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Vivendo Leviatã: grupos étnicos e o Estado (David Maybury-Lewis)

Fichamento: Márcio Filgueiras

O modelo francês de Estado Nacional baseia-se em uma concepção racional e universal de


indivíduo. Ser "francês" seria uma circunstância histórica -contingente-, mas a fonte principal de
identidade do cidadão da República seria sua ligação com valores iluministas humanos em um
sentido universal.
Nessa concepção, qualquer filiação coletiva entre o indivíduo e o Estado – com exceção da
família- deveria basear-se em entidades de filiação voluntárias, como sindicatos, associações, mas
não grupos étnicos. Estes representariam o atraso, o comunitarismo, a tradição, sobre a escolha
individual racional.
Obs: Talvez o processo de identificação nacional através da língua estivesse tão estabelecido
já antes da Revolução Francesa (ver. Benedict Anderson, "Comunidades Imaginadas") que a
questão de uma identidade cultural particular não tenha se colocado aos revolucionários como um
dos elementos da identidade nacional. O que certamente muda atualmente com a presença do islã na
sociedade francesa e a proibição do uso do véu. Ou seja, há uma recusa em reconher o véu como
símbolo de uma das comunidades que constituem aquele país e talvez signifique mesmo o não
reconhecimento de que o país é formado por comunidades, mas sim por indivíduos.(Ver reportagens
recentes sobre decisões judiciais francesas e da Corte Européia).
Os alemães, diferentemente dos franceses do período revolucionário, estavam em busca de
uma identidade nacional substantiva, que os conectasse com uma tradição particular (kultur) e não
com princípios racionais, abstratos e universais de identidade (zivilization). (ver Norbert Elias, O
processo civilizador; tb Luis Dumont, A ideologia alemã)
"Em suma, o conceito de Estado da Revolução Francesa enfatizava sua racionalidade e
podia dar-se ao luxo de ignorar a etnicidade dos seus cidadãos, que na época não era um problema.
Em contraste, o pensamento alemão enfatizava a etnicidade do Volk, sua linguagem e cultura
comuns como os fundamentos do Estado".

O direito internacional

Os conjuntos de direitos que avançaram destacaram sempre a proteção dos indivíduos contra
o Estado, mas não o direito de "comunidades" dentro de um estado: "As nações unidas, por ex.,
declararam seu intento de proteger o direito dos indivíduos". Sobre os povos, a posição tem sido a
da "assimilação"(ver tutela indígena, em João Pacheco, "O nascimento do Brasil").
Certamente os efeitos da Segunda Guerra Mundial se fizeram sentir no risco percebido entre
a valorização excessiva de identidades particulares ("nós arianos") e crimes contra a humanidade.

Nas Américas

No período das lutas anticoloniais, tanto liberais quanto conservadores estimularam o


desaparecimento das culturas indígenas.
Simon Bolívar- Transformar indígenas em indivíduos; abolição das propriedades coletivas;
Obs: Nas missões jesuíticas, os religiosos estimulavam tipos de casamentos baseados na
noção de família mononuclear, que contrariavam os costumes nativos e constituíam incesto aos
olhos dos indígenas.
1938- Conferência Pan-Americana (1938):
"O sistema de proteção de minorias étnicas...não pode ter aplicação nas Américas onde não
existem tais condições"(voto brasileiro)
Bolívia (1953)- Índios devem virar "campesinos"
Brasil- Pacificação, integração e tutela.

Quais reais riscos ao Estado representam os povos indígenas nas Américas?


Maybury-Lewis sugere que mesmo em países de maioria indígena, os movimentos indígenas não
possuem caráter separatista, mas constituíram uma ameaça ideológica, por exemplo, à autoimagem
de "país de mestiços" construída pelo Estado Nacional brasileiro.
A Nicarágua representa um caso interessante porque os Sandinistas tiveram apoio dos
indígenas, mas quando os convidaram para formar o Conselho de Estado sob o lema ameaçador
"Nicaragua es una sola" se surpreenderam com o mal estar e a resistência dos nativos contra o que
lhes parecia uma ameaça à sua identidade étnica.
"...não importa que as populações indígenas sejam grandes ou pequenas, que sejam ubíquas
ou distantes, que vivam em regimes de direita ou esquerda, pois são forçadas a abandonar suas
culturas em nome do desenvolvimento naiconal."

Perspectiva marxista: filiações étnicas mascaram as relações sociais fundamentais.


Pesrspectiva liberal: filiações étnicas são sobrevivências culturais que ameaçam a liberdade do
indivíduo e o funcionamento de um mercado racional.

Na África:

Na luta póscolonial, a etnicidade é vista como"tribalismo", ou seja, ameaça à unidade da luta


anticolonial. O multipartidarismo tb correria o risco de expressar o tribalismo, a fragmentação, daí a
justificativa de regimes unipartidários (e autoritários).

"Esse processo assume vários estilos, mas todos insistem na incompatibilidade entre as
necessidades do Estado e a sobrevivência cultural ou autonomia parcial dos grupos que ele contém.
Esses argumentos unem liberais e marxistas"

Duas objeções teóricas principais aos grupos étnicos:

-São indesejáveis porque intermedeiam entre o indivíduo e o Estado. Porém, outras entidades
intermediárias, como as associações e os sindicatos geralmente são toleradas.
-São indesejáveis porque são atribuídas. As famílias tb são atribuídas, mas ninguém está propondo
eliminá-las.

Por outro lado, em algumas circunstâncias a luta pelo uso da etnicidade poderia ser visto como uma
forma de luta por direitos civis. Faz sentido se pensarmos na história dos EUA, fundados por uma
minoria religiosa, e cujos direitos civis foram estabelecidos tendo perspectiva a ideia de uma
sociedade formada por comunidades e não somente por indivíduos. Pensar nas comunidades quaker,
etc., e o papel que desempenham na memória da construção daquela nação.

Por fim, os Estados multiétnicos, assim como a democracia, podem ser bem complicados, mas as
opções são piores.

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