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OITAVA PARTE

A ERA DO FILME
I
A ERA DO FILME
A crise do capitalismo. A democracia de massas. Anti­
impressionisrno. Terroristas e. retóricos. O 'dadaísmo' e
o 'surrealismo' . A crise do romance psicológico. O es­
paço e o tempo no filme. A experiência da simultaneidade.
O problema do coletivismo na produção artística. O pú­
blico de cinema. A montagem russa. O filme como ins­
trumento de propaganda. O filme e a técnica. A demo-
cratização da arte.

O 'sÉcuLo xx' começou na segunda década, depois da Primeira


Grande Guerra, assim como o 'século XIX' só começara em 1830.
Mas a guerra marca um ponto de mudança na evolução, apenas à
medida que oferece oportunidade para uma escolha entre as pos­
sibilidades existentes. As três orientações na arte do nôvo século têm
as suas antecessoras no período precedente: o cubismo em Cézanne e
nos neoclassicistas, o expressionismo em Van Gogh e Strindberg, o
surrealismo em Rimbaud e Lautréamont. A continuídade da evolução
artística corresponde a certa estabilidade na história social e econômi­
ca do mesmo período. Sombart limita a duração do alto capitalismo
a cento e cinqüenta anos e marca o seu fim com o rebentar da guerra.
Pretende interpretar o sistema de cartéis e de trusts dos anos 1895-1914
como um fenômeno de velhice e um augúrio da crise iminente. Mas
no período anterior a 1914, só os socialistas falam do colapso do capi­
talismo; nos círculos burgueses tem-se a consciência do perigo socia­
lista, mas não se crê nem nas 'contradições internas' da economia ca­
pitalista, nem na impossibilidade de dominar as suas crises ocasionais.
Nestes círculos, ninguém pensa numa crise do próprio sistema. O es­
tado de espírito, de uma maneira geral, de confiança, continua ainda
nos prirr..eiros anos a seguir à guerra, e a atmosfera em que vive a bur­
guesia, excetuando a classe média inferior, é a de ter de lutar contra
terríveis contrariedades, que, no entanto, não são desesperadas. A
verdadeira crise econômica começa em 1929 com a derrocada, na Amé-
1116 Arnold Hauser

rica, que encerra o período da prosperidade da guerra e do após-guerra


e revela, de maneira insofismável, as conseqüências da falta de plane­
jamento internacional da produção e da distribuição. Começa, agora,
de súbito a falar-se por tôda a parte de crise do capitalismo, de falên­
cia da economia livre e da sociedade liberal, de uma catástrofe imi­
nente e da ameaça da revolução. A história da década de trinta é
a história de um período de crítica social, de realismo e ativismo, de
radicalização de atitudes políticas e de convicção cada vez mais gene­
ralizada de que só uma solução radical pode ter alguma utilidade; em
outras palavras, que os partidos moderados tiveram o seu tempo. Mas
ninguém tem mais nítida consciência da crise por que passa a vida
burguesa do que a própria burguesia, e é entre os seus membros que
mais se fala do fim dessa época. O fascismo e o bolchevismo são unâ­
nimes em considerar o burguês um cadáver com vida e em se voltarem
com a mesma intransigência contra o princípio do liberalismo e do
parlamentarismo. De uma maneira geral, as camadas intelectuais to­
mam posição ao lado das formas autoritárias do govêrno, exigem or­
dem, disciplina, ditaduras, são inspiradas com entusiasmo por uma no­
va Igreja, um nôvo escolasticismo e um nôvo bizantinismo. A atração
que o fascismo exerce sôbre as camadas literárias enervadas, em con­
fusão provocada pelo vitalismo de Nietzsche e de Bergson, consiste na
mera aparência dos valôres absolutos, sólidos, inquestionáveis, que nê­
le existe e na esperança de se libertarem da responsabilidade que está
relacionada com tudo que é racionalismo e individualismo. Do comu­
nismo as classes intelectuais vão haurir um possível contato direto com
as grandes massas e a redenção do seu próprio isolamento na
sociedade.
Nesta precária situação, os porta-vozes da burguesia liberal não
são capazes de pensar em nada melhor do que pôr em relêvo as cara­
terísticas que o comunismo e o fascismo têm em comum e em desacre­
ditar um à custa do outro. Fazem notar o realismo sem escrúpulos
peculiar a ambos e vêem numa tecnocracia impiedosa o denominador
comum a que as suas formas de organização se podem reduzir (1). Des­
prezam obstinadamente as diferenças ideológicas existentes entre as
várias formas autoritárias de govêrno, e apresentam-nas como meras
'técnicas', isto é, como o campo de ação do perito de partido, do admi­
nistrador político, do engenheiro da máquina social, numa palavra,
dos 'gerentes'. Há, sem dúvida, certa analogia entre as várias for­
mas de regulação social, (2) e, se se parte do mero fato do tecnicismo

(1) HERMANN KEYSERLING, Die neuentstehende Welt, 1926;-JAMES


BURNHAM, The Managerial Revolution, 1941.
(2) M. J. BONN, The American Experiment,. 1933, p. 285.

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