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SENAC - LAPA SCIPIÃO

CÍNTIA PEREIRA GASPARETTI

PROJETO SOCIOEDUCACIONAL E CULTURAL SOARTE:


Proposta de avaliação segundo indicadores base para medir o grau de influência do projeto no
consumo cultural dos alunos

São Paulo
2019
2
SENAC - LAPA SCIPIÃO

CÍNTIA PEREIRA GASPARETTI

PROJETO SOCIOEDUCACIONAL E CULTURAL SOARTE:


Proposta de avaliação segundo indicadores base para medir o grau de influência do projeto no
consumo cultural dos alunos

Trabalho de conclusão de curso


apresentado ao Senac – Lapa Scipião,
como exigência parcial para
obtenção do grau de Pós-Graduação
em Gestão Cultural.

São Paulo
2019

3
ficha catalográfica

4
CÍNTIA PEREIRA GASPARETTI

PROJETO SOCIOEDUCACIONAL E CULTURAL SOARTE:


Proposta de avaliação segundo indicadores base para medir o grau de influência do projeto no
consumo cultural dos alunos

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Senac – Lapa


Scipião, como exigência parcial para obtenção do grau de Pós-
Graduação em Gestão Cultural.

Orientador Profº Me. Aldo Valentim

Abanca examinadora dos Trabalhos de Conclusão, em sessão


pública realizada em:___/___/_____, considerou a candidata:

1)Examinador(a): ______________________________
2)Examinador(a): ______________________________
3)Presidente: __________________________________

5
À minha família por todo apoio sempre,
ao meu pai (in memoriam)
por ter me dito sempre, do seu modo,
para acreditar mais em mim.

6
Agradecimentos

Agradeço imensamente à minha família e aos meus amigos que sempre me incentivaram e me
deram forças para chegar até o final do curso.

Agradeço ao Rui Anacleto de Medeiros Jr., diretor da Fundação Mary Harriet Speers, por
todo incentivo e confiança no meu trabalho.

A Gildásio Januário, Paulo Viel, Levi Fernando pela amizade sincera, pelas mensagens
trocadas e pela ajuda recebida.

Aos meus alunos do Projeto Soarte e colegas que me ensinam com as trocas de experiências
que compartilhamos nesse processo de educação musical.

Aos professores e amigos da Pós-Graduação no Senac - Lapa Scipião pelos ensinamentos


compartilhados.

Ao meu orientador Aldo Valentim pela paciência, auxílio e orientações recebidas.


7
Em tudo dai graças, porque esta é a

vontade de Deus

em Cristo Jesus para convosco.

I Tessalonicenses 5:18

8
Resumo

Esse trabalho tem como objetivo propor uma avaliação para mensurar se há mudanças no
consumo cultural dos alunos após o ingresso no Projeto Socioeducacional e Cultural Soarte.
Como o projeto pertence a Fundação Mary Harriet Speers, trazemos o conceito de fundação e
a importância da cultura e educação como bases para partir para uma investigação das
inquietações sobre o consumo cultural partindo das questões sociais que permeiam o público
do projeto. Para isso são levantados indicadores e questões para que a avaliação contemple o
recorte feito para este estudo de caso.

Palavras-chave: 1. Consumo cultural. 2. Terceiro setor cultural. 3. Projeto social em música.


4. Fundações Privadas. 5. Musica e Educação.

9
Abstract

This work proposes an assessment to check if, after joining Soarte Socio-educational and
cultural Project, changes are detected in the students’ cultural consumption. As the Project
belongs to the Mary Harriet Speers foundation, the concept of foundation is highlighted, as
well as the importance of education and culture as a basis for the investigation of concerns on
cultural consumption, starting from social difficulties perceived within the sample of students
belonging to the Project. Indicators are generated, and specific questions are made available,
allowing the assessment of this case study.

Key words: 1. Cultural consumption. 2. Third sector of culture. 3. Social project in music. 4.
Private foundations. 5. Music and education.


10
Lista de Abreviaturas e Siglas

FMHS - Fundação Mary Harriet Speers


IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

11
Lista de ilustrações

Figura 1 - Balanço Social …….………………………………………………………19


Figura 2 - Estatuto FMHS ……………………………………………………………20
Figura 3 - Condições de Moradia …………………………………………………….29
Figura 4 - Restrições de acesso ………………………………………………………30

12
Sumário

1. Introdução ………………………………………………………………………….14
2. Fundação ………………………………………………………………..………… 16
2.1 Fundação - Conceitos ……………………………………………………..……….17
2.3 Fundação Mary Harriet Speers …………………………………………………… 17
2.4 Projeto Socioeducacional e Cultural Soarte ……………………………………… 23
3. Indicadores ……………………………………………..………………………… 26
4. Metodologia ……………………………………………………………….…….... 30
4.1 Proposta Avaliativa ………………….………………….………………………… 31
5. Conclusão ………………………………………………………………………….. 33
6. Bibliografia ………………………………………………………………………… 34

13
PROJETO SOCIOEDUCACIONAL E CULTURAL SOARTE:
Proposta de avaliação segundo indicadores base para medir o grau de influência do
projeto no consumo cultural dos alunos

1. Introdução
Esta pesquisa parte de inquietações oriundas do meu trabalho na coordenação do Projeto
Socioeducacional e Cultural Sorte. Elas surgiram através do contato com o trabalho social
através da música, observando e atuando em sala de aula com os alunos e trocando
experiências, compartilhando dificuldades e desenvolvendo um trabalho de equipe com meus
colegas. Aos poucos além de entender a importância social do Soarte, fui percebendo os
desdobramentos trazidos por ele como, por exemplo, a importância de entender o público
atendido e o quanto nosso trabalho poderia influenciar positivamente em suas vidas. Sempre
me questionei como tornar cada vez mais orgânica a conexão da música com a vida de cada
um deles, já que dedicam um tempo de suas vidas para esse aprendizado. Além de todo o
processo lento e disciplinado de estudar um instrumento, ao fim do semestre eles tinham que
se apresentar (o que frequentemente pode causar algum incômodo devido a exposição), e, ter
a oportunidade de vê-los no palco (pela primeira vez para muitos), sempre foi algo fascinante
para mim. Fascinante pois é extremamente gratificante vê-los superarem a si mesmos, seus
medos e vencer desafios, portanto entender o que o Projeto Soarte pode representar e
influenciar positivamente para a sociedade foi o que me moveu na direção desta pesquisa. Os
orientadores do Projeto Soarte levantaram muitas questões que contribuem para entender o
perfil do projeto e isso só somou para a ideia deste trabalho. Dentre os meus questionamentos,
refleti sobre essa relação do Soarte como agente benéfico para a sociedade mas, por enquanto,
em decisão com o meu orientador, Aldo Valentim, optamos seguir por um outro caminho:
elaborar uma avaliação partindo de dois pontos que auxiliariam a entender mais o público do
projeto e um possível reflexo de passagem pelo projeto Soarte. Se, por um lado, não teremos
imediatamente a resposta para a questão do impacto positivo do projeto Soarte para o seu
público, por outro lado, a ideia da avaliação surgiu como uma possibilidade e ferramenta para
compreendermos melhor quem é esse público que ocupa o Soarte.
Logo, este estudo de caso propõe a estruturação de uma avaliação com a finalidade de
mensurar possíveis mudanças no consumo cultural dos alunos a partir do contato com o
Projeto Socioeducacional e Cultural Soarte, a partir de duas premissas: se há uma ampliação
nos gosto dos alunos com relação aos gêneros musicais, e, se aumenta a freqüência deles em

14
outros equipamentos culturais1 para assistir apresentações musicais diversas a partir deste
contato.
A questão do consumo cultural implica entender a ideia de capital cultural trazida por Pierre
Bourdieu e abordada por Coelho (1997) em seu dicionário crítico:

Num sentido estrito, capital cultural aponta para o conjunto dos instrumentos de
apropriação dos bens simbólicos. Sob este aspecto, considerando-se a questão do
ponto de vista do consumo cultural - um dos modos de apropriação dos bens
simbólicos - a alfabetização integra o capital cultural ou capital simbólico de um
indivíduo tanto quanto sua educação em geral e seu treinamento para apreciar a
música, a pintura, o cinema ou qualquer outra modalidade cultural. (COELHO,
1997, p. 84)

A arte e a educação são ferramentas extremamente poderosas pois oferecem a


liberdade de pensamento, a construção de uma visão crítica e uma busca pela melhoria, porém
podem servir como formas de manipulação, fazendo com que as pessoas que detenham maior
conhecimento sobre cultura exerçam poder sobre as com menos conhecimento, como por
exemplo, se você tem uma boa formação escolar você tem, conseqüentemente, mais
oportunidades do que outras pessoas que não tiveram formação escolar alguma. Como
vivemos em um sistema desigual, a maioria das pessoas não tem acesso a estudo de qualidade
e, conseqüentemente, tem menos oportunidades de inserção, seja no mercado de trabalho, seja
em acesso a equipamentos culturais e/ou seus modos de execução. Há um vídeo intitulado
Capital Cultural2 que explica de maneira simples como a escola que apesar parecer um
ambiente democrático em sua maneira de se apresentar, na verdade amplia o abismo que
existe entre pessoas com maior capital cultural e pessoas com menor capital cultural, assunto
muito trabalhado por Pierre Bourdieu no livro A Economia das Trocas Simbólicas, por
exemplo.
Esse capital influencia diretamente no acesso das pessoas aos equipamentos culturais e essa
proposta de avaliação vem em consonância a uma consciência de cidadania mais aguda, e, na
reflexão das atividades desempenhadas e suas consequências na vida das pessoas, buscando
entender o capital cultural e como através da educação musical podemos romper com padrões
de acesso que ficam estipulados a partir do prévio capital dos alunos.


1
Definição de Equipamento Cultural abordada no Dicionário Crítico de Política Cultural de Teixeira Coelho:
Sob o aspecto da macrodinâmica cultural, por equipamento cultural entende-se tanto edificações destinadas a
práticas culturais (teatros, cinemas, bibliotecas, centros de cultura, filmotecas, museus) quanto grupos de
produtores culturais abrigados ou não, fisicamente, numa edificação ou instituição (orquestras sinfônicas, corais,
corpos de baile, companhias estáveis, etc.).
2
Capital Cultural - Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=a3eO6-D4nHo

15
Para dar andamento a avaliação é preciso entender que existem vários fatores que intervêm no
capital cultural e preconizam a avaliação:

Fatores de variada origem intervêm para caracterizar um capital cultural.


Considerações de ordem estética, étnica, religiosa, econômica podem determinar
quais conjuntos de bens simbólicos constituem um capital cultural, que surge assim
como a coleção dos bens simbólicos tidos como dignos de serem desejados e
possuídos, à exclusão de todos os demais. (COELHO, 1997, p. 84)

Além de compreender esses fatores, sabemos que o fato de acessar o bem cultural não
faz com que a pessoa tenha acesso a como esse bem se constrói, como se produz e reproduz.
Portanto, para além do acesso a arte em si, ao trabalhar com a educação musical, no caso,
estamos mostrando como se constrói este conhecimento e qual o processo até o dia de uma
apresentação, quebrando uma hegemonia que mantém esse desequilíbrio do qual Coelho traz
em seu dicionário crítico dentro do texto sobre Capital Cultural:

Haveria, deste modo, uma íntima relação entre a estrutura de distribuição do capital
econômico entre os diversos segmentos de uma sociedade ou país e a estrutura de
distribuição (participação) do capital cultural nessa sociedade ou país. Em
decorrência desta observação, haverá, por exemplo, desequilíbrio entre o capital
cultural dito de produção e o capital cultural de consumo, significando que uma
parte da população pode ter acesso ao capital cultural via consumo mas permanecerá
alienada de sua produção. (COELHO, 1997, p. 85)

A ideia de que só pode estudar um instrumento musical quem tem uma condição
financeira melhor, e a restrição de repertórios a determinados espaços culturais ou a pessoas é
algo muito difícil a ser quebrado atualmente, seja pela própria elitização histórica da música
erudita, seja por ela ser uma cultura imposta aqui pelos colonizadores. Acontece é que
conhecemos muito pouco também de nossa música brasileira e temos muita música para ser
tocada em formações instrumentais diversas com canto ou não, e com ritmos presentes da
nossa cultura brasileira que são pouco difundidos. O aprendizado de um instrumento musical
não serve somente para tocar música erudita, há uma infinidade de estilos para serem tocados
e descobertos por cada indivíduo que se dispõe a tanto. Portanto avaliar os benefícios trazidos
pelo Projeto Soarte nesses dois tópicos: ampliação do gosto, e, aumento da frequência em
equipamentos culturais, significa entender uma estrutura mais profunda social ao qual essas
pessoas estão inseridas e o alcance atingido pelo trabalho no Projeto.

2. Fundação

O Projeto Socioeducacional e Cultural Soarte é um projeto próprio da Fundação Mary


Harriet Speers (FMHS). Explicarei mais sobre a Fundação e o Projeto Soarte nos tópicos 2.2 e
2.3 respectivamente.

16
2.1 Fundação - Conceitos

Como consta no livre de Rafael Carvalho Rezende Oliveira: “As fundações em geral
são pessoas jurídicas, sem fins lucrativos, cujo elemento essencial é a utilização do
patrimônio para satisfação de objetivos sociais, definidos pelo instituidor.” (OLIVEIRA,
2015, p.164). Ainda explica que:
As fundações estatais, independente da personalidade jurídica, assim como
as fundações privadas, não possuem finalidade lucrativa e desenvolvem
atividades socialmente relevantes.[…] O objeto das fundações privadas deve
ser o desempenho de atividades sociais - religiosas, morais, culturais e de
assistência.[…] Veja que a norma não faz menção, por exemplo, ao
desempenho de atividades voltadas para a preservação do meio ambiente,
pesquisa, saúde e desporto, o que, a nosso juízo, não impede a instituição de
fundações para tais desideratos. (Ibid, p.166)

Outra definição complementar para o conceito de Fundação é a do José Eduardo Sabo Paes
que diz:
Como pessoa jurídica de direito privado prevista no art. 44 do Código Civil,
a fundação consiste em um complexo de bens destinados à consecução de
fins sociais e determinados e, como universitas bonorum, ostenta papel
valoroso e de extremo relevo dentro das sociedades em que se insere, pois é
instrumento efetivo para que os homens prestem serviços sociais e de
utilidade pública diretamente a todos aqueles que necessitam, bem como
possam transmitir às sucessivas gerações seus ideais e convicções, e seguir
atuando. (PAES, 2018, p.60)

Diz ainda que:


A fundação, em nosso direito, é uma instituição de fins determinados
(finalidade esta que depende da vontade do instituidor), formada pela
atribuição de personalidade jurídica a um complexo de bens livres, que é o
patrimônio, o qual será administrado por órgãos autônomos de conformidade
com as previsões do estatuto. Assim, podemos relacionar as cinco principais
características das fundações: a) a finalidade ou os fins; b) a origem ou a
forma de criação; c) o patrimônio; d) o modo de administração; e) o
velamento do Ministério Público. (Ibid, p.60)

2.2 Fundação Mary Harriet Speers

A Fundação Mary Harriet Speers foi constituída juridicamente em 1982, embora tenha
começado a funcionar de fato no ano seguinte ao do término do inventário, 19873. Mary
Speers recebeu uma educação excelente, sua família mesclou brasileiros e ingleses. Ela não
teve herdeiros, com isso manifestou a preocupação do que ocorreria com seu patrimônio após
sua morte. Foi então que resolveu fazer um testamento com o auxílio de seu advogado e


3
Fundação Mary Harriet Speers: Um legado de Cidadania, 2014.

17
inventariante, dr. Osório Faria Vieira, deixando formalizada sua decisão de deixar seu
patrimônio para o bem comum. A Instituição visa investir o retorno de seus bens imobiliários
em atividades de formação de estudantes com o fornecimento de bolsas de estudos a pessoas
com menos favorecidas, além de auxiliar instituições que atendam crianças e idosos por meio
de edital de seleção.
A Fundação conta também com dois projetos próprios, um no âmbito da saúde
oferecendo atendimentos dentário e médico a pessoas em situação de vulnerabilidade social -
Projeto Saúde, e outro, no campo da cultura e educação, que oferece bolsas de estudo para o
aprendizado de música - Projeto Socioeducacional e Cultural Soarte. Ambos os projetos tem
suas especificidades para participação e os atendidos e/ou candidatos passam pela triagem
com a assistente social.
A Fundação Mary Harriet Speers não tem fins lucrativos e seu alvo final é o ser
humano transformado. É agente de mudanças, melhoria de qualidade de vida e promoção de
justiça social. O papel da Fundação é incentivar parcerias e investir em projetos que tenham
bons resultados para a sociedade, ao formar cidadãos conscientes de seu papel. Apoiar a
formação de profissionais para o Terceiro Setor e promover a formação e a mobilização do
voluntariado. Oferece oportunidade de ensino e de aperfeiçoamento a quem encontra
dificuldades para chegar à universidade. E, assim, incentiva seus beneficiados a alimentarem
desejo de retribuição e de propagação de seu ideal de cidadania.4
Abaixo segue o balanço social das atividades da FMHS de 20185:


4
Disponível em: maryspeers.org.br/a-fundacao
5
Balanço Social realizado pela Fundação com dados levantados por meio dos relatórios de 2018.

18
Figura 1 - Balanço Social

Fonte: Relatório de Atividades 2018, 2019.

A Fundação Mary Harriet Speers é dirigida por um Conselho Curador, composto por
oito membros, ao qual cabe a deliberação de todos os assuntos relevantes da administração da
entidade. Esse conselho acumula também a função de Conselho Fiscal, conforme previsto em
seu Estatuto. A gestão e a execução das atividades relacionadas ao dia a dia da Fundação são
de responsabilidade da Diretoria Executiva e da Gerência Profissional6. Periodicamente a
FMHS é auditada por auditores independentes e pelo Ministério Público afim de sempre
manter a idoneidade de suas atividades.
Com relação as atividades fim desenvolvidas pela fundação, temos uma série de áreas que são
abarcadas pelo estatuto da D. Marys Speers. Abaixo segue um recorte do Estatuto7 da
Fundação onde é exposta algumas de suas finalidades com o intento de localizar onde o
Projeto Soarte, fruto da pesquisa desse trabalho, se enquadra:


6
Disponível em: maryspeers.org.br/governanca-transparencia
7
Por ser um documento oficial, fiz um recorte apenas das finalidades afim de preservar as informações do
documento.

19
Figura 2 - Estatuto FMHS

Fonte: Estatuto FMHS, 2016

O projeto se enquadra principalmente nos itens III e VIII, promovendo a cultura e a


inserção social através da educação musical.
Constata-se que o seu estatuto compreende o apoio e execução a programas culturais,
musicais e de educação, dentre outros, e como lemos na definição de OLIVEIRA, a fundação
deve cumprir seus objetivos sociais e para tanto gostaria de trazer a reflexão sobre a palavra
cultura trazida por Hervé Juvin:
Cultura. O modo de se relacionar consigo mesmo, com os outros e com o
mundo. Modo de se expressar ou de fugir. Modo de estar aqui e agora; ser,
ao mesmo tempo, origem e projeto, palácio de cristal e canteiro de obras.
Aquilo que constitui a verdade, aquilo que dizemos e aquilo que não
dizemos; aquilo que faz com que os semelhantes se reconheçam. Entre o que
faz um e o que faz o outro. Origem das sociedades humanas, em sua
singularidade, em seu diálogo e na diferenciação que possibilita a paz.[…]
Cultura. Aquilo cujo nome poderia ser crise. Aquilo que transuda, obscurece
e se embota, sob o culto eufórico à fraternidade, à solidariedade, à
humanidade reconciliada - reconciliada, enfim - pela cultura-mundo e na
cultura-mundo. Aquilo que simula, range e chia, nas minúsculas engrenagens
da máquina do contentamento, da fabricação da opinião, do consentimento e
da concessão. (JUVIN; LIPOVETSKY, 2012, p.69)

O trabalho desenvolvido no Projeto Soarte busca a transformação social através do


ensino musical, oferecendo ferramentas para o indivíduo aprender a se relacionar consigo e
com os outros, com seu corpo ao entender sobre postura ao tocar um instrumento, a cuidar do

20
espaço e dos objetos que utiliza para que outros também possam usufruir, a ouvir o outro, a se
expressar, dentre tantas outras funções que o aprendizado musical proporciona.
Em um vídeo falando sobre o trabalho de Gestor Cultural, Danilo Santos de Miranda,
diretor do SESC, diz: "A cultura tem essa condição de ir muito além daquilo que
aparentemente esta fazendo […] você está transformando, está mudando. Eu considero até o
processo educacional parte do processo cultural e não o contrário. Cultura é um processo de
educação permanente”8.
Diante de diversas situações limítrofes a cultura se estabelece como uma força motriz
que possibilita não somente a resistência a divergências ideológicas, como por exemplo o
compositor D. Shostakovitch9 que viveu no totalitarismo de Stalin, mas também o
desenvolvimento econômico de um país. Na fala de Danilo Miranda, diretor do SESC, ele diz:
"Cultura é um processo de educação permanente”, cultura e educação estão ligadas
intrinsecamente, e a cultura gera muitos empregos pois não é somente os que estão envolvidos
diretamente no espetáculo artístico mas diversas outras áreas secundárias como o transporte
para chegar até o local, o consumo de alimentos e bebidas, a venda de lembranças do
espetáculo, entre tantas outras ramificações econômicas lucram a partir de um evento cultural.
Dentro da visão artística na música, a arte tem o poder de minimizar fronteiras
políticas inclusive. Por exemplo, a orquestra West-Eastern Divan, idealizada pelo músico
Daniel Barenboim e por Edward Said, onde músicos israelenses e árabes têm a possibilidade
de tocar juntos. Ora, essa ideia poderia ser facilmente vista como algo impossível tendo como
ponto de partida a rixa milenar entre esses povos. Porém, foi um momento onde esses jovens
enquanto integrantes da orquestra, tocaram uma mesma melodia juntos, e, para que a música
acontecesse eles tiveram que deixar de lado suas diferenças para tocar e ouvir uns aos outros
sendo de nacionalidades diversas, com costumes completamente contrários muitas vezes. E,
no momento em que tocavam juntos com o simples objetivo de realizar uma obra musical
fizeram com que a arte virasse um ponto de partida para que esses músicos, uma vez reunidos,
passassem a não olhar por aqueles momentos as diferenças entre si enquanto povos, e
diminuíssem a intolerância causada pela guerra. Tendo esse princípio Said e Barenboim
criaram a orquestra, que teve seu primeiro experimento em 1999, na cidade de Weimar, e
segue em atividade até os dias atuais.


8
Gestores Culturais #2 - Danilo Santos de Miranda - Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=n4EjeQjFqeM
9
Não iremos detalhar esse assunto neste trabalho porém é possível encontrar material sobre no livro O Resto é
Ruído,de Alex Ross, e, no livro A musica desperta o tempo de Daniel Barenboim.

21
Dentro da prática musical conseguimos compreender a importância da cultura na
formação das pessoas e suas consequências seja no gosto, opiniões, entrega ao próximo,
sentimento de pertencimento, entre outros, e que reflete diretamente no consumo cultural. No
mesmo texto intitulado Cultura e Globalização, Juvin, escreve:

Johann Sebastian Bach e o rap, as etiquetas e Chanel, o confessional e o


ashram. Já não separados, no distanciamento e na tensão, e sim, lado a lado,
juntos, iguais, entremeados nesses novos estados de consciência forjados
pela prática das solicitações simultâneas.[…] Eis a cultura, ou seja, a
maneira de ver o mundo, de sentir o mundo, de se sentir no mundo, e,
portanto, de agir sobre o mundo. (JUVIN; LIPOVETSKY, 2012, p.73)

Desenvolver o trabalho de educação musical com público em situação de


vulnerabilidade social é uma grande oportunidade de aprendizado do que Juvin traz. Muitas
das pessoas que chegam para fazer aula no projeto nunca foram ver um concerto ou
apresentação de música instrumental, o que nos traz desafios e também alguns dados de que
músicas “eruditas" não são presentes conscientemente no seu cotidiano. Digo que não são
presentes conscientemente pois ao ouvir uma música erudita no comercial do sabonete
Vinólia as pessoas não associam a música instrumental como uma música do período barroco
escrita por Vivaldi, elas conhecem como a música do comercial de sabonete, ou quando
ouvem “Für Elise” do Beethoven ser tocada pelo caminhão de gás. O fato de trabalharmos
estilos musicais variados no processo educacional, faz com que estejam presentes essas
“solicitações simultâneas” de gostos e estilos, o que é um grande diferencial que não engessa
o currículo abordado pelos Orientadores do Projeto Soarte. Há diversos fatores que podem
influenciar no gosto e que constroem a identidade das pessoas, por isso em cada grupo ao qual
ela está inserido será refletido seus modos de comportamento, maneiras de se vestir e de falar,
assuntos e gostos compartilhados entre estilos musicais e demais artes possíveis de serem
abordadas dentro daquele espaço.
Sobre o termo cultura-mundo trazido por Juvin presente no livro “A Globalização
Ocidental”, consta: "Cultura-mundo é a primeira que se pretende verdadeiramente universal,
porque é individual e está associada ao pretenso triunfo do indivíduo.”(Ibid, p.75).
No livro intitulado A cultura-mundo - resposta a uma sociedade desorientada, de Gilles
Lipovetsky e Jean Serroy, os autores trazem a seguinte reflexão: “Daí se vê que, se a cultura-
mundo está associada à globalização, ela deve ser vista, mais ainda, como o estado da cultura
que acompanha a hipermodernidade” (LIPOVETSKY; SERROY, 2011, p.14).

22
Esses autores e o Juvin tecem a ideia que vivemos um momento onde os gostos pelas artes
ditas refinadas e as mais grosseiras convivem dentro do mesmo indivíduo, fazendo com que
os parâmetros norteadores de classificar a arte como legítima ou ilegítima que nos serviam
antes não tem mais a efetividade que tinham, tornando nossa sociedade desorientada e com
uma referência mais individualista. Como fechamento Lipovetsky e Serroy, afirmam que a
educação é o caminho e reiteram um sentido para a cultura:

Não há justiça social sem crescimento anterior, nem crescimento que valha a
pena sem desenvolvimento social. Enfim, investir no capital humano, na
educação e em pesquisa. É preciso cada vez mais direcionar nossa economia
para uma economia do conhecimento, investindo nos setores mais criativos,
com mais possibilidades de futuro. E recompensar melhor os que, com suas
descobertas, contribuem para aprimorar as condições de vida dos homens e
das mulheres. Não são o protecionismo e o medo doentio da mudança que
vão assegurar o esforço necessário, e sim a liberação dos talentos e das
energias em conformidade com nosso alicerce de valores humanistas e
solidários. (Ibid, p.197)

… E aí nos juntamos, de certa maneira, à função eterna, antropológica da


cultura: educar e socializar os homens, dando-lhes um propósito e
favorecendo um sem-número de projetos, experiências, horizontes com
sentido, fornecer a eles possibilidade de “mudar de vida”. A cultura não é
contra a paixão: é, ao contrário, o que deve alimentar as paixões ricas e boas
dos indivíduos. Não mais apenas exaltar a profundidade, mas talvez realizar
algo mais importante para a maioria: impor limites à desorientação e fazer
com que os homens tenham autoestima quando envolvidos com atividades
que mobilizem sua paixão por superar-se e assumir o papel de protagonistas
de suas vidas. (Ibid, p.198)

2.3 Projeto Socioeducacional e Cultural Soarte

O Projeto Socioeducacional e Cultural Soarte busca a transformação social através da música.


Oferece cursos de instrumentos por meio de bolsas de estudos que são concedidas segundos
critérios socioeconômicos e segundo os critérios da Lei Orgânica de Assistência Social
(LOAS), este último implementado em 2019 com a contratação de um profissional da
Assistência Social.
Nos critérios socioeconômicos tomamos por base os mesmo critérios do ProUni conforme
consta do site do MEC10:
Para concorrer às bolsas integrais, o candidato deve ter renda familiar
bruta mensal, por pessoa, de até um salário mínimo e meio. Para as
bolsas parciais de 50%, a renda familiar bruta mensal deve ser de até
três salários mínimos por pessoa.


10
Disponível em: http://www.siteprouni.mec.gov.br/

23
No caso das bolsas parciais, o aluno fica ciente que deve colaborar mensalmente com o
projeto com doação de materiais solicitados pela secretaria do projeto ou um valor simbólico
em espécie. Também caso tenham vagas remanescentes é possível que pessoas que não se
enquadrem nos critérios de bolsas façam parte. Estes são chamados de Colaboradores, e
mensalmente contribuem com o projeto com materiais solicitados pela secretaria ou em
espécie. O fato de serem colaborados não dá o direito a aula particular. Todas as aulas do
projeto são em grupos de no mínimo 3 e no máximo 10 alunos por turma. Temos também as
práticas de grupo onde os alunos podem participar e ter a possibilidade de aprender, tocar com
Orientadores11 e outros colegas que tocam outros instrumentos.
Os cursos disponíveis para aprendizado são: violino, viola, violoncelo, contrabaixo, saxofone,
flauta, clarinete, trompa, trombone, trompete, percussão sinfônica e popular, violão, piano,
órgão, canto lírico e canto popular. Além disso, para fazer parte do projeto, o aluno tem que
ter disponibilidade para cursar o instrumento escolhido e a aula de teoria que é fundamental
para o seu desenvolvimento.
O projeto tem atualmente 12 práticas de grupo, sendo eles: Musicalização Infantil, Coro
Infantil, Coro Jovens e Adultos, Coro de Câmara, Prática de Chorinho, Big Band, Camarata
de Cordas, Grupo de Violoncelos, Baixos em Quarta, Grupo de Criação e Arranjo, Coro
Experimental (música e teatro) e a Orquestra Educacional. A quantidade de alunos nesses
grupos variam de 4 a 40 integrantes, sem contar com os orientadores.
O Projeto Soarte também conta com um programa de Monitoria, onde oferece uma bolsa aos
alunos que se destacam por seus estudos. Portanto, eles auxiliam nas atividades do projeto
com 20h mensais e quando solicitados em apresentações, e tem a possibilidade de serem
instruídos pelos Orientadores, afim de se desenvolver no âmbito profissional assistindo aulas
e até substituindo Orientadores quando necessário. A concessão da bolsa de monitoria é feita
mediante edital realizado anualmente.
A equipe é formada por uma coordenadora, dezenove orientadoras(es), quatorze
monitoras(es), dois profissionais responsáveis pela secretaria e um profissional da
psicopedagogia. Os orientadores são músicos formados na área ou com graduação em
andamento, alguns com mestrado e pós, uma equipe muito jovem porém muito experiente e
aberta ao diálogo e a construção de ideias em equipe.


11
Orientadores são os professores do Projeto, como somos um Projeto Social, adotamos o termo orientadores
para não associar o Projeto com o molde de uma Escola regular que pode emitir certificados reconhecidos pelo
MEC.

24
Os alunos que ingressam tem que ter obrigatoriamente dois dias por semana disponíveis para
cursar as aulas do projeto. No primeiro ano eles recebem instruções básicas do instrumento e
aulas de Coral afim de trabalhar ritmo e solfejo. A partir do segundo ano, eles continuam no
instrumento e passam a ter aulas de teoria musical. Atualmente o curso de teoria tem a
duração de 4 anos e o de instrumento 5 anos, porém os conteúdos estão sendo revisados para
que possamos ampliar as possibilidades de atendimento ao público frente às novas demandas
que têm surgido.
No âmbito pedagógico, são realizadas uma reunião mensal (com duração de manhã até
a tarde) onde trata-se sobre dificuldades enfrentadas em sala de aula: questões referentes a
comportamentos, conteúdos ensinados, relacionamentos interpessoais, dificuldades de
aprendizagem, entre outros. Como nem todos os orientadores estão no projeto todos os dias, a
reunião acontece em dias alternados a fim de contemplar todos, por exemplo, no mês de
janeiro foi em uma terça, e então em fevereiro foi em uma quarta-feira, e assim por diante.
Também neste mesmo dia acontecem reuniões individuais de casos mais específicos com a
coordenação, reunião dos gestores, afim de sanar dúvidas e direcionar o trabalho da melhor
maneira. Ao longo do mês sempre que necessário nos reunimos de forma mais individual para
solucionar questões emergentes. Recentemente abordamos sobre a necessidade de rever os
conteúdos aplicados no ensino de teoria musical e instrumento, afim de construir mais
solidamente o que nós pretendemos fornecer de formação para as pessoas que tem a
oportunidade de estudar no projeto. Percebemos a necessidade de delimitar tempo de
permanência, fazer cursos específicos voltados para a terceira idade, demandas de cursos
voltados para pessoas com necessidades especiais (PNE), entre outras questões. O projeto não
tem limite de idade para se matricular e concorrer a uma bolsa, conforme a vontade de D.
Mary em atender tanto o público jovem como o público da terceira idade não estipulamos
uma idade de corte. Porém percebemos a necessidade de organizar turmas por faixa etária por
questões de aprendizagem, e, como não somos uma equipe tão grande, foram necessários
ajustes com a finalidade de reconhecermos nosso limite de atuação, seja por disponibilidade
de tempo, orçamento, espaço físico, instrumentos disponíveis, etc.
Os alunos não têm obrigação de ter instrumento, ele podem utilizar os instrumentos do
projeto para realizar as aulas e para seu estudo nas dependências do projeto. O projeto
funciona no 3º e 4º andar do Edifício Eduardo Carlos Pereira, situado na Rua Nestor Pestana,
136 - Consolação - São Paulo, e temos 11 salas para aulas e estudo, e o horário de
funcionamento é de terça a quinta das 9h as 21h, de sexta das 9h as 18h e aos sábados das 9h
às 12h.

25
Se a proposta desta avaliação for implantada certamente auxiliará a identificar o perfil
dos alunos existentes hoje e o impacto do projeto na vida dessas pessoas, fornecendo dados
para que nós, enquanto educadores, saibamos em que nível conseguimos “mudar a vida” de
alguns através da educação musical como dito anteriormente por Lipovetsky e Serroy.

3. Indicadores

Como Jannuzzi define em seu livro, Indicadores Sociais no Brasil:

Indicador Social é uma medida em geral quantitativa dotada de


significado social substantivo, usado para substituir, quantificar ou
operacionalizar um conceito social abstrato(…). É um recurso
metodológico, empiricamente referido, que informa algo sobre um
aspecto da realidade social ou sobre mudanças que estão se
processando na mesma. (JANUZZI, 2006, p. 15)

Diz ainda que sua utilização para fins acadêmicos se dá como um elo entre a Teoria
Social observada e a evidência dos fenômenos observados, e na perspectiva programática é
uma ferramenta importante para a formulação e reformulação de políticas públicas.
Outra definição utilizada pelo IBGE segundo os objetivos aos quais os indicadores servem:

Traçar um perfil das condições de vida da população brasileira,


procurando ressaltar os níveis de bem-estar das pessoas, famílias e
grupos sociais, tendo como eixo de análise principal a perspectiva das
desigualdades (entre os grupos sociais e de acesso a serviços). (…)
(IBGE, 2018, p. 3)

O presente trabalho tem como objetivo elaborar uma proposta de avaliação que busca de
responder duas perguntas básicas:
1. Após o ingresso no Projeto Soarte o aluno passa a ouvir outros gêneros de música
ampliando seu interesse por outros estilos musicais?
2. A partir do ingresso no Projeto Soarte o aluno aumenta sua freqüência em salas de
concerto, shows e outras apresentações musicais em outros lugares?
Para isso, indicadores fundamentais, entre tantos outros, seriam:
a. renda;
b. profissão;
c. tipo de moradia;
d. escolaridade;
e. idade;
f. religião;
g. sexo;

26
h. cor da pele;
i. estado civil;
j. número de filhos;
k. com quem reside;
Esses indicadores foram tomados como base, analisando a pesquisa de impacto realizada
pela JLEIVA12 realizada entre junho e julho de 2017 levantando os hábitos culturais em 12
capitais do Brasil. Cada um desses indicadores norteiam-se a partir do conceito de capital
cultural e da relação deste com cada indivíduo, o indicador renda por exemplo, nos permite ter
ideia de quanto o indivíduo dispõe (se dispõe) de recursos para atividades que não sejam as
básicas para sua sobrevivência (alimentação, saúde, gastos com deslocamento); o indicador
profissão mostra a inserção no mercado de trabalho e está atrelado diretamente a escolaridade
no caso de pessoas com menos oportunidades de estudo e consequentemente com uma renda
menor; tipos de moradia reflete também a despesa e a condição financeira do indivíduo e de
sua família; idade reflete processos de exclusão de bens culturais que podem nascer a partir do
acesso a escola e podem ser minimizados ou intensificados também pela escola; religião
influenciará nos costumes, nas permissões em conhecer outras manifestações artísticas que
muitas vezes podem ser taxadas como inapropriadas por conta de crenças limitadoras; sexo
influencia no acesso desigual que ocorre entre homens e mulheres pois apesar das mulheres
manifestarem maior interesse por atividades culturais elas tem menor acesso, seja por tempo
por ter que se dedicar a casa ou trabalho e filhos e por receberem menos que os homens como
é mostrado na pesquise da JLEIVA; cor da pele é um fator que mostra que o racismo
estrutural também é cultural e esbarra em questões muito próximas a exclusão de gênero
como baixos salários, exclusão de espaços culturais, recorte geográfico, políticas públicas de
inclusão; estado civil influencia nas decisões das pessoas, se tem mais liberdade para
escolherem por si ou se tem um relacionamento e se isso interfere nas atividades que executa
no dia-a-dia; número de filhos é um fator importante principalmente no caso das mulheres que
carregam mais a responsabilidade de cuidado e atenção com os filhos, o que faz com que elas
tenham menos tempo para si mesmas; e por fim, com quem reside, é um fator que permeia
outros inclusive sobre a responsabilidade que se tem dentro casa, como por exemplo, se é o
responsável pelo sustento ou se mora com os pais, ou se depende financeiramente do seu
cônjuge. Todos os indicadores se cruzam, relacionei uma breve explicação sobre cada um,
porém eles estão interligados e são fundamentais para a compreensão do público atendido.


12
Disponível em: http://www.culturanascapitais.com.br/metodologia/

27
Sobre educação e renda há um texto pesquisa da JLEIVA que diz:

Nos primeiros estudos sobre os hábitos culturais, em meados dos anos 1960, a
educação e a renda já apareciam como dois dos principais condicionantes de acesso
a livros, músicas, filmes, peças de teatro e museus.[…] A educação aparece na
pesquisa como fator determinante para um maior acesso à cultura. O percentual de
pessoas que foram às atividades culturais nos doze meses anteriores cresce à medida
que os anos de estudo aumentam — isso vale para todas as manifestações, de festas
populares e blocos de carnaval a museus e concertos de música clássica.
Consequentemente, o contrário ocorre com a exclusão: entre os que estudaram
menos, é maior a proporção dos que nunca foram a manifestações culturais. A renda
costuma ser ainda mais lembrada do que a educação para explicar a distância entre
parte da população e a produção artística. Como diversas atividades culturais são
pagas, elas são menos acessíveis para pessoas com rendimentos menores. O impacto
da renda sobre a vida cultural dos entrevistados pode ser visto de forma ainda mais
clara nas respostas sobre o tipo de atividade frequentada: apenas gratuitas, mais
gratuitas do que pagas, mais pagas do que gratuitas ou apenas pagas.

Sobre a questão de gênero, a pesquisa nos mostra:


Com exceção de jogos eletrônicos e blocos de carnaval, é sempre mais alto o
percentual de mulheres que deram notas entre oito e dez para seu desejo de ir a
atividades culturais — e sempre com ao menos quatro pontos de vantagem em
relação aos homens. Porém, apesar de as mulheres demonstrarem maior interesse
por atividades culturais, o seu acesso é quase sempre inferior. O resultado parece ter
relação com o papel atribuído às mulheres, o preconceito e a desigualdade de
gênero. A responsabilidade pela casa e pelos filhos pode resultar em menos tempo
livre para atividades culturais, e as diferenças salariais reduzem as condições de ir a
teatros, cinemas e shows de música.

Ainda é possível entender a importância de cada indicador se houver um olhar atento13


tomando como os mais importantes a educação, trabalho e renda, e, vulnerabilidades, que
estão nas diretrizes básicas para a concessão de bolsa de estudo no Projeto Soarte.
Muitos desses indicadores constroem também o mapa de barreiras de acesso que a
população enfrenta, seja de acesso a informações até o acesso físico ao local onde as
atividades culturais, mais especificamente musicais, acontecem.
Como exemplo, seguem duas imagens contendo gráficos do IBGE14 que retratam
respectivamente as condições de moradia, e, as barreiras de acesso.


13
Sobre o trazer um outro olhar para os indicadores, a dissertação de mestrado Juventude Viva: proposta de
indicadores de avaliação de resultados para medir a efetividade da Política Pública, traz como um dado
importante na compreensão dos indicadores propostos a educação, renda e trabalho, e, vulnerabilidades.
Valentim, Aldo. 2014.
14
IBGE, 2018.

28
Figura 3 - Condições de Moradia

Fonte: IBGE, 2018, p. 24

29
Figura 4 - Restrições de Acesso

Fonte: IBGE, 2018, p. 26

4. Metodologia

Uma metodologia seria levantar esses dados dos indicadores com cada aluno na
triagem com a assistente social no processo de ingresso de aluno no Projeto. Após isso, o
aluno efetivando sua matrícula passaríamos para o segundo passo, que seria responder um
questionário onde fosse possível identificar os seus respectivos hábitos culturais.
Para esta proposta isso foi escolhido o modelo de estudo de caso sendo o objeto deste
estudo o Projeto Soarte e seus alunos. No tópico seguinte, segue uma proposta avaliativa que
deverá ser respondida após a triagem com a assistente social, seguindo as duas premissas: se
há uma ampliação nos gosto dos alunos com relação aos gêneros musicais, e, se aumenta a
freqüência deles em outros equipamentos culturais para assistir apresentações musicais
diversas a partir deste contato.
30
Esse questionário deverá ser respondido pelos mesmo alunos no segundo ano de
participação no projeto para que os dados sejam cruzados e avaliados se houve alguma
mudança nas respostas ou não e levantar os possíveis motivos em casos afirmativos e
negativos.

4.1 Proposta Avaliativa

Como proposta responderiam as seguintes perguntas:

1. Com que freqüência você escuta música?

• de 1 a 3 dias por semana;


• de 3 a 5 dias por semana;
• somente aos finais de semana;
• todos os dias;
• nunca

2. Quais estilos de musica você ouve:

• funk;
• rap;
• sertanejo;
• rock nacional;
• rock internacional;
• pop;
• música clássica;
• música brasileira;
• gospel;
• pagode;
• axé;
• samba;
• arrocha;
• outros:_______________

3. Já foi a um concerto? Se sim, onde? Era música instrumental ou vocal?

• Não;
• Sim, onde: _____________________
Instrumental ou vocal (Coro, ópera, somente orquestra ou grupo de câmara):
_____________________________________

4. Já foi a algum show? Se sim, de qual artista/banda?

• Não;
• Sim, qual(is): _______________

5. Se a resposta anterior for sim, com qual freqüência você vai a shows?

31
• de 1 a 3 vezes por ano;
• de 3 a 5 vezes por ano;
• de 5 a 7 vezes por ano;
• de 7 a 10 vezes por ano;
• de 10 a 12 vezes por ano;
• mais de 12 vezes por ano;

6. Quais gêneros musicais você mais ouve no seu cotidiano (3 no máximo)?


R: ____________________________________________________________

7. Você tem preferência por um estilo musical especifico?


• Não;
• Sim, qual(is): _______________

8. Com qual freqüência você assiste apresentações musicais, shows, etc?


• Não frequento;
• de 1 a 3 vezes por mês;
• de 3 a 5 vezes por mês;
• de 5 a 7 vezes por mês;
• de 7 a 10 vezes por mês;
• mais de 10 vezes por mês;

9. Alguém da sua família ou dos seus amigos toca algum instrumento?


• Não;
• Sim, quem: _______________ e qual instrumento: _______________

10. Você toca ou canta?


• Não;
• Sim, qual estilo/gênero?: _______________

11. De onde vem seu interesse por música?


R: ____________________________________________________________

Um terceiro passo após essas respostas seria refazer esse questionário no segundo ano
do Projeto com os mesmos alunos, incluindo algumas questões, como por exemplo:

1. O Projeto Soarte o incentivou a conhecer outros estilos musicais?


• Não;
• Sim, como?: _______________

2. A partir do estudo de música você passou a assistir mais apresentações? Por que?
• Não, Por quê?
R:____________________________________________________________
• Sim, Por quê? R:
____________________________________________________________

32
3. O que você acha do Projeto oferecer ingressos gratuitos para alguns concertos na Sala
São Paulo devido a sua parceria com o Cultura Artística?
R:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

4. Você passou a ouvir mais música no seu cotidiano?


• Não, Por quê?
R:______________________________________________________________________
• Sim, Por quê?
R:______________________________________________________________________

5. Como você vê a oportunidade de estudar música gratuitamente no Projeto?


R: ____________________________________________________________

Após colher as respostas, deve ser criado gráficos para mostrar os resultados e para
transformar a análise das respostas em dados numéricos, a fim de responder os
questionamentos dessa proposta avaliativa.

5. Conclusão

A reflexão trazida para a criação dessa proposta avaliativa, cada vez mais mostrou o quão
fundamental é colher dados e mostrar os resultados dessas inquietações e dos trabalhos
artísticos que são desenvolvidos. Essas inquietações nos permitem mergulhar em águas mais
profundas sobre as questões sociais, históricas, econômicas aos quais estamos submetidos, e,
que nos permitem romper hegemonias ou perpetuá-las. Diante do momento atual em que
vivemos com cortes em educação, contingenciamento nas verbas de cultura, entre tantos
acontecimentos, nos resta lutar em nossos espaços do dia-a-dia em prol da educação e da
cultura, resistindo e produzindo conteúdos, e, trabalhando para difundir o máximo de
conhecimento possível aos que estão ao nosso redor, afim de conseguimos empurrar essa roda
viva com nossos colegas, como finaliza o Danilo Miranda na entrevista:
“[…] Estou numa engrenagem onde eu ajudo a rodar a roda […] mas eu estou numa roda e
tem muita gente empurrando junto.” É uma satisfação muito grande fazer parte da Fundação
Mary Harriet Speers que conta com todos do Projeto Soarte empurrando essa roda com força,
e acreditando que o caminho é investir no capital humano, na educação e na cultura.
Direcionando cada vez mais nossos esforços para a propagação do conhecimento, investindo
nos nossos alunos, oferecendo outras possibilidades de futuro, como nos recomenda
Lipovetsky e Serroy, em conformidade com o ideal altruísta de d. Mary Speers.

33
Bibliografia:

BARENBOIM, Daniel. A música desperta o tempo. São Paulo: Martins, 2009.

COELHO, Teixeira. Dicionário crítico de política cultural: cultura e imaginário. 3. ed. São
Paulo: Iluminuras, 1997.

JANNUZZI, Paulo de Martino. Indicadores sociais no Brasil: conceitos, fontes de dados e


aplicações para formulação e avaliação de politicas publicas, elaboração de estudos
socioeconomicos. Campinas, SP : Alínea, 2006

JUVIN, Hervé; LIPOVETSKY, Gilles. A Globalização Ocidental: controvérsia sobre a


cultura planetária. Ed. Brasileira. Barueri, SP: Manole, 2012.

LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A cultura-mundo: resposta a uma sociedade


desorientada. 1. Ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Administração pública, concessões e terceiro setor. 3.


ed. rev., ampl. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.

PAES, José Eduardo Sabo. Fundações, associações e entidades de interesse social: jurídicos,
administrativos, contábeis, trabalhistas e tributários. 9. ed. rev e atual. - Rio de Janeiro:
Forense, 2018.

ROSS, Alex. O resto é ruído: escutando o século XX. São Paulo: Companhia das Letras,
2009.

SPEERS, Fundação Mary Harriet. Fundação Mary Harriet Speers - Um legado de cidadania.
São Paulo: Tempo&Memória, 2012.

On-line:

IBGE. A Dinâmica Social do Brasil - Síntese de Indicadores Sociais uma anelise das
condições de vida da população brasileira. Instituto Brasileiro de Geografia Estatística,
2018.Disponível em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/ce915924b20133cf3f9e
c2d45c2542b0.pdf . Acesso em maio de 2019

GESTORES CULTURAIS #2 - Danilo Santos de Miranda - Youtube, 4 fev. 2016 -


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=n4EjeQjFqeM - Acesso em 05/2019.

CAPITAL CULTURAL Youtube, 10 jun. 2011 - Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=a3eO6-D4nHo - Acesso em 05/2019.

JLeiva, disponível em: http://www.culturanascapitais.com.br/ - Acesso em: 05/2019


https://gallery.mailchimp.com/05442587aa58c206175d60ac5/files/37bfa35d-3d90-49fd-85bb-
2e832f1e2b05/PDF_Cultura_na_Capitais.pdf

VALENTIM, Aldo. Juventude Viva: Proposta de indicadores de avaliação de resultados


para medir a efetividade da política pública. Escola de Administração de Empresas de São

34
Paulo. Disponível em:
http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/11966/JUVENTUDE%20VIVA
-Proposta%20de%20Indicadores.pdf?sequence=1

35

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