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O marxismo na América Latina

José Carlos Mariátegui


O socialismo indo-americano*

Neste documento, publicado como balanço editorial por ocasião do segundo


aniversário da revista Amauta, Mariátegui resume suas concepções sobre
a revolução na América Latina e apresenta o socialismo como única

indo-americano, que
não deverá ser “decalque e cópia” de outras experiências – concretamente,
da União Soviética –, mas sim uma criação heroica dos povos das Américas.
É sem dúvida um dos escritos políticos mais originais e importantes de
Mariátegui.

presta-se bastante ao equívoco. Temos que reivindicá-la rigorosa e intransi-


gentemente. Temos que restituir-lhe seu sentido estrito e cabal. A revolução
latino-americana será, nada mais e nada menos, que uma etapa, uma fase da
revolução mundial. Será, simples e puramente, a revolução socialista. A esta
palavra, somem-se, segundo os casos, todos os adjetivos que queiram: “anti-
-imperialista”, “agrarista”, “nacional-revolucionária”. O socialismo os supõe,
os antecede, abarca a todos eles.
À América do Norte capitalista, plutocrática, imperialista, somente é pos-

livre concorrência na economia capitalista terminou em todos os campos e em


todos os aspectos. Estamos na época dos monopólios, vale dizer dos impérios.
Os países latino-americanos chegam com atraso à competição capitalista. Os

dentro da ordem capitalista, é de simples colônias. A oposição de idiomas, raças,


de espíritos não tem nenhum sentido decisivo. É ridículo falar, no entanto, do
contraste entre uma América saxã materialista e uma América latina idealista,
-
doavelmente desacreditados. O mito de Rodó1 já não produz efeito – nunca
produziu – útil e fecundamente sobre as almas. Descartemos, inexoravelmente,
todas estas caricaturas e estes simulacros de ideologias e acertemos as contas,
séria e francamente, com a realidade.

“Aniversario y Balance”, em Amauta, n. 17, setembro 1928; e em Ideologia


y Politica, Lima, Amauta, 1971, p. 247-250.
1

o ensaio Ariel. Nele defende a


superioridade de valores espirituais da América Latina em relação aos Estados Unidos, os quais
considerava de natureza essencialmente materialista.
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O novo período revolucionário

O socialismo não é, certamente, uma doutrina indo-americana. Porém


nenhuma doutrina, nenhum sistema contemporâneo o é nem pode sê-lo. E o
socialismo, ainda que tenha nascido na Europa, como o capitalismo, não é

ao qual não se subtrai nenhum dos países que se movem dentro da órbita da
civilização ocidental. Esta civilização conduz, com forças e meios de que
nenhuma civilização dispôs, à universalidade. A Indo-América, nesta ordem

nem um destino particulares. Faz cem anos, devemos nossa independência


como nações ao ritmo da história do Ocidente, que desde a colonização nos
impôs inelutavelmente seu compasso. Liberdade, Democracia, Parlamento,
Soberania do Povo, todas as grandes palavras que pronunciaram nossos
homens de então procediam do repertório europeu. A história, todavia, não
mede a grandeza desses homens pela originalidade destas ideias, mas pela
-
çam no continente são aqueles nos quais elas se arraigaram melhor e mais
prontamente. A interdependência, a solidariedade dos povos e dos continentes
eram, sem dúvida, naquele tempo, muito menores que neste. O socialismo,

primitiva, que a história registra é a inca.


Não queremos, certamente, que o socialismo seja na América decalque
e cópia. Deve ser criação heroica. Temos que dar vida, com nossa própria
realidade, em nossa própria linguagem, ao socialismo indo-americano. Eis
aqui uma missão digna de uma geração nova.
Na Europa, a degeneração parlamentar e reformista do socialismo

fenômeno não se produziu, porque o socialismo surgiu recentemente em


seu processo histórico, a velha e grande palavra conserva intacta sua gran-
deza. Será guardada também na história, amanhã, quando as necessidades
contingentes e convencionais de demarcação que hoje distinguem práticas
e métodos, tenham desaparecido.
Capitalismo ou Socialismo. Este é o problema de nossa época. Não nos
antecipamos às sínteses, às transações, que somente podem operar-se na história.

com a condição de que os revolucionários operem como tais. Marx, Sorel,


Lenin, eis aí os homens que fazem a história.
É possível que muitos artistas e intelectuais apontem que acatamos ab-
solutamente a autoridade de mestres irremediavelmente compreendidos no
processo pela “la trahison des clercs”. Confessamos, sem escrúpulo, que nos
sentimos nos domínios do temporal, do histórico, e que não temos nenhuma
111
O marxismo na América Latina

-
sas metafísicas os espíritos incapazes de aceitar e compreender sua época. O
materialismo socialista encerra todas as possibilidades de ascensão espiritual,

?????????

(Tradução: Eloisa Aragão)

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O novo período revolucionário

José Carlos Mariátegui


O problema indígena na América Latina*1

dedicado aos problemas dos camponeses indígenas e sua inserção na


luta de classes, do qual publicamos alguns fragmentos. Ele atribui grande

desenvolvimento do comunismo entre as massas camponesas da região

hegemonia política do proletariado continua sendo para ele a condição da


passagem para o socialismo.
Mariátegui foi o primeiro comunista da América Latina a abordar o
problema agrário e sua relação com o problema indígena, tentando aplicar

latino-americano. É interessante ressaltar que, depois dele, esta


problemática será abordada sobretudo pelos “hereges” e dissidentes do
marxismo do continente e, mais tarde, pela corrente castrista.

O advento da república não transforma substancialmente a economia do


país. Ocorre uma simples mudança de classes: o governo cortesão da nobreza

nativos. A aristocracia mestiça empunha o poder, sem qualquer conceito eco-


nômico, sem qualquer visão política. Para os 4 milhões de índios, o movimento
de emancipação da metrópole passa despercebido. Seu estado de servidão
persiste desde a Conquista até os dias de hoje, apesar das leis elaboradas para
“protegê-los”, e que não podiam ser aplicadas enquanto a estrutura econômica
de sobrevivência feudo-latifundiária persistisse em nosso mecanismo social.
A nova classe governante, ávida e sedenta de riquezas, dedica-se a aumen-
tar seus latifúndios à custa das terras pertencentes à comunidade indígena, até
fazê-las desaparecer em alguns departamentos. Tendo arrebatado as terras que
as famílias integrantes do ayllu possuíam em comum, estas foram obrigadas
a procurar trabalho, dedicando-se ao yanaconazgo (parceria) e a serem peões
dos latifundiários que violentamente os tinham despojado.
Do antigo ayllu -
tumes, práticas religiosas e sociais, que, com algumas pequenas variações,
são encontrados em inúmeras comunidades que anteriormente constituíram

El movimiento revo-
lucionario latinoamericano, versões da Primeira Conferência Comunista Latino-Americana, junho
de 1929, La correspondencia sudamericana, Buenos Aires, p. 277-79, 290-91.
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O marxismo na América Latina

o pequeno reino ou curacazgo. Mas se desta organização, que entre nós foi a
instituição política intermediária entre o ayllu e o império, desapareceram todos
os elementos coercitivos e de solidariedade, em troca, em algumas regiões pou-
co desenvolvidas o ayllu ou comunidade conservou sua idiossincrasia natural,
seu caráter de instituição quase familiar, em cujo seio continuaram subsistindo
depois da Conquista os principais fatores constitutivos.
As comunidades baseiam-se na propriedade comum das terras em que
vivem e cultivam e preservam, por pactos e por laços de consanguinidade que
unem entre si as diversas famílias que formam o ayllu. As terras cultiváveis
e pastos que pertencem à comunidade formam o patrimônio da coletividade.
Nela vivem, mantendo-se daquilo que cultivam, e seus membros cuidam cons-
tantemente de que elas não lhes sejam arrebatadas pelos poderosos vizinhos

sempre organizados, constituindo um só corpo. As terras comunais pertencem


a todo o ayllu, ou seja, ao conjunto de famílias que formam a comunidade.
Algumas estão divididas e outras continuam em qualidade de bem imóvel
comum, cuja administração é efetuada pelos agentes da comunidade. Cada
família possui um pedaço de terra que cultiva, mas que não pode vender
porque não lhe pertence: é da comunidade.

para algum “santo” ou comunidade e outras são cultivadas por cada família
separadamente.
Mas o espírito coletivista do indígena não se revela apenas na existência
das comunidades. O costume secular da minka subsiste nos territórios do Peru,

seja da comuna, não pode realizar por falta de ajudantes, por doença ou outro
motivo similar, é realizado com a cooperação e o auxílio dos parceiros vizinhos,
que por sua vez recebem parte do produto da colheita, quando sua quantidade
o permitir, ou outra ajuda manual em uma próxima época.
Esse espírito de cooperação que existe fora das comunidades manifesta-se
de forma especial na Bolívia, onde são estabelecidos acordos mútuos entre
indígenas pequenos proprietários pobres, para lavrar em comum todas as terras
e repartir em comum seu produto. Outra forma de cooperação que também se
observa na Bolívia é a realizada entre um índio pequeno proprietário da peri-
feria da cidade, que possui apenas sua terra, e outro índio que mora na cidade,

último não dispõe de tempo, mas de alguma forma pode conseguir as sementes

proporção estabelecida previamente.


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O novo período revolucionário

Estas e outras formas de cooperação extracomunitária, além da existên-


cia de numerosas comunidades (no Peru havia cerca de 1.500 comunidades
com 30 milhões de hectares, cultivadas aproximadamente por 1,5 milhão de

comuneiros, tendo muitos deles sido arrancados da terra para trabalhar nas
minas), que em algumas regiões têm um rendimento agrícola superior ao dos
latifúndios, atestam a vitalidade do coletivismo incaico primitivo, capaz no
futuro de multiplicar suas forças, aplicadas aos latifúndios industrializados e
com os recursos necessários.
O IV Congresso da IC ressaltou mais uma vez a possibilidade, para povos
de economia rudimentar, de iniciar diretamente uma organização econômi-
ca coletiva, sem sofrer a longa evolução pela qual outros povos passaram.
Acreditamos que, entre as povoações “atrasadas”, nenhuma como a população
indígena incásica reúne condições tão favoráveis para que o comunismo agrário
primitivo, subsistente em estruturas concretas e em um profundo espírito cole-
tivista, se transforme, sob a hegemonia da classe proletária, em uma das bases

Só o movimento revolucionário classista das massas indígenas exploradas


poderá lhes permitir dar um sentido real à libertação de sua raça da exploração,
favorecendo as possibilidades de sua autodeterminação política.

terra. A ignorância, o atraso e a miséria dos indígenas são apenas a consequência


de sua servidão. O latifúndio feudal mantém a exploração e a dominação abso-
luta das massas indígenas pela classe proprietária. A luta dos índios contra os
caciques tem residido invariavelmente na defesa de suas terras contra a absorção
e o despojo. Existe, portanto, uma instintiva e profunda reivindicação indígena:

reivindicação, é a tarefa em que a propaganda política e o movimento sindical


têm o dever de cooperar ativamente.
As “comunidades” que, sob a mais dura opressão, demonstraram condições
de resistência e persistência realmente assombrosas representam um fator natural
da socialização da terra. O índio tem hábitos enraizados de cooperação. Mesmo
quando a propriedade comunitária passa a ser propriedade individual, não só
na serra mas também na costa, onde a maior miscigenação volta-se contra os
costumes indígenas, a cooperação se mantém, as tarefas pesadas são realizadas
em comum. A “comunidade” pode se transformar em cooperativa, com um
esforço mínimo. A adjudicação às “comunidades” da terra dos latifúndios, é, na
serra, a solução para o problema agrícola. Na costa, onde a grande propriedade
também é onipotente, mas onde a propriedade comunitária desapareceu, tende-
-se inevitavelmente à individualização da propriedade do solo. Os yanaconas,
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O marxismo na América Latina

espécie de parceiros duramente explorados, devem ser ajudados em sua luta


contra os proprietários. A reivindicação natural desses yanaconas é a da terra
que trabalham. Nas fazendas exploradas diretamente pelos seus proprietários,
por meio da contratação de peões, recrutados em parte na serra, faltando-lhes
vínculo com a terra, os termos da luta são diferentes. As reivindicações pelas
quais se deve trabalhar são: liberdade de organização, supressão de recruta-
mento, aumento de salários, jornada de oito horas, cumprimento das leis de
proteção do trabalho. Só quando o peão de fazenda tiver conquistado essas

É muito difícil a propaganda sindical ou política penetrar nas fazendas.


Cada fazenda é um feudo na costa. Nenhuma associação que não aceitar o pa-
tronato e a tutela dos proprietários e da administração é tolerada, e, neste caso,
só se encontram as associações esportivas ou de lazer. Mas com o aumento do
trânsito de carros, abre-se pouco a pouco uma brecha nas barreiras que antes
fechavam as fazendas a qualquer tipo de propaganda. Daí a importância que a
organização e a mobilização ativa dos operários do transporte tem no desen-
volvimento da mobilização classista. Quando os peões das fazendas souberem
que contam com a solidariedade fraterna dos sindicatos e compreenderem seu
valor, logo despertará neles a vontade de luta que hoje lhes falta. Os núcleos
de sindicalizados que se constituem gradualmente nas fazendas terão a função
de explicar qualquer reclamação e de aproveitar a primeira oportunidade para
dar forma à sua organização, dentro das possibilidades.
Para a progressiva educação ideológica das massas indígenas, a vanguarda
operária dispõe daqueles elementos militantes da raça índia que, nas minas
ou nos centros urbanos, particularmente nestes últimos, entram em contato
com o movimento sindical, assimilam seus princípios e capacitam-se para
desempenhar um papel na emancipação de sua raça. É frequente que operários

de seus irmãos de raça e de classe. Os índios camponeses só poderão entender


realmente indivíduos de seu seio, que falem sua própria língua. Do branco e

levando propaganda classista.

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O novo período revolucionário

José Carlos Mariátegui


Ponto de vista anti-imperialista* 1

Este texto pertence a um documento redigido por Mariátegui e apresentado


pela delegação peruana na I Conferência Comunista Latino-Americana
(Buenos Aires, junho de 1929). Ele tenta delimitar a questão-chave da
relação dialética entre a luta de classes e a luta contra o imperialismo, e
esboça uma análise penetrante e insólita das relações e contradições entre
a metrópole norte-americana, a burguesia local e os latifundiários. É um
dos textos políticos mais conhecidos de Mariátegui, e tem sido objeto de
múltiplas reedições realizadas por grupos revolucionários latino-americanos
depois da Revolução Cubana.

1o – Até que ponto a situação das repúblicas latino-americanas pode ser assi-
milada à dos países semicoloniais? Sem dúvida, a condição econômica destas
repúblicas é semicolonial, e, à medida que crescer seu capitalismo e, conse-
quentemente, a penetração imperialista, este caráter de sua economia tende
a se acentuar. Mas as burguesias nacionais, que veem na cooperação com o

poder político para não se preocuparem seriamente com a soberania nacional.


Estas burguesias na América do Sul, que ainda não conhecem – com exceção do
Panamá – a ocupação militar ianque, não estão predispostas de forma alguma
a admitir a necessidade de lutar pela segunda independência, como supunha
ingenuamente a propaganda aprista. O Estado, ou melhor, a classe dominante,
não sente falta de um grau mais amplo e certo de autonomia nacional. A revo-
lução da Independência está demasiado próxima, relativamente, seus mitos e
símbolos demasiado vivos, na consciência da burguesia e da pequena burguesia.
A ilusão da soberania nacional conserva-se em seus principais efeitos. Pretender
que nesta camada social surja um sentimento de nacionalismo revolucionário,
parecido com o que, em condições diferentes, representa um fator da luta
anti-imperialista nos países semicoloniais avassalados pelo imperialismo nas
últimas décadas na Ásia, seria um erro grave.
Em nossa discussão com os dirigentes do aprismo, reprovando sua ten-

europeia e situar a ação revolucionária em uma apreciação exata de nossa própria


realidade, sustentávamos há mais de um ano a seguinte tese:

Obra política, México, Era,1979,


p. 273-78.
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O marxismo na América Latina

A colaboração com a burguesia, assim como muitos elementos feudais na


luta anti-imperialista chinesa, explica-se por motivos de raça, de civilização
nacional que não existem entre nós. O chinês nobre ou burguês sente-se

e decrépita, responde com o desprezo e o orgulho de sua tradição milenar.


O anti-imperialismo na China pode, portanto, basear-se no sentimento e no
fator nacionalista. Na Indo-América as circunstâncias não são as mesmas. A
aristocracia e a burguesia nacional não se sentem solidarizadas com o povo
pelo laço de uma história e de uma cultura comuns. No Peru, o aristocrata
e o burguês brancos desprezam o popular, o nacional. Sentem-se, acima de
tudo, brancos. O pequeno-burguês mestiço imita este exemplo. A burguesia
de Lima confraterniza com os capitalistas ianques, e mesmo com seus meros

inconveniente de raça nem de religião com a senhorita nativa, e esta não sente
escrúpulo de nacionalidade nem de cultura em preferir o casamento com um
indivíduo da raça invasora. A moça de classe média também não tem este
escrúpulo. A
da Foundation sente com satisfação sua condição social melhorar. O fator
nacionalista, por estas razões objetivas que todos vocês compreendem, não
é decisivo nem fundamental na luta anti-imperialista em nosso meio. Só
em países como a Argentina, onde existe uma burguesia numerosa e rica,
orgulhosa do grau de riqueza e poder em sua pátria, e onde a personalidade
nacional tem por estas razões contornos mais claros e nítidos que nestes
países atrasados, o anti-imperialismo pode (talvez) penetrar facilmente nos
-
tas, não por razões de justiça social e doutrina socialista, como é nosso caso.

A traição da burguesia chinesa, a falência do Kuomintang ainda não eram


conhecidas em toda sua magnitude. Um conhecimento capitalista, e não por motivos

em países como a China, no sentimento nacionalista revolucionário da burguesia.


Enquanto a política imperialista conseguir manéger os sentimentos e for-
malidades da soberania nacional destes Estados, enquanto não for obrigada a
recorrer à intervenção armada e à ocupação militar, contará com a colaboração
das burguesias. Embora enfeudados à economia imperialista, estes países, ou
suas burguesias, considerar-se-ão tão donos de seus destinos como a Romênia,
a Bulgária, a Polônia e demais países “dependentes” da Europa.
Este fator da psicologia política não deve ser descuidado na estimativa
precisa das possibilidades da ação anti-imperialista na América Latina. Seu adia-
mento, seu esquecimento, tem sido uma das características da teorização aprista.
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O novo período revolucionário

2o – A divergência fundamental entre os elementos que aceitaram em princípio


o APRA no Peru – como um plano de frente única, nunca como partido e nem

como um Kuomintang latino-americano consiste em que os primeiros permane-

enquanto os segundos explicam assim sua posição: “Somos de esquerda (ou


socialistas) porque somos anti-imperialistas”. Assim, o anti-imperialismo é
elevado à categoria de um programa, de uma atitude política, de um movimento
que basta a si mesmo e que conduz espontaneamente, não sabemos em virtude
de que processo, ao socialismo, à revolução social. Este conceito leva a uma
desorbitada superestimação do movimento anti-imperialista, ao exagero do
mito da luta pela “segunda independência”, ao romantismo de que já estamos
vivendo as jornadas de uma nova emancipação. Daí a tendência a substituir
as ligas anti-imperialistas por um organismo político. Do APRA, concebido
inicialmente como frente única, como aliança popular, como bloco das classes
oprimidas, passa-se para o APRA
Para nós, o anti-imperialismo não constitui nem pode constituir, sozinho,
um programa político, um movimento de massas apto para a conquista do po-
der. O anti-imperialismo, admitindo que ele pudesse mobilizar a burguesia e a
pequena burguesia nacionalistas, ao lado das massas operárias e camponesas
(já negamos terminantemente esta possibilidade), não anula o antagonismo
entre as classes, nem suprime sua diferença de interesses.
Nem a burguesia, nem a pequena burguesia no poder podem realizar uma
política anti-imperialista. Temos a experiência do México, onde a pequena
burguesia acabou pactuando com o imperialismo ianque. Um governo “nacio-
nalista” pode usar, em suas relações com os Estados Unidos, uma linguagem
diferente que o governo de Leguía no Peru. Este governo é francamente,

burguês faria praticamente o mesmo que ele em matéria de empréstimos e


concessões. Os investimentos do capital estrangeiro no Peru crescem em
estreita e direta relação com o desenvolvimento econômico do país, com a
exploração de suas riquezas naturais, com a população de seu território, com
o aumento das vias de comunicação. Que pode contrapor a mais demagógica
pequena burguesia à penetração capitalista? Nada, exceto uma embriaguez
nacionalista temporária. O assalto ao poder pelo anti-imperialismo, como
movimento demagógico populista, se fosse possível, nunca representaria a
conquista do poder pelas massas proletárias, pelo socialismo. A revolução
socialista encontraria seu mais encarniçado e perigoso inimigo – perigoso
por sua confusão, sua demagogia – na pequena burguesia assentada no poder,
conquistado mediante suas vozes de ordem.
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O marxismo na América Latina

Sem prescindir da utilização de nenhum elemento de agitação anti-impe-


rialista, nem de nenhum meio de mobilização dos setores sociais que eventual-
mente podem auxiliar esta luta, nossa missão é explicar e demonstrar às massas

ao avanço do imperialismo.

3o – Estes fatos diferenciam a situação dos países sul-americanos da situação dos


países centro-americanos, onde o imperialismo ianque, recorrendo à interven-
ção armada sem qualquer pudor, provoca uma reação patriótica que pode fazer
facilmente com que uma parte da burguesia e da pequena burguesia abracem

de la Torre, não parece ter obtido melhores resultados em nenhuma outra parte
da América. Suas pregações confusas e messiânicas que, embora pretendam se
situar no plano da luta econômica, na verdade apelam particularmente aos fato-
res raciais e sentimentais, reúnem as condições necessárias para impressionar
a pequena burguesia intelectual. A formação de partidos de classe e poderosas
organizações sindicais, com clara consciência classista, nesses países não pa-
rece destinada ao mesmo desenvolvimento imediato que na América do Sul.
Em nossos países, o fator classista é mais decisivo, está mais desenvolvido.
Não há motivo para recorrer a vagas fórmulas populistas, por trás das quais
não podem deixar de prosperar tendências reacionárias. Atualmente o aprismo,

Kuomintang latino-americano, está em fase de extinção. A resolução do próximo

organismos anti-imperialistas e estabelecer a distinção entre as plataformas e


agitações anti-imperialistas e as tarefas que competem aos partidos de classe e

4o – Em nossos países, os interesses do capitalismo imperialista coincidem necessária


e fatalmente com os interesses feudais e semifeudais da classe dos latifundiários? A
-
perialista? Certamente, o capitalismo imperialista utiliza o poder da classe feudal, já
que a considera a classe politicamente dominante. Mas seus interesses estratégicos
não são os mesmos. A pequena burguesia, sem excetuar a mais demagógica, se
atenuar na prática seus impulsos mais nacionalistas, poderá chegar à mesma estreita

se o poder estiver em mãos de uma classe social mais numerosa que, satisfazendo
certas reivindicações mais prementes e atrapalhando a orientação classista das
massas, estará em melhores condições de defender os interesses do capitalismo, de
120
O novo período revolucionário

ser seu custódio e servo, que a velha e odiada classe feudal. A criação da pequena

são contrários aos interesses do imperialismo, de modo imediato. Pelo contrário,


na medida em que os últimos resquícios de feudalismo travam o desenvolvimento
de uma economia capitalista, esse movimento de extinção do feudalismo coincide
com as exigências do crescimento capitalista, promovido pelos investimentos e

seu lugar se constitua uma economia agrária baseada naquilo que a demagogia bur-
guesa chama “democratização” da propriedade do solo, que as velhas aristocracias
sejam deslocadas por uma burguesia e uma pequena burguesia mais poderosa e

contra os interesses do imperialismo. No Peru, o regime de Leguía, embora tímido


na prática diante dos interesses dos latifundiários e caciques, que em grande parte
o apoiam, não tem qualquer inconveniente em recorrer à demagogia, em reclamar
contra o feudalismo e seus privilégios, em bradar contra as antigas oligarquias, em
promover uma distribuição do solo que transformará cada peão agrícola em um
pequeno proprietário. Justamente desta demagogia, o regime de Leguía extrai suas
maiores forças. O leguiísmo não se atreve a tocar na grande propriedade. Mas o
movimento natural do desenvolvimento capitalista – obras de irrigação, exploração
de novas minas etc. – vai contra os interesses e privilégios feudais. Os latifundiá-
rios, com o crescimento das áreas cultiváveis, com o surgimento de novos focos
de trabalho, perdem sua principal força: a disposição absoluta e incondicional da

a atividade capitalista da comissão técnica que as dirige, presidida por um perito

conveniências dos grandes proprietários feudais. Estes grandes latifundiários são,


principalmente, produtores de açúcar. A ameaça de perder o monopólio da terra
e da água, e com ele o meio de dispor livremente da população de trabalhadores,
enlouquece essas pessoas, levando-as a uma atitude que o governo, ainda que

Sutton tem as características do empresário capitalista norte-americano. Sua men-


talidade, seu trabalho chocam o espírito feudal dos latifundiários. Por exemplo,
Sutton estabeleceu um sistema de distribuição das águas, baseado no princípio de

as águas estava ligado ao seu direito sobre a terra. Segundo sua tese, as águas lhes

5o – E a pequena burguesia, cujo papel na luta contra o imperialismo é tão


superestimado, necessariamente se opõe à penetração imperialista, como
tanto se diz? Sem dúvida, a pequena burguesia é a classe social mais sensível
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O marxismo na América Latina

ao prestígio dos mitos nacionalistas. Mas o fato econômico que acompanha


a questão é o seguinte: em países de pauperismo espanhol, onde a pequena

mesma, pela miséria dos salários, não tem força econômica para transformá-la,

estabelecimento de grandes empresas que, embora explorem enormemente seus


empregados nacionais, sempre representam para esta classe um trabalho mais
bem remunerado, é recebido e considerado de forma favorável pelas pessoas
da classe média. A empresa ianque representa melhor salário, possibilidade de
promoção, emancipação do empreguismo do Estado, no qual não há futuro,
exceto para os especuladores. Este fato atua decisivamente na consciência do
pequeno-burguês, que busca ou possui um posto de trabalho. Nestes países de
pauperismo espanhol, repetimos, a situação das classes médias não é a mesma
constatada nos países em que estas classes passaram por um período de livre
concorrência, de crescimento capitalista propício à iniciativa e ao sucesso
individuais, à opressão dos grandes monopólios.
Em suma, somos anti-imperialistas porque somos marxistas, porque so-
mos revolucionários, porque contrapomos ao capitalismo o socialismo como
sistema antagônico, chamado a sucedê-lo, porque na luta contra os imperialis-
mos estrangeiros cumprimos nossos deveres de solidariedade com as massas
revolucionárias da Europa.

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