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O Supremo envergonhado

Condena-se moralmente o Supremo Tribunal Federal ao inocentar funcionários públicos


que assassinaram, sequestraram, torturaram e estupraram oponentes políticos da
ditadura militar, além de também não processar e julgar os crimes de homicídio e
ocultação de cadáveres de 62 pessoas durante a chamada Guerrilha do Araguaia (1972 a
1975).
A Lei da Anistia (Lei n 6.683 de 1979), criada durante o governo do General
Figueiredo, perdoou os crimes hediondos cometidos por agentes do Estado em nome de
uma anistia ampla, geral e irrestrita.
Em 29 de Abril de 2010, por 7 votos a 2, o STF manteve essa interpretação ao julgar
improcedente a ação da Ordem dos Advogados do Brasil que contestava a aplicação da
Lei da Anistia. Os únicos dois ministros contrários ao esquecimento e à desconsideração
dos gravíssimos crimes foram Ricardo Lewandowski e o vice-presidente do STF,
ministro Carlos Ayres Britto. Ambos, entre outras justificativas, alegaram em seus votos
que a tortura não é um crime político, mas sim comum. E sendo assim, deve ser julgado
e se for o caso, punido. Continuando as considerações de seu voto o ministro Britto
acertadamente completa: “(...) O torturador não é um ideólogo, não comete crime de
opinião, não comete crime político, portanto. O torturador é um monstro, é um
desnaturado, é um tarado (...)”. Recorda também Britto que no parágrafo 43, do artigo
5º, da Constituição Federal, os crimes de tortura não podem se beneficiar da fiança e da
anistia.
Contrariamente à lamentável decisão do STF, a CIDH (Corte Interamericana de Direitos
Humanos) ligada à OEA (Organização dos Estados Americanos) condenou a decisão
brasileira declarando que a Lei da Anistia impede a investigação de graves violações de
direitos humanos e a identificação e punição dos responsáveis. Em sua sentença de 24
de Novembro de 2010, o documento de 126 páginas dispõe igualmente que o Estado
Brasileiro deve prestar assistência e indenizar os familiares das vítimas do Araguaia.
O principal argumento para o não cumprimento da decisão da CIDH é o respeito à
soberania da justiça brasileira. Entretanto, tal premissa é inadequada na medida em que
o Brasil voluntariamente não só ratificou a Convenção Americana dos Direitos
Humanos em 1992 como também reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana em
1998. Sendo assim, a jurisdição internacional é superior a uma decisão do Supremo
Tribunal Federal. Afirmar ainda que a resolução da Corte Interamericana é política e
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dessa forma não pode prevalecer em relação à deliberação do Supremo não tem
qualquer fundamentação jurídica.
Completando o triste quadro, a maior parte da mídia não tem atribuído a devida atenção
a esse debate, principalmente os grandes jornais impressos e telejornais. Ou se alinham
à posição de não-revisão ou defendem opinião parcial.
A crescente e positiva imagem do Brasil no mundo, conquistada especialmente nos
últimos oito anos, foi arranhada com esse episódio e pode piorar caso se persista no
erro.

Eduardo Magalhães é sociólogo, mestrando em Relações Internacionais pela PUC-


SP e blogueiro e colunista do Jornal ABCD MAIOR e da Revista Filantropia.
elaboreseuprojeto@email.com
21 de Dezembro de 2010

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