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“Como além de cumprir aquilo que ele concebia como deveres de um cidadão respeitador
das leis, ele também agia sob ordens – sempre o cuidado de estar “coberto” –, ele acabou
completamente confuso e terminou frisando alternativamente as virtudes e os vícios da
obediência cega, ou a “obediência cadavérica”, (kadavergehorsam), como ele próprio a
chamou.” pg 152
Arendt compara Eichmann a Pôncio Pilatos (no cp anterior) devido ao fato de, com o tempo,
ter perdido a necessidade de “sentir”. Eichmann explica que cumpria seu dever, pois não
apenas obedecia ordens, mas acima de tudo obedecia a lei.
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“Isso era aparentemente ultrajante, e também incompreensível, uma vez que a filosofia moral
de Kant está intimamente ligada à faculdade de juízo do homem, o que elimina a obediência
cega. O oficial interrogador não forçou esse ponto, mas o juiz Raveh, fosse por curiosidade,
fosse por indignação pelo fato de Eichmann ter a ousadia de invocar o nome de Kant em
relação a seus crimes, resolveu interrogar o acusado. E para surpresa de todos, Eichmann
deu uma definição quase correta do imperativo categórico: “O que eu quis dizer com minha
menção a Kant foi que o princípio de minha vontade deve ser sempre tal que possa se
transformar no princípio de leis gerais” (o que não é o caso com roubo e assassinato, por
exemplo, porque não é concebível que o ladrão e o assassino desejem viver num sistema
legal que dê aos outros o direito de roubá-los ou matá-los). [...] explicou que, a partir do
momento em que fora encarregado de efetivar a Solução Final, deixara de viver segundo os
princípios kantianos, que sabia disso e que se consolava com a idéia de que não era mais
“senhor de seus próprios atos”, de que era incapaz de “mudar qualquer coisa”.” pg 153
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A lei, no caso de Eichmann, não necessitava estar por escrito, tampouco encontra-se
transcrita em qualquer tipo de documento de ordem pública para que tivesse validade. O
ordenamento, tratando-se de palavras do Führer, para Eichmann, tinha total peso de lei,
motivo pelo qual seguia as ordens tão piamente. Arendt menciona jamais ter sido encontrado
qualquer documento relativo a Solução Final, e que provavelmente nunca tenha existido. Ora,
nesta senda, a obediência cega a uma ordem nos leva a entender que, existindo ou não um
ordenamento jurídico vigente (uma lei escrita e vigente), o que possui validade é a ordem do
líder.
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Legal ou ilegal? Quando os ordenamentos de Hitler passaram a ser ilegais? Durante seu
período no poder, suas palavras e pronunciamentos eram a lei. Assim, qualquer direção
contrária a seus ideais, fossem escritas, pensadas ou faladas, seriam considerados ilegais. Fato
interessante, após a morte de Hitler, rapidamente todos os atos de extermínio passaram a ser
tratados como ilegais.
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Nosso Código Penal Brasileiro, em seu artigo 22, trata da excludente de culpabilidade por
obediência hierárquica, ou seja, exclui a culpa do obediente hierárquico caso a ordem de
comando não seja manifestamente ilegal. Não obstante, Arendt ressalta que, segundo o
tribunal indicara no caso Eichmann, a desobediência deve sim ocorrer quando as ordens
constituam-se manifestamente ilegais.
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“Essa é também a verdadeira razão pela qual a ordem do Führer para a Solução Final foi
seguida por uma tempestade de regulamentos e diretivas, todos elaborados por advogados
peritos e conselheiros legais, não por meros administradores; essa ordem, ao contrário de
ordens comuns, foi tratada como uma lei. Nem é preciso acrescentar que a parafernália
resultante, longe de ser um mero sintoma do pedantismo ou empenho alemão, serviu muito
eficientemente para dar a toda a coisa a sua aparência de legalidade.” pg 167
Deveras a lei não deve ser atrelada à moral. Ora, as leis, assim como no Terceiro Reich, são
elaboradas a fim de afirmar ideais de cada estação. De fato, se pensadas no século 21, as
ordens para a Solução Final são deliberadamente ilegais (e desumanas). Contudo, a variável
das leis enquadra -se ao tempo no qual é elaborada. Motivo pelo qual constantemente existem
alterações legais , para que as leis enquadrem-se ao tempo e estado de cada período histórico.
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“No terceiro Reich, o Mal perdera a qualidade pela qual a maior parte das pessoas o
reconhecem – a qualidade da tentação. Muitos alemães e muitos nazistas, provavelmente a
esmagadora maioria deles, deve ter sido tentada a não matar, a não roubar, a não deixar
seus vizinhos partirem para a destruição (pois eles sabiam que os judeus estavam sendo
transportados para a destruição, é claro, embora muitos possam não ter sabido dos detalhes
terríveis), a não se tornarem cúmplices de todos esses crimes tirando proveito deles. Mas
Deus sabe como eles tinham aprendido a resistir a tentação.” pg 167
O mal, durante o Terceiro Reich, no que diz respeito aos atos desumanos do Holocausto, teria
perdido o sentido? É o que o estudo sobre Eichmann nos leva a entender, ou seja, quando há
atos juridicamente permitidos, ainda que manifestamente imorais e amorais, os obedientes
sequer questionam seu "mal". Há uma obediência cega a seu líder, o que anula a capacidade
de pensar de forma crítica, ou mesmo de "sentir". Não há que se falar em possíveis
questionamentos, pois pensar fora da caixa não é uma opção.