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Outubro/Novembro/Dezembro2020
ISSN: 1645-443X - Depósito Legal: 86929/95 Ano L- nº 404
Praça D. Afonso V, nº 86, 4150-024 Porto - PORTUGAL
EDITORIAL
ADVENTO

Senhor
LAICADO DOMINICANO

Tu que incarnaste e quiseste ser ho-


mem como nós
Tu, que em Jesus Cristo, és o caminho,
Maio de 1970. «Por determinação do Conse- a verdade e a vida,
lho Nacional da Ordem Terceira vamos ter final-
Tu, que vieste ao nosso encontro, e és a
mente «o nosso boletim». (…) Começará pequeno
luz do Mundo
pois ninguém nasce grande, mas esperamos que
cresça. O seu nome é LAICADO DOMINCA- Vem habitar os nossos corações ,
NO. Tem a sua razão de ser. Hoje que se fala Alimenta-nos com a Tua Palavra e
tanto de leigos, até vem a propósito…». Assim se com o teu Corpo
apresentava há 50 anos este jornal no seu Enriquece-nos com a Tua misericórdia
primeiro número. E de facto cresceu e mui-
Molda o nosso ser como o barro nas
to. E depois mingou. E depois voltou a cres-
cer mais um pouco. E… São os ciclos da vida. mãos do oleiro
O Laicado Dominicano está vivo e completa Ajuda-nos a dizer sim à nossa vocação
a bonita idade de 50 anos. Para cá chegar baptismal para a santidade
muitos e muitas contribuíram, sendo justo Amen.
destacar os seus directores Fr. Estevão de Fa-
ria, Fr. Eugénio Boléo, Henrique Fonseca, José Alberto Oliveira op
Zaida Rocha Ferreira, Gabriel Silva, Isabel
Castro Lemos, Cristina Busto. Mas também
dezenas e dezenas de colaboradores, leigos,
irmãs e frades pois que o jornal foi sendo
assumido não apenas de e para os leigos do-
minicanos, mas também para a Família Do-
minicana. E assim continuará a ser.
Nesta edição temos uma reflexão de um
frade dominicano, o Frei José Manuel Nunes
da Silva , sobre o significado de ser sacerdote,
reflexão essa preparada durante o retiro ante-
cedente à sua ordenação sacerdotal que ocor-
rerá no dia 21 de Novembro na Igreja de
Cristo-Rei, na cidade do Porto. E damos con-
ta das notícias chegadas das nossas Fraterni-
dades, do que é para um de nós «Ser leigo do-
minicano» e outros motivos que esperemos
sejam de interesse.

Gabriel Silva, op
Laicado Dominicano Outubro/Novembro/Dezembro 2020

NOTÍCIAS
FRATERNIDADE DE agência Ecclesia (1) o frei Filipe Rodrigues.
S.DOMINGOS DE ELVAS
José Tolentino de Mendonça tem 55 anos, sendo
No passado domingo, 4 de o segundo mais novo dos mais de 200 cardeais do
Outubro, na igreja de São Vaticano. Nasceu no Machico, na ilha da Madeira a
Francisco em Évora, foi ins- 15 de Dezembro de 1965. Após se licenciar em teolo-
tituído Acólito o jovem el- gia é ordenado, em 1990 sacerdote. Foi professor e
vense e membro da Fraterni- vice-reitor na Universidade Católica de Lisboa. É
dade Leiga de São Domin- poeta com vários livros publicados e cronista em jor-
gos de Elvas, Tiago Neves nais nacionais. O Papa Francisco nomeou-o Arcebis-
Carlos pelo Senhor Arcebis- po e arquivista do Vaticano em 2018 e foi feito Car-
po de Évora D. Francisco deal em 2019, titular da igreja de São Domingos e
Senra Coelho. São Sisto em Roma, que é a igreja da Universidade
Com esta instituição, o Tia- Pontifícia de São Tomás de Aquino, dos dominica-
go deu o segundo passo ru- nos em Roma, o Angelicum.
mo à Ordenação Sacerdotal
que poderá acontecer daqui O Cardeal Tolentino torna-se dominicano através
a um ano. do seu ingresso nas Fraternidades Sacerdotais de São
Desejamos ao nosso irmão Tiago Carlos as maio- Domingos que nos últimos anos em Portugal tem
res felicidades na sua caminhada. vindo a renascer tendo como seu promotor o Fr.
Gonçalo Diniz. As Fraternidades Sacerdotais de São
Fraternidade Leiga de São Domingos de Elvas Domingos são um dos 4 ramos da Ordem dos Prega-
dores, juntamente com os frades, as monjas e os lei-
FAMÍLIA DOMINICANA gos. «O padre dominicano diocesano vive uma vida consa-
Cardeal Tolentino dominicano grada a Deus não só pelo seu baptismo e ordenação sacer-
dotal mas também pelo espírito e missão da Ordem dos
O Cardeal José Tolenti- Pregadores. O sacerdote permanece sob a jurisdição do seu
no de Mendonça irá Ordinário, mas entra numa nova relação com a Ordem e
tornar-se membro da os seus irmãos sacerdotes da fraternidade. Após a sua sole-
Ordem dos Pregadores. ne promessa de viver de acordo com a Regra das Fraterni-
«O cardeal Tolentino é dades Sacerdotais de São Domingos para o resto da sua
muito nosso amigo, há vida, torna-se membro da família dominicana. O sacerdote
muitos anos: teve uma recebe uma graça especial através da sua profissão de viver
grande proximidade com uma vida guiada pelo espírito dominicano de contempla-
dois dominicanos portugueses, o frei José Augusto Mourão ção, harmonizada pelo estudo teológico e pela oração, tudo
e o Frei Mateus Peres. Também durante muitos anos teve isto ligado a um zelo apostólico pela pregação da Boa No-
uma forte ligação às Monjas Dominicanas do Lumiar. va»(2).
Fontes:
Estes contactos e proximidade fizeram com que se sentisse
(1) Agência Ecclesia
identificado com o carisma dominicano”, explicou à
(2) OP.org

ARTIGOS RECENTES EM
LEIGOSDOMINICANOS.ORG
+ Martinho de Porres
+ Encíclica Fratelli Tutti (versão integral em português)
+ Oração em Família Dominicana

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Laicado Dominicano Outubro/Novembro/Dezembro 2020

JUBILEU— 800 ANOS DIES NATALIS DE SÃO DOMINGOS


«Assim, celebraremos São Domingos não como um santo
sozinho num pedestal, mas como um santo que desfruta de
uma comunhão à mesa com os seus irmãos, reunidos pela
mesma vocação para pregar a Palavra de Deus e partilhar o
dom de Deus de comer e beber.

A nossa celebração jubilar convida-nos a reflectir sobre estas


questões: O que significa para nós estar à mesa com São
Domingos aqui e agora (hic et nunc)? Como é que a sua
vida e trabalho nos inspira e encoraja a partilhar a nossa
vida, a nossa fé, esperança e amor, os nossos bens espirituais
e materiais para que outros também possam ser nutridos
A nossa Ordem propõe-se celebrar entre o dia 6 nesta mesma mesa? Como é que esta mesa se torna uma
de Janeiro e de 2021 e 6 de Janeiro de 2022 um jubi- mesa para a quebra da Palavra e do Pão da Vida?»
leu pelos 800 anos do passamento do fundador , São
Domingos de Gusmão, ocorrido a 6 de Agosto de
1221. Fr. Gerard Timoner OP, Mestre da Ordem
O Jubileu terá como tema «À mesa com São Do- in «Carta à Família Dominicana sobre o Jubileu de 2021»
mingos» . Este tema tem como suporte iconográfico o
retábulo da Mascarella onde surge o primeiro retrato
de São Domingos, pouco tempo depois da sua cano-
nização.
O calendário com as datas oficiais que a Ordem se
propõe assinalar em Bolonha (Itália) são:
6 de Janeiro de 2021—Epifania
24 de Maio de 2021—Festa da Trasladação de São Do-
mingos
4 de Agosto de 2021—Dies Natalis de São Domingos
6 de Janeiro de 2021—Epifania.
Propostas para assinalar o Jubileu na nossa Provín-
cia:

Fonte: Conselho da Província,


frades dominicanos de Portugal
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A URGÊNCIA DO AMOR SEMPRE IMPREVISÍVEL

O padre é um servo do amor misericordio- O padre como um homem do serviço


so de Deus. É do amor que se vive e é para
amar que se serve. Quando se fala do Presbiterado ou do Sacerdó-
cio, não são raras as vezes em que sentimos que se
Nestes dias de retiro, tenho fala de algo superior, de uma promoção, de um estar
meditado em alguns textos acima dos outros, quando é precisamente o contrá-
fundamentais da Sagrada rio. Pela Ordenação Presbiteral recebemos o minis-
Escritura, e um deles é a tério do sacerdócio que nos configura imediatamen-
vocação do profeta Jeremias te a Jesus Cristo que «veio para servir e não para ser
(Jer 1, 1-19) e as suas confis- servido» (Mt 20, 28) e que está no meio de nós
sões. Nestes relatos descu- «como aquele que serve» (Lc 22, 27). Para bem servir
bro e confirmo aquilo que é preciso uma atitude importantíssima, que é a hu-
fui descobrindo ao longo da mildade, cujo exemplo vem de Cristo que
minha vida: é Deus quem «humilhou-se a si próprio» e «assumindo a condição
conduz os meus passos e só com Ele caminho segu- de servo tornou-se semelhante aos homens» (cf. Fil
ro. A vocação de Jeremias lembra-me que, para além 2, 6-11).
de todos os medos, ansiedades, dúvidas e questões, Na Optatam Totius 9, lê-se o seguinte: «o presbíte-
poderei sempre sentir a presença de Deus, o seu to- ro não é destinado ao mando nem às honras, mas
que e a sua ternura e a confiança de que não sou eu ao ministério e serviço pastoral» e o próprio Concí-
quem fala, mas Deus que por mim actua no mundo. lio Vaticano II, felicita, na Lumen Gentium, os padres
E isto é, para mim, muito importante e um recurso que levam a cabo um «serviço humilde e escondido».
no qual encontro a paz. Tudo isto vem no sentido de vermos o presbítero
como um homem que constantemente se coloca ao
Assim, irei reflectir neste artigo algumas das ca- serviço de Deus e ao serviço daqueles que Deus
racterísticas que acho fundamentais num padre e, ama, cumprindo assim aquilo que Santo Agostinho
ainda mais, num frade-padre. dizia: «a principal missão é a de servir mais que pre-
sidir».
Por isso, o ministério sacerdotal nasce do amor e
O padre como um homem do vazio
por amor a Cristo e manifesta-se, sobretudo, no
amor pelo rebanho.
Ser um homem do vazio é ter a coragem de lim-
par constantemente o coração para reconhecer que
não temos nada e que nada somos sem Deus. É O padre como homem de Deus
Deus que enche a nossa vasilha com o seu amor que
tudo vivifica. São vários os relatos bíblicos que nos No modo como se serve e ama o rebanho trans-
contam a grandeza do vazio que Deus preenche: a parece o ser um homem de Deus. De facto, o padre
viúva de Sarepta (1 Re 17, 8-24), a viúva e Eliseu (2 é, como diz São Paulo, «tomado de entre os ho-
Re 4, 1-7), a multiplicação dos pães e dos peixes (Mt mens, é constituído a favor dos homens nas coisas
14, 13-21) ou, ainda, as Bodas de Canaã (Jo 2, 1-11). que são de Deus» (Heb 5, 1). O presbítero deve to-
Podemos ver em todos estes relatos que Deus a par- mar sempre parte nas coisas de Deus reordenar os
tir do nada que lhe damos, com o seu amor tudo pensamentos, os afectos, os sentimentos, os bens
enche. materiais sempre a favor dos homens e obedecendo
Assim, o padre é o homem do esvaziamento cons- a Deus. Se isto não fica bem assente desde o início
tante para que Deus encha e faça do nosso nada o aprendemos a amar mal as coisas e aí vêm as desor-
Seu tudo. Para isto, é necessário esvaziar-se dos nos- dens e, tal como afirmava, Santo Agostinho: «A de-
sos ídolos, dos nossos orgulhos e egoísmos para que sordem está em amar mal as coisas».
Deus nos possa encher de amor, de misericórdia, de Para tudo isto é necessário um requisito muito
paz e de compaixão pelos outros, sobretudo os que importante como é a maturidade não nos ensina a
sofrem. mortificar o amor mas a amar com um novo amor
todas as coisas e isto é a pobreza evangélica.
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Laicado Dominicano Outubro/Novembro/Dezembro 2020

O Concílio Vaticano II afirma que «o espírito de definição do cristão e o seu emblema. De facto, é
pobreza são a glória e o testemunho da Igreja de Cris- assim desde os primeiros testemunhos das comunida-
to» (GS 38) e, por isso, os presbíteros «são convida- des apostólicas: assíduos ao ensino dos apóstolos, à
dos a abraçar a pobreza voluntária, que é a maneira comunhão fraterna e à fracção do pão, tinham tudo
simples de viver à imagem de Cristo, pois o despoja- em comum, distribuíam o dinheiro pelos pobres (cf.
mento leva-nos a estar inteiramente ao dispor dos Act 2, 42-47). Aqui estão os elementos principais de
outros» (PO, 17). toda a comunidade: Ensino (κατεχεις), a comunhão
Só a pobreza de ser todo de Deus combate a amar- (κοινωνία), a Eucaristia e o louvor (Ευχαριστία) e a
gura, o tédio, as dúvidas, o medo e as preocupações caridade (αγάπη). Tão intenso foi esta vida comunitá-
mundanas e faz-nos acolher os outros, ter tempo para ria da Igreja primitiva que dela só houve um testemu-
os outros e ser para os outros. É o tal estar no Mun- nho: «vede como eles se amam» (TERTULIANO,
do mas sem ser do Mundo. Apolog. 39). Era este amor que convertia os pagãos.
Ver uma comunidade
O padre como homem de oração unida, em que todos
servem a todos, em que
A oração é, na vida do padre, como o pão de que o amor é a palavra de
se alimenta e vive. A oração é ponto de chegada e um ordem atrai aqueles que
ponto de partida para a vida de um presbítero e sem não conhecem a Cristo.
ela não é possível viver, porque ela é lugar de encon- O amor é a identidade
tro com Deus, encontro consigo mesmo e encontro da comunidade à qual o
com os outros. Daí que uma vida de oração seja difí- presbítero preside e as-
cil porque requer muito de nós. A oração não deve, siste. O amor é o que
porém, ser uma procura do Transcendente, mas num nos julga, tal como dizia
encontro com Deus para rezar a vida concreta e real S. João da Cruz. O
e para, a partir daí, se poder agir no Mundo. amor é, por fim, o pré-
Não são raras as vezes que encontramos Jesus a mio do cristão, a recom-
orar, pois nesse momento Jesus sentia-se como um pensa das suas obras.
filho nos braços do seu pai. Jesus não rezava apenas O padre é, por isso,
para obter seguranças, para ficar bem, para manter a aquele que ama e que
aparência, mas rezava para reconhecer que Ele mes- ama com um amor que
mo era puro dom de Deus. Assim também os presbí- não é seu mas d’Aquele que o escolheu, que o consa-
teros devem ser homens de oração, capazes de se grou e que o orienta. Por isso, a urgência é o amor. É
aproximarem de Deus e de lhe confiar a vida concre- urgente amar e dar-se por amor, sem um homem de
ta e, assim, poderem partir para o serviço aos outros. Deus, um homem ao serviço, um homem de oração
São muitas as vezes que ouvimos dizer que «os e um homem de comunidade. Tudo isto se faz na
padres não rezam» e que «nunca vimos o padre a re- humanidade mas revelando a transcendência daque-
zar». Tantas vezes andamos mergulhados em preocu- le amor imprevisível, que é o amor com que Deus
pações e atarefados com tantas actividades que nos nos ama.
esquecemos de parar para confiar a Deus tudo isso e Ser padre, para mim, é ser tudo isto. É ser como
recordar que a oração não estorva o serviço aos ou- que um vaso tosco, vazio e frágil no qual Deus vai
tros, antes o intensifica porque descobrimos o verda- colocando os seus tesouros de amor e de misericór-
deiro motivo do serviço. Devemos, no fundo, ser me- dia não para serem acumulados, mas para serem da-
nos Marta e mais Maria (cf. Lc 10, 38-42). dos e distribuídos como puro dom e pura graça. Co-
mo Jeremias também eu me sinto «um jovem que
O padre como homem de comunidade não sei falar» (cf. Jer 1, 6), mas confio naquele que
me diz «Não digas: “Sou um jovem”. Pois irás aonde
A vida comunitária e fraterna será o reflexo de Eu te enviar e dirás tudo o que Eu te mandar. Não
uma vida em Deus. É aqui que se resume toda a lei e terás medo pois Eu estou contigo» (Jer 1, 7-8).
os profetas: amar a Deus e amar ao Próximo.
Fr. José Manuel Nunes da Silva, OP
A comunidade é o lugar do amor e o amor é a

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Laicado Dominicano Outubro/Novembro/Dezembro 2020

FREI PEDRO (19/03/1940 — 09/11/2020)


que sobressaíam…, sereno, calmo, afável, sempre acolhe-
dor, humilde, poderia passar discreto, poderia alguém não
reparar nele, mas, quem reparasse, descobria um tesouro.
Como escreveu a sobrinha ao dar a triste notícia, o seu
«sorriso amigo, o espírito alegre e o olhar que transmitia
paz permanecerá sempre nos nossos corações». Justamente;
sem dúvida, permanecerá no meu! Com uma enorme sau-
dade.
Concluiu a sua longa jornada, particularmente difícil
na sua parte final do percurso. Como semeador da parábo-
la, foi deixando cair sementes ao longo do caminho. Agora
concluiu-o e chegou à casa do Pai. A lágrima que verto não
é por ele, é por mim, porque não o visitei enquanto pere-
grino; nem enquanto doente. Mas ele, sim, esteve presente
quando o chamei.
Afinal, os seus olhos já eram o céu e o seu sorriso eter- Em Algés, a missa das 19:00h hoje, dia do S/ passa-
nidade. A sua bondade era a esperança que nos guiava, mento, será celebrada por intenção dele. Não creio que ele
corrigia, que nos interpelava para sermos melhores. careça de grande sufrágio, mas, orando por sua intenção
Por vezes, a sua presença pacificadora bastava, para de- evocarei(mos) o S/ testemunho e rezaremos por nós pró-
volver-nos a paz. prios e pela falta que ele nos faz.
Escutava como ninguém e constantemente dizia-nos Pedro Cruz, 2020/11/09
para escutar. Escutar verdadeiramente, com cuidado e tem-
po oferecido, como quem se põe no lugar do outro. (…)O seu bom-humor parecia nascer da alegria trans-
Mas não era só o escutar, era a acção concreta, era a bordante de ter Cristo como irmão e de reflectir na relação
construção de pontes, era a abertura ao diálogo e à ponde- com qualquer pessoa a mesma fraternidade. Foi das pesso-
ração. as que mais me ensinou sobre o que é ser cristão no quoti-
Era serenidade, sensatez, simplicidade. diano, sem precisar de dizer nada, dando o exemplo sem
O importante para si era cuidar do rebanho, de ovelhas na verdade o procurar dar. Foi um homem bom e discreto
ou de homens, chamá-lo pelo nome, alegremente, com a nessa bondade. Talvez porque soubesse que essa bondade
doçura e proximidade que a relação provoca. não era “dele”, era de Deus. (…)confesso que em tempos
Era a imagem de Jesus. Era a santidade concreta. Era a recentes pensava que ainda o voltaria a ver, recuperado.
alegria interior de quem vive para e com Deus. Assim não foi. O fr. Pedro partiu hoje deste mundo para
Era paciência. Era tanta paciência, daquela carregada de outra morada, mas permanecerá connosco. Que Deus o
paz e entrega! acolha.
Era abandono, desapego. Era fé, esperança e caridade. Sérgio Dias Branco, op
Ficamos infinitamente mais pobres, mas incrivelmente
ricos com o testemunho de vida que nos deixa. Bem aventurados os puros de coração, os que reconhe-
Meu tão querido Frei Pedro, obrigada. Obrigada. cem no mundo e nos outros a bondade que transfigura o
seu olhar, os simples e humildes (tão humildes), os acolhe-
Leonor Mexia Kendall dores e facilitadores, os que confiam sem reservas e sabem
que a missão do reino é mesa e responsabilidade partilha-
Faleceu esta manhã, no Porto, o m/ querido Frei Pedro das. Bem aventurados os que se apagam e se tornam des-
O.P. percebidos para que outros brilhem quando esse é o bem
Alguns de vós tê-lo-ão conhecido mais vaga ou superfi- maior.
cialmente; outros terão podido sentir a doçura do seu sere- Querido Frei Pedro,
no, quase tímido, olhar. Não esquecerei como fez da sua a minha casa, no dia da
Numa ordem religiosa de pregadores brilhantes, ele era minha Missa Nova, e aceitou estar como um mais, como
um discreto e sólido porto seguro, o mais fiel rosto de um convidado.
Deus Pai. Assentava-lhe bem o nome que escolheu. Não Não me esqueço do espaço dado em alguns momentos
que fosse uma espécie de calhau frio, mas, antes, como que para que pudesse levar "aos seus" um pouco do carisma que
um penedo, sólido, que nos apontava o céu e sobre o qual me guia. Sem reservas, em escondimento e alegria sincera.
poderíamos construir uma comunidade; fosse uma simples A Igreja da terra perde um homem bom que estará no
e juvenil Equipa de São Domingos, fosse um convento, céu a fazer-nos bem, sorrindo e sem barulho.
fosse uma vasta província de uma grande ordem religiosa. Aleluia.
Não lhe faltavam dotes de pregador, mas não eram eles José Mª Brito, SJ
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Laicado Dominicano Outubro/Novembro/Dezembro 2020

UM TEXTO, SE FORA DO CONTEXTO, TORNA-SE UM PRETEXTO


Ontem [12 Outubro de 2020] lemos uma man- to; sem julgamento. É a Lei do Amor que Cristo nos
chete que se tornou viral nas redes sociais, causando ensinou.
confusão e todo o tipo de reacções junto de católicos Por outro lado, aqueles que falam de uma
e não-católicos: "mudança na posição do Vaticano" ou o fazem de pro-
"Papa apoia uniões civis para casais ho- pósito para confundir, ou ignoram a forma como o
mossexuais, uma mudança na posição do Magistério da Igreja é pronunciado.
Vaticano". Garanto-vos que o que o Papa possa ter dito nu-
Surpreende-me que os meios de co- ma entrevista não constitui um pronunciamento do
municação social sérios tenham publi- Magistério da Igreja.
cado uma manchete tão importante, No recente documento do Magistério, Amoris
com base numa interpretação errada Laetitia (2016), a Igreja expressou claramente a sua
que, por sua vez, se baseia numa citação retirada do posição, e isto não mudou:
contexto. É um comentário feito pelo Papa docu- "A Igreja faz seu o comportamento do Senhor Jesus que
mentário que a maioria daqueles que o comentam em amor ilimitado se oferece a todas as pessoas sem excep-
não viram. ção. Com os Padres sinodais, tomei em consideração a situ-
Examinemos as citações atribuídas ao Santo Pa- ação das famílias que experimentam no seu seio pessoas
dre: com tendências homossexuais, uma experiência que não é
"Os gays têm o direito de pertencer a uma família, são fácil nem para os pais nem para os seus filhos. Por isso,
filhos de Deus, têm o direito a uma família. Ninguém pode queremos antes de mais reiterar que cada pessoa, indepen-
ser expulso de uma família, ou tornar a vida impossível dentemente da sua tendência sexual, deve ser respeitada na
para eles. sua dignidade e acolhida com respeito, procurando evitar
Isto aplica-se tanto à família nuclear como à grande "todos os sinais de discriminação injusta", e particularmen-
família da Igreja, o Povo de Deus. A doutrina da Igreja é te qualquer forma de agressão e violência. No que diz res-
clara sobre este ponto. "Cada pessoa, independentemente peito às famílias, é uma questão de assegurar um acompa-
da sua orientação sexual, deve ser respeitada na sua digni- nhamento respeitoso, para que aqueles que manifestam
dade e recebida com respeito" (Amoris Laetitia 250). uma tendência homossexual possam contar com a ajuda
"O que temos de fazer é uma lei de coexistência civil, necessária para compreender e realizar plenamente a von-
eles têm o direito de estar legalmente cobertos. Eu defendi tade de Deus nas suas vidas (250); e
isso". "No decurso do debate sobre a dignidade e missão da
A primeira coisa a esclarecer é que, nas suas decla- família, os padres sinodais observaram que os planos para
rações, o Papa em nenhum momento incentiva as equiparar as uniões entre homossexuais ao casamento, "não
uniões civis para casais homossexuais. O que ele faz é há base para assimilar ou estabelecer analogias, mesmo
reconhecer o facto de que eles existem e, portanto, remotas, entre as uniões homossexuais e o plano de Deus
necessitam de protecção jurídica civil em assuntos para o casamento e a família [...]". (251).
como herança, comunhão bens, cuidados de saúde, Como podemos ver, o Papa Francisco não fez
etc.. quaisquer pronunciamentos contrários à doutrina da
Ao fazê-lo, o Santo Padre reconhece a dignidade Igreja; nem encorajou as uniões civis entre homosse-
destas pessoas como filhos de Deus, compreendendo xuais, nem houve uma mudança na posição do Vati-
que, de uma perspectiva pastoral, as suas decisões, cano sobre o assunto.
mesmo que sejam contrárias aos ensinamentos da (…)
Igreja, devem ser respeitadas, e os seus direitos como Um último pensamento: Não se limitem a ler as
filhos de Deus protegidos. Isto está de acordo com a manchetes. É ir às fontes.
Doutrina Social da Igreja, que se baseia na dignidade
de cada ser humano como uma imagem de Deus. Hector L. Marquez, op,
(…) Não podemos confundir a doutrina da Igreja
estabelecida pelo seu Magistério com o cuidado pas- leigo dominicano de Puerto Rico, advogado, professor de
toral. Esta última baseia-se na lógica do Evangelho, teologia e anterior Coordenador do ICLDF.
que é amor, misericórdia, aceitação, acompanhamen-
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Laicado Dominicano Outubro/Novembro/Dezembro 2020

SER LEIGO DOMINICANO


profissional.
Passado este tempo, só posso estar grato pelo aco-
lhimento e pelo sentimento de pertença ao laicado,
sem esquecer outros tantos irmãos, em São Domin-
gos, dos vários ramos da família dominicana.
A estrutura dos encontros da fraternidade agrada-
me ainda hoje, não só pela importância dada à ora-
ção, mas também pelos temas escolhidos, anualmen-
te, para nosso estudo e reflexão conjunta. E, a este
propósito, posso dizer que é a actualidade destes te-
mas que me leva a uma reflexão pessoal, no período
Foi no dia 27 de Julho de 2019 que fiz a promes- entre encontros.
sa temporária, na fraternidade leiga de São Domin- Recentemente, questionei-me acerca disto mes-
gos e Nossa Senhora do Rosário de Cristo-Rei, no mo: de que modo me posso identificar com o espíri-
Porto. No ano anterior fora admitido a esta fraterni- to e o ideal dominicanos? Dito de outro modo: o
dade e tive a feliz oportunidade de continuar como convite à oração, ao estudo dos temas, à aceitação de
um de muitos membros dos vários ramos da Ordem entendimentos ou opiniões, diferentes dos meus,
dos Pregadores, porque, após uma experiência como seja em contexto da fraternidade, seja no meu dia-a-
frade, o nosso promotor, frei João Leite, perguntou- dia, são e serão um constante convite à conversão.
me se estaria interessado para seguir adiante, como
dominicano, mas no meu contexto familiar e sócio- José Alberto Oliveira, op

LEITURAS : Amor à Sagrada Escritura


(…) a par dum incremento dos estudos eclesiásticos, dirigidos a sacerdotes e cate-
quistas, que proporcionem de forma mais adequada a competência na Sagrada Es-
critura, deve ser promovida uma formação alargada a todos os cristãos, para que
cada um se torne capaz de abrir o livro sagrado e colher os seus frutos inestimáveis
de sabedoria, esperança e vida. (…) o centenário atual constitui um apelo a amar o
que Jerónimo amou, redescobrindo os seus escritos e deixando-se tocar pelo impac-
to duma espiritualidade que se pode descrever, no seu núcleo mais vital, como o
desejo inquieto e apaixonado dum conhecimento maior do Deus da Revelação.
Como podemos deixar de ouvir, em nossos dias, aquilo a que Jerónimo instigava
sem cessar os seus contemporâneos: «Lede com muita frequência as divinas Escritu-
ras; aliás, que o Livro Sagrado nunca seja deposto das vossas mãos»
Papa Francisco, Carta Apostólica «O afecto à Sagrada Escritura», 30 de Outubro de 2020, Ed.Paulinas

F I C H A T É C N I C A
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Direcção e Redacção
Cristina Busto Os artigos publicados expressam apenas
a o p i n i ã o d o s s e u s a u t o r e s .
José Alberto Oliveira/Gabriel Silva
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