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revolucionária: do romanticismo
ao surrealismo
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Michael Löwy
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homem ocidental" encontraram uma expressão adequada na
Revolução Russa, que conseguiu dar à doutrina socialista "uma
alma guerreira e mística" 1 . Se compararmos essas impres-
sionantes e provocadoras afirmações com documentos da
Internacional Comunista da mesma época, teremos uma ideia
da heterodoxia do marxista Mariátegui...
Em outro artigo "programático" da mesma época, "O
Homem e o Mito", Mariategui celebra a crise do racionalismo e a
derrota do "medíocre edifício positivista". Frente à "alma
desencantada" da civilização burguesa, da qual fala Ortega y
Gasset, ele se identifica com a "alma encantada" (Romain
Rolland) dos criadores de uma nova civilização. O mito, no
sentido soreliano, é sua resposta ao desencanto do mundo e à
perda de sentido da vida. Por exemplo, nessa passagem
extraordinária, cheia de exaltação romântica, que parece
prefigurar a teologia da libertação, o mito e a fé com um
significado profano, secularizado aparecem como as principais
qualidades do espírito revolucionário:
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profundamente individualista, é produto do liberalismo do
século XIX: um de seus últimos representantes em nossa época
é Rainer María Rilke, cujo subjetivismo extremado e lirismo puro
satisfazem-se na contemplação. Agora, no século XX, "nasce um
novo romantismo. Mas esse não é já aquele que amamentou com
seu úbere a revolução liberal. Tem outro impulso, outro espírito.
Chama-se neo-romantismo" 3 . Esse novo romantismo, pós-
liberal e coletivista, está intimamente vinculado à revolução
social, segundo Mariategui.
Nos capítulos literários dos Sete Ensaios, a oposição
entre ambas formas de romantismo ocupa um lugar importante
na crítica de escritores e poetas peruanos. Por exemplo, a
propósito de César Vallejo, Mariátegui observa: "O romantismo
do século XIX foi essencialmente individualista: o romantismo
do novecentos é, em troca, espontânea e logicamente socialista,
unanimista". Outros poetas, como Alberto Hidalgo, ficaram
presos no antigo romantismo, superados pela "épica revoluci-
onária que anuncia um novo romantismo, livre do individu-
alismo do qual termina"4.
Para Mariategui, a expressão cultural mais radical deste
novo romantismo é o surrealismo ("super-realismo" em sua
terminologia). Além de vários artigos, entre 1926 e 1930, que
tratam diretamente do surrealismo, encontramos referências a
Breton e seus amigos em vários escritos dessa época. Como
alerta Mariategui, ele se ocupa do surrealismo "com uma
atenção que se reflete, mais de uma vez, e não episodicamente,
nos meus artigos" 5 . Existe um paralelismo, uma semelhança
surpreendente às vezes palavra por palavra entre seus
ensaios e o artigo de Walter Benjamin, "O surrealismo. Último
instantâneo da intelligentsia europeia" (1929), ainda que, sem
dúvida, nenhum deles leu os trabalhos um do outro: um não lia
em alemão e o outro ignorava o castelhano.
3 Idem, 1994,
p.642).
4 7 Ensayos de Interpretación de la Realidad Peruana, 1928. (cf.
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O primeiro artigo, intitulado "O grupo surrealista e
'Clarté'" é publicado em julho de 1926: contrariamente a tantas
afirmações superficiais, o Amauta percebe, com notável
perspicácia, que esse movimento "não é um simples fenômeno
literário, e sim um complexo fenômeno espiritual. Não uma
moda artística, mas um protesto do espírito". O que o atrai nos
escritos de André Breton e seus amigos (cujos textos publicou
na Revista Amauta) é sua condenação categórica - "em bloco"
da civilização capitalista. O surrealismo é um movimento e dou-
trina neorromântica de vocação nitidamente subversiva: "Por
seu espírito e por sua ação, apresenta-se como um novo
romantismo. Por seu repúdio revolucionário ao pensamento e à
sociedade capitalistas, coincide historicamente com o comu-
nismo, no plano político"6. Essa convergência com o comunismo
é precisamente o tema central do ensaio de 1929 de Walter
Benjamin...
Como o título indica, Mariátegui se interessa demais pela
aproximação entre os surrealistas da revista cultural comunista
Clarté (editada por Marcel Fourrier, Jean Bernier e Victor
Crastre), e pela tentativa dos dois grupos de criar uma revista
nova, La Guerre Civile. Ainda que de saída quatro revistas
Clarté, La Revolution surréaliste, Correspondance, Philosophies
publicaram juntas um manifesto revolucionário de clara
inspiração comunista. O importante, aponta, é que Breton,
Aragon e seus amigos "subscrevem a concepção marxista da
revolução"7.
Nos anos seguintes encontramos referências, sempre
favoráveis, ao surrealismo em vários escritos de Mariategui, mas
um novo ensaio sobre o movimento só aparece em fevereiro-
45).
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março de 1930, por ocasião da publicação do Segundo Manifesto
Surrealista de André Breton.
Até hoje, muitos historiadores confundem o surrealismo,
o futurismo e outros movimentos culturais sob o conceito
abstrato de "vanguardas artísticas". Ao contrário, o marxista
latino americano percebeu, com grande perspicácia, o caráter
único, singular, do surrealismo:
8 -46).
9 1930.
é um termo de linguagem popular francesa para designar um policial e
Tardieu era o chefe da policía nessa época.
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É claro que o surrealismo não tem apenas uma dimensão
política, ele é um profundo movimento de rebelião do espírito e
de criatividade cultural. Como em seu primeiro ensaio, em 1926,
o que importa a Mariategui é enfatizar o caráter romântico no
sentido amplo de visão de mundo do surrealismo. Cita nesse
contexto um parágrafo do Segundo Manifesto do Surrealismo, no
qual Breton se refere a seu movimento como "a cauda preênsil"
do romantismo, um movimento que nasceu na França um
século atrás, mas "começa a fazer conhecer seu desejo, por meio
de nós". O comentário do Amauta a esta colocação do poeta
surrealista é sumamente interessante, e ilustra de forma
concreta o fio condutor da cultura revolucionária que conduz do
romantismo ao surrealismo:
10 51).
Mariátegui manteve correspondencia com dois poetas surrealistas peruanos,
Xavier Abril e César Moro, cujos poemas publicou em Amauta. Aparente-
mente também quis escreber a André Bretón porque pediu a Xavier Abril
seu endereço em Paris. (Cf. carta de X. Abril a J.C. Mariátegui del 8.10.1928
em MARIÁTEGUI, 1984, p. 452; Idem, 1994, p. 1935).
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ruptura com Breton mais pessoal do que política, já que o
poeta surrealista compartilhava das suas simpatias por Trotsky.
No Segundo Manifesto Surrealista (1930) Breton denuncia, com
exagerada violência, os que abandonaram as fileiras do
movimento, inclusive Naville.
Benjamin vai se interessar sobretudo pelo livro de
Naville, como expressão de um surrealismo comunista, e como
protagonista de um "pessimismo revolucionário"; Mariategui não
menciona o livro, mas vai assumir a defesa do autor contra as
críticas de Breton. Foi o que Pierre Naville me comentou, numa
conversação nos anos de 1970, que Mariategui lhe havia enviado
uma cópia dos Siete Ensaios, assim como uma carta que se
perdeu.... Nesse ensaio de 1930, Mariategui se distancia
criticamente das colocações do autor do Segundo Manifesto:
"Breton extrema a agressão pessoal contra Pierre Naville, que tão
marcadamente se expôs, junto com Marcel Fourrier, na
liquidação de Clarté e sua substituição por La Lutte de Classes.
Naville é apresentado como o filho aproveitador de um banqueiro
milionário [...]. Parece-me que em Naville há algo bem mais sério.
E não excluo a possibilidade de que Breton se retifique mais
tarde a seu respeito se Naville corresponder à minha própria
esperança com a mesma nobreza com que, após uma longa
querela, reconheceu em Tristan Tzara sua persistência num
empenho atrevido e no trabalho severo"11. A previsão era justa,
mas foram necessários oito anos para que se cumprisse: em
1938, por ocasião da visita de Breton a Trotsky, em México,
Naville e ele se reconciliaram. Esses comentários sobre Naville
ilustram também outro aspecto do pensamento político de
Mariátegui: sua simpatia o que não quer dizer adesão às
ideias de Trotsky e da oposição comunista.
Mencionamos as surpreendentes convergências entre os
ensaios de Mariátegui e o artigo de Benjamin. Outro exemplo de
argumentos quase idênticos: segundo Benjamin, o grande
111
desafio para os surrealistas é associar sua espontaneidade
anarquista com a "disciplina revolucionária"; Mariategui, por
sua vez, rende homenagem à "difícil, penosa procura por uma
disciplina" por parte dos surrealistas12. Também, na crítica aos
surrealistas, há curiosas coincidências: por exemplo, Benjamin
queixa-se de que, em sua novela surrealista Nadja, André Breton
refere-se a uma visita a Madame Sacco, vidente: que fazem os
revolucionários surrealistas, pergunta com irritação, nessa
"úmida alcova do espiritismo", nesses "conventos de damas de
caridade, de oficiais superiores pensionistas, de mercadores
emigrados?"13. Mariátegui também lamenta, num artigo sobre
Nadja (janeiro de 1930), que a novela de Breton possa alentar
"muitas tentativas literárias baratas de gente obsecada por um
mundo de mistérios, signos e milagres, mais ou menos
teosóficos, da clientela decadente dos videntes e oráculos
novecentistas"14. Mas, para além desses detalhes, é impressio-
nante a afinidade, em espírito, de seus respectivos escritos sobre
o surrealismo. Esta analogia é tanto mais interessante uma vez
que poucos marxistas nessa época manifestaram tanta
compreensão, tanta simpatia crítica e tanta generosidade na
reflexão com relação ao movimento surrealista.
Não é apenas do ponto de vista estritamente político que
Mariátegui se interessa pelos surrealistas: é toda sua visão
romântica do mundo que lhe parece digna de admiração. Poucas
semanas após o balanço que comentamos, ainda em março de
1930, ele volta a falar do surrealismo, agora a propósito de uma
enquete sobre o amor:
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Nesse contexto, Mariategui vai se referir, de forma
positiva, à tentativa dos surrealistas de associar as ideias de
Freud e de Marx; é outra de suas heterodoxias, compartilhada
na época por muito poucos pensadores marxistas. Nesta
passagem encontramos também uma aguda e sutil interpre-
tação da leitura poética e subversiva do freudismo pelos
surrealistas:
16 Defensa del marxismo, 1930. (cf. MARIÁTEGUI, 1959, p. 124. Idem, Lima,
1994, p. 1325).
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Peru, havia captado, nos primeiros anos decisivos 1926-1930
os aportes políticos e culturais desses herdeiros e
continuadores revolucionários do romantismo. O único texto
comparável, por sua profundidade e por sua força visionária, na
literatura marxista dessa época, é o ensaio de Walter Benjamin
de 1929. Os dois pensadores não se conheciam, mas suas
estrelas formam uma brilhante constelação no firmamento da
cultura revolucionária dos anos 20.
Referências bibliográficas
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