSIDERAÇÕES FINAIS____________________________________________________165
REFERÊNCIAS______________________________________________________________168
13

INTRODUÇÃO
Primeiras Palavras: da Gênese desse Processo

A relação entre teoria e prática representa um foco crescente no cenário atual das artes da cena.
Esse processo, no entanto, não é recente, ele permeou o fazer artístico de criadores como Rudolf Laban
(1879-1958) e Doris Humphrey (1895-1958), de diretores e atores como Constantin Stanislavski (1863-
1938), Vsevolod Meyerhold (1874-1940) e Jerzy Grotowski (1933-1999), bem como de artistas
plásticos, cineastas, músicos e poetas. Todos eles atuaram e transitaram, de alguma maneira, entre
prática e elaboração, ora de maneira mais evidente, ora de maneira mais sutil, promovendo debates
fervorosos e reflexões profundas em torno dessa relação.
No presente caso, poder-se-ia dizer que a minha incursão enquanto artista-pesquisadora pelo
universo teórico na dança é relativamente recente. Ao menos, era isso o que eu acreditava até dar início
à pesquisa que originou esta tese. Na dança contemporânea, área onde atuo profissionalmente, o
pensamento sobre as relações entre teoria e prática acontece, muitas vezes, de maneira binária,
dicotomizada. Assim como muitos pesquisadores em artes, iniciei meus estudos pela prática. No
entanto, tamanha foi a surpresa ao me deparar – no período em que estava redigindo meu memorial
artístico para o processo seletivo deste doutorado – com o meu primeiro caderno de dança.
14

Figura 1: Caderno de Balé de Gisela Dória. Fonte: acervo pessoal.



15

Escrito em 1982, esse pequeno caderno contém anotações de coreografias, lições de casa,
pesquisas, desenhos e referências bibliográficas. Estimulada pela minha primeira professora de balé,
desde muito jovem alimentei um interesse pela dança além da sala de aula e do palco. Embora nas
escolas e nas academias de dança, cadernos de anotações fossem utilizados durante o processo de
aprendizado do balé clássico, a utilização de recursos teóricos na pedagogia do ensino da dança não era
frequente.1

1
O termo dança, usado nesta tese, compreende muitas práticas, quais sejam: dança moderna, jazz, street dance, dentre
outras.
16

Figura 2: Caderno de Balé de Gisela Dória. Fonte: acervo pessoal.


17

A julgar pela concisa bibliografia relativa à dança disponível em nosso país, não raro um
estudante só tem acesso a pesquisas teóricas ao ingressar em uma universidade. No entanto, visto que a
universidade não é um requisito obrigatório para a formação nessa área, mas uma das possíveis opções
de qualificação profissional, muitos artistas percorrem suas carreiras sem estarem munidos de
conhecimentos teóricos, ou apenas com esparsas e eventuais leituras conceituais. Por outro lado, vale
reforçar que o acesso aos meios de comunicação é cada vez maior e a possibilidade de construção
autodidata, cruzada via mídias eletrônicas, por exemplo, tem se tornado real e substancial em muitos
casos. Um exemplo é a poética do pós-modernismo, que envolve uma estrutura aberta e em constante
mutação, formulada a partir das relações entremeadas de teoria contemporânea e prática cultural
(Hutcheon, 1991). Ao ingressarmos no estudo das artes, nos deparamos diversas vezes com
pesquisadores, artistas e artistas-pesquisadores que vêm construindo legados indiscutíveis em suas
áreas de trabalho e abriram um vasto caminho para os que fazem arte hoje. Ao contrário da
compartimentação binária entre a teoria e a prática essas instâncias podem funcionar como interfaces
que se complementam e se transformam constantemente. Tendo essas considerações em vista, cabe
observar que essa pesquisa parte de uma análise de práticas, fato esse que a caracteriza como uma
pesquisa prático-teórica.

Estado da tese

Esta tese, intitulada (de) Composição e Produção de Sentido: Dramaturgias na Dança


Contemporânea, cuja proposta é investigar as especificidades que emergem da relação entre diferentes
noções de dramaturgia e a dança contemporânea, tem como corpus as seguintes obras: L’aprés-midi
d’un faune, de Vaslav Nijinsky (1912); Trilogia Kafka, composta por três espetáculos de Sandro
Borelli, a saber: Metamorfose (2002), O Processo (2003) e Carta ao Pai (2006); Man Walking Down
the Side of a Building (1970) e Group Primary Accumulation (1973), ambos de autoria de Trisha
Brown.
Com o objetivo de problematizar e ampliar a noção de dramaturgia cênica no âmbito da dança
contemporânea, algumas noções de dramaturgia, tal como aquela relacionada ao fazer teatral na Grécia
clássica, assim como outras surgidas na contemporaneidade, são abordadas nesta tese.
18

Corpo. Linha, forma, volume, ritmo, motor de latências expressivas. Corpo à mostra, ser vivo que
habita tecidos e texturas que o transformam, restringindo-o, expandindo-o, podendo alterar a sua
natureza. Corpo mudo que diferencia múltiplos silêncios, corpo-sonoro que deixa captar o processual
dos esforços nos fluxos respiratórios. Corpo-falante, que faz da palavra algo não utilitário, corpo-vazio,
corpo-canal, corpo-carnal, corpo-espiritual, corpo-virtual, corpo-estático, corpo-banal. Centralidade do
corpo, mas não corpo isolado, e sim corpo-coletivo, corpo-luz, corpo-objeto, corpo-música, corpo-
contexto, corpo-subtexto, corpo-cultura, corpo-narrativa, que materializa, de forma incessante, fluxos
experienciais e modos de existência específicos.
Esses corpos, colocados aqui como rastros perceptivos, podem servir de pistas que convergem
para um campo de investigação: a dramaturgia, ou melhor dizendo, as dramaturgias. Dramaturgia que,
apesar de ser matéria de estudo e reflexão no campo das artes cênicas, no que diz respeito à dança, ele
representa um canteiro em construção, pleno de possibilidades e pesquisas por vir.
A partir dessas reflexões e das análises do corpus selecionado, pretendeu-se compreender uma
série de questões, quais sejam: 1) como se apresenta a dramaturgia na dança contemporânea? 2) como é
possível pensar sobre dramaturgia nesse caso? 3) quais são os aspectos e os processos envolvidos em
sua produção? 4) é possível, mesmo diante da grande pluralidade de poéticas existentes nesse campo,
reconhecer aspectos ou princípios comuns que as permeiam?
As questões que surgem quando a esse tema é dirigida uma atenção especial, assim como as
respostas dadas a essas perguntas, provém, algumas vezes, de elaborações derivadas da dramaturgia
associada ao teatro. Tal recorrência não é casual, uma vez que a dramaturgia representa um material de
reflexão consistente na história dessa forma de arte. Desse modo, optou-se por partir das reflexões
desenvolvidas pelo teatro.
Assim, no primeiro capítulo realiza-se uma breve revisão histórica, que tem como ponto de
partida as bases ou vigas da dramaturgia teatral ocidental e da performance art, vista, aqui, como uma
espécie de viga deslizante. Neste capítulo, Aristóteles (2004), Gotthold Ephrain Lessing (2009), Bertolt
Brecht (2002), Eugenio Barba (2000, 2010), são revisitados para auxiliar o leitor a construir ou a
relembrar um pouco do percurso e das transformações pelas quais a dramaturgia do teatro ocidental
passou.
A seguir, no segundo capítulo, outra breve revisão histórica é realizada, dessa vez passando por
uma rede de coreógrafos e principais referências da dança cênica, a partir dos escritos de Jean-Georges
19

Noverre (apud MONTEIRO, 1998), e pelas danças moderna e contemporânea, a fim de construir um
mapeamento rizomático que aponta momentos fundamentais da expansão das dramaturgias na dança.
Nestes dois primeiros capítulos, a contextualização auxiliou a abrir espaço para a discussão dos
três capítulos seguintes. Assim, no terceiro, quarto e quinto capítulos, foram analisadas as coreografias
de um corpus, de autoria de Nijinsky, Brown e Borelli, consecutivamente. Tais artistas, com obras tão
diferentes entre si, trazem em comum aspectos relacionados aos seus modos de criação, cuja relação
com o corpo de seus intérpretes se dá em um primeiro plano, assim como suas especificidades no que
diz respeito à criação de movimento e à pesquisa de linguagens, que são evidentes e bastante
singulares. Ao analisar suas obras, separadamente, emergiram as bases e as indicações para os eixos de
dramaturgia que são propostos, finalmente, no último capítulo desta tese, dialogando com diversos
autores e pesquisadores como Marianne van Kerkhoven (1997), Isabelle Launay e (2011), Cibelle
Sastre (1999) e Paulo Paixão (2011), dentre outros.
Desse modo, o que se tem pela frente é uma pesquisa dividida em seis capítulos, que, em
contraste com essa breve introdução, feita em primeira pessoa, se coloca na terceira pessoa do singular
em busca de se descolar de uma produção de texto subjetiva ou pessoal, a fim de construir uma
pesquisa o mais objetiva possível em torno de um tema fugaz e evanescente, assim como a própria
dança.




20

PRIMEIRO CAPÍTULO

Desmontar a Dramaturgia: um Olhar para a Dramaturgia no Teatro

Esta tese propõe um convite a um percurso, cujo início se volta ao passado e atravessa uma
paisagem histórica. Um primeiro momento teórico, uma espécie de aquecimento. Antes de partir, torna-
se necessário propor uma primeira questão (neste percurso de muitas questões): no que diz respeito às
noções de dança contemporânea e de dramaturgia, algumas problematizações iniciais precisam ser
levantadas. A primeira delas seria interpelar a necessidade de um consenso quanto à definição de dança
contemporânea e, em seguida, perceber convergências em relação ao conceito de dramaturgia em dança
contemporânea. No que diz respeito aos riscos que podem emergir de tal consenso, ou convergência,
um deles seria um excessivo fechamento reflexivo desses campos, apontando para uma cristalização de
noções que estão em constante vir a ser e se transformam constantemente. Sendo assim, por que não
aceitar simplesmente o dissenso, aquilo que, segundo Rouanet (1987, p. 236) "[…] não busca a eficácia
[...], mas a invenção, o contraexemplo, o ininteligível, o paradoxal"?
Portanto, não se trata aqui de buscar produzir um consenso, mas sim a produção de um
conhecimento complexo, em nome de uma dança contemporânea viva, que permita espaço para a
subjetividade, que também possa ser discutida com maior propriedade, sem ser frequentemente
atravessada por conceitos desatualizados e banalizados pelo uso comum.
Desse modo, a primeira parte deste capítulo, ao recuar e ampliar as indagações acerca das origens
da dramaturgia, pretende destrinchar essa noção, a fim de compreender melhor suas origens e seu
desenvolvimento, sobretudo no século XX.
Ao mesmo tempo que se busca descolar a noção de dramaturgia na dança da dramaturgia teatral,
falar de tal noção implica, do ponto de vista histórico, reportar-se necessariamente à dramaturgia no
teatro. De fato, a pesquisa sobre dramaturgia no âmbito teatral é significativamente mais extensa e
certamente mais debatida, tendo passado por um nítido processo de transformação no decorrer do
século XX, principalmente em sua segunda metade.
Se, por um lado, o termo “dramaturgia” no Ocidente remeteu, desde a Grécia Clássica até meados
do século XX, à arte de escrever textos dramáticos – e portanto, desde Aristóteles e passando por
Lessing – por outro, uma nova concepção de dramaturgia emergiu no Ocidente durante o mesmo
período. Essa representa, por sua vez, uma ampliação em relação à concepção original que relaciona
21

estritamente a dramaturgia ao texto dramático considerado, por sua vez, como matriz do espetáculo
teatral.
Ao propor “desmontar”, ainda que brevemente, essa história da dramaturgia ocidental, não se
pretende colocar uma bomba nesse edifício teórico, mas radiografá-la, na tentativa de observar suas
principais vigas de sustentação, de seu processo constitutivo.

1.1 Primeira Viga: Aristóteles

Para Aristóteles (2004) as artes tinham como principal objetivo produzir imitações. Em Poética,
o filósofo refletiu sobre a maneira como os artistas buscavam, por imitação, representar pessoas dos
mais diversos níveis sociais em ação, enfatizando que tais variações poderiam também acontecer na
dança assim como na música.

Do mesmo modo que alguns fazem imitações segundo um modelo com cores e
atitudes, – uns com arte, outros levados pela rotina, outros enfim com a voz;
assim também, nas artes a imitação é produzida por meio do ritmo, da
linguagem e da harmonia, empregados separadamente ou em conjunto
(ARISTÓTELES, 2004, p. 22).

É bastante claro para o filósofo grego que a imitação envolve uma ação e que essa, por sua vez, é
realizada por agentes (atores, dançarinos, músicos) e requer uma unidade.2 Cabe à narrativa, ou seja, ao
roteiro, a construção dos atos. Tudo com o claro objetivo de que o discurso falado, no caso, a tragédia
clássica, dê conta de transmitir ao público aquilo que se pensa, de forma bastante organizada e linear,
com início, meio e fim.
No entanto, Aristóteles não propunha uma compreensão puramente intelectual dos
acontecimentos propostos pelos textos que seriam encenados. Ao contrário, ele assinalou que pela
compaixão ou pelo terror a tragédia atingiria a catarse, uma purgação de sentimentos, conforme
observou Bornheim:

2
Em relação à Poética de Aristóteles, serão apontados aqui somente os aspectos e as implicações funcionais aos argumentos
desta tese. Não serão considerados, portanto, os intrincados debates em torno das noções de imitação e ação, dentre outros
temas.
22

[…] com efeito, muitas pessoas estão expostas em alto grau a essa forma de
emoção, e vemos a estas pessoas, sob a influência da música sagrada, quando
empregam modos que sacodem violentamente a alma, levadas a um estado tal
como se tivessem recebido um tratamento médico e tivessem tomado uma
purga (BORNHEIM, 1992, p. 220).

Vale ressaltar que, se pela atração ou pela repulsa, os sentimentos emergiam no espectador e isso
não se dava de forma livre e autônoma. Ao contrário, era por meio de uma detalhada e organizada
estrutura que tais emoções deveriam surgir, sem que fosse concedido ao espectador a decisão de
quando deveria fruí-las.
Além da questão da imitação, dos elementos da ação – a peripécia, o reconhecimento, o patético,
a catástrofe – e da catarse, o filósofo discorreu também sobre os gêneros, sobre as qualidades da fábula,
sobre o desenlace e sobre as partes e qualidades da elocução, dentre outros aspectos.
Embora criticada, como é possível atestar, por exemplo, em Brecht (2002) e seu conceito de
“dramaturgia não-aristotélica, a Poética tem até os dias atuais uma importância inquestionável no que
diz respeito à construção do que viria a ser conhecido como referência fundamental a ser seguida para a
produção de uma dramaturgia, não somente no teatro, mas também na dança, como será examinado em
Noverre3 e discutido no segundo capítulo desse trabalho.

1.2 Segunda Viga: Lessing e a Dramaturgia de Hamburgo

Se, para Aristóteles (2004) a dramaturgia tinha a ver necessariamente com a narrativa (roteiro) e
a escrita, ou seja, a composição dramática, para compreender melhor a origem da problemática em
torno da ampliação do conceito de dramaturgia se faz necessário passar pela Alemanha do século
XVIII. Foi a partir das concepções do dramaturgista alemão Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781)
que tal conceito foi introduzido como uma forma de consciência crítica. Esse período pode ser
apontado como um primeiro momento de ampliação da noção de dramaturgia.4
3
Noverre, Jean-George (1727-1810), bailarino, professor e coreógrafo do período pré-romântico no balé, criador da
proposta do ballet d’action, autor de Cartas sobre a dança, legado de considerável contribuição para a emancipação da
dança.
4
Sobre os novos paradigmas da dramaturgia contemporânea, a obra O Discurso da Cumplicidade de Ana Pais, resume de
maneira esclarecedora o papel e a importância de Lessing para essa primeira mudança de paradigma.
23

Lessing foi um filósofo, crítico, dramaturgo e escritor. Trabalhou como tradutor das obras de
Voltaire durante o período em que o pensador francês viveu em Berlim, tendo sido fortemente
influenciado pelo pensamento iluminista. Na célebre obra Dramaturgia de Hamburgo, redigida sob a
forma de um manifesto a partir dos preceitos aristotélicos, Lessing propunha, resumidamente: libertar o
teatro alemão do modelo francês5; criar um novo teatro nacional que fosse reflexo da identidade
cultural alemã; educar e cultivar o público. Com esse tratado, publicado entre os anos de 1767 e 1769,
ele inaugura finalmente o cargo de Dramaturg (que pode ser traduzido para a língua portuguesa por
dramaturgista). Sendo assim, ele foi considerado o primeiro dramaturgista alemão e possivelmente o
primeiro dramaturgista na história das artes cênicas no Ocidente.
Em sintonia com o ponto de vista proposto por Pais (2004, p. 33), o dramaturgista, para Lessing,
era uma função desempenhada por alguém que, “[...] não tendo uma função artística, integra a
instituição e aí permanece como um mediador entre o teatro e o público, fato esse que configura um
‘olhar exterior’”. Tal cargo, cujas funções são mais da ordem institucional do que artística, existe ainda
hoje nos principais teatros alemães. Já segundo o pesquisador e professor alemão radicado no Brasil,
Baumgärtel (2012) o “dramaturgista institucional” é o responsável pela escritura dos programas das
peças – que na Alemanha são verdadeiros livros, não apenas portadores de sinopses dos espetáculos e
de fichas técnicas como, na maioria dos casos, é feito no Brasil. Era ele, e é ainda, quem articula as
atividades didáticas com o público assinante das temporadas, além de trabalhar como intermediador
entre o dramaturgo, autor da peça e o encenador e/ou diretor do espetáculo. Para Baumgärtel (2012),
essa função não existe tal e qual no teatro brasileiro, ela seria uma mistura de atribuições que
normalmente são delegadas ao produtor e ao assistente de direção de um espetáculo, ou do próprio
teatro.
É importante ressaltar que à origem do projeto de Lessing existia não somente uma preocupação
artística, mas, principalmente, política, uma vez que para o autor alemão era urgente a criação de um
teatro nacional que se diferenciasse do modelo normativo francês, aquele proposto por inúmeras
referências, dentre elas Diderot6, que, segundo Danan (2010, p. 17) era “[...] mais aristotélico do que
Aristóteles”.

5
Nicolas Boileau (1636-1711) foi um importante membro do Classicismo Francês, autor da Arte da Poética, manual de
doutrina clássica, que seguia os preceitos aristotélicos do bem escrever. Juntamente com Corneille, Racine, Molière e
Diderot, fundou um movimento intencionalmente rígido de teatro na França.
6
Denis Diderot foi um importante escritor, enciclopedista e filósofo francês do século XVIII. Nasceu na cidade francesa de
Langres em 5 de outubro de 1713 e faleceu em Paris em 31 de julho de 1784. É considerado uma das principais figuras do
Iluminismo. Sua grande obra foi a elaboração editorial da Enciclopédia, em parceria com d'Alembert.
24

Desse modo, as propostas revolucionárias de Lessing não cabiam em um sistema fechado de


regras, constituíam-se em um olhar aberto que tinha como objetivo questionar e produzir um
pensamento em torno da prática teatral vigente, processo esse que deflagrou um novo paradigma de
dramaturgia no Ocidente.
Contudo, a contribuição dada pela Alemanha ao desenvolvimento da dramaturgia não se conclui
com Lessing; se o autor de Dramaturgia de Hamburgo trouxe uma transformação significativa a partir
da emergência do dramaturgista, outro alemão viria a ser um verdadeiro divisor de águas no que diz
respeito à expansão e à transformação do conceito de dramaturgia nas artes da cena: Bertolt Brecht.

1.3 Terceira Viga: Reformas do Século XX

Dentre os artistas que contribuíram para o surgimento e o desenvolvimento do conceito de


dramaturgia a partir do século XX, cabe ressaltar o trabalho desenvolvido por Bertolt Brecht e as
elaborações feitas por Antonin Artaud. De maneiras diferentes, ambos foram importantes para a
consolidação e a ampliação da noção de dramaturgia para além da confecção de textos dramáticos. De
fato, pelo trabalho desenvolvido por Brecht, a noção de dramaturgia passa a ser relacionada não apenas
à produção de textos dramáticos, mas igualmente à articulação dos diversos elementos que compõem a
cena. Com ele, surgiu, de maneira ainda mais consistente e ampliada, a figura do dramaturg, diferente
daquela proposta por seu conterrâneo, Lessing. Ou seja, em Brecht o dramaturg passa a ser um
profissional que atua como um criador polivalente da cena, que articula o texto escrito aos outros
elementos cênicos e que dialoga com o diretor de forma a contribuir efetivamente para a concepção e
criação do espetáculo.

1.3.1 Brecht e a Dramaturgia Não-Aristotélica

Uma “dramaturgia não-aristotélica”, como o próprio nome diz, seria uma dramaturgia que nega
os princípios dramatúrgicos definidos por Aristóteles. No entanto, minimizar a contribuição de Brecht a
uma simples negação dos princípios aristotélicos seria uma redução ingênua e equivocada. Certamente,
a contribuição dada pelo dramaturgo alemão vai muito além de uma negação dos preceitos
aristotélicos. Pode-se dizer que a crítica sobre a dramaturgia aristotélica, somada aos conceitos criados
25

em seus anos de dedicação à pesquisa e prática teatral, são de fato um marco para a reelaboração e a
ampliação do conceito de dramaturgia no Ocidente.
No ensaio Crítica da Poética de Aristóteles, Brecht apontou para a noção de catarse – vista como
purificação do espectador, pela imitação de ações indicativas de terror e piedade – como o traço
determinante da dramaturgia aristotélica, aspecto que estaria diretamente relacionado aos efeitos da
ação no nível das emoções. Esse representa o principal foco de rejeição do artista alemão. É a partir de
tal rejeição que se pode compreender a emergência daquela que viria a ser a sua “dramaturgia não-
aristotélica” (BORNHEIM, 1992, p. 214).
Brecht (2002) observa que tal hegemonia das emoções provocaria a ausência de espírito crítico,
condição molar do pensamento brechtiano. Esse espírito crítico, segundo o artista alemão, somente
poderia ser alcançado de duas maneiras, pela admiração e pelo estranhamento 7, dupla de ações que, por
sua vez, construíram o que Brecht (2002) chamou de “efeito de distanciamento”.
Outro aspecto que não pode passar despercebido em relação às contribuições do pensamento e da
prática do artista alemão está relacionado com a dimensão coletiva da gestualidade, concebida por
Brecht (2002) como gestus, que, segundo Pavis (1998), é um dos conceitos mais sutis e produtivos da
ampla teoria teatral brechtiana. Ainda que Brecht não tenha definido o gestus de maneira conclusiva,
em seu primeiro sentido ele seria a relação social que o autor estabelece com a sua personagem e com
os outros. Essa noção é particularmente interessante neste ponto da presente tese, uma vez que diz
respeito ao corpo como um todo, isso é, às suas dimensões visuais, vocais e sociais, atuando de modo a
fazer prevalecer o gesto sobre a palavra (PAVIS, 1998). O gestus foi problematizado pelas teorias pós-
brechtianas, segundo as quais ele seria um agente inibidor passível de domesticar o corpo do ator e de
torná-lo obediente. No entanto, para Brecht, o domínio de tal conceito forçaria o ator a encarnar as suas
ideias de modo a não se tornar servo das palavras do autor (PAVIS,1998).
Autor, dramaturgo e encenador, para Brecht, a noção de dramaturgia recobre – ao menos
teoricamente – aquela da encenação, pois para ele, os dois eixos principais do trabalho teatral são a
elaboração da fábula, realizada pelo dramaturgo e/ou pelo coletivo, e a construção dos personagens,
que, por sua vez é função dos próprios atores. Cabendo, assim, ao encenador o papel de mediador (cf.
DANAN, 2010).

7
Segundo Bornheim (1992, p. 215), “[...] o despertar emerge no homem a partir de duas experiências contrapostas: o
espanto, uma certa admiração (Erstaunlichkeit), e o estranhamento, que distancia (Befremdlichkeit) (III, 30). No fundo, as
duas palavras se referem a uma vivência única, porquanto a admiração, bem compreendida, traz consigo a descoberta da
alteridade, o sentimento de estranheza, de distanciamento”.
26

Ampliando, dessa forma, significativamente a discussão em torno da dramaturgia, da encenação e


das atribuições e diferenças entre tais instâncias, Brecht abre espaço para uma reflexão cujas
ressonâncias são extremamente vastas e que seguiram e seguem em debate até os dias atuais;
aprofundá-las, nesta tese, seria torná-las o objeto de pesquisa em si.

1.3.2 Artaud e a Dramaturgia Matemática

No caso de Artaud, de forma ainda mais radical do que Bretch, o texto deixa de ser a matriz única
de significação do teatro e propõe-se à dissolução de uma relação hierárquica entre os elementos da
cena. Assim, apesar de manifestarem percepções diferentes sobre o teatro, tanto em Brecht como em
Artaud, abriu-se caminho para o reconhecimento de uma noção de dramaturgia que não está
relacionada especificamente com o texto escrito, mas sim com o funcionamento e a articulação do
fenômeno espetacular que se materializa cenicamente.
Desse modo, Artaud propõe uma espécie de “dramaturgia matemática”. Na verdade, ele não
utiliza esse termo, nem ao menos se refere a uma noção de dramaturgia que não seja a da dramaturgia
do texto. Então, por que matemática? Fortemente inspirado pelo teatro balinês, o artista francês se dizia
absolutamente encantado pela precisão, pelo rigor e pelo controle demonstrado por tal forma de teatro
oriental. Em suas próprias palavras:

Este espetáculo é superior à nossa capacidade de assimilação; assalto-nos com


uma superabundância de sensações, em que cada uma é mais rica que as outras,
porém, numa linguagem que parece não possuirmos já a chave; e esta espécie
de limitação criada pela impossibilidade de descobrir o fio da meada – a
impossibilidade de aproximar o ouvido do instrumento para ouvir melhor – é
mais um atrativo para crédito desse espetáculo [...] (ARTAUD, 1996, p.56).

E, ainda:

[...] o que impressiona e desconcerta os europeus, como nós, é a admirável


intelectualidade que se pressente a crepitar por toda parte da plateia apertada e
sutil dos gestos, nas modulações infinitamente variadas da voz, nessa chuva
sonora que ressoa como se proveniente duma intensa floresta gotejante e no
entrelaçar identicamente sonoro dos movimentos (ARTAUD, 1996, p. 56-57).
27

Em contraste com o teatro contemporâneo de sua época, que para Artaud (1996) era decadente,
principalmente por ter abdicado do risco e do perigo, o teatro balinês possuía uma abundância de gestos
rituais, matematicamente articulados, no qual não havia desperdício algum, e cuja chave de
compreensão os ocidentais não seriam jamais capazes de possuir.
Dessa forma, segundo Artaud (1996), a dramaturgia deveria acontecer de forma
matematicamente calculada. O teatro balinês era um exemplo vivo que deveria ser seguido, ele
representa para o artista francês uma meta, um lugar para onde o teatro ocidental deveria caminhar.
A questão da encenação era também um ponto precioso para Artaud. Embora a luz, o figurino, o
espaço, o tempo e a relação com o público tenham sido todas questões relevantes, que o autor francês
abordou de maneira instigante, as suas reflexões em torno da encenação merecem especial atenção
dentro do contexto desta tese.
Para Artaud (1996) o exemplo balinês eliminou o autor em favor do encenador, e esse último, por
sua vez, tornou-se uma espécie de “[...] manipulador de magia, um celebrante de cerimônias sagradas”
(ARTAUD, 1996, p. 59). Para o autor, a encenação seria:

1- a materialização visual e plástica do discurso;


2- A linguagem de tudo o que pode ser dito e que pode ter significado num
palco, independentemente da fala, de tudo que se exprime no espaço, ou que
por ele pode ser afetado ou desintegrado (ARTAUD,1996, p. 68).

É possível então que, para Artaud, a encenação fosse o que atualmente se entende por
dramaturgia em sua noção ampliada? Talvez sim; talvez o que ele propunha como encenação estivesse
estreitamente relacionado a uma das possíveis concepções do conceito atual de dramaturgia, uma
dramaturgia da cena, por exemplo. Para ele,

[...] a encenação era o ponto de partida de toda criação teatral, que se


constituiria a linguagem típica do teatro. E é na utilização e na manipulação
desta linguagem que se dissolverá a velha dualidade do autor e do encenador,
substituídos por uma espécie de Criador Único a quem caberá a
responsabilidade dupla do espetáculo e da ação (ARTAUD,1996, p. 9).

Assim, Artaud nos faz perceber de maneira contundente a dramaturgia como uma articulação
entre todos os elementos constitutivos da cena. Assim como afirma Pais, embora aconteça como uma
28

camada invisível para o espectador, “[...] a dramaturgia está, na teoria e na prática, indissociavelmente
ligada a áreas como a encenação, a interpretação ou a estética” (PAIS, 2004, p. 24). Tal invisibilidade
representa um eixo central das propostas de Artaud. Para ele, mais do que para o logos, o teatro deve
almejar tocar o não dito, escavar os aspectos sensíveis do fenômeno teatral. Tais aspectos seriam
ulteriormente abordados e aprofundados por outro diretor relevante no panorama teatral ocidental:
Eugenio Barba.

1.3.3 Eugenio Barba e as Três Dramaturgias

No que diz respeito aos desdobramentos pós-brechtianos relacionados a essa ampliação da


dramaturgia, Eugenio Barba deve ser necessariamente considerado. Nos anos 1970, Barba definiu
dramaturgia a partir de sua chave etimológica: drama-ergein, ou seja, trabalho das ações. Com isso, ele
passa a redefinir o modo como as ações são construídas por seus atores. Nas palavras do diretor, “a
dramaturgia não era um processo que pertencia somente à literatura, era uma operação técnica inerente
à trama e ao crescimento de um espetáculo e de seus vários componentes" (BARBA, 2010 p. 38).
Em suas reflexões teóricas, Barba (2010) declara que aquilo que ele chamava de dramaturgia não
se tratava de uma composição narrativa ou uma linha sequencial do tema construída de forma
horizontal, ao contrário, ele passa a percebê-la numa relação vertical entre todos os componentes da
cena teatral.
Desse modo, Barba (2010) propõe três noções de dramaturgia: 1) a “dramaturgia orgânica” ou
“dinâmica”, que envolve a composição dos ritmos e dos dinamismos que agem sobre o espectador em
nível nervoso, sensorial; 2) a “dramaturgia narrativa”, que entrelaça os acontecimentos, as personagens
e orienta os espectadores em relação ao sentido do que estão vendo; e 3) a “dramaturgia das mudanças
de estado”, que emerge quando o conjunto do que é mostrado consegue evocar algo diferente,
inesperado, a exemplo do canto e da música que, através dos harmônicos, podem desenvolver outra
linha sonora. Para o diretor, esse último tipo de dramaturgia tem uma natureza diferente das duas
outras, tendo a classificado como “espécies de cavernas biográficas de cada espectador” (BARBA,
2000, p. 39).
O autor ainda resume sua concepção em torno da dramaturgia da seguinte maneira: “[...] a
dramaturgia orgânica é o sistema nervoso do espetáculo, a dramaturgia narrativa é seu córtex, a
dramaturgia evocativa é aquela parte de nós que, em nós, vive no exílio” (BARBA, 2000, p. 40).
29

Dentre os artistas que contribuíram para o desenvolvimento ulterior da noção de dramaturgia,


porém em menor escala, podemos ressaltar: Jerzy Grotowski (1933-1999), Peter Brook (1925-) e
Robert Wilson (1941-). O aspecto fundamental aqui é perceber de que maneira se deu a absorção e
ampliação desse conceito, no que diz respeito à dança contemporânea e suas especificidades.
Forma-se assim uma espécie de tripé. Três vigas que sustentam um conceito móvel: as teorias de
Aristóteles, de Lessing e as concepções contemporâneas formuladas a partir da primeira metade do
século XX. Mas como pensar em vigas, suportes teoricamente estáveis, que aguentam densos edifícios
como sustentáculos de um conceito móvel? É possível se pensar em vigas sobre rodas? Se sim, qual
estabilidade essas vigas teriam?

1.4 Performance Art: uma Viga Deslizante

Para pensar de que modo essas três vigas, ainda que instáveis, se transformaram em uma estrutura
de quatro pernas, que suporta esse edifício da dramaturgia ocidental, que se ergue ainda que deslize,
parece oportuno trazer para o debate, ainda que brevemente, a noção da Performance Art.
Reconhecendo a variedade de mapeamentos detalhados e aprofundados do conceito de
performance, este estudo se vale basicamente de dois autores para abordar uma noção cuja definição é
tão variada quanto a própria noção de dramaturgia, a saber: Marvin Carlson e Roselee Goldberg.
A razão pela qual se faz necessária essa espécie de parênteses pelo universo da performance, esse
deslizamento para dentro de tal universo se dá uma vez que a performance em seu amplo leque de
ações e sua densa rede de conexões interdisciplinares, provoca uma nova lógica dramatúrgica, centrada
principalmente no performer e em seu corpo. E de certa forma, pode agir como uma espécie de ponte
que levará ao pensamento e à pratica da dramaturgia na dança contemporânea.
Rompendo radicalmente com o texto escrito e falado como elemento central, a performance traz
para a cena o corpo em evidência. Um corpo autorreferente, que não interpreta um personagem em um
tempo específico determinado, mas é essencialmente “si mesmo”, aqui e agora.
Carlson (1996) argumenta que a performance é um campo complexo e variável, que se conecta
com todo campo de arte possível. Em sua busca por uma subjetividade e identidade contemporânea, ela
se relaciona com as estruturas de poder, questões de gênero, raça, etnicidade, dentre outras.
Autores variam quanto a um possível marco inicial da arte da performance, mas há um acordo
quanto a sua herança das vanguardas históricas europeias. Goldberg (1996) aponta os futuristas e os
30

construtivistas russos como pais da Performance Art que floresceu na América do Norte, no Japão e na
Europa ocidental nos anos 1960 e 1970. Para Carlson, esse fenômeno tem relação próxima com a Arte
Conceitual de Marcel Duchamp, que, em 1913, definiu o performer "como aquele que seleciona
material ou experiência para apreciação estética, ao invés de formar algo a partir da tradicional gama de
matéria prima" (GOLDBERG,1996, p. 101), uma abordagem que o levou a sua primeira exposição de
objetos já existentes ou ready-mades.
O uso do espaço cumpre também uma função significativa na performance, o trabalho a partir de
composições em site-specifics leva o público para espaços inusitados como barcos, cafés, galerias,
parques, terraços e assim por diante. Esse novo uso do espaço resulta, por sua vez, em uma relação
particular com o público, que pode ser conduzido a novos pontos de vista, ou, ainda, a participar
ativamente das performances a que assiste, sendo muitas vezes o público o próprio performer da cena.
Tal inversão/alternância de papeis, performer-público-performer, implica em uma flexibilidade,
em um deslizamento de atitudes. Performers como Marina Abramovic, Meredith Monk, Joseph
Beuyes, Vito Acconci, dentre outros convidaram o público não somente a completar a dramaturgia de
suas cenas, mas, muitas vezes, a construir tal dramaturgia.
Em Seven Easy Pieces, por exemplo, obra de Abramovic a partir de sete performances, sendo
cinco de outros artistas, e duas de sua própria autoria, a artista convida o público a experimentar sete
trabalhos diferentes em um museu, durante sete dias consecutivos, com a duração de sete horas cada.
No vídeo filmado pela cineasta Babete Mangolte, em 2005, no Guggenheim Museum, pode-se observar
o percurso de Marina, que começa com a obra Body Pressure de Bruce Nauman, de 1974. Com o
objetivo de ilustrar, ainda que brevemente, de que modo o corpo prevalece no universo performático e,
consequentemente, como esse domínio viria ampliar transformar a dramaturgia contemporânea, uma
pequena análise de tal evento será realizada.
Na performance de Nauman, que abre a maratona performática da artista búlgara, Abramovic é
instruída a pressionar seu corpo em um painel de vidro nas mais diversas formas e posições. A artista
fala em alguns momentos: “[…] isso pode tornar-se um exercício muito erótico” (MANGOLTE, 2007,
tradução minha)8. O público que percorre as galerias do museu observa de perto ou de longe tal
experimento, que dura sete horas.
No dia seguinte, Abramovic realiza Seed Bed, obra de Vito Acconti, de 1972, ação que consiste
em uma automasturbação contínua da artista, escondida no subsolo de um palco redondo, no hall
central do museu. As pessoas que caminham ou sentam sobre o chão onde se esconde Abramovic
8
No original: “It may become a very erotic exercise”.
31

podem escutá-la através de um sistema de microfonia, que amplia o som por todo o espaço do museu.
Como no dia anterior, a performance dura sete horas ininterruptas.
No terceiro dia, é a vez de Action Pants: Genital Panic, obra da artista austríaca Valie Export,
datada de 1969. Nessa obra, Abramovic veste uma roupa que remete a um guerrilheiro, calças e jaqueta
de couro preto, segurando uma metralhadora em suas mãos, com a vagina completamente exposta
através de um corte em suas calças. Pânico genital, nenhuma palavra é dita durante todo período, por
vezes, lágrimas escorrem pelo rosto da performer.
O quarto e o quinto dias seguem com uma performance de Gina Pane, The Conditioning (1973)
seguido de How to Explain Pictures to the Dead Hare (1965), de Joseph Beuys9. A quarta performance
consiste em um ato de resistência onde Abramovic se deita sobre uma estrutura semelhante a uma cama
de ferro, que está disposta sobre uma série de velas acesas. Suando copiosamente, a performer se
impõe a suportar o extremo aquecimento da estrutura. Ocasionalmente, ao derreterem-se, Abramovic se
levanta e as troca por novas velas.
No quinto dia, a performance de Beuys, uma das mais teatrais da coletânea, implica em uma série
de ações da performer com um coelho morto em suas mãos. Com a face coberta por mel e folhas de
ouro, a artista cochicha ao ouvido do animal morto palavras incompreensíveis, morde suas orelhas,
balança-o em seus braços como se ninando um bebê.
Finalizando o sexto e o sétimo dias, ela realiza duas de suas próprias obras, Lips of Thomas
(1975) e Entering to the Other Side (2005), respectivamente. Na primeira performance, Abramovic
desenvolve uma série de ações de forma ritualística, desafiando seus limites físicos. Ela começa
consumindo um quilo de mel, seguido de um litro de vinho. Depois, ela quebra a taça de vinho em sua
mão. A seguir, com uma lâmina de barbear, ela começa a desenhar em sua barriga um corte que
culminará na estrela de cinco pontas. A ação também incluía o ato de chicotear as próprias costas e
depois deitar-se sobre elas, com o ventre e as costas sangrando em um grande bloco de gelo.
Finalmente, na última ação que ocorre no sétimo dia, durante a noite, do evento/mostra/coletânea,
a performer coloca-se em um vestido/instalação de dimensões enormes, permanecendo parada, abrindo
os braços ocasionalmente, olhando para o público, em silêncio. Minutos antes das doze horas da noite,
hora prevista para o encerramento do evento, Abramovic fala baixinho:

9
Joseph Beuys (1921-1986) teve um papel fundamental no desenvolvimento da Performance no século XX. O artista
alemão desafiou as convenções da escultura com a utilização de materiais não ortodoxos, tais como substâncias
biodegradáveis e animais mortos. Beuys avançou irrevogavelmente nas fronteiras artísticas de seu tempo, declarando que
qualquer um é artista, e cunhou o termo escultura social, propondo um programa anárquico de transformação da sociedade.
32

Por favor, feche seus olhos, por favor. Imagine. Eu estou aqui, e agora. Você está aqui, e agora.
Não existe tempo.

Você está aqui e eu também estou aqui e passarmos tempo juntos, é milagroso.
A distorção do tempo e espaço é a gravidade e nós estamos compartilhando
esse mundo e vivendo juntos (MANGOLTE, 2007, tradução minha).10

Ainda que suscinta, tal descrição parece ser suficiente para percebermos o teor provocativo,
íntimo e ao mesmo tempo expositivo dessas sete ações. Com isso, também se evidencia o caráter
subjetivo, político e visceral que é possível perceber em muitos atos de performance, não só nessas
selecionadas e agrupadas por Abramovic em Seven Easy Pieces, mas em grande parte dos trabalhos de
performance, desde suas origens aos dias atuais.
Desse modo, nessa espécie de curadoria/apropriação de diversas performances, reunidas no
período de uma semana, a performer expõe o corpo, seu corpo, mas acima de tudo, o corpo humano,
com suas resistências, fragilidades e contradições, provocando em seu público uma série de
experiências inusitadas, chocantes e contundentes, ao mesmo tempo que rememora, preserva e
proporciona uma releitura de obras marcantes da Performance Art das décadas de sessenta e setenta do
século passado.

10
No original: “Please close your eyes, please. Imagine. I am here, and now. You are here, and now. There is no time. You
are here, and also I am here and spending time together is something miraculous. A distortion of time and space is gravity,
and we are sharing that world and living together”.
33

Figura 3: Marina Abramovic em Body Pressure, 1974, obra de Bruce Nauman. Foto: Kathryn Carr.
Fonte: Marina Abramović Archives and Sean Kelly Gallery, 2007.

Figura 4: Seed Bed, 1972, obra de Vito Acconti. Foto: Kathryn Carr. Fonte: Marina Abramović
Archives and Sean Kelly Gallery, 2007.
34

Figura 5: Marina Abramovic em Action Pants: Genital Panic, 1964, obra de Valie Export. Foto:
Kathryn Carr. Fonte: Marina Abramović Archives and Sean Kelly Gallery, 2007.

Figura 6: How to Explain Pictures to the Dead Hare, 1965, de Joseph Beuys. Foto: Kathryn Carr.
Fonte: Marina Abramović Archives and Sean Kelly Gallery, 2007.
35

Figura 7: The Conditioning, 1973, de Gina Pane. Foto: Kathryn Carr. Fonte: Marina Abramović
Archives and Sean Kelly Gallery, 2007.

Figura 8: Lips of Thomas, 1975, de Marina Abramovic. Foto: Kathryn Carr. Fonte: Marina Abramović
Archives and Sean Kelly Gallery, 2007.
36

Figura 9: Entering to the Other Side, 2005, de Marina Abramovic. Foto: Kathryn Carr. Fonte: Marina
Abramović Archives and Sean Kelly Gallery, 2007.

Ainda sobre tal evento, Mangolte (2014) declarou, em uma conversa no Centre George
Pompidou, que, ao filmar Seven Easy Pieces de Abramovic, a cineasta se via muitas vezes atraída pelas
expressões do público. É visível no filme da cineasta francesa como as reações da plateia são variadas.
É nítido o esforço do público para completar, atribuir sentido ao que vê, em momentos em que a
performer deliberadamente atribui ao público essa função.
Várias seriam as performances que poderiam ser mencionadas nesta parte da pesquisa. A escolha
de Seven Easy Pieces está relacionada sobretudo à variedade de tessituras dramatúrgicas presentes na
obra. De fato, as dinâmicas que emergem de forma intensificada nas propostas de performers do século
37

XX e XXI – dentre elas as de Abramovic na coletânea em questão – exigem uma abordagem


dramatúrgica específica, em que o espaço e o público passam a guiar/ser guiados como coautores,
juntamente com o artista. Essa coautoria, que delega ao público muitas vezes a função de construir sua
própria dramaturgia é apenas uma das atribuições ao amplo conceito de dramaturgia, que desliza entre
a dança, o teatro e a arte da performance.
Ao descrever tais performances é perceptível que, ao apresentar as outras três vigas propostas
nesta tese, há uma limitação em relação à reflexão sobre suas teorias. No entanto, chegando na quarta
viga, foi necessário partir para um olhar sobre a prática da performance. Aqui se percebe um
deslizamento, uma transição para um fazer dramatúrgico da dança contemporânea, que passa por essa
estrutura, por esse edifício teórico com suas vigas, sejam elas estáveis ou deslizantes, e caminha de um
pensar sobre a ampliação da dramaturgia em direção a uma ampliação da dramaturgia.
Desse modo, são tantas as possíveis manifestações que permeiam a noção de dramaturgia que ela
acaba muitas vezes por se esvaziar. Assim, se existe uma função de dramaturgia do público, do espaço
e do bailarino, para citar apenas alguns exemplos, é possível reconhecer algo como a dramaturgia
quântica? Ou ainda, voltando a uma das questões iniciais que nortearam esta tese, é possível reconhecer
uma dramaturgia especifica da dança?
38

SEGUNDO CAPÍTULO

Sobre Corpos Modernos e a Dança Contemporânea

“A história da dança não se circunscreve unicamente em uma figura


anatômica artisticamente definida, mas toma a forma de um espaço
onde se dialoga e se escuta as mutações da arte e da sociedade”
(FOULKES, 2002, p. 20).

Seguindo o percurso proposto, adentra-se no segundo capítulo. Se no primeiro capítulo foi


realizada uma breve revisão do histórico percorrido pelo teatro, passando pela Performance Art, em
busca de identificar e reconhecer novas possibilidades de dramaturgias da cena, neste momento é
fundamental olhar para semelhante percurso no campo da dança. No entanto, ao pesquisar as possíveis
vigas dessa estrutura que é a dança cênica ocidental, é perceptível uma paisagem que mais se
assemelha a um plano rizomático – segundo o modelo epistemológico de Deleuze e Guatarri (2011) –
do que a um edifício vertical. De fato, o percurso percorrido pela dança, que atravessa os séculos
XVIII, XIX e XX, chegando ao XXI, tem uma formação híbrida com ligações com o teatro, as artes
marciais, a ciência e as artes visuais, dentre outras disciplinas, exibindo uma paisagem ampla e
horizontal, uma rede com raízes que se espalham, sobrepondo-se e interpenetrando-se. Aqui, nessa
busca por um mapeamento rizomático, propõe-se capturar sincronias nas quais normalmente são
percebidas diacronias.
Desse modo, apresenta-se uma espécie de voo panorâmico, olhando por cima e por dentro, ora se
aproximando com rasantes mais baixas, como zooms fotográficos, das principais referências, ou
imbricamentos – pensando ainda nessa trama rizomática –, ora se afastando com voos mais altos, se
distanciando de acordo com um recorte que parece mais apropriado a encaminhar para o terceiro,
quarto e quinto capítulos, que, por sua vez, irão analisar os três casos específicos escolhidos a fim de
verticalizar essa pesquisa.
39

Neste capítulo, algumas das categorias ou olhares vigentes sobre a dramaturgia são revistos: tais
com a dramaturgia do espaço, da luz, do corpo etc., para possibilitar a percepção do extremo
emaranhado semântico e a confusão terminológica do conceito em questão. Para tal, um novo recuar
será necessário para poder avançar. Olhar para o passado para buscar compreender o presente, resgatar,
na modernidade, de que modo se deu a origem da ampliação da noção de dramaturgia que se pode
perceber a partir da dança moderna e mais visivelmente na dança contemporânea.

2.1 Cartas para a Posteridade

Se, ao olhar para a gênese da dramaturgia do teatro foi necessário retomar Aristóteles, no que diz
respeito à dança não será necessário recuar tanto, não que a dança da época aristotélica não seja
relevante mas, para o escopo dessa pesquisa é necessário regressar apenas a 1760, ano em que o
bailarino e coreógrafo francês Jean-Georges Noverre (1727-1810) publicou o volume Cartas sobre a
Dança. O que Noverre propôs em seu livro é considerado uma fundamental ampliação das
possibilidades de se pensar e de fazer a dança cênica clássica vigente.
Naquela época, a dança cênica hegemônica era o balé de corte, realizada pela e para a realeza,
enquadrada em uma poética mecânica do movimento, sob vestimentas pesadas que dificultavam
tremendamente a movimentação dos dançarinos. Assim, o que existia em termos de dança cênica eram
espetáculos que obedeciam a agendas políticas, que tratavam a dança como entretenimento e campo de
comunicação da realeza.
Em seu livro, escrito em um formato epistolar, Noverre clamou por uma nova dança “que veicula
significados e emociona” (MONTEIRO, 1998, p. 65), batizada pelo coreógrafo como balé de ação. Tal
balé proposto pelo mestre francês condenava o uso de máscaras, o excesso de simetria, a mecanização
dos movimentos e a incoerência entre as partes. Para Noverre a dança deveria ser uma arte autônoma,
ter lógica, respeitar a verossimilhança, compor a partir de um percurso com início, meio e fim, com
alma e emoção, antes de técnica e virtuose, dentro de uma lógica que reconhece e muito se assemelha à
poética aristotélica.
A partir de então, atravessando os séculos em ciclos alternados em que a expressividade se
sobrepunha à técnica e vice-versa, a dança cênica foi construindo um percurso no qual, independente
40

da estética dominante, o movimento era sempre relacionado a corpos treinados, aptos a realizar aquilo
que o corpo comum não seria capaz de fazer.
Guia de muitos coreógrafos que o sucederam, Noverre deixou um documento importante para o
pensamento da prática da dança. Salvo exceções, os bailarinos e coreógrafos raramente
compartilhavam suas pesquisas e reflexões em manuais e livros pra posteridade.

Figura 10: Cartas sobre a Dança e Sobre os Balés, 1760, de Jean-Jacques Noverre. Folha de Rosto.
Foto: autor desconhecido. Fonte: Open Library, 2015.

Outro exemplo de coreógrafo que compartilhou um manifesto artístico e compõe, juntamente


com Noverre, essa rede que vai tecendo o horizonte da dramaturgia na dança, foi o russo Michel
41

Fokine, originalmente Mikhael Mikhaylovich Fokine (1880-1942). Bailarino e coreógrafo, um dos


mais importantes da companhia de Serge Diaghlev11 (1872-1929), o Ballet Russes12. Não seria possível
criar esse mapa rizomático da dança moderna ocidental, sem se aproximar de Fokine por um momento.
Coreógrafo de obras antológicas como A Morte do Cisne (1905), O Pássaro de Fogo (1910) e
Petruchka (1911), Fokine deixou o seu legado não somente em seus balés. Em uma carta escrita em 6
de julho de 1914 para o The Times (London), o coreógrafo expôs um breve e contundente manifesto
com moldes para a criação de um “novo balé” (FOKINE apud COPELAND,1983, p. 260). Tal carta
consiste basicamente em uma proposta de cinco regras, que vêm a ser resumidamente:

Não formar combinações de passos prontos e estabelecidos, mas criar novos


passos expressivos que correspondam à representação do período e da nação
caracterizada na cena;
Dança e gestos mimetizados não têm nenhum sentido no balé a menos que
sirvam como expressão de sua ação dramática, desse modo não devem ser
utilizados como puro entretenimento, sem conexão com o tema geral da obra
em questão;
O novo balé admite o uso de gestos convencionais somente quando forem
necessários ao estilo da obra e, em todos os casos, tais gestos devem ser
executados pelo corpo todo não apenas pelas mãos do bailarino, que por sua vez
deve ser um todo expressivo;
A expressividade do grupo, do coletivo na dança deve ser prioridade. Ao
contrário dos balés antigos, nos quais o corpo de baile era visto quase como um
ornamento, espécie de cenário dançante, o novo balé deve dar maior
importância ao corpo coletivo;
A aliança da dança com outras artes: o novo balé deve se recusar a ser escravo
da música ou do cenário e, ao reconhecer essa aliança com as outras artes em
nível de igualdade, permitirá uma maior liberdade a todos os artistas envolvidos
no processo de criação (FOKINE apud COOPELAND, 1983, p. 260, tradução
livre da autora).

Em um de seus célebres balés, Les Sylphides, originalmente chamado Chopinianas, estreado em


1909 no Théâtre du Châtelet em Paris, Fokine propôs uma nova releitura de um balé branco 13, em um
ato, a partir de uma música já existente de Chopin. Tal balé era formado por um corpo de baile de
11
Serge Diaghlev, empresário artístico russo e fundador da Companhia Ballet Russes. Trabalhou com os maiores artistas de
sua época, como Pablo Picasso, Aleksandre Benoir, Igor Stravinski, Vaslav Nijisnky, dentre outros; foi o grande
impulsionador da arte russa no ocidente.
12
Ballet Russes é uma companhia de balé emigrada da Rússia, com sede na Europa, fundada e dirigida por Diaghlev, no
período de 1909 a 1929. Rompeu inúmeros paradigmas da dança clássica vigente e exerceu grande influência na dança
clássica e moderna ocidentais de gerações por vir.
13
Balé branco era a denominação dos balés românticos, principalmente os segundos atos de seus espetáculos, nos quais
prevalecia o uso de figurinos de tule branco, ou seja, os tutus românticos.
42

sílfides e apenas um bailarino, remetendo a uma estética convencional, que homenageava o célebre
balé romântico, La Sylphide (coreografia de Fillipo Taglioni, de 1832). Trata-se de um balé que foge
completamente da estrutura romântica daqueles em voga no século XIX. Não há uma história a se
contar, um enredo particular, apenas um encadeamento de sequências clássicas, formando um dos
primeiros balés abstratos14 da história. Com tal obra, Fokine inaugura a possibilidade de um novo
horizonte coreográfico, abrindo caminho para os balés também abstratos que viriam a ser criados por
Balanchine15 (1904-1983) e outros coreógrafos, mais adiante, no decorrer do século XX.

Figura 11: Les Sylphides, 1909, de Michel Fokine, Londres. Foto: Fotógrafo desconhecido. Fonte:
Getty Images, 2015.

Desse modo, Fokine e Noverre, em períodos distintos, colocaram em palavras o que buscavam
colocar nos corpos, em suas concepções coreográficas. Questionando e provocando a si mesmos, assim

14
Por abstrato entenda-se um balé que não seguia um enredo, uma narrativa linear, não contava uma história, não continha
personagens, ou seja, propunha simplesmente exibir a dança em sua forma mais pura e concreta possíveis.
15
George Balanchine, coreógrafo de origem russa que despontou na companhia de Diaghlev, tendo imigrado para os
Estados Unidos, onde fundou, em 1948, a atual companhia The New York City Ballet.
43

como a seus parceiros artísticos, ao público e à crítica, eles ajudaram a impulsionar futuras gerações, a
abrir portas para experimentações e a projetar novos olhares para a dança.
Fokine, juntamente com outros artistas de seu tempo16, impulsionou uma grande reforma na
dança ocidental, que se desdobrou em duas vertentes, uma sendo a do balé moderno e a outra sendo o
vasto campo da dança moderna, da qual o presente trabalho mais se aproxima.

2.2 Dança das Margens

Se a dança clássica emergiu das cortes europeias e se afirmou como a dança das elites, a dança
moderna pertenceu a uma outra realidade completamente distinta. Conforme Foulkes (2002, p. 6) “[...]
a dança moderna é um espaço liminar, no entanto, ela empresta sua importância oferecendo uma
perspectiva original de como as artes refletem e contribuem para as dificuldades e composições do
nosso mundo”. Assim, a criação de um movimento artístico, que aponta para duas origens principais
simultâneas, a América do Norte e a Alemanha do início do século XX, vem a ser o que se configurou
no Ocidente como dança moderna e dança de expressão (FOULKES, 2002).
Tal historiadora aponta, na América do Norte, a prevalência de três classes criadoras desse
movimento, das quais se pode citar: mulheres brancas, heterossexuais de classe média; homens
homossexuais; e afrodescendentes, tanto homens quanto mulheres. Se essas três classes dominaram e
desenvolveram esse movimento, de fato foram as mulheres que realmente iniciaram esse percurso,
propondo uma dança que rompeu com os paradigmas clássicos, ainda que mantendo, até certo ponto,
algumas semelhanças em suas estruturas.
Dentre as mulheres pioneiras que representam esse movimento, as que mais se destacam são as
norte-americanas Martha Graham (1894-1998), Ruth St. Denis (1879-1968), Doris Humphrey (1895-
1958), Katherine Dunham (1909-2006), Sophie Maslow (1911-2006), Jane Dudley (1912-2001) e Anna
Sokolow (1910-2000), com possíveis variações, considerando-se, por ora, apenas o universo norte-
americano. É importante mencionar que, tanto Isadora Duncan, quanto Loie Fuller, são consideradas
por muitos historiadores, e também nesta tese, como bailarinas pré-modernas, portanto ambas não se
encontram presentes nesse breve recorte histórico que buscou focar a dança, mais aprofundadamente, a
partir da modernidade. Isso não significa que não se reconheça a indubitável importância de tais artistas
16
No caso, as bailarinas norte-americanas Isadora Duncan (1877-1927) e Loie Fuller (1862-1928), assim como seu sucessor
na companhia de Diaghlev, o bailarino e coreógrafo Vaslav Nijinsky (1880-1950).
44

no período de transição entre o balé clássico e a dança moderna ocidental. A primeira trouxe
referências da dança grega clássica, dançando com os pés descalços em vestidos de gaze esvoaçante; e,
a segunda, ampliou seus braços com extensões sob as mangas de seus vestidos, jogando com efeitos
inéditos de iluminação colorida. De fato, tais bailarinas certamente abriram os caminhos para as
gerações posteriores de artistas da dança moderna no Ocidente, que as sucedera
Mesmo sem detalhamento das especificidades e contribuições de cada uma dessas grandes
bailarinas e coreógrafas modernas (e pré-modernas) do século XX, uma vez que cada uma delas
realizou trabalhos artísticos bastante diferenciados e buscaram conquistar uma assinatura particular, é
possível perceber de que modo esse conjunto de artistas contribuíram para a ampliação das referências
da dança cênica e, consequentemente para a construção e a ampliação da noção de dramaturgia, ou
melhor, dramaturgias da dança contemporânea.
Conscientes das dificuldades enfrentadas não somente, mas principalmente, por serem do sexo
feminino, tais mulheres tinham um duplo desafio: além de transformarem os parâmetros da dança,
trazendo para a cena questões tanto pessoais quanto da sociedade contemporânea, elas foram além,
devotando sua energia para dirigir grupos de dança, buscando solidificar uma forma de arte instável e
timidamente emergente.
Oferecendo uma visão feminina que fugia do estereótipo de curvas suntuosas e sensualidade
exacerbada dos cabarets e music halls por um lado, e da fragilidade e graciosidade do balé clássico por
outro, não parece em vão que muitas dessas companhias tivessem os nomes de suas diretoras – Martha
Graham and Group, Humphrey-Weidman Group (de Doris Humphrey), Denis-Shawn Dance Company
(de Ruth Saint Denis e seu marido Ted Shawn) etc. Na tentativa de estabelecer um mercado e se
autoafirmar enquanto criadoras, resistindo às duras críticas da época e abrindo espaço em um domínio
maioritariamente masculino, essas artistas construíram um legado que atravessou gerações e abriu
portas para as conquistas que se seguiram, tanto no campo da política quanto no da estética da dança.
Ainda que os modelos hierárquicos das grandes companhias de dança do século XIX fossem
mantidos – as dicotomias solista/corpo de baile, coreógrafo/ bailarinos; as narrativas lineares
provenientes de temas e/ou textos literários; a noção de representatividade; dentre outros fatores – não
se pode negar que um frescor e uma nova era emergiram na cena artística desse período. E se os
grandes grupos ainda se configuravam com estruturas semelhantes às do período do balé clássico do
século anterior, alguns trabalhos em particular apontaram para uma ruptura mais radical com tais
estruturas. Um exemplo é o célebre solo Lamentation (1930) de Martha Graham, no qual a bailarina
45

aparece sentada em um banco, em um cenário que é apenas a caixa preta teatral, e que não prevê nem
aponta um local definido. Com o corpo totalmente coberto por um tubo de malha escura, seus
movimentos não têm isolamentos entre centro e periferia, seu corpo se move como um todo conectado,
em um solo que se tornou um marco da dramaturgia da dança moderna. Não há nessa história uma
personagem definida, aliás, não há nessa história uma história: de fato é possível perceber que aqui não
se trata da imagem de uma mulher sofrendo, mas sim do próprio sofrimento encarnado.
46

Figura 12: Martha Graham em Lamentation, 1930. Foto: Barbara Morgan. Fonte: Dance Heritage,
2015.

Assim, tais artistas de fato transformaram a estética da dança cênica vigente no Ocidente, tendo
estabelecido novas corporeidades, utilizado o tronco de forma ainda não explorada, por meio de
contrações e expansões; romperam com as linhas arredondadas da dança clássica, propondo braços
angulosos e fortes; cederam à lei da gravidade e exploraram o chão; bem como assumiram o peso do
47

corpo e as dificuldades de se movimentar, tendo experimentado até mesmo utilizar textos falados em
cena, em alguns casos.
Compondo essa empreitada que surgiu das margens da sociedade norte-americana, homens
homossexuais, assumidamente ou não, como por exemplo Ted Shawn17 (1891-1972), fundador de uma
companhia exclusivamente masculina, a Ted Shawn and his Men Dancers, assim como artistas
desbravadores como Helen Tamires, Alvin Ailey, dentre outros, que também exerceram um importante
papel na construção de novas linguagens expressivas.
Com a necessidade de buscar estabelecer a dança como uma forma de arte elevada, com potencial
de diminuir os preconceitos sociais sofridos pelas minorias – mulheres, negros, homossexuais,
imigrantes e as classes trabalhadoras – a dança moderna, apesar do crescimento do balé clássico norte-
americano emancipou-se e se tornou realidade no mapa cultural dos Estados Unidos da América, na
primeira metade do século XX.
No entanto, ainda que sejam reconhecidas todas as transformações políticas e estéticas desse
período por meio de seus principais imbricamentos/referências, pouco fica explicitado em termos de
uma ampliação do conceito de dramaturgia relacionada à dança. Algo que será observado mais
nitidamente adiante por aqueles chamados pós-modernos, ou contemporâneos, ou até mesmo ainda
nesse mesmo período, mas do outro lado do oceano.

2.3 Dança de Expressão

Falar de dança na Europa da primeira metade do século XX, implica em reconhecer duas guerras
mundiais, e todas as adversidades desse período, assim como o eco que tal momento ressonou nas
corporeidades dessa região. Desse modo, fazer tal observação não implica no desconhecimento de que
na América a presença da guerra também tenha sido massacrante. Tal fato é evidente, mas ocorre que,
no caso europeu, principalmente em função da importância da dança e das artes corporais emergentes
na Alemanha em tal época, o impacto e o terror das guerras e do pós-guerra parecem ter deixado
marcas visivelmente profundas, tanto nos corpos da dança, quanto nas criações que emergiam durante
esse período.

17
Ted Shawn foi companheiro afetivo e criativo da bailarina Ruth St. Denis, e co-fundador em 1914 da Denis-Shawn Dance
Company.
48

No início do século XX, a ode à natureza e aos rituais coletivos, a prática da teosofia 18, da
antroposofia19 e da eurritmia20, a busca da totalidade entre corpo, alma e espirito, encontraram
ressonância no meio artístico e intelectual alemão.
Dos expoentes desse período é imprescindível mencionar o trabalho de Rudolf Laban (1879-
1959), dançarino, coreógrafo, arquiteto e teórico, que dedicou toda sua vida à pesquisa no campo do
movimento. Pregador de uma movimentação criativa, Laban acreditava que o movimento humano,
fosse ele cotidiano, funcional, ou artístico, deveria ser constituído sempre dos mesmos elementos.
Considerando que corpo e mente não são duas entidades distintas, mas um todo inseparável, Laban
sistematizou uma análise de movimento que ainda é utilizada amplamente.
O teórico alemão baseou seu sistema de análise, assim como sua Labanotation21, em quatro
fatores: espaço, peso, tempo e fluxo. Posteriormente foi acrescido o elemento forma por um de seus
discípulos, Warren Lamb (1923-2014). Laban estabeleceu também os cinco elementos: corpo, esforço,
forma, espaço e ritmo como ferramentas essenciais e estruturantes do movimento.
Ainda que Laban não tenha criado os fatores, tampouco os elementos acima citados, mas realizou
a organização e a sistematização de um pensamento voltado para a movimentação criativa. O “como”
e os caminhos para se movimentar e, ainda, registrar tal movimentação foram adventos fundamentais
para o desenvolvimento não somente da dança, mas da movimentação teatral e de diversas técnicas
somáticas e de dança-terapias. Valendo-se das escalas musicais, Laban desenvolveu escalas de
movimentos “[...] a fim de que, por meio dessas escalas, como na música, se pudesse explorar e
experimentar a harmonia” (MOMMENSHON, 2006, p. 46). Interessado e estudioso das artes visuais,
Laban também associou o movimento à arquitetura, traçando linhas de movimento que passam pelos
pontos de orientação de figuras geométricas, utilizando todas as diagonais, planos e direções possíveis

18
Teosofia ou “A Sociedade Teosófica (S.T.) foi fundada em Nova Iorque, E.U.A., em 17 de novembro de 1875, por um
pequeno grupo de pessoas, dentre as quais se destacavam uma russa e um norte-americano: a Sra. Helena Petrovna
Blavatsky e o cel. Henry Steel Olcott, seu primeiro presidente” (SOCIEDADE TEOSÓFICA, 2015).
19
“A Antroposofia, do grego conhecimento do ser humano, introduzida no início do século XX pelo austríaco Rudolf
Steiner, pode ser caracterizada como um método de conhecimento da natureza do ser humano e do universo, que amplia o
conhecimento obtido pelo método científico convencional, bem como a sua aplicação em praticamente todas as áreas da
vida humana” (SOCIEDADE ANTROPOSÓFICA DO BRASIL, 2015).
20
“A Euritmia é uma forma de dança desenvolvida desde 1912, baseada no conhecimento do ser humano e do mundo como
apresentado na Antroposofia. Seus movimentos são coreografias, solísticas ou em grupo, sobre a linguagem poética, em
verso ou em prosa, e sobre a música instrumental tocada ao vivo” (SOCIEDADE ANTROPOSÓFICA DO BRASIL,
2015).)
21
“Labanotation ou Kinetographia é um sistema de sinais gráficos criado para o registro de movimentos” (RENGEL, 2003,
p. 81).
49

dentro de um icosaedro22, estrutura geométrica cujo conceito espacial possibilita a experimentação de


uma amplitude quase infinita de movimentação.

Figura 13: Icosaedro Labaniano. Foto: fotógrafo desconhecido. Fonte: Halsman, 1990.

Em seus experimentos no Monte Verità23, em 1913, local por onde já havia passado Isadora
Duncan (1877-1927), Laban funda a comunidade L'école pour l'art, em um ambiente que privilegiava
técnicas corporais, ginásticas, jogos, danças, exercícios vocais e instrumentais. Tudo realizado dentro
de um programa que incluía o espiritismo, o vegetarianismo, o naturismo, a medicina natural e o
higienismo (HUESCA, 2012). Realizando performances ao ar livre, com grupos, formatos de coros
dançantes, Laban rompeu com diversas estruturas vigentes de espaço cênico, de narrativas tradicionais,
desestabilizando e desafiando os limites tradicionais entre a arte e a não-arte, entre o fazer artístico pelo
bailarino e o não-bailarino.

22
“O icosaedro é um corpo geométrico de estrutura tridimensional utilizado por Laban como uma estrutura onde o corpo
pode se mover visivelmente em todos os planos e direções” (RENGEL, 2003, p. 75).
23
Em 1900, o casal Henry Oedenkoven e Ida Hofman fundaram, na Suíça, uma colônia cooperativa vegetariana, que se
tornou uma referncia artística e política, tendo acolhido inúmeros artistas e intelectuais da época como Paul Klee, Carl Jung,
Herman Hesse, dentre outros.
50

Dos discípulos mais destacados de Rudof Laban, aqueles que contribuíram significativamente
para a ampliação da noção de dança moderna, na Alemanha, foram Mary Wigman (1886-1973) e Kurt
Jooss (1901-1979).
Mary Wigman insere-se em movimentos feministas da primeira metade do século XX. A
bailarina alemã, diferentemente de suas contemporâneas norte-americanas, não buscou desenvolver
uma técnica específica que padronizasse o movimento de seus bailarinos e pudesse ser identificado
como uma assinatura de seu estilo. Discípula também de Émile Jacques-Dalcroze (1865-1950),
Wigman frequentou as aulas do método desenvolvido pelo músico e pedagogo suíço, conhecido
como A Rítmica, que fez grande sucesso na Europa e veio a influenciar muitos coreógrafos e bailarinos
modernos.
Movida pela busca de uma dança expressiva e criativa, ela negava totalmente a técnica do balé
clássico, dançando de pés descalços e, por vezes, utilizando máscaras faciais. Wigman trouxe o
grotesco e o terror do entre guerras para a dança. Suas escolas atravessaram as fronteiras da Alemanha
e seus discípulos espalharam suas propostas por diversos países, inclusive os Estados Unidos.

Figura 14: Mary Wigman em seu solo A Feiticeira, 1926. Foto: excerto do vídeo Mary Wigman Tantz,
1930. Fonte: Moma, 2015.

Kurt Jooss por sua vez, não negava o valor da técnica clássica, pelo contrário. No departamento
de dança da Folkwang School, que dirigiu a partir de 1927, criou um ambiente multidisciplinar a partir
51

de três direções – a dança, a música e o teatro –, que formava bailarinos de um novo gênero, vindo a ser
conhecido como German Tanztheater, ou seja, dança-teatro alemã, um estilo de dança expressivo, que
combinava movimento, texto e drama. Em suas aulas de dança, além do sistema de dança criativa de
Laban, os bailarinos eram expostos à técnica de balé clássico, assim como a aulas de voz, interpretação,
música, dentre outras técnicas.
Em seu mais célebre balé, A Mesa Verde (1929), Jooss inspirou-se na economia falida alemã e
na obra de arte medieval Lubeck's Dance of Death. A cena inicial da obra tem um grupo de bailarinos,
supostamente líderes mundiais, disfarçados sob máscaras, ao redor de uma mesa retangular, coberta por
uma flanela verde. Simulando uma reunião decisiva e turbulenta, os políticos gesticulam, sobrepondo-
se uns aos outros, numa caricatural cena de dança-teatro, que ficaria consagrada para posteridade.

Figura 15: A Mesa Verde, 1929, remontagem de American Ballet, coreografia de Kurt Jooss. Foto:
Andrea Mohin. Fonte: The New York Times, 2015.

Outra trama importante desse tecido, rede artística que constitui a formação da dança moderna,
foi o trabalho desenvolvido pelos artistas da Bauhaus em Weimar, de 1921 a 1925 e depois em Dessau,
de 1925 a1929. No que diz respeito à dança em particular, se faz necessário aproximar o olhar para o
trabalho desenvolvido por um de seus principais mestres, Oskar Schlemmer (1888-1943), um artista
52

que partiu em busca de conteúdos comuns de representações, procurando, de um lado, “[...] nas fontes
da vida, no interior de si mesmo, nas profundezas das sensações e da sensibilidade, e de outro lado
dentro da ordem estabelecida pelo espirito humano, dentro dos números, das medidas, das regras”
(HUESCA, 2012, p.71).
Em suas pesquisas coreográficas, Schlemmer buscou instaurar uma relação profunda entre o
homem e a geometria, por meio de figurinos em formas de círculos, cones, cilindros. Com uma
movimentação restrita em função de tais vestimentas, esse coreógrafo desnaturalizou os corpos dos
bailarinos e sua expressividade, de modo a se assemelharem a robôs ou a marionetes. À procura de algo
que singularizasse o homem, associando a dança a uma espécie de arquitetura em movimento,
Schlemmer criou o conceituado Balé Triádico (1922), obra que traz referências da geometria e da
arquitetura, assim como do dadaísmo e das vanguardas russas.

Figura 16: Ballet Triádico, 1922, coreografia de Oskar Schlemmer. Foto: fotógrafo desconhecido.
Fonte: Encuentros em el subsuelo, 2015.

A Alemanha seria ainda palco de muitas transformações no campo da dança contemporânea


ocidental, contudo, antes de dar continuidade por esse território, trilhemos uma nova paisagem, uma
outra travessia.
53

2.4 Anna Halprin e o Espaço Deslocado

Cruzando de volta o oceano atlântico, em direção à costa oeste norte-americana, o foco se dirige
para outra importante figura, imbricamento espesso dessa rede, a bailarina e coreógrafa Anna Halprin
(1920-). Formada pela Universidade de Madison-Wisconsin, Halprin migrou com seu marido
Lawrence Halprin para a Califórnia no ano de 1945, abandonando o epicentro da dança moderna norte-
americana, a cidade de Nova Iorque.
Interessada em romper com as estruturas lógicas e expressivas da dança moderna, Halprin
demonstrou, desde o início de suas pesquisas em dança, um grande interesse na justaposição de
atividades distintas, assim como no estudo da anatomia e da cinesiologia relacionadas ao movimento.
No princípio de suas atividades na Califórnia, procurou o caminho do autoconhecimento, da busca
interior e profunda de si mesma por meio de técnicas de improvisação. Como aponta Bannes (1995, p.
3, tradução minha), “Halprin penetrou o interior do corpo/mente, guiando seus bailarinos e estudantes a
esmiuçar seus funcionamentos anatômicos individuais assim como suas necessidades e desejos
inconscientes, tanto na voz, quanto no movimento”.24

24
No original: “Halprin penetrated the interior of the mind/body, guiding her dancers and students to scrutinize individual
anatomical workings as well as unconscious needs and desires, in the voice as well as in the movments”.
54

Figura 17: Anna Halprin e alunos, na década de 1980, em seu famoso deck de aulas em São Francisco,
EUA. Foto: Peter Larson. Fonte: Anna Halprin, 2015.

Seus experimentos, explorações, performances e colaborações com vários artistas, em particular


o arquiteto e seu companheiro Lawrence Halprin, geraram um movimento dissonante, com uma voz
bastante particular, que ecoou em distantes partes de seu país. Fundadora do revolucionário San
Francisco Dancer’s Workshop em 1955 e, posteriormente, do Tamalpa Institute, com sua filha Daria
Halprin em 1978, Anna inspirou uma série de iconoclastas da dança que passaram por suas oficinas,
dentre eles Simone Forti (1935-), Yvonne Rainer (1934-), Trisha Brown (1936-) e Meredith Monk
(1942-).
A exploração e incorporação da movimentação da vida cotidiana, a apreciação de movimentos
não treinados, executados tanto por bailarinos, quanto por não-bailarinos, o trabalho com a comunidade
local e a exploração do meio ambiente como espaço cênico, assim como seu trabalho com tratamentos
e prevenção de doenças por meio da dança, foram pioneiros e de certa forma detonadores de um
movimento maior e mais abrangente que retornou à Nova Iorque nos anos sessenta e explodiu para o
mundo em experimentos progressivos do cultuado Judson Dance Group 25. O trabalho desenvolvido por
25
O Judson Dance Group era composto por dançarinos, atores, coreógrafos e músicos que se reuniam no Judson Memorial
Theatre em Nova Iorque nos anos 1960. Os trabalhos que realizavam em seus encontros e apresenta ções eram altamente
experimentais. Eles podem ser considerados um dos principais fundadores da dança contemporânea ou pós-moderna norte-
55

esse grupo pode ser considerado um divisor de águas na estética da dança moderna/pós-moderna norte-
americana. Antes de ser detalhado esse outro imbricamento, não menos espesso que o anterior, é
fundamental pousar em outro trabalho, aquele que começa no ano de 1948 na Black Mountain 26 e se
desenvolve a partir da década de cinquenta, na cidade de Nova Iorque, pelo coreógrafo Merce
Cunnhingam (1919-2009) e seu parceiro John Cage (1912-1992).

2.5 Abstração e o Zen

Para o coreógrafo norte-americano Merce Cunningham e seu constante parceiro, o músico John
Cage, a arte era uma imitação da natureza, mas não no sentido literal. Essa noção de imitação estava
relacionada a seu modo de operar, sua imprevisibilidade e eterna metamorfose e isso se refere ao
trabalho desenvolvido por ambos artistas.
Considerado como um dos pioneiros da dança abstrata, Cunningham é tratado muitas vezes como
um problema pelos pesquisadores e historiadores de dança. Como aponta Anderson (apud
KOSTELANELTZ, 1998 p. 95, tradução minha), “sua coreografia não-literal tem sido um problema.
Seu tratamento da música e do cenário tem sido um problema. Sua utilização do acaso tem sido um
problema”.27

americana.
26
Fundada em 1933 no estado da Carolina do Norte, a Black Mountain College foi uma instituição de ensino superior
focada nos estudos das artes. Fortemente influenciada pelo pedagogo John Dewey, a instituição funcionou até o ano de 1957
e foi formadora de uma série de artistas e intelectuais de grande influência para a cultura norte-americana do século XX.
27
No original: “His non-literal choreography has been a problem. His treatment of music and scenery have been a
problem. His utilization of acase has been a problem”.
56

Figura 18: Merce Cunninhgam (segunda da direita para a esquerda) dançando Quartet, com sua
companhia, nos anos 1980. Foto: fotógrafo desconhecido. Fonte: Le Figaro, 2015.

Talvez, a dificuldade em categorizar a vasta e prolixa obra de Cunnhingam seja de fato o maior
problema que ela possa ter oferecido.
Ex-bailarino da companhia de Martha Graham, Cunningham valeu-se de seu conhecimento de
técnicas de dança moderna e de sua experiência como estudante de balé clássico. Embora resquícios de
tais técnicas sejam evidentes nas criações do coreógrafo norte-americano, o que singularizou suas
pesquisas coreográficas foi seu modo de se relacionar com os materiais que compunham suas criações,
forjando um sistema que pode ser considerado como uma “dramaturgia instauradora de estados ou de
presença”, a partir de noções extraídas da obra de Gumbrecht, dentre outras, como será desenvolvido
no sexto capítulo desta tese.
Inspirado pelas noções do Zen Budismo, Cunningham jogava com a impermanência e a
imprevisibilidade, despindo a dança de qualquer traço narrativo e de teatralidade. Segundo o
coreógrafo “[...] se um dançarino dança, tudo está lá. O significado lá está se é isso que você quer”
(CUNNINGHAM apud KOSTELANETZ, 1998, p. 179) 28. Negando a unidade entre o cenário, a
música e a coreografia, os resultados colaborativos de sua escrita coreográfica, com instalações,
composições musicais e figurinos, originais ou não, possibilitaram um novo fazer artístico, em que a
fragmentação, a colagem e a simultaneidade eram procedimentos habituais.

28
No original: “If a dancer dances, al lis there. The meaning is there if that’s what you want”.
57

Cunnhingam se valia de colaborações com outros artistas para suas criações coreográficas,
dentre seus principais parceiros artísticos, além do próprio John Cage, é possível destacar inúmeros
artistas contemporâneos, como Andy Wahrol, Robert Rauschenberg, Jasper Johns e Marcel Duchamp.
Conforme os espetáculos do Ballets Russes de Diaghlev os diálogos entre artistas da dança, da música e
das artes visuais se dava por meio de composições previamente elaboradas que se estruturavam a partir
e em função umas das outras, ou seja, o figurinista assistia aos ensaios para poder conceber seu figurino
e a música era composta para ser trabalhada a partir dos ensaios iniciais, assim como o cenário e os
objetos de cena (MELVILLE, 2009).
Já o diálogo interdisciplinar em Cunnhingam se dava de forma completamente distinta e
frequentemente seus materiais só podiam ser encontrados após finalizados. Assim, a música e o cenário
não eram elementos subjacentes à dança, ao contrário, eram obras independentes, que existiam por si
só, e que se uniam para dar vida a uma outra obra, sem intervenção posterior do coreógrafo. Em
Cunnhingham o resultado final era reunido somente às vésperas ou na própria estreia, sendo, portanto,
imprevisível.

Figura 19: Points and Space, 1986, de Merce Cunningham. Foto: fotógrafo desconhecido. Fonte:
Seventeen Gallery, 2015.
58

Em sua série de Events – sessões constituídas de trechos de obras previamente coreografadas e,


ocasionalmente, novas obras ainda em período de ensaios – peças eram organizadas em formato de
divertissements, mas com autonomia entre si, podendo ser dançadas individualmente. Cunningham
propunha um infinito de combinações entre suas criações, de modo que um espetáculo fosse sempre
diferente do outro. Para cada evento havia um novo figurino e trilha sonora, podendo esses serem
reaproveitados de espetáculos prévios ou não, com o propósito de promover vivências coreográficas.
Cunningham buscava paradoxalmente em seus Events mais uma experiência de dança do que um
evento de dança propriamente dito (cf. KOSTELANELTZ, 1998).
No decorrer de sua extensa carreira, o coreógrafo norte-americano experimentou diálogos com
novas mídias e tecnologias, valendo-se de softwares originalmente criados para suas confecções
coreográficas, fazendo novas pontes de criação com a arte em sua constante ampliação e
multiplicidade.

2.6 Pina Bausch e o Tanztheater

Aqui, novamente, é preciso atravessar o Atlântico Norte, de volta à Alemanha. E embora muito já
tenha sido dito e escrito sobre Pina Bausch (1940-2009) e sua obra, não é possível falar sobre
dramaturgia em dança sem adentrar, ainda que brevemente, pelo universo dessa coreógrafa alemã.
Nesse sentido, se, para o teatro, Brecht foi um divisor de águas, para a dança não é possível ignorar a
inquestionável contribuição de Pina Bausch e seu Wuppertal Tanztheater.
Conforme descreve Lepecki (apud PAIS, 2004, p. 12):

[...] veja-se, como exemplo paradigmático, o corte na ética e prática de ensaio


levado a cabo por Pina Bausch nos finais dos anos 1970 – quando a coreógrafa
alemã delega aos bailarinos a responsabilidade de constante criação de uma
quantidade enorme de material coreográfico e dramático – e o início da célebre
colaboração iniciada em 1979, entre Pina Bausch e o dramaturgista Raymund
Hoghe.

De fato, não se falava em dramaturgia na dança pré-Pina Bausch. Embora não a tenha inventado,
Bausch parece ter trazido à consciência e nomeado algo que, como visto nessa rede, envolve a
emergência de muitos cruzamentos ou imbricamentos, que permearam o trabalho de muitos criadores,
59

de Noverre à Fokine, de Humphrey ao Judson. Há séculos a dramaturgia já habitava os palcos da


dança.
Bausch veio da escola alemã de Kurt Jooss, mas também passou pela célebre escola norte-
americana Julliard nos anos 1970, e parece finalmente ter abraçado as duas margens do oceano. Se por
um lado ela trouxe toda a teatralidade e expressividade da dança alemã, por outro ela não ignorou nem
a técnica do balé clássico, nem tampouco a casualidade e o improviso da geração pós-moderna
americana. O resultado de todas essas influências e de sua reconhecida experimentalidade acabou por
firmar definitivamente a dança-teatro, ou Tanzhtheater, no panorama cênico mundial.

Figura 20: Cravos, 1992, de Pina Bausch. Foto: Clau Damaso. Fonte: Pina Baushc, 2015.

Em espetáculos longos, com elencos multiculturais, Bausch valia-se também das experiências
pessoais de seus bailarinos para construir narrativas fragmentadas, que transitavam de forma bastante
particular entre a dança e o teatro. Parceiro durante uma década (1980-1990) de seus espetáculos, o
jornalista, bailarino e coreógrafo Raimund Hoghe (2010) relata que a sua função como dramaturgista
nas criações de Pina se dava de forma bastante pessoal;
60

[...] de fato estávamos os dois buscando o mesmo tipo de coisas. Eu vim de


outra área. Quando eu trabalhava com ela, eu ainda escrevia para o jornal
semanal Die Zeit na Alemanha, para rádio e alguns projetos de televisão. Mas
era uma colaboração pessoal. Eu trazia algumas músicas, e textos as vezes, os
quais ela usava nas performances. Mas, acima de tudo, eu estava lá para ajudar
com a estrutura, para unir as coisas (HOGHE, 2010, s/p, tradução da autora).29

Apesar de a parceria entre Bausch e Hoghes ter feito notória a presença de um dramaturgista
trabalhando em parceria com um coreógrafo, é importante lembrar que esta tese não foca no papel do
dramaturgista da dança e suas múltiplas e variáveis atribuições. O que interessa aqui é a dramaturgia da
dança per se, que independe da existência e da colaboração de profissionais que atuam externamente,
que estão fora da relação direta entre coreógrafa/o e bailarina/o. Desse modo, não é aleatória a escolha
de três estudos de caso, nos quais os próprios coreógrafos acumulam as funções de dramaturgistas em
suas obras, como será aprofundado no(s) próximo(s) capítulo(s).

29
No original: “[...] It was really that we were looking for the same kind of things. I came from another area. When I was
working for her, I still was doing my writing for the weekly paper Die Zeit in Germany, for radio and some television
projects. But it was a personal collaboration. I brought some music, and texts sometimes, which she used in the
performances. But most of all I was there to help with the structure, to put things together”.
61

Figura 21: Água, 2011, de Pina Bausch. Foto: Iko Fresse Fonte: Pina Bausch, 2015.

Baseado nas considerações feitas acima, parece justo afirmar que Bausch não revolucionou a
dramaturgia na dança pelo fato de trazer para o contexto a presença materializada de um dramaturgista.
Considerando-se a tradição artística alemã da qual é herdeira, não é de se surpreender que a coreógrafa,
que aproxima significativamente a dança do teatro, tenha sentido a necessidade de trabalhar com a
parceria de um dramaturgista. De qualquer forma, cabe observar que o que faz de sua obra um
momento singular de renovação na dança moderna alemã é a própria estrutura de seus espetáculos e a
particularidade de suas dramaturgias, independentemente da colaboração entre coreógrafa e
dramaturgista.
62

A utilização do texto falado, do canto, de elementos da natureza como materiais cenográficos


(água, terra, areia, por exemplo), o uso exacerbado da repetição, além de outras características bastante
específicas tornaram suas obras inconfundíveis. Em muitos de seus trabalhos, a coreógrafa acumulou as
funções de diretora, coreógrafa e dramaturgista. Nesse sentido, Bausch esgarçou tão amplamente as
possibilidades da dança, que expandiu seu campo artístico a ponto de deixar a crítica e o público em
dúvida com relação ao posicionamento de sua arte no universo da dança.

2.7 A Dança Ainda Pode Ser Considerada Dança?

Ao examinar essa vasta e espessa rede da qual faz parte a dança moderna e que se ramifica para a
dança contemporânea, nos deparamos imediatamente com uma dificuldade que provém da necessidade
de abordar as especificidades que permeiam ambas manifestações. No caso da dança contemporânea
pode-se reconhecer uma atitude de acolhimento de seus antecessores e uma agregação de outros
gêneros e formas de arte. Já no caso da dança moderna, percebe-se uma atitude de negação, de recusa
daqueles que a antecederam. Por outro lado, em função dessa múltipla agregação presente na dança
contemporânea, torna-se nebulosa a identificação de suas especificidades.
Por mais complicado que seja identificar tais especificidades, tal tarefa se faz extremamente
necessária, a fim de tentar abrir um caminho nesse denso novelo que inclui coreógrafos e grupos tão
distintos como o “quase tradicional” Grupo Corpo, de Minas Gerais, ou o “quase-heavy-metal” Cena
11, de Florianópolis,30 apenas para citar dois exemplos da cena brasileira. Para tanto, é preciso buscar
definir alguns parâmetros.
Para Tomazzoni (2005, s/p) “[...] a dança contemporânea não é uma escola, tipo de aula ou dança
específica, mas sim um jeito de pensar a dança”. Cada coreógrafo constrói, por meio de uma ampla e
variada fonte de referências corporais e estéticas, sua proposta de linguagem, valendo-se muitas vezes
da contribuição criativa de seu elenco de performers, que não são necessariamente dançarinos, mas
podem ser também atores, artistas visuais, e até não-artistas.
Não raro, acontecem na dança contemporânea obras com assinaturas coletivas, contrariamente ao
pressuposto da dança moderna que exigia de seu coreógrafo uma assinatura específica, diferenciando-o

30
O Grupo Corpo é um renomado grupo mineiro de dança contemporânea, fundado pelos irmãos Pederneira em 1975
(GRUPO CORPO, 2015). O Grupo Cena 11 é uma das principais companhias de dança contemporânea brasileira, situada
em Florianópolis, sob a direção de Alejandro Ahmed desde 1993 (GRUPO CENA 11, 2015)
63

dos demais, assim como um elenco de bailarinos que seguia, como discípulos, sua linha estética, a
ponto de serem facilmente reconhecidos por denominações, como: “alguém que dança Graham”, ou
“esse bailarino dança Cunningham” e assim por diante.
Frimat (2010), por exemplo, se vale do “paradigma do híbrido” 31 para tentar compreender o que
há de comum nas diversas manifestações artísticas que se encaixam dentro desse rótulo, bastante
flexível, da dança contemporânea. Para o autor francês, embora não seja exatamente original evocar a
dança contemporânea a partir da noção de hibridismo, visto que vários artistas já reivindicaram para si
essa denominação, inclusive na modernidade, é possível identificar o hibridismo como uma
característica recorrente na dança contemporânea, cujo corpo de obras rompe, ou deveria romper, com
duas noções equivocadamente associadas à noção de contemporâneo: o tempo e a simultaneidade.
É possível observar esse rompimento, por exemplo, nas obras de Vaslav Nijinsky, que chocava as
plateias parisienses com coreografias ousadas e originais no início do século XX, assim como nas
coreografias da norte-americana Trisha Brown32, sobretudo em seus primeiros trabalhos realizados na
década de 1970, em Nova Iorque. No caso de Brown, a maioria dessas obras teve um caráter
experimental, muitas vezes realizadas em ambientes públicos, como parques, museus, edifícios, dentre
outros, cuja movimentação, em sintonia com outras coreografias desenvolvidas nos Estados Unidos,
explorava um universo inusitado de movimentos. Esse período trouxe para a cena movimentos
cotidianos como correr, caminhar, saltar, além de trabalhar com a exploração de materiais que
desafiavam a gravidade, como cordas, redes ou bastões. Os figurinos eram constituídos por roupas
funcionais, que facilitavam a movimentação dos dançarinos; a música era pouco ou não utilizada e o
cenário era aquele do local onde a dança era proposta. Tais características, dentre outras, podem
contribuir para o reconhecimento de padrões que classificam os fenômenos como dança contemporânea
e que ainda permanecem.
Diante de uma dança tão “diferente” da imagem mais virtuosa, que normalmente é associada ao
mainstream da dança cênica contemporânea ocidental, por mais variada que esse seja, uma das
questões que surgem é se toda essa variedade de manifestações corporais poderia ainda ser considerada
dança.

31
François Frimat reconhece a dança híbrida como parte de um hibridismo típico da arte coreográfica contemporânea.
32
Trisha Brown (1936-) bailarina e coreógrafa, uma das pioneiras da dança pós-moderna norte-americana.
64

Figura 22: Meredith Monk em performance nos anos sessenta. Foto: Monica Moseley. Fonte: Dance
Heritage, 2015.

A reflexão em torno dessa pergunta abre, por sua vez, um diálogo com a pensadora norte-
americana Rosalind Krauss. Em seu artigo de 1979, ela questiona a categoria “escultura”, para
delimitar um campo tão investido de possibilidades como o campo da escultura dos anos 1960 e 1970.
Para Krauss (1979, p. 20, tradução da autora), “[...] a categoria escultura, assim como qualquer outro
tipo de convenção, tem sua própria lógica interna, seu conjunto de regras, as quais, ainda que possam
65

ser aplicadas a uma variedade de situações, não estão em si próprias abertas a uma modificação
extensa”.33
Ela nos mostra como a arte contemporânea, seja ela representada pela dança, pelo teatro, pelas
artes visuais ou por qualquer outra vertente artística, pedia modificações extensas. Ao contrário da arte
moderna, ela se legitima pelo heterogêneo, pelo inesperado, pela diferença (ROUANET, 1978), o que
dificulta categorizações e aponta para o inevitável esgarçamento das fronteiras artísticas. O que propõe
Krauss (1979), e que pode ser relacionado à dança, não é a eliminação de fronteiras delimitantes de um
território que se designou chamar escultura. Ao contrário, a autora propõe um campo finito, que tem
suas bordas expandidas ou ampliadas, mas não borradas. Cabem no campo ampliado, portanto, as
formas negativas. Segundo Krauss (1979, p. 173, tradução da autora) “[...] poder-se-ia dizer que a
escultura deixou de ser algo positivo para se transformar na categoria resultante da soma da não-
paisagem com a não-arquitetura”.34 No que diz respeito à dança, é possível de maneira semelhante
perceber uma ampliação de seu campo, uma vez que a dança contemporânea também materializa em
suas obras uma ampliação de seu território, incluindo nele não somente a busca por uma teatralização,
mas também, formas negativas, cuja recusa ao entretenimento é total, expressadas muitas vezes pela
não-dança35 e pelo still movement,36 explorações radicais que levam ao extremo a própria noção de
dança, ampliando esse campo para inesgotáveis possibilidades.

33
No original: “As is true of any other convention, sculpture has its own internal logic, its own set of rules, which, though
they can be applied to a variety of situations, are not themselves open to very much change”.
34
No original: “Sculpture, it could be said, had ceased being a positivity, and was now the category that resulted from the
addition of the not-landscape to the not-architecture”.
35
A não-dança é um movimento que surgiu majoritariamente na França nos anos 1990, no qual coreógrafos se valiam de
procedimentos transdisciplinares e externos à dança, como vídeo, teatro, artes visuais, dentre outros, para compor
espetáculos denominados de dança, mas que não continham movimentos de dança, convencionalmente falando. Um de seus
precursores foi o bailarino Orazio Massaro, ex-membro da Companhia de Domenique Baguet. Outros nomes que remetem a
não-dança são: Boris Charmatz, Jérôme Bel, Hervé Robbe, Xavier le Roy e Alain Buffard.
36
Still movment ou still act conforme André (2005, p. 14), deriva da noção de Stil act – conceito proposto pela antropóloga
Nadia Seremetakis, “[…] para descrever momentos quando um sujeito interrompe o fluxo histórico e pratica uma
interrogação histórica. Assim, enquanto o still-act não pressupõe rigidez ou morbidez, ele requer um estado de suspensão,
uma corporeidade baseada na interrupção dos modos impostos de fluxos”.
66

Figura 23: Jérome Bel em Shirtologie, 1997, um exemplo de não-dança. Foto: Gabrielle Fonseca
Fonte: Tate, 2012.

Nesse ponto, é possível retornar para a rede e aproximar o olhar dos coreógrafos que orbitavam o
Judson Church Dance Group e que esgarçaram, de maneira sem precedentes, o campo da dança cênica
ocidental. Desde então, o novo corpo que dança não precisa necessariamente ter sido treinado dentro
dos moldes do balé clássico ou de técnicas de dança moderna, o novo dançarino pode ser qualquer um
que queira dançar, homem, mulher, magro, gordo, alto, baixo, jovem, velho, destro, canhoto... E a
questão, se “isso” pode ser considerado dança, passa a ser entoada com frequência, visto que quem
dança não é mais somente o dançarino treinado, mas o dançarino-pessoa-comum, fato que provocaria
comentários familiares também em outras formas de arte: “isso, até eu faço”. Desse modo, embora em
meio a constantes batalhas categorizantes, é possível vislumbrar um campo ampliado para a dança, que
de certa forma também amplia a noção de dramaturgia. Ao olharmos a tessitura dessa rede, não é
67

possível ignorar algo que está presente em todos os imbricamentos mencionados até esse momento e
que vem a constituir a dramaturgia da dança, nesse caso, da dança contemporânea.

2.8 Que Dramaturgia é Essa?

No livro La Dramaturgia del Bailarin, Cardona argumenta se seria possível utilizar o termo
dramaturgia para o campo da dança. Pensar nesse conceito implica, antes de tudo, em refletir sobre a
noção de dramaturgia não somente como texto dramático, verbal, criado para a representação teatral,
mas, conforme define Pavis (2007, p. 133), “[...] em uma atividade que busca instalar os materiais
textuais e cênicos com o objetivo de orientar o espetáculo”. Abordou-se, aqui, a função da própria
composição na construção de sentido do espetáculo.
Assim, ao observar muitas das construções coreográficas contemporâneas, é possível levantar a
hipótese que a dança tomou emprestado esse conceito dos teatros pós-brechtianos, em meados do
século XX. Como visto anteriormente, Brecht propôs uma noção de dramaturgia que pode “[...]
ultrapassar o âmbito do texto dramático para englobar texto e realização cênica” (PAVIS, 2007, p.
114).
Para tentar compreender de que modo é possível perceber a presença da dramaturgia na dança, é
necessário acrescentar que, mais do que uma aplicação dos preceitos de Brecht, a dança apropriou-se
da dramaturgia de maneira distinta e significativa, de modo a atender e entender suas necessidades e
transformações. Em que medida é ainda obscuro para muitos dançarinos, coreógrafos e diretores o que
vem a ser uma dramaturgia em dança?
Retomando a figura do dramaturgista, no prefácio de Lepeki ao livro de Pais (LEPECKI, 2004),
ele aponta para a figura do dramaturgista como uma presença particularmente visível nos últimos anos,
principalmente a partir do início do século XXI, atividade que surgiu como resultado claro da
interdisciplinaridade característica do atual momento de produção artística e cultural. Para Scott de
Lahunta (2000, p. 23, tradução da autora) “[...] a ideia de um coreógrafo trabalhando com um
dramaturgo em uma posição criativa é um fenômeno relativamente novo – algo que tem acontecido na
última década por poucos coreógrafos e agora tem aumentado”37.

37
Do orginal: “The choreographer working with the dramaturge in a creative role is a relatively 'new' phenomenon -
something which has been taken up in the last decade firstly by a few and now increasingly more choreographers”.
68

Se buscarmos uma via negativa para a definição dessa complexa noção, podemos afirmar que a
dramaturgia, em seu sentido ampliado, não é somente a dança per se, a coreografia ou os passos
executados pelos bailarinos; e não é tão pouco uma espécie de roteiro de imagens ou ações, ou o
encadeamento de cenas coreográficas de modo a torná-las compreensíveis para o público.
Se, segundo Adolphe (1997, p.35) a “[...] coreografia é, intrinsecamente, a dramaturgia da
dança”; para Schulman (apud ADOLPHE 1997, p. 36) a “[...] dramaturgia é um exercício de
circulação”, no qual fluxos de diversos materiais se articulam e se contaminam. Desse modo, expandir
a noção de dramaturgia significa também fazer caber nela outras formas de fazer da dança, como
Brown mostra em seus Early Works, por exemplo. Em tais trabalhos, a dramaturgia é formada por uma
fina rede que entrelaça os movimentos, sejam eles previamente definidos pelo coreógrafo, ou
improvisados, com as roupas de cena, a cidade – ocupada em seus espaços públicos que deixam de ser
simplesmente cenários e passam a atuar ativamente como interlocutores da cena –, o som ambiente, a
música ou a sua ausência. Cada elemento de cena compõe um todo complexo, que pode ser, enfim,
compreendido como a dramaturgia da dança.
No entanto, isso não é tudo. Como se tratará a seguir, cada caso será um caso e,
consequentemente, cada um terá uma compreensão da noção de dramaturgia. Talvez esse seja o único
consenso que exista em se tratando de dramaturgia. Pais (2004 p. 15) o batiza como um “conceito
hidra”, ou seja, “[...] um ser com muitas cabeças, que se multiplica em ramificações permanentes. Um
conceito plural em que seu contexto e a especificidade de sua prática determinam seu significado
particular”.

Para a pesquisadora portuguesa a grande questão que está na base dessa amplitude se encontra na
sua invisibilidade, ou seja:

A dramaturgia é invisível porque, por um lado, é uma práxis, um modo de fazer


que se confia no processo de gestão do espetáculo; e, por outro, porque
permanece nele como conjunto de relações de sentido entre os materiais cênicos
estruturados, decorrentes do olhar artístico (PAIS, 2004, p.15).
69

A partir daqui serão considerados certos tipos de dramaturgias (ou camadas dramatúrgicas) que
podem estar entrelaçadas nos fenômenos cênicos. Considera-se, nesse caso, também a arte da
performance, dada a polifonia e a multiplicidade de ações que emergem desse campo, configurando
novas perspectivas para a cena contemporânea em termos das dramaturgias.

2.9 Tipologias da Dramaturgia

Propõe-se aqui uma lista de manifestações cênicas dramatúrgicas, algumas bastante comuns,
outras nem tanto, algumas frequentemente utilizadas em fichas técnicas de espetáculos, outras podem
ser identificadas nesta tese, ou serem, ainda, simples provocações:

Dramaturgia do Espaço;
Dramaturgia do Espectador ou Público;
Dramaturgia do Olhar;
Dramaturgia do Bailarino;
Dramaturgia do Corpo;
Dramaturgia do Ator;
Dramaturgia do Performer;
Dramaturgia da Luz;
Dramaturgia do Figurino:
Dramaturgia do Cenário;
Dramaturgia da Música;
Dramaturgia do Som;
Dramaturgia dos Ruídos;
Dramaturgia dos Objetos;
Dramaturgia do Movimento;
Dramaturgia Orientada para o Processo;
Dramaturgia do Improviso;
Dramaturgia do Riso;
70

Dramaturgia do Silêncio;
Dramaturgia Quântica;
Dramaturgia da Memória;
Dramaturgia de Matrizes Textuais;
Dramaturgia do Espetáculo;
Dramaturgia Institucional,
Dramaturgia Evocativa;
Dramaturgia Contemporânea;
Dramaturgia do Acaso;
Dramaturgia da Dança.

A partir dessa lista (que poderia ser desdobrada e multiplicada), nos deparamos com uma
importante questão: tudo que pode ser relacionado à cena coreográfica pode gerar dramaturgia?
Generalizações são perigosas, no entanto, na prática, o que se tem visto é exatamente isso. Qualquer
material, especificidade ou argumento pode se transformar em uma fonte dramatúrgica.
Todavia, nem sempre o que se propõe como concepção se realiza efetivamente na prática e
quando se trata de dramaturgia, o que se pode perceber é que a palavra se transformou em uma espécie
de jargão artístico para definir algo que não se sabe muito bem o que é, mas que dá alguma
credibilidade ao projeto em fase de elaboração.
Não há aqui uma tentativa de definir cada uma dessas possíveis dramaturgias, visto que esta tese
não se propõe como um compêndio didático; ainda que, algumas delas, já estabelecidas no meio da
dança e do teatro, mereçam particular atenção.
Com os anos 1970 e 1980, diversos diretores e coreógrafos, como, por exemplo, Robert Wilson,
Lucinda Childs, Yvonne Rainer, Pina Bausch e Maguy Marin, começaram a desenvolver combinações
variadas de dança, teatro e performance em suas práxis. Fontes imagéticas e surrealistas geravam um
mosaico de interpretações que exigiam novas estruturações dramatúrgicas. Desse modo, o trabalho com
um parceiro dramaturgista (alguém que oferecia um olhar “de fora” para o coreógrafo durante o
processo de criação) passou a ser mais frequente em diversos grupos e companhias.

2.9.1 Dramaturgia do Olhar e Dramaturgia Orientada para o Processo


71

Para Pais (2004), a dramaturgia do olhar exige uma figura de alteridade, um outro, um
colaborador, alguém que participe da construção do espetáculo ativamente, de forma variada conforme
a demanda, o diálogo e a proposta com cada diretor. Esse alguém seria portanto um olhar de fora. No
entanto, o fato de não participar cotidianamente de um processo não faz necessariamente com que o
dramaturgista esteja, de fato, fora do processo criativo.
O distanciamento do trabalho cotidiano, de fato colabora para uma opinião mais crítica, menos
afetada do que a daquele que está imerso por completo no processo. Porém, cabe observar que mesmo
se distanciando eventualmente dos ensaios, uma vez dentro do processo, o indivíduo já se torna parte
dele e, portanto, não é mais genuinamente um olhar de fora.
Na dança, é frequente o acumulo de funções, coreógrafo/diretor/ dramaturgista e isso não implica
necessariamente um processo criativo mais ou menos consistente. Ainda que se possa acreditar que,
quando se dá esse diálogo, a criação se abre a confrontos e tensões, se deslocando do centro de ignição
criativa, ou seja, do próprio coreógrafo.
Assim como na performance, muitos artistas da dança contemporânea entre as décadas de 1970 e
1990, viram-se mais interessados pelo processo em si do que em seu resultado cênico. Desse modo,
uma nova segmentação dramatúrgica, que se confunde com aquela de um olhar de fora, pode ser
anunciada; aqui ela será chamada de “dramaturgia orientada para o processo”.
Em contraste com procedimentos adotados pelos bailarinos pós-modernos38 da América do Norte
– que estavam mais focados no processo do que no produto, visto que muitos de seus trabalhos nem
sequer chegavam a uma elaboração final, permanecendo como jams de improviso – uma nova geração
europeia, que tinha como objetivo desenvolver criações cênicas para apreciação pública, passou a
trabalhar com dramaturgistas, sob a perspectiva desse olhar de fora. Esses profissionais visitavam
esporadicamente os ensaios, levando materiais e provocações para os coreógrafos e bailarinos, ou ainda
atuavam como membros participantes construindo juntos, no dia a dia, a partir das elaborações que
emergiam no processo de criação.
Nos anos 1980, por exemplo, aflorou na Europa Central uma onda que foi denominada “nova
dramaturgia” cujos principais expoentes foram localizados na Holanda e na Bélgica (nos anos 1980-
1990); um dos seus mais significativos representantes emergiu da parceria entre a coreógrafa belga
Anne Teresa de Keersmaeker e sua constante colaboradora a dramaturgista Marianne Van Kerkhoven,

38
Sally Bannes (1987), define como geração pós-moderna os bailarinos que faziam parte do Judson Dance Group e alguns
de seus contemporâneos que atuavam no Estados Unidos nesse período.
72

dupla de artistas cujo trabalho consistia em uma dramaturgia orientada para o processo de criação em
questão.
Segundo Van Kerkhoven (apud PAIS, 2004, p. 51), em suas sistematizações em torno da noção
de dramaturgia, sobressaem dois aspectos dominantes: “[...] a dramaturgia como estabelecimento de
relações entre materiais, que tem como premissa um grau zero de formalização antecipada e de
objetivos estabelecidos antes do processo criativo, e a importância da intuição para o seu trabalho”, ou
como a própria dramaturgista define: dramaturgia de conceito e dramaturgia de processo
(KERKHOVEN, 1997).
Trazendo a reflexão para terras brasileiras e refletindo sobre parcerias artísticas, uma que merece
destaque é a formada por Silvia Soter, dramaturg39, e a coreógrafa carioca Lia Rodrigues. Soter
considera seu olhar não como de fora, mas como um olhar “menos familiar”, isso devido a sua prática
de ir e vir aos ensaios, não estando cotidianamente envolvida com os mesmos. A dramaturg define sua
colaboração como uma espécie de olhar crítico, cujos apontamentos servem como um importante
recurso no processo de criação. Para ela a sua voz é uma, somada as tantas outras que compõem a voz
criadora da Cia Lia Rodrigues (SOTER, 2010) Além de trazer materiais para os ensaios e discutir
questões com a coreógrafa, Soter também escreve textos para os programas de Rodrigues e, em suas
palavras, ser uma dramaturg para a companhia de Lia Rodrigues é “[...] guardar um pé dentro e um pé
fora (do processo)” (SOTER, 2010, p. 134). Outra notória dupla de criadores brasileiros, Décio Otero e
Márika Gidali do balé Stagium, trabalha de forma semelhante à Soter e Rodrigues, no entanto não dão
a esse diálogo o título de trabalho dramatúrgico, mantendo a designação mais tradicional de direção e
codireção para suas parcerias.
Assim, a “dramaturgia do olhar” e a “dramaturgia do processo de criação” podem se entrelaçar a
ponto de praticamente eliminar as suas diferenças. A questão fica em aberto.

2.9.2 Dramaturgia do Espaço e do Público

Segundo Griffero (2001, p. 55) “[...] o espaço é o suporte de nosso ato de descontextualização. É
onde plasmamos a linguagem cênica, onde geramos as poéticas de espaço que instauram e articulam a

39
Sotter aponta que embora Rodrigues tenha definido seu papel como dramaturg, outras terminologias podem ser utilizadas
para a mesma função, como por exemplo dramaturgista. (SOTER, 2010, p. 133).
73

narrativa das poéticas do texto”.


De fato, as poéticas dialogam com os espaços onde existem. Se durante o Balé de Corte as
coreografias eram criadas para amplas salas dos palácios renascentistas, de modo que o público as
assistisse de todos os ângulos e principalmente de cima – portanto os desenhos geométricos e
simétricos eram privilegiados – com a chegada do palco italiano, não só a perspectiva do público foi
modificada, mas novos padrões coreográficos de desenhos, uso do espaço, temas e expressividade
foram desenvolvidos.
Cada nova proposta de ocupação do espaço vem imbuída de tudo aquilo que tal espaço
representa. O palco, seja ele italiano, arena, ginásio, rua, edifício, parque ou que se desejar, não é
simplesmente um espaço vazio.
Não é possível pensar em um espaço cênico completamente esvaziado de ideologia, uma vez que
o espaço, a priori, ocupa um lugar geográfico, que carrega em sua estrutura marcas de tudo aquilo que
aconteceu ou acontece ali. Assim, quando os artistas passam a ocupar o espaço urbano com as
propostas performáticas dos anos 1960, torna-se ainda mais evidente como o espaço propõe a sua
própria dramaturgia e como essas novas propostas estão diretamente relacionadas com a percepção do
público, que as atravessa e por elas é atravessado, de maneiras nunca antes experimentadas.
Um homem descendo em uma fachada de um prédio não é a mesma coisa que um homem
caminhando no palco, nem mesmo se fosse pendurado pelo teto e descesse perpendicularmente até o
chão a partir do urdimento. A cena urbana, a proximidade e o risco influenciam radicalmente o sentido
que se dá para um simples ato de caminhar. Assim como dançar em um museu, que abriga inúmeras
obras de arte, não pode ter o mesmo sentido de se dançar em uma praça ao ar livre, ou em um anfiteatro
grego e milenar. Como aponta Carreira (s/d, s/p) 40, “[...] a diversidade de usos do espaço cênico na
contemporaneidade, particularmente as experiências cênicas de invasão de espaços públicos, exige uma
nova compreensão do funcionamento do próprio espetáculo teatral e a articulação de novos marcos
teóricos”.
A partir desses funcionamentos, uma nova relação se estabelece com o público, pois não é mais
possível pensar em uma dramaturgia do espaço isolada de uma dramaturgia do público, uma vez que o
espaço só existe em relação com o público e com os bailarinos. De fato, é muito diferente assistir a um
espetáculo em sua confortável poltrona e assistir a um espetáculo em pé, ou caminhando pelas cenas.

40
O texto de Carreira, sem referência à data de publicação, encontra-se disponível em:
<http://www.scribd.com/doc/40287815/andre-carreira-a-cidade-como-dramaturgia>. Acesso em: 14 abr. 2015.
74

Assim como também é muito distinto dançar para uma plateia escura e distante ou dançar para um
público cuja respiração se sente na pele tamanha a proximidade.
Desse modo, em função dos aspectos dialéticos que permeiam a relação dentro/fora, não parece
ser possível separar a dramaturgia do espaço da dramaturgia do público.

2.9.3 Dramaturgia do Corpo

Partindo do princípio de que o corpo é o grande mote para o bailarino/ator, uma vez que ele não
“possui um corpo”, mas “é um corpo”, parece razoável afirmar que não é necessária uma segmentação
entre tais dramaturgias, aquela do corpo com a do bailarino e/ou a do ator. No entanto, como
ferramenta didática que parece auxiliar na compreensão das atividades exercidas na confecção e
estruturação do espetáculo, ou ainda por um possível emaranhamento semântico, é frequente a
separação dessas dramaturgias.
Neste estudo, no entanto, as três estruturas são pensadas como uma única – a dramaturgia do
corpo – podendo igualmente ser utilizada tanto pelo ator quanto pelo bailarino, assim como pelo
bailarino-ator e vice-versa.
Para Cardona (2000), a dramaturgia do bailarino está relacionada a uma ascensão, a um “estado
de graça” que depende de uma capacidade de investigação interdisciplinar de seu próprio ofício. No
entanto, compreender o que a autora entende por “estado de graça” exige algum esforço.
Tanto o bailarino quanto o ator são inevitavelmente seus próprios corpos, por mais que se
utilizem de próteses para movimentar-se (que podem ser desde sapatilhas de ponta a pernas de pau e
cadeira de rodas), eles não deixam de ser eles mesmos: seus próprios movimentos, algo que Navas
define como corpo-território, ou seja,

[...] um corpo saturado de memórias, não necessariamente “lembradas”, haja


vista a “arte de esquecer” ser o que é: a poética possibilidade do que aqui
denomino “fingimento de um olvido”, algo que olvidado fica até aparecer à
cena, com dificuldade ou facilmente, quando lembramos ou somos “lembrados”
(NAVAS, 2009, p. 4).
75

Assim, quanto maior o autoconhecimento de suas possibilidades quanto à abertura para


investigações interdisciplinares, mais rico e intenso o corpo se apresenta e mais possibilidades são
construídas para a criação dessa dramaturgia.
Quando se observa uma obra de Merce Cunninhgam, por exemplo, em que o acaso é condição
primordial para a encenação e a música, o cenário e o figurino se somam à coreografia em uma última
etapa da criação, são os movimentos executados pelos bailarinos que constroem as possíveis relações
entre esses diversos elementos e se sobressaem em um primeiro plano.
Nesse ponto, é interessante perceber como diversas linguagens coreográficas, tais como aquelas
das danças tradicionais indianas e do flamenco, podem ser utilizadas para a compreensão do que pode
vir a ser uma dramaturgia do bailarino, ou do corpo, uma vez que esses artistas buscam catalisar em si
próprios todos os aspectos do fenômeno cênico. Salvo o diálogo com os músicos, quando estes tocam
ao vivo e em cena, tudo – o cenário, o figurino, os adereços – está centrado naqueles artistas: a
dramaturgia emerge aqui da figura do bailarino, de seu ser-corpo e somente dele.

2.9.4 Dramaturgia do Movimento

Como visto, Jean-Marc Adolphe afirma que “a coreografia é intrinsecamente a dramaturgia da


dança” (ADOLPHE, 1997, p. 34). A palavra coreografia se referia a um sistema de notação da dança
(grafia da dança) e foi estabelecida dentro desse contexto no início do século XVIII (PAIXÃO, 2011).
Hoje entende-se por coreografia a soma, o encadeamento, a composição, não somente dos movimentos
ou passos de dança, mas também das pausas, das intensidades, das energias e dos esforços que
compõem, no tempo e no espaço, um texto corporal.
Rudolf Laban, como visto anteriormente, foi responsável por uma complexa investigação em
torno desse tema, observando, analisando e sistematizando o movimento humano, propondo sistemas
detalhados e elaborados, tanto de notação (Labanotation) quanto de composição e ensino da dança
(Coreologia), que auxiliam tanto a pedagogia quanto a composição coreográfica. Para Laban, conforme
Azevedo (2002, p. 65) define: “a riqueza e a diversidade dos esforços humanos são a própria fonte de
sua dramaticidade, que pode ser fortalecida através de um treinamento sistemático e objetivo”.
76

Na Coreologia, ciência ou lógica da dança, Laban lançou uma abordagem “unificada do estudo
da dança, propondo que a prática e a teoria não deveriam se separar e que o conhecimento coreológico
combina pensamento e sentimento ao fazer da dança” (RENGEL, 2003, p. 35). Vários coreógrafos
atuais ampliaram as noções de Laban valendo-se de seus princípios básicos para criar suas próprias
lógicas de composição coreográfica. William Forsythe, coreógrafo norte-americano radicado na
Alemanha, é um bom exemplo da aplicação dos preceitos labanianos para a construção de uma
dramaturgia particular de movimento.
Seria então a coreografia a própria dramaturgia do movimento?
Adolphe (1997, p. 33), como mencionado, a define como algo empírico que busca captar os
fluxos de circulação do sentido; o autor afirma que “a dramaturgia é um exercício de circulação”. Ela
está, portanto, dentro e fora do corpo e pode ser vislumbrada em obras díspares, tanto como as de
Merce Cunningham, passando por William Forsythe, quanto como nas sessões de contato-
improvisação de Steve Paxton e as obras site specific de Trisha Brown, uma vez que não se faz
necessária nenhuma justificativa e nenhuma intenção que preceda o movimento. Assim como já
mencionado, o bailarino não possui, mas é corpo e como define Cunningham (apud ADOLPHE 1997,
p. 33) “o movimento é expressivo em si próprio”.

2.9.5 Conceito Hidra?

A partir das considerações desenvolvidas neste capítulo, a dramaturgia pode ser considerada, em
sintonia com Pais como um “conceito hidra”, em que “[...] as suas várias cabeças simbolizam as
distintas acepções que coexistem no seu uso contemporâneo” (2006, p. 21), presumindo-se, então, um
tronco comum que se ramifica em várias cabeças de forma a construir um conceito plural, que acumula
diversas noções em si.
No entanto, o contrário dessa imagem também seria pertinente. Uma única cabeça com um tronco
que acumula uma sucessão de segmentos, como uma centopeia, figura que parece mais apropriada para
a dança e que multiplica, assim, não a sua cabeça, mas seus membros. De fato, o que pode ser
percebido a partir da lista de tipologias de dramaturgia descrita acima e de alguns de seus
desdobramentos, é uma segmentação, na qual cada elemento da encenação ganha sua própria porção de
importância, reforçando suas especificidades, para compor finalmente a noção de dramaturgia como
77

um todo, ou seja, uma única cabeça, com membros que, somente caminhando juntos, podem fazer o
“animal” avançar.
Seguramente, cada segmento pode liderar, ou prevalecer na concepção dramatúrgica de um
determinado projeto, mas ela – a perna – não atua de forma isolada, dependendo de todos os outros
membros para caminhar. Desse modo, segmentar, seja em cabeças ou em membros, pode ser útil para a
construção de um novo modo de estruturação cênica que não segue necessariamente um texto, ilustra
uma música ou adapta para a dança um libreto especifico.
Assim, sem tentar guardar uma nuvem em uma caixa, sem tentar amarrar em definições formais
um conceito um tanto intangível e evanescente como o da dramaturgia, essa análise prossegue com a
abordagem de três modos distintos de se pensar a dramaturgia, que problematizam, por sua vez, muitas
das questões levantadas até aqui.

TERCEIRO CAPÍTULO
Vaslav Nijinsky: Pré-Pós-Moderno

“Eu sou Deus a partir do momento em que eu sinto a sua presença”


(Nijinsky,1953, p. 28).

3.1 Algumas Palavras sobre Vaslav Nijinsky

Como apontado desde o início desta tese, é fundamental pensar sobre o contemporâneo
referenciando o passado. Não se tratam, simplesmente, de evocações feitas a partir de uma atitude
78

saudosista, mas de se deixar guiar pela necessidade de uma busca constante por tornar sincrônico
aquilo que existe diacronicamente, ou seja, trazer para um mesmo plano acontecimentos ocorridos em
momentos distintos, olhar, lado a lado, passado e presente. Nesse sentido, retorna-se para o inicio do
século XX, a fim de dialogar com esse período, e com um artista em particular, que resgatou
referências do seu próprio passado e, simultaneamente, as apontou para o futuro.
Este capítulo, descreve e analisa a obra L’après midi d’un faune (1912), do coreógrafo russo
Vaslav Ninjinsky (1889-1950), essencialmente a partir da versão em DVD: Le Faune – un film ou la
fabrique d’archive, trabalho da coreógrafa Dominique Brun (2007) realizado a partir das notações do
próprio Nijinsky41, decodificadas nos anos oitenta por Ann Hutchinson-Guest (2010) e Cláudia Jeschke
(2010), além de textos variados, de memórias e estudos, e das fotos do Barão Adolf de Meyer, tiradas
em Paris no verão de 1914.
É importante mencionar que o recorte particular escolhido nesta tese, que parte da efervescente
Rússia do século XX, passando pelos Estados Unidos nos libertários anos sessenta e chegando ao
Brasil metropolitano do século XXI, não é fruto de uma escolha arbitrária ou conveniente. Ele serve
para lembrar, ou mesmo alertar o leitor sobre como a dramaturgia na dança pode se manifestar de
maneiras diferentes através do tempo e do espaço. Tal recorte está relacionado também com a opção de
olhar para criadores que não trabalham, ou trabalharam, com um(a) dramaturgista, mas acumulam em
si as funções de diretores, coreógrafos e dramaturgistas contemporâneos, uma vez que, como já
mencionado anteriormente, esta tese está mais focada na noção da dramaturgia, em suas múltiplas
manifestações, do que no papel do dramaturgista e suas atribuições.

3.2 Pré-Pós-Moderno

Nijinsky foi, antes de mais nada, um bailarino. Formado na tradicional Escola Imperial de Ballet
de São Petersburgo, a escola russa de maior prestigio de sua época, ele aprendeu com grandes mestres
os clássicos do repertório russo que se tornaria universal. Dono de uma estatura baixa e corpulenta para
os padrões dos bailarinos de sua época, o jovem artista se transformava em cena, tendo sido
notadamente reconhecido pela sua elegância, grande expressividade e virtuosismo. Nijinsky tornou-se,

41
L’après midi d’un faune foi o único trabalho de Nijinsky notado pelo próprio coreógrafo. Tal notação, hoje decodificada e
amplamente documentada, endossa a escolha por tal obra, uma vez que, além de oferecer uma versão mais próxima do
original, disponibiliza maior quantidade de materiais para referência e interlocução com outras pesquisas.
79

ao lado de Tamara Karsavina (1885-1978) e Anna Pavlova (1881-1931), uma das maiores estrelas do
Ballet Russo, tão logo ingressou na companhia Les Ballets Russes de Serge Diaghlev (1872- 1829)42,
no ano de 1909.

Figura 24: O jovem bailarino Vaslav Nijinsky. Foto: fotógrafo desconhecido. Fonte: Teoria de la
Danza, 2015.

Se em um primeiro momento Nijinsky foi um dos bailarinos solistas dos já inovadores balés de
Michel Fokine, para quem o coreógrafo criou personagens emblemáticas, como o escravo de
Sheherazade (1910), Petrushka (1911), O Pássaro de Fogo (1910) e O Espectro da Rosa (1911),
rapidamente passou de protagonista a criador de suas próprias obras, com o apoio e aval do grande
empresário Serge Diaghlev.

42
Serge Diaghlev foi um grande empresário das artes, fundador da companhia Les Ballets Russes, com origem Russa, mas
sediada em Paris. Diaghlev revolucionou o formato das companhias de dança e trouxe à cena ilustres bailarinos e
coreógrafos no século XX.
80

Figura 25: Nijinsky em O Espectro da Rosa, ano desconhecido. Fotógrafo desconhecido. Fonte:
Teoria de la Danza, 2015.

Responsável pela criação de um repertório coreográfico – composto por apenas quatro obras –
L’après-midi d’un faune (1912), Le Sacre du Printemps (1913), Jeux (1913) e Till Eulenspiegel (1917),
Nijinsky não precisou de muito tempo para obter uma grande repercussão de público e de crítica. Na
verdade, tal repercussão foi imediata, desde seu primeiro balé L’après midi d’un faune, obra que
atingiu como uma bomba a cena cultural parisiense. Com esse espetáculo Nijinsky deixaria a sua
marca, de maneira irrevogável, na história da dança.
Segundo sua irmã e colaboradora, a bailarina e coreógrafa Bronislava Nijinska (1891-1972), já
em seu primeiro balé ele demonstrava ter objetivos claros e precisos:

Eu vou tomar distância da Grécia Clássica, utilizada a todo momento por Fokine.
Olharei mais para a Grécia arcaica, muito menos conhecida e até o presente
momento pouco encenada. Essa será a minha única fonte de inspiração. Eu quero
traduzi-la da minha maneira. Todo sentimentalismo da forma ou do movimento
será excluído (NIJINSKY apud NIJINSKA, 1981, p. 279).
81

O primitivismo, a busca pela ancestralidade e pelos rituais pagãos era uma tendência já em voga
no universo artístico do fim do século XIX. Não somente em Fokine, mas a própria Isadora Duncan já
havia olhado para a Grécia – ainda que a Grécia Clássica – em busca de referências para sua dança.
Conforme Huesca observa, “[...] o primitivo, ao pé da letra, se opõe a tudo que é evoluído, o termo
remete também a noções de origens, a princípios de irredutibilidade” (HUESCA, 2012, p. 40). Nessa
busca pelo original, ao contrário de se instaurarem como meros copistas de modelos históricos, tais
artistas traçavam um novo caminho, que dinamizava a dança e afastava a coreografia definitivamente
das representações até então vistas nos balés de repertório clássico. Desse modo, o rompimento com a
tradição da época, assim como as reformas na dança acadêmica podiam ser percebidas não somente nas
obras de Isadora Duncan e Loie Fuller, mas também nas obras de Fokine, assim como em seus escritos,
já previamente apontados. Mas Nijinsky foi muito além das tendências da época.
Em L’après-midi d’un faune (1912), Nijinsky co-assina a autoria da obra com Claude Debussy
(1862-1918), compositor da música Prélude à l’après-midi d’un faune, um poema sinfônico, cuja data
de composição remete aos anos entre 1892 e 1894. Debussy, por sua vez, compôs tal música inspirado
no poema L’après-midi d’un faune, escrito em 1865 por Stéphane Mallarmé (1842-1898) e publicado
em 1876, com ilustrações do pintor expressionista francês Edouard Manet (1832-1883). O cenário e o
figurino do espetáculo foram assinados por Leon Bakst (1866-1924).
82

Figura 26: Programa da temporada de 1912 dos Ballet Russes. Foto: Gisela Dória (acervo pessoal).
Fonte: Biblioteca do Palais Garnier, Paris, 2015.

De suas quatro obras, o Fauno foi a única que o coreógrafo registrou. Nijinsky desenvolveu em
1915 seu próprio sistema de notação coreográfica, baseado no método criado em 1892 por Vladmir
Stepanov (1866-1896)43, com quem teve contato durante a sua formação na escola Imperial Russa. Não
por acaso, tal obra foi a única que restou quase intacta. Seguindo a tradição de transmissões orais, como
é de costume no universo da dança, essa obra atravessou o século XX com inúmeras remontagens feitas
por variadas companhias de repertório clássico, mais ou menos fiéis à sua versão original, até
finalmente ter seu registro de notação decodificado nos anos oitenta pela dupla Hutchinson-Guest e
Jeschke.

43
Vladmir Stepanov foi bailarino do Balé Imperial em São Petersburgo, publicou, em 1892, L’Alphabet des Mouvements du
Corps Humain, um livro de notação para dança que codificava os movimentos de dança com as notas musicais.
83

Segundo Hutchinson-Guest, é possível perceber no sistema original de notações de Nijinsky


“[...] habilidades analíticas e conceituais remarcáveis, tanto como teórico da dança quanto como
coreógrafo” (2010, p. 11). Nesse material, decifrado também por meio de depoimentos e de fotos
existentes, fica evidente a preocupação do artista com o registro de sua obra, a fim de que ela
permanecesse mais próxima possível de sua concepção, deixando claras suas escolhas em nível de
dramaturgia, estilo de movimento e interpretação musical.
Durante o curto período que Nijinsky permaneceu na companhia Le Ballets Russes de Serge
Diaghlev, seja como bailarino ou como coreógrafo, sua contribuição para a dança foi contundente. No
entanto, após a ruptura com o empresário russo, sua carreira não teve a continuidade nem os
desdobramentos previstos. Após casar-se em 1913 durante uma turnê pela América Latina com a
aristocrata e bailarina húngara Romola Nijinsky, originalmente Pulszky (1891-1978), Nijinsky foi
desligado da companhia, acusado de traição por Diaghlev, que fora seu amante, além de protetor. Sem
o apoio artístico e emocional do empresário e com um comprometimento acelerado de sua estrutura
psíquica, Nijinsky interrompe definitivamente sua produção artística. Diagnosticado como psicótico,
ele passou os últimos anos de sua vida internado em um hospital psiquiátrico. No entanto, a precoce
interrupção de sua carreira não a fez menos importante.
Dentre as implicações que emergem desse percurso de Nijinsky – intrinsecamente associadas
com a relação aqui buscada entre sincronia e diacronia – duas merecem destaque a partir não de uma
dicotomia, mas de uma dinâmica complementar, uma vez que a dança não é, literalmente, uma arte
estática, mas se transforma no percurso do tempo. Se por um lado, em função de seu contexto histórico,
ou em função de seu apecto sincrônico, Nijinsky pode ser considerado um bailarino clássico, uma vez
que suas obras são inseridas e coexistem em um período que é ainda considerado pertencente ao balé;
por outro lado, ele poderia ele ser visto como um antecipador do movimento pós-moderno na história
da dança ocidental, o que, por sua vez, diz respeito ao seu aspecto diacrônico, ou seja, suas
transformações, que antecipam não apenas cronologicamente, mas sobretudo esteticamente, um
movimento ainda por vir.
Considerando-se sua preocupação com o registro, a redução provocativa da forma, o rompimento
com a subserviência musical, a evocação das imagens presentes no texto de referência, dentre outras
características, pode-se observar que esses elementos só foram explorados efetivamente na dança
ocidentaldécadas depois de seu falecimento, como o fez o coreógrafo Merce Cunningham e os artistas
que participaram do Judson Dance Group, dentre outros nos anos cinquenta/sessenta.
84

3.3 Dramaturgia Simbolista ou Evocativa

No que diz respeito às parcerias artísticas promovidas por Diaghlev, não apenas com as artes
plásticas, elas influenciaram significativamente a linguagem de todos os coreógrafos que trabalharam
com os Ballet Russes. As colaborações estabelecidas com músicos, filósofos e poetas modernos foram
de fundamental importância para a instauração de uma verdadeira revolução na dança clássica e, ao
mesmo tempo, criaram condições para a emergência da dança moderna e da exploração de aspectos
associados ao movimento Simbolista.
O momento era o do Simbolismo, da evocação, da sensação, da sinestesia. As metáforas eram
privilegiadas e a busca pela impressão superava a busca pela expressão (HUESCA, 2012). As criações
de Nijinsky não podem ser dissociadas desses aspectos.
Iniciado na literatura francesa do final do século XIX, o Simbolismo rapidamente avançou para
se tornar um movimento internacional e multidisciplinar. As pesquisas sobre o inconsciente,
explorando novas vozes, as forças mais misteriosas e ricas de sentido, influenciavam uma nova
estética, que podia ser percebida não somente na poesia e na literatura, mas em variadas formas de arte:
a dança, foi uma delas.
O filósofo, Frédéric Paullhan (1856-1931) define de tal forma o contexto artístico da época:

[...] a arte não exprime, ela evoca. É portanto justo falar de impressão, mais do
que de expressão […] nosso espirito conduzido pela via das sensações, e seu
prolongamento, que se exalta ou se fortifica, se diminui ou se amplia, se dilata ou
se concentra […] (POULHAN, FRÉDÉRIC apud HUESCA, 2012 p. 26 ,
tradução minha)44.

Imbuído por tal espirito, Nijinsky criou sua primeira obra, considerada por muitos como a pedra
angular da dança moderna. No que diz respeito à “leitura coreográfica” do poema de Mallarmé, termo
emprestado de Michel Bernard (2001, p. 126), Nijinsky não buscou uma transposição semântica

44
No original: « L’art n’exprime pas elle evoque. C’est porquoi il est plus juste de parler de impression, plutôt due
d’expression […] notre spirit entrainer par la vie des sensations, e sont prologament, s’exalte ou se fortifie, s’affine ou
s’élargit, se dilate ou se concentre[…] ».
85

tradicional. De fato, ele mesmo afirmou não compreender o francês tão bem para ler textos literários
(DUMAIS-LVOWSKI, 2009, p. 56).
Considerando-se que todo texto é composto por camadas, que pode suscitar leituras muito
variadas em cada leitor, e seguindo a lógica de Bernard, que elaborou uma eficiente sistematização de
processos de criação coreográfica em seu livro De la Creation Choreographique, a leitura de Nijinsky,
tanto aquela realizada a partir do poema de Mallarmé, quanto da música de Debussy, assim como a das
imagens pictóricas trazidas da Grécia Arcaica, poderiam ser reconhecidas como classifica Bernard por
“abordagem semântica”, uma situação que acontece, quando:

[...] um texto é apreendido, seja pelas sensações, seja pelo significado que ele
veicula. Esse pode denotar a originalidade de uma situação psicológica ou
social, de uma história ou de um caminho individual ou coletivo, de uma
relação intersubjetiva dramática ou cômica, de um ou mais personagens, de um
pensamento – subjacente ou desenvolvido -, de uma narração, etc. (BERNARD,
2001, p.126-127, tradução minha).45

Há, portanto, na leitura semântica, ao permitir a captura de emanações, pulsões e forças sensíveis,
o reconhecimento de uma camada invisível presente no Fauno de Nijinsky.
Somada à leitura semântica, e tendo ainda Bernard como referência, é possível reconhecer outros
dois níveis de leitura na construção dramatúrgica do Fauno. Bernard as nomeia de “leitura estética” e
“leitura poética ou ficcional” (BERNARD, 2001, p. 128).

A “leitura estética” pode ser vista como

[...] uma leitura que se relaciona antes de tudo ao "prazer do texto", à jubilação
provocada pela qualidade literária do agenciamento da escritura ou de sua
orquestração linguística, em suma, a sua dimensão formal as vezes plástica e

45
No original: « le text n’est appréhendé que par le sens et/ou les significations qu’il véhicule. Ceux-ce peuvent dénote
l’originalité d’une situation psychologique ou sociale, d’une histoire ou d’une destine individuelle ou collective, d’une
relation intersubjective dramatique ou comique, d’un ou plusieurs personnages, d’un pensée – sous-jacente ou développée
-, d’une narration, etc. »
86

musical ou, se preferirmos, figurativo e prazeroso, como preconizou Roland


Barthes (BERNARD, 2001, p.127, tradução da autora).46

Essa leitura revela, assim, uma segunda camada presente no Fauno. Pode-se reconhecer aqui um
processo de tradução ou transposição intersemiótica à medida que as qualidades que emergem das
matrizes utilizadas, nesse caso, o poema de Mallarmé e a música de Debussy, são transpostas por
Nijinsky em termos formais para a coreografia do Fauno. Desse modo, se a leitura semântica nos
permite reconhecer a camada expressiva invisível do Fauno, a leitura estética revela a camada
associada ao desenho, à composição formal dessa obra. Além disso, a leitura estética está
intrinsecamente ligada ao terceiro modo de leitura elaborado por Bernard, ou seja, a “leitura poética ou
ficcional”.

Nesse caso, o texto serve essencialmente como um catalizador de imagens… o


olhar do coreógrafo percorre o texto sem se focalizar nem sobre o significado,
nem sobre seu caráter formal e estético, mas sobre sua força imagética.
(BERNARD, 2001, p. 128, grifos do autor, tradução da autora).47

A leitura poética ou ficcional abre espaço, assim, para a emergência de um imaginário específico,
à medida em que o Fauno é permeado por um tensionamento entre o figurativo e o não-mimético.
Vários adjetivos poderiam ser utilizados, nesse caso, para caracterizá-lo: onírico, etéreo, alusivo, etc.
Outro aspecto a ser considerado nas obras de Nijinsky, não somente em Fauno, é a busca pelo
desaparecimento do sujeito. A emergência do signo se materializa, nesses casos, como deslocamentos
da subjetividade que deixa de estar em primeiro plano para assim fazer com que o ato criativo funcione
como catalisador de tensões. É desse processo que o signo aparece em suas obras. Sua escritura deveria
estar na frente, sua obra era o foco principal, não seus intérpretes. As personagens nas obras de
Nijinsky não tinham nomes próprios, eram seres que representavam tipos. Por exemplo, no Fauno há a
grande ninfa, a pequena ninfa, as virgens; na Sagração da Primavera (1913) a escolhida, dentre outros.
Desse modo, embora existam narrativas, no sentido que prevê Sodré 48, ainda que não lineares,
tanto no poema de Mallarmé como no poema musical de Debussy e na obra coreográfica de Nijinsky, é
46
No original: « […] cette lecture s’attache avant tout au “plaisir du texte”, à la jubilation provoquée par la qualité
littéraire de l’agencement scripturaire ou de son orchestration linguistique, en some, à sa dimension formelle à la fois
plastique et musicale ou, si l’on préfère, figurale et jouissive, comme l’a preconize Roland Barthes ».
47
No original: « Dans cette optique, le texte sert essentielement de catalyseur d’ “images”… L’oeil du choreographe
parcout le texte en ne se focalisant ni sur la siginification, ni sur son character formel et esthétique, mais sur sa force
imageante ».
87

o modo como tais estruturas narrativas se cruzam na construção coreográfica de Nijinsky, por meio de
suas escolhas, que fazem de Fauno a expressão de uma dramaturgia que é ao mesmo tempo descritiva e
simbolista, quanto evocativa.
Por exemplo, a escolha em não responder aos estímulos musicais da forma mais óbvia e literal,
assim como a escolha da linguagem de movimentos, inspirada na Grécia Arcaica – período da Grécia
Antiga situado entre 800 a.C. e 500 a.C., posterior à Idade das Trevas e antecessor ao Período Clássico
– ainda, a opção pelo elenco enxuto, o cenário limpo e o figurino igualmente simples, em relação às
outras obras da mesma companhia, podem ser vistas como significativas nesse caso. Todas essas
opções, em sintonia com o projeto simbolista, fazem com que essa dramaturgia construída por Nijinsky
produza evocações sensoriais que atravessam o público. As apresentações de Fauno geraram reações
passionais, de amor e ódio, não somente em sua estreia em 1912, mas em futuras apresentações que
aconteceram tanto na Europa quanto na América do Norte, no início do século XX.
As escolhas de Nijinsky se opuseram à exuberância dos balés clássicos e, embora não tenham
feito escola, reverberaram na dança por muitas e muitas gerações.

3.4 O Crime de Nijinsky e a Coreografia de Autor

Nas palavras de Jean Cocteau para o programa de Fauno na temporada dos Ballets Russes em
Paris:

[...] um fauno cochila; as ninfas o seduzem; uma echarpe esquecida satisfaz seu
sonho; a cortina é abaixada para que o poema comece dentro de todas as
memórias (COCTEAU apud DUMAIS-LVOWSKI, 2009, p. 7).49

48
Por narrativa entenda-se a acepção de Sodré: “[...] discurso capaz de evocar, através da sucessão de fatos, um mundo dado
como real ou imaginário, situado num tempo e num espaço determinados. Na narrativa distingue-se a narração (construção
verbal ou visual que fala do mundo) da diegese (mundo narrado, ou seja, ações, personagens, tempos). Como uma imagem,
a narrativa põe diante de nossos olhos, nos apresenta, um mundo” (SODRÉ, 1988, p. 75, grifos do autor).
49
No original : « [...] un faune sommeille; des Nymphes le dupent; une écharpe oubliée satisfait son rêve; le Rideau baisse
pour que le poème commence dans toutes les mémoires ».
88

Um poema musical coreografado, ou seja, um poema coreográfico com duração inferior a dez
minutos, cuja construção consumiu cerca de cento e vinte ensaios (HUTCHINSON-GUEST, 2010).
Constituído de simples, mas elegantes posições bidimensionais, inspiradas nas figuras de vasos gregos,
a coreografia se constituiu pelo uso de frases curtas de movimentos que culminavam em poses. Um
trabalho preenchido por pausas e com uma evidente economia de deslocamentos no espaço,
contrastando dramaticamente com a música fluída e lânguida de Debussy.

Figura 27: Referências Helenísticas em um vaso, séc.III. Foto: fotógrafo desconhecido. Fonte:
Estudando Arte e Cristianismo, 2015.

Um fauno se reclina sobre uma paisagem rupestre, meio homem, meio animal, uma figura
humana com chifres, cauda e pernas de bode, toca uma flauta, sozinho. Ele para, observa, afasta a
flauta de sua boca, repousa-a no chão, eleva-se e caminha em direção a um farto cacho de uvas, recolhe
as uvas, simula comê-las. Essa é a primeira cena do balé. Simples, limpo, sem virtuosismo algum e,
principalmente, sem nenhum movimento reconhecível de dança para a época.
89

Figura 28: Nijinsky como Fauno na posição de abertura do espetáculo. Foto: Barão de Meyer. Fonte:
The Red List, 2015.

De fato, esse foi o “crime” de Nijinsky, que declarou: “Eu sou acusado de um crime contra a
graciosidade” (apud Homans, 2010, p. 312). O aclamado bailarino, dono do mais potente salto, aquele
que foi considerado “o Deus da dança”, apresenta para o público um balé, seu primeiro trabalho
coreográfico, que não contém passos de balé, nem solos ou pas des deux.
Conforme o Jornal Le Figaro publicou em 30 de maio de 1912:

Eu estou convencido que todos os leitores do “Figaro” que estiveram ontem no


Châtelet aprovarão se eu protestar contra a apresentação bastante especial que
pretenderam nos servir como uma produção profunda, perfumada da arte
preciosa e de harmoniosa poesia. Esses que nos falam da arte e da poesia, a
propósito de tal espetáculo, riem de nós. Isto não é nem um pequeno poema
gracioso, nem uma produção profunda. Nós vimos um Fauno inconveniente
com movimentos infames de bestialidade erótica e gestos de um pesado
impudor (CALMETTE apud DUMAS-LVOWSKI, 2009, p. 44, tradução da
autora).50

Esse não era um balé aos moldes existentes da época e, embora já houvesse testemunhado as
inovações de Duncan, de Fuller, de Fokine, dentre outras figuras da cena europeia, a plateia francesa
estava habituada a ver grandes corpos de baile dançantes em seus figurinos variados, majoritariamente
50
No original: « Je suis persuadé que tous les lecteurs du Figaro qui étaient hier. Au Châtelet m’approuvent si je proteste
contre l’exibition trop sepéciale qu’on prétendait nois servir comme une production profonde, parfumée d’art précieux et
d’harmonieuse poésie. Ceux qui nous parlent d’art et de poésie à propôs de ce spetacle se moquent de nous. Ce n’est ni une
églogue gracieuse ni une production profonde. Nous avons eu une Faune inconvenant avec de vils mouvements de bestialité
érotique et des gestes de lourde impudeur».
90

formado por bailarinas com sapatilhas de ponta, executando passos de alta sofisticação técnica,
bailarinos de porte atléticos que, em um segundo plano, serviam para apoiar e destacar suas parceiras,
essas sim, as verdadeiras protagonistas.
Mas não foi isso que Nijinksy ofereceu ao público parisiense. Ao contrário, o que ele propôs foi
de uma simplicidade assustadora, nada de virtuoso, nada de cenários espetaculares, nem trocas de
roupas magníficas. Sete bailarinas e um bailarino, sete ninfas e um fauno, que falam, ou melhor
dançam a provocação, a atração, o sonho e o desejo. Esse, o outro crime do coreógrafo: evocar de
forma tão deliberada o desejo carnal. Após recolher em seus braços um lenço da roupa deixada pela
Ninfa, que se despe para se banhar, o Fauno retorna sozinho ao seu local de início, uma leve colina ao
fundo do palco. Ele caminha carregando o lenço em seus braços, imagem que nitidamente sugere a
ação de carregar uma Ninfa em seus braços. Ao chegar no mesmo lugar onde começara o espetáculo, o
Fauno estende delicadamente o lenço/ninfa sobre o solo e deita-se lentamente de bruços sobre tal lenço.
Nessa posição, Nijinsky – ele próprio, o Fauno – eleva o quadril, colocando sua mão embaixo da pelve
e, muito suavemente, simula um orgasmo. Cena final, fecham-se as cortinas.

Figura 29: Nijinsky na posição final do espetáculo. Foto: Barão de Meyer. Fonte: The Red List, 2015.

Entre a cena inicial e a final, corpos que atravessam o palco, que se olham e que se escondem,
jamais se tocam, a não ser por um brevíssimo entrelaçar de braços do casal de protagonistas. São
91

corpos que evocam um jogo de sedução, de proibição e consentimento. Pés que pisam pelos
calcanhares, aterrados, corpos de perfil, braços em ângulos geométricos. Faces neutras, esvaziadas de
expressividade, mas, ao mesmo tempo, contidas e pulsantes. Tudo milimetricamente concebido e
rigorosamente registrado por Nijinsky posteriormente.
O padrão dos coreógrafos de sua e de épocas precedentes era o de construir suas coreografias por
meio de uma organização espaço/temporal de passos pré-existentes, dentro de uma estrutura mais ou
menos delimitada, que previa momentos de grupos, solos, trios e casais, com prólogos e codas finais.
Nijinsky rompeu completamente com tal modelo, ainda que, para isso, contasse com um elenco de
formação clássica, que, por sinal, muito estranhava suas propostas.
Esses aspectos fizeram de Nijinsky um autor bastante particular, como aponta Launay:

Nijinsky foi o primeiro a exigir que toda sua coreografia fosse executada não
somente como ele a via, mas segundo sua própria interpretação artística.
Nenhum balé havia sido jamais ensinado com uma exatidão musical e
coreográfica como o de L’après-midi d’un faune. Cada posição, cada
movimento do corpo até a ponta dos dedos era organizado segundo um estrito
plano coreográfico” (LAUNAY, 2010, p. 48, tradução da autora)51.

51
No original: « Nijinski fut le premier à exiger que toute sa choréographie soi executée non solement comme il la voyait,
mais selon sa propre interprétation artistique. Aucun Ballet n’avait jamais été donné avec une exactitude musicale et
choreographique comme celle de L’Aprés-midi d’un faune ».
92

Figura 30: Nijinsky como Fauno e Sokolova como a Grande Ninfa, no momento que entrelaçam seus
braços. Foto: Barão de Meyer. Fonte: The Red List, 2015.

Desse modo, o coreógrafo russo, também em função de sua figura mítica e icônica, cujo
personagem do Fauno transformou-se em um desafio e até mesmo um fetiche para muitos bailarinos de
futuras gerações, produziu um importante material para a posteridade – uma espécie de equivalente ao
Hamlet para os atores de teatro – graças à consistência de seu trabalho artístico e do registro de sua
obra. Deixou uma herança para aqueles que desejem analisá-la, estudá-la, remontá-la, ou simplesmente
desfrutá-la.

3.5 As Portas Abertas para a Contemporaneidade

Chocando muitos e fascinando outros, Nijinsky avançou em um caminho sem volta, que abriu as
portas do desejo, da tensão, da evocação – não somente sexual – na cena coreográfica. Sobre tal evento
o escultor Auguste Rodin declarou:
93

Nenhuma personagem mostrou Nijinsky assim tão extraordinariamente quanto


a sua última criação de L’après-midi d’un Faune. Nada de saltitações, nada de
bom, nada além das atitudes e dos gestos de uma animalidade semiconsciente...
Nada mais impactante que seu elã, quando ao desenlace, ele se estende face ao
solo, sobre o lenço escondido que ele beija e que ele penetra com o fervor de
uma volúpia apaixonada. (RODIN apud DUMAS-LVOWSKI, 2009, p. 44,
tradução da autora).52

O Fauno, figura materializada originalmente pelo próprio Nijinsky, se tornou, de certo modo,
uma personagem-fetiche para muitos coreógrafos da contemporaneidade. Inúmeros criadores,
inspirados pela obra de 1912, assim como pela sua Sagração da Primavera de 1913, criaram versões
autorais a partir de obras de Nijinsky. Embora não seja o foco desse capítulo, vale mencionar as
célebres versões da Sagração, criadas por Pina Bausch (1975), Maurice Bejart (1959), Luis Arrieta
(1985, para o Balé da Cidade de São Paulo), Oscar Arraiz (1987, para o Balé Castro Alves) e Angelin
Preljocaj (2001), apenas para citar poucos exemplos, tanto no Brasil quanto no exterior53.
No que diz respeito ao Fauno, da mesma forma um grande número de remontagens e criações a
partir de e inspiradas nele também podem ser relembradas. Primeiramente as remontagens feitas na
própria companhia Les Ballet Russes de Diaghlev, sob a forma de transmissões orais, como as de
Bronislava Nijinska, em 1922, de Leonid Massine, em 1924, de Léon Woizikovsky, em 1939, e Serge
Lifar, em 1935, sendo essa útlima, uma versão solo da obra, sem a presença das ninfas. Posterior à
dissolução dos Ballets Russes vale mencionar as versões54 – de Massine-Blum Ballet Russes de Monte
Carlo (1933-1955), do Ballet Rambert (1931-1983), de Nijinska e Massine para o Ópera de Paris, em
1976, com Charles Jude no papel do fauno e, em 1979, com a interpretação de Rudolf Nureyev.
Finalmente, a remontagem realizada em 1989, no Teatro San Carlo, em Nápoles, sob a direção de Anne
Hutchson (essa, de todas, é a mais próxima da versão original, feita a partir das notações de Nijinsky, já
anteriormente mencionadas).

52
No original: « Aucun rôle n’a montré Nijinski aussi extraordinaire que sa dernière création de “L’Après-midi d’un
faune”. Plus de saltations, plus de bons, rien que les atitudes et les gestes d’une animalité à demi-consciente... Rien n’est
plus saisissant que son élan, lorsque’au dénouement, ils s’étend la face contre térre, sur la voile dérobé qu’il baise et qu’il
étreint avec la ferveur d’une volupté passionnée ».
53
Em 2014, a coreógrafa francesa Dominique Brum estreiou o balé Sacre #197, cujo número 197 remete à quantidade de
versões realizadas a partir da primeira versão de 2013, de Vaslav Nijinsky.
54
Por “versões” não entender “remontagens”, uma vez que tais obras seguiam a tradição de transmissão oral e, raramente,
possuíam registros da versão original de Nijinsky. Desse modo, uma versão seria uma nova obra, inspirada em uma
montagem original, mas com aspectos autorais, enquanto uma remontagem seria uma reconstrução, mais próxima da versão
original possível.
94

O alcance e a reverberação da obra de Nijinsky não atingiu somente o contexto do balé clássico.
Artistas e grupos de dança contemporânea também se aventuraram a propor suas próprias versões e
remontagens. A obra de Nijinsky tem, ainda, notável importância histórica. Um exemplo foi a atenção
especial dada à sua obra no evento Un Noveau Festival55, de 2014, realizado pelo Centre Georges
Pompidou, em Paris, cujo tema estava relacionado à memória da dança 56. De fato, durante um dia
inteiro, palestras, debates e vídeos de dança foram dedicados ao Fauno de Nijinsky.
Nesse sentido, é interessante descrever um dos vídeos que tomou grande parte desse dia dedicado
à Nijinsky, justamente pela ampliação que tal obra propõe a partir do material de Nijinsky: a obra
intitulada Faune(s), do coreógrafo Olivier Dubois (2008).
A criação de Dubois, Faune(s), estreou no Festival d'Avignon em julho de 2008 e reuniu quatro
colaboradores: Dominique Brun, Christophe Honoré, Sophie Perez e Xavier Boussiron. A primeira
parte, resultado da colaboração de Dubois e Honoré, consiste em um vídeo em preto e branco, um
curta-metragem. Nele, assim como nas outras três subsequentes, o próprio Oliver interpreta o fauno. No
vídeo, ele é uma espécie de “fauno urbano” que se esconde para observar quatro rapazes que jogam
tênis em uma quadra aberta. Imediatamente é possível fazer a analogia: os rapazes seriam as ninfas
nessa versão, que se despem durante o jogo. Ao perceberem que são observados, tiram suas camisas,
provocam, seduzem o fauno.
Nesse trabalho, Dubois não utiliza a música de Debussy, nem tampouco movimentos de dança
que remetem à coreografia de Nijinsky. Na verdade, não há nesse vídeo sequer um movimento de
dança, de estilo algum. Desse modo, o que faz com que a referência à obra de Nijinsky seja percebida,
além da analogia homem/fauno, rapazes/ninfas já mencionados, é somente o fato de tal peça fazer parte
de um conjunto maior que se assume inspirado pelo Fauno.
A temática homossexual e o voyeurismo prevalecem nessa criação que, segundo o próprio
Dubois, está mais relacionada com a ideia de perverter do que reverenciar a obra original; ou seja,
trata-se, na opinião do autor, de transmitir e de transformar, uma vez que para o coreógrafo francês a
ideia de perverter é também uma maneira de fazer existir (DUBOIS, 2014).
A segunda parte do trabalho acontece em um palco italiano (registrado em vídeo) e é consagrado
por ser uma adaptação integral da obra de 1912, com o figurino criado conforme o original. Nessa
55
“Un Nouveau Festival desde sua primeira edição em 2009, o Nouveau festival é uma plataforma de expressão e produção,
um laboratório de novas formas de criação” (CENTRE POMPIDOU, 2014, tradução minha). No original: « Un Noveau
Festival Depuis sa première édition en 2009, le Nouveau festival est une plateforme d’expression et de production, un
laboratoire des nouvelles formes de création ».
56
A quinta edição desse Festival chamou-se Art de l’oubli e teve como foco principal trabalhos de dança contemporânea,
seus registros e sua efemeridade.
95

reconstituição pode-se observar as sete ninfas, o fauno, o cenário e a música de Debussy, a partir da
versão de Dominique Brun, que, por sua vez, trabalhou com as notações de Nijinsky, decodificadas por
Anne Huchtson-Guest et Claudia Jeschke, já mencionadas.
Se, por um lado, essa versão é idêntica à de Nijinsky, por outro, ela é muito diferente do original.
Essa contradição acontece uma vez que o fauno, não tem a bela e elegante figura do bailarino russo. Ao
contrário, o bailarino e coreógrafo francês Olivier Dubois tem constituição bem mais corpulenta do que
a de Nijinsky. Tal diferença não é sutil, não passando desapercebida. Na verdade, ela é reforçada pelo
figurino colante vestido pelo bailarino. Novamente, nessa segunda parte do espetáculo, há também uma
perversão, uma provocação ou, até mesmo, uma paródia. Aqui, ao contrário do projeto simbolista de
Nijinsky, que buscava diminuir o ego do bailarino em prol do todo, do conjunto, existe uma escolha
dramatúrgica extremamente narcisista, que coloca em evidência o sobrepeso do bailarino, quase como
um deboche. Ou como um desafio estético, uma vez que toda movimentação coreográfica é muito bem
executada, o sobrepeso referido não se apresenta de modo algum como um obstáculo. A versão de
Dubois carrega uma intenção latente, como se dissesse que a gordura não o impedirá de ser um fauno,
ao modo de Nijinsky, e que a seu modo também pode ser belo.

Figura 31: Olivier Dubois na segunda cena do espetáculo Faune(s). Foto: Michel Gangne. Fonte:
AFP/Getty Images, 2015.
96

Figura 32: Dubois e elenco na segunda cena de Faune(s). Foto: Michel Gangne. Fonte: AFP/Getty
Images, 2015.

A terceira parte mantém o mesmo cenário da segunda, a floresta do fauno, a partir dos desenhos
de Bakst, mas agora uma outra personagem aparece, uma figura estranha, novamente interpretada por
Dubois, vestida com uma roupa típica da Bavária (suspensórios, chapéu e calcas curtas) e um grande e
curioso instrumento de sopro, nada de raro, não tivesse ele mãos enormes, como de um lobisomem. No
meio do palco, tal figura ora assopra, sem tocar, o instrumento, ora executa passos de jazz, ora reproduz
alguns movimentos de braços da obra original de Nijinsky, ora fala textos ao microfone, tudo de forma
bastante eclética e caótica.
97

Figura 33: Dubois na Terceira cena do espetáculo Faune(s). Foto: Michel Gangne. Fonte: AFP/Getty
Images, 2015.

Em um determinado momento, tal personagem coloca uma máscara que o faz parecer com
Diaghlev, então, o bailarino começa a executar uma sequência de passos elaborados e saltos de balé
clássico de alto grau de dificuldade. Ao final da cena, ele pega um vaso de louça chinesa, inverte-o com
a boca para o chão e despeja uma gosma que parece uma espécie de placenta animal. A cena termina
em um blackout.
Na quarta e última parte desse vídeo, Dubois retorna ao palco. Dessa vez ele está nu sob um
casaco de peles longo. A música tem um ar de trilha de cinema de ficção científica, o bailarino rola no
chão como se estivesse metralhando um inimigo imaginário. Ao final dessa cena surreal, Dubois
encontra-se totalmente despido no palco, sobre uma montanha de casacos de peles e com um par de
chifres em sua cabeça.
98

Figura 34: Dubois na quarta e última cena do espetáculo Faune(s). Foto: Michel Gangne. Fonte:
AFP/Getty Images, 2015.

A versão de Dubois é, enfim, geradora de uma verdadeira transformação da obra de Nijinsky. Se


limitaria ela a uma paródia? Segundo Tiphaine Samouyault (2010, p.38, tradução minha):

A paródia transforma uma obra precedente, seja por lhe transformar em


caricatura; seja por reutilizá-la através da transposição. Mas, que ela seja
transformada ou deformada, ela exibe sempre uma ligação direta com a
literatura existente. As definições especializadas, as definições de dicionários
que registram o senso comum e suas depreciações, notadamente pejorativas:
“Imitação burlesca de uma obra séria. Fig. Falsificação ridícula (Petit Robert);
99

“Imitação grosseira que não restitui certas aparências (Trésor de la langue


française); “O melhor parodiador é sempre abaixo do modelo”(Grand Larrousse
du XIX siècle). Contra o senso comum, as definições do discurso teórico
rendem à paródia seus aspectos específicos que não implicam necessariamente
seu caráter menor, relacionada a essa mistura de dependência e de
independência que faz toda a ambivalência da paródia.57

Mas não foi somente por meio de versões paródicas que a dança contemporânea se apropriou do
Fauno de Nijinsky. Outros trabalhos também foram apresentados e debatidos no Festival, dentre eles o
do coletivo francês Quator Albrecht Knust, intitulado … d un Faune (éclats!), do ano de 2000. Nessa
obra, o coletivo de bailarinos de dança contemporânea experimentou, a partir das notações de Nijinsky,
uma série de possibilidades coreográficas. Os fragmentos (éclats) de tal trabalho foram exibidos no
Festival Francês através de trechos filmados de tais experimentações. Em um deles, por exemplo, o
fauno é interpretado por uma bailarina que está vestida com roupas cotidianas e tênis de corrida, sem
qualquer referência ao cenário nem ou ao acompanhamento musical. Nessa versão, o material de
Nijinsky é reduzido somente aos movimentos coreográficos. Em outro trecho, tem-se a inversão por
completo, a mesma bailarina da cena anterior segue interpretando o fauno, mas agora ela dança com
um outro bailarino, que por sua vez faz o papel de uma ninfa. Novamente não há referências ao
cenário, figurinos ou música.
Através das reduções ou destilações mencionadas, o coletivo buscou desconstruir a dramaturgia
de Nijinsky a fim de potencializar um de seus aspectos centrais, ou seja, o movimento. Transformando
o material coreográfico em uma fonte inesgotável de experimentações criativas, esse coletivo
problematiza a noção de originalidade assim como a noção de autoria em dança.

57
No original : « La parodie transforme une œuvre précédente; soit pour le caricaturer; soit pour la réutiliser en la
transposant. Mais qu'elle soit transformation ou déformation, elle exhibe toujours un lien direct avec la littérature existante
Les définitions non spécialisées, les définitions de dictionnaires qui enregistrent les sens commun en sont dépréciatives,
sinon nettement péjoratives: “Imitation burlesque d’une œuvre sérieuse. Fig. Contrefaçon ridicule” (Petit Robert);
“Imitation grossière qui ne restitue que certaines apparences” (Trésor de la langue française); “Le meilleur parodiste est
toujours au-dessus de son modèle” (Grand Larrousse du XIX siècle). Contre le sens commun, les définitions du discours
théorique rendent à la parodie ses traits spécifiques qui n' impliquent pas nécessairement son caractère mineur, lié à ce
mélange de dépendance et d’indépendance qui fait toute l'ambivalence de la parodie ».
100

Figuras 35, 36, 37 e 38: Quatour Albert Kunst em cena de ...d'un Faune (éclats!). Foto: Laurant
Philippe. Fonte: Divergence Images, 2015.

Ao refletir sobre esses dois casos, que escavaram e desdobraram a obra de Nijinsky, alguns
aspectos importantes podem ser reconhecidos. Se, por um lado, a partir deles, é possível perceber de
maneira mais detalhada as topologias e tensões internas do fauno de Nijinsky, por outro, tais
desdobramentos levantam uma série de questões relacionadas com a noção de originalidade e de
autoria em dança: os materiais coreográficos, seus rastros e suas latências, a questão das citações e da
101

transmissão oral e a de intertextualidade 58. Todas essas questões estão, por sua vez, intrinsecamente
ligadas à dramaturgia na dança, seja ela clássica, moderna, pós-moderna ou contemporânea.
Desse modo, se Nijisnky pode ser considerado como um precursor da autoria em dança,
paradoxalmente, e em sintonia com a poética simbolista – Mallarmé entre seus maiores representantes
– ele coloca a linguagem à frente do autor, por meio de uma radical subversão dos códigos do balé
clássico e compartilhando com o público a construção da obra. Em outras palavras, Nijinsky propõe a
sua criação não como manifestação de sua subjetividade, simplesmente, mas como processo de
catalisação de tensões e forças que estão além do indivíduo. De acordo com a poética simbolista, o
artista é visto como um canal que capta tensões e materializa experiências. Mas esse processo está
acima do que pode ser gerado pelas vivências individuais, trata-se de um mergulho em uma dimensão
simbólica que pretende ser universalizante. Ao executar tal operação, portanto, confrontando ao mesmo
tempo autoria e impessoalidade, Nijinsky antecipa, de certo modo, as elaborações feitas por Barthes em
A Morte do Autor (BARTHES, 2004), abrindo caminho para as práticas e reflexões contemporâneas
sobre a dramaturgia na dança. Dramaturgia vista assim como construção de sentido que dissolve e
reinventa códigos artísticos tornando permeáveis as fronteiras entre artista e público.

QUARTO CAPÍTULO

Trisha Brown: Ilhas De Sentido

58
Segundo Samoyault (2001), Kristeva define intertextualidade como: “O eixo horizontal (sujeito-destinatário) e o eixo
vertical (texto-contexto) coincide por desvendar um fato maior: a palavra (o texto) e o cruzamento de palavras (os textos)
onde se ligam ao menos a uma outra palavra (texto). Segundo Bakhtin, além disso, esses dois eixos, que são denominados
respectivamente diálogo e ambivalência, não são claramente distinguíveis. Mas esta ausência de rigor é acima de tudo uma
descoberta que Bakhtin é o primeiro a introduzir não a teoria literária: todo texto se constrói como um mosaico de citações,
todo texto é absorção e transformação de um outro texto” (SAMOYAULT, 2001, p. 9, tradução minha).
102

“Eu crio o movimento a partir de uma fonte que escapa ao cérebro”


(BROWN apud HUYNH, 2014, p.50).

4.1 Trisha Brown – The Early Works

Se a dança moderna norte-americana rompeu com o balé clássico, trazendo para a cena uma
linguagem que, de acordo com cada criador, valorizava menos a virtuose técnica e mais a
expressividade, e abordava temas relacionados a questões culturais e sociais da atualidade, a dança pós-
moderna norte-americana, como define Banes (1987), rompeu com a sua precursora de maneira ainda
mais radical. Não à virtuose e não à expressividade eram os novos gritos de guerra. Descontinuando as
conjecturas formais ou estabelecidas como normas estéticas da cena vigente, a dança ressurgiu de
forma engajada política, social, filosófica e esteticamente. Reduzindo ao extremo qualquer
artificialidade, escapando de pressupostos genéricos, questionando os limites do que seria ou não
aceitável em termos de produção artística, um novo movimento cultural emergiu, notadamente na
cidade de Nova Iorque, nos anos sessenta do século XX, desestabilizando todas as formas hierárquicas
de se pensar e fazer a dança. A coreógrafa Yvonne Rainner (1934), uma das principais expoentes desse
movimento, descreve de forma bastante precisa o espírito da época em seu célebre Manifesto do Não,
transcrito, a seguir, em língua inglesa:

No to spectacle.
No to virtuosity.
No to transformations and magic and make-believe.
No to the glamour and transcendency of the star image.
No to the heroic.
No to the anti-heroic.
No to trash imagery.
No to involvement of performer or spectator.
No to style.
No to camp.
No to seduction of spectator by the wiles of the performer.
No to eccentricity.
No to moving or being moved (RAINNER apud BANES, 1987, p. 43).
103

Outra fundamental artista desse período é a coreógrafa Trisha Brown (1936). Graduada pelo
Mills College, em Oakland, Califórnia, Brown construiu uma sólida formação em dança, que incluiu as
técnicas modernas de Martha Graham (1884-1991), José Limon (1908-1972), Louis Horst (1884-1964)
e Merce Cunnhingam (1919-2009), dentre outros. Notadamente influenciada pelos trabalhos de Anna
Halprin (1920), cujo workshop frequentou em São Francisco em 1961, assim como pela dupla
Cage/Cunningham, Brown migrou para Nova Iorque no início dos anos sessenta, período em que a
cidade passava por uma explosão criativa, cruzando, transformando e inventando diversas formas
artísticas. Membro do seminal grupo de artistas que participou das aulas experimentais de composição
ministradas pelo músico Robert Dunn (1928-1996), que exploravam os conceitos desenvolvidos para a
música a partir das práticas de John Cage e os transpunham para a composição coreográfica, Brown foi
uma das fundadoras do coletivo Judson Dance Theatre e uma de suas principais herdeiras artísticas.
Imbuídos por esse espírito híbrido e experimental que emergia na cidade norte-americana, os
artistas que participavam do coletivo sediado na Igreja Batista do Greenwich Village, bairro ao sul de
Manhattan, compartilhavam uma abordagem democrática e anárquica em relação aos seus
experimentos coreográficos. Lá, bailarinos profissionais passaram a dividir a cena com não-bailarinos,
os movimentos cotidianos passaram a fazer parte do vocabulário coreográfico, o acaso e as
proposições, ou regras para improvisos, conhecidas como tasks59 – tarefas ou instruções – buscavam, de
forma bastante deliberada, aproximar a dança da vida cotidiana. Foi também nesse período que o
espaço cênico extrapolou o palco italiano, ganhando as ruas, os parques e os museus, e, a partir de
então, lugares absolutamente inusitados passaram abrigar a cena. Os novos criadores propunham uma
modificação tão radical na relação entre o público e a plateia, na utilização do espaço, do tempo e do
corpo, que problematizavam inclusive a própria definição da dança. E é justamente nesse contexto que
se inserem as obras Man Walking Down the Side of a Building (1970) e Group Primary Accumulation
(1973), ambas de Trisha Brown, que são descritas e analisadas nesta tese, considerando-as como
dramaturgias pessoal e particular.

4.2 Ready Mades Coreográficos

59
Trisha Brown atribui a Anna Halprin a elaboração da noção de tarefas ou instruções (tasks), procedimento amplamente
adotado pelos artistas que frequentavam os laboratórios de criação no Judson Memorial Church. Segundo Brown, tais
tarefas “[...] estavam um nível acima de recorrer aos movimentos cotidianos para composição, por vezes sujeitas a tiques e
maneirismos” (BROWN apud HUYNH, 2014, p.19-20).
104

Susan Sontag se refere aos bailarinos e coreógrafos desse período, brevemente descrito acima
como neo-duchampnianos (SONTAG, 1987, p.58), ou seja, herdeiros artísticos do escultor francês
Marcel Duchamp (1887-1968), membro do movimento dadaísta europeu. Em um manifesto publicado
em 1916, os artistas dadaístas60 propunham uma nova visão do ato criador, cujas palavras de ordem
eram, justamente, desordem, desorganização, destruição e dessacralização (ROUX, 2007). Duchamp,
um dos principais expoentes de tal movimento, foi o autor da noção de ready made, termo emprestado
da indústria da vestimenta, que implica a transposição de objetos práticos do cotidiano, sem nenhuma
alteração material, em objetos de arte, cujo exemplo mais reconhecido é a obra Fonte (1917), que
consiste em um urinol de louça branca, assinado pelo artista, transformado em obra de arte.61
De fato, Sontag (1987) aponta para uma anacronia interessante. Em tais criações, os artistas da
dança valiam-se de diversos ready mades corporais, provenientes do cotidiano, do cidadão comum.
Caminhar, correr, escalar, rolar… ações ordinárias do ser humano passaram a ser atividades
emblemáticas do repertório coreográfico pós-moderno, acontecendo cenicamente de forma ainda não
previamente explorada, o que, nesta tese, denomina-se “ready mades coreográficos”.
Outro ponto importante a se ressaltar é o fato da ausência de uma lógica interpretativa, ou seja, a
ausência de uma necessidade do artista em criar um material para que o público possa interpretar. De
fato, não somente a dança, mas grande parte das manifestações artísticas predominantes, da época,
buscaram um distanciamento da interpretação, explorando principalmente formas parodiais, abstratas,
decorativas e, até mesmo, a não-arte (SONTAG, 1987).
Inúmeras referências e influências podem ser reconhecidas no âmbito da dança pós-moderna.
Dentre eles, pode-se citar os movimentos artísticos acontecidos no suíço Cabaret Voltaire, um dos
principais redutos onde se encontravam e se apresentavam os artistas membros do Dadaísmo em
Zurique, na segunda década dos anos 1920, que, por sua vez, influenciaram artistas europeus e
americanos. Já nos Estados Unidos, o artista plástico Jackson Pollock (1912-1956) imprimia sua marca,
influenciando igualmente artistas dos dois continentes por meio do trabalho que desenvolvia,
conhecido como Action Painting.
Movimento definido pelo crítico Harold Rosenberg (1952) como uma arte na qual a tela passou a
se transformar em uma espécie de arena, em que o pintor atuava e sua pintura se tornava um
acontecimento. Tal vertente artística associava-se ao Expressionismo Abstrato, cujas influências em
60
Dada ou Dadaísmo foi um movimento artístico europeu avant-garde no século XX. Começou em Zurique na Suiça em
1916.
61
Exibido pela primeira vez no 1st Annual exhibition of Society na The Grand Central Palace, em Nova Iorque, em 1917.
105

coreógrafos atuantes nos Estados Unidos, como Simoni Forti, Yvonne Rainner e a própria Trisha
Brown podem ser visivelmente percebidas. Para Forti (1935), por exemplo, a descoberta do Action
Painting coincide com o período que frequentava os workshops de Halprin, na Califórnia, onde
realmente começou a experimentar a improvisação e onde percebeu, de forma reveladora, como os
movimentos primários resultantes das criações com a pintura permitiam uma experiência corporal
particular (ROUX, 2007).
Entremeadas por outras tantas referências, é possível apontar, ainda, como um dos ramos da
genealogia desse movimento (a dança pós-moderna), os trabalhos, experimentos e pesquisas realizados
na Black Mountain College, catalisados a levados à Nova Iorque, principalmente, pelas mãos da dupla
Cage/Cunningham, já em meados dos anos sessenta.
Assim, ao se observar os eventos artísticos e multidisciplinares que aconteceram no intervalo que
ocorreu entre as décadas de vinte e quarenta, assim como entre os anos sessenta e setenta do século
XX, também na Europa, e mais acentuadamente nos Estados Unidos, é possível perceber que a dança
atravessava e era atravessada por uma vibrante onda de subversão, algo que pode ser definido como
uma verdadeira ampliação desse campo artístico, em analogia à noção de campo expandido da
escultura, conforme define Krauss (1979). Portanto, ao expandir suas fronteiras, a dança passou a
iluminar (ou obscurecer) um universo de possibilidades de leituras, de (não) interpretações,
demandando que as reflexões e conceitos sobre esse novo fazer artístico sofressem uma urgente
reavaliação.
Ao escrever sobre a expansão da escultura, Krauss (1979) propõe um olhar que não foca mais no
pedestal, no objeto inanimado em mármore ou bronze, mas em um universo de possibilidades
escultóricas, cujo conceito se torna tão infinitamente maleável, ao ponto de abrigar obras
surpreendentes. Trabalhos que podem evaporar no espaço, deteriorar-se, apodrecer, ocupar espaços
públicos e/ou privados, igualmente inesperados, “[...] numa demonstração extraordinária de
elasticidade, evidenciando como o significado de um termo cultural pode ser ampliado a ponto de
incluir quase tudo” (KRAUSS, 1979, p.1, tradução da autora).62
De fato, tal ampliação cultural alastrou-se por vários campos artísticos, como aponta Fischer-
Lichte, quando se refere a obras do teatro contemporâneo, nas quais também emergiram poéticas com
propostas de leituras além da interpretação e que buscavam descobrir “[...] o significado antropológico

62
No original: “[..] in an extraordinary demonstration of rlasticity, a display of the way a cultural term can be extended to
include just about anything”.
106

do performativo, o sentido do sensorial, ao invés dos possíveis significados de textos individuais”


(FISCHER-LICHTE, 2012, p. 7).
Em sintonia com a noção proposta nesta tese de ready made corporais, o uso de ready made
verbais em Robert Wilson, por exemplo, como explica Fischer-Lichte, se dá por meio da utilização de
elementos pré-fabricados, por frases da fala cotidiana, como: “cê vai bem?”, “me deixe em paz!”, “não
me diga!” etc. Tais frases formam o material escrito a posteriori – ao contrário de um texto escrito a
priori que, ao desconstruir a linguagem, impossibilita a interpretação literal do texto, deixando apenas
como possíveis pistas para leituras, seus procedimentos subjacentes, tais como as especificidades do
figurino, cenário, iluminação e som, dentre outras particularidades de cada cena (FISCHER-LICHTE,
2012, p. 7).
Em Brown, as interpretações (im)possíveis para suas obras coreográficas alojam-se no universo
sensorial do espectador e é também por meio de seus procedimentos subjacentes que o público pode
buscar ler as suas obras. O espírito de rebelião da época, somado à liberdade lúdica criativa das
gerações mais jovens, promoveram uma amplitude artística até então desconhecida, comparada talvez
somente aos experimentos dadaístas das vanguardas históricas, fazendo com que a plateia fosse
obrigada e se colocar em uma outra postura, que não somente aquela de espectador passivo, sentado
confortavelmente em sua poltrona. Aliás, conforto não era mais uma prerrogativa do artista pós-
moderno, muitas obras desse período causavam justamente um grande desconforto, não somente para
quem as fazia, como também para quem as assistia.
O exemplo original de onde se empresta a noção de ready made proveniente das artes visuais
merece ser novamente evocado. Um urinol colocado em um museu pode ser entendido como obra de
arte, assim como um homem suspenso por uma corda de alpinismo, descendo horizontalmente,
caminhando na lateral de um prédio, ou a simples acumulação de gestos e movimentos podem ser
vistos então como autênticas obras coreográficas, levando os limites do corpo e da imaginação ao
extremo.
Nesse sentido, é possível perceber como os trabalhos de Trisha Brown, principalmente em sua
fase inicial, conhecida como seus Early Works, enquadram-se dentro desse escopo artístico não
interpretativo, não hermenêutico, que prevê uma experiência sensorial – diferente da busca consciente,
literal e explicativa, algo como uma “hipertrofia intelectual” como define Sontag (1987, p.7) – e que
remetem à noção de Cultura de Presença – mais do que à de Cultura de Sentido – nos termos definidos
por Gumbrecht (2010) como será desenvolvido no próximo tópico.
107

4.3 Cultura de Sentido / Cultura de Presença

Gumbrecht, professor da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, propõe dois conceitos
para compreender a crise da representação na pós-modernidade, que auxiliam a compreender uma
forma de ultrapassar o “estatuto exclusivo da interpretação nas Humanidades” (GUMBRECHT, 2010,
p. 105). São eles a Cultura de Sentido e a Cultura de Presença. Essas duas culturas, segundo o autor,
não são excludentes e podem coexistir em todos os objetos culturais, não aparecendo de forma pura, ou
ideal (GUMBRECHT, 2010).
Na tentativa de compreender a obra de Trisha Brown como portadora, ou disseminadora estética,
que muito se aproxima ao que Gumbrecht define como Cultura de Presença, é importante trazer um
olhar mais atento para o que propõe o autor alemão.
Em seu contundente livro, traduzido para o português do Brasil como Produção de Presença: o
que o sentido não consegue transmitir (2010), Gumbrecht traça um percurso que inclui uma série
etapas, buscando apontar as especificidades das duas culturas supracitadas. Não cabendo aqui repeti-
las, é importante comentar algumas dessas etapas para que se possa relacionar o trabalho de Brown
com a segunda categoria cultural, ou seja, a Cultura de Presença.
Na primeira etapa, ao buscar analisar tais culturas, o autor afirma que a autorreferência
predominante na Cultura de Sentido é o pensamento, a consciência, enquanto a autorreferência
predominante na Cultura de Presença é o corpo (GUMBRECHT, 2010, p. 106). Em conexão com o
trabalho de Brown, tanto em Men Walking Down the Side of the Building, assim como em Group
Primary Accumulation, quanto em várias outras de suas obras, o corpo é a autorreferência
predominante. A exploração do espaço, o desafio da gravidade, a relação entre os corpos dos
bailarinos, assim como a relação entre performers e público se dão primeiramente, e, sobretudo, por
experimentações corporais.
A noção de espaço, elemento núcleo na obra de Brown, é justamente uma das outras etapas
citadas por Gumbrecht. Para ele, na Cultura de Presença “[...] a dimensão que se constitui ao redor dos
corpos deve ser a dimensão primordial em que se negociam a relação entre os seres humanos e as
coisas do mundo” (GUMBRECHT, 2010, p. 110). Brown, em sua negociação constante com o espaço,
acessa atmosferas cuja confluência entre o espaço individual do dançarino e o espaço coletivo da cena,
assim como o do público e do meio ambiente, são recriados constantemente, ressignificando o lugar-
108

comum, seja ele por meio de uma simples flexão de braço, ou a encenação em um gramado, em um
parque da cidade. Em contrapartida, para a Cultura de Sentido, o tempo é a dimensão primordial, a
associação fundamental entre a consciência e a temporalidade.
Quando se pensa na dramaturgia de um balé clássico, por exemplo, O Quebra Nozes63, existe uma
noção de tempo claramente definida, a trama se passa numa noite de Natal; ou mesmo quando não se
tem uma definição de tempo tão precisa como em Giselle64, recebe-se informações que auxiliam na
compreensão temporal histórica; pelo cenário, é possível observar que se trata de uma trama
desenvolvida durante a noite ou o dia, em uma cidade ou em um cemitério, com o auxílio de um
figurino que remete a um determinado período histórico reconhecível. Existe também o recurso do
programa, que traz importantes informações para auxiliar a compreensão do público.
No caso das experimentações coreográficas de Brown, assim como nas de outros criadores da
dança contemporânea ou pós-moderna desse período, o que acontece se dá no aqui e agora, e a
consciência de temporalidade é transformada de forma radical.
De volta a Gumbrecht, a última etapa que o pensador elenca leva ao “[...] lúdico e à ficção como
conceitos por meio dos quais as Culturas de Sentido caracterizam interações em que os participantes
têm uma ideia vaga, limitada ou nula das motivações que lhes orientam o comportamento”
(GUMBRECHT, 2010, p. 111). Desse modo, em situações de jogo, ou de ficção, as regras substituem o
lugar das motivações dos participantes. Por outro lado, essas ações definidas como comportamento
humano estruturado por motivações conscientes não cabem nas Culturas de Presença. Brown refere-se
frequentemente a motivações inconscientes quando reflete sobre seu trabalho. Sempre que questionada
sobre a criação de uma escola para transmissão de sua técnica, sua resposta é imediata: “Não me
coloquem em uma jaula!” (BROWN apud HUYNH, 2014, p. 21). Suas motivações de criação buscam
esquecer conscientemente o intelecto para deixar surgir um movimento orgânico e, embora toda sua
obra seja matematicamente estruturada, sua linguagem emerge de exercícios de improvisação, que
jorram em seu próprio corpo através de um fluxo inconsciente de experimentações, posteriormente
decupadas, codificadas e transmitidas para seus bailarinos em danças individuais e coletivas. Para
Brown, tal sistema possivelmente se perderia em um formato convencional de escola, cuja transmissão
de técnica se dá a partir de outras técnicas. Para a artista, práticas de movimentação somáticas, como

63
Balé em dois atos, libretto de Marius Petipa, coreografia de Lev Ivanov e música de Tchaikovsky; estreou em 1892 no
Teatro Marinsky em São Petersburgo, montado por diversas companhias de balé em todo mundo. (KOEGLER, 1987).
64
Balé em dois atos, libretto de Vernoy de Saint-Georges, Gautier e Coralli, coreografia de Coralli e Jules Perrot, música de
Adams, estreou, em 1841, no Teatro Ópera de Paris e é considerado um marco do apogeu do romantismo no balé
(KOEGLER, 1987).
109

Alexander, Feldenkrais e BMC são o caminho para o autoconhecimento do corpo, o resto deve emergir
das improvisações guiadas e estruturadas que costuma realizar (BROWN, 2004).
Desse modo, nas dramaturgias construídas por Brown não existe uma ficção a priori, embora o
público possa projetar sua própria leitura ficcional, não existem princesas, fadas ou bruxas, nem tão
pouco personagens mitológicos como em Martha Graham ou Ruth St.Dennis.
Um homem desce a parede lateral de um prédio e é isso, um homem, simplesmente. Brown
tampouco recorre ao uso de programas instrutivos, para ela, suas obras devem se sustentar sem a
necessidade de explicações. Ainda que reconheça que os textos e as sinopses de programas sejam um
modo eficiente do artista se comunicar com seu público, Brown não os utiliza de tal forma. Em suas
próprias palavras “não quero nada que seja previsível, eu não vou anunciar nada” (BROWN apud
HUYNH, 2014, p. 35).
Assim, se tal abordagem pode parecer, por um lado, intransigente e radical, por outro, Brown está
de fato oferecendo ao seu público uma autonomia e uma liberdade de leituras, o que pode provocar, em
muitos, um sabor estranho na boca, aquele semelhante ao se experimentar um alimento novo, não
familiar, cujo gosto não se tem registro anterior. Nesses casos, não se trata de gostar ou de não gostar
daquilo que traz consigo um novo paladar, mas de experimentar, de conhecer primeiro e, novamente,
de ampliar registros, expandir possibilidades e, acima de tudo, estar presente na cena, seja como artista,
seja como público.
Estar presente enquanto artista, cujo passo em falso pode levar a uma queda que pode causar
lesões, assim como estar presente enquanto público, mesmo sem participar ativamente da cena, uma
vez que Brown não convoca seu público para co-atuar com seus dançarinos, exige, da mesma forma,
um testemunhar que atua de outro modo, como um co-autor do sentido que se constrói, de forma
diversa para cada um de seus participantes.

4.4 Dança Performativa e Dramaturgia de Presença

“I Think you've got to take me in parts, I work in cycles”


(Trisha Brown, 2004).
110

Para a atual codiretora artística da Trisha Brown Dance Company, Carolyn Lucas65, “Brown é
uma coreógrafa extremamente detalhista, cria em seu corpo todo seu vocabulário coreográfico, seus
passos nunca se repetem e suas instruções para os bailarinos são absolutamente rigorosas” (LUCAS,
2013). Em seus momentos de criação, Lucas descreve Brown como um vulcão em erupção, cujos
movimentos escorrem num fluxo contínuo de seu corpo. Nos anos oitenta, através de um recurso
batizado como throwing and catching (lançando e pegando), Brown lançava os movimentos para os
bailarinos que pegavam da melhor maneira que podiam e, a partir disso, ela ia definindo as frases
coreográficas que compunham suas obras, todas não representativas, puramente abstratas (LUCAS,
2013).
Coreógrafa e artista visual há mais de quarenta anos, Brown mantinha 66 em sua companhia um
vasto repertório exclusivamente de sua autoria. Em constante reflexão sobre seu percurso, a coreógrafa
dividiu sua trajetória em ciclos 67, cujos títulos nem sempre foram atribuídos por ela mesma. Em cada
um de seus ciclos, é possível perceber um fio condutor que permeia as obras de cada fase. Nos dois
primeiros ciclos, por exemplo, The Equipmemt Pieces e Accumlation, respectivamente, vindos
imediatamente após sua ruptura com os experimentos na Judson, pode–se observar, de forma bastante
nítida, as matrizes e fontes de estímulos para seus trabalhos. Ainda que em suas obras mais recentes ela
tenha se mantido fiel à sua lógica característica e experimental de movimento, seus dois primeiros
ciclos criativos são aqueles que permitem perceber, em maior grau, o ineditismo e a ousadia de suas
propostas coreográficas, por isso, também se justifica a escolha de peças provenientes desses ciclos
para análise nesta tese.
Em Men Walking Down the Side of the Building, por exemplo, peça que faz parte de seu primeiro
ciclo, período que investe no uso de equipamentos e de espaços alternativos para composição de seus
experimentos coreográficos, Brown escolheu um típico prédio nova-iorquino no bairro onde vivia e
atuava a vanguarda artística de Manhattan nos anos sessenta/setenta, do século passado: o Soho. O
título explica de forma literal do que trata a obra, um homem que desce a lateral do prédio. Como se
sabe, lagartixas descem laterais de prédios, homens não. No entanto, Brown não quer ser encaixotada,
nem tão pouco quer que lhe imponham limites, assim, desafiar a gravidade, propor novas e inesperadas
perspectivas do uso do espaço, a ocupação de sítios urbanos e a redução essencial de movimentos

65
Carolyn Lucas é membro da companhia desde 1984, atual diretora artística associada da Trisha Brown Dance Co.
66
Embora Trisha Brown ainda esteja viva, encontra-se afastada da direção de sua companhia por motivos de saúde.
67
Alguns dos ciclos de Trisha são: The Equipment Pieces, Estruturas Moleculares Instáveis, Accumulations, Valiant
Works (Período Heróico), Back to Zero, dentre outros.
111

foram algumas das propostas desenvolvidas por ela em seus trabalhos. Tais propostas seguramente
podem ser vistas na obra em questão.

Figura 39: Men Walking Down the side of a building. Foto: Carol Golden, 1970. Trisha Brown
Company, 2015.

Após o período que marca o trabalho feito pelo coletivo na Igreja Judson, a coreógrafa
americana partiu em busca de uma total separação do comportamento da dança. “Nothing to hide
behind” – ela provoca, assim, em uma de suas longas entrevistas para a coreógrafa Emanuelle Huynh
(BROWN apud HUYNH, 2014, p. 70). De fato, sem se esconder sob técnicas corporais estabelecidas,
figurinos, cenários, músicas ou iluminação artificial, a artista convidava o público a assistir às
“atividades ordinárias em circunstâncias extraordinárias” (Idem, Ibidem, p. 70).
Perturbando o uso do espaço e a perspectiva cotidiana da metrópole, Brown apresentou à
plateia, de uma fria primavera de 1971, um homem caminhando calmamente, descendo do último andar
até chegar ao térreo, preso por um equipamento de alpinismo, perpendicular à parede exterior de um
prédio de seis andares. Fazendo uma dança que se deteriorava enquanto acontecia, Men Walking Down
the side of a Building deixava no ar apenas suas pegadas, coladas na parede e na memória de quem as
presenciou.
112

Figura 40: Men Walking Down the side of a Building, em versão mais recente com o bailarino Stefen
Petronio em Nova Iorque, 2010. Foto: Andrea Mohin. Fonte: New York Times, 2015.

Em um próximo ciclo criativo, denominado Accumulation (Acumulação), a artista dá início a


uma nova lógica, abandonando os equipamentos. Ainda que podendo acontecer em ambientes externos
ou internos, sua pesquisa passa a valer-se exclusivamente de seu corpo e dos corpos de seus intérpretes.
Tal ciclo teve início com o solo Accumulation, interpretado originalmente pela própria Brown, cuja
estreia aconteceu em outubro de 1971, em um ginásio da New York University – NYU. Inicialmente,
Brown separou três movimentos orgânicos do ser humano – rotação, flexão e extensão – buscando
explorá-los ao realizar gestos simples, executados de maneiras diretas, sóbrias, sem nenhuma
intervenção de qualidade. A fim de buscar esclarecer e definir, de forma mais precisa, a utilização dos
termos gesto e movimento, para que esses não sejam entendidos como sinônimos e, tampouco,
utilizados indiscriminadamente. Cabe aqui abrir um parênteses e inserir uma breve problematização
sobre tais noções.
Por meio de um estudo que considera os criadores de teatro, mas igualmente da dança, tais como
Pina Bausch, Martha Graham e Rudolf Laban, Bonfitto (2002) reconhece aspectos comuns que
permitem reconhecer, de forma ampliada, as noções de movimento, ação e gesto. Seguindo o seu
113

raciocínio, pode-se entender o movimento, executado, no caso, pelo artista da cena e, portanto, também
do bailarino, como um deslocamento corporal que produz desenhos espaciais. Ao mesmo tempo, a
execução, repetição e desenvolvimento de movimentos pode levar a uma conexão psicofísica em vários
níveis, o que conduziria à produção, por sua vez, das assim chamadas ações psicofísicas. Ações
psicofísicas, portanto, seriam ações que materializam uma conexão psicofísica, envolvendo, portanto,
uma articulação entre processos interiores e exteriores do ser humano e, nesse caso, do artista. Já o
gesto, é visto como um detalhamento desse processo, que particularizaria os seres ficcionais,
diferenciando-os em categorias: como indivíduos, tipos ou atuantes. Nesse último caso, o dos atuantes,
depara-se com criações em que o ser ficcional não seria nem um indivíduo, nem um tipo, mas seres que
assumem, antes de tudo, uma potencialidade expressiva, funcional a cada obra.
Já em Trisha Brown, tais noções adquirem conotações diferenciadas. Mesmo sem tecer
elaborações a respeito das mesmas, Brown, em suas obras, parece, de um lado, utilizar as noções de
ação e de movimento como sinônimos. Ela utiliza o termo quando se refere a uma ação, como
flexionar, estender ou torcer, por exemplo. Já o gesto, para Brown, poderia ser associado a
procedimentos criativos que produzem uma espécie de ruptura, de quebra de expectativa no
desenvolvimento das estruturas coreográficas. Ao utilizar como exemplo um gesto de “ajeitar o cabelo”
em meio a uma sequência formalmente precisa, que se repete – nesse caso, em Group Primary
Accumulation –, Brown instaura uma ambivalência que pretende produzir uma tensão e uma quebra de
expectativa, uma vez que, inicialmente, o gesto parece ser acidental. “A bailarina arrumou seu
cabelo?”, mas que a seguir, em função de sua repetição, torna-se um gesto deliberado. Tais escolhas
dramatúrgicas envolvem oposições tácitas entre forma e não forma, movimento ou ação e gesto
(BROWN, 2003).
Desse modo, a partir de tal gramática corporal, Brown foi construindo um roteiro de movimentos
e/ou gestos cumulativos, que constituíam um crescendo, rigorosamente coreografados, repetidos e
executados, transformados em “quilômetros de movimentos”, em suas próprias palavras (BROWN,
2003).
114

Figura 41: Trisha Brown em Accumulation with Talking Solo, 1973. Foto: Nathaniel Tileston, 1979.
Fonte: Trisha Brown Company, 2015.

Ainda na primeira versão do solo Accumulation, 1971, (visto que tal obra se desdobrou
posteriormente em várias versões), Brown utilizou uma música da banda Greatful Dead, outra novidade
desse segundo ciclo, já que, nas obras do primeiro ciclo, nenhuma era acompanhada musicalmente.
Mais tarde, Brown acrescentou um texto que era dito por ela enquanto realizava sua sequência de
movimentos e gestos. Em seguida, partiu para uma nova experimentação cumulativa, dessa vez deitada
no chão, primeiro, novamente sozinha, depois, com outras bailarinas.
Em Group Primary Accumulation, um grupo de bailarinas deitadas em decúbito dorsal,
alinhadas lateralmente, executava um novo roteiro de movimentos e gestos acumulados. Novamente, a
gramática básica era a mesma: torcer, flexionar e estender. Vestidas iguais, com camisetas e calças
brancas, sem acompanhamento sonoro ou musical, as bailarinas desenvolviam uma sequência em
uníssono, tão rigorosamente sincronizadas, que pareciam ser apenas uma bailarina multiplicada por um
espelho, tamanha a semelhança entre seus corpos e a precisão de seus movimentos.
115

Figura 42: Group Primary Accumulation, 1973. Foto: Hugo Glendinnig, 2010. Fonte: Trisha Brown
Company, 2015.

Figura 43: Group Primary Accumulation, 1973. Foto: Hugo Glendinnig, 2010. Fonte: Trisha Brown
Company, 2015.
116

Figura 44: Group Primary Accumulation, 1973. Foto: fotgrafo desconhecido Fonte: Trisha Brown
Company, 2015.

A pluralidade de tais danças gera uma grande dificuldade, não só para defini-las, mas para
perceber o que elas podem revelar. Cecile Roux propõe uma categoria bastante ampla e a denomina
como Dança Performativa, na qual:

[...] o corpo dançante é modelado pelos saberes e pelos conhecimentos


especializados provenientes segundo os contextos históricos sociais, culturais,
filosóficos, científicos e pedagógicos. O corpo é um produto social que se
relaciona com códigos, com valores e com culturas. Assim, compreendemos
melhor a importância de uma das questões: O que é que a dança nos revela?
(ROUX, 2007, p. 39, tradução da autora)68.

68
No original: « Le corps dansant est modele par des savoirs et des savoir-faire qui vient selon les contexts sócio-
historiques, culturels, philosophiques, scientifiques et pédagogiques. Le corps est un produit social qui se rapporte à des
codes, des valeurs et des cultures. Ainsi, comprend-on mieux l’importance de l’une des questions préliminaires: Qu’est-ce
qui releve de la danse?».
117

Fazendo, nesse ponto, uma relação com o Teatro Performativo 69, Féral (2011) insiste no aspecto
lúdico do discurso sob suas múltiplas formas, que navega para além das personagens evocadas; ele
impõe o diálogo dos corpos, dos gestos e toca na densidade da matéria (Féral, 2011).
Algumas perguntas emergem nesse ponto: seria possível, a partir de tais noções, propor um
desdobramento a fim de buscar definir uma dramaturgia da presença 70, no caso, da dança de Trisha
Brown?
Assim como não é possível definir um modelo exclusivo para o Teatro Performativo, ou Pós-
dramático, visto que as características que o definem são, de certo modo, as mesmas que dificultam a
sua definição, ou seja, sua multiplicidade, sua condição híbrida e fugaz, a dança performativa também
não pode ser categorizada por um único modelo específico. Segundo Roux:

[...] a dança é uma dádiva universal e ao mesmo tempo ela pressupõe


abordagens e definições múltiplas segundo suas culturas. Ela permite o
cruzamento entre o individual e o coletivo, abrindo as portas da relação ao
Outro e, paralelamente, sugerindo uma negociação entre si próprio e o real
(ROUX, 2007, p.54, tradução da autora)71.

Ao tecer um histórico cronológico no campo coreográfico francês, Roux aponta especificamente


para uma irrupção de uma atitude performativa que percorre a década que inicia em 1993 e vai até o
ano de 2003. Tal atitude, no entanto, não ocorre isoladamente em território francês, ao contrário ela
emerge em uma rede globalizada, que conforme visto nesse capítulo teve sua origem nos episódios
dadaístas, atravessando a contracultura norte-americana dos anos sessenta/setenta do século XX e que
pode ser compreendida como um estado de dança performativo, ou uma Dança Performativa, projeto
coreográfico polimorfo e transdisciplinar, onde se insere o trabalho de Trisha Brown.

69
Féral define como Teatro Performativo, já Lehmann define como Teatro Pós-dramático, em ambos os casos, trata-se de
um fazer teatral híbrido, cujas fronteiras entre os gêneros se embaçam e cuja “noção de performatividade está ao centro de
seu funcionamento” (Féral, 2011, p. 108) e, ainda, segundo a autora, está relacionado a espetáculos centrados mais sobre a
imagem e a ação em detrimento do texto, cujos elementos adotados perturbam a própria noção de gênero (Féral, 2011).
70
Dramaturgia de Presença é um termo que proponho a partir da relação com o texto de Gumbrecht, que será aprofundado
no desenvolvimento dessa pesquisa.
71
No original: « [...] la danse est un donée universelle et en même temps ele suppose des approches et des deéfinitions
multiplex selon les cultures. Elle premet le croisement entre l’individualité et la collectivité, ouvrant les portes de la
relation à l’outre et parallélement, suggérant une négociation entre soi et le réel ».
118

Roux, ainda, sinaliza as tensões ou conexões entre as interfaces que associam o campo
coreográfico da atitude performativa. Segundo a autora, as noções de representação e de espetáculo são
dois pilares importantes, exaustivamente debatidos, criticados e rejeitados quando considerados os
novos modos de produção e de visibilidade das obras artísticas em contexto (ROUX, 2007). Ela releva
a questão da representação e a circunscreve:

[...] a noção de representação implica que há uma unidade de espaço e de


tempo. A atitude performativa desenvolve a necessidade de ambos os
parâmentos para poder emergir, mesmo se ela os ultrapassar por sua essência
situacional. De fato, essa essência situacional leva em consideração a natureza
de espaço e de tempo em função da realidade que se vive aqui e agora. Ainda, a
atitude performativa vem perturbar a noção de representação uma vez que está
compreendida como uma repetição incessante de um mesmo presente (ROUX,
2007, p. 80, tradução da autora)72.

Baseado nas considerações feitas por Roux (2007), podemos retomar a noção proposta aqui de
Dramaturgia da Presença, a partir de Gumbrecht (2010), uma vez que essa noção catalisa muitos
aspectos associados ao que ela denomina como dança performativa. De fato, é possível elencar algumas
características que permitem esboçar uma silhueta do que, nesta tese, se chama como tal: a exploração
de procedimentos expressivos que escapam à representação; a fuga de um aprisionamento estético que
propõe interpretações majoritariamente intelectuais; a redução dos materiais coreográficos, ou seja a
simplicidade dos gestos, a incorporação de impulsos de movimentos a partir de fontes inconscientes de
criação; assim como a instauração de dinâmicas processuais, que ampliam vertiginosamente as
possibilidades de significação. Esses seriam apenas elementos iniciais para compor uma das noções
aqui propostas.
Isso implicaria em uma dramaturgia em que o corpo prevalece às outras matrizes expressivas,
ou seja, ao tempo referencial, personagens, histórias, figurinos e adereços figurativos que enfatizam a
exploração de situações reconhecíveis e reforçam a representação. Uma dramaturgia não descritiva,
nem tão pouco evocativa, mas uma possível dramaturgia de presença, que propõe, através da
corporeidade, instaurar dinâmicas relacionais entre o artista, o meio ambiente e a plateia.

72
No original: « [...] la notion derepresentation implique qu’il y ait unité de lieu et de temps .L’attitude performative
développe la necessite de ces deux paramètres pour povoire faire acte même si elle les dépasse par son essence
situationnelle. En effet, cette essence situationnelle prende n compte la nature du lieu et du temps en fonction de la réalité
qui se vit ici et maintenant. De plus, l’attitude performative vient bouleverser la notion de representation lorsque celle- ci
est comprise comme la répetition inlassable d’un même présent ».
119

Brown trata o corpo e a movimentação de seus bailarinos como ignições particulares,


esvaziadas de significações. Suas coreografias transportam o público para um lugar desconhecido.
Como a própria coreógrafa escreveu:

[...] o resultado da coreografia, que vai além daquilo com o que a audiência está
familiarizada, é o que você descobre que pode fazer e quais são as suas
limitações pessoais. Com isso, advém a possibilidade de fazer aquilo que não é
interessante para o seu público e que nunca, até então, foi pensado ser aceitável
para um público. Existe também a questão da relação entre o público e o
performer (BROWN apud BURT, 2005, 11, tradução da autora).73

Segundo Fischer-Lichte, o performativo envolve a produção de algo que é, ao mesmo tempo,


autoreferencial e instaurador de realidade (FISCHER-LICHTE, 2008, p. 24-25). Ao observar o trabalho
desenvolvido por Brown, é possível reconhecer tal traço, a relação entre performativo e presença, e
perceber que existe uma tensão latente entre a autorreferencialidade de seus bailarinos e a realidade que
emerge a partir de suas coreografias. Autora de uma dramaturgia da presença, o que importa é perceber
os desdobramentos que podem surgir dessa ambivalência.
Vale ainda esclarecer que presença, nesse caso, não significa somente plenitude. De fato, nos
referidos trabalhos de Brown é possível perceber a presença, mesmo em situações esvaziadas de
movimento e descoladas de qualquer referencial de tempo e espaço. Tal presença pode ser considerada
plena de espaços vazios, de espaços aptos a serem ocupados e preenchidos por aquilo que o públicoe o
bailarino desejarem. Presença de corpos pungentes, geradores de experiências, como nas palavras de
Navas, “[...] corpos estruturados por significados, corpos que são mapas de conteúdos e, portanto, de
significação, elaborando-se metáforas corporais frente a nossos olhos” (NAVAS, 2010, s/p). Presença
que busca diminuir as noções da função mimética nas artes da cena, provocando uma ampliação
perceptiva, gerando “ilhas de sentido” que se posicionam além da interpretação e tentam captar o
performativo em sua sensorialidade.

4.5 As Ilhas de Sentido

73
No original: “The result of choreography that goes beyond what the audience is familiar with is that you find out what
you can do, and what your personal limitation edges are. In that arises the possibility of doing that, which is not
interesting to your audience, not up until now thought of as acceptable to an audience. There is also a question of the
tension in the relationship between an audience and a performer”.
120

A fim de mais bem se desenvolver esse ponto, Gumbrecht será novamente utilizado, mas, nesse
caso, ele funcionará como gerador de uma ampliação conceitual.

Como já observado, para Gumbrecht (2010), a Cultura de Presença remete a uma dimensão não
hermenêutica e autorreferencial. Nesta tese, associou-se tais aspectos com a ênfase sobre as
experiências que ressignificam o lugar comum, renegociando percepções espaciais pela construção de
atmosferas que criam, por sua vez, confluências entre o espaço individual do dançarino e o espaço
coletivo da cena, assim como o do público e o do meio ambiente. Já a Cultura de Sentido é vista por ele
como hermenêutica, portanto mais ligada à reprodução consciente de significações já estabelecidas, por
meio da qual emerge uma associação fundamental entre consciência e temporalidade.
Uma vez colocadas essas diferenças e especificidades, um esclarecimento se faz necessário.
Utilizando-se como referência artística as obras mencionadas de Trisha Brown, aqui, a noção de
sentido, ao mesmo tempo que encontra uma sintonia direta com teóricos como Gilles Deleuze, em a
Lógica do Sentido (2007), implica também em uma reconsideração terminológica, no que diz respeito
às elaborações de Gumbrecht (2010).
É importante considerar que tal sintonia e reconsideração terminológica emergem do foco desta
tese, ou seja, da produção de sentido que permeia e é gerada pela dramaturgia na dança. Esse ajuste
implica em uma certa inversão. De fato, nesta pesquisa, todos os aspectos associados pelo autor alemão
à noção de presença são vistos como geradores de sentido. Ao mesmo tempo, o que Gumbrecht nomeia
como sentido é visto aqui como significação ou dimensão produtora de significados.
O ajuste terminológico em questão conta também, como já observado, com o suporte das
elaborações do filósofo Gilles Deleuze feitas sobre a noção de sentido. Para ele, o sentido é
caracterizado pela negação de dualidades, fato que envolve possíveis entrelaçamentos entre uma série
de paradoxos. O paradoxo cumpre uma função fundamental de deslocamento no processo de produção
de sentido, segundo Deleuze: “[...] ele (o paradoxo) é a subversão simultânea do bom senso e do senso
comum [...]. É aí que se opera a doação de sentido, nessa região que precede todo bom senso e o senso
comum” (DELEUZE, 2007 p. 81).
Em Deleuze, a produção de sentido, por meio da exploração de paradoxos, subverte o bom senso
e o senso comum, materializando o que ele chama de forças invisíveis, destruindo os clichês e
provocando uma quebra no já sabido. A subversão do bom senso e do senso comum, assim como a
destruição dos clichês, ao se valer da materialização do que ele denomina como forças invisíveis que
121

atravessam o corpo, constituem processos que podem ser associados à produção de sentido visto como
instância que envolve a emergência de qualidades expressivas autorreferenciais. Todos esses aspectos
estão em sintonia com a noção de presença em Gumbrecht e também podem ser reconhecidos nas obras
de Brown examinadas neste capítulo.
Ao refletir sobre o sentido, uma das implicações que podem ser reconhecidas está relacionada ao
papel que a sua produção exerce na instauração de experiências. Jorge Larossa Bondia, em seu artigo
Notas sobre a experiência e o Saber de Experiência, propõe pensar sobre a educação a partir do par:
experiência/sentido. Ele nota que “[...] as palavras produzem sentido, criam realidades e, às vezes,
funcionam como potentes mecanismos de subjetivação” (BONDIA, 2002, p. 20). O que Brown propõe,
em muitas de suas experimentações coreográficas, pode ser associado ao pensamento de Bondía.
Ao analisar as obras da coreógrafa norte-americana é possível perceber a dramaturgia da dança a
partir desse mesmo binômio, pois, no caso da dança de Brown, não somente as palavras funcionam
como potentes mecanismos de subjetivação e geradores de sentido, mas principalmente as estruturas
dramatúrgicas envolvidas nas construções corporais, seus ready mades corporais, ou coreografias,
assim como suas elaboradas composições cumulativas de movimentos e gestos, são fontes fluídas de
experiência.
O que ocorre, desse modo, é que embora Brown não busque fazer sentido, ao contrário, ela faz
jus ao título neo-duchampniano atribuído por Sontag (1987), escapando da lógica dominante da
hermenêutica de interpretação, a subjetivação e o sentido são gerados e emergem ainda que
involuntariamente em seu trabalho. Assim, suas obras estão repletas de experiências, que buscam ser
esvaziadas e reduzidas ao extremo, a favor do movimento mais puro e orgânico do corpo humano. Suas
peças são tomadas pela presença dos movimentos, dos silêncios, do espaço e dos artistas em cena,
criando uma presença pungente, que lida com a ambiguidade da frustração, do prazer deliberado, de
não fazer sentido vistos como liberdade infantil, lúdica, de brincar com os sentidos.
A partir das considerações feitas acima, pode-se observar que a produção de sentido emerge de
maneira potente de seus ready mades corporais e de suas dramaturgias de presença. Em Brown, cada
obra é um microcosmo autônomo, que funcionam como “ilhas de sentido”.

4.6 Adendo ou Resquícios Coreográficos


122

Embora a proposta original desta tese tenha se comprometido a analisar somente duas obras dos
ciclos iniciais de Trisha Brown, a tentação de ir além e percorrer sua produção mais tardia foi
irresistível. Desse modo, antes de encerrar tal capítulo, sabendo que a discussão que ele promove se
encontra longe de ser encerrada, aqui se faz um breve desvio, incluindo uma experiência pessoal da
autora como espectadora de ensaios, bem como de uma apresentação de obras selecionadas de Brown.
No repertório de uma curta temporada apresentada no Teatro Alfa, em São Paulo, em setembro
de 2013, o público presente teve a oportunidade de assistir a quatro obras de períodos distintos da
Trisha Brown Dance Company (TBDC). Na primeira, Les Yeux et l’âme (2011), obra mais recente do
repertório apresentado, vê-se um painel gigante com um desenho de Trisha que se assemelha a uma
garatuja infantil em preto e branco. Em cena, oito bailarinos, ao ritmo da trilha de Pigmaleão de Jean-
Philippe Ramaeau, constroem com seus movimentos, garatujas corporais que dialogam delicadamente
com o desenho do cenário. Em solos e duos precisos e bem-acabados, Brown desenha pelo espaço
estruturas leves e fluídas, que vão se formando e se desmanchando, continuamente, para os olhos e para
a alma.
No segundo balé da noite, Water Motor (1978), –dançado pelo bailarino Neal Beasley,
concebido originalmente como um solo realizado pela própria Trisha Brown e imortalizado no filme de
Babette Mangolte74, o público é arrebatado em apenas quatro minutos. Sem nenhum acompanhamento
musical, o solo icônico de Brown tem uma velocidade fascinante, que não nos permite perceber quando
começa e quando termina um movimento, criando numa longa e única frase, um pequeno monólogo
coreográfico.
Já em Foray Forêt (1990)75, Trisha Brown propõe um espetáculo psicodélico. Bailarinos
vestidos em figurinos de lamê furta cor, criados por Robert Rauschenberg (que também assina o
cenário tendo sido um de seus maiores parceiros criativos) começam a dançar em silêncio, entrando,
saindo, atravessando o palco, construindo formas geométricas, desenhando percursos variados. Aos
poucos o público começa a escutar o som de uma fanfarra ao longe. A princípio tem-se a sensação de
que um som vaza pelas paredes do teatro e invade o espetáculo. Cria-se um desconforto na plateia,
ouve-se um burburinho, pessoas olham para os lados, cochicham espantados. Aos poucos, a banda
começa a aproximar-se e, em um determinado momento, tem-se a impressão de que os músicos tocam
de dentro da coxia do teatro. Os bailarinos, indiferentes, seguem suas coreografias e, em alguns
74
A artista franco-americana Babette Mangolte filmou e fotografou inúmeras performances de Trisha Brown, imortalizando
muitas de suas obras.
75
Se traduzido ao pé da letra, o título é bilíngue e ambíguo, pois foray, do inglês, significa “investida”, “aventura”; e forêt,
do francês, significa “floresta”.
123

momentos, seus passos parecem coincidir com o ritmo da música; em outros, acompanham sua própria
entonação. A banda, que em cada país é convidada a tocar seu repertório nativo, no espetáculo
brasileiro variou, alternando notas de O Guarani e Trem Caipira, de Villa-Lobos, com músicas pop
internacionais. Ao fim da obra, os músicos aparecem em frente à entrada principal do teatro em seus
uniformes, dando um show à parte.
Intervalo de vinte minutos, o público retorna, ainda fascinado com a banda juvenil para a quarta
e última parte do espetáculo. Set and Reset (1983) peça que comemorava trinta anos e foi a cereja do
bolo dessa noite. Com cenário e figurino novamente de Rauschenberg e música de Laurie Anderson: a
trindade estava formada. Em vinte e cinco minutos, música, vídeo, instalação visual e dança se
integram completamente, provocando um estado de suspensão quase meditativo, mas ao mesmo tempo
extasiante, num espetáculo lúdico e bem-humorado, reunindo aspectos de sua trajetória: o desafio da
gravidade, a movimentação cotidiana, o virtuosismo e a velocidade característicos do vocabulário de
Brown.
Os resquícios coreográficos que permeiam a obra de Brown – quando vistos a partir da
etimologia da palavra espanhola “resquício”, que significa “abertura entre a porta e a dobradiça” –
remetem, de fato, a aberturas, frestas entre o movimento cotidiano, corriqueiro, casual e o movimento
circular, esteticamente coreografado, reconhecidos e recebidos como dança, que podem ser
vislumbrados entre a porta e a dobradiça, quando se consegue enxergar através dela.
A partir das elaborações feitas por Gumbrecht e Deleuze, pode-se pensar sobre a instauração de
sentido como a criação do que poderia ser visto como um “espaço entre”, um lugar transitório, de
tensionamento, no qual o sentido materializa uma presença e a presença instaura o sentido, como uma
espiral que nunca se fecha, uma dramaturgia dinâmica que se propõe como um presente contínuo.
124

QUINTO CAPÍTULO

Sandro Borelli: Dramaturgia Da Violência

“Aqui deixo aberta a porta para todos os equívocos, que


naturalmente podem me suceder” (Kafka, 1997, p. 7).

Pensar em dramaturgia de matriz textual pressupõe que ela parta de um texto de origem, no
sentido que emprega Navas (2002), ou seja, um texto que pode ser entendido de diversas formas, tanto
como um material extraído da literatura escrita (dramática ou não-dramática), quanto excertos da
história oral e canções, em contraste com outras matrizes que podem se servir de ignições provenientes
de estímulos pictóricos, sonoros, espaciais, dentre outros...
Recurso utilizado com frequência, não somente no teatro, a adaptação de obras escritas para balés
remete aos librettos dos balés românticos do século XIX, que continham detalhada descrição dos
espetáculos, cena por cena, e eram também vendidos ao público com o objetivo de orientá-los em
relação à história dançada.
De fato, os escritos poético e teatral vêm, há séculos, inspirando coreógrafos. Em uma brevíssima
linha do tempo é possível citar alguns exemplos como: Giselle (Paris, 1832), coreografia de Jean
Coralli e Jules Perrot para o libretto de Theophile Gautier e Jean Coralli; Coppelia (Paris, 1870),
coreografado por Arthur Saint-Leon, a partir do conto de E.T.A. Hoffman; Scheherazade (Paris, 1910),
coreografia de Michael Fokine, para o libretto de Alexander Benois, Leon Bakst e do próprio Fokine.
Avançando para os balés mitológicos de Martha Graham, em Night Journey (Nova Iorque, 1947), por
exemplo, a coreógrafa norte-americana reinterpreta o mito grego de Édipo e Jocasta, passando por May
125

B (França 1981), homenagem ao escritor Sammuel Becket, coreografada por Maguy Marin. E, ainda,
para utilizarmos exemplos mais próximos da cultura brasileira, Sem Lugar (2002), obra do Grupo
Primeiro Ato inspirada na poesia de Carlos Drummond de Andrade; O Beijo (2008), da Cia Nova
Dança 4, inspirado na obra de Nelson Rodrigues; assim como Diadorim (1974). do Balé Stagium, a
partir da obra O Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa; dentre outros inúmeros exemplos que
poderiam ser citados.
Neste capítulo, será analisado um caso em que um coreógrafo desenvolve suas criações a partir
de obras literárias produzidas pelo mesmo autor: Sandro Borelli coreografando Franz Kafka. A escolha,
além de aproximar esse estudo de uma realidade da pesquisa em dança contemporânea no Brasil, se
justifica em função das especificidades da construção dramatúrgica de Borelli, cujas semelhanças e
diferenças em relação aos dois estudos de caso examinados anteriormente ampliarão o horizonte deste
trabalho.

5.1 Sandro Borelli e um Tríptico para Kafka

“Nunca presto atenção aos preâmbulos”, afirma a menina Bürstner à personagem K em O


Processo (Kafka, 1997, p. 20). Assim se configura a dramaturgia de Sandro Borelli, crua, direta ao
ponto, sem preâmbulos. Pouca luz, pouco cenário, pouco figurino. E, poderia-se pensar: pouca dança?
Autor de um repertório coreográfico consistente, Borelli está à frente de sua companhia há mais
de 15 anos76. Dono de uma linguagem autoral que valoriza a economia de recursos cênicos e favorece o
diálogo constante com outros autores, sejam eles provenientes da literatura, da poesia ou das artes
visuais, Borelli constrói a partir do movimento. Em suas obras, a inspiração vem da interlocução com
outras interfaces; é o seu corpo e o corpo de seus bailarinos que falam em primeiro lugar.
Embora Borelli seja, especificamente, um artista da dança, ao analisar as criações do coreógrafo
paulistano, ex-bailarino do Balé da Cidade de São Paulo, com passagens também pelo teatro do Balé
Guaíra e pelo Ballet Ópera Paulista, é possível perceber que seu modelo de trabalho se assemelha, de
certo modo, ao proposto por Bertolt Brecht. Guardadas as diferenças – certamente o trabalho do
dramaturgo alemão vai muito além de suas realizações artísticas, suas obras teóricas tem igual ou maior
valor e alcance universal, enquanto Borelli atua somente na esfera artística e em dimensões
significativamente mais restritas – se entendermos a evolução do conceito de dramaturgia na prática
76
Fundada em São Paulo, no ano de 1997 com o nome de FAR-15, em uma referência ao fuzil AR-15, à arte enquanto
guerrilha, sob a direção de Sandro Borelli e Sônia Soares. Passou a se chamar Borelli Cia de Dança em 2003 sob a direção e
coreografia exclusiva de Sandro Borelli, e em 2014 mudou seu nome para Cia de Dança Carne Agonizante.
126

teatral, a partir dos pressupostos brechtianos, poderemos perceber, de forma mais precisa, como se dá a
dramaturgia da dança na obra aqui referida, da Cia Borelli de Dança, entendendo-a em seu universo
criativo particular.
Ao analisar a obra de Borelli, é possível deparar-se com um denso novelo de referências. A
literatura certamente é uma das mais evidentes, não somente Kakfa, mas o poeta Augusto dos Anjos e o
guerrilheiro Che Guevara são constantemente revisitados em suas obras e formam, segundo o texto de
apresentação do site oficial do grupo, “o arcabouço filosófico-intelectual da companhia” (CIA CARNE
AGONIZANTE, 2015). Sua busca pela construção de uma identidade artística através de uma pesquisa
de linguagem, que desemboca na criação de uma poética muito particular, é bastante singular e vem se
solidificando progressivamente em seu percurso como criador.
Todavia, é fundamental compreender que esse percurso, de construção de uma companhia estável
de dança contemporânea no Brasil, é irregular e não-linear, portanto instável. Desse modo, o olhar
deste capítulo, que procura uma dramaturgia específica, a dramaturgia de Borelli, está constantemente
pronto para uma mudança de foco. Ao assistir aos seus ensaios e ler atentamente os livros de Kafka,
emergiram várias pistas que auxiliaram significativamente essa análise, relativa a um criador vivo e em
pleno exercício de sua criação, que se mostrou aberto para dialogar e até mesmo refletir sobre sua obra.
Em seu extenso diálogo com a obra de Kafka, Borelli levou para a cena sete obras inspiradas em
seus textos originais77. Nesta tese estuda-se a chamada Trilogia Kafka, composta por coreografias
inspiradas em A Metamorfose (2002), Carta ao Pai (2006) e O Processo (2003). Essa escolha se
justifica por acreditar que tais obras revelam articulações dramatúrgicas específicas, o que de certo
modo lhes confere uma dimensão única que pode remeter a uma espécie de “tríptico coreográfico”. Ao
contrário da noção de trilogia, que prevê uma sequência, três obras sucessivas que dão desdobramento
a um tema, um tríptico – tendo como base também os trípticos produzidos no campo das artes visuais –
seria uma obra em moldura única, mas que se reparte em três peças diferentes e complementares. No
entanto, aqui, diferente de Jewels, obra de Georges Balanchine criada para o New York City Ballet, em
1967, que foi pré-concebida em forma de um tríptico coreográfico, as três coreografias de Borelli
foram criadas separadamente, em anos distintos, sendo que essa moldura única de trilogia foi atribuída
a posteriori.
Embora tenham sido selecionadas apenas três obras, ao analisar minuciosamente todo o
repertório coreográfico de Borelli (algo em torno de dezenove obras), é possível percebê-las como uma
77
A Metamorfose (2002); O Abutre (2003); O Processo (2006); Carta ao Pai (2003); Kafka in off (2007); O Artista da
Fome (2008) e Colônia Penal (2013).
127

única obra. O próprio coreógrafo enxerga suas criações como um continuum, dividido em dezenove
capítulos (BORELLI, 2012). Aqui, portanto, serão analisados somente três deles.

5.2 Em Busca de uma Dramaturgia Particular

Ao contrário de alguns coreógrafos da sua geração, Borelli não costuma ter um parceiro
dramaturgista, ele se encarrega sozinho da coreografia, da encenação e da direção de sua companhia.
Considerando-se ele próprio o dramaturgista de suas obras, o coreógrafo afirma não sentir falta de um
interlocutor, de um olhar de fora. Ao contrário, para ele a solidão é uma condição vital durante o seu
processo de criação. De fato, Borelli alega não gostar nem mesmo de saber o que os bailarinos pensam,
quais são as suas opiniões e sensações a respeito do trabalho (BORELLI, 2012).
No entanto, esse espírito centralizador não implica em uma não participação de seu elenco na
criação. “Borelli dá um estímulo, o bailarino reelabora, o coreógrafo põe um ponto final (…) ele não
abre mão de sua assinatura” (FERNANDO, 2009, p.54). Embora mantenha esse comportamento
aparentemente monopolizador, segundo um de seus colaboradores mais frequentes, o bailarino,
Roberto Alencar78, a parceria coreógrafo/bailarino com Borelli se dá de forma altamente colaborativa.
O coreógrafo cria no corpo de seu intérprete, a partir de suas possibilidades, que são testadas e
exploradas ao extremo.
No que diz respeito ao diálogo com outros elementos cênicos, tais como a cenografia, o figurino,
a trilha sonora e a iluminação, eles são considerados menos importantes, pois, para o coreógrafo, eles
vêm depois da montagem coreográfica; o movimento vem sempre em primeiro lugar (ALENCAR,
2013). Embora Borelli já tenha trabalhado em parceria com outros artistas, por exemplo, os
iluminadores Iacov Hillel e Domingos Quintiliano, ambos parceiros de Borelli em mais de uma de suas
criações, atualmente o coreógrafo tem preferido centralizar todas as funções em si próprio e, mesmo
quando criados por cenógrafos colaboradores, os cenários de seus espetáculos normalmente se valem
apenas de alguns objetos de cena, invariavelmente localizados na caixa preta; assim como a luz, que
tende a ser bastante sombria, sem muitos efeitos e sem cor.
No entanto, ainda que tais elementos sejam visivelmente programados para não atrair atenção,
para não distraírem o público daquilo que, para o autor, é certamente o principal, ou seja, a dança, seus
78
Roberto Alencar é ator e bailarino, integrou o elenco da companhia de Borelli de 1999 até 2010, retornando
eventualmente para projetos específicos e atuando também como ensaiador e assistente de coreografia em diversos
trabalhos.
128

cenários e iluminação acabam, muitas vezes, produzindo um efeito contrário, chamando atenção
justamente por conta de sua austeridade e aridez.
Em relação à trilha sonora, existe uma busca de descolamento, de não dependência; a coreografia
não depende da música. De fato, o coreógrafo afirma gostar de alterar as músicas durante os ensaios
(BORELLI, 2012), emprestando trilhas de espetáculos anteriores, revezando-as. Assim, longe de
possuir uma função ilustrativa ou de acompanhamento para os movimentos – embora permaneça
muitas vezes como uma paisagem sonora, automatizada em um fluxo constante e até mesmo monótono
– ela se converte em mais uma camada dramatúrgica; mesmo caminhando paralelamente à dança, as
trilhas sonoras intensificam o potencial expressivo de seus espetáculos.
Quanto aos figurinos, especialmente nessa trilogia kafkiana, ele é proposto em tons preto e cinza,
e as roupas são cotidianas: calças, camisas, casacos e sapatos, geralmente artigos masculinos, utilizados
tanto pelos homens quanto pelas mulheres, que compõem seus elencos. De forma semelhante, nas três
obras que serão analisadas, essas roupas de cena colaboram para a construção de uma androginia em
seus personagens. Se, por um lado, tal escolha pasteuriza e homogeneíza seus bailarinos, por outro, ela
promove uma liberdade de interpretações, visto que torna possível a todos atravessarem e exercerem
todos os papéis existentes dentro de cada espetáculo, a partir também do que o próprio público percebe
em suas leituras individuais.
Desse modo, os vários elementos que compõem cenicamente suas obras, embora sejam escuros e
opacos, buscam paradoxalmente uma estética de quase transparência. O movimento ganha dimensão de
predominância absoluta, ele atravessa as barreiras de luz, dos figurinos, dos acessórios, sobrepondo-se
em um primeiro plano, transformando-se na voz que fala mais alto, mais do que as outras vozes que
compõem a polifonia coreográfica de Borelli, produzindo, o que pode ser considerada, uma consistente
dramaturgia do movimento.
Antes de prosseguir pelo universo kafkiano de Borelli, aquele dos ambientes sombrios, da
movimentação sobreposta, de sons alternados em sinfonias clássicas e barulhos obscuros, cabe colocar
outra questão. Poderia toda obra coreográfica, cuja predominância é o movimento, ser definida dentro
de um parâmetro único, cujo pressuposto envolveria uma dramaturgia do movimento? Essa discussão é
extremamente importante, pois ela implica na reflexão sobre as aproximações entre dança e
dramaturgia do movimento. Seria o movimento o elemento catalisador de todos os outros componentes
(figurino, cenografia, trilha sonora...), ressignificando-os dinamicamente?
129

Sem o intuito de uma resposta a todas essas indagações, há que se observar que, assim como é
possível perceber uma inumerável quantidade de dramaturgias, como foi visto na lista de tipologias, no
segundo capítulo, é possível também vislumbrar uma pluralidade de dramaturgias do movimento, não
necessariamente e somente associadas à dança. Nas artes da cena, tem-se como exemplo espetáculos
teatrais de qualquer gênero, desde os mais realistas até os mais abstratos, passando-se pelo teatro físico,
pela mímica, pelo circo-teatro etc. Essas manifestações envolvem processos em que movimentos são
tecidos, articulados, e transformados.
Sendo assim, problematiza-se ao mesmo tempo. a noção de dança e de movimento. De fato, se,
por um lado, a dança pode levar a uma percepção mais ampliada de movimento, por outro, seria redutor
ver a dramaturgia de movimento meramente como sinônimo de dança.
Desse modo, a reflexão segue em torno da possibilidade de se perceber as variações e as
especificidades da(s) dramaturgia(s) de movimento; e de que maneira as coreografias kafkianas de
Sandro Borelli poderiam colaborar para esse entendimento.

5.3 Dramaturgia da Violência

Deleuze e Guattari (1977) observaram uma multiplicidade de entradas possíveis que dão acesso à
literatura kafkiana. Para a dupla de filósofos franceses, ela materializa rizomas e pode ser vista como
uma toca onde múltiplas são as formas de ingresso. Borelli escolheu o corpo como meio de acesso a
esse conhecimento. Certamente, um coreógrafo que se propõe a dialogar com a obra densa e sinuosa do
escritor tcheco precisa fazer essa leitura por meio da pesquisa de movimento. No entanto, também o
corpo, estrutura ímpar do ser humano, é rizomático, tendo também suas diversas tocas e possíveis
acessos.
Passear entre as obras kafkianas de Borelli é transitar pelo subsolo da dança. Borelli faz jus ao
rótulo de enfant terrible, de coreógrafo underground, mas não se trata aqui de reforçar a sua fama de
criador difícil e genioso. O subterrâneo está presente em suas escolhas dramatúrgicas, que funcionam
como as tocas de Kafka. A luz é pouca, mas não escura; a movimentação é árida, mas não é pouca; o
figurino é frio, mas não sufoca. A atmosfera é densa, como em um anoitecer em pleno inverno tcheco.
Pode-se dizer que Borelli resiste às tentações de concessão. Se Kafka não abre concessões em sua
literatura, o coreógrafo paulistano também não as abrirá. Borelli, assim como Kafka, se nutre de sua
própria dor: “não me alimento do triunfo. Vou ao meu porão, ao meu calabouço” (BORELLI apud
130

FERNANDO, 2009, p. 55). Percebe-se, nesse tríptico subterrâneo, um condensado de forças, um


discurso rouco, pessoas solitárias, silêncio.
As narrativas animalistas de Kafka, literatura marginal e angustiada, propõem questões que são
desenvolvidas no percurso deste capítulo: de que forma tais características existem nos corpos que
dançam na Companhia de Borelli? De que maneira a obra de Kafka está presente nessa dramaturgia do
movimento?
A dança, nesse tríptico pesquisado, resiste a momentos nos quais os corpos são interditados,
corpos que se tocam, muitas vezes apenas pelo contato de suas roupas, que, por sua vez, trocam de
corpos. O palco pode ter espelhos como em O Processo, bancos ou cadeiras como em A Metamorfose,
mas está vazio. Plenamente vazio, mas não esvaziado de significação. Um vazio que pode ser
preenchido por tudo aquilo que o espectador nele projetar, pois essa dramaturgia do movimento é
flexível e porosa. Assim, o espectador pode preenchê-la com suas próprias narrativas, coincidindo, ou
não, com as narrativas de Kafka e as de Borelli.
Não se tratam, nesse tríptico, de obras confortáveis, envoltas por uma beleza plástica apolínea,
como nos espetáculos de balé neoclássico, por exemplo. O desconforto das trilhas sonoras, muitas
vezes compostas por ruídos e sons não-familiares; o tempo e o espaço dilatados dos movimentos, que
insistem em uma linearidade monocórdica; assim como os objetos de cena que, isoladamente, seriam
inofensivos ou até inexpressivos, insistem em pisotear, carregar e derrubar seus bailarinos, tornando-os
brutais, assim como a vida que brilhantemente Kafka nos mostra em Carta ao Pai, A Metamorfose e O
Processo.
A dramaturgia emerge, nesses casos, de forma violenta, não apenas como recurso espetacular,
mas em função da contundência do que é construído em cena, pela parceria gerada entre o artista e o
público – este último, iniciado ou não na obra de Kafka – que, por sua vez, serve de estímulo, embora
não seja pré-requisito, para leitura desse texto cênico em particular, que não se vale de referências, nem
mesmo de citações do autor tcheko nos programas do espetáculo.

5.4 Corpos Interditados ou A Violência da Dramaturgia

Como pode se dar a percepção do movimento quando ele é interditado? Em A Metamorfose


(2002), primeira incursão de Borelli no universo de Kafka, no primeiro duo que abre o espetáculo, após
131

um solo inicial, dois homens ocupam o espaço do outro, um corpo tentando ocupar o corpo do outro,
como massa de modelar. Dois corpos que, ao mesmo tempo, conduzem e são conduzidos, em uma
espécie de contato que não é o improvisado. 79 Aqui, o movimento emerge justamente da interdição.
Mas, ao contrário de um desconforto na execução coreográfica, é justamente pelas dificuldades de
movimentação que o público percebe a fluidez dos movimentos. Controladamente, os dois bailarinos
vão se “devorando” assim como a “barata devorou o homem” – no romance de Kafka (1997) –
provocando um misto de estranhamento e sensualidade, definindo o tom que permanecerá durante todo
o espetáculo. Se cada dramaturgia contém as suas regras, as regras de Borelli incluem sempre um
elemento de dificuldade.

Figura 45: Sandro Borelli e Roberto Alencar em A Metamorfose, 2002. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia
Carne Agonizante, 2015.

Zumbidos de animais se misturam a um texto narrado em off. Ora incompreensíveis, as palavras


soam como uma receita de comida: “azeite, 100 kilos de cansaço”. O cansaço não é disfarçado; ao
contrário, com o decorrer do espetáculo, os bailarinos ficam nitidamente extenuados. Desse modo,
torna-se perceptível que a dramaturgia do movimento, em Borelli, não implica somente em uma
79
Alencar (2013) explica que não havia espaço para improvisação em A Metamorfose, pois o espetáculo foi todo
coreografado, de forma a não abrir brechas para o improviso.
132

demonstração de técnica e expressividade, ela inclui também imobilidade, pausas, dificuldade e fadiga.
Nesse caso, emerge uma nova questão que, por ora, permanecerá em suspenso, ou seja: em que medida
se pode reconhecer nessas explorações, com níveis de dificuldades diferentes, um correspondente do
conflito, aspecto esse central na criação de textos dramáticos?
O tempo passa lentamente em A Metamorfose, de Borelli, alternando momentos de danças
coreografadas, em solos ou em duos, com o coro de bailarinos, formado, às vezes, por um trio; outras,
por um quarteto. Bailarinos ora leves, ora grotescos, em busca de um devir animal, servem-se e são
servidos de pão e leite, “devorando-se” e sendo “devorados” violentamente, numa estética que permite
ao corpo movimentar-se com dificuldade, ou nitidamente com interdição.

Figura 46: A Metamorfose, 2002. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia Carne Agonizante, 2015.

5.5 Sobre Sentido e Significado

Examina-se, nessa parte, a Trilogia Kafka, de Sandro Borelli, analisando-a tanto em função de
suas vicissitudes autorais, quanto pela possibilidade de, ao tratar de casos concretos, observar de que
133

modo a dramaturgia na dança pode produzir significações, ou seja, significados e sentidos. São diversas
as faces da dramaturgia que podem ser apontadas como potências catalisadoras para a construção
desses planos de significação. Esse aspecto é gerador, por sua vez, de outros desdobramentos, que
envolvem a própria noção de sentido. Aqui, trabalha-se a conceituação de sentido como aquilo que
transcende o significado, que está mais ligado ao universo sensorial e perceptivo do que ao campo
intelectual e racional. Enquanto o significado apreende todas as manifestações expressivas que podem
ser imediatamente decodificadas, verbalizáveis, o sentido diz respeito a outras manifestações
expressivas, intimamente relacionadas com o indizível. Ou, nas palavras de Deleuze, “[...] não
perguntem pois, qual é o sentido de um acontecimento: o acontecimento é o próprio sentido” (2007, p.
23).
Falar sobre o entrelaçamento entre significado e sentido implica em ampliar a discussão tanto
para a dimensão do “quê”, quanto para a esfera do “como”. A técnica dos bailarinos, a movimentação
que vem do corpo, jamais é simplesmente técnica; ela fala, também, por meio de suas ações adjacentes,
de suas pausas, de seus respiros e repousos. Ao mesmo tempo, um corpo catalisa e produz emanações
expressivas que jamais se esgotam, provocando, assim, muitos tipos de “fissuras”. Essas “fissuras”
remetem a muitas elaborações, como, por exemplo, aquela feita por Barthes sobre a teatralidade:

É o teatro menos o texto, é uma espessura de signos e de sensações que se


edifica em cena a partir do argumento escrito, é aquela espécie de percepção
ecumênica dos artifícios sensuais, gestos, tons, distâncias, substâncias, luzes,
que submerge o texto sob a plenitude de sua linguagem exterior (BARTHES
apud PAVIS, 2007, p. 372).

A dimensão do “como” abre espaço, por sua vez, para a reflexão sobre os materiais. Não somente
luzes, objetos, cenografias, figurinos, mas também como todos esses elementos são articulados e
deslocados pelo fazer dos bailarinos. Como define Bonfitto, “[...] materiais podem ser quaisquer
elementos que adquirem uma função no processo de construção da identidade do próprio objeto”
(BONFITTO, 2002, p. 17, grifos do autor). Todas essas faces, ou ferramentas da dramaturgia, estão a
serviço do coreógrafo e dos bailarinos, para que se possa construir planos de significação.
Em O Processo, por exemplo, não são os movimentos executados pela bailarina solista que dão a
dimensão e a tensão da sua personagem, mas o fato dela os fazer sem tocar o chão, sendo carregada por
todos os outros bailarinos do elenco durante todo o espetáculo.
134

Figura 47: O Processo, 2003. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia Carne Agonizante, 2015.

Essa dramaturgia pode ser geradora de uma violência ímpar, que arrebata a plateia, provocando
golpes. É desse modo que a dramaturgia acontece em algumas obras de Sandro Borelli, contundente e
visceral, gerando uma amálgama entre o texto de Kafka e a cena, sem recorrer a recursos literais de
tradução e sem ser figurativa.
135

Figura 48: O Processo, 2003. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia Carne Agonizante, 2015.

5.6 A Respeito da Atuação

Uma avalanche de questões brota quando se começa a escavar esse material. De que modo o que
fazem esses seres andróginos e homogeneizados – bailarinos de Borelli – pode ser visto como atuação?
É possível perceber o trabalho deles como construção de personagens ou seres ficcionais? Qual é a
importância do coro nos trabalhos de Borelli?
Em Carta ao Pai (2006) existem somente duas personagens, o filho e o pai. Em um documento
autobiográfico de cinquenta páginas, aos trinta e seis anos de idade, Kafka descreve uma espécie de
viagem introspectiva, uma carta que nunca chegaria a ser enviada, cujo desejo de vingança se
confundia com aquele de reconciliação. Uma carta que não é enviada é uma carta sem direito de
resposta. Se Kafka não se propõe, de fato, a estabelecer um diálogo com seu pai, sujeito em carne e
osso, o que pode se estabelecer nessa escrita é uma espécie de monólogo com seu pai interior. Pai e
filho, em uma mesma pessoa, pai e filho, em um mesmo corpo, às vezes mais pai do que filho; noutras,
o inverso. Às vezes metade pai e metade filho.
136

Figura 49: Carta ao Pai. 2006. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia Carne Agonizante, 2015.

Na primeira versão do espetáculo de Borelli – analisada para esta tese por meio de registro em
vídeo, acervo cedido pela companhia – a cenografia de Carta ao Pai é composta por diversos
mancebos80, que, no caso, embora representem apenas cabides para as roupas de cena, adquirem
inúmeras conotações ao longo do espetáculo. Esses mancebos que sustentam espelhos recortados estão
dispostos em um semicírculo, delimitando o palco como pórticos que protegem ou bloqueiam um
espaço.
Ao entrar em cena, um a um, cada bailarino se despe de sua roupa pessoal e veste, em cena, o
figurino do espetáculo. Todos os figurinos são constituídos por trajes pretos, tanto para os homens
quanto para as mulheres. Novamente, os bailarinos transformam-se em seres andróginos e
padronizados.
Instaura-se, inicialmente, uma espécie de jogo de poder. É claro o papel de quem domina e de
quem é dominado a partir das dinâmicas corporais que se estabelecem em duos, mas esse quadro logo
se confunde, tornando-se mais complexo. A sobreposição de corpos que se misturam densamente, mas
sem peso, em duos ou duelos, dificulta a predominância de um sobre outro, poderes são alternados,
amalgamados.

80
Segundo o Dicionário Online, 2015, o verbete mancebo significa: “moço, rapaz, jovem; aquele que vive emancebado,
artista ou oficial assalariado, cabide de roupa”.
137

A dramaturgia desse espaço que é coabitado pelos bailarinos e pelos mancebos constrói uma
atmosfera interna, da casa e da mente. Os bailarinos ocupam esse espaço, fazendo e desfazendo solos,
duos, trios, e momentos corais. Um chapéu muda de cabeças, circulando por todos os bailarinos; às
vezes esse chapéu é oferecido a outro; outras vezes, é tomado. Ele atravessa a cena, vestindo a
carapuça em todos e ao mesmo tempo em nenhum, assumindo e negando suas culpas, suas
responsabilidades.
Culpa e responsabilidade aliás parecem ser temas recorrentes, tanto em Kafka quanto em Borelli
Dedos que apontam, indicam e acusam aparecendo com frequência, num gestual minucioso. Túneis
corporais, por onde, um a um, os bailarinos esgueiram-se para passar, alternados com momentos mais
fluidos e coreográficos, nos quais a obra parece poder respirar.
138

Figura 50: Carta ao Pai, 2006. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia Carne Agonizante, 2015.

Em um determinado momento, bailarinos cantam alguma canção que parece ser uma música
infantil em língua francesa81, mas ao invés de remeter a uma cantiga de ninar, prepara-os para um tipo
de cerimônia ou ritual, que, de certo modo, acontece quando todos se deitam ao chão e desenvolvem,
em coro, uma coreografia, cujos movimentos sincronizados reforçam a ideia de um corpo coletivo, em
que todos os personagens, pai e filho, são partes de um único ser. Se, dentre as funções do coro no
Teatro Grego, pode-se reconhecer a emergência de uma personagem coletiva, que tinha como missão

81
Material trazido por Vanessa Macedo, bailarina e coreógrafa, atualmente diretora da Cia Fragmento de Dança, fez parte
do elenco da Borelli Cia de Dança de 2004 a 2010 (ALENCAR, 2013).
139

cantar as partes significativas do drama, além de ser composto pelos narradores da história, que
revelavam as façanhas dos personagens em canções e danças trazendo seus sentimentos à tona
(CARLSON, 1997), nas obras de Borelli, como nas releituras de Carta ao Pai e de A Metamorfose, o
coro emerge em uma “coralidade difratada” (TRIAU, 2003). Ou seja, uma coralidade que propõe um
esfacelamento do coro:

[...] renunciar o herói e a centralização do protagonista para se encarnar numa


coralidade que faria porta-voz não de um discurso massivo, mas de uma
memória difratada, da circulação de vozes solitárias que se entrecruzam.
(TRIAU, 2003, p. 3).

O público é colocado, assim, diante do que chamo de “pequenos oásis coreográficos”, trechos de
coreografia em grupo que dançam em uníssono, que suavizam a aridez dos solos e duos, aliviando,
temporariamente, os momentos de angústia e solidão. De fato, como aponta a bailarina Renata Aspesi 82
(2013), Borelli não costuma atribuir personagens a seus bailarinos, embora existam momentos que
correspondam a determinados personagens, eles não são fixos, se alternam e se dissolvem entre o
elenco.
Não há psicologização dos seres ficcionais em seu processo criativo. Segundo Aspesi (2013) 83
existe um padrão de construção no trabalho de Borelli, que tem início nas dinâmicas de improvisação
paralelamente à leitura dos textos. A codificação dos movimentos vem depois e, embora a leitura não
seja abandonada, cabe a cada intérprete a manutenção e o aprofundamento individual de sua pesquisa
teórica. Ainda é importante enfatizar que não são atribuídos personagens com correspondência direta
ao texto em questão.
Toda a energia intelectual de Kafka é transformada em Borelli em uma energia corporal que
ocupa todos os espaços, dentro e fora de seus bailarinos. Alencar comenta que Borelli não é um
estudioso, mas um coreógrafo intuitivo: “[...] ele não faz uma ponte intelectual, transfere direto para o
corpo” (ALENCAR, 2013, s/p). Assim como para Artaud, em Borelli o texto não é matriz única do
espetáculo, ele é lido e discutido em um primeiro momento (ALENCAR, 2013), mas não se trata de
uma adaptação da literatura para a dança, nem de uma transposição de obras literárias para o
movimento.

82
Renata Aspesi, bailarina com formação clássica, atuou em companhias na Alemanha e Bélgica, além do Balé da Cidade
de São Paulo. Foi membro da Borelli Cia de dança de 2000 a 2005.
83
Em entrevista concedida à autora, em São Paulo, à 29/11/2013.
140

Desse modo, independentemente de existir uma correspondência direta com os personagens dos
romances de Kafka, utilizados como matrizes para cada espetáculo, o elenco das obras de Borelli atua,
individualmente ou em coros, carregado de teatralidade, incorporando literalmente o texto de origem,
que, nesse recorte, provém do material oferecido pelo autor tcheco, assim como dos materiais pessoais
de cada bailarino e daqueles propostos pelo próprio coreógrafo.

5.7 A Respeito da Encenação

Nunca me encontrei sob o peso de outra responsabilidade que não


fosse a que faziam pesar sob a minha alma, a existência, o olhar e o
julgamento de outros homens (KAFKA, 1997, p. 35).

O Processo, obra estreada em 2003, portanto, intermediária de A Metamorfose (2002) e Carta ao


Pai (2003), é aquela que marca a ruptura da parceria entre Borelli e Soares, e a mudança de nome da
companhia, que, após esse espetáculo, passa a assinar Cia Borelli de Dança.
Na obra, cuja coreografia é mais angulosa e menos circular do que as outras duas, o grito dos
bailarinos é abafado e eles sussurram textos incompreensíveis, novamente em um cenário minimalista.
É possível perceber algumas diferenças importantes em relação às suas obras complementares, o que a
torna, de certo modo, mais um elemento de transição, ou de ruptura, do que de ligação entre as outras
duas que compõem esse tríptico coreográfico.
No início do espetáculo, ouve-se o adágio de Tomaso Albinoni (1671-1751) e uma bailarina está
de costas para o público, na boca do palco, sobre uma pequena caixa de madeira. Um ventilador de teto
circula lentamente durante todo o espetáculo.
Ao contrário das outras peças, em que homens e mulheres não se distinguem, nem em figurino ou
em movimentação, e o coletivo – grupos, trios e duos – prevalece ao singular, nessa obra existe uma
protagonista. Segundo Borelli (2012), essa personagem84 representa a culpa. Ela, em nenhum momento
do espetáculo, toca o chão do palco, sendo carregada pelos outros bailarinos. Ora ela os guia, ora é
guiada por eles. Para o coreógrafo, essa protagonista é o fio condutor da narrativa. Essa preocupação,
segundo Borelli (2012), em ter que encontrar um “fio narrativo” para suas obras, é uma questão que lhe
84
Personagem criada na primeira versão para a bailarina e codiretora da companhia, Sônia Soares.
141

gera muita angustia e está fundamentalmente relacionada a sua concepção de estrutura dramatúrgica.
Nas palavras do coreógrafo brasileiro,

[...] o meu medo, a minha angústia é encontrar o fio condutor do espetáculo. Eu


preciso encontrar o fio, sabe, o que é o espetáculo? Por exemplo, no Che
Guevara (O Estado Independente), estava lento, estávamos pesquisando
bastante, lemos o Manifesto do Marx, lemos sobre o comunismo, o
socialismo... Buscando referências... Mas ao mesmo tempo eu já estava
angustiado, porque estava fazendo aquilo para encontrar o ‘fio’. Até que um
belo dia eu encontrei! Foi um lampião, que iria passar de mão em mão,
iluminando esse caminho. Comecei a pensar nesse lampião como o intérprete
principal da peça. Quando eu encontro esse ‘fio’, fico super feliz, aí eu tenho o
espetáculo, tenho a criação (BORELLI, 2012, entrevista transcrita pela autora).

Em O Processo, a presença de uma personagem feminina, de uma protagonista, que não é


marcada por um casaco, ou um chapéu, como parece ser o caso das duas outras obras analisadas, traz
uma camada a mais para essa encenação, que conta também com um ator convidado, atuando como
uma espécie de narrador onipresente, que conduz os bailarinos, um a um, para o palco, partindo do
fundo da plateia, atravessando-a e chegando à boca da cena.

Figura 51: O Processo, 2003. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia Carne Agonizante, 2015.
142

Em O Processo, Borelli abusa um pouco mais das tonalidades; embora continue valendo-se
apenas do branco e do preto. As nuances entre elas são mais evidentes, fazendo com que a estrutura
dramática desse espetáculo se organize de forma mais teatral do que as outras duas que compõem esse
recorte. Não se trata, no entanto, de uma ruptura em sua pesquisa de linguagem. É possível ainda
reconhecer as marcas de sua coreografia, as mãos que se esfregam, os pés que pisam sobre os rostos,
dedos que apontam, o mesmo desconforto temático que insiste em dançar no escuro, em tratar da
doença, da morte, da injustiça e da solidão. Como aponta Navas, “[...] a morte é tema recorrente na
companhia, mas quem fala da morte, fala da vida, mesmo que seja em silêncio” (NAVAS apud
FERNANDO, 2009, p. 66).
Desse modo, em O Processo, as escolhas cênicas de Borelli se destacam de modo particular,
fazendo com que esse balé pertença à sua sequência de obras kafkianas, ao mesmo tempo que se
distancia e se diferencia das mesmas.

5.8 A respeito da Pesquisa de Linguagem

Pavis define linguagem dramática como “[...] a composição do texto, de sua direção, completada
e reescrita pela projeção criativa do espectador, decifrador da arte do teatro, desde que ele se preste ao
jogo refinado da decodificação dos signos manifestos no palco” (PAVIS, 2007, p. 229).
Nesse jogo coreográfico, Borelli reivindica a convivência com seus tormentos, de preservar suas
origens proletárias, de falar daquilo que não se quer ouvir. Ele transporta suas angústias e fantasmas
para o palco por meio do corpo de seus bailarinos, e de seu próprio corpo, embora não tenha dançado
em suas mais recentes montagens, em função de uma lesão no quadril. Segundo o coreógrafo:

No começo da minha carreira artística, durante a minha adolescência e parte da


vida adulta, eu morava lá na periferia, em Santo André, pegava o trem todos os
dias para vir fazer aula aqui em São Paulo. E essa imagem operária das
indústrias na via férrea me marcou muito. A neblina, a poluição... isso tudo foi
me contaminando na construção desse artista de hoje (BORELLI, 2012,
transcrição de entrevista concedida à autora).
143

Engajado politicamente, atua como presidente da Cooperativa Paulista de Dança desde 2011.
Autor de obras que buscam sempre um viés provocador, a linguagem dramática de Borelli vem se
consolidando para além de suas obras coreográficas, visto que sua política de criação transcende a
esfera teatral. Idealizador e membro do conselho editorial da Revista Murro em Ponta de Faca85,
Borelli recentemente acrescentou uma nova assinatura à sua Companhia, que agora se chama Cia
Borelli – Carne Agonizante (2015), e se propõe como “arte engajada no viés social/político em São
Paulo” (MURRO EM PONTA DE FACA, 2015).
Seja a partir de obras inspiradas em textos de Kafka ou de Augusto dos Anjos; na pintura de
Ismael Nery; na vida de Che Guevara; na história dos desaparecidos na ditadura brasileira ou nas lutas
de minorias, as coreografias de Borelli, com seu vocabulário característico que explora o peso, o
contato entre os corpos e apresenta um detalhamento minucioso do uso de cada gesto, mantêm suas
cores e seu humor. Assim, uma pesquisa de linguagem estruturada e consistente avança, atravessando
as diversas dramaturgias cênicas, políticas e sociais.
Nesse sentido, é possível perceber como a atuação, a encenação e a pesquisa de linguagem são
partes que compõem uma construção dramatúrgica particular. Como peças de um mosaico, todas as
partes estruturantes vão se conectando para formar uma figura final, ainda que essa figura esteja sempre
se transformando. Uma dramaturgia vai sendo desenhada, ainda que seu desenho tenha formas
transparentes e o que se perceba dela seja sobretudo o seu sentido.

5.9 Dramaturgia como Poética?

Como se sabe, a poética – enquanto substantivo – não diz respeito somente ao domínio teatral,
ela perpassa por vários outros gêneros artísticos e está normalmente associada às particularidades de
um autor e/ou uma escola ou movimento artístico. No entanto, na terminologia usual das artes cênicas,
o que se percebe, muitas vezes, é uma confusão semântica entre as noções de poética e de dramaturgia.
De fato, quando se refere à poética de determinado coreógrafo, o que se busca localizar é a sua
linguagem poética, algo que Pavis define como:

85
A revista Murro em Ponta de Faca conta com sua sexta edição até a presente data. Incluída em projeto da Cia. Borelli de
Dança, contemplado pelo Programa Municipal de Fomento à Dança da Cidade de São Paulo.
144

[...] a insistência na forma, a condensação e a sistematização dos procedimentos


literários, o distanciamento da língua e da comunicação cotidiana, a
consciência, do leitor e do ouvinte, de estar às voltas com um enigma que lhe
fala de maneira individual. (PAVIS, 2007, p. 294).

São aspectos que podem ir além de uma montagem específica e são identificados no percurso de
determinado artista. No caso da dança, a poética de cada coreógrafo está relacionada muito mais à sua
pesquisa de linguagem coreográfica, que se mantém ou se transforma durante o tempo, do que com a
dramaturgia específica de cada montagem.
Aspesi (2012) questiona se a poética tem a ver com a forma e a dramaturgia com o conteúdo. Não
se trata aqui de uma divisão antagônica, em que uma coisa exclui a outra, ou seja, a dramaturgia pode
incluir a forma, e a poética, por sua vez, também pode incluir o conteúdo. De fato, desde os formalistas
russos, dentre os quais, Viktor Chklovsky, Vladimir Propp, Roman Jakobson, forma e conteúdo são
duas faces de uma mesma moeda, duas dimensões indissociáveis e estão presentes tanto na dramaturgia
quanto na poética de determinado espetáculo, o que, de certa forma, justifica a confusão entre as duas
noções.
Desse modo, a dramaturgia está associada à poética, assim como à encenação e à atuação, e tais
noções são tão diferentes quanto complementares. Se “[...] a dramaturgia é invisível para o espectador
porque ela lhe é apresentada sob os componentes estéticos do espetáculo [...]” (PAIS, 2004, 22), a
poética não passa despercebida. Ela é a assinatura coreográfica, resultado da pesquisa de linguagem,
camada visível e nítida de cada obra coreográfica.
Assim, retoma-se a questão: de que maneira a obra de Kafka está presente nessa dramaturgia do
movimento? Ou, expandindo-a, de que maneira as matrizes textuais estão presentes nessa determinada
dramaturgia de movimento? A partir das reflexões desenvolvidas, pode-se reiterar a noção de
dramaturgia como algo flexível que se renova a cada montagem de Borelli. Desse modo, a matriz
textual que pode dar origem a uma criação dramatúrgica deve se ajustar à pluralidade de criações
coreográficas e vice-versa. Deve-se lembrar que o texto escrito está longe de ser a única ou a principal
matriz dramatúrgica, tanto no que diz respeito à dança, quanto ao teatro.
145

Figura 52: O Processo, 2003. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia Carne Agonizante, 2015.

Como já apontado nas releituras de Nijinsky, nos deparamos, novamente, com a questão da
intertextualidade, que, conforme Kristeva:

[...] “designa um transposição de um (ou de vários) sistema(s) de signos em um


outro, mas uma vez que este termo é frequentemente entendido no sentido banal
de “critica das fontes” de um texto, preferimos o sentido de transposição, que
tem a vantagem de tornar preciso o fato que a passagem de um sistema de
significantes a um outro exige uma nova articulação semântica – do
posicionamento enunciativo e denotativo.” (KRISTEVA apud SAMOYAULT,
2013, p.10, tradução minha).86

De acordo com a noção de intertexto em Barthes, há uma diferença entre texto e obra. Para o
filósofo, enquanto o texto está relacionado com a linguagem, a obra pode ser segurada na mão
(BARTHES, 1990). É possível, assim, compreender a noção de dramaturgia a partir de matrizes
textuais, como uma apropriação do coreógrafo de um texto que, por sua vez, é linguagem, e não obra.
A intertextualidade que advém das relações entre os materiais configurativos de um espetáculo é uma
importante chave para a compreensão do que vem a ser uma dramaturgia em dança. Os traços e rastros

86
No original: “[…] désigne cette transposition d’un (ou de plusieurs) système(s) de signes en autre, mais puisque ce terme
a souvant été entendu dans les sense banal de critique de sources d’un texte, nous lui préférons celui de transposition, qui a
l’avantage de préciser que le passage d’un systeme significant à un autre exige une nouvelle articulation de thétique – de la
positionnalité énonciative et denotative”.
146

dos textos originais, que reverberam na poética do autor e nas experiências de cada leitor, formam,
juntos, camadas constitutivas da dramaturgia em dança. E como são muitos esses traços e memórias,
são muitas também as dramaturgias que delas emergem.
Nesse caso particular, o que parece funcionar como elemento agregador dos dois artistas vistos
neste capítulo – Kafka e Borelli – é o que emerge de experiências traumáticas, da memória e da
violência, a partir de uma construção particular de Borelli, que não busca imitar Kafka, mas
transformá-lo, deixando clara sua assinatura poética, aquela que é facilmente reconhecível em todas as
suas obras: uma dramaturgia da violência?
147

SEXTO CAPÍTULO

Entrelaçando os Fios: Eixos, Latências, Aberturas

Na temporada Alfa 2014, Akram Khan apresentará Desh, performance solo


dançada pelo próprio coreógrafo, elogiada como o trabalho mais oportuno e
belo de sua carreira. Seu solo Desh estreou em 2011, em Nova Iorque, e olha
para as histórias que lhe foram contadas na infância, mas a partir da perspectiva
de um homem adulto. O espetáculo mescla com êxito a tradição de Kathak de
contar histórias. O artista se transforma para interpretar vários papéis, com os
recursos técnicos da dramaturgia ocidental (TEATRO ALFA, 2014).

O texto acima, disponível no site do Teatro Alfa da cidade de São Paulo, descreve o espetáculo
Desh, do coreógrafo inglês Akram Khan. Ao afirmar que o artista em questão “[...] se transforma para
interpretar vários papéis, com recursos técnicos da dramaturgia ocidental”, tal texto abre espaço para a
emergência de algumas questões importantes, como a apresentação da dramaturgia na dança
contemporânea, como é possível pensar sobre dramaturgia em tal caso e o que vem a ser uma
dramaturgia ocidental. Mais do que isso, este texto remete a uma das principais questões tratadas desde
o início dessa pesquisa, que vem a ser, em outras palavras, “o que se quer dizer quando se fala em
dramaturgia na dança?”.
A partir do caminho traçado desde o primeiro capítulo desta tese, quando se decidiu olhar para as
estruturas da dramaturgia em suas origens teatrais e performáticas e para a rede rizomática construída
pelos principais mestres da dança moderna e pós-moderna ocidental, foi possível perceber que, embora
tal questão tenha sido proposta no singular, ela comporta respostas no plural. Ou seja, não se trata de
buscar definir uma dramaturgia ocidental, ou seja, definir um estatuto que abarque tal noção, seja ela
relacionada à dança, ao teatro, ou aos gêneros híbridos ou fronteiriços, como a dança-teatro, o teatro-
físico e assim por diante.
No entanto, a utilização da palavra dramaturgia, como pode-se ver acima, para citar apenas um
exemplo, continua sendo utilizada, muitas vezes, de maneira genérica e indiscriminada, frequentemente
148

associada, ou até confundida, com a noção de teatralidade. Assim, a urgência de tal aprofundamento
conceitual se faz necessária.
Frequentemente, entende-se por dramaturgia dispositivos teatrais, que remetem à existência de
personagens, ficcionais ou não, e à construção de enredos, lineares ou não. Nesse sentido, vale retomar,
por um momento, a noção de teatralidade, temática que, por sua vez, também requer uma abertura de
olhares, para não se cair na armadilha de rápidas e genéricas definições.
Se, para Barthes (apud PAVIS, 2007, p. 372), a teatralidade está relacionada com “o teatro menos
o texto”, Cornago (2005) considera que “a ideia de teatralidade salta com facilidade, de maneira
legítima ou não, a outros campos não especificamente teatrais, e por isso, a dificuldade para se chegar a
um consenso quanto a sua delimitação”.
Já Fernandes (2010) assinala a necessidade de se estar atento para a condição polissêmica da
noção de teatralidade. A autora, ao refletir sobre tal conceito, busca definir dois principais vetores na
leitura da teatralidade. Segundo a pesquisadora, o primeiro vetor é aquele da “teatralidade denegada”,
que se apoia na figuração naturalista e nos efeitos do “real”, amparada na construção verossímil da
ação, das personagens, do diálogo (FERNANDES, 2010, p.116). Já o segundo vetor, está em oposição
direta ao primeiro; nesse caso, trata-se da “teatralidade da convenção consciente”, vetor que foge do
real e busca uma reconstrução do espaço cênico, abstrato, fugidio e, por vezes, ritual.
Ainda que não seja o objetivo deste capítulo aprofundar na noção de teatralidade 87, é possível
perceber como é fácil e precipitado confundir as noções de dramaturgia com a de teatralidade, uma vez
que ambas costumam estar intrinsecamente relacionadas, visto que a dramaturgia pode valer-se de
elementos teatrais em sua estruturação, assim como a teatralidade pode se apoiar na dramaturgia, em
muitas situações. No entanto, é importante reforçar que a dramaturgia pode também estar
completamente descolada de aspectos teatrais, como foi visto nas obras de Brown, no quarto capítulo
desta tese.
Considerando um outro ponto de vista, mais ligado à prática, tem sido cada vez mais recorrente,
por exemplo, a presença de dramaturgistas trabalhando em parceria com diretores e coreógrafos. Em
decorrência de tal presença – ou provocando tal presença – na literatura específica sobre o tema tem
ocorrido também um aumento de publicações, ainda que o conhecimento de tal fenômeno e seu
funcionamento plural estejam distantes de alcançar a difusão que merecem.

87
A teatralidade na dança foi tema desenvolvido em minha dissertação de mestrado, defendida na Universidade de São
Paulo, em 2009, posteriormente publicada pela editora Perspectiva, em 2013, sob o título A Poética de Sem Lugar: Por uma
Teatralidade na Dança.
149

Noções de dramaturgia se entrelaçam. Cibele Sastre, por exemplo, propôs em uma breve e
introdutória monografia de 1999, algumas questões interessantes a respeito do tema. Apesar de sua
pesquisa ter apenas levantado tais questões, sem de fato aprofundá-las, Sastre traz à tona a
problemática das diferenciações entre dramaturgia da dança e dramaturgia do corpo, assim como
discute a ideia da existência de dois tipos de dramaturgia que dividiram a dramaturgia da dança. A
partir das propostas de Kerkhoven (1997), ela aponta como eixos principais e dicotomizantes, a
dramaturgia de processo e a dramaturgia de conceito. (KERKHOVEN,1997).
Como os nomes sugerem, para Kerkhoven, conforme já mencionado no segundo capitulo desta
tese, a dramaturgia de conceito estaria relacionada a construções dramatúrgicas previamente
elaboradas, ou seja, quando existe um texto base, seja ele em forma de poema, libreto, música ou outro,
que promove um ponto de estruturação para o trabalho, com uma construção intencional prévia, antes
mesmo do início de seus ensaios. Já por dramaturgia de processo, Kerkhoven entende os trabalhos que
partem do zero, cujos materiais são construídos por meio de improvisos e somente ao final dos ensaios
são definidos (KERKHOVEN, 1997). Paralelamente, Sastre (1999) define dramaturgia da dança como
uma dramaturgia que pode se valer da dramaturgia do corpo, mas que passa necessariamente pela
teatralidade na cena. Já a dramaturgia do corpo seria essencialmente anti-teatral e estaria baseada em
técnicas de movimentação somáticas e de dança contemporânea (SASTRE, 1999).
Nos escritos mais recentes sobre dramaturgia em dança no Brasil vale destacar as questões
levantadas por Paixão, que aponta a dramaturgia como um “neologismo poderoso” (PAIXÃO, 2011, p.
209). Segundo o autor, a ideia talvez tenha surgido “[...] para reforçar, evidenciar, facilitar a leitura das
projeções de subjetividade que a ação corporal delibera na audiência, uma vez que a dramaturgia pode
ser associada a uma trama dramática” (IDEM, IBIDEM, p. 209). Embora Paixão reconheça que a
prática de uma dramaturgia associada à dança faça sentido em países como a Alemanha e a Bélgica,
uma vez que, nessas regiões, tal atividade esteja ligada à tradição de profissionais nos teatros que
auxiliavam os diretores teatrais, o autor questiona o sentido e a função desse segmento de trabalho na
dança brasileira (PAIXÃO, 2010, p. 208).
O autor sugere que a existência de um dramaturgo para a dança, no Brasil, está relacionada mais
à tentativa de se agregar valor a um mercado cujas verbas são escassas e dependem cada vez mais de
incentivos fiscais para sua viabilização, do que a uma real necessidade de tal atividade. Essa, por sua
vez, acaba sendo delegada, frequentemente, a pessoas que mal compreendem o alcance e a amplitude
de tal conceito e muitas vezes não vão além do trabalho de um assistente de direção.
150

Já para Katz (2010), a dramaturgia na dança está associada à coreografia, uma vez que “[...] no
caso da dança, essa ação remete diretamente aos passos e aos gestos e ao modo como eles são
mostrados” (KATZ, 2010, p. 167). No entanto, é importante ater-se para a ressalva feita à associação,
assim como ao que diz respeito ao “modo como eles são mostrados”. Não se pode isolar o movimento
do espaço e, certamente, o contexto e as configurações escolhidas para compor uma obra coreográfica,
seja ela um evento espetacular em uma grande sala de teatro ou uma pequena performance em um
parque ou uma praça, são fundamentais para a construção de sua especificidade. Portanto, é necessário
ir além afirmação de que a coreografia é a dramaturgia da dança, como sugere Adolphe ao afirmar que
“[...] a coreografia é intrinsecamente a dramaturgia da dança” (ADOLPHE, 1997, p. 32).
Do mesmo modo, mais do que a soma dos elementos da cena simplesmente, ou seja, mais do que
a junção de uma trilha sonora com o figurino, o cenário, a iluminação e, finalmente, a uma sequência
de movimentos, ou coreografia, a dramaturgia está relacionada com as escolhas que podem ser
intuitivas ou racionais, lógicas ou aleatórias. São escolhas, muitas vezes, não visíveis ao público, mas
que, nem por isso, deixam de existir e de compor o espetáculo. Pais (2004) considera a dramaturgia
como uma prática invisível, pois “[...] trata-se de um conjunto de procedimentos técnicos (variáveis de
caso para caso) que, por natureza, se manifesta em ações levadas a cabo do interior do processo de
criação diluindo-se na efemeridade do processo final” (PAIS, 2004, p. 22).
Já para Charmatz e Launay, “[...] a dramaturgia da dança emerge de dentro do próprio trabalho
artístico, sem se impor como uma flecha em um desenho coreográfico para controlar sua direção”
(CHARMATZ e LAUNAY, 2011, p. 228, tradução minha) 88. Dessa maneira, não importa realmente se
tais escolhas são feitas pelo coreógrafo, pelo diretor ou pelo dramaturgista, elas são, de fato, escolhas
dramatúrgicas e inerentes a todas as danças. Como aponta Cerbino (apud TOURINHO, 2009, P. 161),
“[...] as danças de todos os tempos possuíram dramaturgia própria, davam sentido e organizavam os
modos de mover e compreender o movimento de cada época”. Tourinho (2009) explica que, para
Cerbino, a pantomima no balé carrega a ideia “[...] de explicar a trama através do movimento”
(TOURINHO, 2009, p. 161).
É importante enfatizar que a noção de dramaturgia se expandiu para muito além da dança. No
vigésimo congresso do Performance Studies International – Psi, encontro realizado em Xangai, China,
em 2014 – em um grupo de estudos sobre dramaturgia, pesquisadores de diversas áreas e países
reuniram-se para debater a crescente expansão de tal noção. Foi apontado, em tal encontro, que eventos
88
No original: “[…] dramaturgy emerges from within the work itself, it does not force itself like an arrow onto a
choreographic Picture to control it’s direction”.
151

relacionados à arquitetura, ao cinema, à gastronomia, às exposições de artes (em galerias e museus) têm
cada vez mais utilizado aspectos relacionados à dramaturgia. Isso mostra que tal noção, hoje, não se
restringe às artes da cena, nem tão pouco ao universo artístico.
Por outro lado, se o termo dramaturgia é utilizado por muitos, até mesmo indiscriminadamente;
por outros, ele é veementemente ignorado e até mesmo desconhecido. Um exemplo quanto à alienação
ao uso de tal noção, dentre os muitos encontrados no decorrer dessa pesquisa, se deu quando, ao entrar
em contato com Wendy Perrom, a editora de uma conceituada revista de dança norte-americana, Dance
Magazine, em busca de uma entrevista relacionada ao tema “dramaturgia na dança” a resposta obtida
foi “eu não sei nada sobre dramaturgia da dança. Ela é mais utilizada na Europa, não nos Estados
Unidos da América”.
De fato, quando associada à dança, a dramaturgia remete a experimentações coreográficas
realizadas principalmente na Europa, mais especificamente na Alemanha do Wuppertal Dance Theatre,
de Pina Bausch, a partir dos anos setenta do século XX, como já visto anteriormente. Contudo, ao
contrário do que o senso comum leva a crer, que a dramaturgia só está presente quando existe alguém
designado a elaborá-la, esta tese mostra justamente o contrário: a dramaturgia está presente na dança
ainda que não seja assim denominada, mesmo que ninguém tenha se ocupado de pensá-la e construí-la.
Certamente ela não acontece com a mesma consistência em todo e qualquer espetáculo de dança. Não
se trata de uma condição sine qua non da dança; mas a partir do momento em que existe um cuidado,
uma direção, coletiva ou individual, que envolve escolhas, sejam elas conscientes ou geradas ao acaso
– como nos trabalhos de Merce Cunningham, por exemplo – há sempre uma construção dramatúrgica.
Tal dramaturgia, muitas vezes, é descritiva; noutras, evocativa; e, em outras, instauradora de estados ou
de presença.
Desse modo, a partir de tal problematização, esta tese propõe a definição de três eixos, quais
sejam: 1- dramaturgia descritiva, 2- dramaturgia evocativa e 3- dramaturgia instauradora de processos
ou dramaturgia da presença. Tais eixos não pretendem sistematizar de forma restrita e arbitrária uma
noção tão ampla e fugaz como a de dramaturgia em dança, nem tampouco enquadrar em cada um deles
o trabalho de cada um dos coreógrafos aqui analisados. Ao contrário, esses eixos são porosos e
flexíveis, cabendo neles até mesmo grande parte das dramaturgias listadas nas páginas 59 e 60 desta
tese. E ainda, para fins didáticos, eles podem auxiliar na compreensão de possíveis facetas constitutivas
da dramaturgia da dança.
152

6.1 Dramaturgia Descritiva

Antes de começar a descrever o que viriam a ser esses três eixos, é necessário observar que tais
vetores não são entidades fixas, estanques e isoladas; tais divisões podem caminhar em duplas ou em
trios, fundindo-se e sobrepondo-se, ora enfatizando mais as características de um eixo, ora as de outro.
É importante também reforçar que essa escolha está relacionada a uma necessidade pessoal de
organizar estruturas que possam auxiliar artistas, coreógrafos e pesquisadores a trabalhar
conscientemente com a composição, ou decomposição – como o título desta tese sugere – da
dramaturgia, assim como na produção de sentido em suas obras coreográficas.
A primeira segmentação está relacionada com a dramaturgia descritiva, eixo que pressupõe uma
dramaturgia que faz referência a trabalhos ficcionais ou não, cujas narrativas preveem a existência de
um enredo, com uma situação dramática, e que possui personagens e situações específicas.
Se tal eixo pode ser percebido de maneira mais restritiva, que impõe uma situação específica a ser
descrita, é importante mencionar que ele não está preso a estilos ou a períodos particulares da dança.
Tal eixo pode valer-se de qualquer linguagem definida de movimentos, seja a do balé clássico (tanto
por meio de seu vocabulário mais tradicional, quanto por meio de formas neoclássicas), quanto da
dança moderna, das danças de rua ou de danças folclóricas, dentre outras. Nesse eixo, as linguagens de
movimento contribuem para reforçar aspectos da narrativa, assim como as características de seus
personagens, podendo, assim, atravessar períodos.
Presente até mesmo na cena contemporânea, a dramaturgia descritiva, como pode ser percebida
na obra de Nijinsky, L’Aprés-midi d’un faune, está associada, assim como descrito por Bernard, a uma
“abordagem semântica” (BERNARD, 2001). Recapitulando o que o autor francês propõe, tal
abordagem está associada a uma apreensão do texto, seja pelas sensações que ele provoca, seja pelo
significado que ele veicula. Essa variação pode abrir para uma ampla gama de situações que esbarram,
inclusive, com o que mais adiante será definido como dramaturgia evocativa (BERNARD, 2001).
Novamente, se apropriando do pensamento estruturante de Bernard, a dramaturgia descritiva
está associada também com a “Leitura Estética” (BERNARD, 2001), que envolve traduções ou
transposições intersemióticas e que emergem das matrizes textuais, ou do que Navas (2000) define
como “texto de origem”, material propulsor da obra em criação.
Tal dramaturgia pode, ainda, ser associada ao que Kerkhoven (1997) define como dramaturgia de
conteúdo, cuja proposta original tende a ser estabelecida previamente. No entanto, não há restrições
153

para o uso de improvisações em um trabalho que se prevê como descritivo. Em Faune(s), de Dubois,
por exemplo, ainda que não tenham sido encontrados dados que comprovem tal hipótese, é possível
que o bailarino tenha se valido de momentos de improvisação, quando se trata principalmente das duas
últimas cenas do espetáculo; mesmo assim, tais momentos compõem uma função descritiva, ao mesmo
tempo evocativa.
Desse modo, ainda que tanto no Fauno de Nijinsky, quanto na versão de Dubois apareçam as
características de uma dramaturgia evocativa (em função de sua estética simbolista, no primeiro e de
sua linguagem contemporânea, no segundo), é evidente que uma situação está sendo descrita,
principalmente quando se trata da versão original de 1912. Em um cenário em que são caracterizados
uma floresta, um fauno e suas ninfas, uma cena é estabelecida e, embora os sentimentos sejam apenas
evocados, o conflito em si é descrito.

Figura 53: Cenografia de L'aprés-midi d'un Faune, 1912, de Nijinski, criada por Léon Bakst. Fonte:
Encyclopaedia Brittanica Kids, 2015.

Assim, como foi dito no início deste subcapítulo, não se trata, aqui, de localizar purezas, nem de
definir contornos absolutos. Talvez, se analisados, nem mesmo os grandes balés de repertório 89
poderiam ser enquadrados em um único eixo como os que aqui se propõe. Certamente um balé da era
romântica tem seus aspectos descritivos, parte de um libreto e está configurado em uma narrativa linear

89
Grandes Balés de Repertório são obras históricas de balé clássico, que continuam sendo montadas pelas companhias de
renome através dos séculos, por todo o mundo, como O Quebra Nozes, O Lago dos Cisnes, Dom Quixote, Giselle, dentre
outros.
154

que prevê um início, um meio e um fim. Mas, quando se trata de um segundo ato, de um ballet blanc90,
por exemplo, nada pode ser mais evocativo do que sílfides, ninfas ou willies91, flutuando nas pontas dos
pés com suas saias de tule branco em meio a nuvens de fumaça, em situações completamente
fantasmagóricas e surreais.
No balé moderno, assim como na dança moderna, também é possível identificar coreografias cuja
dramaturgia descritiva predomina. Remontado no Ópera de Paris em março de 2014, Miss Julie,
coreografado em 1950 por Brigit Cullberg (1908-1999) para o Swedish Dance Theatre, pode ser um
interessante exemplo de uma dramaturgia descritiva do primeiro gênero. Inspirado pelo texto
homônimo de Auguste Strindberg, Senhorita Julia, o balé da coreógrafa sueca pertence a uma fase de
transição entre as mágicas, por vezes surreais produções do Ballets Russes, de Diaghlev e as mais
físicas e abstratas obras do final do século XX. Buscando uma abordagem realista, com personagens
bem definidos e cenários bem demarcados e ilustrativos, Cullberg (1950) se apoiou no vocabulário do
balé clássico, abrindo brechas para eventuais licenças poéticas, não somente no uso mais livre de
braços e pernas, mas valendo-se de fortes caracterizações psicológicas e momentos de devaneios na
narrativa. Desse modo, exclusivamente por meio da linguagem do balé clássico e de pantomimas,
Cullberg reconstrói a narrativa de Strindberg, transformando uma obra teatral em um espetáculo de
dança.

90
Segundo ato de um balé romântico, em que a narrativa é transposta para um mundo irreal, localizado, na maioria das
vezes, em lugares da natureza, onde as bailarinas aparecem vestidas inteiramente de branco, com volumosas saias de tule, os
chamados tutus românticos.
91
Figuras míticas frequentemente presentes nos segundos atos dos grandes balés românticos.
155

Figura 54: Miss Julie, 2014, versão Ópera de Paris. Foto: copyright de Anne Deniau. Fonte: Roy,
2014.

Como aponta Santaella (2009), os processos descritivos não se restringem a um olhar objetivante;
descrições podem borrar as fronteiras da objetividade e, quanto mais detalhadas, mais subjetivas ou
evocativas elas podem se tornar. Esse, de fato, é o caso do Fauno e de Miss Julie, esta última
carregando traços que beiram o expressionismo. Em ambas, contudo, descrição e evocação se
entrelaçam de maneira profunda.

6.2 Dramaturgia Evocativa

No que diz respeito a uma dramaturgia que se pode denominar como evocativa, é possível
associar aspectos relacionados ao terceiro modo de leitura elaborado por Bernard, ou seja, a leitura
poética ou ficcional, quando o texto serve como “[...] um catalisador de imagens” (BERNARD, 2001,
p. 128, grifos do autor)92. A leitura poética, ou ficcional, abre espaço e promove a emergência de
aspectos metafóricos expressivos provenientes, não somente de leituras de textos escritos, mas da
leitura dos mais diversos estímulos, sejam eles pictóricos, sonoros, sensoriais, poéticos e assim por
diante.

92
No original: “un catalyseur d’images”.
156

Nesta tese, o exemplo que vem esclarecer melhor tal estrutura dramatúrgica é o das obras de
Sandro Borelli. Em seu tríptico Kafka, como analisado, não se trata de uma transposição literal do texto
para a dança. Suas escolhas, embora muitas vezes guiadas por referências de Kafka, são
frequentemente subliminares, percebidas de formas variadas pelo público, trazendo referências ora
mais sutis, ora mais declaradas do universo kafkiano. Borelli (2002, 2003, 2006) não define
personagens particulares em sua obra, também não busca trazer referências cenográficas que
esclareçam ou que remetam a situações específicas das obras de origem. Todas as suas escolhas são
evocativas e permitem uma multiplicidade de leituras, que tanto podem se aproximar quanto se afastar
do universo de Kafka, conforme as leituras particulares de sua plateia.

Figura 55: Carta ao Pai, 2006, de Sandro Borelli. Foto: Gal Oppido. Fonte: Cia Carne Agonizante,
2015.

Nesse escopo, entram também obras como May B, da coreógrafa Maguy Marin. Criada em 1981,
May B homenageia o universo do autor Samuel Beckett. Em tal obra, a coreógrafa francesa, ex-
bailarina da companhia Mudra, de Maurice Bejart, deixa de lado sua formação clássica e aposta em
uma criação fortemente teatral, que não busca reproduzir o material do teatro do absurdo do autor
irlandês, mas o ressignifica por meio da dança. Em uma colagem, na qual não se é possível reconhecer
157

especificamente um ou outro personagem de Beckett, Marin (1981) faz uso do corpo de seus bailarinos
para evocar questões como a solidão, o silêncio, a ausência, o otimismo, o pessimismo, temas esses
frequentemente encontrados na obra do escritor.

Figura 56: May B, 1981, Maguy Marin, Paris. Foto: Aghate Poupeney. Fonte: Photo Scene, 2015.

Nos dois exemplos citados acima, a primeira evidência é que, em ambos, a pesquisa de
linguagem corporal e a movimentação decorrente dessa, são as protagonistas. Ainda que as
caracterizações, as escolhas de maquiagens, de figurinos e acessórios sejam importantes, o que as
particularizam não são as histórias que elas contam, até porque não se trata aqui de contar histórias,
mas sim as especificidades de suas construções de movimento e as metáforas que emergem de tais
construções.
Outro bom exemplo de obras que podem ser vistas a partir de uma lógica evocativa, são alguns
dos trabalhos de Martha Graham. Em muitos de seus espetáculos, a coreógrafa norte-americana foi
além de uma primeira impressão que poderia remeter ao eixo descritivo da dramaturgia. Se, a princípio,
em sua fase93 mitológica, ela trazia aspectos literais das narrativas representadas, em uma análise mais
atenta, Graham construía metáforas psicológicas cujo objetivo estava muito mais relacionado a
provocar estímulos sensoriais do que uma leitura puramente intelectual de suas obras. Em Errand into

93
Martha Graham teve uma longa e profícua carreira como coreógrafa e bailarina, assim como Trisha Brown e outros
coreógrafos, sua trajetória pode ser dividida em fases.
158

the Maze, obra datada de 1947, muito mais do que simplesmente contar as peripécias de Ariadne e do
Minotauro, Graham metaforiza o labirinto, evocando suas dúvidas e escolhas, transformando Ariadne
em uma mulher contemporânea de sua época, cujo labirinto é sua própria vida com suas dúvidas,
dificuldades e escolhas.

Figura 57: Errand into the Maze, 2015, Martha Graham Dance Company. Foto: Andrea Mohin. Fonte:
New York Times, 2015.

Portanto, assim como na dramaturgia descritiva, é possível afirmar que, na dramaturgia


evocativa, não existem limites quanto à escolha de uma linguagem específica de dança. Haja visto as
referências de dramaturgias evocativas presentes tanto em balés do repertório romântico universal,
como na dança moderna dos anos cinquenta, assim como na nova dança francesa 94 dos anos oitenta, ou
na dança contemporânea atual. No entanto, é possível perceber que existe uma predominância de tal
eixo em muitos trabalhos contemporâneos, que parecem valer-se tanto da dramaturgia evocativa,

94
Nouvelle Danse Française foi um movimento artístico que emergiu nos anos oitenta do século XX, cujas referências
remetiam à dança pós-moderna americana dos anos sessenta, do mesmo século.
159

quanto de um outro estilo dramatúrgico, que será chamado aqui de dramaturgia instauradora de estados
ou dramaturgia da presença.

6.3 Dramaturgia Instauradora de Estados Emocionais ou Dramaturgia da Presença

No que diz respeito ao terceiro eixo de dramaturgia que se propõe nesta tese, as obras da
coreógrafa Trisha Brown, são um bom exemplo para começar. Reforçando a ideia de seus
contemporâneos, já experimentada nos encontros, jams e performances do Judson Dance Group,
Brown explorou uma dança não-interpretativa, que não buscava contar histórias, nem evocá-las. Por
meio de experimentações radicais, que incluíam desafiar a gravidade, extinguir os limites entre o artista
e a plateia, assim como a dissolução das fronteiras entre a vida e arte, Brown e alguns de seus
contemporâneos inauguraram uma dramaturgia que pode ser considerada, de certo modo, abstrata e que
vai além de uma compreensão intelectual, instauradora de estados emocionais que estimulava um
despertar de sentidos imensamente variável para cada espectador. Com isso, a coreógrafa buscava
construir a arte não como imitação, nem como metaforização da realidade, mas arte como a própria
realidade, subjetiva e autorreferente, aqui e agora.
Embora não seja o caso de desviar essa pesquisa para um aprofundamento no que diz respeito
às pesquisas relacionadas a estados emocionais e a sua relação com os processos cognitivos, é
importante que se abra uns parênteses para uma breve contextualização do assunto. Geralmente a
emoção e a cognição são fenômenos considerados sob o ângulo de duas concepções distintas. Segundo
Victoria e Soares, “[...] a primeira concepção propõe a presença de dois sistemas separados. Um
sistema emocional distinto do cognitivo que trataria a informação afetiva e influenciaria um
comportamento independentemente dos processos cognitivos” (VICTORIA; SOARES, 2007, p. 15).
No entanto, existe uma segunda concepção, que aponta para a existência de um único sistema para
emoção e cognição. Tal concepção pressupõe que “[...] uma avaliação cognitiva sempre precede
qualquer reação afetiva e que aquela, não necessariamente, envolve um processo consciente”
(VICTORIA; SOARES, 2007, p. 16). Desse modo, não se pode ignorar que, embora muitos dos artistas
que serão associados a esse eixo de dramaturgia partam de princípios em cujas criações não sejam
previstas interpretações, é importante lembrar que o processo cognitivo pode se dar de formas variadas
e de maneira involuntária.
160

No que diz respeito à noção de presença, a partir do que Gumbrecht define como Cultura de
Presença, tal eixo está associado a uma ruptura total com noções pré-estabelecidas de corpo, de tempo,
de espaço e de intencionalidade. Em ressonância com o que Sastre (1999) define por dramaturgia do
corpo, este eixo se relaciona a estéticas anti teatrais e a linguagens corporais cujas movimentações
estão mais próximas de gestos e ações cotidianas, do que de execuções de técnicas sofisticadas e
virtuosas de movimento. Tal dramaturgia se aproxima de explorações sensoriais, que, muito embora
possam evocar sensações e até mesmo serem traduzidas e descritas intelectualmente, estão associadas a
instaurações de estados emocionais e à materialização da presença, que não é mediada pelo conceito,
pelo pensamento ou pela cultura. É, portanto, não hermenêutica, abstrata e vazia de conteúdo, a priori.

Figura 58: Roof Piece, 1971, Trisha Brown. Foto: Babette Mongolte. Fonte: Trisha Brown Company,
2015.

Como aponta Bonfitto, a noção de presença “[...] é percebida pela maioria dos diretores em
termos genéricos e abstratos; ela é associada por eles a aspectos como aura, carisma, estado de graça,
fogo sagrado, magnetismo, natureza animal, etc.” (BONFITTO, 2013, p.159, grifos do autor). De fato,
poucos foram os diretores de teatro, menos ainda os de dança, que desenvolveram elaborações sobre a
presença do artista em cena. Segundo Barba, a presença pode ser resultante de um rigoroso treinamento
161

feito com o ator. Em Canoa de Papel, ele reconhece e elabora alguns princípios que denomina como
“princípios que retornam”. Para o diretor italiano:

tais princípios aplicados ao peso, ao equilíbrio, ao uso da coluna vertebral e dos


olhos, produzem tensões físicas pré-expressivas. Trata-se de uma qualidade
extra-cotidiana da energia que torna o corpo teatralmente decidido, vivo, crível;
desse modo a presença do ator, seu bios cênico, consegue manter a atenção do
espectador antes de transmitir qualquer mensagem. Trata-se de um antes lógico,
não cronológico (BARBA, 2009 p. 22).

Já com relação à experiência, o antropólogo Dawsey (2005) ressalta que a origem etimológica da
palavra remete ao indo-europeu per, cujo sentido pode ser traduzido por “tentar, aventurar-se, correr
riscos”. O autor aponta para a derivação grega de perao, cuja tradução seria “passar por”, ele também
observa como a ideia de experiência evoca o rito de passagem e compartilha a mesma raiz de perigo
(DAWSEY, 2005, p. 163). Aproximando essa dimensão da experiência da obra de Brown, é possível
perceber que a artista parece estar sempre atravessando algo, principalmente nos trabalhos que
pertencem aos seus primeiros ciclos, nos quais atravessa, passa por, corre riscos, seja desafiando a
gravidade, seja desafiando a memória, compilando gestos de maneira singular ou coletivamente.
Embora seja a primeira escolha aqui, certamente Brown não é o único exemplo que pode se
utilizar ao elaborar uma definição para o que vem a ser dramaturgia instauradora de estados ou
dramaturgia da presença, conforme já mencionado, todo trabalho desenvolvido por seus parceiros do
período de experimentação na Igreja Judson, assim como alguns importantes coreógrafos que os
antecederam e assim como vários que os sucederam, podem também ser incluídos nesse recorte.
Dentre os artistas que os antecederam, Brown e o Judson Dance Group, é imprescindível
mencionar Merce Cunningham. Conforme apontado no segundo capítulo, Cunningham pode ser
considerado como o pai da coreográfica abstrata. Embora de modo distinto de Brown, uma vez que é
possível identificar nas obras do coreógrafo norte-americano uma relação estética que não nega
completamente as formas e os recursos provenientes do balé clássico, quanto da dança moderna.
Cunningham rompeu com as estruturas narrativas vigentes, aderindo a experimentações que partiam
das noções do Zen Budismo, por meio das influências exercidas por sua parceria, a partir de 1942, com
o compositor John Cage. Ao explorar o acaso, Cunningham/Cage inauguram uma nova possibilidade
de organização da cena, ao permitir que os diversos elementos, figurino, música, cenografia e
coreografia fossem construídos independentemente e reunidos somente às vésperas da estreia dos
162

espetáculos, ou até mesmo na estreia dos espetáculos. A dupla abriu espaço para que o espectador
testemunhasse mais do que um espetáculo, um processo, um devir coreográfico cujos elementos não
haviam sido previamente articulados. Não havia da parte dos criadores algum interesse em que tais
elementos fossem sincronizados ao serem reunidos, ao contrário, tais criações artísticas eram
confrontadas e suas especificidades deveriam ser mantidas separadamente. Para Cage:

Eles já estão lá. Interessa-me o fato de que eles estejam lá antes da vontade do
compositor. O sentido não me interessa. Com uma música-processo não há
sentido em parte alguma (...) Eles estão, e isso lhes basta. E a mim também
(CAGE apud ENTLER, 2000, p. 144).

Desse modo, o sentido não interessava a Brown e a seus contemporâneos norte-americanos,


assim como não interessava a Cage, tampouco a Cunnhingham. As obras de tais artistas eram fontes de
estímulos sensoriais e, consequentemente, instauradoras de estados emocionais que, por sua vez, não
estão livres de promover e gerar associações cognitivas, ainda que, como mencionado acima,
inconscientemente.
É importante mencionar que muitas das obras de Brown e de seus contemporâneos do Judson,
assim como as obras de Cunnhingham, por vezes consideradas abstratas, podem, paradoxalmente, estar
inseridas no eixo definido por Kerkhoven (1997) como dramaturgia de conceito, e não de processo.
Isso tem a ver com o fato de que a abstração não está necessariamente associada a uma estrutura
dramatúrgica processual. Embora o acaso particularizasse as obras de Cunningham e as conferisse certa
dose de processualidade, a maioria de seus trabalhos eram previamente coreografados. Mesmo quando
havia espaço para improvisações nas obras de Brown, o que não era frequente, tais improvisações eram
regidas por regras especificas, o que as qualificariam dentro do âmbito de dramaturgia de conceito
(BROWN in HUYNH, 2014).
A associação da dramaturgia instauradora de estados com a dramaturgia de conceito não é uma
regra. A dança flamenca, por exemplo, pode ilustrar uma dramaturgia processual associada à
dramaturgia instauradora de estados. Embora o baile flamenco se estruture a partir das letras e ritmos
de canções, o diálogo que se estabelece entre os bailarinos e os músicos em cena não se dá de forma
representativa. As canções provocam estados emocionais nos bailarinos, que, por sua vez despertam
novos estados emocionais em seu público, que dificilmente está preocupado em compreender o que se
passa em tal cena, mas em fruí-la a seu bel prazer.
163

Desse modo, torna-se evidente que, assim como nos outros dois eixos propostos acima, neste
último também não há restrições quanto a linguagem e técnicas corporais escolhidas. Em todos os três
eixos descritos, é possível reconhecer estilos e linguagens muito distintas da dança. Na verdade, o que
se pode perceber ao buscar separar a dramaturgia da dança em três eixos abrangentes e permeáveis é
que, de fato, muitas obras são atravessadas por eixos de dramaturgia diferentes. Se aqui foram
separados os eixos em cortes que podem ser vistos horizontalmente, i.e., descritivo, evocativo e
instaurador de estados, os eixos propostos por Kerkhoven (1997) podem ser entendidos como cortes
verticais, que podem atravessar um ou mais eixos horizontais. A tal diagrama é possível incluir os eixos
propostos por Sastre (1999), os da dramaturgia do corpo e da dança, como espirais que atravessam
ambos os recortes, tanto os verticais quanto os horizontais.
164

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalizar esta tese representa também finalizar um percurso de quatro anos de pesquisa. Significa
concluir uma trajetória que compreendeu, além de uma investigação científica que culminou com a
escrita deste texto, uma série de encontros, disciplinas cursadas, livros lidos, entrevistas realizadas,
espetáculos assistidos e viagens concretizadas. Desse modo, é difícil escapar de uma certa tristeza e
uma sensação de nostalgia antecipada ao buscar dar um ponto final para este texto. Pode ser
reconfortante, talvez, pensar que a busca pela conclusão desse tema, a questão sobre a dramaturgia da
dança é, de fato, um tanto inconclusiva, e comportará, certamente, ainda muitas outras construções, de
vários outros artistas e pesquisadores.
Embora nas páginas que antecedem a este fim muito se tenha discutido sobre dramaturgia e
alguns pontos tenham sido levantados, o que parece ter ficado mais evidente é a pluralidade de
abordagens em torno ao tema e a impossibilidade de um consenso, da criação de um verbete comum,
que abarque todas as possibilidades de compreensão do que se entende por dramaturgia na dança.
Desse modo, fica aqui registrada parte dessa trajetória, que passou por uma breve reflexão
histórica, passando por aspectos relacionados com a dramaturgia no teatro, na performance e na dança,
identificando períodos de transição e ampliação, até chegar à análise de obras de três artistas
contemporâneos, como fonte para aprofundamento do foco aqui abordado.
O percurso escolhido para a análise desse corpus se deu de forma cronológica, começando no
início do século XX com Nijinski, passando pela contracultura norte-americana em meados do século
XX, com Trisha Brown e finalizando no início do século XXI, com Sandro Borelli. Tal escolha
aconteceu, inicialmente, de forma quase intuitiva, mas se mostrou eficiente e foi se consolidando
durante o caminho da escrita, conforme a espiral que envolve a dança contemporânea tornou-se
evidente.

De fato, quando se pensa sobre arte contemporânea, há uma espécie de deslocamento em relação
ao tempo cronológico; não é possível se restringir ao que é produzido em um determinado período
histórico, delimitado e definido como contemporâneo, uma vez que tal definição não encontra
facilmente um consenso e varia significativamente de autor para autor. Assim, o que tal percurso
buscou reforçar foi o aspecto atemporal da dramaturgia na dança, que pode ser percebido já nos
165

escritos de Noverre – na França do século XVIII – assim como na carta de Fokine ao jornal The Times
(London), em 1914, ambos referenciados no segundo capítulo.
Desse modo, dentre os aspectos que esta tese buscou evidenciar, um deles merece destaque:
independentemente das transformações percebidas tanto nos processos técnicos, quanto nos criativos da
dança cênica ocidental, é possível evidenciar a existência de uma construção, muitas vezes invisível,
que faz com que a obra possa ser percebida como uma unidade complexa e particular. Tal construção
dinâmica pode ser chamada de dramaturgia.
Nesse percurso, buscou-se a origem do termo, sua pertinência e seus possíveis desdobramentos.
Foi possível, assim, perceber que, embora existam diversas acepções para tal tema, cujas abordagens
variam amplamente, desde as definições feitas por Barba a partir de suas elaborações em torno de suas
realizações teatrais, até às justificativas e subdivisões de Kerkhoven (1997) e Sastre (1999), para a
adoção do termo pela dança, é perceptível um ponto comum e reincidente que permeia quase todos os
olhares em torno da dramaturgia da dança. Tal ponto está relacionado ao fato de que a dramaturgia está
diretamente ligada à produção de sentido, mesmo quando o que se busca seja não fazer sentido.
Aqui, a partir de uma necessidade pessoal e através das conexões que emergiram durante o
percurso da pesquisa, foi proposta uma organização específica. Certamente tal organização, que dialoga
com estímulos elencados e provenientes de outras teorias visitadas e analisadas, não se propõe como
um modelo que dê conta de todas as possíveis lógicas dramatúrgicas produzidas por inúmeros criadores
da dança contemporânea. Ao contrário, tal organização se propõe como uma estrutura que abriga
outras, ao mesmo tempo que se abre para desdobramentos futuros.
Ao separar a dramaturgia em eixos descritivos, evocativos e instauradores de estado ou de
presença, tal pesquisa se depara com um universo no qual, assim como as Matrioskas, bonecas russas
de madeira que vão se encaixando umas dentro das outras, tais eixos poderiam encaixar-se uns dentro
dos outros e poderiam, ainda, encaixar outros eixos em suas estruturas. Por ora, são apenas estruturas,
que podem servir como ponto de partida para outras pesquisas que avançarão em torno desse tema.
Finalmente, o objetivo maior desta tese é alimentar reflexões e práticas, ao estabelecer um
diálogo com artistas e pesquisadores, que comungam de um interesse relacionado com questões
inquietantes e que emergem não somente quando se discute sobre a dramaturgia na dança, mas,
principalmente, quando são criados, debatidos e assistidos a espetáculos de dança, do ponto de vista da
tríade pesquisador-artista-público.
166

Repensando sobre o meu primeiro caderno de dança, ao olhar para as páginas amareladas repletas
de letras mal formadas e traços inseguros de desenho, percebo já ali rastros de uma percepção que
articulava presenças produtoras de um sentido específico, intuitivo, permeada de um imaginário que me
transportava para um outro lugar. O lugar de onde venho, minha dramaturgia pessoal, a dança.
167

REFERÊNCIAS

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Referências Videográficas e Multimídia


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ROSENBERG, D. Speaking of Dance: Conversations with Contemporary Masters of American


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